Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 ISSN 1518-3483 Licenciado sob uma Licença Creative Commons [T] doi: 10.7213/dialogo.educ.14.042.AO01 Formação de professores: as diretrizes nacionais e o poder local Teacher formation: the national guides and the local power Maria Eliza Nogueira Oliveira[a], Graziela Zambão Abdian[b] [a] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marília, SP - Brasil, e-mail: mariaeliza_oliveira@yahoo.com.br [b] Doutora, professora assistente do Departamento de Administração e Supervisão Escolar e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marília, SP - Brasil, e-mail: graziela.maia@gmail.com Resumo Resultante de uma pesquisa fundada em estudos de Lima (2008), este artigo se propõe a investigar o processo de reestruturação do curso de Pedagogia oferecido por uma uni- versidade pública estadual, desde a vigência das novas Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas em maio de 2006. Um dos objetivos da análise pretende identificar não apenas as principais dificuldades, mas também as possíveis aberturas para que se efetivassem as mudanças, atendendo aos interesses externos e internos da instituição. Para atingir OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 528 essas metas, utilizou-se de instrumental concreto: documentos referentes ao curso de Pedagogia mantidos no Conselho de Curso da universidade e entrevistas com os sujeitos diretamente envolvidos no processo de reestruturação. Por se tratar de universidade pú- blica, pressupunha-se a prevalência de gestão ancorada em princípios democráticos, em que as divergências de opiniões e os conflitos não se revelassem como desvios, senão como oportunidade de diálogo e de instauração de projetos coletivos. O resultado da aná- lise surpreendeu revelando o oposto: o processo se deixou gerir por um modelo racional/ burocrático de administração, cujos objetivos visavam adequar a instituição às normas externas e estabelecer o consenso — aqui entendido como inexistência absoluta de con- flitos. Não obstante, optou-se por conciliar o curso às diretrizes, sem que houvesse dano aos interesses departamentais. Todas essas são razões por que o presente artigo suscita novos e relevantes debates no momento de (re)pensar práticas em sala de aula — o com- promisso político inerente a quem assuma o mister de formar professores, mormente o de participar efetivamente na construção dos fins para os quais se empenhará e trabalhará. Palavras-chave: Formação de professores. Curso de Pedagogia. Análise das organizações escolares. Abstract Coming as a result from a comprehensive research based on Lima’s studies (2008), this article is intended for investigating the process of reorganization of the Pedagogy course offered by a state public university since 2006, when the new National Curricular Guides were instituted. The subject matter brings up as one of its purposes to identify the main difficulties and the possible answers given in order to cause the changes to happen, taking in consideration both the external and internal interests of the institution. To further these aims, actual instruments were applied to the research: documents related to the Pedagogy course that were kept in the Council of the university and interviews with the members who took part in the process of readjustment. Because it is a public university, at first there was a mistaken presumption of the primacy of an administration founded upon democratic principles, in which the divergent opinions do not turn out to be taken as mere pretexts, but as an opportunity of dialogue and to establish collective projects. However, the results of the analysis shook that basic assumption and proved the opposite: the process was led Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 529 to a rational/bureaucratic pattern of administration, the goals of which intended to adjust the institution to the external precepts and to establish the consensus — understood here as an absolute lack of conflicts. Nevertheless, it was chosen to conciliate the Pedagogy course to the national guides, without causing any harm to the departmental interests. These are reasons that justify satisfactorily the fact of this article being supposed to raise and quicken new and revitalized debate whenever there is an engagement of those who are most concerned for the duty of student teachers’ instruction, but mainly that of being expected to participate in the effective discussion/decision — making process of creating ends which to strive and work for. Keywords: Teachers’ education. Pedagogy course. Analysis of school organizations. Introdução O artigo resulta de pesquisa subsidiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que analisou a re- estruturação do curso de Pedagogia de uma universidade pública estadu- al, consequente à instituição das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia (DCNPs), em 20061. A pesquisa vem ancorada em estudos de Lima (2008) e preten- de, dentre outros objetivos, encontrar respostas que favoreçam a identi- ficação dos principais óbices enfrentados pelos sujeitos que se propuse- ram a reestruturar o curso em análise. Ademais, procurou-se conhecer medidas e instrumentos empregados como possibilidades de resolução do processo, para que se efetivassem as mudanças impostas, atendendo não apenas a interesses externos à instituição, mas também àqueles que lhe eram interiores. 