unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP GODSON SANTOS CASTRO ESTUDO SOBRE O CANAL DE EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS NO BRASIL NO PERÍODO DE 2011 A 2019 ARARAQUARA – S.P. 2022 GODSON SANTOS CASTRO ESTUDO SOBRE O CANAL DE EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS NO BRASIL NO PERÍODO DE 2011 A 2019 Dissertação de Mestrado Acadêmico apresentada ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Araraquara, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Economia. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Socioeconômico e políticas econômicas. Orientador: Eduardo Strachman Bolsa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq ARARAQUARA – S.P. 2022 C355e Castro, Godson Santos Estudo sobre o canal de empréstimos bancários no brasil no período de 2011 a 2019 / Godson Santos Castro. -- Araraquara, 2023 87 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientador: Eduardo Strachman 1. Economia. 2. Política monetária. 3. Emprestimo bancario. 4. Transmissão da política monetária. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. GODSON SANTOS CASTRO ESTUDO SOBRE O CANAL DE EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS NO BRASIL NO PERÍODO DE 2011 A 2019 Dissertação de Mestrado Acadêmico apresentada ao Conselho do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Araraquara, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Economia. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Socioeconômico e políticas econômicas. Orientador: Eduardo Strachman Bolsa: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq Data da defesa: 15/12/2022 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Dr. Eduardo Strachman Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” — UNESP Membro Titular: Dr. André Luiz Correa Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” — UNESP Membro Titular: Dr. Marcos Roberto Vasconcelos Universidade Estadual de Maringá — UEM Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara AGRADECIMENTOS Aos meus pais Susi e Severino, os quais tenho muito orgulho de ser filho e que me deram todo amor e suporte para que eu pudesse seguir meus sonhos. Aos meus irmãos Mikael, Wendel, Maria Eduarda e Kauã. À minha namorada Juliana por estar do meu lado ao longo dessa caminhada sendo meu porto seguro. À Verônica e Núbia, que me deram forças para continuar. Aos meus amigos Adão, Gildásio, Hugo Márcio, Maicon, Léo, Luan, Tales e Vitor Hugo que me apoiaram e ajudaram durante o mestrado. Ao meu orientador, que também considero um amigo, Eduardo Strachman, que confiou no meu trabalho e me ajudou grandemente ao longo desse processo. Aos professores André Correa e Marcos Vasconcelos por suas generosas contribuições para que eu pudesse concluir a dissertação. Aos professores do Programa de Pós-graduação em Economia. Aos colegas de mestrado do PPGE da UNESP. Aos colegas dos grupos de pesquisa que tive a honra de participar, o CEMONDE (Centro de Estudos em Macroeconomia, Economia Monetária e Desenvolvimento) e o GPEA (Grupo de Pesquisa em Economia Aplicada). Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento por meio de bolsa de mestrado, que possibilitou dedicar-me integralmente à pós- graduação (processo 132779/2020-0). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. RESUMO O objetivo geral deste trabalho é analisar a importância do canal de empréstimos bancários na transmissão da política monetária (PM) brasileira, com foco no período que compreende o segundo trimestre de 2011 até o quarto trimestre de 2019. Quanto aos objetivos específicos, este trabalho visa descrever os mecanismos de transmissão da política monetária, com um olhar mais voltado ao canal de crédito bancário; associar o contexto macroeconômico brasileiro do período e suas particularidades com o canal de empréstimos bancários do país; e, por fim, analisar como se comportou o canal de empréstimos bancários com base nos fatores do mercado de crédito, política monetária e atividade econômica. O tema da investigação se justifica pela importância do canal de empréstimos bancários para a dinâmica econômica, de maneira que essa discussão é fundamental para avançar na compreensão das relações entre PM e mercado de crédito. Portanto, uma melhor compreensão desse fenômeno possibilita diagnósticos mais precisos sobre as consequências dessa política, tornando possível formular novas políticas que incorporem as mudanças no contexto econômico e possuam maior aderência à realidade, aumentando as chances de se obter os efeitos desejados da inovação monetária. A escolha do período de análise deu-se pela disponibilidade dos dados fornecidos pelo BCB, principalmente informações sobre o crédito. Assim, a questão central da pesquisa é: considerando o contexto econômico e institucional do mercado de crédito brasileiro, como o canal de empréstimos bancários se comportou entre 2011 e 2019? Para responder esta questão lançou-se mão do método histórico, que através da pesquisa bibliográfica foi possível compreender e conceituar os canais de transmissão, a trajetória da execução da PM no Brasil desde o Plano Real, mas principalmente durante o período de análise, as transformações no mercado de crédito brasileiro e o funcionamento do canal de empréstimos bancários no país desde 2002 a partir da literatura sobre o tema. Além disso, também se utilizou do método estatístico, com base na construção do modelo de correção de erros (VEC), visando captar o funcionamento do canal de empréstimos bancários através da identificação das relações de longo prazo de demanda e oferta de crédito. Esta pesquisa está dividida da seguinte forma: no capítulo 1 apresentam-se os mecanismos de transmissão da política monetária e discute-se o funcionamento dos bancos e como eles operacionalizam as atividades de empréstimo. O capítulo 2 consiste em um breve histórico sobre a execução da PM no Brasil e as transformações do mercado de crédito no país ao longo do período analisado. Já no capítulo 3, é primeiramente feita uma revisão bibliográfica dos estudos empíricos que se debruçaram sobre o canal de empréstimos bancários do Brasil, depois são apresentados os dados e a estrutura do modelo VEC utilizado para a investigação empírica, e então ocorre a realização dos testes, a execução dos modelos e a apresentação dos resultados. Por fim, são tecidas as considerações finais. Palavras-Chave: Economia; Política Monetária; Transmissão da Política Monetária; Canal de Empréstimos Bancários; Crédito. ABSTRACT The general objective of this work is to analyze the importance of the bank lending channel in the transmission of Brazilian monetary policy, focusing on the period comprising the second quarter of 2011 until the fourth quarter of 2019. As for the specific objectives, this work aims to describe the mechanisms of monetary policy transmission, with a focus more on the bank credit channel; associate the Brazilian macroeconomic context of the period and its particularities with the country's bank lending channel; and, finally, to analyze how the bank lending channel behaved based on credit market factors, monetary policy and economic activity. The subject of the investigation is justified by the importance of the bank loan channel for the economic dynamics, so that this discussion is fundamental to advance in the understanding of the relationships between PM and the credit market. Therefore, a better understanding of this phenomenon enables more accurate diagnoses of the consequences of this policy, making it possible to formulate new policies that incorporate changes in the economic context and have greater adherence to reality, increasing the chances of obtaining the desired effects of monetary innovation. The choice of the analysis period was due to the availability of data provided by the BCB, mainly information on credit. Thus, the central question of the research is: considering the economic and institutional context of the Brazilian credit market, how did the bank lending channel behave between 2011 and 2019? To answer this question, the historical method was used, which through bibliographical research made it possible to understand and conceptualize the transmission channels, the trajectory of PM execution in Brazil since the Real Plan, but mainly during the period of analysis, the transformations in the Brazilian credit market and the operation of the bank loan channel in the country since 2002 based on the literature on the subject. In addition, the statistical method was also used, based on the construction of the error correction model (VEC), aiming to capture the operation of the bank transfer channel through the identification of long-term relations of credit demand and supply. This research is divided as follows: Chapter 1 presents the transmission mechanisms of monetary policy and discusses the functioning of banks and how they operationalize lending activities. Chapter 2 consists of a brief history of the execution of the PM in Brazil and the transformations of the credit market in the country over the analyzed period. In chapter 3, a bibliographical review of the empirical studies that focused on the bank lending channel in Brazil is first performed, then the data and structure of the VEC model used for the empirical investigation are presented, and then the tests are carried out, the execution of the models and the presentation of the results. Finally, the final considerations are made. Keywords: Economy; Monetary Policy; Monetary Policy Transmission; Bank Lending Channel; Credit. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Variação mensal da selic e spread médio das operações de crédito .................... 36 Gráfico 2 Variações mensais do Spread, Juros e Inadimplência para crédito livre não rotativo no Brasil de 2011 a 2021 .......................................................................................................... 41 Gráfico 3 Saldos mensais da carteira de crédito concedido, separado por tipo de pessoa, em % do PIB ................................................................................................................................... 45 Gráfico 4 Saldos mensais da carteira de crédito concedido por instituições separadas por tipo de capital em % do PIB ............................................................................................................ 46 Gráfico 5 Saldos mensais da carteira de crédito concedido, separado por tipo de crédito, em % do PIB ................................................................................................................................... 47 Gráfico 6 Crédito doméstico destinado ao setor privado como % do PIB para países selecionados .............................................................................................................................. 48 Gráfico 7 Crédito doméstico destinado ao setor privado como % do PIB para grupos de países selecionados ................................................................................................................... 48 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Sumarização da revisão bibliográfica dos estudos empíricos sobre o canal de empréstimos bancários no Brasil .............................................................................................. 57 Quadro 2 Sinais esperados das variáveis do modelo......................................................... 63 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Média anual da taxa de juros definida pela autoridade monetária em países selecionados .............................................................................................................................. 34 Tabela 2 Média anual da taxa de inflação acumulada em 12 meses para países selecionados .................................................................................................................................................. 