NIOMAR BOLANO JALHIUM POSSIBILIDADES E DESAFIOS ACERCA DO DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES PRÁTICAS NO LABORATÓRIO DIDÁTICO DE CIÊNCIAS EM UMA ESCOLA TÉCNICA Bauru 2021 NIOMAR BOLANO JALHIUM POSSIBILIDADES E DESAFIOS ACERCA DO DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES PRÁTICAS NO LABORATÓRIO DIDÁTICO DE CIÊNCIAS EM UMA ESCOLA TÉCNICA Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência – Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática. Orientadora: Profa. Dra. Fernanda Cátia Bozelli Bauru, junho de 2021. “A educação é o grande motor do desenvolvimento pessoal. É através dela que a filha de um camponês pode se tornar uma médica, que o filho de um mineiro pode se tornar o diretor da mina, que uma criança de peões de fazenda pode se tornar o presidente de um país.” Nelson Mandela AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter me acompanhado em mais uma jornada a me dar forças para recomeçar nos momentos mais difíceis. Agradeço ao patriarca da PL que, com seus ensinamentos, me ajudou a superar as adversidades da vida. Aos meus pais amados que estão ao lado de Deus, que sempre me apoiaram e incentivaram nos estudos, saudade eterna. Ao meu filhão, Porges, que nunca me deixou sozinha. Te amo muito. Aos meus netos e nora que estão ao meu lado me alegrando. A minha orientadora, Profa Dra Fernanda Cátia Bozelli, que não me deixou desistir desse Mestrado. Jamais esquecerei sua dedicação e atenção nos momentos mais difíceis por que passei. A professora Alice Assis, com seu exemplo de humanidade. Ao professor Nardi, pelo seu conhecimento e atenção com todos e com tudo que faz esse Mestrado crescer. Ao Prof. Malheiros que, mesmo sem me conhecer, foi generoso e aceitou prontamente fazer parte da minha banca. Aos professores que tive na trajetória do Mestrado, muito obrigada pelos ensinamentos. Poderia enumerar amigos que conheci e fiz na Unesp, os quais me auxiliaram nessa conquista, mas tenho medo de esquecer alguém. Muito obrigada a todos de coração. Obrigada ao pessoal da administração que nos auxilia nos bastidores. Agradeço a uma pessoinha que me auxilia como secretária do lar, Senhora Dirce, sua dedicação após a partida de minha mãe. Agradeço com muito carinho a todos os membros da minha escola, Etec, por terem participado dessa conquista: gestor, funcionários, professores e alunos. RESUMO As escolas técnicas sempre foram conhecidas por proporcionarem formações profissionais e possuírem boas estruturas laboratoriais para que as atividades práticas fossem realizadas. Essas escolas foram se (re)configurando ao longo das últimas décadas, principalmente após a Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, quando passaram a separar o ensino acadêmico do ensino profissionalizante. Nesse sentido, partindo da importância das atividades experimentais e do laboratório de Ciências e seu papel na formação do aluno, que possibilidades e desafios podem ser revelados por professores e membros da gestão escolar de uma escola técnica sobre desenvolver um laboratório didático de Ciências e realizar atividades experimentais junto a alunos do ensino técnico integrado ao ensino médio? De abordagem qualitativa, a pesquisa foi realizada em uma escola técnica do Centro Paula Souza, no estado de São Paulo, e contou com a participação de seis professores, sendo que um deles atua na direção e os outros dois na coordenação pedagógica. Para a constituição de dados foram utilizados questionários, gravador de áudio e documentos. Os dados foram organizados e sistematizados por meio do referencial teórico-analítico da Análise de Conteúdo. Os resultados revelam possibilidades de organização e desenvolvimento do laboratório de ciências em uma escola técnica de formação profissional, que oferece o ensino técnico integrado ao médio. Essa realidade irá depender muito da parceria entre gestão e professores em torno de um trabalho colaborativo. Os desafios se apresentaram nos aspectos que envolvem a concepção de laboratório e sua relação com a prática pedagógica do professor e a formação dos alunos. Também se verificaram na articulação teórico-prática e currículo, na necessidade de uma presença física e estrutural para o desenvolvimento das atividades experimentais, nos fundamentos que orientam a prática pedagógica, que se mostram indiferentes em relação à formação inicial e ao contínuo aperfeiçoamento dos professores. Palavras-chave: Ensino técnico integrado ao médio (ETIM); Laboratório de Ciências; Atividades experimentais. ABSTRACT Technical schools have always been known for providing professional training and having good laboratory structures for practical activities to be carried out. These schools have been (re)configuring themselves over the last few decades, especially after the 1996 National Education Guidelines and Bases Law, when they began to separate academic and vocational education. In this sense, starting from the importance of experimental activities and the Science laboratory and its role in the formation of the student, what possibilities and challenges can be revealed by teachers and members of the school management of a technical school about developing a didactic science laboratory and carrying out activities experimental studies with students from technical education integrated to high school? With a qualitative approach, the research was carried out at a technical school, at the Centro Paula Souza, in the state of São Paulo, and had the participation of six teachers, one of whom works in the direction and the other two in the pedagogical coordination. For the constitution of data, the questionnaire, audio recorder and documents were used. Data were organized and systematized using the theoretical- analytical framework of Content Analysis. The results reveal possibilities for the organization and development of the science laboratory in a technical professional training school, which offers technical education integrated to high school, but that this reality will depend a lot on the partnership between management and teachers around collaborative work. The challenges emerged around the aspects that involve the conception of the laboratory and its relationship with the pedagogical practice of the teacher and the training of students, which articulates theory-practice and curriculum; the need for a physical and structural presence for the development of experimental activities; to the pedagogical foundations that guide the pedagogical practice, which are indifferent in relation to the initial formation and the time of teacher’s formation. Keywords: Technical education integrated to high school (ETIM); Science laboratory; Experimental activities. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações APM Associação de Pais e Mestres CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEETEPS Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza CPS Centro Paula Souza CTSA Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente EAD Educação à Distância ETEC Escola Técnica Estadual ETIM Ensino Técnico Integrado ao Médio EPTNM Educação Profissional Técnica de Nível Médio FATEC Faculdade de Tecnologia de São Paulo LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC Ministério da Educação SEE Secretaria da Educação do Estado de São Paulo TCC Trabalho de Conclusão de Curso TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNESP Universidade Estadual Paulista Sumário APRESENTAÇÃO 10 I INTRODUÇÃO....................................................................................... 13 1 O LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS: ENTRE CONCEITOS, CLASSIFICAÇÕES E TERMINOLOGIAS............................................ 24 1.1 Os laboratórios didáticos de Ciências e suas possíveis classificações....................................................................................... 30 1.2 Laboratório de ciências, experimentação e formação de professores.. 34 2 O ENSINO MÉDIO, O ENSINO PROFISSIONAL E A FORMAÇÃO DO ALUNO............................................................................................ 37 2.1 A Escola Técnica Estadual – ETEC...................................................... 42 3 PERCURSO METODOLÓGICO........................................................... 45 3.1 O contexto de realização da pesquisa.................................................. 46 3.2 Participantes da pesquisa..................................................................... 48 3.3 Instrumentos de Constituição dos dados.............................................. 51 3.4 Desbravando os caminhos percorridos................................................ 53 3.5 Análise de Conteúdo: buscando compreender os significados a partir dos dados constituídos.......................................................................... 55 4 DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO: EM BUSCA DA COMPREENSÃO DE SIGNIFICADOS................................................. 62 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 79 6 REFERÊNCIAS ................................................................................... 83 ANEXO A - Projeto Laboratório de Ciências....................................... 89 APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido....... 91 APÊNDICE B - Reunião com os professores que integram o projeto de implantação do laboratório de ciências ......................................... 93 APÊNDICE C – Questionário respondido pelos professores.................... 96 APÊNDICE D – Respostas dos Questionários pelos professores participantes........................................................................................ 99 10 APRESENTAÇÃO Ao ter que pensar em como iniciar essa apresentação, deparei-me com meus 40 anos dedicados à educação. Sou formada em Ciências, com licenciatura em Física; Pedagogia Plena, com Orientação Educacional, Administração Escolar e Supervisão Escolar; Especialização em Docência em Ensino Superior. Sempre fui conhecida pelos meus amigos e pares como “futurista”, de andar à frente do tempo em que vivo, mesmo sabendo que iria sofrer por ser assim, como se pudesse enxergar além do tempo. Lutei em greves, corri da polícia na ditadura, na Avenida Paulista em São Paulo, auxiliei grêmio estudantil, fui uma das fundadoras da Faculdade de Tecnologia no município de Ourinhos (FATEC), auxiliei na montagem de escolas particulares, sempre ministrando aulas. Enfim, pela educação nunca fiquei de braços cruzados esperando alguém fazer algo. Hoje, mesmo aposentada, continuo ministrando aulas e coordenando o Curso de Ensino Técnico Integrado ao Médio em Administração no Centro Paula Souza. Tive uma boa educação, não aceitando com facilidade as coisas que não me agradavam, lutando sempre para alcançar meus objetivos, o que me ajudou muito a transpor barreiras e, hoje, a tomar decisões e ter atitudes para que haja integração e muita responsabilidade na educação, como professora, gestora e coordenadora, bem como idealizar e implantar cursos técnicos. A educação tornou-se para mim uma forma de interferir na mudança social do país. Ressalto que a prática pedagógica utilizada pelo professor de quando estudei são as mesmas que utilizo nas minhas aulas e que me faz pensar e repensar em uma metodologia de ensino com alunos mais participantes e criativos. No ano 2000 passei no concurso de uma das escolas técnicas do CPS para diretora. Nesta escola, o maior problema era conseguir oportunidades de estágios para os alunos dos diversos cursos, uma vez que estes eram de naturezas muito diferentes (Gestão, Informática, Administração; Enfermagem, entre outros). Nesse mesmo período, iniciei o Mestrado em Educação no Estado do Paraná que não foi concluído, pois o curso de Pós-Graduação