1 A pesquisa integra estudo maior, intitulado “Formação, função e provimento do cargo de Administrador escolar”, com auxílio financeiro da FAPESP, cujo processo é o de n. 2009/15537-4. OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 530 Como procedimentos metodológicos, coletaram-se docu- mentos referentes ao curso de Pedagogia junto a seu Conselho, e reali- zaram-se entrevistas com os integrantes diretamente envolvidos com o processo de reestruturação. Particularmente neste texto, contempla-se a reestruturação do curso de Pedagogia em dois âmbitos, interligados entre si apenas para que se apreendam os constituintes da história em movimento. Embora brevemente, no espaço macro-histórico, abordam-se os pro- cessos concernentes à construção das DCNPs, e, na ambiência institu- cional — foco da analise objetivada —, trata-se da realidade em movi- mento à luz de referencial teórico específico, tomado de empréstimo à sociologia das organizações escolares. Dessa forma, pretende-se en- tender como ocorreu o processo de reestruturação que, por um lado, deixa transparecer as marcas históricas das conquistas democráticas da gestão universitária e, por outro, as marcas históricas da consti- tuição dos departamentos e da divisão de disciplinas. No entanto, não se trabalharão sequencialmente esses dois âmbitos, uma vez que se optou por contemplá-los do início ao fim do texto, em tratamento cujo intuito é tornar presente e palpável a dinâmica do entrelace entre as diretrizes nacionais e locais. Por último, o artigo presta-se como contribuição e se alinha entre as pesquisas que privilegiam a abordagem em nível mesoanalítico (NÓVOA, 1995) e procuram compreender a realidade em movimento, com suas contradições, seus limites e suas possibilidades de emancipa- ção e da constituição de sujeitos históricos (SAVIANI, 2007). As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia: o nacional e o local Em 2007, a Associação Nacional de Política de Administração da Educação (ANPAE) lançou número temático abordando a formação de professores e o curso de Pedagogia, com o propósito de registrar a Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 531 longa e debatida tramitação da Resolução CNE/CP n. 1/2006, que insti- tuiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia (DCNPs). Castro (2007, p. 225) aponta que, desde sua criação (1939), o curso de Pedagogia levantou o debate sobre a existência de po- los distintos, a saber: “professor x especialista; bacharelado x licenciatu- ra; generalista x especialista; técnico em educação x professor”. Segundo a autora, a indefinição foi e vem sendo motivo de polêmicas e discussões em fóruns nacionais e nas Instituições de Ensino Superior que mantêm o curso de Pedagogia. Inauguraram-se os cursos de Pedagogia em 1939 por meio do Decreto-Lei n. 1.190/1939. De acordo com o padrão federal estabelecido por esse documento — o chamado esquema 3+1 —, o curso era organi- zado em bacharelado e licenciatura. A primeira modalidade, com três anos de duração, direcionava-se à formação do técnico em educação; com um ano de duração, a segunda destinava-se à formação docente. De acordo com Castro (2007), a estrutura implicava na separação entre teoria e prática; conteúdo e método. Com o advento da Lei n. 4.024/1961, atribuiu-se a formação dos professores para o magistério ao Curso Normal de nível Médio, não havendo referência ao curso de Pedagogia. Já em 1962, o Parecer CFE n. 251/1962 estabeleceu a primeira regulamentação para o curso de Pedagogia, fixando currículo e duração mínima para a formação do pedagogo generalista, posto que não tratasse da discriminação entre ba- charelado e licenciatura. No período da ditadura militar, outorgou-se a reforma universitá- ria pela Lei n. 5.540/1968 e, no ano seguinte, o Conselho Federal de Educação deliberou mudanças para o curso de Pedagogia, por meio do Parecer CFE n. 252/1969 e da Resolução CFE n. 02/1969, que introduziram habilitações a serem cursadas após a habilitação do Magistério das Disciplinas Pedagógicas da Escola Normal. Em decorrência, o pedagogo encontrou-se em situação de impasse: dividido entre a identidade de professor e de especialista, de forma que “[...] a maioria dos planos de carreira do magistério alcançou o ‘especia- lista’ a um plano mais elevado como profissional da educação” (BRZEZINSKI, OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 532 2007, p. 238). O curso de Pedagogia passava a formar “professores para en- sino de 1º grau e ensino normal e os especialistas nas áreas de orientação, administração, supervisão e inspeção para o exercício das funções em escolas e em sistemas escolares” (CASTRO, 2007, p. 205). Em âmbito institucional, considerando a leitura dos documen- tos anexos ao Processo n. 790, de 24 de janeiro de 1989, em que se en- contra todo o registro documental do curso de Pedagogia da universidade pública — objeto deste estudo —, viabilizou-se confirmar que o curso ini- ciou as atividades no ano de 1959 e foi reconhecido pelo Decreto Estadual n. 44. 