ASPECTOS TAXONÔMICOS, ALIMENTAÇÃO E REPRODUÇÃO DA RAIA DE ÁGUA DOCE Potamotrygon orbignyi (CASTELNAU) (ELASMOBRANCHII:POTAMOTRYGONIDAE) NO RIO PARANÃ-TOCANTINS GETULIO RINCON FILHO Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Zoologia). Rio Claro Estado de São Paulo-Brasil Março de 2006 ASPECTOS TAXONÔMICOS, ALIMENTAÇÃO E REPRODUÇÃO DA RAIA DE ÁGUA DOCE Potamotrygon orbignyi (CASTELNAU) (ELASMOBRANCHII:POTAMOTRYGONIDAE) NO RIO PARANÃ-TOCANTINS GETULIO RINCON FILHO Orientador: Prof. Dr. MIGUEL PETRERE JR. Tese apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Campus de Rio Claro, para a obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Área de Concentração: Zoologia). Rio Claro Estado de São Paulo-Brasil Março de 2006 Agradecimentos Agradeço aos meus pais, Getulio e Regina, pelo apoio, carinho e amor e aos meus irmãos e irmãs, Regina, Lara, Rafael, Daniel, Estevão e Pepê. À Claudia, por seu amor, carinho, paciência, força e por tudo mais. Sem você eu nunca chegaria a esse ponto da minha vida. À minha família de coração, Dona Socorro, Seu Hugo, Huguinho e Paulo, pelo apoio e carinho. Ao meu orientador Prof. Dr. Miguel Petrere, pelo apoio, amizade, ensinamentos, puxões de orelha e por me mostrar o caminho para me tornar um melhor pesquisador e ser humano. Aos membros da banca examinadora: Dr. Teodoro Vaske Jr., Dr. Otto B. F. Gadig, Dr. Roberto Goitein e Dr. Paulo Emílio Vanzolini. Muito obrigado por seus comentários e ajuda para o aprimoramento da tese. Aos colegas de pós-graduação, ou não, que me apoiaram durante estes anos: Janice, Marcelo, Kotas, Serguei, Saul, Lúcia, Jerry, Agostinho, Alonso, Yzel, Henrique, Letizia, Tuca, Cinthia, Leandro, Rafael, Fábio, Sidney, Isabela, Simone, Valéria, Silvia, Dona Maria, Beraldo, Denise e Andrea. Aos amigos que não mediram informações e troca de experiências em conversas infindáveis sobre as raias de água doce, Patricia Charvet-Almeida, Mauricio Almeida, Lúcia Araújo e Ricardo Rosa. Em especial agradeço à Patricia e Maurício por sempre me receberem com carinho em Belém e pela saída de campo na baía de Marajó em 2000. Aos meus alunos de graduação do UniCEUB Ana, Francisco e Rodrigo, muito obrigado pela convivência com vocês e pela ajuda nas análises dos animais e na morfometria. Ao amigo Matthias Stehmann, pela ajuda na saída de campo, sugestões, idéias, bibliografia, divulgação e inúmeras xícaras de chá tomadas na varanda. Ao Prof. Dr. Hugo P. Castello, muito obrigado pela ajuda e atenção em enviar as últimas separatas originais de seus trabalhos com raias de água doce na década de 70. À Sharon Thorson, obrigado por enviar informações e livros de seu pai, Dr. Thomas Thorson, sobre o seu trabalho com raias de água doce na América do Sul. Ao meu irmão Pedro Paulo, Pepê, pela ajuda nas saídas de campo, noites mal dormidas nas margens dos rios e por estar comigo no acidente de carro durante a última saída de campo numa estrada de terra no meio do Tocantins. Muito obrigado. Aos ladrões que roubaram meu computador e todos os meus cd’s de arquivos e programas, agradeço por não terem levado meus cd’s de backup. A Deus, por não ter deixado os ladrões levarem os cd’s de backup, escondendo-os debaixo de uma única folha de papel sobre a mesa. À Profa. Dra. Elineide E. Marques da Universidade Federal do Tocantins, que compartilhou informações não publicadas sobre as raias de água doce do médio Tocantins. À Profa. Dra. Maria Julia Martins Silva da Universidade de Brasília, pelo apoio na identificação de invertebrados bentônicos, principalmente os moluscos, encontrados na alimentação das raias de água doce. À CAPES, pela bolsa de doutorado. À Tatiana Walter, pela amizade, ajuda e apoio. Brigadão Tati! Ao Chicago Zoological Society, pelo financiamento do projeto de Conservação das Raias de Água Doce do Rio Tocantins e que forneceu a oportunidade de colher maiores informações sobre a gestação e comportamento em cativeiro destes animais. Ao Monterey Bay Aquarium pelo apoio financeiro e material logístico de campo, em especial à Dra. Ava Ferguson. Ao IBAMA, pelo fornecimento das licenças de pesca, transporte e exposição de raias. Ao Ray Troll, pelo apoio e ajuda nos projetos com as raias de água doce ao ceder uma de suas obras para ilustrar os folders. À ACEPOPA, pelo financiamento parcial do Programa de Monitoramento da Pesca Ornamental de Raias de Água Doce, que ofereceu oportunidade de coleta de material comparativo, estudo da dinâmica da pesca ornamental e infra-estrutura para futuras coletas. Ao UniCEUB, principalmente nas pessoas das Dra.’s Magda Carvalho Branco, coordenadora do Labocien e Marta Rodrigues, coordenadora do curso de Biologia, pela amizade, uso dos laboratórios e apoio logístico. À IUCN Sharks Specialist Group-SSG, principalmente Sarah Fowler e Rachel Cavanagh, que apoiaram a pesquisa e sempre abriram espaço para a sua divulgação no boletim Shark News. À Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios-SBEEL, principalmente na pessoa de sua ex-presidenta, Dra. Rosangela Lessa, que apoiou institucionalmente o projeto de conservação e acompanha o monitoramento da pesca ornamental. Ao Museu Paraense Emilio Goeldi-MPEG, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA e Universidade Federal da Paraíba-UFPB (em especial ao Prof. Dr. Ricardo Rosa) por permitirem a análise de suas coleções de raias de água doce. A Deus, muito obrigado. ÍNDICE Página RESUMO...........................................................................................................................i ABSTRACT.....................................................................................................................iii INTRODUÇÃO GERAL..................................................................................................1 CAPÍTULO I – AS RAIAS DE ÁGUA DOCE DO RIO PARANÃ, ALTO TOCANTINS. ASPECTOS TAXONÔMICOS E DISTRIBUIÇÃO DE Potamotrygon orbignyi (CASTELNAU, 1855)...............................................................5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................5 MATERIAL E MÉTODOS...............................................................................................7 RESULTADOS...............................................................................................................11 As Espécies......................................................................................................................11 Potamotrygon orbignyi....................................................................................................11 Potamotrygon sp. A…………………….........................................................................26 Paratrygon aiereba..........................................................................................................31 Identificação....................................................................................................................36 Distribuição de Potamotrygon orbignyi no rio Paranã....................................................38 Variabilidade do Colorido em Potamotrygon na Bacia Tocantins-Araguaia..................42 DISCUSSÃO...................................................................................................................45 LITERATURA CITADA................................................................................................53 Anexo 1............................................................................................................................60 CAPÍTULO II – ALIMENTAÇÃO DA RAIA DE ÁGUA DOCE Potamotrygon orbignyi NO RIO PARANÃ, ALTO TOCANTINS....................................................62 INTRODUÇÃO...............................................................................................................62 MATERIAL E MÉTODOS.............................................................................................64 RESULTADOS...............................................................................................................69 Morfologia do Sistema Digestório..................................................................................69 A Captura.........................................................................................................................72 Dieta e Hábitos Alimentares............................................................................................73 Grau de Repleção e Digestão...........................................................................................79 Nível Trófico...................................................................................................................83 DISCUSSÃO...................................................................................................................86 LITERATURA CITADA................................................................................................93 CAPÍTULO III – REPRODUÇÃO DE Potamotrygon orbignyi NO RIO PARANÃ, ALTO TOCANTINS...................................................................................................101 INTRODUÇÃO.............................................................................................................101 MATERIAL E MÉTODOS...........................................................................................103 RESULTADOS.............................................................................................................105 Tamanho de Maturação.................................................................................................105 O Sistema Reprodutor...................................................................................................109 Fecundidade Ovariana e Uterina...................................................................................114 Índice Hepatossomático.................................................................................................116 Ciclo Reprodutivo..........................................................................................................117 Idade de