35 Tabela 3 Estatísticas descritivas das variáveis de interesse ................................................. 64 Tabela 4 Testes de Raíz Unitária das Variáveis em Nível ................................................... 64 Tabela 5 Testes de Raíz Unitária das Variáveis em Primeira Diferença ............................. 65 Tabela 6 Teste LM de Correlação Serial Residual .............................................................. 65 Tabela 7 Teste do Traço de Johansen .................................................................................. 66 Tabela 8 Vetores irrestritos das duas relações cointegrantes do modelo............................. 67 Tabela 9 Vetores de cointegração com restrições................................................................ 68 Tabela 10 Matiz de carregamento com os vetores α ............................................................. 70 Tabela 11 Teste de causalidade Granger em pares ................................................................ 72 Tabela 12 Teste LM de autocorrelação serial VEC ............................................................... 73 Tabela 13 Teste de normalidade Jarque-Bera ........................................................................ 73 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BB Banco do Brasil BC Banco Central BCB Banco Central do Brasil BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CEF Caixa Econômica Federal IF Instituição Financeira OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico PIB Produto Interno Bruto PF Política Fiscal PL Patrimônio Líquido PM Política Monetária RMI Regime de Metas de Inflação SELIC Sistema Especial de Liquidação e de Custódia TG Teoria Geral SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 1. UM OLHAR SOBRE OS MECANISMOS DE TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA, BANCOS E CRÉDITO ............................................................................... 17 1.1 Os Canais de Transmissão da Política Monetária .......................................................... 17 1.2 Um aprofundamento teórico sobre os bancos e o crédito ............................................... 23 2. POLÍTICA MONETÁRIA E O SETOR DE CRÉDITO BRASILEIRO ..................... 33 2.1 Política Monetária no Brasil ........................................................................................... 33 2.2 Mercado de Crédito Brasileiro ....................................................................................... 43 3. ESTRATÉGIA EMPÍRICA E ANÁLISE DE DADOS .................................................. 50 3.1 Estudos Empíricos Sobre o Canal de Empréstimos Bancários no Brasil ....................... 50 3.2 Modelo Econométrico .................................................................................................... 59 3.3 Dados e Testes Empíricos............................................................................................... 61 3.3.1 Dados e Estatísticas descritivas ............................................................................... 62 3.3.2 Testes de Estacionariedade e Cointegração ............................................................. 64 3.3.3 Modelo VEC ............................................................................................................ 67 3.4 Resultados e Discussões ................................................................................................. 67 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 75 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 78 12 INTRODUÇÃO O Estado possui diversas ferramentas para intervir na economia – as chamadas políticas econômicas. Dentre a gama de possibilidades de intervenção estatal, a exemplo de políticas industriais, educacionais etc., as que mais se destacam, na mídia e na ciência econômica, são a política fiscal (PF) e a monetária (PM). A PF dá conta principalmente de afetar diretamente a demanda agregada, seja por meio de investimento público, transferências de renda, mudanças nos tributos e gastos governamentais, enquanto a PM objetiva afetar indiretamente o comportamento dos agentes privados, por meio de modificações no custo do dinheiro — taxas de juros — e oferta de moeda — liquidez — a fim de, primordialmente, manter a estabilidade do nível de preços (BCB, s.d.). A importância dada à PM para a condução da economia nunca foi uma constante para a ciência econômica. Como relatam Carvalho et al. (2012), até os anos 1970, mesmo que a relevância da PM para a dinâmica da inflação era amplamente aceita, grande parte da literatura econômica, principalmente do mainstream, atribuíam um papel mais restrito à política monetária, pois se acreditava que ela não era capaz de afetar variáveis reais e influenciar o desempenho macroeconômico. Esta visão começou a mudar a partir da suposição de que a execução da política monetária seria mais rápida e menos conflitiva do que a política fiscal, por depender de menos negociações e acordos políticos. Além disso, como menciona Mishkin (2007), o aumento da inflação nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos anos 1960 e 1970, pôs em foco as expectativas dos agentes com relação à política monetária. Assim, a PM é uma das ferramentas centrais de política econômica, com seus efeitos se irradiando para todos os setores da economia, influenciando os vários agregados macroeconômicos, como preços, investimentos, consumo, emprego, etc. A PM, como se sabe, consegue afetar as expectativas de investimento dos agentes. Esse processo ocorre devido à relação entre taxa de juros e eficiência marginal do capital, definida por Keynes (1996, p. 149) como sendo a “relação entre a renda esperada de um bem de capital e seu preço de oferta ou custo de reposição”. Contudo, apesar de uma extensa literatura sobre o funcionamento e as ferramentas de Política Monetária, nem sempre é possível antecipar com precisão os efeitos dessa política na economia. Como apontam Bernanke e Gertler (1995), Mishkin (1995) e Boivin, Kiley e Mishkin (2010), a antecipação dos efeitos causados por uma política monetária não é tarefa simples, e por isso os formuladores de política econômica precisam avaliar corretamente o 13 contexto econômico e ter conhecimento sobre o funcionamento dos canais de transmissão da PM, já que nesses canais existem possíveis efeitos sobre juros, câmbio, preços e quantidade dos ativos, empréstimos, expectativas e riscos que trazem importantes implicações econômicas. Sendo assim, considerando as diversas maneiras pelas quais a PM incide seus efeitos na economia, se faz necessário compreender esses efeitos. Com esse fim, emergem estudos sobre as implicações da PM a partir dos seus mecanismos de transmissão, que buscam entender os caminhos e a maneira como essa política exerce sua influência. Os mecanismos de transmissão da política monetária podem ser compreendidos como os canais pelos quais as decisões dos agentes formuladores da política monetária afetam o investimento, o crescimento, os preços, etc. (BOIVIN, KILEY & MISHKIN, 2010; BORIO, ZHU, 2012; STRACHMAN, 2022). Existem múltiplos canais pelos quais os efeitos da política monetária podem ser conduzidos, de maneira que a existência, a capacidade de transmissão dos efeitos e a importância de cada canal varia entre países e contextos econômicos, pois as estruturas econômicas, instituições, costumes e organização econômica estão relacionadas com o funcionamento destes canais. Dentre os mecanismos de transmissão, que serão devidamente apresentados no primeiro capítulo, foca-se sobretudo o canal de empréstimos bancários devido à sua importância para a dinâmica econômica, levando-se em conta sua capacidade de proporcionar a realização de investimentos para a ampliação da malha produtiva, geração de emprego e renda, que no que lhe concerne estimula a demanda agregada e impulsiona a economia, não só como uma estratégia de desenvolvimento, mas como uma alternativa ao enfrentamento de crises e ciclos de baixa atividade. Para o estudo deste canal, se faz necessária a compreensão do seu funcionamento e dos componentes que são a base deste canal, como mercado de empréstimos bancários e os principais agentes envolvidos nas operações de crédito, no caso os bancos e a autoridade monetária que executa a PM (Banco Central), além de se levar em conta o contexto e a estrutura macroeconômica, como o nível de produto interno, taxa de juros, preços e quantidades das operações de crédito, inflação, dentre outras variáveis. Dessa forma, esta dissertação almeja analisar a importância do canal de empréstimos bancários na transmissão da política monetária no Brasil, com foco período que compreende o segundo trimestre de 2011 e o quarto trimestre de 2019. Quanto aos objetivos específicos, este trabalho visa descrever os mecanismos de transmissão da política monetária, com um olhar mais voltado ao canal de crédito bancário; associar o contexto macroeconômico brasileiro do período e suas particularidades com o canal de empréstimos bancários do país; e, por fim, 14 analisar como se comportou o canal de empréstimos bancários com base nos fatores do mercado de crédito, política monetária e atividade econômica. A definição do tema da investigação se justifica tanto por sua relevância econômica quanto acadêmica. Do ponto de vista econômico, este é um tema que se insere em debates centrais na sociedade, como a forma de se alcançar maior crescimento econômico, estabilidade de preços, ampliação do investimento, emprego, entre outros. Sendo assim, abordar a importância do canal de empréstimos bancários no período de 2011 a 2019 é fundamental para avançar na compreensão das relações entre PM e mercado de crédito, e que, a partir de um diagnóstico mais preciso sobre as consequências dessa política, seja possível formular novas políticas que incorporem as mudanças no contexto econômico e possuam maior aderência à realidade, aumentando as chances de se obter os efeitos desejados da inovação monetária. Do ponto de vista acadêmico, a pesquisa se justifica pela sua contribuição ao debate sobre o entendimento dos efeitos da política monetária e como o mercado de crédito se relaciona com os fatores singulares das várias economias, incluindo, logicamente, a brasileira. Dessa maneira, a realização do estudo possibilita a expansão da base de conhecimento sobre a economia do país e sobre o canal de crédito quando submetido a obstáculos de uma economia não desenvolvida. A escolha do período de análise, entre 2011 e 2019, deu-se pela disponibilidade dos dados fornecidos pelo BCB, principalmente informações sobre o crédito. O foco da análise consiste em captar os efeitos de variáveis relacionadas a fatos estilizados da economia brasileira — como spread bancário e dimensão do mercado de crédito — sobre a trajetória do canal de crédito bancário de transmissão da PM, na segunda década dos anos 2000, período em que o risco de hiperinflação já havia sido superado há 15 anos. Além do mais, o período 2011 – 2019 compreende a recuperação econômica após a crise global de 2008, a crise econômica e política que iniciaram em 2014 no Brasil, e os efeitos posteriores dessa crise. Destarte, diante das limitações do mercado de crédito brasileiro, causadas pelo contexto de incerteza e instabilidade macroeconômica históricos; por questões que envolvem a estrutura do mercado de crédito nacional, como o tamanho do setor de crédito; pelo spread bancário e pelas características da economia brasileira devido às constantes instabilidades e crises, a questão central da pesquisa é: considerando o contexto econômico e institucional do mercado de crédito brasileiro, como o canal de empréstimos bancários se comportou entre 2011 e 2019? Para responder a esta questão, faz-se necessária a adoção de métodos científicos que permitam a investigação alcançar respostas satisfatórias, e que contribuam para a ciência 15 econômica. Afinal, o delineamento