528, de 16 de maio de 1965. Desse primeiro momento, não consta registro das disciplinas trabalhadas no curso; tampouco do perfil de peda- gogo a ser formado e seu respectivo campo de atuação. No entanto, infe- re-se que a estrutura do curso seguia o padrão nacional da época, firmado pelo Parecer n. 251/62 (BRASIL, 1963), que, nas palavras de Silva (2003), conquanto não definisse precisamente o papel do pedagogo, prescrevia que o curso de Pedagogia se destinava à formação do professor dos Cursos Normais e dos “profissionais destinados às funções não-docentes do setor educacional”, os chamados “técnicos de educação”2. No país, após longo período de vigência da reforma dos anos 1960, marcaram-se os anos 1990 pela promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996) (BRASIL, 1996), que definiu como prioritária a formação de todos os professores em nível Superior, alterando o estatuto do Curso Normal de nível Médio, instância de formação dos professores das séries iniciais até então. Castro (2007, p. 120) conjectura a respeito desse procedimento decisório: “se, por um lado, esta determinação legal se mostrava inadequada a um país com as dimensões do Brasil, com a tremenda desigualdade entre regiões e cida- des, acabou funcionando como um horizonte desejável”. 2 Silva (2003) avalia o termo técnico em educação um termo vago e passível de várias interpretações, podendo, inclusive, referir-se às expressões “administradores e demais especialistas da educação” e “profissionais destinados às funções não-docentes do setor educacional”, contidas no Documento n. 11 do Conselho Federal de Educação. Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 533 Na década a que se referiu, elaboraram-se inúmeras reuniões, encontros e documentos por associações e entidades, cujo objetivo era interferir na política de formação dos educadores (BRZEZINSKI, 2007; CASTRO, 2007). Não obstante, apenas entre os anos 1997 e 2006, o que corresponde ao período elaboração das DCNPs para todos os cursos de graduação, as intervenções do Movimento Nacional de Educadores se intensificaram. Importa considerar que a tensão entre o instituído e o instituinte acirrou-se ainda mais quando a Comissão de Especialistas en- caminhou ao CNE, em 6 de maio de 1999, o Documento das Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, a cujo envio vinham categorica- mente resistindo tanto a Secretaria de Educação Superior (SESu) quan- to a Secretaria de Ensino Fundamental (SEF), ambas interessadas em “estabelecer diretrizes para o Curso Normal Superior, criado pela Lei n. 9.394/1996” (BRZEZINSKI, 2007, p. 240). Brzezinski (2007, p. 243) admite que a aprovação das DCNPs traça uma nova identidade para o curso e um novo perfil para o pedagogo, visto que “[...] a formação no curso de Pedagogia, tendo por base a docên- cia, confere identidade ao professor-pesquisador-gestor como profissio- nal da educação para atuar em espaços escolares e não-escolares”. De acordo com a Resolução, o curso de Pedagogia [...] destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviço e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, 2006). Posto que não contemplem todas as históricas reivindicações do Movimento Nacional de Educadores, segundo a óptica da autora, “[...] o conjunto normativo das DCNPs, que merece críticas e desperta preocupa- ções, dispõe às instituições e entidades interessadas as políticas o corpus doutrinário e os elementos constitutivos do campo da formação do peda- gogo” (BRZEZINSKI, 2007, p. 244). OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 534 Dentre outras exigências, as DCNPs estabelecem que a do- cência é a base da identidade do pedagogo; a base comum nacional deverá ser respeitada; a concepção de docência é explícita: o pedagogo não é formado exclusivamente para a Educação Infantil e os anos ini- ciais do Ensino Fundamental; a formação para a gestão educacional e para pesquisa estão asseguradas; a extinção das habilitações; a organi- zação curricular por disciplinas poderá ser superada; a experiência do- cente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de Magistério. Em relação à capacitação do professor para a participação nas atividades administrativas das escolas, Castro (2007, p. 218) afirma se tratar de “[...] nova configuração