Maturação.......................................................................................................118 DISCUSSÃO.................................................................................................................119 LITERATURA CITADA..............................................................................................124 CONCLUSÃO GERAL................................................................................................129 i RESUMO A raia de água doce Potamotrygon orbignyi do rio Paranã, alto Tocantins, foi analisada quanto a aspectos de sua taxonomia, identificação, alimentação e reprodução. Duas espécies de raias de água doce do gênero Potamotrygon, P. orbignyi e Potamotrygon sp. A (uma espécie ainda não descrita), e Paratrygon aiereba ocorreram nas capturas no rio Paranã. P. orbignyi é identificada principalmente com base na sua morfologia e fórmula dentária, colorido dorsal do disco, uma única fileira de espinhos caudais e presença de sulco labial. Uma chave de identificação para as espécies do rio Tocantins é proposta com base em caracteres externos. P. orbignyi e P. aiereba possuem ampla distribuição na bacia Tocantins-Araguaia e são reportadas desde o médio Araguaia até o alto Tocantins. O principal item alimentar de P. orbignyi foi ninfas de Ephemeroptera (87,5% - IRI%), seguido por larvas de Diptera (10,6%) e Trichoptera (1,6%). Não foram observadas diferenças significativas quali e quantitativamente na alimentação entre as estações da seca e chuvas, entre machos e fêmeas, ou entre o dia e a noite. Contudo, exemplares imaturos e adultos apresentaram diferença significativa, onde os jovens (até 180 mm LD) se alimentam principalmente de larvas de Diptera, enquanto que os adultos de ninfas de Ephemeroptera. As raias Potamotrygonidae apresentaram um nível trófico intermediário (NT = 3,76), predominantemente como consumidores secundários (NT<4). O nível trófico apresentou correlação positiva significativa com a LD máxima. A maturidade sexual (LD50) ocorreu aos 251 mm LD nos machos e 260 mm LD nas fêmeas. A fecundidade uterina foi de um filhote por gestação e o parto da maior parte da população adulta ocorreu nas chuvas, entre setembro e fevereiro. Os filhotes nascem com aproximadamente 115 mm LD e pesos totais em torno dos 60 gramas, o que ii corresponde a um ganho de peso de 1605% em relação ao peso do ovo (3,8 g). A variabilidade do índice hepatossomático ao longo do ano evidenciou uma queda nas reservas hepáticas na estação da seca e acúmulo destas reservas durante as chuvas. Com base na leitura de anéis etários em vértebras e a sua relação com o tamanho estimado de maturidade sexual, a idade de maturação foi estimada em 5 anos e a longevidade máxima de 10 anos em P. orbignyi. iii ABSTRACT The smooth back river stingray Potamotrygon orbignyi of the Paranã river, upper Tocantins river, was studied in relation to its taxonomy, identification, feeding and reproduction aspects. Two Potamotrygon species, P. orbignyi and Potamotrygon sp. A (undescribed species), and Paratrygon aiereba were also captured in the Paranã river. P. orbignyi was identified based on the morphology of the tooth and its formula, dorsal color pattern, one single row of spines on the tail and the presence of a labial fold. It is proposed a key to the species of freshwater stingrays of the Tocantins river based mainly on external characters. P. orbignyi and P. aiereba presented a broad distribution in the Tocantins-Araguaia basin and records from the middle Araguaia to the upper Tocantins river. Nymphs of Ephemeroptera (87,5% - IRI%) were the most important feeding content of P. orbignyi, followed by Diptera (10,6%) and Trichoptera larvae (1,6%). Comparisons between rainy and dry seasons, males and females, or day and night periods have showed no evidence of difference in the specific composition or amount of food ingested. However, immature specimens (especially those smaller than 180 mm disc width-DW) feed mainly on Diptera larvae, while adults feed on nymphs of Ephemeroptera. The freshwater stingrays of the family Potamotrygonidae are in intermediate trophic position (NT = 3,76) and they are largely second level consumers (NT<4). Their disc width and trophic level presented a positive and highly significative correlation. The sexual maturity (DW50) was estimated to occur in 251 mm DW for males and 260 mm DW for females. The uterine fecundity per gestation was just one embryo and the parturition occurred along the rainy season for most of the reproductive population (September to February). The neonates are estimated to have 115 mm DW iv and 60 grams of total weight, which corresponds to a weight increase of 1605% in relation to the initial ova weight (3,8 g). The hepatosomatic index variation along the year indicates a lower hepatic reserve condition in the dry season and higher reserve hepatic condition in the rainy season. Based on readings of vertebral rings, the sexual maturity was estimated to occur at the age of 5 with a maximum longevity of 10 years. 1 Introdução Geral As raias de água doce Neotropicais pertencem à família Potamotrygonidae GARMAN e estão restritas a três gêneros reconhecidos, Potamotrygon, Paratrygon e Plesiotrygon. Dentre as características em comum que determinam a inabilidade destas raias em viver em ambiente marinho estão a redução da glândula retal e as baixas concentrações de uréia no sangue (THORSON et al., 1983). A presença de um processo pré-pélvico longo que se estende anteriormente até quase atingir a cintura peitoral também é uma sinapomorfia deste grupo (THORSON et al., 1983, ROSA, 1985; CARVALHO et al., 2003). Os gêneros Paratrygon e Plesiotrygon são monotípicos, enquanto que Potamotrygon apresenta um número maior de espécies, podendo variar segundo os autores de 16 (+3 a +6, segundo levantamento deste autor) a 18 (+2) (ROSA, 1985; CARVALHO et al., 2003). Embora as raias de água doce apresentem um longo registro histórico científico datando do período colonial (q. v. CASTEX, 1963) e tenham sido tema de pesquisas desenvolvidas entre as décadas de 60 e 70 (CASTEX, 1964, 1969; CASTEX et al., 1963; CASTELLO, 1975; ACHENBACH & ACHENBACH, 1976), observa-se nestes trabalhos uma análise pontual, baseada em poucos exemplares e sem preocupação com o policromatismo expresso pelo grupo, o que gerou posteriormente um certo grau de confusão. As principais questões taxonômicas da família Potamotrygonidae começaram a ser elucidadas com a revisão de ROSA (1985a) e seus trabalhos subseqüentes (ROSA, 1985b, 1990; ROSA et al., 1987). Estudos filogenéticos procurando esclarecer a relação das raias de água doce com as demais Myliobatiformes, e a sua possível origem no Pacífico ou no Atlântico tomaram impulso na mesma época ou quase que 2 imediatamente após os primeiros resultados de ROSA (1985a, 1985b) e evidenciaram a necessidade de uma melhor amostragem taxonômica e a escolha de caracteres consistentes e com maior poder de inferência filogenética (BROOKS et al., 1981; NISHIDA, 1990; LOVEJOY, 1996; LOVEJOY, 1997; LOVEJOY et al., 1998; McEACHRAN et al., 1996; MARQUES, 2000; McEACHRAN & ASCHLIMAN, 2004; CARVALHO et al., 2004; GONZÁLEZ-ISÁIS & DOMINGUEZ, 2004). De forma geral, estes estudos reiteram a monofilia da família Potamotrygonidae, e que o evento invasivo no continente sul-americano ocorreu por um ancestral comum entre o Eoceno e o Mioceno (54-5 milhões de anos atrás) (para maiores detalhes veja CARVALHO et al., 2004). Contudo, o gênero Potamotrygon, o mais diverso da família com aproximadamente 16-18 espécies, apresenta discordância quanto à sua suposta origem comum (MARQUES, 2000) e ainda necessita melhor resolução filogenética. Apesar do desenvolvimento recente dos estudos taxonômicos e filogenéticos do grupo das raias de água doce, a biologia básica, ecologia e dinâmica populacional destes animais ainda continuavam em sério descompasso com o desenvolvimento da taxonomia. THORSON et al. (1983) foram os primeiros a descrever aspectos da reprodução de P. motoro baseados em exemplares em cativeiro, ultrapassando o limite da observação casual de poucos exemplares. Publicações sobre a biologia reprodutiva ou alimentação continuaram durante os anos seguintes com P. magdalenae (TESHIMA & TAKESHITA, 1992), P. orbignyi e Paratrygon aiereba (LASSO et al., 1996), Potamotrygon sp. do rio Negro (ARAÚJO, 1998), Plesiotrygon iwamae (CHARVET- ALMEIDA, 2001) e P. scobina (ALMEIDA, 2003) e com uma recente revisão sobre aspectos da reprodução de cinco espécies, P. orbignyi, P. scobina, P. schroederi, P. 3 motoro, Potamotrygon sp. (raia cururu do rio Negro), P. aiereba e P. iwamae (CHARVET-ALMEIDA et. al., 2005). A raia de água doce Potamotrygon orbignyi apresenta ampla distribuição nas bacias Amazônica e do Orinoco e em rios do Suriname e Guianas (CARVALHO et al., 2003). LASSO et al., (1996) descreveram aspectos gerais da alimentação desta espécie nos “llanos” Venezuelanos e identificaram esta espécie como predominantemente insetívora, podendo se alimentar também de crustáceos. Estes autores relatam ainda baixa fecundidade uterina e apontam evidências de atividade reprodutiva constante, com maior incidência de partos ocorrendo na estação das chuvas. BRAGANÇA et al., (2004) corroboram com a identificação de P. orbignyi como uma espécie insetívora e CHARVET-ALMEIDA et al., (2005) apontam diferenças nos parâmetros reprodutivos (fecundidade e tamanho de maturidade) desta espécie em exemplares capturados na baía de Marajó. Embora tenha sido descrita para a bacia do Tocantins-Araguaia (CASTELNAU, 1855), P. orbignyi não possui estudos quanto à sua taxonomia ou variabilidade policromática, distribuição, alimentação e reprodução nesta bacia. A lacuna de informações sobre as raias de água doce favorece um comportamento corriqueiro por parte dos ictiólogos ao ignorar este grupo de animais e leva a engano nas identificações em trabalhos bem intencionados e pioneiros realizados com as raias da bacia Tocantins-Araguaia (PANTANO-NETO, 2001 possivelmente