da metodologia da pesquisa é uma das principais etapas na construção do conhecimento científico. Segundo Marcone & Lakatos (2003, p. 83) “não há ciência sem o emprego de métodos científicos”, e método, segundo os mesmos autores, pode ser definido como o conjunto de atividades sistemáticas e racionais que permite traçar o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando nas decisões do cientista, a fim de que alcance o objetivo de forma mais segura e eficiente. Neste sentido, o método de abordagem que norteia esta pesquisa é o método histórico, que permite “investigar acontecimentos, processos e instituições do passado, para verificar a sua influência na sociedade hoje” (MARCONE & LAKATOS, 2003, p. 107). Deste modo, poderá ser analisado o desenvolvimento do canal de crédito no Brasil, perpassando fenômenos sociais e econômicos que interferem em processos, instituições, cultura e moldam as características do setor de crédito bancário brasileiro. Este trabalho lança mão do método histórico, através da pesquisa bibliográfica, para a compreensão das raízes dos mecanismos de transmissão da política monetária no Brasil, principalmente do canal de empréstimos bancários. A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos (GIL, 2002, p. 44). Portanto, será feita uma contextualização histórica do canal de crédito na teoria econômica, para, então, confrontá-la com o contexto brasileiro após a estabilização monetária, a partir de trabalhos prévios que se debruçaram sobre este canal, no país. A contextualização histórica sobre o canal de crédito será feita utilizando principalmente os textos de Bernanke e Gertler (1995); Boivin, Kiley e Mishkin (2010); Gertler (1993); Greenwald e Stiglitz (2004); Mishkin (1995); Taylor (1995) e Strachman (2016). Enquanto, para a contextualização deste canal no Brasil, se utilizará principalmente dos textos de Abrita et al. (2014); De Mello e Pisu (2010), Evangelista e Araújo (2018); Fonseca (2008); Marcatti (2011), Tomazzia e Meurer (2009). Do ponto de vista dos métodos de procedimento, esta pesquisa lançará mão do método estatístico, a fim de obter representações simples e constatações, a partir da relação entre conjuntos complexos de dados, fornecendo uma descrição quantitativa de fenômenos econômicos e sociais (MARCONE E LAKATOS, 2003). Inicialmente se fará um levantamento bibliográfico dos estudos que analisaram o canal de crédito no Brasil, como os textos de Amorim (2021), Bresciani (2008), Graminho (2002), Marcatti (2011), Ramos-Tallada (2015), Paes (2019), Souza Sobrinho (2003), Takeda, Rocha e Nakane (2005), dentre outros. Posteriormente será feita uma análise descritiva dos dados do setor de crédito brasileiro para, então, ser construído o modelo de vetores autorregressivos (VAR) e, a partir da 16 identificação de presença de raiz unitária de mesma ordem nas variáveis, aplicar o teste de cointegração para prosseguir com o modelo de correção de erros (VEC), visando captar o funcionamento do canal de empréstimos bancários através da identificação das relações de longo prazo de demanda e oferta de crédito. Deste modo será possível analisar a relação da variável de operações de crédito com recursos livres com as variáveis macroeconômicas, como produto e inflação, as variáveis de crédito, como o preço do crédito — spread bancário — , variável de PM, em que se utiliza a taxa Selic real, tornando possível a identificação do funcionamento e importância dessa variável para o canal de crédito bancário e uma variável de capacidade de solvência dos bancos comerciais no qual se utiliza o índice de basileia que mede a razão entre o capital próprio e o capital de terceiros que compõem a estrutura de capital dos bancos. O recorte será entre o março de 2011 e o dezembro de 2019. Os dados das variáveis serão obtidos principalmente pelas fontes do Banco Central do Brasil, IBGE, IPEA e Tesouro Nacional. Assim, para a análise da trajetória do canal de crédito no Brasil, além desta introdução, a presente pesquisa está subdivida da seguinte forma: no capítulo 1 apresentam-se os mecanismos de transmissão da política monetária, discutindo-se os conceitos e funcionamentos dos canais de transmissão da PM, além de, em uma segunda subseção, realizar-se um aprofundamento teórico sobre bancos e como se operacionalizam as atividades de empréstimo. O capítulo 2 consiste, inicialmente, em um breve histórico sobre a execução da PM no Brasil e as transformações do mercado de crédito no país ao longo do período analisado. Já no capítulo 3, é primeiramente feita uma revisão bibliográfica dos estudos empíricos que se debruçaram sobre o canal de empréstimos bancários do Brasil, depois são apresentados os dados e a estrutura dos modelos VAR e VEC utilizados para a investigação empírica, e então ocorre a realização dos testes, a execução dos modelos e a apresentação dos resultados. Por fim, são tecidas as considerações finais. 17 1. UM OLHAR SOBRE OS MECANISMOS DE TRANSMISSÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA, BANCOS E CRÉDITO Diante da relevância do tema sobre os mecanismos de transmissão da política monetária, bancos e crédito, diversos autores se debruçaram sobre a questão da propagação dos efeitos da PM, a fim de identificar seus principais canais de transmissão e como estes impactam nas variáveis macroeconômicas. Assim, faz-se necessário o estudo sobre o que são, quais são e como funcionam os canais de transmissão sob as diversas linhas de pensamento econômico que versam sobre essa temática, bem como uma compreensão mais aprofundada sobre o mecanismo de empréstimos bancários, que é o objeto desta pesquisa. Essas questões serão abordadas neste capítulo. 1.1 Os Canais de Transmissão da Política Monetária A discussão em torno dos mecanismos de transmissão da política monetária perpassa questões teóricas que envolvem o próprio funcionamento da economia, abarcando desde o papel da moeda até o comportamento dos agentes, a difusão de informação e a formação de expectativas e preços. Para um melhor entendimento dos mecanismos de transmissão, utiliza- se a categorização feita por Boivin, Kiley e Mishkin (2010) em “How Has the Monetary Transmission Mechanism Evolved Over Time?”, no qual os principais mecanismos foram divididos em dois grupos, os mecanismos neoclássicos e os não-neoclássicos. No primeiro grupo estão os canais que afetam diretamente o investimento, o consumo e o comércio internacional, e que se baseiam em pressupostos de perfeito funcionamento dos mercados financeiros, sendo eles: o canal da taxa de juros, que interfere no custo de capital do usuário e no coeficiente ‘q’ de Tobin relacionado, o qual igualmente afeta o investimento; o canal da riqueza e da substituição intertemporal, que conduzem a modificações no consumo; e o canal da taxa de câmbio, que influencia diretamente o comércio. Para a compreensão do funcionamento dos canais denominados neoclássicos, Taylor (1995) define que a característica distintiva destes canais são seu foco nos preços do mercado financeiro, mais especificamente a taxa de juros de curto prazo, taxa de juros de longo prazo e a taxa de câmbio. Como ponto de partida buscou-se captar os efeitos da política monetária sobre o produto real e a inflação por meio das modificações nos preços do mercado financeiro. Para o estudo do canal da taxa de juros de curto prazo, Taylor (1995) usou a taxa de “fundos federais” de curto prazo dos EUA como uma proxy deste preço. Analisando os efeitos da taxa de juros de curto prazo, propôs que uma ação da autoridade monetária, que altera essa 18 taxa, produz efeitos sobre as taxas de juros de longo prazo e sobre a taxa de câmbio, e, dada a rigidez da economia (preços e salários), essas variações da taxa de longo prazo e da taxa de câmbio afetariam as taxas reais de juros e câmbio no curto prazo, gerando modificações sobre a balança comercial, consumo e investimento reais, e, sobre o produto real, no curto prazo. Contudo, no longo prazo, com o ajuste dos preços e salários, o PIB real e as taxas reais de juros e câmbio retornariam ao nível inicial. Porém, o ponto de discordância entre Taylor (1995) e a visão convencional dos efeitos da PM sobre as variáveis reais é que o processo não termina com o reajuste das taxas reais, pois “as ligações da transmissão monetária, na verdade, formam um círculo, com o círculo sendo fechado ligando os movimentos do PIB real e da inflação à taxa de juros de curto prazo, por meio de uma regra política ou função de reação” (1995, p. 14, tradução nossa). Esse círculo de ações e reações ocorre porque o Banco Central também reage às variações das taxas de juros e câmbio, promovendo novos ajustes da taxa de juros nominal, em decorrência dos desdobramentos causados pela própria política monetária inicialmente estabelecida, formando um processo dinâmico entre taxa de juros nominal de curto prazo e as taxas reais de juros e câmbio e o PIB real. E segundo Taylor (1995) é exatamente a falta de uma percepção, ou incorporação, da reação dos Bancos Centrais (BC), por parte da visão convencional, que constitui a falha desta análise. A respeito da taxa de juros de longo prazo, Taylor (1995) aponta que as decisões de longo prazo, como comprar uma casa ou investir em instalações e equipamentos, estão mais relacionadas às taxas de juros de longo prazo do que às taxas de curto prazo e, neste sentido, a transmissão da política monetária pelas taxas de juros de longo prazo dependerá de como essas taxas reagem às mudanças na política monetária. Já o canal da taxa de câmbio é explicado por Taylor (1995) com base em dois processos: primeiro, a política monetária irradia seus efeitos pelo canal da taxa de câmbio a partir da relação de paridade da taxa de juros, a qual, levando em conta o significativo grau de mobilidade de capitais financeiros no mundo contemporâneo, diferenças de taxas de juros entre quaisquer dois países equivalem à taxa esperada de variação cambial entre esses dois países: Assim, vê-se, em teoria, como a política monetária pode afetar a taxa de câmbio: se o Banco Central tomar medidas para aumentar a taxa de juros de curto prazo, então, de acordo com esta relação de paridade da taxa de juros, a taxa de câmbio deve aumentar para que as expectativas de um declínio da taxa de câmbio possam equalizar as taxas de retorno no país e no exterior. Deve haver uma relação positiva entre a taxa de câmbio e o diferencial da taxa de juros entre quaisquer dois países (TAYLOR, 1995, p. 15-16, tradução nossa). 19 No segundo momento, as modificações na taxa de câmbio nominal, causadas pela política monetária, também modificam a taxa de câmbio real no curto prazo, a qual, por sua vez, afeta as exportações líquidas e consequentemente promove efeitos sobre a balança comercial e o PIB. Porém, como explicado por Taylor (1995), esses efeitos sobre o PIB se dão devido à da rigidez dos preços e salários da economia, a qual tenderia a desaparecer no longo prazo, revertendo os efeitos reais causados pela política monetária. Então, a existência do mecanismo do câmbio está ancorada primeiro na relação de paridade da taxa de juros, que leva os efeitos da PM para a taxa de câmbio, e posteriormente nos efeitos de modificações da taxa de câmbio para as exportações líquidas, que se reflete no produto. Contudo, a compreensão dos efeitos da PM sobre a economia real se mostrava mais complexa do que somente a utilização dos canais neoclássicos podia abranger, e uma importante crítica a essa limitação foi feita em um dos textos seminais sobre os canais de transmissão de política monetária de Bernanke e Gertler (1995), destacando os mecanismos não-neoclássicos. Estes autores defendem que a teoria convencional sobre mecanismos de transmissão está baseada em pressupostos que não se confirmam empiricamente ou que possuem efeitos residuais que pouco ajudam a explicar os impactos da PM em variáveis reais, sendo necessário utilizar o canal de crédito (que compreende o canal de balanço patrimonial e o canal de empréstimos bancários) para preencher as lacunas deixadas pela visão neoclássica dos canais de transmissão. A crítica dos autores está baseada na conjectura da teoria convencional que determina os impactos de modificações da taxa de juros nos gastos agregados através da variação do custo de capital definido em sua concepção neoclássica1. Sendo assim, modificações da taxa de juros afetariam o custo de capital, que, promove mudanças no investimento das firmas e consequentemente no gasto agregado. Entretanto, além dos fracos efeitos da variável custo de capital sobre as equações estimadas de gastos agregados observados empiricamente, os autores identificaram que a suposição neoclássica a respeito da influência da PM se dar apenas sobre as taxas de juros de curto prazo não se confirmaram, pois foi demonstrado que a PM possui grande impacto sobre a compra de bens duráveis, bens de capital e bens intermediários, principalmente respondendo às modificações das taxas reais de longo prazo (BERNANKE E GERTLER, 1995, p. 28). 