do mercado de trabalho do gestor, que vem praticando uma gestão colegiada, sendo as atividades de todos os profissionais da escola previstas nos Projetos Políticos Pedagógicos, ela- borados coletivamente”. Ora, ainda segundo a autora, as DCNPs conver- gem para a formação do profissional tal e qual é requerido na atualidade, ou seja, aquele que domina noções de administração escolar e que pode participar da gestão da escola. No que diz respeito à gestão, a proposta de formação inicial do educador parece coadunar com o que predomina na literatura da área: gestão democrática, participação, autonomia da escola, trabalho coletivo e, sobremaneira, a formação não específica — em habilitação, por exemplo — do profissional administrador da escola (LUCE; MEDEIROS, 2006). Há contrapontos concernentes a essa postura. Machado e Maia (2007, p. 311), conquanto concordem com vários aspectos positivos con- templados pelas DCNPs, dentre eles o fato de que “o processo formativo dos profissionais da educação não pode prescindir do reconhecimento da Administração da Educação, pois [...] a organização de um estabelecimen- to de ensino supõe conhecimentos gerais e específicos cuja origem se situa na interlocução Estado, educação e sociedade”, pontuam que há diferen- ças significativas em relação a “Administrar, gerir, dirigir” e o que propõe o documento: “participação na gestão”. As autoras defendem a formação Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 535 do administrador escolar no âmbito de cursos de pós-graduação em har- monia com o que fora postulado por Teixeira (1968) nos anos 1960. Contrariando a tendência suscitada pelos debates em âmbito nacional, o curso de Pedagogia em análise publicou Resoluções na década de 1980 (n. 18/1983; n. 59/1989) que regulamentaram as nove habilita- ções consideradas a “marca de qualidade” do curso que passou a ser reco- nhecido como um dos melhores do país até o fim da década de 1990. Esse status atraiu alunos advindos de várias regiões do Estado de São Paulo e de outros estados brasileiros, mormente interessados em concluir as ha- bilitações na área de Educação Especial. Ainda no âmbito institucional, a partir de 2003, quando a extin- ção das habilitações deixa de ser uma proposta inócua e passa a ser enfati- zada nos documentos oficiais que serviriam de base para a construção das novas DCNPs, inaugurou-se um rigoroso processo de discussão interna, marcado por forte resistência às possíveis mudanças que, mais tarde, fo- ram impostas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Nesse contexto, admitiam-se as propostas curriculares delineadas em âmbito federal como uma forte ameaça à cultura do curso de Pedagogia em questão, que, por sua vez, foi-se gradualmente consolidando num perío- do de mais de 40 anos. A principal questão norteadora dos debates internos direcionou-se para a grande dificuldade de se converter, reduzindo-o, um curso que somava mais de 7.000 horas em um curso de apenas 3.360 horas, em que se deveriam incluir todas as áreas de formação que compunham as especializações, conforme estava previsto nas indicações do CNE. O fato de a nova reformulação curricular ter afetado diretamen- te todos os integrantes que atuavam no curso configurou e conduziu as discussões a um percurso diverso de todos quantos haviam sido percor- ridos até aquele momento. Não se tratava apenas de pequenos “arranjos curriculares”, senão de uma mudança efetiva que trouxe grande impac- to em termos organizacionais, o que favoreceu a emergência de intensos conflitos gerados por disputas departamentais. Exemplifica-o a afirmação contida na fala de um dos docentes entrevistados: OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 536 No final das contas, aconteceu o seguinte: primeiro, eu estou sendo sincero, foi um jogo de interesses de diversos departamentos por questão de carga horária, para não perder carga horária; então, você notava, inclusive nas reuniões, quer dizer, quem tinha mais força acabou se mantendo em relação à carga horária (DOCENTE 4, 2010). Da análise, extraem-se elementos que permitem afirmar que, desde sua criação ao ano em que ocorreu sua imprescindível reformula- ção, o curso traçou um percurso individual marcado pelo investimento de- cisivo na melhoria da qualidade das habilitações oferecidas, com destaque às de Educação Especial. No momento de publicação das DCNPs, por ser o único curso de Pedagogia do país a oferecer todas as habilitações, também resultou no curso mais afetado com a nova reestruturação instituída em maio de 2006. Esse acontecimento revestiu-se de tamanha relevância e amplitude que se fez expressar na significativa oposição dos integrantes da instituição universitária em análise, conforme ficou registrado na série de documentações, cujos principais elementos serão abordados a seguir. O institucional e a organização: contradições, limites e possibilidades no processo histórico