em parte do material identificado). Historicamente as raias de água doce não são consumidas pelas comunidades da bacia do Tocantins-Araguaia, salvo por eventual uso medicinal do fígado e ferrão, que são tidos como eficientes no tratamento de diversas enfermidades como asma, alergia, dor de cabeça e outros. Contudo, recentemente uma pesca ornamental destas raias se 4 desenvolveu em certos pontos do baixo rio Tocantins, no Estado do Pará, e ao menos duas espécies estão sendo capturadas para a comercialização no mercado internacional (P. henlei e P. orbignyi). Desde de 2003, duas Portarias do IBAMA (Portaria No 36 de 25 de junho de 2003 e Portaria No 27 de 31 de agosto de 2005) autorizaram a pesca e comercialização de raias de água doce e até o momento 2600 exemplares de P. henlei e 4600 exemplares de P. orbignyi foram capturados, de acordo com os números limites estabelecidos pela portaria 36 e 27. O comércio destas duas espécies de raias equivale a um montante aproximado entre US$88.000 a US$160.000, dependendo do mercado final e do padrão de colorido da raia, e justifica a preocupação com a manutenção destes estoques no baixo Tocantins, tendo em vista que a tendência atual é de expansão desta pescaria, tanto pelo aumento das quotas de captura quanto pela busca de novos padrões de colorido em outras regiões. Desta forma, esta tese trata da identificação de P. orbignyi na bacia Tocantins- Araguaia – com especial ênfase nos animais capturados no rio Paranã, alto Tocantins – descrição de sua variabilidade de colorido, distribuição, análise de aspectos taxonômicos, alimentação e reprodução, a fim de fornecer subsídios para uma identificação de população/estoque com base em parâmetros biológicos para um correto manejo frente ao recente crescimento da pesca ornamental ou possíveis impactos ambientais. 5 CAPÍTULO I As Raias de Água Doce do Rio Paranã, Alto Tocantins. Aspectos Taxonômicos e Distribuição de Potamotrygon orbignyi (CASTELNAU, 1855) INTRODUÇÃO Embora as raias de água doce sejam peixes de médio-grande porte (e.g. Potamotrygon brachyura e Paratrygon aiereba, ROSA, 1985), e podendo pesar até 50 quilos, esses animais são geralmente ignorados ou fracamente considerados em avaliações íctio-faunísticas em diversas bacias hidrográficas (SANTOS et al., 1984; GÉRY, 1984; ORTEGA & VARI, 1986; PLANQUETTE, et al., 1996; GALVIS et al., 1997; FERREIRA et al., 1998). Esta indiferença muito se deve à dificuldade de 6 identificação do material coletado, ao grande porte dos animais, o que dificulta sua preservação e transporte para posterior análise e à falta de pesquisadores especialistas na área para identificar corretamente as espécies encontradas. Da mesma forma, e pelos mesmos motivos, não há estudos sistemáticos sobre a diversidade da chondrofauna nos rios da bacia Tocantins-Araguaia (q. v. PAIVA, 1983; SANTOS et al., 1984). Recentemente PANTANO-NETO (2001), em seu estudo de anatomia descritiva funcional associada à alimentação em P. motoro e P. henlei, identificou diversas espécies de raias de água doce para o rio Cristalino, médio Araguaia, incluindo P. castexi, P. leopoldi e P. ocellata. No entanto, P. castexi pertence à bacia do rio Paraná e seus registros na bacia Amazônica são questionados; P. leopoldi é considerada endêmica do rio Xingu e P. ocellata possui registros esporádicos no baixo Amazonas, sua validade taxonômica é duvidosa e não possui registro no rio Tocantins (CASTELLO & YAGOLKOWSKI, 1969; CASTEX & CASTELLO, 1970; ROSA, 1985; CARVALHO et al., 2003). Estas identificações equivocadas evidenciam a notória fragilidade de qualquer estudo biológico ou medida de manejo sem a identificação e a descrição das espécies envolvidas. Estudos recentes indicam que uma abordagem a partir de uma escala microrregional pode ser o melhor caminho para uma correta estimativa da riqueza de raias de água doce nas bacias hidrográficas onde ocorrem (ARAÚJO, 1998; CHARVET-ALMEIDA, 2001 e ALMEIDA, 2003). O policromatismo intra-específico, a dificuldade de identificação correta, amostras pequenas e sem boa representatividade e a possibilidade de endemismos nas cabeceiras dos rios (ROSA, 1985) dificultam os estudos biogeográficos e sistemáticos destes animais (NISHIDA, 1990; LOVEJOY, 1996; MARQUES, 2000). Somente com levantamentos faunísticos regionais a 7 verdadeira riqueza biológica poderá ser estimada, promovendo o desenvolvimento de estudos sistemáticos envolvendo todas as espécies do grupo, corrigindo a validade dos caracteres morfológicos e estimando sua variabilidade intra-específica, e conseqüentemente, fornecendo maior poder de inferência filogenética às análises (HILLIS, 1996). Desta forma, este trabalho trata da identificação das raias de água doce do rio Paranã, afluente do alto Tocantins e de sua distribuição na bacia Tocantins-Araguaia com base em amostragens complementares realizadas desde o ano 2000. Esta identificação será apresentada para fins práticos como um guia de campo, onde os animais podem ser identificados sem dissecações para análise de suas estruturas internas. Este tipo de identificação é crucial para o acompanhamento da pesca ornamental, a fim de validar o manejo pesqueiro destes recursos, que atualmente é baseado em quotas específicas de exportação. MATERIAL E MÉTODOS O material analisado consiste de 223 exemplares identificados previamente segundo ROSA (1985) e pelo conjunto das seguintes características: colorido dorsal do disco, colorido ventral da cauda, morfologia dentária, presença de sulco labial e número de fileiras de espinhos na cauda. Todos os exemplares analisados foram coletados no médio rio Paranã, afluente do alto Tocantins, às margens do município de Paranã-TO, próximo à divisa com o Estado de Goiás (Fig. 1), com zagaia (arpão de mão) durante a noite com o uso de facho luminoso, tarrafa e espinhel de fundo com 25 anzóis nos anos de 2002 (janeiro-abril e agosto-dezembro) e 2003 (janeiro e agosto-setembro) e no alto 8 Paranã nas proximidades do município de Formosa-GO, distante 48 km do Distrito Federal. Figura 1. Identificação da área de coleta no rio Paranã às margens do município de Paranã-TO e a distribuição da captura ao longo da área de coleta. Pontos pretos referem- se a exemplares de P. orbignyi com cauda e os vermelhos aos exemplares sem cauda. Os exemplares coletados foram ainda comparados a espécimes adicionais depositados em museus e instituições de pesquisa (Museu Paraense Emílio Goeldi- MPEG, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA e Universidade Federal da Paraíba-UFPB). A distribuição geográfica destas espécies ao longo da bacia Tocantins- Araguaia foi inferida a partir de registros de captura dos animais depositados em coleções e de cruzeiros adicionais efetuados no médio Araguaia (Município de Aruanã- 9 GO em junho de 2001) e baixo Tocantins (Municípios de Marabá e Tucuruí-PA em julho e agosto de 2000, junho e julho de 2004 e maio de 2005) utilizando a mesma metodologia de pesca descrita para os animais coletados no rio Paranã. Uma listagem dos exemplares analisados e tombados em diferentes instituições encontra-se no Anexo I. A terminologia do colorido segue ROSA (1985) e ALMEIDA (2003). O colorido das espécies de Potamotrygon ocorrentes na bacia Tocantins- Araguaia foi considerado para a inferência do padrão de colorido primitivo de Potamotrygon para esta bacia hidrográfica. A análise do colorido para as espécies do rio Tocantins segue a hipótese filogenética proposta por MARQUES (2000) com base em seqüências genéticas do citocromo-b, que embora não inclua todas as espécies ocorrentes na bacia Tocantins-Araguaia, atualmente é a única hipótese disponível que considera o maior número possível de espécies do rio Tocantins para tal análise. Somente parte do cladograma proposto por este autor, onde as espécies ocorrentes no rio Tocantins estão agrupadas, foi considerada para esta análise (Figura 2.2-B, página 11). Os padrões de colorido considerados foram os observados como predominantes nas capturas no rio Tocantins ou identificados por ROSA (1985) para cada espécie. A morfometria segue ROSA (1985), modificada na inclusão das seguintes medidas: 3-Largura do Disco aos Olhos (máxima largura do disco na linha imediatamente posterior aos olhos); 4-Largura do Disco na Origem das Nadadeiras Pélvicas (máxima largura do disco na linha por sobre a margem anterior das nadadeiras pélvicas) e 22-Comprimento da Abertura Cloacal (comprimento máximo da abertura cloacal). Todas as medidas foram tomadas com paquímetro em milímetros. A morfometria do neurocranium também segue ROSA (1985), modificada com a inclusão das seguintes medidas: 2-Comprimento Pré-Fontanela (comprimento desde a margem 10 anterior do crânio até a margem anterior da fontanela); 4-Largura do Crânio no Processo Pós-Orbital (largura máxima do crânio através dos processos pós-orbitais); 6- Comprimento da Fontanela Anterior (comprimento longitudinal da fontanela anterior); 8-Comprimento da Fontanela Posterior (comprimento longitudinal da fontanela posterior); 9-Altura do Crânio nas Cápsulas Nasais (altura máxima do crânio na região das cápsulas nasais); 10-Altura do Crânio na Cápsula Ótica (altura máxima do crânio na região da cápsula ótica); 11-Largura do Forâmen do Nervo Óptico; 12-Largura do Crânio no Processo Pré-Orbital (largura máxima do crânio através dos processos pré- orbitais). Todas as medidas do neurocranium foram tomadas em centésimos de milímetros com paquímetro digital Starrett. A contagem de dentes e sua descrição foram feitas macroscopicamente ou através de lupa estereoscópica (Nikon) e segue STEHMANN (1977). As contagens foram expressas em fórmulas dentárias onde o numerador representa o número de fileiras de dentes na arcada superior e o denominador representa o número de fileiras de dentes na arcada inferior. A terminologia dentária segue HERMAN et al. (1999), enquanto a terminologia para as estruturas do esqueleto segue COMPAGNO (1999) e NISHIDA (1990) e ROSA (1985) para o clásper. Todos os testes estatísticos foram executados pelos programas STATISTICA 5.5 da STATSOFT e Excel 2002 da Microsoft e consideraram o nível de significância de 5%. 