foi fechado pelo governo do estado. Ao pensar em resolver a questão do estágio para todos os cursos, pois na época era obrigatório, procurei auxílio com os coordenadores de área, trazendo a problemática de arrumar locais, empresas, firmas ou mesmo a escola para 11 execução. Como proposta, desenvolver os estágios no âmbito da própria Escola Técnica, já que a dificuldade era a busca por locais de realização. Pensando em como realizar o estágio na escola, iniciei um projeto em que os alunos tinham que escolher objetos de investigação e sistematizar, considerando as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para a elaboração de trabalhos científicos. O projeto estendeu-se ao ensino médio, levando os alunos a uma integração entre as disciplinas e entre as pessoas da escola. Nos cursos técnicos os alunos procuravam fazer visitas em indústrias, empresas, escritórios e outros estabelecimentos para motivarem e abrirem seus horizontes. O aluno escolhia uma disciplina do curso e um professor para orientá-lo. Desse trabalho teria que constar trechos de cada disciplina estudada no curso a qual teria relação com o tema escolhido. Praticamente todos os docentes participavam dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), não só como bancas, mas também auxiliando na escolha dos trechos ou textos de seu componente curricular. No ensino médio o aluno escolhia as disciplinas do Núcleo Comum com as mesmas características. Essa estratégia de projetos era o caminho para instrumentalizar a prática dos alunos na escola técnica, na ausência de oportunidades de estágios na cidade e na região. O problema era com os alunos que estudavam à noite, principalmente, pois estes não conseguiam horários para tal prática durante o dia em outras localidades. O custo era muito alto e a grande maioria não era remunerada. Contudo, isso deixou de ser um problema com o surgimento de vagas e, ainda, estes começaram a ser remunerados. Isso foi se consolidando. A escola foi ficando conhecida num raio de mais de 300 km e nossos alunos sendo chamados para estágios e empregos muito bem remunerados. Paralelamente às atividades desenvolvia na escola, foram iniciados estudos para elaboração e implantação de novos cursos técnicos, como o de logística e o primeiro curso técnico em dança pública do Brasil. O piloto deste último foi implantado na escola em que eu era diretora. Hoje, este curso está na ETEC Artes na cidade de São Paulo. Após minha saída do cargo de diretora da ETEC continuei e continuo colaborando para que a escola se desenvolva, auxiliando os professores, a gestão e os alunos. Nesse sentido, surgiu a ideia de desenvolver um Laboratório de Ciências, 12 interdisciplinar, em que os professores de Física, Química, Geografia, Matemática e Biologia, além da Coordenadora Pedagógica, foram os primeiros a acreditar na ideia proposta gestor. O primeiro projeto a ser desenvolvido junto aos alunos do ensino médio foi “Projeto de Revitalização do Lago” em parceria com a Prefeitura do Município onde está localizada a ETEC. Esse processo de recuperação do espaço urbano e o uso do laboratório foram pensados com o intuito de promoverem entusiasmo e motivação nos alunos, direcionando-os ao interesse pela Ciência. Sempre me coloquei a pensar sobre novas metodologias e cursos para o enriquecimento formativo dos alunos. Mas como eu poderia auxiliar? A resposta surgiu no ano de 2018 quando o CPS fez uma parceria com a UNESP por meio do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência. Pensei, “vou fazer minha inscrição”, mas já achando que seria impossível devido à minha idade e ao fato de a concorrência ser muito grande. Fui incentivada por uma amiga que disse: “Essa é sua oportunidade de colocar seu sonho em ação, de estudar uma maneira de auxiliar professores para usar laboratórios com projetos experimentais”. E deu certo. Fui chamada para fazer o Mestrado no Programa. Ao ter que definir o problema de pesquisa, não hesitei e a escolha foi, justamente, pesquisar que possibilidades e desafios se apresentam aos professores e aos gestores de uma escola técnica diante do processo de ter um laboratório de ciências para alunos do ensino médio e técnico integrado ao médio. O desafio de implementação de um laboratório didático de ciências é motivado pelo fato de que as atividades práticas nas escolas técnicas são desenvolvidas apenas nas disciplinas de natureza profissionalizante e não nas de natureza básica, o que traz implicações para a formação científica dos alunos do ensino médio e para possíveis concepções de ciência. 13 I INTRODUÇÃO Na escola técnica, quando se fala em laboratório, este fica articulado, praticamente, aos espaços de formação profissional. No ano de 2010, o CPS, por meio de sua Coordenadoria de Ensino Médio e Técnico, elaborou um projeto que foi intitulado “Padronização do tipo e quantidade necessária de instalações e equipamentos dos laboratórios das habilitações profissionais” para instalação de laboratórios de Ciências, desde que estes fossem compartilhados com as habilitações profissionais de técnicos. Esse projeto para laboratórios apresenta em suas especificidades o layout, material de consumo, acessórios mínimos necessários para o funcionamento do(s) curso(s). Ou seja, tratava-se de um projeto orientador para a organização de laboratórios de ciências nessas escolas. Nota-se que, mesmo com a proposição desse projeto que prevê a instalação de laboratório de ciências em escolas técnicas, muitos gestores desconheciam e ainda desconhecem o referido projeto ou não conseguem implantar por conta da inexistência das habilitações dos cursos técnicos exigidas em suas unidades de ensino, que são: Meio Ambiente, Química, Alimentos, Açúcar e Álcool, Farmácia e Tecelagem. Isto é, para ter um laboratório de ciências, pelo menos um desses cursos teria que ser oferecido à comunidade. Ainda em relação à exigência do CPS acima para a implantação de um laboratório de ciências, mesmo relacionada à dimensão estrutural dos cursos, não difere das escolas ditas regulares públicas. Ou seja, também recaem sobre problemas de natureza funcional e organizacional em relação à formação de professores, necessidades de materiais e insumos, o que é corroborado e discutido por alguns pesquisadores (TARDIF; ZOURHLAL, 2005; BASTOS; NARDI, 2018). Outros discorrem sobre vários problemas na organização de um laboratório de ciências, entre eles: materiais de consumo, falta de equipamentos, recursos humanos, estrutura física, bem como a compreensão de professores quanto às atividades de laboratório (ligado aos aspectos da sua formação) que induzem a concepções que direcionam sua dinâmica. Como organizar turmas com grande número de alunos, falta de infraestrutura, carga horária reduzida, dicotomia entre teoria e prática permeiam esse processo (AXT, 1991; GIL-PÉREZ et al., 1999; 14 ZANON et al., 2000; CARRASCOSA et al., 2006; WESENDONK; TERRAZZAN, 2020). Tais dificuldades e equívocos de concepção e prática culminam em experimentos realizados de forma aleatória, desvinculados dos conteúdos, evidenciando a dissociação entre teoria e prática, abordadas em Podemos citar, por exemplo, a falta de laboratórios e equipamentos no colégio, número excessivo de aulas, o que impede uma preparação adequada de aulas práticas; desvalorização das aulas práticas, conduzida pela ideia errônea de que aulas práticas não contribuem para a preparação para o vestibular; ausência do professor laboratorista; formação insuficiente do professor. (NARDI, 1998 apud BUENO et al., 2004, p. 4) Segundo Amaral (1997), na década de 50, o imaginário e a prática docentes relacionados à experimentação no ensino de Ciências era uma afronta ao ensino tradicional e memorístico, de excelência pedagógica à época. O autor, na década de 90, por meio da reflexão e revisão reconhece o contexto do laboratório de ciências como epistemológico e pedagógico, concomitantemente. Isto faz com que se reflita sobre o laboratório de ciências não somente como uma questão de estrutura física e organizacional. Mas qual é a importância das atividades experimentais para as disciplinas de natureza científica? Segundo Hodson (1994), o trabalho experimental deve estimular o desenvolvimento conceitual, fazendo com que os estudantes explorem, elaborem e supervisionem suas ideias, comparando-as com a ideia científica. Só assim essas ideias terão papel importante no desenvolvimento cognitivo. Para Wesendonk e Terrazzan (2020), a literatura da área de Ensino de Ciências tem abordado a discussão de diferentes aspectos relacionados à utilização de experimentações no âmbito dessa área do conhecimento. Os autores ressaltam que a experimentação é parte integrante de qualquer processo de produção de conhecimento nas Ciências Naturais; portanto, faz parte da construção e evolução dessa área do conhecimento e deve estar presente em atividades relacionadas à Educação/Ensino de Ciências. Esse recurso didático desempenha um papel próprio no processo ensino/aprendizagem de disciplinas da área curricular de Ciências Naturais. [...] Ela tem a peculiaridade de permitir a discussão do fazer científico, de auxiliar a especificar/evidenciar a forma pela qual as Ciências Naturais, ou a Física, em particular, são produzidas e desenvolvidas. (WESENDONK; TERRAZZAN, 2020, p. 40) 15 Pesquisas mostram que os estudantes desenvolvem melhor sua compreensão conceitual e aprendem mais acerca da natureza das ciências quando participam de investigações científicas, por oportunizarem espaços de apoio para reflexão (FREIRE, 1974; HODSON,1994; AXT, 1991; WESENDONK; TERRAZZAN, 2020). Para Hodson (1994) não devemos estabelecer uma experimentação como uma “receita”, mas com juízo crítico que possa ser aplicado em diversas situações. De acordo com ele, para os professores de ciências, os principais objetivos da experimentação são: motivar, estimular o interesse, ensinar habilidades em laboratório, aumentar a aprendizagem de conceitos científicos, superar dificuldades de aprendizagem, introduzir o método científico, desenvolver o raciocínio através de seu uso e certas “atitudes científicas” (objetividade e prontidão para emitir julgamentos). Para Leite (2000), por meio das atividades laboratoriais, os alunos chegam a desenvolver aspectos e características essenciais em sua formação como: raciocínio crítico, motivação, aprendizagem dos conceitos, das técnicas, da metodologia científica, criatividade e muitas outras. Outra questão levantada pela autora é o reforço na conceituação dos temas abordados durante as atividades laboratoriais. Ressalta quão esses momentos são importantes para a construção e trabalho com as concepções alternativas existentes nos alunos, previamente aos trabalhos desenvolvidos. Já para a pesquisadora Barolli (1998), o laboratório de ciências possibilita uma leitura das especificidades dos estudantes no trabalho em grupo. A autora faz uma analogia da visão terapêutica de W. R. Bion1, na organização de um contexto experimental, com os estudantes trabalhando no laboratório a partir de uma perspectiva integrada para aproximar a subjetividade ao campo da cognição. Esses vínculos influenciam na maneira pela qual os estudantes irão lidar com o 1 Para saber mais sobre o assunto: SAMPAIO, J. dos R. A "Dinâmica de Grupos" de Bion e as Organizações de Trabalho. Psicol. USP, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 277-291, 2002. disponível em: . Acesso em: 13/02/2021. . 