em âmbito local Vários estudos amparados tanto nas teorias crítico-reproduti- vistas da década de 1970 quanto nas abonações asseguradas por autores, dentre os quais Bourdieu e Passerron (1975), Baudelot e Establet (1978), consideram as instituições educativas como lócus de reprodução da socie- dade. Em face de tais subsídios teóricos, o papel da escola é de passividade em relação a imposições normativas. Concomitantemente, os sujeitos se despojam de suas margens de autonomia no que se refere ao direciona- mento de ações diversas daquelas que lhes foram determinadas. Entre os anos de 1985 e 1991, confrontaram-se essas considera- ções por meio de investigações realizadas por Lima (1996), cujas conclu- sões apontam para o fato de que, mesmo nos contextos administrativos Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 537 mais centralizados e autoritários, nem sempre se obedece a imposições normativas, ou elas são traduzidas em poder sobre as ações desenvolvidas nos terrenos próprios da administração central e dos universos escolares concretos. Construiu-se aqui o respaldo teórico alicerçado em estudos que valorizam a escola3 — imbuída de ambas as possibilidades: propor polí- ticas públicas e a elas se contrapor —, o que, absolutamente, não obsta a que se critique a política em vigor, tampouco que se analise o ciclo expe- rienciado com igual criticidade. Dentre outros aspectos, há autores brasileiros que asseveram ser necessária a realização de pesquisas que contemplem a escola e seu modo de agir, porquanto [...] a instituição escolar não é mera agência reprodutora de expectati- vas ou projetos sociais, uma vez que, como resultado do próprio pro- cesso histórico, cada unidade escolar, ao mesmo tempo em que incor- pora valores, normas, procedimentos, etc., socialmente instituídos, constrói sua própria forma de ser e de se organizar, elabora normas e valores, estabelece condutas, costumes, códigos e referências que uti- liza coletivamente como critérios para examinar, analisar, incorporar, negar ou modificar o que lhe é proposto por meio da prática escolar, cuja centralidade constitui-se no indissociável binômio apropriação- -objetivação (SILVA Jr.; FERRETTI, 2004, p. 45). Mainardes (2006) possibilita a análise crítica por meio da leitu- ra que faz de diferentes obras de Ball e Bowe (1992, 1998), considerando os contextos de influência, de produção, da prática, de efeitos e de estra- tégia política. A pesquisa desenvolvida evidencia a natureza complexa e controversa da política educacional, enfatiza os processos micropolíticos e a ação dos profissionais que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de se articularem 3 Compreende-se escola tomada no sentido lato do vocábulo, abrangendo, pois, todos os seus níveis. No sentido restrito, aqui é interpretada como a universidade pública e, particularmente, o curso de Pedagogia. OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 538 os processos macro e micro na análise de políticas educacionais (MAINARDES, 2006, p. 49). Ao modelo de análise que atende às expectativas da aborda- gem sociológica da organização (BARROSO, 1996; CANÁRIO, 1996; DEROUET, 1996; NÓVOA, 1995), Lima (2008) denomina mesoaborda- gem, por se tratar de uma perspectiva que valoriza os elementos inter- mediários — ou de mediação —, em que se reconstroem os elementos articulados pela análise em níveis “macro” e “micro”. Desse modo, o au- tor adverte para a imprescindível observação das ações que ocorrem nos contextos organizacionais concretos e que se encontram entre o sistema educativo e a sala de aula. Por conseguinte, trata-se de análise crítica que, nas palavras de Barroso (1996, p. 10), questiona os critérios de uma pretensa “racionali- dade científica”, abrindo espaço para a influência dos “paradigmas intera- cionistas” que qualificam construções sociais às organizações e, por essa razão, enfatizam o desempenho dos indivíduos, “nos seus interesses, nas suas estratégias, nos seus sistemas de ação concreta”. Conquanto o enfoque aqui apresentado haja advindo da crítica aos estudos sob a égide perspectiva burocrática, o propósito não é, abso- lutamente, desconsiderar o significativo impacto que as determinações formais exercem na escola, senão avançar e assumir o desafio de buscar, utilizando-se de novos componentes analíticos, formas de explicitar pos- sibilidades de as instituições promoverem mudanças em suas estruturas, por meio do uso de uma margem significativa de “autonomia relativa”. Essa especificidade institucional justifica a grande dificuldade de se formular um documento que tenha o poder de garantir a homoge- neidade na forma de administrar e de estruturar os diversos cursos de nível Superior dispersos por todo o território nacional (BEECH, 2009). Ao propor que todas as habilitações fossem extintas e diluídas em um único curso com duração máxima de quatro anos, o novo docu- mento provocou forte mobilização