11 RESULTADOS As Espécies Após a identificação preliminar, foram identificadas três espécies para o rio Paranã. Duas espécies, Potamotrygon orbignyi e Paratrygon aiereba, apresentam ampla distribuição na bacia Amazônica. Uma segunda espécie de Potamotrygon também foi encontrada e identificada previamente como Potamotrygon sp. A, tendo em vista que não se encaixa em nenhuma outra espécie já descrita e provavelmente se trata de uma espécie nova. Ainda como resultado das amostragens complementares no baixo Tocantins, na região de Marabá-PA, também foi identificada uma segunda espécie não descrita e muito semelhante a P. henlei. Esta espécie está sendo descrita como parte de uma revisão e redescrição de P. henlei e será denominada neste trabalho de Potamotrygon sp. B. A Tabela 1 apresenta a descrição das três espécies encontradas no rio Paranã em termos percentuais de sua largura de disco (LD). A Tabela 2 apresenta a morfometria dos neurocrania para as espécies P. orbignyi, P. henlei, P. scobina, Potamotrygon sp.A e Potamotrygon sp. B em termos percentuais de seu comprimento. Potamotrygon orbignyi (CASTELNAU, 1855) Sinonímia - q. v. CARVALHO et al. (2003) para uma revisão. Localidade tipo no rio Tocantins sem identificação do ponto de coleta. Holótipo MNHN 2333. Exemplar preservado seco, com somente partes do corpo remanescentes (pele, cauda, olhos, 12 arcadas e nadadeiras pélvicas) (ROSA, 1985; Dr. Bernard Séret1, comunicação pessoal) (Fig. 2). Tabela 1. Descrição das espécies de potamotrygonídeos ocorrentes no rio Paranã. Potamotrygon orbignyi Potamotrygon sp. A Paratrygon aiereba N Min Máx Média Var N Min Máx Média Var N Min Máx Média Var 1 Comprimento Total 64 230 880 433 15152 7 328 770 592 25736 16 501 838 637 10317 2 Largura do Disco 74 147 467 236 3928 8 264 452 364 5937 20 228 540 406 7587 3 Largura do Disco aos Olhos 74 125 400 198 2599 8 234 392 319 3922 20 218 506 375 6064 4 Largura do Disco na Origem das Nadadeiras Pélvicas 73 121 385 200 2875 8 232 386 316 4568 19 187 491 342 5905 5 Comprimento do Disco 74 155 522 256 5103 8 283 489 397 7892 20 249 581 435 7905 6 Comprimento Interno do Disco 74 134 483 223 4085 8 247 439 351 6521 20 219 529 390 6770 7 Comprimento do Olho 74 7 17 11 4 8 10 14 12 2 20 5 8 7 1 8 Comprimento Espiracular 74 10 49 18 28 8 13 30 23 51 20 9 20 14 11 9 Largura Interocular 69 29 96 48 169 8 49 85 68 198 20 28 62 48 106 10 Largura Interespiracular 73 25 76 40 110 8 50 80 66 142 20 27 67 49 115 11 Comprimento Pré-Ocular 74 38 129 61 300 8 71 122 97 445 20 69 168 123 678 12 Largura da Cauda na Base 74 15 66 29 105 8 30 61 47 141 20 12 38 26 39 13 Largura da Cauda no Espinho 65 6 25 13 17 6 15 25 21 14 18 7 17 11 8 14 Altura da Cauda na Base 74 9 43 19 45 8 20 39 31 56 20 9 33 17 32 15 Comprimento do Ferrão 61 34 96 57 221 6 73 98 86 110 12 19 46 30 82 16 Boca Escapulocoracoide 74 44 184 78 571 7 80 139 114 579 20 50 110 82 314 17 Boca Cloaca 72 93 367 163 2650 8 172 309 242 3056 20 121 291 215 1977 18 Boca 1o Fenda Branquial 69 18 71 33 106 7 43 67 55 120 19 19 50 37 72 19 Focinho 1o Fenda Branquial 69 37 156 77 459 7 103 172 135 849 19 93 236 164 1270 20 Cloaca ao Ferrão Caudal 63 63 264 117 1595 6 122 198 166 1041 17 45 134 89 543 21 Comprimento Pré-Cloacal 72 125 451 208 3767 8 231 411 321 5177 20 189 488 344 5647 22 Comprimento da Abertura Cloacal 72 6 30 13 23 8 13 29 22 39 18 13 37 24 43 23 Comprimento Pré-Oral 74 28 89 45 124 8 60 103 79 265 20 70 184 126 815 24 Comprimento Pré-Narial 74 21 65 35 71 8 43 73 58 120 20 66 180 117 744 25 Comprimento do Cesto Branquial (=1o a 5o Fendas Branquiais) 73 25 81 41 144 8 33 58 49 112 20 23 54 40 69 26 Largura do Cesto Branquial (=Largura entre 1o' s Fendas Branquiais) 64 33 119 57 327 6 64 103 82 318 19 48 121 86 367 27 Largura da Boca 73 12 46 23 49 8 26 46 37 54 19 23 53 37 74 28 Comprimento da Narina 74 5 28 13 18 8 12 23 19 19 20 2 7 4 2 29 Largura Internarial 73 12 36 19 25 8 22 33 29 17 20 19 45 33 60 30 Comprimento da Cauda 63 8 410 213 3771 6 217 334 287 2366 17 109 413 265 11040 31 Largura da Nadadeira Pélvica (=Largura da Margem Posterior da Pélvica) 74 30 154 69 518 8 69 128 104 484 20 42 119 83 427 32 Comprimento da Nadadeira Pélvica (=Comprimento da Margem Anterior da Pélvica) 74 33 100 54 197 8 63 113 91 455 20 38 88 62 168 33 Comprimento da Base da Nadadeira Pélvica 74 15 104 43 284 8 43 101 73 509 20 28 89 55 243 34 Comprimento do Clasper 36 10 71 30 384 4 25 113 75 1939 11 9 61 41 395 35 Comprimento da Cauda Desde a Margem Posterior do Disco à Inserção do Espinho 64 45 251 94 1403 6 100 176 131 832 17 15 50 32 77 36 Comprimento Pré-Pélvico 35 139 422 205 3724 6 337 492 399 2911 37 Comprimento da Cauda (Cloaca) 34 145 415 223 3773 5 141 196 171 724 38 Número de Espinhos na Cauda* 35 7 47 20 74 8 28 63 46 152 5 50 110 82 617 39 Número de Fileiras de Espinhos* 35 1 1 1 0 8 1 3 2 0 5 4 6 5 1 40 Número de Dentes da Arcada Superior* 30 26 38 29 7 3 13 20 20 25 7 17 23 23 41 Número de Dentes da Arcada Inferior* 30 24 36 28 7 3 19 22 1 7 13 22 20 42 Número de Voltas da Válvula Espiral* 18 16 17 16 0 3 14 14 14 0 9 12 14 14 0 43 Número de Papillas Orais Desenvolvidas* 20 5 5 5 0 3 3 3 3 0 12 _ _ _ _ 1 Dr. Bernard Séret – Museu Nacional de História Natural-MNHN, Paris-França. 13 Figura 2. Fotografia de holótipo de P. orbignyi depositado no Museu Nacional de História Natural (MNHN-2333). Foto enviada pela equipe do MNHN. Distribuição no rio Paranã – registrada ao longo do médio e baixo Paranã; sem registros no alto Paranã. Nomes comuns - raia ou arraia branca ou arraia de fogo. Em todas as regiões amostradas, o nome arraia é mais freqüentemente utilizado. Diagnose - Esta raia caracteriza-se por possuir sulco labial desenvolvido, margeando os cantos da boca e se estendendo de cada lado em direção à sínfise por aproximadamente 1/4 da largura da boca; musculatura débil da boca e a mesma pode ser aberta com a mão, mesmo após a fixação; cinco papilas orais centrais no interior da boca; dentes muito pequenos, com a coroa triangular e levemente monocúspide em machos e trapezóide tricúspide em fêmeas; arranjados em 29-40 fileiras na arcada superior e 24- 42 fileiras na arcada inferior; uma única fileira de espinhos caudais, ocasionalmente 14 espinhos acessórios distribuídos aleatoriamente. P. orbignyi pode ser ainda confundida com P. scobina, que se distribui no médio e baixo Tocantins e no rio Araguaia, mas P. scobina não possui sulco labial acentuado, seu colorido ventral da cauda desde sua origem não forma listras transversais, seus dentes são mono-cúspides e relativamente maiores que os de P. orbignyi , e o colorido dorsal de adultos nunca forma retículas hexagonais em fundo uniforme. Tabela 2. Morfometria do neurocrania das espécies de potamotrygonídeos ocorrentes no rio Tocantins. Os valores estão expressos em porcentagem do comprimento do neurocranium Medidas P. orbignyi P. orbignyi P. scobina P. sp. B P. henlei P. sp. A Número ES-15 ES-06 SN 31 SN 691005 Sexo Fêmea Fêmea Macho Fêmea Fêmea Fêmea Comprimento do Neuro. (mm) 102.19 82.16 94.36 128.46 170 72.75 Comprimento Pré-Fontanela 20.40 14.53 15.33 17.45 16.14 18.63 Largura do Neuro. na Cápsula Nasal 56.41 55.61 66.25 60.42 64.25 64.18 Largura do Neuro. no Processo Pós-Orbital 62.17 64.59 64.24 73.38 82.36 70.56 Largura Interorbital 20.53 23.39 29.10 32.31 39.66 36.85 Comprimento da Fontanela Anterior 25.09 25.06 19.92 23.74 24.96 23.11 Largura da Fontanela Anterior 19.15 20.92 25.93 28.23 33.55 27.01 Comprimento da Fontanela Posterior 42.20 41.91 43.24 42.77 45.03 39.70 Altura do Neuro. nas Cápsulas Nasais 18.96 26.20 25.51 24.65 28.26 25.68 Altura do Neuro. nas Cápsulas Óticas 26.92 24.50 22.13 23.88 25.34 25.10 Largura do Forâmem do Nervo Ótico 16.04 13.78 6.17 8.87 7.89 7.42 Largura do Neuro. no Processo Pré-Orbital 69.60 71.03 65.63 67.08 72.36 70.76 Variabilidade do colorido – Esta espécie apresenta policromatismo acentuado no dorso do disco; o colorido dorsal de P. orbignyi apresentou seis padrões distintos (reticulado, pontilhado, ocelado, spot, vermiculado e roseta-modificada) e seus intermediários, onde os padrões se mesclam. O padrão mais conhecido é o reticulado (Fig. 3c), sendo que este pode apresentar o retículo completo ou incompleto. 15 Figura 3. Padrões de colorido em P. orbignyi; a – pontilhado, b – roseta-modificada, c – reticulado, d – ocelado, e – spot, f – vermiculado. Todas as fotos foram tiradas do lado direito do disco do animal. O exemplar ao centro é uma fêmea adulta com 400 mm LD (largura do disco) com o padrão de colorido roseta-modificada. 16 O padrão reticulado completo é menos freqüente nos exemplares do rio Paranã (aproximadamente 27% dos exemplares analisados), mas aparece com alta freqüência no baixo Tocantins, no reservatório da hidrelétrica de Tucuruí e baía de Marajó. No rio Araguaia este padrão não foi encontrado, sendo mais freqüentes os padrões spot ou ocelado, semelhante em alguns exemplares ao colorido de P. motoro (Fig. 3d). Quando o padrão reticulado apresenta forte interrupção, este forma o padrão pontilhado, que nada mais é que retículas extremamente quebradas (Fig. 3a). Este padrão nada tem em semelhança com o padrão spot, pois os pontilhados não são sempre circulares e a sua distribuição não apresenta padrão ou homogeneidade. Os padrões vermiculado e roseta- modificada (Fig. 3b) são alterações do padrão ocelado, onde ocelos maiores encontram- se margeados por pequenos spots que se fundem formando pequenas vermiculações e conseqüentemente, formando as rosetas-modificadas; as vermiculações se formam com o desmanche completo das rosetas e com a fusão de todos os spots e ocelos (Fig. 3f). Neonatos apresentaram somente o padrão spot-ocelado, que logo após o nascimento começa a modificar-se principalmente para os padrões reticulado ou pontilhado. O colorido ventral é predominantemente branco ou creme claro, com as margens do disco e margens posteriores das pélvicas podendo apresentar sombreado de pontilhado amarelo claro ou castanho escuro a preto; o colorido ventral da cauda é alternado em amarelo claro e preto, formando listras transversais. Geralmente ocorre um ponto escuro por sobre a barra da cintura peitoral. Curiosamente este ponto localiza-se exatamente onde a vesícula vitelínica está aderida ao ventre do animal durante a fase embrionária. 