16 conhecimento. Essa dinâmica interativa interfere com no modo como o conhecimento fluirá num laboratório didático. Na pesquisa realizada por Bueno et al. (2004), os professores, ao serem questionados sobre a função e a importância da experimentação na Ciência, ressaltam que existem três tipos básicos: as de cunho epistemológico, que assumem que a experimentação serve para comprovar a teoria revelando a visão tradicional de ciências; as de cunho cognitivo, que supõem que as atividades experimentais podem facilitar a compreensão do conteúdo e as de cunho moto- vocacional, que acreditam que as aulas práticas ajudam a despertar a curiosidade ou o interesse pelo estudo. Para Gonçalves e Galliazzi (2004) a experimentação ainda possui uma visão simplista em virtude de poucas discussões, compreendida e desenvolvida como forma de demonstrar teorias estabelecidas. Nesse sentido, os autores concordam com Gil-Pérez et al. (1999, p. 238-239) ao afirmarem que “é preciso superar as visões simplistas sobre a natureza da Ciência se pretendemos enriquecer o conhecimento dos participantes da Licenciatura em Ciências “sobre experimentação”. Essa citação, segundo os autores, expressa as concepções que influenciam o modo de compreensão dos estudantes. Diante desta problemática, Gonçalves e Galiazzi (2004) defendem que se a natureza da Ciência e das atividades experimentais como ações pedagógicas precisam ser problematizadas na formação permanente de professores de Ciências, a relação entre teoria e experimentação também caminha na mesma direção, pois predomina entre os formadores uma visão simplista e dicotômica das duas atividades. Esse aspecto, a separação entre teoria e prática, precisa ser criticado, pois os experimentos não são realizados em um “vácuo teórico” como propunham os empiristas- indutivistas ao defender a observação como fonte de todo o conhecimento. (GONÇALVES; GALIAZZI, 2004, p. 239) Nesse sentido, uma atividade experimental não deve ser compreendida como a mera aplicação prática dos conceitos que são abordados em sala. No ensino de Física, o contato com experimentos é muito importante, uma vez que eles possibilitam, por meio de metodologia investigativa, que os alunos compreendam melhor os conceitos e teorias que foram tratados durante as aulas teóricas (BAROLLI, 1998). 17 Para Laburú (2006), o ponto central de estudos por meio de experimento é a motivação dos alunos a aprenderem o ensino de Ciências, com aulas interessantes, traduzindo toda relação do aluno a aprender o saber ensinado, do saber do sujeito com o mundo, consigo mesmo e com o outro. Mas quando se analisam os documentos oficiais/governamentais que orientam ou normatizam o ensino, seja do ensino técnico profissionalizante ou do ensino médio regular, é possível verificar que a atividade experimental e o laboratório de ciências não são apresentados como deveriam para aqueles que pretendem reivindicar um laboratório de ciências. Ou seja, é abordada a discussão como se já existissem o espaço e a condição de desenvolvimento das atividades experimentais. Não se discute a organização de espaços laboratoriais nem suas condições mínimas de funcionamento. Há um silenciamento da ação que antecede a prática experimental, como se o espaço não fosse, também, alvo que merecesse atenção. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (BRASIL, 1996), na Seção IV – do ensino médio, no art. 35, que trata das finalidades do ensino médio, o inciso IV aborda a relação entre teoria e prática da seguinte forma: “a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”. Ou seja, as escolas de ensino médio devem proporcionar ao aluno oportunidades de união entre a teoria e a prática em cada disciplina escolar. Segundo Cruz (2007, p. 24-25), as escolas devem destinar espaço físico para a construção de laboratórios pedagógicos, que devem estar inseridos na proposta pedagógica, propiciando melhor organização dos conteúdos, de tal modo que sua inserção nas disciplinas possa promover a aquisição dos conhecimentos e conseqüente melhoria da qualidade de ensino. Vale realçar, porém, que o uso do laboratório, nas escolas, não é a profissionalização do ensino, nem a garantia de que a teoria vai se tornar algo fútil, mas que a teoria vai se ancorar na prática. Para tanto, a escola deve ter uma proposta pedagógica bem fundamentada, a ponto de construir, cuidadosa e explicitamente, as pontes que irão unir a teoria à prática. Assim, que sentidos podem ser construídos pelos alunos acerca da habilidade de relacionar a teoria e a prática como importante para a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos? Ainda, no artigo 35A, § 8o é trazido que: 18 Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação processual e formativa serão organizados nas redes de ensino por meio de atividades teóricas e práticas, provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: I – domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna [...] (BRASIL, 1996, p.26)2 Diante do que preconiza o artigo é interesse analisar que os conteúdos, as metodologias e as avaliações deverão ser organizados em sua dimensão teórico- prática. Ainda de acordo com a LDB (BRASIL, 1996), na seção IV-A, “Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio”, os artigos 36 A, B, C e D, em nenhum momento, contemplam orientações sobre a praticado Laboratório de Ciências relacionada à prática experimental. De acordo com Borges (2002), os professores de ciências, independente do nível de ensino, em gera acredita que a sua melhoria passa pela introdução de aulas práticas no currículo. Contudo, Wesendonk e Terrazzan (2020) e outros pesquisadores, a partir de resultados de pesquisas sobre esse assunto, mostraram que a experimentação não é a solução para todos os problemas existentes no Ensino de Ciências. Na opinião de muitos professores a prática em laboratórios de ciências melhora as deficiências do ensino, na medida em que despertam o interesse dos alunos pela aprendizagem do conhecimento científico (HODSON, 1994; BARBERÁ; VALDÉS, 1996; GIL-PÉREZ et al., 1999). Quando se analisa as condições para que tais atividades sejam desenvolvidas, autores como Borges (2002, p. 294) enfatizam que várias escolas dispõem de alguns equipamentos e laboratórios que, no entanto, por várias razões, nunca são utilizados, dentre as quais cabe mencionar o fato de não existirem atividades já preparadas para o uso do professor; falta de recursos para compra de componentes e materiais de reposição; falta de tempo do professor para planejar a realização de atividades como parte do seu programa de ensino; laboratório fechado e sem manutenção. [...] Muitos professores até se dispõem a enfrentar isso, improvisando aulas práticas e demonstrações com materiais caseiros, mas acabam se cansando dessa tarefa inglória, especialmente em vista dos parcos resultados que alcançam. 2 Redações correspondentes às Incluídas pela Lei nº 13.415, de 2017. 19 Contudo, sabe-se que a dimensão prática não é uma realidade nas escolas em virtude de vários fatores como os já expostos anteriormente por pesquisadores, bem como as más condições das escolas, a infraestrutura das mesmas, em particular, os laboratórios de ciências. De acordo com os dados do Anuário Brasileiro da Educação 20203, em que, no ensino médio, apenas 48% das escolas possuem laboratórios. Contudo, como afirma Borges (2002), “É um equívoco corriqueiro” confundir atividades práticas com a necessidade de um ambiente com equipamentos especiais para a realização de trabalhos experimentais, uma vez que podem ser desenvolvidas em qualquer sala de aula, sem a necessidade de instrumentos ou aparelhos sofisticados. Pensar o laboratório de ciências envolve pensar muitos aspectos relacionados ao mesmo, conforme considerações anteriores. Nesse sentido, ampliando as discussões sobre o laboratório de ciências no ensino de Ciências, como podemos 3 TODOS PELA EDUCAÇÃO EDITORA MODERNA. Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020. São Paulo, 2020. Disponível em:https://todospelaeducacao.org.br/noticias/anuario-2020-todos-pela- educacao-e-editora-moderna-lancam-publicacao-com-dados-fundamentais-para-monitorar-o-ensino- brasileiro/. Acesso em: 10 de nov. de 2020. https://todospelaeducacao.org.br/noticias/anuario-2020-todos-pela-educacao-e-editora-moderna-lancam-publicacao-com-dados-fundamentais-para-monitorar-o-ensino-brasileiro/ https://todospelaeducacao.org.br/noticias/anuario-2020-todos-pela-educacao-e-editora-moderna-lancam-publicacao-com-dados-fundamentais-para-monitorar-o-ensino-brasileiro/ https://todospelaeducacao.org.br/noticias/anuario-2020-todos-pela-educacao-e-editora-moderna-lancam-publicacao-com-dados-fundamentais-para-monitorar-o-ensino-brasileiro/ 20 refletir sobre este no âmbito das escolas técnicas, em que há oferta do ensino médio, do Técnico integrado ao Médio e do Ensino Técnico? Especificamente em relação ao Centro Paula Souza, há um projeto para instalação de laboratório elaborado pela Coordenadoria de Ensino médio e Técnico do Centro Paula Souza, desde 2010, denominado como Padronização do tipo e quantidade necessária de instalações e equipamentos dos laboratórios das habilitações profissionais. Este projeto inicia a discussão de organização de Laboratório de ciências no ensino médio, com uma “nota importante” mencionando que “esse seja compartilhado com as habilitações profissionais de Técnicos” (SÃO PAULO, 2010, p. 03). De acordo com o projeto do CPS, são previstas especificidades como “layout”, material de consumo, acessórios mínimos necessários para o funcionamento do curso. É importante lembrar que os equipamentos propostos para os de ciências do Ensino médio e os dos Cursos Técnicos devem ser compartilhados. Tal situação é ressaltada no caso de equipamentos específicos que devem ser solicitados de forma a atender os cursos existentes nas Unidades de Ensino (SÃO PAULO, 2010). Nota-se que o projeto do CPS veio antes da Câmara dos Deputados Federais aprovar em 2011 à exigência de laboratórios em escolas públicas no Brasil, tanto de Ciências como o de Informática. Dessa forma, o que faz com que os de Ciências ainda não sejam realidade em escolas técnicas? Considerando que o ensino médio pode ser oferecido separadamente ou integrado a um curso profissionalizante, em todas as leituras e boletins do CPS só são abordadas notícias dos cursos profissionalizantes auxiliados com laboratórios para a formação de profissionais técnicos para trabalharem na empresa que forneceu o laboratório4. Ou seja, prevalece a concepção como espaço de preparação profissional do estudante como obtenção de uma formação estritamente técnica. Segundo De Hollanda Cavalcanti e Queiroz (2018), o ensino médio no Brasil sempre viveu um dilema entre a formação técnica, profissional (a formação para o trabalho) e a generalista (humanista, propedêutica). Para os autores, esta oposição 4 Exemplo de notícia sobre investimento de empresa na formação de mão-de-obra em cursos técnicos do CPS. Informativo do CPS em parceria com a Petrobras dos 45 anos da instituição, ano 8, de 2014, intitulado Dedicação Estimular (p.9). http://www.portal.cps.sp.gov.br/publicacoes/revista/2014/edicao-38-janeiro-fevereiro.pdf http://www.portal.cps.sp.gov.br/publicacoes/revista/2014/edicao-38-janeiro-fevereiro.pdf 21 ainda não foi superada e é falsa, uma vez que a técnica (e embutida nela a ciência) não se opõe ao humanismo. Ferreira e Azevedo (2020, p. 122) estabelecem uma crítica ao currículo integrado que meramente tem a finalidade de aquisição de conhecimento, porém sem a finalidade de desenvolver o pensamento crítico e fomentar a emancipação pretendendo-se educação integral pela mera junção dos currículos. [...] deste modo, o que se pretende é que a formação profissional, uma vez necessária, seja aplicada de forma diretamente associada à formação geral de modo a que seja uma formação unitária e não dicotômica. Mais do que pensar sobre a concepção que baliza os laboratórios em escolas técnicas e sua relação com a formação do estudante do Ensino médio ou do Ensino médio integrado ao Técnico, estas considerações acerca do laboratório levam a pensar