1 Como definido pela teoria neoclássica do capital, os custos de capital refletem a taxa de depreciação do bem de capital somado ao retorno real exigido que remunera os credores (taxa de juros), no caso em que a empresa recorre a empréstimos para financiar seus investimentos. 20 É importante salientar que a visão de Bernanke e Gertler (1995) já considera que a política monetária afeta a economia real, negando a tese da neutralidade da moeda. Ademais, uma grande contribuição desses autores, sob a ótica desta pesquisa, está na identificação e utilização de diferentes canais de transmissão, para explicar efeitos causados pela política monetária na economia, que antes eram negados ou mal compreendidos. Bernanke e Gertler (1995) partem da crítica à visão convencional de que modificações sobre as taxas de juros de curto prazo afetam o custo de capital, que por sua vez vão proporcionar modificações na demanda agregada e produção. Visão esta que pouco revela sobre os efeitos e funcionamento da política monetária. Os canais de transmissão não-neoclássicos para Boivin, Kiley e Mishkin (2010) são caracterizados como aqueles que advêm da ineficiência alocativa dos mercados, das assimetrias de informações e dos choques econômicos e das intervenções do Estado. Os autores tratam principalmente do canal dos efeitos sobre o fornecimento de crédito por parte de intervenções do governo no mercado de crédito; canais baseados em bancos (principalmente através do canal de empréstimos bancários); e o canal do balanço patrimonial, que afeta empresas e famílias, devido a variações no valor do patrimônio destes agentes. O canal dos efeitos sobre o fornecimento de crédito por parte das intervenções do governo trata principalmente de políticas de crédito direcionado2 ou políticas que são especificamente desenhadas para modificar o mercado de crédito. Boivin, Kiley e Mishkin (2010) mostram uma política de estímulo à aquisição de habitação própria, desenhada pelo governo dos EUA nos anos 1980, que criou um canal de transmissão envolvendo a oferta de crédito. Essa política estabelecia um sistema de financiamento hipotecário, a partir de associações de poupança e empréstimo, no qual o governo ajudava essas instituições a atrair financiamento de depósitos para fazer empréstimos hipotecários de longo prazo a taxas fixas de juros. Entretanto, com o aumento das taxas de juros nos EUA e o fim da política de teto das taxas de depósito que ajudava as instituições de poupança e empréstimos a atrair depositantes, esse canal de transmissão deixou de existir, pois os depositantes passaram a realocar seus recursos em títulos de maior rendimento. Além disso, a elevação das taxas de juros de curto prazo fazia aumentar o custo dos fundos para as poupanças enquanto reduzia a receita líquida 2 Crédito direcionado é o tipo de crédito ofertado com taxas geralmente menores do que as de mercado, já que são subsidiadas pelo Estado, para setores e finalidades específicas que atendam a uma determinada política pública. Por outro lado, existe o crédito livre, que é o crédito ofertado de forma autônoma pelas instituições. 21 de juros das hipotecas, desestimulando a oferta de crédito por parte das associações de poupança e empréstimo (BOIVIN, KILEY E MISHKIN, 2010). Já os canais de crédito baseados em bancos se dividem em dois principais canais: o canal de balanço patrimonial e o canal de empréstimos bancários, sendo este último o escopo de estudo desta pesquisa. A concepção de Bernanke e Gertler (1995) sobre a existência dos canais de balanço patrimonial e empréstimos bancários está ligada ao fato de os mercados financeiros não operarem em perfeito equilíbrio devido à constante existência de fricções, como assimetria de informações e má execução de contratos. Essas fricções causam uma disparidade entre o custo de captação de recursos externos e o custo de oportunidade dos recursos gerados internamente por parte das instituições financeiras, que se configura no prêmio de financiamento externo. Sendo assim, a política monetária se torna um fator crucial para a definição do tamanho do prêmio de financiamento externo, que é o que dá origem aos canais de crédito. Mishkin (1995) considera que o surgimento dos canais de crédito está vinculado ao papel fundamental que os bancos desempenham no sistema financeiro, pois conseguem lidar com certos tipos de tomadores que não teriam acesso ao crédito devido a assimetrias de informações do mercado. Assim, os bancos tornam-se os principais intermediários das operações de crédito, e as variações de dinheiro em circulação e da taxa de juros afetam tanto a disponibilidade de crédito dos bancos quanto a capacidade dos tomadores de oferecerem garantias por empréstimos, por conta de seus balanços patrimoniais. O mecanismo do balanço patrimonial se baseia na premissa de que o prêmio de financiamento externo depende da posição financeira do tomador do empréstimo — quanto maior for o valor da soma dos seus ativos líquidos e garantias, menor deve ser o prêmio de financiamento externo que ele arcará ao buscar tal financiamento. A ideia por trás deste mecanismo, segundo Bernanke e Gertler (1995), é que quando o agente tomador está em uma situação mais confortável com relação ao seu patrimônio líquido, as condições para o pagamento de empréstimos ficam melhores, incentivando a tomada do empréstimo e aumentando a confiança dos emprestadores, seja porque o maior patrimônio do tomador permite autofinanciar uma parcela maior do projeto, seja por permitir oferecer mais garantias sobre o empréstimo: “Uma vez que as posições financeiras dos mutuários afetam o prêmio de financiamento externo e, portanto, os termos gerais de crédito que eles enfrentam, as flutuações na qualidade dos balanços dos mutuários devem afetar suas decisões de investimento e gastos” (BERNANKE E GERTLER, 1995, p. 35, tradução nossa). 22 O balanço patrimonial constitui, então, um mecanismo de transmissão da política monetária, porque as ações da autoridade monetária não só afetam os juros, que por sua vez modificam os termos dos empréstimos, mas também as posições financeiras dos tomadores de empréstimos. Bernanke e Gertler (1995, p. 36) argumentam que esse processo ocorre de forma direta e indireta. Diretamente, pois em uma política monetária restritiva, por exemplo, o aumento da taxa de juros de curto prazo faz com que os mutuários que possuem dívidas de curto prazo ou a taxas variáveis elevem suas despesas com juros, reduzindo os fluxos de caixa líquidos e piorando a posição financeira dos mutuários. Um aperto monetário, por exemplo, também provoca a redução do valor presente dos ativos que têm seu preço determinado pela estimativa de fluxos futuros de renda que eles geram, piorando a posição financeira dos agentes que possuem parte do seu patrimônio líquido aplicado nesses ativos. Indiretamente, um aumento dos juros pode reduzir as fontes de receitas das empresas, por exemplo, devido à redução do consumo por parte de seus clientes (seja pela questão do balanço patrimonial como apresentado anteriormente ou pelo próprio aumento de custo de capital), o que consequentemente gera uma piora do PL da empresa, pois os custos fixos e/ou quase fixos não se alterarão no curto prazo — juros, salários, aluguéis, etc. — resultando em uma “lacuna de financiamento” para o estabelecimento. Para Bernanke e Gertler (1995), esse processo pode ser uma das explicações para a persistência do impacto sobre os gastos, mesmo após a reversão da política monetária. Este efeito dos juros no balanço patrimonial depende do tamanho da empresa, mas também, e principalmente, da capacidade de as empresas conseguirem empréstimos para amortecer o impacto sobre a queda dos fluxos de caixa. Dessa maneira, empresas grandes, que geralmente possuem melhores condições de acesso a crédito, enfrentam menores pressões financeiras, durante um período de aperto monetário, enquanto empresas pequenas, ou empresas com maiores restrições ao crédito, podem ter que responder à queda do fluxo de caixa com demissões, redução da produção e ociosidade (BERNANKE E GERTLER, 1995). O mecanismo de empréstimos bancários, o principal foco desta pesquisa, para Bernanke e Gertler (1995), refere-se principalmente aos empréstimos realizados pelos bancos comerciais. O argumento dos autores é que, dada a grande dependência de empréstimos bancários, principalmente por parte das pequenas e médias empresas, atritos no fornecimento de crédito bancário podem acarretar custos associados a encontrar novos credores, ao estabelecimento de novas relações de crédito, entre outros custos de transação. Assim, uma redução na oferta de crédito bancário pode aumentar o prêmio de financiamento externo e reduzir a atividade real. 23 A capacidade de afetação da política monetária sobre a oferta de crédito bancário se relaciona, desta forma, tanto com a capacidade de os bancos acessarem as reservas do BC — a qual diminui durante uma operação de venda de títulos pelo BC e faz com que os bancos tenham menos fundos para empresas — quanto pelo fato de os bancos poderem não encontrar uma demanda perfeitamente elástica para suas obrigações de mercado aberto. No entanto, a existência de um canal de empréstimo bancário não exige que os bancos sejam totalmente incapazes de repor os depósitos perdidos... é suficiente que os bancos não enfrentem uma demanda perfeitamente elástica por suas obrigações de mercado aberto, de modo que uma venda em mercado aberto pelo FED — que reduza a base de depósitos centrais e as forças dos bancos para que eles confiem mais em passivos administrados — também aumenta o custo (relativo) dos fundos dos bancos. Um aumento no custo dos fundos para os bancos deve diminuir a oferta de empréstimos, espremendo os mutuários dependentes dos bancos e aumentando o prêmio de financiamento externo. (BERNANKE E GERTLER, 1995, p. 41, tradução nossa) Keynes, em seu livro “Tratado sobre a Moeda” (2012, p. 236), já apontava que uma injeção de dinheiro novo no sistema monetário aumentava as reservas dos bancos comerciais, os quais, por conseguinte, tornavam-se mais dispostos a emprestar a termos mais fáceis. E o contrário também ocorria, caso houvesse uma retirada de dinheiro do sistema monetário, pelo Banco Central. Essa maior facilidade de tomar empréstimo, considerando a maior disponibilidade de dinheiro em circulação causado pela política monetária, segundo Keynes (2012), afetará a tomada de decisões dos empresários sobre o empréstimo de três maneiras: (I) uma menor taxa de juros estimulará uma maior produção de bens de capital, pelo aumento dos seus preços; (II) os potenciais tomadores de empréstimos que estavam insatisfeitos com as condições anteriores, poderão se sentir estimulados, dada a maior facilidade de crédito; e (III) alguns empresários poderão aumentar a produção, mesmo sob maiores custos de fatores, porque possuem melhores expectativas quanto a lucros futuros. 