17 Descrição morfológica do exemplar No 815180, macho adulto 230 mm LD - Disco sub-circular, levemente oval, tão largo quanto longo e com proeminência anteromediana na margem frontal do disco; largura do disco cabe 1,04 vezes dentro do seu comprimento; margem do disco contínua, sem sinuosidades ou ponto de inflexão entre as margens anterior ou posterior; disco relativamente baixo na região do neurocranium- splanchnocranium, evidenciando débil musculatura associada. A largura interocular cabe 1,26 vezes dentro do comprimento pré-ocular, equivale a 3,8 vezes o comprimento do olho e cabe 5,4 vezes dentro da largura do disco. Olhos semi-ovais com leve concavidade na face dorsal, relativamente pequenos e bem pedunculados em animais fixados; operculum do olho em forma de “V” sem ornamentação aparente em animais fixados. Cauda ovalada em corte transversal, larga na origem e fortemente comprimida dorso-ventralmente, afastada das bordas do disco na axila e relativamente curta, dificilmente alcançando os espiráculos quando em posição de ataque; quilhas laterais evidentes, uma a cada lado da cauda, desde a linha da extremidade das nadadeiras peitorais à origem do ferrão caudal; quilha ventral desde a linha da origem do ferrão caudal até o final da cauda; quilha dorsal desde a extremidade do ferrão até a ponta da cauda; a cauda diminui de largura suavemente até a origem do ferrão, quando sofre acentuada compressão lateral até a extremidade da cauda, formando o remo caudal. Nadadeiras pélvicas musculosas, macias e com alto grau de mobilidade; margem anterior ligeiramente convexa, com bordas espessas e arredondadas, seu comprimento cabe 5,1 vezes na largura de disco; ápice sem ponto de inflexão distinto demarcando a separação entre a margem anterior e posterior; margem posterior quase reta, com 18 endentações simples ou duplas (9/10 esquerda/direita) resultantes da disposição das estruturas cartilaginosas de sustentação da nadadeira. Comprimento pré-narial 6,8 vezes menor que o comprimento do disco, 2 vezes maior que a largura internarial e 2,7 vezes maior que o comprimento da narina; aberturas em forma de fenda, diagonalmente inclinadas com as margens anteriores direcionadas ao focinho e posteriores às comissuras da boca; interior das narinas levemente pigmentado de cinza; aberturas posteriores medialmente posicionadas em relação às aberturas anteriores, lado a lado do frenum nasal; cortina nasal trapezóide, com a margem posterior franjada não alcançando a boca, dividida em dois lóbulos pelo frenum nasal e aproximadamente 1,8 vezes o comprimento da narina. Boca localizada no primeiro 1/5 do comprimento do disco e sua largura cabendo 10,4 vezes na largura do disco; comprimento do cesto branquial igual a 1,25 vezes a distância da boca à 1º fenda branquial; boca não recoberta pela cortina nasal, com sulcos labiais evidentes, levemente arqueada quando fechada e com os dentes mais externos visíveis em ambas as arcadas; cinco papilas orais desenvolvidas e centralizadas internamente à arcada inferior. A válvula espiral é do tipo cônico-espiral com 16 voltas. Cesto branquial com largura 3,8 vezes menor que a largura do disco e comprimento 6 vezes menor que o comprimento do disco; fendas branquiais sinuosas, dispostas lado a lado em “V” com o vértice sobre a barra coracóide e mergulhadas em uma leve depressão do ventre. Cloaca localizada entre as nadadeiras pélvicas e inserida na musculatura, elipsóide e com uma fenda longilínea; a musculatura associada é longitudinal à fenda e a mantém fechada. 19 Claspers robustos, relativamente curtos e cônicos, recobertos por tecido macio e com todas as feições dispostas na face dorsal e lateral interna; a face ventral é lisa. O canal do clasper estende-se obliquamente desde sua abertura anterior (apopyle), na face dorsal próximo à sua base, e segue em direção à margem lateral externa até um ponto de inflexão, que divide o comprimento do canal ao meio, e de onde segue levemente oblíquo no sentido oposto em direção à face interna do clasper. A sua abertura posterior (hypopyle) localiza-se na porção anterior do rhipidion, que segue paralelo ao pseudosifão ventral. O pseudosifão dorsal é uma pequena fenda e localiza-se dorso- lateralmente próximo à margem externa na altura do ponto de inflexão do canal do clasper e se estende obliquamente em direção à face interna por um comprimento igual à 1/3 da largura do clasper, na origem do pseudosifão. Dentição arranjada em mosaico (Fig. 4ab), desde a sínfise até as comissuras. Dentes relativamente pequenos (aprox. 1 mm largura) predominantemente triangulares, mais largos que longos e de coroa tricúspide na face interna, ou monocúspide nos dentes frontais mais desgastados; heterodontia monognástica acentuada entre os dentes sinfisiais triangulares maiores e os comissurais ovalados menores; leve heterodontia sexual, onde nos machos predominam dentes monocúspides ou com frágeis cúspides laterais e nas fêmeas predominam dentes tricúspides. Raiz dupla com base triangular- oval, curta e inclinada; cavidade com forâmen de nutrição do dente em posição mediana entre as bases da raiz. Números dentários expressivos e que aumentam em proporção ao crescimento do animal; exemplares adultos com mais de 40 dentes em cada arcada (Fig. 6; Tab. 3); fórmulas dentárias estão expressas na Tabela 1. Dorso relativamente liso, recoberto por pequenos dentículos dérmicos dispersos densamente sobre a região anterior do disco, sobre a cabeça, região mediana do corpo e 20 ao longo da cauda; demais margens do disco com fraca ou nenhuma espinulação, bem como o dorso das nadadeiras pélvicas, onde somente escassos dentículos dérmicos são encontrados aleatoriamente; dorso e laterais da cauda recobertos com dentículos dérmicos. Figura 4. Dentição das espécies de potamotrygonídeos ocorrentes no rio Tocantins; a, b – P. orbignyi; c, d, e – Potamotrygon sp. A; f, g – Potamotrygon scobina; h – P. henlei; 21 i, j – Potamotrygon sp. B. Para cada espécie são apresentados primeiro os dentes da arcada inferior direita e posteriormente os dentes da arcada superior esquerda. Potamotrygon sp. A figura-d apresenta a linha divisória entre os dentes mais externos em uso e os dentes mais internos ainda não utilizados da arcada inferior. Parte superior da foto refere-se à face interna e a parte inferior à face externa. Todos os exemplares são fêmeas. Figura 5. Dentes inferiores próximos à sínfese de P. orbignyi (a, c, d, e – fêmea 155 mm LD; b – macho 234 mm LD) e Paratrygon aiereba (f, g, h – fêmea 493 mm LD). a, h – vista apical, b, c, g – vista da face interna, d, e – vista basal, f- vista lateral. 22 Dentes da Arcada Inferior por LD em P. orbignyi y = 0.0486x + 17.783 R2 = 0.6348 20 25 30 35 40 45 100 150 200 250 300 350 400 450 Largura de Disco (mm) N úm er o de D en te s Figura 6. Aumento do número de dentes ao longo do crescimento em P. orbignyi. Tabela 3. Resumo da regressão Arcada Inferior-LD. R= 0.79676192 R²= 0.63482, Adjusted R²=0.62223747.F(1,29)=50.415 p<0.00000 erro padrão da estimativa: 2.2816 Erro Padr. Erro Padr. BETA de BETA B de B t(29) p Intercepto 17.7826 1.526822 11.6468 1.86561E-12 LD 0.796762 0.112214 0.048617 0.006847 7.10035 8.20576E-08 Os dentículos dérmicos recobrem densamente os espaços entre os espinhos, laterais da cauda, quilhas dorsal e ventral e remo caudal; não ocorrem dentículos dérmicos no ventre da cauda na região anterior à linha de origem do ferrão. Espinhos alinhados em uma única fileira com ocasionais espinhos acessórios; arqueados posteriormente, com base estrelada e estriada; raiz mais larga que a sua altura; recobertos por integumento pigmentado segundo o colorido da pele. Ferrão caudal 23 posicionado após a linha de espinhos no dorso da cauda, em número variável (1-3) e proporcional ao tamanho do animal; margens serrilhadas e direcionadas anteriormente. Neurocranium pouco calcificado, mesmo em indivíduos adultos – descrição baseada em dois exemplares fêmeas No ES-15 e No ES-06 com 400 e 319 mm LD, respectivamente (Fig. 7abc)– mais longo que largo, cerca de 1,6 vezes (1,5;1,6) a sua largura no processo pós-orbital e 1,7 (1,7;1,7) vezes a largura nas cápsulas nasais, que são ovais e largas, inseridas no crânio com leve inclinação da lâmina basal (Fig. 8a) e não ultrapassando a largura do crânio nos processos pré-orbitais; processos pré-orbitais cônicos, relativamente longos e arqueados postero-ventralmente; processos pós orbitais semi-transparentes, mais largos distalmente e levemente direcionados anteriormente. Fossa parietal subdividida lateralmente com uma fenestra perilinfática e um forâmen endolinfático em depressões individuais para cada lado. Forâmen do nervo óptico relativamente maior e côndilo antorbital distintamente afastado da face ventral da cápsula nasal. Cintura peitoral (Fig. 7de) com processo escapular triangular; forâmen ântero-dorsal triangular menor que o forâmen ântero-ventral sub-retangular; forâmen postero-ventral vestigial com pequena depressão em seu lugar. Cintura pélvica (Fig. 7fgh) com processo pré-púbico levemente cônico e longo; processos pré-púbicos laterais oblíquos, direcionados para as laterais do disco; barra púbica fortemente arqueada posteriormente e com processos ilíacos ornamentados na margem interna, posteriormente ao processo isquial triangular; três foramina obturador posicionados ventralmente ao côndilo radial e alinhados entre os processos pré-púbico lateral e isquial. 