sobre o papel do professor no laboratório didático de Ciências, pois este está ligado ao desenvolvimento da atividade experimental que, por si só, não é protagonista do sucesso da aprendizagem do aluno. Nesse sentido, no caso do Centro Paula Souza, os professores apresentam formações para atuar nas disciplinas curriculares de Ciências, mas não nas especificidades das atividades experimentais que eles somente carregam o que adquiriram em suas formações iniciais ou que deram prosseguimentos em termos de formação continuada. Ou seja, as chamadas aulas práticas são apontadas pelos professores como uma deficiência que está sendo cultivada desde o Ensino Fundamental e Médio e se estendendo no âmbito da formação inicial e no exercício da profissão docente. Dessa forma, é inadmissível não aceitar a importância do laboratório de ciências e seu papel na formação do aluno. Ao mesmo tempo, é inegável a evidência da complexidade que está ao entorno dessa atividade na prática pedagógica do professor e na estrutura escolar como um todo. Tal complexidade acaba se estendendo quando se pensa no laboratório de ciências no âmbito de uma Escola Técnica, como já foram dados indícios anteriormente. Diante do exposto, quando se fala em ensino médio integrado ao curso técnico, o que acaba prevalecendo são os laboratórios profissionais, ou seja, voltados às disciplinas de núcleo Comum do currículo dos cursos profissionalizantes. As de natureza básica quase não são lembradas, bem como os laboratórios de 22 ciências. Nesse sentido, que possibilidades e desafios podem ser revelados por professores e membros da gestão escolar de uma escola técnica sobre desenvolver um laboratório didático de Ciências e realizar atividades experimentais junto a alunos do ensino técnico integrado ao ensino médio? A literatura em educação e o ensino de Ciências contemplam diferentes compreensões sobre o laboratório, podendo este ser abordado como didático, de ensino, científico e de investigação. Contudo, aqui será adotada a expressão “laboratório didático” entendido como “um lugar de formação em que são organizadas e desenvolvidas atividades pedagógicas intencionais e dirigidas por objetivos relacionados ao ensino e à aprendizagem de diferentes saberes, de forma a favorecer a integração dos conhecimentos” (SOUZA; TAUCHEN, 2017, p. 217). Desse modo, esta pesquisa tem como objetivo central compreender as possibilidades e os desafios que podem ser revelados por professores e por gestores de uma escola de ensino técnico integrado ao ensino médio diante do desenvolvimento de atividades experimentais e organização de um espaço para o laboratório de Ciências, a fim de proporcionar uma melhor compreensão do conhecimento científico pelos alunos para além da dimensão técnica. Além disso, analisar aspectos que envolvem a formação docente, a forma como concebem o laboratório e as atividades experimentais e o quanto isso pode estar ou não relacionado aos desafios desse grupo de participantes frente ao ensino de Ciências na dimensão prática. Cabe ressaltar que, ao se referir à equipe gestora, está se falando do diretor e da coordenação pedagógica. No Capítulo 1 - O laboratório de ciências: entre conceitos, classificações e termologias - serão trazidas discussões sobre o laboratório didático de ciências, seus conceitos, terminologias, relação entre teoria e prática. Ainda, busca-se apresentar algumas das classificações destinadas aos laboratórios nas últimas décadas, o que traz implicações para o processo de ensino e aprendizagem, bem como sua relação com a formação de professores. No Capítulo 2 – O ensino médio, o ensino profissional e a formação do aluno - é apresentado o conceito de ensino médio integrado ao ensino técnico e uma síntese de como o ensino profissional veio se desenvolvendo no Brasil durante sua história. Também é apresentada a ETEC, a qual está vinculada ao CPS no estado de São Paulo e é o contexto de realização da presente pesquisa. 23 No Capítulo 3 – Percurso metodológico - são abordados os elementos metodológicos da pesquisa (a natureza, o contexto de realização, os participantes, os instrumentos utilizados para a constituição de dados, o desenvolvimento e o referencial teórico analítico utilizado). No Capítulo 4 – Descrição e interpretação: em busca da compreensão de significados - são apresentados os dados da pesquisa, análise e discussão. Em seguida são trazidas as Considerações Finais e apresentadas as referências, anexos e apêndices. 24 1. O LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS: ENTRE CONCEITOS, CLASSIFICAÇÕES E TERMINOLOGIAS Segundo Dourado (2001 apud MALHEIRO, 2016), há um uso indiscriminado do termo “trabalho experimental” e “experiência” e isto podem levar a entender que analisar qualquer experiência seja avaliado como trabalho experimental. Para ser considerado trabalho experimental seria interessante considerar os pressupostos epistemológicos definidos por autores como Hodson (1988), que define que este deve abranger o controle e manipulação de variáveis. Ou seja, “o critério que permite distinguir o trabalho experimental do não experimental centra-se na metodologia empregada” (p. 111). Essa discussão terminológica passou por termos como “trabalho prático”, “trabalho laboratorial” e “trabalho experimental”; “prático” e “laboratorial” (MALHEIRO, 2016, p. 111) “enfatizando a ideia de que fazer experiências e exercícios práticos com materiais e equipamentos utilizados em grande escala pelos cientistas, geralmente num espaço laboratorial (ou algumas vezes em sala de aula), os alunos já estariam “praticando Ciência””. Para o pesquisador Hodson (1988 apud MALHEIRO, 2016), o “trabalho prático” ficou compreendido como aquele em que os estudantes estão totalmente envolvidos, podendo esse “envolvimento” ser cognitivo, afetivo ou psicomotor. Além do ambiente laboratorial, podem ser enquadradas também as atividades de campo, as pesquisas de informações na internet, a resolução de problemas de lápis e papel (entrevistas programadas e resolução de problemas). Já o “trabalho laboratorial” deveria conter procedimentos que envolvessem o emprego de materiais presentes em um laboratório, não necessariamente precisando que o trabalho laboratorial aconteça em um laboratório dentro dos padrões conhecidos. Pode ser uma atividade ao ar livre ou no ambiente de sala de aula, desde que, em ambos os espaços, os procedimentos de segurança sejam respeitados. Quanto ao “trabalho experimental”, o autor considera o controle e manipulações de variáveis como procedimentos básicos desse tipo de trabalho. Esse “controle e manipulação de variáveis dar-se-á não apenas no laboratório, mas 25 no campo ou em outros ambientes, desde que se configurem como atividades práticas” (HODSON, 1988 apud MALHEIRO, 2016, p. 111). Segundo Suart e Marcondes (2009), com o advento do construtivismo nos últimos 30 anos, com a participação do aluno como construtor do conhecimento e o professor como mediador e facilitador, a experimentação se tornou investigativa. Possibilitou um avanço para o aprendizado, tornando o aluno mais ativo, ao promover a oportunidade de discutir, elaborar hipóteses, aprender com a teoria dos fenômenos estudados, investigando até chegar à interpretação e solução de problemas. Dessa forma, o aluno passaria a desenvolver suas habilidades cognitivas e raciocínio lógico. Deste modo, as autoras acreditam que se deve investir na proposição de metodologias e estratégias de ensino que propiciem o desenvolvimento cognitivo do aluno, com a experimentação. Nessa abordagem, os alunos têm a oportunidade de discutir, questionar suas hipóteses e ideias iniciais à luz do quadro teórico, coletando e analisando dados para encontrar possíveis soluções aos problemas. As autoras afirmam que: [...] Se uma aula experimental for organizada de forma a colocar o aluno diante de uma situação problema, e estiver direcionada para a sua resolução, poderá contribuir para o aluno raciocinar logicamente sobre a situação e apresentar argumentos na tentativa de analisar os dados e apresentar uma conclusão plausível. Se o estudante tiver a oportunidade de acompanhar e interpretar as etapas da investigação, ele possivelmente será capaz de elaborar hipóteses, testá-las e discuti-las, aprendendo sobre os fenômenos estudados e os conceitos que os explicam, alcançando os objetivos de uma aula experimental, a qual privilegia o desenvolvimento de habilidades cognitivas e o raciocínio lógico. (SUART, MARCONDES, 2009, p.51) As atividades experimentais também têm o potencial de aumentar as relações sociais, atitudes e o crescimento cognitivo. O ambiente mais informal do laboratório, se comparado com a sala de aula, contribui para interações mais construtivas entre os alunos e estes com o professor, criando um ambiente de aprendizagem mais positivo (HOFSTEIN; LUNETTA, 2004 apud SUART; MARCONDES, 2009). Para Rosa (2003), podem-se considerar dois objetivos para o ensino no laboratório didático. Os cognitivos, que estão relacionados à aprendizagem de conhecimentos e conceitos; e os formacionais, que estão relacionados às atitudes e 26 hábitos, envolvendo “uma postura indagadora e crítica, um modo de ser, de sempre buscar tornar claro para nós mesmos o que já sabemos e o que precisamos ou queremos saber [...] e fazer” (BORGES; BORGES; VAZ, 2005, p. 436), sabendo que há múltiplas possibilidades de aprendizagem. Nesse sentido, Borges (2002) salienta que os professores acreditam que com a inserção de algumas atividades práticas poderá haver uma melhora no ensino. Mas reforça que, mesmo havendo escolas que dispõem de um espaço de laboratório, elas não o utilizam por diversos motivos, dentre eles por não existirem atividades já prontas para o seu uso e a dificuldade em conseguirem recursos para a compra de materiais. Ou seja, ter um espaço físico de laboratório não quer dizer que será utilizado e nem que será utilizado de forma a promover competências e habilidades em torno de dimensões epistemológicas e cognitivas. Marandino, Selles e Ferreira (2009 apud WESENDONK; TERRAZZAN, 2020), sustentam a ideia de que, para compreender a dificuldade de integrar no contexto de sala aula a experimentação, é preciso reconhecer que, ao lado da estrutura física da escola, existem, em especial, elementos associados às tradições de ensino mantidas no Brasil que podem ser exemplificados em dois elementos. Em primeiro lugar, há a questão histórica do funcionamento das escolas, que, diante da divergência numérica em relação às demandas populacionais, assumiram um modo específico de organizar os tempos e os espaços escolares. A estruturação da escola em diversos turnos acarretou numa organização curricular que fez com que um conjunto de disciplinas escolares fosse distribuído ao longo da semana, o que, de algum modo, acarreta em curtos períodos de aula para cada disciplina. Esse pode ser um dos fatores que levou à utilização de alguns recursos didáticos mais tradicionais, como a exposição do professor, em detrimento de outros, por exemplo, a experimentação. Em segundo lugar, há a preocupação das escolas em melhorar o desempenho dos alunos nas avaliações que servem como processos seletivos para a entrada no Ensino Superior ou nas avaliações externas da Educação Básica. Isso tem acarretado justificar intrinsicamente a utilização da experimentação como um recurso opcional. (WESENDONK; TERRAZZAN, 2020, p. 44) Alves Filho (2000), ao discorrer sobre o laboratório, em específico o de Física, enfatiza suas funções, prioridade no método experimental no processo de ensino-aprendizagem, a importância para o fazer e o aprender, a maneira como essa valorização do laboratório se perdeu ao longo do tempo e como resgatá-la. 27 O autor destaca que, desde o ensino médio ao universitário, em meados da década de 