1.2 Um aprofundamento teórico sobre os bancos e o crédito A compreensão do canal de empréstimos bancários requer um estudo mais aprofundado acerca do mercado de crédito e, consequentemente, sobre a decisão de os bancos ofertarem recursos para empréstimos. De fato, é essencial fazer um esforço teórico para melhor compreender a relevância do crédito para o desenvolvimento econômico. 24 Para Schumpeter (1997, p. 110), em seu livro “Teoria do Desenvolvimento Econômico”, publicado originalmente em 1911, o crédito é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento econômico. É por meio dele que o emprestador pode disponibilizar recursos para o empresário encontrar novas combinações produtivas para inovar e impulsionar o desenvolvimento, o que, sem o advento do crédito, seria muito difícil, ou impossível, de acontecer, pois os empresários (não necessariamente os proprietários do capital) teriam que desfrutar previamente de recursos. Contudo, Schumpeter (1997) destaca a importância do crédito destinado ao empresário, pois o crédito para o consumo não se mostra como um fator primordial para a inovação. Já Keynes (1996, p. 107) também postula a importância de o crédito para o empresário expandir investimentos, proporcionando aumento da renda real e monetária da economia, excetuando- se, é claro, raríssimos casos de pleno emprego prévio. Além disso, Keynes (1996, p. 107) diz que a expansão do crédito bancário também é capaz de propiciar o surgimento de três tendências: “(1) aumento da produção; (2) alta no valor da produção marginal expressa em unidades de salário; e (3) alta da unidade de salários em termos de moeda (efeito que, em geral, acompanha a melhoria do emprego)”. Assim, a expansão do crédito proporciona não só mais condições de investimento e inovação, mas seus efeitos também se propagam na melhoria do emprego e renda. Porém, é importante observar qual a natureza do crédito e como se determina sua oferta. Antes das contribuições de Tobin (1963), em seu texto Commercial Banks as Creators of “Money”, sobre a atuação dos bancos comerciais no sistema financeiro, a tese clássica da intermediação bancária estabelecia um papel neutro dos bancos comerciais, em que estes apenas emprestavam um múltiplo do dinheiro que havia sido previamente captado a partir dos depositantes, respeitando as restrições convencionalmente aceitas ou impostas pela autoridade monetária (como as reservas compulsórias), ou seja, os bancos apenas intermediavam passivamente o empréstimo de recursos daqueles que dispunham de um excedente de dinheiro e estavam dispostos a emprestar para aqueles que desejavam tomar dinheiro emprestado — Tobin nomeou essa abordagem que atribuía um caráter neutro aos bancos de “visão velha” (PAULA, 2011). Em uma crítica a esta visão velha, Tobin (1963) argumentou que este modelo só seria possível em um caso de monopólio bancário, já que o recurso captado pelo banco seria o mesmo que ele utilizaria para emprestar, sem haver uma relação entre bancos ou entre estes e outras instituições financeiras (IFs). Para Tobin (1963), os empréstimos bancários não ocorriam em função dos depósitos à vista ou reservas, pois os bancos poderiam tomar emprestado da autoridade monetária ou de outros bancos, para atender à demanda por crédito no mercado 25 (PAULA, 2011). Logo, com o avanço das relações econômicas e aumento de importância do setor financeiro e dos bancos, era necessário outro modelo que efetivamente explicasse a atuação dos bancos comerciais. Essa nova abordagem foi apresentada por Tobin como a “visão nova”, que não considera as reservas e recursos próprios dos bancos como um fator que limita a quantidade de recursos que podem ser disponibilizados para empréstimo. A “visão nova” de Tobin (1963) afirma que a realização de empréstimos bancários ocorre em função da estratégia otimizadora dos bancos (relacionada com as oportunidades de realização de bons negócios) e com a taxa de juros, que estabelece os ganhos do banco pela diferença entre os juros pagos aos depositantes e os juros recebidos pelos tomadores de empréstimo, ou seja, pelo spread bancário. Porém, segundo Paula (2011), esta “visão nova” foi incorporada aos modelos neoclássicos de firma bancária, que caracterizam os bancos como firmas maximizadoras de lucro, as quais decidem entre o risco da realização de empréstimos e a segurança da liquidez com a manutenção das reservas, por meio da maximização dos ganhos no ponto onde a receita marginal se iguala aos custos marginais do empréstimo. Paula (2011, p. 8) elenca dois pontos críticos dessa abordagem neoclássica: em primeiro lugar, os modelos neoclássicos, derivados das contribuições de Tobin, consideram os depósitos bancários como uma variável dada, sendo que elas dependem das preferências dos depositantes; e, em segundo lugar, a oposição entre reservas e empréstimos não se mostrou empiricamente sustentável, já que a liquidez dos bancos não está somente vinculada às suas reservas. Conforme Sayad (2015) uma importante contribuição de Tobin, no artigo “Money, Capital, and Other Stores of Value”, de 1961, para o avanço da compreensão do papel dos bancos comerciais e da política monetária, deu-se durante o debate entre monetaristas e neoclássicos, no qual Tobin estabelece uma teoria da demanda por moeda mais completa, considerando a moeda não como um elemento neutro, mas um ativo livre de risco com taxas de retorno nulas enquanto os outros ativos da economia possuem suas taxas de retorno sujeitas a uma distribuição de probabilidades dada. Segundo essa teoria, a demanda por moeda, ou por um ativo sem risco, dependerá do apetite/aversão ao risco do investidor. Essa é a teoria neoclássica da firma bancária. Como sumarizam Carvalho et al. (2012, p. 233): “O problema do banco é o que fazer com os recursos captados, isto é, como distribuí-los entre ativos rentáveis e ativos líquidos” ou empréstimos e reservas, respectivamente. A Teoria Geral (TG) de Keynes apresenta alguns pontos críticos à visão neoclássica dos bancos. Primeiro, os investimentos não são atividades que possuem efeitos previsíveis ou prováveis (no sentido de proporcionar probabilidades), então, seus retornos não podem ser calculados por uma distribuição de probabilidades (Dequech, 2011). Ademais, a TG estabelece 26 que existem várias taxas de juros diferentes, para ativos e prazos diversos, e que os efeitos da política monetária também variam de acordo com o contexto econômico de cada mercado e cada país (SAYAD, 2015). Além disso, a teoria keynesiana da firma bancária não aceita que exista uma extrema dicotomia entre liquidez e rentabilidade, na qual bancos devem optar por uma ou outra exclusivamente. Isto ocorre devido a dois fatores principais: (1) os bancos possuem outras alternativas de ativos que não sejam somente as reservas e os empréstimos; e (2) a relação entre rentabilidade e liquidez das reservas e empréstimos não é rígida, como é considerada na visão neoclássica dos bancos, visto que a gama de ativos disponíveis oferecem graus de rentabilidade e liquidez diferenciados e relevantes para a firma bancária. Portanto, a questão relevante para os bancos modernos é construir um portifólio balanceado entre rentabilidade e liquidez, que forneça segurança financeira e operacional ao banco (CARVALHO et al., 2012). Segundo Keynes (1971, p. 59) os bancos usualmente devem optar entre três principais tipos de ativos: (i) letras de câmbio e ativos de curto prazo; (ii) investimentos (que podem ser títulos públicos ou ações de empresas); e (iii) empréstimos a clientes. Geralmente, emprestar para os clientes é a opção mais rentável e adquirir ativos de curto prazo a opção com maior liquidez, porém essas características podem variar entre os tipos de ativos, assim como a preferência dos bancos entre as três possibilidades. Então, levando em conta o papel dos bancos nas economias modernas e a centralidade do crédito na economia moderna, é fundamental discutir como se dá a oferta de crédito pelos bancos comerciais. Então, como um banco realiza uma operação de empréstimo, na prática? Primeiramente, o processo de empréstimo é apenas uma operação contábil no seu balanço (CARVALHO et al., 2012), formado pelos passivos (fontes de recursos) que se constituem de “recursos próprios ou patrimônio líquido, os depósitos à vista e a prazo, os empréstimos tomados no exterior, os auxílios do Banco Central (redescontos e empréstimos) e outras fontes menos importantes” (p. 10) e seus ativos, os quais são principalmente “empréstimos ao setor privado, encaixes, títulos públicos e privados, imobilizado bancário (suas instalações físicas) e outras aplicações de menor relevância (p. 10). No fim, o que o banco faz ao realizar um empréstimo é lançar no lado do ativo uma cifra no valor do dinheiro emprestado, um “empréstimo” e, no lado do passivo, lança a mesma cifra, mas referente a um “depósito à vista”. A realização de empréstimos pelos bancos não possui apenas consequências diretas sobre a oferta e capacidade produtiva (quando se usa o crédito para investimento), como também provoca expansão da base monetária a partir da criação de moeda escritural pelos bancos comerciais. Como mostrou Werner (2014a), ao realizar um estudo empírico sobre o 27 processo de empréstimo de um banco comercial, evidenciou que, primeiro: os bancos não são meros intermediários financeiros, já que o empréstimo bancário não utiliza e nem precisa de recursos de outras fontes (depósitos, reservas ou outros recursos); e segundo: os bancos individualmente criam moeda ao realizar empréstimos, não sendo um processo apenas do sistema como um todo. O estudo de Werner (2014a) comparou o funcionamento de um banco real na economia com as três principais teorias sobre o funcionamento dos bancos, sendo elas: a teoria da intermediação financeira dos bancos, que prevê que os bancos, instituições financeiras não- bancárias e corretoras de valores são semelhantes em sua principal função, intermediar recursos, apenas alocando recursos daqueles que possuem excedentes para aqueles que demandam recursos; a teoria bancária das reservas fracionárias aponta que os bancos são apenas intermediários e não podem criar moeda individualmente, mas o sistema bancário promove a expansão da base monetária devido ao multiplicador monetário, já que o banco só precisa manter em caixa uma fração do dinheiro dos depositários (segundo definido pelo Banco Central), e a maior parte do dinheiro previamente captada é emprestada para gerar lucros aos bancos; e a teoria bancária da criação de crédito que coloca os bancos como instituições especiais, já que estas são capazes de criar moeda do nada quando realizam empréstimos e não necessitam de recursos previamente captados para emprestar, ou seja, não são meros intermediários. Werner (2014a) revela que quando o banco realiza um empréstimo, contabilmente são feitos dois lançamentos no balanço do banco, um valor positivo referente ao valor do empréstimo no lado dos ativos, e outro positivo e do mesmo valor, mas representado como “depósito de cliente”, no lado dos passivos, ampliando o balanço patrimonial dos bancos. Esse processo ocorre sem que fundos próprios do banco ou externos (como do BC) sejam utilizados para financiar o empréstimo, além de sequer haver alguma movimentação de dinheiro real entre contas, tudo ocorre do ponto de vista contábil, de maneira que tomador recebe o saldo positivo em sua conta, que fica disponível para ser gasto, e o banco fica com o salto positivo na cifra “depósito de cliente” do lado dos passivos referente à obrigação de pagamento do empréstimo pelo tomador. Sendo assim, Werner (2014a) aponta a teoria bancária da criação de crédito como a que melhor compreende o real funcionamento dos bancos. Ademais, esse poder de criação de moeda é o que diferencia os bancos das instituições financeiras não-bancárias e das instituições não financeiras para Werner (2014b). Segundo o autor, o que