24 Figura 7. Esqueleto de P. orbignyi. a – neurocranium em vista dorsal de fêmea 400 mm LD; b, c, d, e, f, g, h – neurocranium em vista postero-dorsal e ventral, cintura peitoral em vista posterior e lateral e cintura pélvica em vista ventral, dorsal e lateral de fêmea 319 mm LD, respectivamente. af – fontanela anterior, adf – forâmen ântero-dorsal, avf – forâmen ântero-ventral, bcor – barra coracoide, cb- côndilo basal, cr – côndilo radial, fp – fossa parietal, fo – foramina obturador, lb – lâmina basal, mc – mesocôndilo, mtc – metacôndilo, nc – cápsula nasal, pc – procôndilo, pesc – processo escapular, pf – 25 fontanela posterior, pi – processo isquial, pil- processo ilíaco, ppl – processo pré-púbico lateral, ppm – processo pré-púbico medial, pr – processo pré-orbital, pt – processo pós- orbital, pvf – forâmen postero-ventral, sf – foramina supraorbital, sof – forâmen oftálmico superficial. Figura 8. Vista lateral dos neurocrania de a – P. orbignyi (fêmea 400 mm LD), b – P. henlei (fêmea 660 mm LD), c – Potamotrygon sp. B (fêmea 710 mm LD), d – Potamotrygon sp. A (fêmea 286 mm LD). of – forâmen óptico e ac – côndilo antorbital. 26 Potamotrygon sp. A Sinonímia – Não há. Distribuição no rio Paranã - ao longo de todo o rio Paranã e ao menos até o médio Tocantins. Aparentemente esta espécie é mais freqüente no médio Tocantins e seus afluentes. Ocorre também no rio Maranhão (MARQUES2, material não publicado). Nomes comuns - raia de fogo. Diagnose - Esta raia caracteriza-se pela ausência de sulco labial; musculatura da boca fortemente desenvolvida; três papilas orais centrais desenvolvidas e duas vestigiais próximas às comissuras da boca; dentes hexagonais com coroa plana e sem cúspides, arranjados em 13-20 fileiras na arcada superior e 19-22 fileiras na arcada inferior; duas a três fileiras de espinhos no dorso da cauda; policromatismo pouco acentuado, variando de spots a rosetas e vermiculado amarelo claro; colorido ventral é cinza escuro com as regiões oral e branquial creme ou branco; a cauda é cinza escuro pontilhada por pontos claros e três papilas orais desenvolvidas na boca. As duas únicas outras espécies da bacia Tocantins-Araguaia com as quais esta espécie pode ser confundida por possuírem mais de duas fileiras de espinhos sobre a cauda são P. henlei e Potamotrygon sp. B, que se distribuem no baixo Tocantins e no rio Araguaia. No entanto, estas duas espécies apresentam o dorso do disco coberto por ocelos em padrão circular que se expandem do centro para as margens, enquanto que Potamotrygon sp. A possui um colorido uniforme com spots menores que o diâmetro do olho e densamente distribuídos por sobre o dorso; os dentes em Potamotrygon sp. B e são relativamente menores, com coroa em relevo e um sulco transversal, losangulares a hexagonais e em maior número, enquanto que em 2 Dra. Elineide Eugênio Marques. Rua Paraguaçú 450. Setor Umuarama. 77500-000 27 P. henlei os dentes são relativamente maiores, losangulares, hexagonais e retangulares, com coroa plana e sem sulco transversal e com profundas bases de fixação. Variabilidade do colorido – O colorido dorsal de Potamotrygon sp. A apresentou três padrões (spot, roseta e vermiculado) distintos ocorrendo dois a dois concomitantemente, os padrões spot-roseta e spot-vermiculado (Fig. K). O padrão spot-roseta é caracterizado por spots de pequeno tamanho distribuídos homogeneamente sobre a cabeça, focinho e margem anterior do disco; no resto do disco surgem spots maiores margeados por spots menores formando as rosetas, que estão intercaladas por spots pequenos. O padrão spot- vermiculado aparentemente é formado quando os spots pequenos se fundem formando vermículos que margeiam spots maiores distribuídos principalmente nas laterais do disco e posterior à linha dos olhos. Descrição do exemplar No 302, macho adulto, 428 mm LD - Disco sub-circular, levemente oval, quase tão largo quanto longo e com proeminência anteromediana na margem frontal do disco; largura do disco cabe 1,04 vezes dentro do seu comprimento; margem do disco contínua, sem inflexões demarcando nitidamente margens anterior ou posterior; disco alto na região do neurocranium-splanchnocranium, evidenciando forte musculatura associada. A largura interocular cabe 1,3 vezes dentro do comprimento pré- ocular, equivale a 5,5 vezes o comprimento do olho e cabe 5,4 vezes dentro da largura do disco. Olhos ovais, relativamente pequenos e pouco pedunculados em animais fixados; operculum do olho em forma de “V” sem ornamentação aparente em animais fixados (Fig. 9). Cauda ovalada em corte transversal, larga na origem e levemente comprimida dorso-ventralmente, afastada das bordas do disco na axila e relativamente curta, Porto Nacional, Tocantins. Fundação Universidade do Tocantins. Campus de Porto Nacional. 28 dificilmente alcançando os espiráculos em indivíduos adultos quando em posição de ataque; quilhas laterais pronunciadas, uma a cada lado da cauda, que se estendem da linha da extremidade das nadadeiras peitorais à origem do ferrão caudal; quilha ventral desde a linha da origem do ferrão caudal até o final da cauda; quilha dorsal desde a extremidade do ferrão até a ponta da cauda; a cauda diminui de largura suavemente até a origem do ferrão, quando sofre acentuada compressão lateral até a extremidade da cauda, formando o remo caudal. Figura 9. Exemplar macho adulto de Potamotrygon sp. A (428 mm LD). Nadadeiras pélvicas musculosas, macias e com alto grau de mobilidade; margem anterior ligeiramente convexa com borda espessa e arredondada, cabendo 3,7 vezes na largura de disco; ápice sem ponto de inflexão distinto demarcando a separação entre a 29 margem anterior e posterior; margem posterior quase reta, com endentações (10/11 esquerda/direita) resultantes da disposição das estruturas cartilaginosas de sustentação da nadadeira. Comprimento pré-narial 6,4 vezes menor que o comprimento do disco, 2,2 vezes maior que a largura internarial e 3 vezes maior que a abertura anterior da narina; aberturas em forma de fenda, diagonalmente inclinadas com as margens anteriores direcionadas ao focinho e posteriores às comissuras da boca; interior das aberturas anteriores fortemente pigmentado de preto; aberturas posteriores medialmente posicionadas em relação às aberturas anteriores, lado a lado do frenum nasal; cortina nasal trapezóide, com a margem posterior franjada não alcançando a boca, dividida em dois lóbulos pelo frenum nasal. Boca localizada no primeiro 1/5 do comprimento do disco e sua largura cabendo 11 vezes na largura do disco; distante do cesto branquial a uma distância aproximadamente igual ao comprimento do cesto branquial; boca não recoberta pela cortina nasal, sem sulcos labiais ou fossa oral, levemente arqueada quando fechada e com os dentes mais externos visíveis em ambas as arcadas. Três papilas orais centralizadas logo após a arcada inferior e outras duas severamente reduzidas, uma a cada lado, próximas às comissuras da boca. A válvula espiral é do tipo cônico-espiral com 14 voltas. A largura do cesto branquial é 4,1 vezes menor que a largura do disco e seu comprimento é 7,8 vezes menor que o comprimento do disco; as fendas são onduladas e estão imersas em uma depressão em forma de arco que segue da primeira à quinta fenda. 30 Cloaca posicionada entre as nadadeiras pélvicas, mergulhada na musculatura onde apresenta uma forma elipsóide e uma fenda longilínea; a musculatura associada é longitudinal à fenda e a mantém fechada. Claspers robustos, curtos e cônicos, recobertos por tecido macio, sem feições distintivas significantes que distinga Potamotrygon sp. A das demais espécies do gênero; todas as feições do clásper estão na face dorsal e lateral; a face ventral é lisa e não ornamentada. Dentição arranjada em fileiras distintas ou em leve mosaico (Fig. 4cde), desde a sínfise até as comissuras. Dentes predominantemente hexagonais, mais largos que longos e de coroa plana. As fórmulas dentárias estão expressas na Tabela 1. Dorso áspero, recoberto por pequenos dentículos dérmicos dispersos densamente sobre a região mediana do corpo e ao longo da cauda; margens do disco com fraca espinulação, bem como o dorso das nadadeiras pélvicas, onde somente escassos dentículos dérmicos são encontrados aleatoriamente. Dorso e laterais da cauda recobertos com dentículos dérmicos; espinhos arranjados em 1 a 2 fileiras com espinhos acessórios ocasionais. Os dentículos dérmicos recobrem densamente os espaços entre os espinhos, laterais da cauda, quilhas dorsal e ventral e remo caudal; ventre da cauda sem dentículos dérmicos na região anterior à linha de origem do ferrão. Os espinhos são arqueados posteriormente, com base estrelada e estriada, recobertos por integumento pigmentado segundo o colorido da pele, dispersos em fileiras ligeiramente dispersas em indivíduos jovens ou densamente arranjados em indivíduos adultos. 