1970 até a de 1980, o laboratório é visto como a solução de problemas, por muitos autores, em particular no ensino da Física. No artigo, discorrem, ainda, sobre como o processo com atividades experimentais investigativas promovem situações atípicas, as quais assombram a previsão perfeita que deveriam trazer antes da concretização do ato de pesquisar. Todos os educadores têm que saber como agir, como tratar e como resolver problemas conforme forem surgindo, mesmo que o aparecimento de desafios não esteja nos planos originais. As situações inesperadas na realização de experimentos é uma oportunidade de crescimento, tanto do aluno, quanto do professor. A motivação também é posta em discussão pelos autores, os quais explicam que muitos discursos de motivação pelas atividades experimentais foram sustentados pelo empirismo-indutivismo, em que a aprendizagem “ocorria pela descoberta, através da repetição de um experimento” (GONÇALVES; GALIAZZI, 2004, p. 243). Também delineiam a difusão da aprendizagem por descoberta frente à utilização das atividades experimentais como possibilidade de fomentar a formação de “jovens cientistas”. Uma das críticas elencadas por Gonçalvez e Galiazzi (2004) perante este ponto é o pequeno número de alunos que segue profissões científicas. O trabalho também apresenta uma discussão sobre o discurso de professores de Ciências sobre a ausência da experimentação em sala de aula, elencando considerações como a precariedade de infraestrutura devido à falta de materiais e espaço físico adequado. Neste contexto, os autores apontam que “para atender à suposta necessidade de sofisticação das condições materiais, muitas vezes são feitos investimentos nos difundidos kits de laboratório” (p. 242). No entendimento dos autores, “isso contribui para reforçar as crenças sobre atividades experimentais limitadas a espaços, muitas vezes, com característica incongruente com a atividade científica” (p. 242). Os resultados do estudo de Gonçalves e Galiazzi (2004) evidenciam uma concepção muito comum entre os professores de Ciências, a da necessidade de espaço físico específico para a realização de atividades experimentais. O aluno não é um cientista. Dessa forma, é preciso pensar sobre o quanto se torna relevante um espaço físico e estruturado para o desenvolvimento das atividades experimentais 28 face ao objetivo de proporcionar a discussão sobre ciência, teoria e prática, o papel do experimento na formação dos alunos, etc. Segundo Wesendonk e Terrazzan (2020, p. 53): É recorrente identificar nas falas dos professores a afirmação de que a falta de uma infraestrutura adequada na escola torna baixa a inserção desse recurso didático no ensino. Um dos argumentos utilizados pelos professores para associar o uso de experimentos ao laboratório é o fato de esse minimizar os riscos ao se desenvolver atividades que envolvam alta periculosidade. Percebemos que os professores se sentem inseguros em manipular determinados aparatos experimentais, por conta da responsabilidade que recai sobre ele, caso algo de errado aconteça durante a realização da atividade. Nesse sentido, uma proposta apresentada no trabalho de Gonçalves e Galiazzi (2004), portanto, baseia-se na problematização das atividades experimentais em cursos de formação inicial de professores por meio da discussão pedagógica sobre a experimentação em disciplinas de conteúdo específico, nos cursos de Licenciatura em Ciências, alertando sobre a importância de que o professor formador conheça o contexto profissional dos alunos da Licenciatura e esteja pedagogicamente fundamentado sobre experimentação. Fazer pesquisa em sala de aula supõe, além da elaboração do problema, coleta de dados por meio de instrumentos variados e construção de argumentos fundamentados em teoria válida, que requer o exercício do diálogo entre pares, leitura de teóricos, escrita dos argumentos. (GONÇALVES; GALIAZZI, 2004, p. 244) Desta forma, os autores ressaltam a relevância da contextualização do conteúdo trazendo à sala de aula uma discussão acerca de aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais. Ou seja, trazerem uma abordagem sociocultural caracterizando as atividades experimentais como “o movimento de questionamento, construção de argumentos, comunicação e validação de argumentos que se constitui no educar pela pesquisa, que as fundamenta metodologicamente” (GONÇALVES; GALIAZZI, 2004, p. 246). Para tanto, os autores sugerem a utilização de instrumentos que favoreçam a explicação como, por exemplo, informações por escrito, pois permitem fazer uso delas nas discussões e elaborações de argumentos em sala de aula e via questionamentos. Assim, defendem que um dos aspectos que precisa ser favorecido 29 por meio da atividade experimental é a análise das teorias do grupo sobre os fenômenos estudados analisando a discussão das justificativas dos resultados. Essas discussões em sala de aula, segundo os autores, reforçam uma aposta metodológica que é a explicação do conhecimento do aluno utilizado para dialogar sobre os resultados dos fenômenos e fatos observados. Neste contexto, os autores afirmam que dialogar com outros interlocutores é importante nesse processo, incluindo-se, por exemplo, atividades de leitura e escrita, além de conversas com outros professores, colegas e comunidade. Desenvolver atividades experimentais em uma perspectiva dialógica mediada pelas ferramentas culturais, especialmente a leitura e a escrita, colabora para superar entendimentos empiristas de Ciências, que mostram ter pequena contribuição na aprendizagem das teorias das Ciências. (GONÇALVES; GALIAZZI, 2004, p. 249) É possível verificar por meio destes estudos sobre o laboratório didático o interesse na busca por compreender, em sua maioria, seus objetivos e usos, bem como a sua vinculação com as atividades práticas educativas (PAVÓN et al., 2010; ROSA; ROSA, 2007; SILVA, 2002). Mas mesmo diante de uma vasta produção bibliográfica sobre a temática, é encontrado que a estratégia predominante quando se trata do laboratório didático ainda é do tipo expositiva (RUA; ALZATE, 2012; GRANDINI; GRANDINI, 2004), não querendo com isso dizer que esta forma de conceber e desenvolver o laboratório seja boa ou ruim, mas que o fato dela ainda ser preponderante pode estar relacionada à combinação de, pelo menos, dois fatores, os quais já eram sinalizados por Hodson, desde a década de 1980: à importância atribuída ao desenvolvimento de atividades práticas e à falta de questionamento sobre os motivos que fundamentam o extensivo uso do laboratório didático nas aulas de ciências. a cultura escolar é caracterizada pela concepção pragmática de ciências e está instaurada no ensino de ciências em nosso país, no qual as aulas via laboratório didático, quando praticadas, seguem regras estabelecidas pelos professores e descriminadas nos manuais/roteiros. Esta cultura escolar se torna a cultura da sociedade tendo em vista que é esta cultura cientificista a que se faz presente em todo o campo educacional brasileiro, o que acarreta na disseminação de uma ciência pragmática por parte dos professores e destes para a sociedade. Porém, como professores devemos desejar que nossos alunos reconheçam que a cultura escolar não está a serviço de seus interesses e de suas necessidades, mas sim de uma classe dominante que 30 busca alienar a sociedade como um todo, moldando as pessoas de acordo com os interesses desta classe e não os seus próprios (GIROUX, 1997, p.40). Desta forma, o caráter cientificista que tem sido apresentado no ensino de ciências pelas práticas tradicionais de laboratório didático, não exclui o seu papel para o desenvolvimento de uma cultura científica, mas torna-se parte dos elementos que constituem esta cultura, sendo importante principalmente na compreensão dos métodos que legitimam a ciência. Por outro lado, se as práticas forem tomadas somente pela perspectiva cientificista, como temos encontrado, o processo de construção da ciência pode ser interpretado como algo neutro, livre de interesses, no qual o cientista é um sujeito livre de ideologias, cujas ações críticas e políticas com relação à sociedade não interferem nas suas práticas. (ANDRADE, 2010, p. 22-23) Para o autor, isso pode dever-se ao caráter tradicional que permeia o ensino de ciências no Brasil, no qual a maioria das atividades experimentais, quando praticadas, tem como objetivo principal comprovar leis e teorias que visam mostrar aos estudantes a veracidade de tais elementos, o que pode vir a acarretar na aceitação de determinada teoria como única e verdadeira. Seria de extrema relevância tratar as práticas laboratoriais segundo uma perspectiva de ciência como cultura. 1.1 Os laboratórios didáticos de Ciências e suas possíveis classificações Ao longo das pesquisas envolvendo laboratórios didáticos, os pesquisadores efetuaram algumas classificações (ALVES FILHO, 2000). Segundo este autor, um dos primeiros laboratórios é o de Demonstrações, em que o aluno é visto como mero espectador do trabalho do professor e participa eventualmente da prática. O experimento é utilizado como uma introdução ao assunto, com o objetivo de motivar e facilitar a compreensão para o aluno. Apesar das críticas estabelecidas à experimentação do tipo demonstrativa, ela acaba sendo a mais utilizada entre os professores, pois ainda se tem a ideia de que a experimentação tem a finalidade de comprovar a teoria, mas também podemos levar em consideração a insegurança por parte dos professores para utilizar outras metodologias de ensino, além das aulas expositivas, bem como questões relacionadas à própria formação do professor (SILVA, 2016, p. 26). Para o autor, ao considerar suas próprias experiências como aluno e como professor de Química, há pelo menos cinco anos, não crê 31 que esta seja uma forma errônea ou ruim de utilizar a experimentação como metodologia de ensino, visto que, ao observar experimentos demonstrativos, cujo papel era sim o de comprovar a teoria, foi de muita importância para a compreensão de alguns fenômenos, que se fossem explicados apenas em uma aula teórica, se perderiam muito facilmente, devido à dificuldade de associar os conceitos aos fenômenos observados. (SILVA, 2016, p. 26) O autor entende e alerta para o fato de que essa forma pode impossibilitar a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, o levantamento e construção de hipóteses explicativas, não permitindo que os alunos se envolvam em discussões, para assim chegar às próprias conclusões. Ou seja, conclui que tanto o laboratório quanto a experimentação “se utilizada da forma adequada, pode se tornar um recurso pedagógico importantíssimo auxiliando na construção de conceitos, ou pode ser um empecilho ao processo de aprendizagem” (p. 27). Segundo Alves Filho (2000), o tipo mais comum utilizado é o Laboratório Tradicional ou Convencional, em que neste o aluno passa a desenvolver o experimento, o qual segue, geralmente, um roteiro previamente elaborado pelo professor. A ênfase é dada ao Relatório que é produzido ora em sala de aula ora em casa sendo entregue posteriormente conforme agendamento do professor. O Laboratório-Biblioteca segundo Oppenheimer e Correl (1964 apud ALVES FILHO, 2000), é semelhante ao tradicional. As atividades já vêm prontas para os alunos que somente precisam seguir um roteiro, mas difere no fato das atividades estarem permanentemente montadas e serem de rápida utilização, podendo ser utilizado mais de um experimento na sala. Esse laboratório também pode ser concebido como “Fading”, no qual há diminuição de informações presentes no roteiro para que o aluno possa ser desafiado, o que proporciona a possibilidade de montagem do experimento pelo aluno (ALVES FILHO, 2000). Gaspar (2009 apud SOARES, 2018), enfatizava que por muito tempo as atividades de