permite aos bancos realizar empréstimos sem de fato realizar uma transferência de fundos reais entre contas, na qual a instituição teria que reduzir um saldo igual para custear o 28 empréstimo, é o poder de reclassificar seus passivos como “depósitos de cliente”, pois os agentes não conseguem distinguir entre o dinheiro fictício, que foi reclassificado pelo banco, e o dinheiro real depositado pelos clientes ou das reservas do banco depositadas no BC. E esse ‘poder’ de reclassificar as cifras e misturar depósitos reais e depósitos ‘inventados’, para Werner (2014b) advém da própria atividade bancária de manutenção dos depósitos dos clientes, no qual o banco se torna o proprietário legal do dinheiro depositado e os depositantes se tornam os credores gerais do banco. Dado que esta atividade não pode ser exercida pelas instituições não bancárias e não financeiras. Uma condição necessária para poder criar um depósito imaginário em nome do mutuário é que o credor normalmente mantenha os depósitos dos clientes e, portanto, seja o único responsável pela manutenção dos registros dos depósitos dos clientes. Nesse caso, esse poder de controle sobre os registros de contas de depósito dos clientes pode ser usado para inventar depósitos fictícios de clientes que de fato não se originaram de nenhum novo depósito (e, portanto, não podem ser honestamente chamados de 'depósitos') (WERNER, 2014b, p. 74) Uma discussão relevante para a pesquisa é o comportamento dos bancos quanto à oferta de crédito bancário. Neste sentido, apresentam-se duas principais correntes de pensamento: a novo keynesiana e a pós-keynesiana. A linha de pensamento Novo Keynesiana atribui aos bancos a função essencial de intermediadores financeiros, considerando este um papel que se justificaria por algumas falhas de mercado, as quais tenderiam a desaparecer com o avanço tecnológico e desenvolvimento do mercado financeiro. Segundo Allen e Santomero (1997), as teorias da intermediação propostas desde os anos 1960 eram baseadas em mercados perfeitos e defendiam que o papel dos bancos de receber os depósitos das famílias que tinham excedente monetário e emprestar para os agentes que requeriam capital, só era possível a partir da existência de fricções de mercado, como custos de transação e informações assimétricas. Então, segundo essa abordagem, o avanço tecnológico e as inovações financeiras proporcionariam uma redução drástica dos custos de transação e assimetrias de informação, diminuindo também o papel dos bancos como mediador das relações financeiras. Por este ângulo, Allen e Santomero (1997) apontam que realmente houve significante transformação dos sistemas financeiros, principalmente dos países desenvolvidos, que incorreram em redução dos custos de transação e maior disponibilidade de informação, mas essas transformações não foram seguidas de uma redução da importância ‘intermediadora’ dos bancos; pelo contrário, os bancos ficaram ainda mais relevantes, mesmo com a expansão dos mercados financeiros 29 tradicionais e o surgimento de novos mercados, e isso se deve à especialização destes mesmos bancos como os principais gestores de risco dos mercados financeiros. Porém, sob outra perspectiva, a teoria pós-keynesiana do comportamento bancário considera que os bancos possuem preferência pela liquidez orientada a partir das suas expectativas sobre a possibilidade de lucro formadas em condições de incerteza, ou que não possuem taxas de retornos pré-determinadas, a partir de um conjunto dado de probabilidades (PAULA, 2011, p. 41). A consideração da preferência pela liquidez e busca pelo lucro por parte dos bancos abre, desta maneira, novas visões sobre a atuação dos bancos no sistema monetário. Assim, a teoria pós-keynesiana sustenta que os bancos não são meros agentes passivos, que só se adaptam à demanda por crédito, mas, sim, que eles comparam os retornos dos ativos disponíveis, para compor seus portfólios, com base nas suas expectativas de lucro. Logo, a disponibilidade de crédito bancário não depende simplesmente dos riscos envolvidos na realização do empréstimo, pois mesmo que o risco seja baixo, os bancos podem optar por racionar crédito se suas expectativas forem de maior lucratividade em outros ativos (PAULA, 2011). Outro fator para a visão pós-keynesiana é que, além do controle sobre a oferta de crédito, os bancos também interferem na demanda por crédito. Como destaca Paula (2011, p. 42), os bancos influenciam as preferências dos seus clientes, criando oportunidades de investimento e novas formas de estimular depósitos à vista, por exemplo, implementando inovações financeiras cada vez mais atrativas e com vistas a abranger as várias preferências dos agentes. Portanto, a abordagem pós-keynesiana da atividade bancária incorpora papéis mais complexos do que a mera intermediação. Quanto à gestão de informações realizada pelos bancos, Zendron (2006) reconhece que esta é uma atividade fundamental por dois aspectos: (i) os bancos possuem posição privilegiada para obter e gerir informações sobre o mercado financeiro; e (ii) os bancos possuem melhores recursos para lidar com o tratamento das informações entre emprestadores e tomadores de recursos, pois “bancos são estruturas aptas tanto a reduzir os custos de informações quanto apresentar soluções para situações de informação assimétrica” (ZENDRON, 2006, p. 8). Contudo, a firma bancária também é uma instituição passível de erros, como a realização de negócios ruins, de baixa ou nenhuma lucratividade, ou mesmo prejuízo, e, por isso, bancos buscam minimizar riscos de não reaver empréstimos. Consequentemente, bancos investem em coleta e análise de informações, para verificar a confiabilidade dos tomadores — como salientam Stiglitz e Greenwald (2004, p. 57), o crédito é baseado em informação, e recursos são 30 necessários para que os bancos se assegurem da confiabilidade de emprestar dinheiro a um agente. É importante salientar que as atividades de coleta, avaliação e gerenciamento de informações sobre os tomadores e emprestadores possuem custos fixos que são geralmente irrecuperáveis, pois são informações específicas sobre determinados agentes que não podem ser reaproveitadas. Neste sentido, os bancos ao se especializarem no gerenciamento de informações e de risco, beneficiam-se de ganhos de escala e escopo (ZENDRON, 2006, p. 20), colocando-se como peça fundamental nas economias capitalistas avançadas, baseadas em crédito. Para Zendron (2006) os principais riscos financeiros que os bancos têm de lidar são os riscos de crédito, juros, risco de liquidez e de mercado. O risco de crédito está relacionado à própria atividade de realizar empréstimos, pois, ao disponibilizar crédito, um banco está exposto ao risco de o tomador não honrar o compromisso do empréstimo, e a forma que o banco tem para evitar esse risco é melhorar os mecanismos de avaliação dos tomadores. O risco de juros é proveniente da diferença dos prazos de maturidade entre ativos e passivos bancários, já que passivos, especialmente os depósitos dos correntistas, possuem maturação de curto prazo, devido á própria natureza dos depósitos, que podem ser sacados a qualquer momento; enquanto os ativos bancários, principalmente os empréstimos, possuem maturação mais longa, geralmente com prazos pré-definidos. Então, uma possível elevação da taxa de juros aumenta a remuneração paga pelos bancos aos depósitos, enquanto os empréstimos podem ter taxas pré-fixadas, reduzindo assim os spreads que remuneram o banco. O risco de liquidez e o risco de solvência relacionam-se com a obrigatoriedade de os bancos terem que converter seus passivos de curto prazo em moeda, imediatamente após esta moeda ser solicitada pelo correntista. Dessa forma, uma ocasião atípica de saques bancários em massa ao longo de um curto período, que ameacem a capacidade de um banco honrar esses compromissos, põe em risco a liquidez dos bancos, além de poder comprometer sua remuneração (ou mesmo sua própria existência, em casos de saques sistemáticos, muito volumosos e mais perenes), caso seja necessário realizar a venda emergencial de ativos, que possuem maturação mais longa, a um preço abaixo do preço de mercado, incorrendo em prejuízos. Já o risco de mercado envolve os ativos negociáveis dos bancos, que compõem seus balanços, juntamente aos empréstimos e as reservas. Esses ativos muitas vezes cumprem função de reservas secundárias, que podem ser utilizadas para fazer frente aos saques, mas possuem 31 remuneração positiva para o banco. O risco de mercado ocorre quando há variações no valor desses ativos mantidos pelos bancos, que podem acarretar perdas (Zendron, 2006, p. 19-20). Tendo em vista os riscos inerentes à atividade bancária, é forçoso reafirmar que o ato de ofertar crédito no mercado não pode ser somente atribuído apenas à taxa de juros que remunera o empréstimo, pois existem diferentes qualidades de tomadores, os quais, oferecem diferentes chances de honrar os compromissos com os bancos: A taxa de juros não é como um preço convencional. É uma promessa de se pagar uma quantia no futuro. Promessas freqüentemente são descumpridas. Se não fossem, não haveria razão para determinar o mérito de se obter crédito. [...] aumentar a taxa de juros pode não aumentar o retorno esperado de um empréstimo; com taxas de juros mais altas, obtém-se um conjunto de qualidade inferior de candidatos (o efeito da seleção adversa) e cada candidato assume riscos maiores (o efeito do risco moral, ou incentivo adverso) (Stiglitz e Greenwald, 2004, p. 58). Então, para Stiglitz e Greenwald (2004), a oferta de crédito pelos bancos é afetada pela probabilidade de o empréstimo ser pago de volta, e isto está atrelado à condição financeira, ao contexto econômico e institucional, e aos incentivos e obstáculos que o tomador encara. Assim, a oferta de crédito depende de informações individuais e específicas sobre o tomador, o que está além da mera maximização de lucros a partir de uma visão de mercado guiada por taxas de retorno probabilísticas. Seguindo esta linha, atividades bancárias de certificação, monitoramento e cobrança dos tomadores também afetam a oferta de crédito. Em situações com problemas relativos à informação dos agentes, expectativas de baixo retorno ou de altas chances de um banco não receber seu empréstimo e/ou em um mercado financeiro com muito refinanciamento de dívidas, pode haver racionamento de crédito – como visto, mesmo que haja uma redução das taxas de juros, os bancos podem não ofertar crédito, devido ao maior risco de inadimplência. O racionamento de crédito possui sérias implicações para o funcionamento do setor financeiro e monetário, pois, com a redução da oferta de crédito, as empresas que dependem de empréstimos vão piorar sua capacidade de atuação, por exemplo, as que necessitam do crédito para realizar investimentos e expansões vão deixar de fazê-lo, reduzindo o emprego, a renda e consequentemente a demanda agregada, e com isso afetará a capacidade de funcionamento da política monetária, que estará com os canais de juros e de crédito contaminados por esse racionamento (STIGLITZ & GREENWALD, 2004). Portanto, com base na conceituação do canal de transmissão de empréstimos bancários, que sinteticamente foi descrito como as consequências econômicas geradas por efeito das 32 mudanças do mercado de crédito em reação à política monetária, e, a partir do entendimento da importância e funcionamento dos bancos comerciais na economia, em que os bancos não apenas intermediam as relações de oferta e demanda por moeda/crédito, mas também se apresentam como instituições capazes de criar e alocar moeda de acordo com seus interesses, não necessariamente estando limitados pela quantidade de recursos previamente captado, é que serão analisados no próximo capítulo como a PM vem sendo executada no Brasil a partir de 2010 e como se comportou o mercado de crédito nacional ao longo desse período. 