31 Paratrygon aiereba (MULLER & HENLE, 1841) Sinonímia – q. v. ROSA (1991) e CARVALHO et al. (2003) para uma revisão. Localidade tipo: Brasil. Exemplar tipo perdido segundo CASTEX & CASTELLO (1969) e ROSA (1985). Distribuição no rio Paranã - Ao longo de todo o rio. Esta espécie também é registrada ao longo de todo o rio Tocantins e Araguaia. Nomes comuns - arraia aramaçã ou aramaçá. Diagnose - Esta raia caracteriza-se por possuir um grande porte (machos maturando em torno dos 430 mm LD e fêmeas ainda imaturas aos 540 mm LD); comprimento pré- ocular maior que em Potamotrygon e cerca de ⅓ da largura do disco; a margem anterior do disco é distintamente côncava e não possui a proeminência anteromediana característica de Potamotrygon; seus olhos são diminutos e não pedunculados, imersos na musculatura do disco; cauda curta e fortemente armada com espinhos em indivíduos adultos; freqüentemente possue pequeno ferrão; exemplares jovens possuem uma cauda filiforme e longa, sem espinhos e sem quilhas; margem posterior do espiráculo com projeção arredondada; boca relativamente pequena e sem sulcos labiais; papilas orais extremamente vestigiais ou ausentes; dentes relativamente pequenos e arranjados em 17-23 dentes na arcada superior e 13-22 dentes na arcada inferior. Variabilidade do colorido – O colorido dorsal desta espécie varia de um fundo marrom claro com um malhado irregular marrom escuro ou preto sobre o dorso do disco; alguns exemplares podem ainda ser castanho escuro a marrom escuro ou cinza sem o malhado irregular; a cauda e nadadeiras pélvicas são da mesma cor do disco sem padrões definidos (Fig. 10). Todos os exemplares analisados apresentavam manchas escuras 32 circulares em alto relevo, dispostos em círculos concêntricos no dorso do disco e destacando-se do fundo mais claro. O colorido ventral é branco (Fig. 11). Freqüentemente o colorido malhado é frágil e parte deste colorido sai com a fixação em formol ou com a remoção da camada de muco. Figura 10. Vista dorsal de P. aiereba. Macho 378 mm LD. 33 Figura 11. Vista ventral de P. aiereba. Macho 378 mm LD. Descrição do exemplar No 691062, fêmea imatura, 327 mm LD - Disco oval, quase tão largo quanto longo; margem anterior côncava e sem proeminência anteromediana; largura do disco cabe 1,04 vezes dentro do seu comprimento; margem do disco contínua, sem inflexões demarcando nitidamente margens anterior ou posterior; disco alto na região do splanchnocranium, evidenciando forte musculatura associada. Órbitas posicionadas posteriormente, comprimento pré-ocular cabe 3,9 vezes no comprimento do disco; largura interocular cabe 2,3 vezes dentro do comprimento pré-ocular, equivale a 6,1 vezes o comprimento do olho e cabe 8,8 vezes dentro da largura do disco. Olhos 34 semi-circulares com forte concavidade na face dorsal, extremamente reduzidos, não pedunculados, mas posicionados dorso-lateralmente; operculum do olho em forma de “V” sem ornamentação aparente em animais fixados e nadadeiras pélvicas totalmente recobertas pelo disco. Cauda ovalada, relativamente larga na origem, comprimida dorso-ventralmente e afastada das bordas do disco na axila; comprimento variável com segmento filiforme pós-ferrão geralmente ausente em indivíduos adultos; distintas quilhas laterais, uma a cada lado da cauda, da linha da extremidade das nadadeiras peitorais até a origem do ferrão caudal; quilhas ventral e dorsal ausentes; a cauda diminui de largura suavemente até a origem do ferrão, quando sofre acentuada compressão lateral e forma um segmento filiforme de comprimento variável, mas podendo ser igual à LD. Nadadeiras pélvicas musculosas, relativamente curtas, macias e com alto grau de mobilidade; margem anterior ligeiramente convexa com borda espessa e arredondada, cabendo 6,1 vezes na largura de disco; ápice com ponto de inflexão distinto; margem posterior reta, com endentações (17/16 esquerda/direita) resultantes da disposição das estruturas cartilaginosas de sustentação da nadadeira. Comprimento pré-narial 3,7 vezes menor que o comprimento do disco, 3,9 vezes maior que a largura internarial e 30,3 vezes maior que a abertura anterior da narina; aberturas circulares com interior claro; aberturas posteriores medialmente posicionadas em relação às aberturas anteriores, lado a lado do frenum nasal; cortina nasal trapezóide, com a margem posterior franjada, arqueada e alcançando a boca nas comissuras, dividida em dois lóbulos pelo frenum nasal. Boca localizada no primeiro 1/3 do comprimento do disco e sua largura cabendo 12,5 vezes na largura do disco; distante do cesto branquial a uma distância 35 aproximadamente igual a 4/5 do comprimento do cesto branquial; boca parcialmente recoberta pela cortina nasal, sem sulcos labiais ou fossa oral, levemente arqueada quando fechada e com os dentes não visíveis. Boca sem papilas orais desenvolvidas. A válvula espiral é do tipo cônico-espiral com 14 voltas. A largura do cesto branquial é 5,2 vezes menor que a largura do disco e seu comprimento é 10,6 vezes menor que o comprimento do disco; as fendas são sinuosas e estão distribuídas obliquamente em forma de arco, a cada lado, que segue da primeira à quinta fenda. A cloaca está entre as nadadeiras pélvicas, mergulhada na musculatura onde apresenta uma forma elipsóide e uma fenda longilínea; a musculatura associada é longitudinal à fenda e a mantém fechada. Os cláspers são robustos, curtos e cônicos, recobertos por tecido macio, sem feições distintivas significantes que distinga Paratrygon aiereba das demais espécies do gênero; todas as feições do clásper estão na face dorsal e lateral; a face ventral é lisa e não ornamentada. Dentição arranjada em leve mosaico, desde a sínfise até as comissuras. Dentes predominantemente losangulares (Fig. 5fgh), mais largos que longos e com cúspide pronunciada. As fórmulas dentárias estão expressas na Tabela 1. Dorso áspero, recoberto por pequenos dentículos dérmicos dispersos densamente sobre a região mediana do corpo e ao longo da cauda; margens do disco com menor espinulação, bem como o dorso das nadadeiras pélvicas, onde somente escassos dentículos dérmicos são encontrados aleatoriamente. Dorso e laterais da cauda recobertos com dentículos dérmicos; espinhos dispersos aleatoriamente sobre a cauda até o ponto distal do ferrão; espinhos acessórios ocasionais. Os dentículos dérmicos 36 recobrem densamente os espaços entre os espinhos e laterais da cauda; não ocorrem dentículos dérmicos no ventre da cauda antes da linha de origem do ferrão. Os espinhos são arqueados posteriormente, recobertos por integumento pigmentado segundo o colorido da pele, ligeiramente dispersos em indivíduos jovens ou densamente arranjados em indivíduos adultos. Identificação Chave de identificação com base em caracteres externos para as espécies de potamotrygonídeos do rio Tocantins (modificado a partir de ROSA (1985)). 1A. Distância da boca à margem anterior do disco (Comprimento Pré-Oral) relativamente longa, 2,6 a 3,4 vezes na largura do disco; processo em forma de gota na margem posterior dos espiráculos; olhos não pedunculados..............Paratrygon aiereba MULLER & HENLE 1B. Distância da boca à margem anterior do disco (Comprimento Pré-Oral) relativamente curta, 3,6 a 5,6 vezes na largura do disco; espiráculos sem processos em forma de gota na margem posterior; olhos pedunculados.................................................2 2A. Sulco labial proeminente ou levemente demarcado; uma única fileira de espinhos na cauda, podendo ocorrer espinhos acessórios*...................................................................3 2B. Sulco labial ausente; uma a três fileiras de espinhos na cauda*.................................4 3A. Sulco labial proeminente; dentes muito pequenos com menos de 1 mm de largura da coroa em indivíduos adultos; forte policromatismo do colorido dorsal do disco, variando entre reticulado, pontilhado, ocelado, vermiculado a roseta-modificada; 37 colorido ventral da cauda freqüentemente alternado entre amarelo e preto desde de sua origem (Fig.X)...................................................................Potamotrygon orbignyi CASTELNAU 3B. Sulco labial levemente demarcado; dentes relativamente maiores com mais de 2 mm de largura da coroa em indivíduos adultos; colorido dorsal com padrão spot; colorido ventral da cauda freqüentemente com a base clara, com pigmentação após a linha ventral referente ao ponto de origem do ferrão...Potamotrygon scobina GARMAN 4A. Sulco labial ausente; duas ou três fileiras de espinhos na cauda, podendo ocorrer espinhos acessórios; colorido dorsal com ocelos ou spots e vermiculações claros (branco ou laranja-avermelhado) em fundo preto ou cinza escuro; ocelos ou spots se estendendo até a ponta da cauda; colorido ventral predominantemente cinza escuro.................................................................................................................................5 4B. Sulco labial ausente; uma única fileira de espinhos na cauda, podendo ocorrer espinhos acessórios; colorido com ocelos predominantemente laranja-avermelhado em fundo marrom castanho ou marrom claro; ocelos não se estendem até a ponta da cauda, restringindo-se à sua base; colorido ventral predominantemente claro........Potamotrygon motoro NATTERER** 5A. Colorido dorsal com ocelos ou ocelos margeados por spots......................................6 5B. Colorido dorsal com spots, rosetas-modificadas ou vermiculações....Potamotrygon sp. A. 6A. Dentes nas séries mais externas (dentes em uso) são brancos, pentagonais ou hexagonais, mas predominantemente hexagonais e com coroa plana; até 27 dentes na arcada superior e 33 dentes na arcada inferior (exemplar fêmea com 660 mm LD)............................................................................Potamotrygon henlei CASTELNAU 38 6B. Dentes nas séries mais externas (dentes em uso) são caramelo, pentagonais ou hexagonais, mas predominantemente pentagonais e com a coroa irregular e com uma nítida crista no sentido da largura da boca; até 34 dentes na arcada superior e 39 dentes na arcada inferior (exemplar fêmea com 710 mm LD)......................................................................................................Potamotrygon sp. B * As fileiras de espinhos na cauda aumentam com o tamanho do animal e desta forma, neonatos e juvenis devem ser considerados com cuidado, pois todos possuem somente uma única fileira de espinhos na cauda. ** A ocorrência de P. motoro para a porção do rio Tocantins à montante da barragem de Tucuruí deve ser considerada com cuidado. Alguns exemplares de P. orbignyi apresentam o padrão de colorido ocelado muito semelhante ao de P. motoro. Contudo, P. motoro não possui sulco labial. Todos os exemplares analisados de P. motoro para este estudo estavam em museus e foram capturados à jusante desta barragem e nenhum exemplar de P. motoro foi capturado nas coletas. No entanto, esta espécie é considerada na chave de identificação devido à possibilidade de ocorrência. Distribuição de Potamotrygon orbignyi no rio Paranã As raias foram coletadas em 33 locais diferentes do rio Paranã em 46 dias de captura nas proximidades do município de Paranã dentro de um limite de 10 km à montante e jusante deste município (Figura 1). A maior captura em um único dia foi de 17 raias em dois locais de captura, Barra do Genipapeiro e Ilha do Bonilha. Em 26 dias de captura, ou 56% do esforço total, somente um ou dois