experimentação foram introduzidas em sala de aula de duas maneiras equivocadas: uma, com caráter ilustrativo, sendo a experiência usada após a explicação de um conceito teórico no intuito de memorizar e comprovar a informação dada; e outra em que a experiência tem sido realizada como “receitas de bolo”, seguindo rígidos guias, não havendo o incentivo da curiosidade e evitando o erro. 32 Nos estudos de Pavón et. al. (2010) constatou-se que as atividades laboratoriais costumavam ser guiadas por atividades que visavam comprovar teorias já estudadas, mas também estavam sendo planejadas a partir de instruções práticas. Bastava seguir as recomendações pré-estabelecidas para se chegar aos resultados esperados, o que corrobora com o tipo de laboratório mais utilizado, o tradicional ou convencional. Se for desenvolvido dessa forma pode levar à compreensão do laboratório didático como sendo um espaço restrito à medição e alcance de resultados, reduzindo as experiências dos estudantes como sujeitos ativos no planejamento e desenvolvimento das atividades (SOUZA; TAUCHEN, 2017). Para Carrascosa et al., 2006, quando os roteiros pré-definidos constituem o único itinerário formativo dos estudantes, pode-se estar contribuindo com uma ideia muito rígida e estagnada da ciência, pois as atividades “[...] acabam tendo um caráter confirmatório de coisas que eles já sabem ou ilustrativo daquilo sobre o qual já ouviram falar ou já leram” (PINTO; VIANA; OLIVEIRA, 2013, p. 437). Para Andrade (2010), o laboratório didático também pode assumir um caráter semiestruturado, em que as práticas são realizadas trazendo os manuais/roteiros como um orientador do aluno, apresentando questionamentos e diversas possibilidades de alcançar os mesmos fins, fazendo com que o aluno seja responsável por algumas das decisões que envolvem o desenvolvimento da experimentação. Já o laboratório didático, conhecido como aberto ou não estruturado, ao invés de objetivos tachados pelos manuais/roteiros, metas são definidas pelos alunos que irão experimentar em busca da melhor maneira de alcançá-las. Este tipo de prática coloca o aluno como o centro do desenvolvimento experimental e faz com que eles se coloquem verdadeiramente a experimentar, levantando hipóteses e testando meios para alcançar seus objetivos. carrega em seu próprio rótulo o cerne deste caráter, ou seja, pelo fato de ser não estruturado o que encontramos são práticas experimentais que desafiam os alunos a encontrar caminhos de forma quase que autônoma, podendo ter o professor como mediador, para explorar os fenômenos que lhes são apresentados. (ANDRADE, 2010, p. 50) Ferreira (1978 apud ALVES FILHO, 2000) destaca o Laboratório Divergente como sendo o que fica entre o tradicional e o aberto, uma vez que o professor passa 33 uma sequência para o aluno e então o mesmo decide como poderá fazer a abordagem. Ainda, este autor explica que o Laboratório conhecido como Aberto ou de Projetos difere do divergente somente pelo fato de o aluno ter uma maior flexibilidade no horário de trabalho. Já o Laboratório por Descoberta, segundo este autor, deixa vários experimentos para o aluno trabalhar como possibilidade de redescoberta de leis físicas. Os autores Araújo e Abib (2003) fazem uma extensa investigação da produção sobre o uso de atividades experimentais em que exemplificam as vantagens da experimentação. De um modo geral, independente da linha ou modalidade adotada, constata-se que todos os autores são unânimes em defender o uso de atividades experimentais, podendo-se destacar dois aspectos fundamentais pelos quais eles acreditam na eficiência desta estratégia: a) Capacidade de estimular a participação ativa dos estudantes, despertando sua curiosidade e interesse, favorecendo um efetivo envolvimento com sua aprendizagem. b) Tendência em propiciar a construção¸˜ao de um ambiente motivador, agradável, estimulante e rico em situações novas e desafiadoras que, quando bem empregadas, aumentam a probabilidade de que sejam elaborados conhecimentos e sejam desenvolvidas habilidades, atitudes e competências relacionadas ao fazer e entender a Ciência (ARAUJO; ABIB, 2003, p.190 -191) No desenvolvimento do tema laboratório de ciências, pode-se acrescer, também, o Laboratório Virtual e o Remoto, na falta do de ciências experimental e presencial, para motivar as expectativas dos alunos e favorecer o ensino e aprendizagem. A potencialidade de ambos está na projeção do experimento impossibilitado de ser realizado por motivos, tais como, falta de material, equipamentos sofisticados e espaço adequado. Os resultados do estudo de Wesendonk e Terrazzan (2020) apontam para o uso de simulações computacionais pelo professor, por meio dos laboratórios de informática, uma vez que estes estão presentes na maior parte das escolas com boas condições físicas e de uso. Contudo, ressaltam que a dificuldade para tal uso pode residir na escolha de uma boa simulação ou no tempo que deve ser despendido para tal fim, mas em questão de espaço, em geral, as escolas têm laboratórios que apresentam boas condições físicas e de uso (p. 53). 34 Já o ensino por investigação tem uma forma importante de desenvolver o ensino de Ciências por contribuir para que os alunos construam os conhecimentos básicos, dando condições para que eles sejam capazes de acompanhar os avanços científicos e tecnológicos. Além disso, posicionar-se diante dos problemas sociais e tomar decisões, uma vez que elas permitem ao aluno desenvolver a capacidade de argumentação, além de possibilitar formas de pensamentos mais críticas e criativas (SILVA; CABRAL; MALHEIRO, 2020; MOREIRA; SILVA; MALHEIRO, 2020; MALHEIRO, 2016). o ensino investigativo deve estimular o questionamento do aluno, para isso é necessário um planejamento a fim de que haja também o estímulo ao pensamento crítico e consequentemente explicações para uma determinada situação, facilitando assim, o desenvolvimento da linguagem em sala de aula. Técnicas, como o ensino investigativo, não são soluções únicas, mas são chaves na hora de repensar a formação de professores e de sugerir estratégias que produzam impacto na sala de aula. (SILVA; CABRAL; MALHEIRO, 2020, p. 4) Dessa forma, nota-se que há várias concepções de laboratório5 e de atividades experimentais que podem ser utilizadas pelos professores ou que nortearão as atividades práticas da escola. Porém, deve-se atentar ao fato de que, independentemente do tipo de laboratório a ser utilizado, as atividades devem ser muito bem planejadas para que possam complementar a teoria e não passar a ser algo isolado em que os alunos não fazem algum tipo de conexão. Para Sim (2016), as vantagens e desvantagens dos diferentes tipos de laboratórios são realizadas por diferentes trabalhos que identificam: a questão econômica, a necessidade de muitos equipamentos e instalações, a possibilidade real de controle, a acessibilidade, a possibilidade do trabalho em equipe, a segurança do sistema, a necessidade de manutenção, bem como os benefícios educacionais. 1.2 Laboratório de ciências, experimentação e formação de professores 5 Para uma leitura mais aprofundada sobre diferentes concepções de laboratório recomendamos a síntese realizada no estudo de Malheiro (2016). 35 No estudo de Wesendonk e Terrazzan (2020), ao investigarem as condições acadêmico-profissionais subjacentes à utilização de experimentações por professores de Física do Ensino Médio identificaram que para a maior parte dos professores, o curso de graduação contribuiu para prepará-los para a utilização de experimentações no ensino. Aqueles professores, por exemplo, que se graduaram em Física, puderam participar, durante a formação inicial, de disciplinas experimentais (usualmente denominadas de ‘laboratório’) e, em alguns casos, até cursaram disciplinas que tratavam sobre a utilização de experimentos no Ensino de Física. Desse modo, considerando a importância que desempenharam essas disciplinas e esses experimentos desenvolvidos durante a formação do professor, ele pode optar por também fazer uso desse recurso com os seus alunos. (WESENDONK; TERRAZZAN, 2020, p. 52) Ou seja, tem professores que tiveram uma formação que propiciou o desenvolvimento de práticas como a experimentação e que tendem a criar a expectativa de reproduzir tais atividades no contexto escolar com seus alunos. Porém, segundo os autores, ao longo da trajetória profissional, são “forçados” a elaborar propostas que se encaixem com as condições encontradas na escola. Ao mesmo tempo, destacam que há professores que ministram disciplinas que não correspondem à sua formação inicial. Assim, além dos fatores que já dificultam a utilização da experimentação, há certa dificuldade por parte do professor em organizar e desenvolver experimentos a respeito de um conteúdo que muitas vezes ele não domina, por se tratar de uma disciplina que não seja a de sua formação. Isso poderá resultar na utilização de recursos didáticos reconhecidos como mais tradicionais, como é o caso da exposição oral e da resolução de exercícios, do que se arrisque em utilizar recursos que exijam, além de mais tempo para planejamento, um maior domínio de procedimentos e habilidades científicas e de conteúdo. (WESENDONK; TERRAZZAN, 2020, p. 44) Para Carvalho (2003 apud SOUZA; TAUCHEN, 2017, p. 227) as experiências vividas na formação inicial influenciam a forma como o futuro professor trabalhara no decorrer de sua profissão. Durante a graduação tem-se a oportunidade e o dever de problematizar as próprias experiências, além das concepções sobre aprendizagem e ciência, por exemplo, no sentido de ressignificá-las. [...] Além disso, as atividades ali desenvolvidas criam condições de possibilidade para um trabalho mais criativo, dinâmico, envolvente e autônomo. Ao mesmo tempo, permite uma aproximação dos métodos científicos e do diálogo crítico sobre os mesmos, 36 sem excluir o exercício de atitudes como de cooperação e colaboração, além de habilidades como sistematização, organização, escrita, entre outras que podem ser planejadas. Zancul e Viveiro (2012) em pesquisa realizada no contexto do laboratório didático de uma licenciatura em Ciências Biológicas investigaram como a utilização do espaço do laboratório poderia contribuir com o planejamento de aulas/atividades para o Estágio Supervisionado em Ensino de Biologia. A partir dos relatos dos licenciandos, constatou-se que o uso do laboratório contribui significativamente para o estágio supervisionado, pois além de ter diversificado o uso de materiais, oportunizou “momentos de diálogo, de interação com o outro e reflexão crítica sobre o trabalho docente” (p. 24). Não há dúvidas quanto à importância que tem o laboratório didático na formação docente e o modo como foi desenvolvido, pois, além de constituir-se em um espaço que permite trabalhar conhecimentos de um modo prático e interativo, potencializa a reflexão sobre a profissão docente. O papel da componente experimental da aprendizagem em ciências na formação do futuro cidadão, capaz de atuar com eficácia na sociedade em que está inserido, irá depender, em grande escala do papel do professor no desenvolvimento da sua atividade docente e das suas perspectivas relativamente a essa componente. (THOMAZ, 2000, p. 361 apud ANDRADE, 2010, p. 18) Os resultados do estudo de Souza e Tauchen (2017) destacam que o laboratório didático no contexto de disciplinas de um curso de licenciatura pode, também, ser um espaço de realização de tarefas pensadas para a Educação Básica e, assim, de reflexão sobre o uso do laboratório didático na escola. “Deste modo, a utilização do laboratório didático universitário, com a atenção especial à formação docente, pode contribuir com a ressignificação do ensino de ciências e do uso dos laboratórios didáticos escolares no contexto de ensino brasileiro” (p. 228). 