entre os membros que compunham a organização em análise que, naquele período, comportava um conjunto Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 539 de dez habilitações4 — em sua maioria, com duração de dois a três semes- tres. Desse modo, por ser o único do país a oferecer todas as habilitações, foi o curso mais visado no tocante à exigência de reestruturação imposta por meio de documento oficial, o que favoreceu a emergência de conflitos acalorados, gerados por disputas departamentais. Considera-se que o processo não se constituiu em um vazio his- tórico; ao contrário, esteve emanado de condições históricas específicas marcadas, dentre outros aspectos, pela conquista da autonomia da gestão universitária e, sobremaneira, em uma organização escolar caracterizada pela tomada de decisões coletivas, possível mediante a atuação colegiada de departamentos, de conselhos de curso e de congregação (DAL RI, 1997). No decorrer da análise, deixou-se transparecer e identificar que a conquista da gestão democrática na universidade, firmada no princí- pio da autonomia, não foi suficiente para romper com o corporativismo e o economicismo presentes em grande parte das instituições. Além de se considerar o tempo exíguo desde quando a sociedade brasileira desfru- ta, em termos de gestão, das garantias constitucionais de autonomia, há que se levar em conta que a consolidação da gestão democrática ocorre no decurso de processo complexo, sobretudo marcado por contradições. Alicerçada nesse pressuposto, não se pode vivenciar a gestão democrática sem que se considerem aspectos relacionados ao comportamento huma- no, cuja tendência para se adequar à atual conjuntura da sociedade é o individualismo — fio condutor na satisfação de interesses pessoais em detrimento de interesses gerais, coletivos. Ao serem questionados a respeito do impacto das DCNPs no curso de Pedagogia, todos os entrevistados concordaram que, até o último momento, a luta da Comissão de Reestruturação do Curso de Pedagogia (CRCP) direcionou-se à manutenção do curso nos moldes em que vinha 4 Magistério do Ensino Fundamental; Magistério das Matérias Pedagógicas do Ensino Médio; Administração Escolar; Supervisão Escolar; Orientação Educacional; Educação Infantil; Deficiência Visual; Deficiência Auditiva; Deficiência Mental (mais recentemente Deficiência Intelectual) e Deficiência Física. OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 540 sendo oferecido historicamente, ou seja, pautado na formação dos espe- cialistas. Por conseguinte, compreendendo a gestão democrática como atividade coletiva para o atendimento a finalidades traçadas em conjunto, pode-se declarar convictamente que, ao menos no início, imprimiu-se ao processo a coordenação democrática. Não obstante, desde quando se instituíram as DCNPs, as dis- cussões permeadas por interesses coletivos foram sendo abandonadas e abriram espaço para a introdução de discussões destinadas à solução de problemas de ordem técnica (carga horária, número de disciplinas por de- partamento etc.), no sentido de ajustar o curso às exigências delineadas no âmbito governamental. A esse respeito, leiam-se os testemunhos: [...] nós chegamos a fazer cartas ao Conselho Nacional, abaixo-assinado dos alunos resistindo, tentando resistir a essa publicação [...] Mas, quando as Diretrizes vieram, elas vieram nesta direção e acabaram nos atropelando (DOCENTE 1, 2010). [...] nós defendemos até o último momento, até como setores isolados na própria [instituição], defendemos a permanência das habilitações nos mol- des que elas eram aqui ministradas. Mas, com a mudança da legislação e a supressão das habilitações, nós houvemos por bem realizar uma rees- truturação condizente com a formulação nacional, para que não houvesse nenhum questionamento sobre a legalidade posterior do curso, o reconheci- mento daquilo que os alunos cursassem aqui (DOCENTE 2, 2010). A declaração dos coordenadores do processo — como nos recor- tes transcritos —, denuncia a prevalência de uma postura muito comum na maioria das instituições públicas, especialmente nas instituições esco- lares, em que os diretores de escola são reconhecidos como “prepostos” do Estado e executores de projetos externos (PARO, 2008). Não se desconsidera o forte impacto que os documentos fede- rais são capazes de gerar em uma instituição. Entretanto, no ajuste dos preceitos estabelecidos pelas instâncias governamentais à realidade in- terna, a mediação é fundamental para o exercício da chamada “infideli- dade normativa” (LIMA, 2008), norteando os interesses coletivos para Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 541 cumprir plenamente objetivos que, não necessariamente, retratem aque- les colocados arbitrariamente por órgãos externos. Posto que imbuídos do pleno discernimento que lhes permitia conhecer essa conjuntura, quando integrantes da universidade se per- cebem coagidos a cumprir