33 2. POLÍTICA MONETÁRIA E O SETOR DE CRÉDITO BRASILEIRO Neste capítulo, ao longo das duas subseções, serão apresentadas primeiramente a trajetória da política monetária no país e algumas discussões sobre a manutenção de elevadas taxas de juros para discutir dois pontos principais: 1) Se a manutenção das elevadas taxas de juros no Brasil tem atingido os objetivos esperados (manter inflação baixa); e 2) como a manutenção dos juros altos pode afetar o mercado de crédito, principalmente por meio do preço do crédito, ou do spread. Na segunda subseção será apresentada uma breve contextualização sobre o mercado de crédito brasileiro para que se possa correlacionar com a execução da PM, com o cenário econômico e o contexto internacional, principalmente após a crise econômica de 2008. Sendo assim, será possível analisar contextualmente o canal de empréstimos bancários brasileiro. 2.1 Política Monetária no Brasil No Brasil, o principal meio pelo qual o BC executa sua política monetária é pelo controle da taxa de juros oficial de curto prazo, ou taxa básica de juros, feito a partir do mercado de reservas bancárias. Alterações na taxa básica provocam repercussões em diversas variáveis econômicas, principalmente nos indicadores intermediários — àqueles ligados às metas intermediárias do BC como taxa de juros de Longo Prazo, agregados monetários e taxa de câmbio principalmente — que norteiam a tomada de decisão do BC e que refletem a capacidade de afetação da política monetária através dos mecanismos de transmissão da política monetária. Esses mecanismos levam os impulsos da PM para a economia, por meio dos efeitos sobre as taxas de juros de longo prazo, cruciais para as decisões de investimento (inclusive em construção civil), consumo de bens duráveis e não duráveis, poupança e produção (PAES, 2019). Historicamente, a economia brasileira passou por diversas turbulências e transformações que moldaram seu sistema monetário e financeiro. Anos de inflação elevada e instabilidade econômica e política, fizeram com que a política de juros brasileira ficasse presa ao objetivo principal de combater a inflação, mantendo-se elevada e produzindo efeitos negativos sobre produto e emprego (OREIRO et al., 2006). Desde a implementação do Regime de Metas de Inflação (RMI) no Brasil em 1999, a taxa de juros — real e nominal — no país vinha sendo mantida entre as maiores do mundo, porém não apresentando os efeitos esperados sobre o nível de preços, que permanecia elevado se comparado com a experiência internacional (MODENESI E MODENESI, 2012). 34 Como pode ser observado na Tabela 1, entre 2010 e 2021 o Brasil seguiu mantendo uma postura conservadora quando à execução da política monetária, fazendo com que a taxa de juros no país continuasse elevada para padrões internacionais, mesmo se comparada com países em desenvolvimento — como no caso de países que compõem o BRICS — e países da América Latina. E o BC vem adotando essa postura conservadora quanto à PM pelo menos desde o Plano Real e principalmente desde a adoção do RMI. Em 2012 pode-se observar uma breve tentativa de ruptura do conservadorismo monetário no governo Dilma, com a adoção da ‘Agenda Fiesp’ que previa melhores condições para a indústria nacional por meio de desvalorização cambial e melhores condições de juros e crédito. Contudo, logo em 2013 a autoridade monetária retoma a postura de rigidez monetária e volta a elevar taxa de juros devido ao aumento do nível de preços, que superaram o teto estabelecido para a inflação, sem dar margem a uma revisão dessas metas que pudesse propiciar maior flexibilidade da condução da política monetária (MARTINS, 2022). Tabela 1 - Média anual da taxa de juros definida pela autoridade monetária em países selecionados África do Sul Brasil Chile China EUA México Rússia 2010 5,50 10,75 3,25 0,50 0,125 4,50 7,75 2011 5,50 11,00 5,25 0,50 0,125 4,50 8,00 2012 5,00 7,25 5,00 0,50 0,125 4,50 8,25 2013 5,00 10,00 4,50 0,50 0,125 3,50 5,50 2014 5,75 11,75 3,00 0,50 0,125 3,00 17,00 2015 6,25 14,25 3,50 0,75 0,375 3,25 11,00 2016 7,00 13,75 3,50 1,00 0,625 5,75 10,00 2017 6,75 7,00 2,50 1,75 1,375 7,25 7,75 2018 6,75 6,50 2,75 2,75 2,375 8,25 7,75 2019 6,50 4,50 1,75 2,49 1,625 7,25 6,25 2020 3,50 2,00 0,50 0,50 0,125 4,25 4,25 2021 3,75 9,25 4,00 0,50 0,125 5,50 8,50 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Fundo Monetário Internacional - FMI A taxa de juros foi mantida elevada, com média anual estando na casa de dois dígitos, com exceção de 2012, quando houve a tentativa de ruptura do conservadorismo monetário, do período de queda dos juros entre 2017 e 2019 que foi uma resposta ao baixo desempenho da economia brasileira — devido à recessão econômica que se iniciou em 2014 — que puxou a demanda agregada para baixo e reduziu a pressão inflacionária, e de 2020 que foi reflexo da 35 crise da Covid-19 que acentuou o cenário de desaquecimento da economia brasileira e mundial. Contudo, mesmo com uma grande sensibilidade dos juros a aumentos na taxa de inflação, o Brasil mantém um nível de preços relativamente elevado quando se observa o cenário internacional, como mostra a Tabela 2. É evidente que o nível de preços não responde somente a choques demanda agregada3, variável à qual o controle da taxa de juros visa interferir, contudo, a rigidez com que é conduzida a política monetária brasileira acaba por dar muito peso ao excesso de demanda como fator primordial da inflação, mesmo quando a economia está em baixa, produzindo uma distorção que deteriora o produto interno — desestimulando o investimento e o consumo —, aumenta a da dívida pública e não oferece uma resposta adequada às pressões inflacionárias, principalmente quando estas são consequências de outros fatores que não o aumento do consumo. Tabela 2 - Média anual da taxa de inflação acumulada em 12 meses para países selecionados África do Sul Brasil Chile China EUA México Rússia 2010 4,09 5,04 1,41 3,18 1,64 4,16 6,85 2011 5,00 6,64 3,34 5,55 3,16 3,41 8,44 2012 5,72 5,40 3,01 2,62 2,07 4,11 5,07 2013 5,78 6,20 1,79 2,62 1,46 3,81 6,75 2014 6,13 6,33 4,72 1,92 1,62 4,02 7,82 2015 4,54 9,03 4,35 1,44 0,12 2,72 15,53 2016 6,57 8,74 3,79 2,00 1,26 2,82 7,04 2017 5,18 3,45 2,18 1,59 2,13 6,04 3,68 2018 4,52 3,66 2,43 2,07 2,44 4,90 2,88 2019 4,12 3,73 2,56 2,90 1,81 3,64 4,47 2020 3,21 3,21 3,05 2,42 1,23 3,40 3,38 2021 4,61 8,30 4,52 0,98 4,70 5,69 6,69 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial Como mostram Mondenesi e Mondenesi (2012) e Lara Resende (2017), a manutenção de elevadas taxas de juros tem pouco efeito sobre o controle da inflação no Brasil, enquanto produz consequências negativas muito severas para as contas públicas, que por si só já produzi 3 A inflação está sujeita principalmente a choques de oferta (principalmente produtos essenciais e/ou com baixa elasticidade preço da demanda) desvalorizações cambiais (eleva os preços dos produtos e serviços importados e exportados), expectativas, indexação, custos de produção, etc. 36 efeitos nefastos sobre a economia, e sobre a demanda agregada. Além disso, Bresser-Pereira, Paula e Bruno (2019) apontam que a manutenção de elevadas taxas de juros por décadas no país propiciou a criação de uma coalizão de interesses em prol da manutenção dos juros altos, que favorece os agentes que aumentam suas rendas pelo setor financeiro, ao passo que favorece a reputação do Banco Central como uma instituição conservadora, reforçando a coalizão de interesses e realimentando círculo vicioso. A compreensão de como a política monetária vem sendo operada no Brasil é muito importante, pois a taxa básica de juros possui grande influência sobre os juros cobrados nos empréstimos dos bancos, que por sua vez está relacionado com o spread bancário e com o preço do crédito. Como apontam Oreiro et al. (2006); Leal e Paula (2011); Manhiça e Jorge (2012); Afonso Köhler e Freitas (2009) e Aali-Bujari, Venegas-Martínez e Pérez-Lechuga (2017), o nível da taxa básica de juros possui grande relevância na determinação dos spreads bancários, e desta forma, políticas de redução dos juros são essenciais para combater esse problema que se constitui em um entrave ao aumento do crédito. Gráfico 1 - Variação mensal da selic e spread médio das operações de crédito Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Sistema Gerenciador de Séries Temporais do BCB. O spread bancário se constitui como a diferença em pontos percentuais entre a taxa de aplicação e a taxa de captação do sistema financeiro, sendo a primeira basicamente a taxa cobrada pelos bancos para operações de empréstimos e financiamentos e a taxa de captação 0 5 10 15 20 25 m ar /1 1 ag o /1 1 ja n /1 2 ju n /1 2 n o v/ 1 2 ab r/ 1 3 se t/ 1 3 fe v/ 1 4 ju l/ 1 4 d e z/ 1 4 m ai /1 5 o u t/ 1 5 m ar /1 6 ag o /1 6 ja n /1 7 ju n /1 7 n o v/ 1 7 ab r/ 1 8 se t/ 1 8 fe v/ 1 9 ju l/ 1 9 d e z/ 1 9 m ai /2 0 o u t/ 2 0 m ar /2 1 ag o /2 1 ja n /2 2 Selic acumulada no mês anualizada base 252 - % a.a. Spread médio das operações de crédito - Total - p.p. 37 sendo a taxa paga pelas instituições que remunera as aplicações financeiras realizadas pelos agentes, como poupança, Certificado de Depósito Bancário (CDB), dentre outros, que se relacionam intimamente com a taxa básica de juros. Neste sentido, qual a importância do spread para a economia? Se o spread é muito alto há um desestímulo a tomada de empréstimos que poderiam ser utilizados para a criação de investimentos produtivos, pois com o custo do crédito muito elevado há uma necessidade de que o projeto tenha níveis de rentabilidade ainda mais altos para que se torne viável e faça frente ao empréstimo tomado. Por outro lado, um spread pequeno demonstra um melhor ajuste do mercado de crédito, que acaba conseguindo ofertar crédito no mercado com menores custos ou com menos distorções, ampliando a oferta de crédito com preços mais acessíveis e consequentemente estimula a criação e expansão de atividades produtivas, gerando um efeito positivo na economia, conforme foi visto na seção anterior com os escritos de Keynes (1996) e Schumpeter (1997) sobre a importância do crédito. Na mensuração do spread bancário existem duas principais abordagens, o spread ex- ante e o ex-post. Em linhas gerais, na primeira o cálculo do spread ex-ante é feito com base na diferença entre as taxas de empréstimos previstas nos contratos e as taxas de captação previstas em contratos bancários, mas que não foram necessariamente executadas. Então essa abordagem traz uma versão do cálculo do spread que é afetada pelas expectativas dos agentes financeiros e consequentemente possui maior influência de fatores macroeconômicos como o risco de crédito, incertezas, desemprego, Selic, PIB dentre outros. Por outro lado, a abordagem ex-post leva em consideração as operações de crédito e captação já executadas pelas entidades financeiras, e assim acaba por ser mais estável quanto às variáveis macroeconômicas e mais sensível às questões microeconômicas dos bancos como custos administrativos, impostos, receitas, lucros e afins (DEMIRGÜÇ-KUNT E HUIZINGA, 1999). Para esta pesquisa serão utilizados dados do BCB, principalmente as séries temporais “20786 - Spread médio das operações de crédito com recursos livres - Total” que contém os dados mensais do spread médio entre março de 2011 e dezembro de 2019. Esses dados desconsideram o crédito direcionado, que para alguns autores é um dos componentes que impacta positivamente no tamanho do spread bancário brasileiro (OREIRO et al., 2006, p. 610) Estes dados do spread bancário fornecidos pelo BCB possuem uma característica ex- ante devido a forma como os dados sobre a taxa média de juros são coletadas. Segundo os metadados da série “20786 - Spread médio das operações de crédito com recursos livres - Total” 38 que constam no Sistema Gerenciador de Séries Temporais4 do site do BCB, as informações utilizadas para o cálculo do spread são “[d]iferença entre a taxa média de juros das novas operações de crédito livre contratadas no período de referência