37 2. O ENSINO MÉDIO, O ENSINO PROFISSIONAL E A FORMAÇÃO DO ALUNO As formas de organização do Ensino Médio e os debates em torno dos seus objetivos protagonizaram diferentes momentos da história da educação no Brasil. Destaca-se a relação de forças e de interesse que via no ensino médio aquele que deveria preparar o indivíduo com o conhecimento que possibilitasse seu ingresso nos cursos superiores (aqueles chamados de formação geral) e aquele que deveria estar atento ao mercado de trabalho, visando uma formação que desse conta das demandas ali apresentadas (SOUZA; PENIDO, 2020, p. 27). De acordo com Amaral e Oliveira (2007, p. 172 apud DE HOLLANDA CAVALCANTI; QUEIROZ, 2018), a educação profissional iniciou-se em 1809 com a criação do Colégio das Fábricas no Rio de Janeiro, que objetivava capacitar órfãos, crianças abandonadas e os de comportamentos inadequados, fornecendo instruções industriais práticas e teóricas (visão assistencialista). Já no período imperial (1822 – 1889), apenas alguns colégios ofertavam o ensino secundário, que foi sendo ampliado e com objetivos de acesso ao ensino superior. Foi nesse período que ocorreu a instalação das escolas normais da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional – que posteriormente pautariam a criação dos liceus de artes e ofício; a criação do Colégio Imperial Dom Pedro II – principal iniciativa e importante instituição educacional ainda existente no Brasil (MELGAÇO DA SILVA; CIASCA, 2021). Com o período da industrialização, a partir de 1909, inicia-se no Brasil uma busca pela responsabilidade do Estado assumir a formação profissional da população. Dessa forma, foi a partir de 1910 que tiveram início as primeiras escolas de artes e ofícios por todo o país, sendo consideradas estas como as precursoras das escolas técnicas federais e estaduais. Nesse contexto, pode-se dizer que é o início de uma mudança de visão, da não mais preocupação assistencialista de atendimento a menores abandonados e órfãos para a preparação de operários para o exercício profissional (DE HOLLANDA CAVALCANTI; QUEIROZ, 2018). Chamamos a atenção para o fato de que a razão de ser do ensino médio esteve, ao longo de sua história, predominantemente centrada no mercado 38 de trabalho. Isto de forma imediata, considerando que seus concluintes procurariam um emprego logo após a conclusão do ensino médio. Mas essa vinculação ocorria também de forma mediata, em situações em que os estudantes podiam visar primeiramente a conclusão do ensino superior para só então buscar a inserção no mercado de trabalho. Neste último caso, a finalidade imediata do ensino médio era o vestibular. (RAMOS, 2008, p. 5) Segundo Melgaço da Silva e Ciasca (2021), foi a partir do ano de 1927 que o ensino profissional passou a ser ofertado de forma obrigatória dentro dos estabelecimentos educacionais. De acordo com Cordão e Moraes (2017, p. 41 apud MELGAÇO DA SILVA; CIASCA, 2021, p. 80): Essa decisão ocorreu no bojo de uma série de debates sobre a expansão do ensino profissional no Brasil, voltado para o atendimento dos requerimentos do mundo do trabalho e não apenas para tirar menor da rua, diminuir a vadiagem ou atender os desafortunados da sorte, que necessitavam ingressar precocemente no mercado de trabalho. A perspectiva já estava se alterando de uma visão assistencialista para uma visão desenvolvimentista. Contudo, Para Cordão e Moraes (2017, p. 46 apud MELGAÇO DA SILVA; CIASCA, 2021, p. 86), a maior mudança aconteceu em 1971, em decorrência da Lei nº 5.692 (BRASIL, 1971), obrigando a oferta do ensino profissional integrado a ensino secundário. Para os autores essa medida afetou não só a oferta de educação profissional, que antes era feita em instituições especializadas, mas desestabilizou todo o sistema, visto a falta de preparo estrutural para comportar os esforços despendidos à democratização da educação. Já na década de 1990, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), vigente até os dias atuais, a relação entre educação e trabalho aparece como fator inerente à ação educativa, ou seja, vinculando educação escolar, trabalho e práticas sociais. Após a LDB, em 1999 foram definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional de nível técnico, mas foi em 2004, por meio do Decreto 5.154 (BRASIL, 2004), que foi possibilitado que a educação profissional técnica de nível médio fosse articulada e integrada ao ensino médio. De acordo com a legislação, os cursos técnicos na forma integrada são ofertados para “quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o 39 aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno” (BRASIL, 2004, p. 2). Trata- se de um ensino médio com uma formação básica, mas também uma habilitação profissional técnica. De acordo com Santana e De Oliveira Novaes (2018, p. 10), “os principais mentores do Decreto nº 5.154/04, Gaudêncio Frigotto, Marise Ramos e Maria Ciavatta, concluíram que, ainda assim, foi uma conquista, uma vez que se trata de uma proposta que visa à formação integral do Homem que encaminha para uma formação unilateral: “centrada no trabalho, na ciência, na tecnologia e na cultura”. Já no ano de 2008, a Lei 11.741 (BRASIL, 2008) incluiu e reorganizou vários dispositivos da LDB, em que se destaca o Art.39 e Art. 40 que diz respeito ao ensino médio. Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. (Redação dada pela Lei nº 11.741, de 2008) (BRASIL, 2008a) Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho. (Regulamento)(Regulamento) (Regulamento); (Redação dada pela Lei nº 11.741, de 2008) (BRASIL, 1996). Essas mudanças promoveram a formulação de novas diretrizes curriculares nacionais para educação profissional técnica de nível médio, sendo organizadas pelo Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução CNE/CEB nº 6, de 2012. De acordo com Souza e Penido (2020), embora a institucionalização com o nome de Ensino Médio Integrado date de 2004, o ensino médio nessa forma de oferta é resultado de um projeto defendido e construído ao longo de décadas numa educação pensada para a classe trabalhadora que busca manter a mesma qualidade e quantitativo de conhecimento necessário à formação básica presentes no ensino médio regular, numa oposição ao ensino técnico de formação aligeirada e que estava a serviço explícito do mercado de trabalho, como aconteceu no Brasil na década de 1970. Mas em que medida os conhecimentos necessários à formação básica presentes no ensino médio regular se mantiveram ou se mantém na modalidade de ensino médio integrado? 40 Alguns pesquisadores como Ciavatta (2012, p. 85 apud SOUZA; PENIDO, 2020, p. 28), destacam a importância de se fazer educação profissional integrada. A ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico- tecnológica e na sua apropriação histórico-social. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, nesse sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos. Souza e Penido (2020) identificaram em seu estudo que há um número considerável dos professores que associam seu ideal de ensino médio integrado àquele ensino que preza pela formação plena do sujeito (incluída sua habilitação profissional) a partir de um constante diálogo de professores das diferentes especialidades (formação básica e técnica). No Brasil, segundo Lacerda (1997, p. 99), esse nível de ensino reflete essa dimensão histórica e “aparece dicotomizado e segmentado entre a enfatização de seu caráter terminal, voltado para a profissionalização e centrado na aquisição de habilidades de natureza técnica e de seu caráter intermediário, voltado para o acesso aos estudos superiores e centrado na aquisição de conhecimentos gerais”. Mas a autora ressalta que o mercado de trabalho, qualquer que seja seu contorno e sua dinâmica interna, não pode ser considerado como a baliza mestra norteadora do modo de funcionamento da escola profissional, distanciando sua clientela de uma formação integral, ampla e que ultrapasse os limites e as necessidades imediatas do exercício de uma profissão. (LACERDA, 1997, p. 99, grifo nosso). [Admitir] uma relação linear entre escola e trabalho (...) seria limitar o papel da escola concebendo-a apenas como uma agência de adestramento em que o domínio de técnicas ganharia primazia sobre as atividades voltadas para a formação integral do aluno. (...) Isso, por outro lado, não implica fazer o raciocínio inverso e eximir a educação de qualquer responsabilidade pela formação profissional. Mais do que isso acreditamos ser a escola uma das oportunidades para capacitar o aluno a compreender o trabalho como categoria social - e histórica, desde que existe [na] escola a preocupação de levá-lo a entender as formas diferenciadas de vivenciar as relações de produção e as desigualdades delas decorrentes. (FRANCO, 1999, p. 20-21 apud LACERDA, 1997, p. 99-100) 41 Desse modo, autores como Franco (2014, p. 21 apud LACERDA, 1997, p. 100) destacam que é possível estabelecer uma relação direta entre a formação para o trabalho e a alfabetização científica, uma vez que a compreensão do significado social do trabalho concentra uma das muitas possibilidades, para o aluno, de auto identificar-se como sujeito histórico e, consequentemente, capacitar-se a rever suas condições reais de subsistência, questioná-las e pensar em agir no sentido de transformá-las (p. 21). Isso pode afetar o desenvolvimento de habilidades que são necessárias para tomadas de decisões, em especial às questões que envolvem o desenvolvimento científico e tecnológico. Para Lacerda (1997, p. 100), a alfabetização científica no âmbito do ensino profissionalizante, além de “direito inalienável dos futuros técnicos, torna-se requisito básico para que eles possam participar ativamente da sociedade tecnológica emergente como cidadãos no sentido mais amplo do termo”. Segundo o autor, que faz parte de grupos de pesquisadores que se dedicam a estudar a alfabetização científica, em programas de formação profissional, essa perspectiva ficou conhecida como saber-técnico funcional ou saber funcional. Este saber possui três aspectos distintos e estreitamente ligados. O primeiro e mais corrente trata da reutilização dos saberes em situações novas e inéditas. O segundo aspecto, menos abordado, direciona para os objetivos e às finalidades dos saberes técnicos, enquanto instrumentos de intervenção sobre o mundo real. O terceiro conduz à aquisição dos conceitos e princípios científicos subjacentes à resolução de problemas de ordem técnica. Esses três saberes, para o autor, são chaves para uma formação profissional engajada na evolução da sociedade, da tecnologia e do mercado de trabalho, assim como no desenvolvimento integral do indivíduo. Elas colocam em evidência, junto ao detentor de saberes técnicos, eminentemente funcionais, a significância real de tais saberes, sua veracidade, objetividade, utilidade, transferibilidade e natureza eminentemente científica. [...] deveria ser estreitamente associada a um processo de explicitação da plausibilidade dos conhecimentos científicos implícitos aos conhecimentos técnicos e da funcionalidade da base científica dos saberes adquiridos. Desse modo, o enunciado científico terá garantida sua validade fora do laboratório e da sala de aula, em outros contextos que não o do manual escolar ou do discurso do professor. (LACERDA, 1997, p. 102-103, grifo nosso). 