imposições externas, não raro recorrem às mesmas técnicas de gestão conservadoras, então articuladas com vistas à harmonização institucional às diretrizes nacionais. Segundo a óptica de Paro (2008, p. 153), aplica-se esse procedimento tergiversador toda vez que a instituição se revela incapaz de definição coletiva de diretrizes e objetivos próprios, de forma que se contraponham às determinações impostas pelos órgãos superiores. Ao se negligenciarem as questões mais cruciais referentes ao posicionamento político-filosófico dos atores envolvidos no processo de reestruturação do curso, o caráter democrático da gestão se despojou de sentido, porquanto, embora se pretendesse construir um PPP de forma coletiva, o foco prioritário do documento foi atender às prerrogativas das DCNPs, sem que houvesse prejuízo dos interesses corporativos/ depar- tamentais. Não restam dúvidas de que, nesse processo, relegou-se o pe- dagogo da formação e valorização, o que gerou insatisfação em parte dos alunos cuja formação se assentou sobre a nova matriz curricular. Na postura dos coordenadores do processo de reestruturação curricular, verifica-se a mesma contradição identificada por Paro (2008, p. 133) em relação aos diretores de escola. O autor julga que a adoção de mecanismos gerenciais capitalistas nas organizações escolares exige o de- senvolvimento de uma postura contraditória por parte dos diretores, que se obrigam a exercer duas funções, em princípio, inconciliáveis: educador e gerente. Em não havendo objetivos traçados coletivamente, a oferta de formação de qualidade é fortemente comprometida. A contradição identificada por Paro (2008) com respeito à atu- ação da gestão escolar e à ausência de objetivos traçados coletivamente implica a elaboração de um PPP burocrático em que a dissonância entre os objetivos e a matriz curricular é explícita. Ao ser questionada a respeito da nova matriz curricular, uma das docentes ressaltou: OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 542 Eu acho que, se você for fazer uma análise das disciplinas que já estavam e que permaneceram, elas não têm grandes alterações. O que isso indica? Se eu não tenho uma fundamentação teórica para o curso, a minha disci- plina não atende a essa fundamentação, a minha disciplina é solta dentro do curso. Não existe diálogo da minha disciplina com as outras. Não existe a menor possibilidade de diálogo. Então, de repente, eu posso repetir coi- sas que outro já está trabalhando e também posso não subsidiar outras que virão depois [...]. Então, como cada um fez? Primeiro, a manutenção da carga horária, depois a manutenção de algumas disciplinas que, se tiveram alterações, mantiveram a carga horária. Cada disciplina pensada por um professor sem ter um eixo para pensar a disciplina, e o que acontece? Eu tenho um conjunto que não necessariamente dialoga porque não tem um eixo norteador do curso (DOCENTE 5, 2010). Esses e outros fatos concernentes ao processo de reestrutura- ção curricular do curso de Pedagogia e da concretização da nova matriz curricular somente podem ser identificados segundo a visão singular dos sujeitos que compõem o campo em análise. Trata-se de análise que busca compreender aspectos relacionados à “micropolítica” da organiza- ção, em que se ponderam os conflitos, o poder, as “brechas”, os limites e as possibilidades de ação. No contexto considerado, os conflitos emergiram dos relatos de todos os entrevistados e julgados como óbice à elaboração de um PPP co- erente e articulado com destino à consecução de objetivos coletivos. Em que pesem os conflitos, a gestão do processo direcionou-se ao consenso de que, num primeiro momento, a estrutura vigente do curso se manti- vesse, para, posteriormente, se proceder à adequação do curso às DCNPs. As divergências internas entre docentes do mesmo departa- mento ficaram latentes em face da candência que caracterizou as disputas departamentais. No entanto, infere-se que houve “brechas” de atuação, visando reestruturar o curso para repensar e estabelecer a identidade do pedagogo, senão apenas ocorreram no sentido de se adaptar às exigên- cias legais. De outro lado, pontuou-se que as discussões não tomaram Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 543 esse destino e se centraram na resolução de problemas de natureza técnico-burocrático. Os limites circunscreveram-se, sobretudo, no forte individu- alismo e corporativismo dos atores que, embora conscientes do reflexo negativo desses modelos de comportamento, trataram de garantir o es- paço das respectivas áreas de atuação, colaborando para a manutenção de um trabalho desarticulado, o que, inclusive, contraria as prescrições das próprias DCNPs. A ausência do incentivo esperado da parte dos responsáveis pela coordenação, com vistas a motivar a efetivação do debate mais profundo e significativo a respeito dos objetivos daquele processo, posto que fossem divergentes, constituiu-se