e o custo de captação referencial médio” (BCB, 2018, grifo nosso). Sendo assim, os dados coletados pelo BCB para o cálculo do spread médio no Brasil são referentes apenas a taxa de juros média contratada, e não a taxa efetiva que foi paga pelo tomador. De acordo com Demirgüç-Kunt e Huizinga (1999, p. 380), a diferença prática entre o spread ex-ante e o ex-post é a inadimplência do empréstimo. Mesmo que estudos como o de Demirgüç-Kunt e Huizinga (1999), Almeida e Divino (2013)5 e Neto e Cia (2017)6 apontem que o spread ex-post apresente maior estabilidade devido aos dados serem referentes as transações efetivamente realizadas e quitadas, os dados oficiais de spread do BCB são essencialmente ex-ante. Um dos trabalhos mais importantes sobre a determinação dos determinantes do spread bancário é o de Ho e Saunders (1981), que partem de uma concepção teórica que considera os bancos comerciais como dealers que demandam um tipo de depósito e ofertam um tipo de empréstimo. Apesar do trabalho de Ho e Saunders (1981) se assentar na ideia de bancos como meros intermediários, sua pesquisa possui relevância histórica, pois conforme Manhiça e Jorge (2012) essa foi a primeira pesquisa empírica a avaliar econometricamente a relação entre spread e taxas de juros de mercado, que influenciou diversos trabalhados sobre spread das últimas décadas. Ho e Saunders (1981) elaboram um modelo com estrutura de dados em cross-section de bancos comerciais dos EUA para tentar captar o spread puro e os fatores que o determinam. Como resultado, identificaram quatro fatores que explicavam as diferenças entre as taxas bancárias de captação e de aplicação: o grau de aversão ao risco gerencial; o tamanho das transações realizadas pelo banco; estrutura do mercado bancário; e a variação das taxas de juros. Além disso, os autores também modelaram os determinantes do spread bancário discriminando o tamanho do banco pelo tamanho dos ativos, o que resultou na caracterização de que bancos menores tinham um spread maior do que os grandes bancos, e isso poderia ser explicado por fatores de estrutura do mercado bancário. Para mais, mostraram que o spread também sofre grande influência dos fatores macroeconômicos como produto, desemprego, taxa 4 Ver: https://www3.bcb.gov.br/sgspub 5 Ver: Determinantes do spread bancário ex-post no brasil: uma análise de fatores micro e macroeconômicos (ALMEIDA E DIVINO, 2013). 6 Ver: Spread Bancário: Uma Comparação entre Números Publicados Ex-ante e Calculados Ex-post nos Anos 2.000 a 2.015 (NETO E CIA, 2017). https://www3.bcb.gov.br/sgspub 39 de câmbio, bem como com a própria taxa de juros, já que são variáveis que se relacionam com os riscos envolvidos na atividade de empréstimos. Um estudo mais recente de Dantas, Medeiros e Paulo (2011), que relaciona concentração bancária e rentabilidade no setor bancário, também aponta não haver relação de causalidade entre essas variáveis, tanto do ponto de vista dos ativos totais, operações de crédito e depósitos bancários. Contudo, os autores ressaltam que não consideram o conceito de conglomerados financeiros e que os resultados da pesquisa não necessariamente podem ser utilizados para se inferir que, maior concentração não afeta spread. Um outro estudo, feito por Bignotto e Rodrigures (2005), lançam mão do Método dos Momentos Generalizados (GMM), com base no modelo teórico de Ho e Saunders (1981), para investigar principalmente a relação do spread com a estrutura de mercado, custos administrativos e com os riscos de crédito e de juros. O estudo mostrou que os custos administrativos e os riscos de crédito e juros afetam positivamente o spread, enquanto a variável de estrutura de mercado (market-share) do setor bancário apresentou coeficiente negativo, o que é contraintuitivo, mas poderia ser explicado pelo efeito de ganhos de escala pelos grandes bancos. Do ponto de vista macroeconômico, a variável Selic também se mostrou ter grande importância na definição do spread. Um estudo realizado por Oreiro et al. (2006) também aponta que variáveis macroeconômicas como a taxa básica de juros e o crescimento do produto, além de fatores de incerteza e instabilidade econômica, são primordiais na determinação do spread bancário. Sendo assim, levando em conta que a economia do país é bastante vulnerável a choques e frequentemente ocorrem situações de instabilidade, e que, sob o Regime de Metas de Inflação brasileiro, mudanças na taxa de juros é uma resposta recorrente às instabilidades, isso faz com que os fatores macroeconômicos se tornem peças-chave para explicar o spread observado no Brasil (p. 610). No estudo, Oreiro et al. (2006) aplica um modelo VAR para verificar os determinantes macroeconômicos do spread no Brasil no período de 1995 a 2003. Para isso, são utilizadas as variáveis de produção industrial, taxa de inflação, volatilidade da taxa de juros (efeito risco), nível da taxa de juros (efeito da taxa média de juros) e compulsório (variável exógena). Como resposta ao modelo, obteve-se que o spread é positivamente afetado pela volatilidade e pelo nível da taxa de juros. Ademais, observou-se que o spread aumenta em decorrência de um choque no produto industrial, enquanto a inflação não se mostrou ser uma variável significativa (OREIRO et al., 2006, p. 629-630). 40 A partir dos resultados obtidos, Oreiro et al. (2006) pôde inferir sobre três principais aspectos que determinam o spread bancário no país: primeiro, a volatilidade da taxa de juros brasileira, que eleva o risco de juros enfrentado pelos bancos e aumenta o grau de aversão ao risco; segundo, o nível de juros, que serve tanto como piso para as taxas de empréstimo quanto como “custo de oportunidade” para os empréstimos, devido à indexação da Selic com parte da dívida pública e; terceiro, a produção industrial, que reflete a prevalência do efeito de poder de mercado sobre o efeito da inadimplência, já que uma maior demanda por crédito resultou em maiores taxas de empréstimos (OREIRO et al., 2006, p. 631). Por fim, os autores sugerem que a adoção de políticas macroeconômicas, que proporcionem um crescimento econômico sustentável e financeiramente estável, podem se mostrar mais eficientes para a redução dos spreads do que simplesmente praticar medidas de natureza microeconômica. Outro estudo que visou identificar os principais fatores que determinam o spread bancário no Brasil, principalmente o impacto da taxa de juros, foi o de Manhiça e Jorge (2012). Os autores utilizaram o método de Dados em Painel (system-GMM) com dados de 140 bancos em periodicidade trimestral, abrangendo os anos de 2000 a 2010, subdivididos em três períodos correspondentes aos mandatos presidenciais, os quais são 2000-2002, 2003-2006 e 2007-2010. Manhiça e Jorge (2010) dividiram os determinantes em três grupos: (i) estrutura de mercado (market-share e número de agências); (ii) fatores microeconômicos — como custos e alavancagem e; (iii) fatores macroeconômicos que estão relacionados com risco de crédito e risco de juros. A despeito da estrutura de mercado, a variável market-share não se mostrou estatisticamente significativa e a variável número de agências se mostrou inconclusiva. Quanto às variáveis de aspecto microeconômico, o custo operacional se mostrou como a mais significativa ao afetar positivamente o spread, enquanto a variável de fontes de recursos que pagam juros (poupança e depósitos), afetou negativamente o spread a 10% de significância. O patrimônio líquido dos bancos se mostrou significante nos dois últimos períodos (2003–2006 e 2007-2010), corroborando a hipótese de que um melhor desempenho dos bancos possibilita menores spreads. As variáveis de receita de serviços, alavancagem e grau de liquidez não se mostraram muito relevantes (MANHIÇA E JORGE, 2012, p. 33-34). Tratando das variáveis macroeconômicas, os autores identificaram que o desemprego, utilizado como proxy para risco de crédito, teve impacto positivo no spread, já que denota uma elevação do prêmio de risco quando há uma expectativa de maior inadimplência. A inflação apresentou impacto positivo apenas no primeiro e terceiro períodos, indicando que o aumento do nível de preços corrói o ganho real e eleva os juros. O nível dos juros se mostrou significante 41 a 1% em todo o período de análise, corroborando a hipótese dos autores de que a indexação de parte da dívida pública à taxa de juros, a qual é habitualmente mantida elevada para conter a inflação, eleva o custo de oportunidade dos bancos devido à alta remuneração e liquidez dos títulos da dívida pública. Sendo assim, a redução da taxa de juros brasileira é uma condição à redução do spread no país (MANHIÇA E JORGE, 2012, p. 36-40). Olhando para os dados do spread médio das operações de crédito com recursos livres do Brasil, em comparação com variáveis macroeconômicas como a média mensal de juros livres para crédito não rotativo e a taxa mensal de inadimplência de empréstimos realizados com recursos livres (proxy para risco de crédito), no período compreendido entre março de 2011 até julho de 2021, pode-se observar que o spread possui uma variação muito semelhante à variação da média mensal de juros, bem como a variação da inadimplência, porém a relação com esta última fica mais evidente a partir de 2014, como mostra o Gráfico 2. Gráfico 2 - Variações mensais do Spread, Juros e Inadimplência para crédito livre não rotativo no Brasil de 2011 a 2021 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Sistema Gerenciador de Séries Temporais do BCB. Há outros fatores que também podem ajudar a explicar os altos spreads bancários da economia brasileira, como a estrutura do mercado bancário, medida pelo nível de concentração e competição, e as medidas macroprudenciais adotadas a partir do acordo de Basileia III que visam evitar o risco sistêmico, como ocorreu na crise financeira de 2008, através de medidas 17.30 18.00 14.70 16.30 17.50 21.10 23.50 22.00 21.80 19.00 16.30 2.17 2.06 1.75 2.09 2.22 2.51 2.42 2.21 2.17 1.88 1.74 4.41 5.32 5.12 4.39 4.38 5.51 5.71 4.77 3.88 3.87 2.94 1 25 mar/11 mar/12 mar/13 mar/14 mar/15 mar/16 mar/17 mar/18 mar/19 mar/20 mar/21 Spread médio Créd livre não Rotativo média mensal de juros livres - % a.m. Inadimplência recursos livres - % 42 que aumentem a qualidade do capital dos bancos e criem melhores condições absorver as perdas por meio de aumento da liquidez dos ativos bancários. Com relação à concentração bancária, diversos estudos contribuíram para a literatura econômica visando auferir os impactos do nível de concentração sobre as taxas de empréstimo cobradas pelos bancos. Teoricamente, a concentração pode afetar os spreads tanto positivamente, quando um maior poder de mercado exercido por um ou um grupo de bancos faz com que eles consigam elevar suas taxas de juros sobre empréstimos para aumentar a lucratividade, quanto negativamente, já que maiores bancos podem obter ganhos de escala, fazendo com que os custos do empréstimo sejam menores e, consequentemente, possibilitando a cobrança de menores taxas. Estudos como de Tonooka e Koyama (2003), Dantas, Medeiros e Paulo (2011) e Manhiça e Jorge (2012) mostraram que a estrutura do mercado bancário brasileiro não se mostrou uma variável importante para explicar o spread, seja a partir das taxas cobradas ou pela rentabilidade dos bancos. Por outro lado, estudos como Leal e Paula (2011), Almeida e Divino (2015) e Joaquim et al. (2019) mostraram que variações positivas no nível de concentração do mercado bancário impactam positivamente nas taxas de juros de empréstimo cobradas pelos bancos como também afetam negativamente a quantidade de crédito disponibilizada. Olhando para as medidas macroprudenciais, que foram sendo adotadas desde 2013 pelo Banco Central do Brasil, a partir das regras do acordo de Basileia III — que visam aumentar a solidez do Sistema Financeiro Nacional por meio da exigência de capitais de melhor qualidade dos bancos, melhoria da gestão de liquidez dos ativos bancários e re