42 Em que medida o saber de um técnico ou o saber técnico funcional poderia ajudá-lo no mundo em sua atuação profissional? Para Lacerda (1997, p. 103), trata- se de um saber global no sentido de que ele não é compartimentalizado para ser mais bem compreendido e apreendido [... permite a seu detentor demonstrar autonomia intelectual em seus procedimentos de resolução de problemas e que elimina, em um certo sentido, as fronteiras entre os diferentes tipos de conhecimento. Serè, Coelho e Nunes, (2003, p. 30 apud ANDRADE, 2010, p. 21), concebem a experimentação como forma de favorecer o estabelecimento de um elo entre o mundo dos objetos, o mundo dos conceitos, leis e teorias, das linguagens simbólicas, além do papel importante que estas podem vir a desempenhar na formação do indivíduo. Nesse sentido, está se falando da formação como um desafio que vai além da preocupação com a qualidade da educação técnica e/ou tecnológica durante o processo de aprendizagem, da articulação do saber do aluno com um saber de referência que deve, não somente prepará-lo para postos de trabalho, mas para a vida, para a sociedade e suas múltiplas dimensões. 2.1 A Escola Técnica Estadual – ETEC A Escola Técnica Estadual, conhecida por sua sigla ETEC, é uma instituição de ensino técnico de nível médio e técnico integrado ao médio (ETIM) pertencente ao Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS), o qual é uma autarquia6 da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do estado de São Paulo. Sua criação7 remonta à década de 1960 quando houve várias reuniões entre o Conselho Educacional para a criação de instituições que atendessem à necessidade do acompanhamento profissional e expansão industrial de São Paulo. Foi a partir de 1967 que a ideia de criar escolas técnicas, com duração de dois ou 6 Entidade pública cuja administração é completamente autônoma, bem como seu patrimônio e suas receitas. Fonte: https://www.dicio.com.br/autarquia/ 7 Para conhecer uma pouco mais sobre a história do ensino profissional no estado de São Paulo recomendamos a referência: CUNHA, 2005. 43 três anos, foi se tornando cada vez mais concreta, de forma que em 6 de outubro de 1969 o Centro Paula Souza iniciou suas atividades (CPS, 2020)8. No entanto, foi apenas em 1981 que o CEETEPS passou a atuar na área de formação profissional de nível técnico ao assumir as 12 escolas técnicas industriais. Em 1994, a partir do Decreto 37.735 de 27 de outubro de 1993, foram incorporadas outras 84 unidades de escolas técnicas estaduais ao CEETEPS (SANTANA; NOVAES, 2018). O órgão nasceu com a missão de organizar os primeiros cursos superiores de tecnologia. Porém, no decorrer das décadas, acabou englobando também a educação profissional do estado em nível médio, absorvendo unidades já existentes e construindo novas ETEC e FATEC para expandir o ensino profissional a todas as regiões do Estado. Em 1998, após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), o Centro Paula Souza autorizou o fim da intercomplementariedade, ou seja, a separação entre o ensino acadêmico e o ensino profissionalizante, dando origem ao tipo de ensino ministrado atualmente: Ensino médio e Ensino Técnico Modular (PEDROSO; LANDI, 2012). De acordo com a Deliberação CEETEPS nº 003, de 18-7-2013, que aprova o Regimento Comum das Escolas Técnicas Estaduais do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, em seu Artigo 4º, as ETEC, enquanto escolas públicas e gratuitas terão por finalidades: I - capacitar o educando para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para sua inserção e progressão no trabalho e em estudos posteriores; II - desenvolver no educando aptidões para a vida produtiva e social; III - constituir-se em instituição de produção, difusão e transmissão cultural, científica, tecnológica e desportiva para a comunidade local ou regional. (SÃO PAULO, 2013, p.02) Analisando as finalidades preconizadas para o ensino na ETEC, em que medida o desenvolvimento de atividades experimentais, podendo estas ser investigativas ou não, em laboratórios de ciências ou por meio de projetos pode 8 Para maiores informações sobre a origem da ETEC em São Paulo consultar o site: https://www.cps.sp.gov.br/sobre-o-centro-paula-souza/ . Acesso em 23 de março de 2021. https://www.cps.sp.gov.br/sobre-o-centro-paula-souza/ 44 promover o desenvolvimento de habilidades para o exercício da cidadania, prosseguimento dos estudos e capacitação para o trabalho? A estrutura curricular para o Ensino médio, conforme artigo 34 da referida Deliberação (SÃO PAULO, 2013) está organizada em três séries anuais, com dois semestres letivos cada uma e duração mínima anual de 800 horas e de 200 dias letivos. O currículo compreende: “1 - componentes curriculares que integram a Base Nacional Comum e contribuem para consolidar a formação global comum; 2 - componentes curriculares da Parte Diversificada, conforme dispuser a legislação federal e/ou estadual.” (p. 9, grifo nosso). De acordo com o artigo 35 da Deliberação CEETEPS nº 003 (SÃO PAULO, 2013), a educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino médio, podendo ser oferecida de forma integrada; concomitante ou subsequente. Na forma integrada, o curso será desenvolvido de modo a assegurar, simultaneamente, o cumprimento das finalidades estabelecidas para a formação geral e as condições de preparação para o exercício de profissões técnicas, observada a legislação vigente. Ainda, os cursos e programas de Educação Profissional Técnica de Nível Médio poderão ser organizados por módulos e estruturados em etapas com terminalidade, articulados entre si, compondo itinerários formativos construídos a partir de perfis profissionais de conclusão (SÃO PAULO, 2013, p. 10). Nesse sentido, o que pode ser compreendido como “formação geral”? Será que os professores atuantes na ETEC estão preparados para fomentar essa formação integrada? De acordo com os resultados do estudo de Santana e Novaes (2018) para os professores participantes do estudo, as políticas de Estado não favorecem amplamente a execução do ensino integrado, o que colabora para criar tensões no campo educacional. Apesar de a proposta existir há mais de uma década e afetar diretamente a prática profissional dos docentes, os professores que estão cotidianamente na escola não construíram um conhecimento acerca no ensino integrado. 45 3 PERCURSO METODOLÓGICO Esta pesquisa insere-se no âmbito das denominadas pesquisas sociais, as quais, segundo Flick (2013), abordam questões de maneira sistemática, acima de tudo empíricas, com levantamento de dados utilizando determinados métodos; podendo os resultados serem generalizados além da situação, possibilitando explanações e descrições do fenômeno estudado. Ainda, segundo o autor, permitem Explorar questões, campos e fenômenos e proporcionar descrições iniciais; descobrir novas relações coletando e analisando dados; oferecer dados empíricos e análises como uma base para o desenvolvimento de teorias; testar empiricamente as teorias e os estoques de conhecimento existentes; documentar os efeitos das intervenções, tratamentos, programas, etc, em uma base empírica; proporcionar conhecimento (isto é, dados, análises e resultados) como uma base empiricamente fundamentada para tomadas de decisão políticas, administrativas e práticas. (FLICK, 2013, p. 21) A abordagem metodológica utilizada nesta pesquisa é de natureza qualitativa, que vem ocupando um espaço relevante cada vez maior na vida e na formação acadêmica de estudantes e docentes, mas, nem por isso, se pode pensar que as dificuldades no rigor metodológico foram abolidas. Para Flick (2013), a pesquisa qualitativa procura captar o significado subjetivo das questões a partir das perspectivas dos participantes; os significados latentes de determinada situação estão em foco, ou seja, a causa e o efeito são menos relevantes do que descrever e reconstruir a complexidade de uma determinada situação e, que as práticas sociais, o modo de vida e o ambiente em que se localizam os participantes são descritos. Uma característica importante deste tipo de pesquisa social é que os participantes podem experienciar a situação de pesquisa porque estão envolvidos como indivíduos no estudo, ou seja, espera-se que alguns deles contribuam com suas experiências e visões de suas situações particulares de vida. Há um escopo para o que eles enxergam como essencial, para abordar as questões de maneira diferente e para proporcionar diferentes tipos de respostas com diferentes níveis de detalhamento. (FLICK, 2013, p. 24). Considerando as pesquisas de natureza qualitativa, suas questões podem se dar a partir de três perspectivas: questões exploratórias, descritivas e explicativas. 46 Considerando a natureza desta pesquisa, entende-se que esta caracteriza-se como sendo descritiva, uma vez que “têm como objetivo a descrição de uma determinada situação, estado ou processo” (FLICK, 2013, p. 36). 3.1 O contexto de realização da pesquisa A pesquisa foi realizada no contexto de uma escola técnica de ensino médio integrado ao ensino técnico no interior do estado de São Paulo. Esta escola faz parte de uma autarquia do Governo do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, e que está presente em 368 municípios, perfazendo um total de 223 Escolas Técnicas e 73 Faculdades de Tecnologia estaduais, com mais de 322 mil alunos em cursos técnicos de nível médio e superiores tecnológicos. O sistema de ensino da unidade escolar9, desde a sua criação, esteve voltado para atender a necessidade de mão de obra local e regional, o qual sempre coadunou com a principal finalidade das escolas técnicas, uma educação direcionada para o mundo do trabalho. A política educacional da época estava voltada para a qualificação da mão de obra, deste modo a escola deveria ser produtiva, racional e organizada para a formação de indivíduos capazes de se engajar rápida e eficientemente no mercado de trabalho (PEDROSO, LANDI, 2012, p. 05). A estrutura da unidade escolar refletiu os contextos de cada época oferecendo desde oficinas de corte e costura, bordado, desenho, tecnologia, economia doméstica (arte culinária, higiene, artes domésticas) e cultura geral (português e matemática) nas décadas de 50 a 70; passando por Técnico em Eletrotécnica, em Mecânica, formação profissionalizante básica nos setores primários, secundários e terciários; mantendo o ensino de primeiro (1978-1990) e segundo grau (desde 1975); em 1983 ofereceu o segundo grau para magistério, Técnico em Contabilidade e Mecânica, qualificações profissionais de tornearia, 9 A partir da referência de Pedroso e Landi (2012) é possível conhecer um pouco mais da história das escolas técnicas do estado de São Paulo e da unidade escolar em que esta pesquisa foi realizada. 47 soldador, corte e costura, marcenaria, datilografia, máquina elétrica e eletrônica (PEDROSO; LANDI, 2012). O ensino médio regular foi oferecido desde 1998 de forma concomitante ao Técnico em Administração. No entanto, em 2004 com a publicação do Decreto n. 5154, foi definida a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, a qual seria desenvolvida de forma articulada com o ensino médio, de forma que essa articulação fosse integrada, concomitante e subsequente. A escola técnica oferece dois (02) dos 33 cursos técnicos integrados ao Ensino Médio (EM). A partir de 2012, a modalidade integrada ficou conhecida como Ensino Técnico Integrado ao Médio (ETIM) e a escola passou a oferecer: ensino médio com Habilitação Profissional de Técnico em Administração, em Informática, em Logística, em Nutrição e Dietética, em Contabilidade; Habilitação Profissional técnica de nível médio de Técnico em Informática para Internet e Ensino Técnico Integrado ao Médio em Informática. Atualmente, a escola oferece os cursos técnicos presenciais de Administração, Cozinha, Desenvolvimento de Sistemas e Recursos Humanos; o Ensino Técnico Integrado ao Médio em Administração, Desenvolvimento de Sistemas e Informática; e, ainda, o Ensino Médio com Habilitação Técnica Profissional (Novotec Integrado). A escola passou por transformações oriundas de políticas públicas educacionais e por muitas dificuldades e desafios que foram sendo vencidas de forma coletiva e colaborati