no óbice que mais concorreu para comprome- ter o efetivo exercício de uma gestão legitimamente democrática. Em termos da identidade do pedagogo, a manutenção dos as- pectos gerais — transferidos do currículo antigo para o atual —, pressu- põe a ênfase na formação do pedagogo especialista, a despeito da signifi- cativa redução de carga horária nas chamadas “áreas de aprofundamento” a serem cursadas nos dois últimos semestres do curso. Concorda-se com Libâneo (2010), quando afirma que urge repen- sar o curso de Pedagogia, que não pode se reduzir a um curso de formação docente, conforme se defende por movimentos de educadores, sobrema- neira os da década de 1980. No entanto, diante das condições atuais, quan- do se propõe a projetar um curso cujo foco se direcione a outros aspectos da formação, que não apenas a formação docente, incorre-se em alta proba- bilidade de insucesso, visto que a reduzida carga horária permite, quando muito, o oferecimento de uma formação generalizante e superficial de um pedagogo graduado ao mesmo tempo para tudo e para nada. No que concerne à “infidelidade normativa”, restam duas medi- das para triunfar diante da dificuldade do impasse resolvendo-o: recorrer à infidelidade normativa propriamente dita (currículo em ação), ou pro- ceder à reformulação do curso de Pedagogia — expediente para o qual a pesquisa pretendeu contribuir. OLIVEIRA, M. E. N.; ABDIAN, G. Z. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 544 Considerações finais Conduziu-se a pesquisa visando compreender como se deu o processo de reformulação do curso de Pedagogia de uma universidade pública estadual e estabelecer em que medida a atual estrutura foi deter- minada pelo documento federal. Embora não tenha sido possível apresen- tar a análise completa das entrevistas, alguns dos discursos expressam o pensamento dos sujeitos envolvidos no contexto em estudo, por meio dos quais se permitem importantes constatações. Em maio de 2006, a publicação das DCNPs selou a extinção de- finitiva das habilitações, e o curso de Pedagogia da referida universidade deu início ao processo de reestruturação curricular mais significativo de sua história. E não seria de se esperar menos, considerando a conjun- tura adversa experimentada pela instituição na época. Com efeito, seu curso de Pedagogia constava de quatro departamentos e oferecia um total de dez habilitações. A análise contou com o relato de docentes e discentes que es- tiveram mais ativamente envolvidos no processo de reestruturação. Investigando os dados — explícitos e/ou implícitos — por meio dos testemunhos coletados, pôde-se constatar a prevalência dos interesses individuais e/ou departamentais em detrimento de objetivos traçados coletivamente. Por se tratar de uma universidade pública, pressupúnhamos a prevalência de uma gestão pautada em princípios democráticos, em que as divergências de opiniões e os conflitos não fossem vistos como desvios, senão como oportunidade de diálogo e instauração de projetos coletivos. Ao contrário, constatou-se que o processo se deixou gerir com base em um modelo racional/ burocrático de administração, cujos objetivos fo- ram adequar a instituição às normas externas e estabelecer o consenso — entendido como total ausência de conflito. Conquanto esses objetivos tenham sido perseguidos pelos responsáveis do processo, o conflito foi inevitável devido ao individualismo e ao corporativismo que, historica- mente, caracterizam a organização do trabalho na instituição analisada. Formação de professores Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 14, n. 42, p. 527-548, maio/ago. 2014 545 Em face da realidade vivenciada, optou-se por adequar o curso às diretrizes, sem que houvesse prejuízo dos interesses departamentais. Desse modo, a discussão político-filosófica foi negligenciada, e relegou- -se ao conjectural futuro — talvez ao esquecimento — a preocupação com a formação do pedagogo. O resultado desse processo foi o deline- amento de um Projeto Político Pedagógico desarticulado com a matriz curricular do curso, visto que, enquanto o PPP pretendeu atender aos preceitos das DCNPs, a matriz curricular empenhou-se em manter pra- ticamente intacta a estrutura anterior, em que se vê refletida a cultura organizacional do curso de Pedagogia da instituição, aliás, que o docu- mento federal não foi capaz de romper. Em última instância, o artigo suscita o debate a respeito de um tema polêmico, mas relevante: o compromisso político inerente a quem se propõe a formar professores, ademais para (re)pensar suas práticas em sala de aula, mas, sobretudo, para consolidar sua participação na constru- ção coletiva dos fins para os quais trabalhará. Referências BALL, S. J. Cidadania global, consumo e política educacional. In: SILVA, L. H; SILVA, T. T. A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 121-137. BALL, S.J.; BOWE, R. 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