indivíduos foram capturados, enquanto que 76% das raias foram capturadas em apenas 16 dias, ou 34% do esforço 39 total. As maiores capturas diárias, acima de 5 indivíduos, ocorreram em um a quatro pontos de pesca no mesmo dia. Em 81% (13 dias) dos dias de maiores capturas, apenas um ou dois pontos foram responsáveis pela captura, enquanto que nos dias restantes (3 dias) quatro pontos registraram capturas. Embora o esforço de pesca tenha sido maior nos pontos mais próximos do município, a saber: Arrozal, Auleria, Barra da Areia, Ilha Bonita, Ilha do Bonilha, Micaela, Praia do Meio, Praião da Lagoa Verde, Praião do Dominguinho, Praia do Retiro, Praia Três Bocas e São Vicente; somente as Praias do Retiro, do Meio e Três Bocas e a Ilha do Bonilha apresentaram CPUE’s altas (8,3, 5,3, 4 e 5,7 indivíduos por dia, respectivamente). Nos demais pontos de captura a CPUE foi de 1 a 2,3 indivíduos por dia. Tendo em vista o costume local de se amputar a cauda das raias de água doce capturadas, antes de as devolverem ao rio, utilizou-se destes animais amputados como exemplares marcados para uma estimativa de sua capacidade de dispersão. Desde que não há comunidades ribeirinhas às margens do rio Paranã a pelo menos 50 km do município de Paranã (montante e jusante), considerou-se que todas as raias amputadas ocorrentes na região provinham da ação dos pescadores locais, já que em áreas distantes de comunidades pesqueiras (alto Paranã e rio do Peixe no médio Araguaia) é rara a ocorrência de animais amputados. As espécies encontradas com amputações foram P. orbignyi e Potamotrygon sp. A, enquanto que nenhum exemplar de Paratrygon aiereba apresentou evidências de amputações. De um lote de 147 exemplares de P. orbignyi amostradas em três cruzeiros, 19 raias (13%) apresentavam a cauda amputada e cicatrizada, mas não houve diferenças nas proporções de indivíduos amputados ao longo dos três cruzeiros - 14%, 17%, 9% (n = 6, 7 e 6) de raias amputadas para o 1º, 2º e 3º cruzeiros, respectivamente - (χ2 = 1,1678; p > 0,05). Dentre estas 19 raias amputadas, 8 40 raias (42%) foram capturadas na estação da seca, enquanto 11 raias (58%) foram capturadas na estação das chuvas; não havendo diferenças significativas entre as proporções de indivíduos amputados nestas duas estações (χ2 = 0,7647; p < 0,3818). A grande maioria das raias amputadas encontrava-se dentro de um raio de 2 km do município de Paranã, mas duas raias foram capturadas além deste perímetro, a aproximadamente 3 e 4,5 km a jusante de Paraná, evidenciando portanto, sua restrita mobilidade.. A distribuição das espécies de raia de água doce ao longo da bacia Tocantins- Araguaia indica uma relação do número de espécies e o distanciamento da foz, onde nas cabeceiras do rio Tocantins a riqueza de espécies é baixa – de uma a três espécies, dependendo do afluente – em comparação com as porções médias e baixas com pelo menos cinco espécies (Fig. 12). A espécie com maior distribuição geográfica na bacia Tocantins-Araguaia é Paratrygon aiereba, ocorrendo inclusive nas cabeceiras do rio Tocantins. A segunda espécie com maior distribuição geográfica é Potamotrygon orbignyi, que aparentemente apresenta baixas densidades ou não ocorre em alguns afluentes da cabeceira do Tocantins. Esta espécie apresenta a maior variabilidade de coloridos no rio Tocantins e normalmente é confundida com outras espécies tais como P. scobina, P. motoro e P. castexi. A raia de água doce P. scobina também apresenta ampla distribuição, mas restringe-se ao rio Tocantins e à região da foz do rio Paranã (MARQUES3, material não publicado), não tendo sido capturada no médio ou alto Paranã. P. motoro apresenta ocorrência duvidosa na bacia Tocantins-Araguaia, e desta forma, sua identificação e registro necessitam de confirmação. Potamotrygon sp. A é uma espécie restrita ao alto e médio Tocantins, não sendo registrada para o baixo 3 Dra. Elineide Eugênio Marques. Rua Paraguaçú 450. Setor Umuarama. 77500-000 Porto Nacional, Tocantins. Fundação Universidade do Tocantins. Campus de Porto Nacional. 41 Tocantins ou Araguaia. Potamotrygon henlei e Potamotrygon sp. B apresentam registros no baixo Tocantins, sendo que Potamotrygon sp. B também ocorre no rio Araguaia. A distribuição de P. henlei está confirmada somente para a região de Marabá. Figura 12. Distribuição das raias de água doce na bacia Tocantins-Araguaia segundo as unidades fisiográficas (RIBEIRO, et al., 1995). Vermelho – alto Tocantins e Araguaia, verde – médio Tocantins e Araguaia, azul – zona de transição, preto – baixo Tocantins. 42 “a” – Exemplares identificados pela equipe da Universidade do Tocantins-UNITINS; Potamotrygon sp. 1 é sinônimo de P. orbignyi, Potamotrygon sp. 2 e 3 são sinônimos de Potamotrygon sp. A. Variabilidade do Colorido em Potamotrygon na Bacia Tocantins-Araguaia Os padrões de colorido ocorreram freqüentemente mesclados e os animais foram identificados segundo o seu padrão de colorido predominante. O padrão reticulado correspondeu a 27% das raias amostradas, o padrão pontilhado a 14,8%, o padrão vermiculado a 13,5%, o padrão roseta-modificada a 12,1% e os padrões ocelado e spot corresponderam juntos a 32,4%. O colorido de uma mesma espécie de Potamotrygon não é constante e varia tanto geograficamente quanto ao longo do crescimento do animal. Enquanto embriões e neonatos de P. orbignyi apresentam o colorido predominantemente nos padrões spot-ocelado (Fig. 3de), animais com mais de um mês de nascimento apresentam padrões mesclados de ocelado-reticulado ou spot-reticulado. Ao longo do crescimento esses padrões podem se alterar para padrões de colorido mais complexos como o pontilhado → vermiculado → roseta-modificada. Esta variação é confirmada com base na comparação das distribuições de larguras de disco (LD) para cada padrão de colorido (Kruskal-Wallis-H = 18,21; p = 0,001), onde se observa que indivíduos de menor porte apresentam os padrões ocelado (incluindo spot) e reticulado, alternando ao longo do crescimento para os padrões pontilhado e vermiculado e finalmente para o padrão roseta-vermiculado em indivíduos de maior porte (Fig. 13). Em P. henlei e Potamotrygon sp. B observa-se um aumento da complexidade do colorido ao longo do crescimento. Embriões e neonatos das duas espécies apresentam 43 colorido com os padrões spot-ocelado, que após o nascimento alternam para o padrão ocelado. Após a maturidade sexual, os ocelos podem vir margeados por spots formando rosetas com ocelos no seu interior. A maior quantidade de spots se concentra na cabeça e região mediana do disco. Potamotrygon scobina, da mesma forma, nasce com colorido no padrão spot, spot-reticulado ou pontilhado, que com o crescimento do animal alterna para o padrão spot. Variação do Colorido em P. orbignyi em Função do Crescimento 0 100 200 300 400 500 0 1 2 3 4 5 6 Padrões de Colorido La rg ur a de D is co (m m ) ocelado reticulado pontilhado vermiculado roseta Figura 13. Variação do colorido de P. orbignyi ao longo do crescimento. As diferenças geográficas ficam evidentes quando populações distintas são comparadas. O colorido de P. scobina no rio Tocantins não apresentou a variabilidade descrita para a mesma espécie na região da baía de Marajó, caracterizado por exemplares com padrões spot, roseta, roseta-modificada e escuro (ALMEIDA, 2003). Esta espécie apresenta um padrão predominantemente spot, tanto no rio Tocantins quanto no rio Araguaia, ocorrendo em menor freqüência o padrão roseta modificada. Da 44 mesma forma, P. orbignyi não apresenta o padrão vermiculado ou roseta-modificada na baía de Marajó, o que a princípio gerou problemas de identificação dos exemplares capturados no rio Paranã. Predominâncias de determinados padrões em afluentes ou porções da bacia Tocantins-Araguaia foram observadas, mas o número de exemplares amostrados ainda é insuficiente para uma identificação conclusiva dos padrões predominantes por espécie e região nessa bacia hidrográfica. O colorido predominante nas espécies ocorrentes na bacia Tocantins-Araguaia é o ocelado, mas algumas espécies apresentam padrões mesclados principalmente de ocelos e spots (P. henlei, P. orbignyi e Potamotrygon sp. B). Quando o padrão de colorido predominante é plotado por espécie sobre a hipótese filogenética (Fig. 14), observa-se um agrupamento das espécies com ocelos em um clado e das espécies com colorido no padrão spot, ou derivado deste, em outro. Figura 14. Padrões de coloridos predominantes das raias de água doce sobre a hipótese filogenética de Marques (2000). Espécies com * ocorrem na bacia Tocantins-Araguaia. 45 Tendo em vista que o colorido ocelado provavelmente é uma derivação do padrão spot, já que os embriões a termo e filhotes de espécies com padrão ocelado apresentam o padrão spot antes de desenvolverem o padrão ocelado, é possível afirmar que todas as espécies da hipótese filogenética em análise que ocorrem no rio Tocantins apresentam o padrão spot ao menos em uma fase do seu desenvolvimento. Ao considerarmos que o colorido dos filhotes provavelmente representa o colorido mais geral (primitivo), enquanto o colorido dos adultos reflete os processos adaptativos à caça, fuga de predadores e outros processos característicos da espécie (ORTOLANI & CARO, 1996), e que o padrão spot é registrado em outras espécies não considerados na hipótese filogenética ocorrentes na bacia Tocantins-Araguaia, é possível inferir que o padrão spot é o padrão de colorido mais primitivo para as espécies de Potamotrygon desta bacia hidrográfica. DISCUSSÃO Potamotrygon orbignyi foi identificada para o rio Paranã principalmente com base na sua morfologia, tamanho e fórmula dentária, tendo em vista que esta espécie é a única descrita para toda a bacia Tocantins-Araguaia com dentes levemente tricúspides, larguras máximas da coroa em torno de 1 mm em indivíduos adultos e em números superiores a 40 dentes por arcada. Estas características condizem com a descrição dos dentes do holótipo de P. orbignyi (CASTELNAU, 1855; MNHN-2333) feitas por ROSA (1985) em sua revisão da família Potamotrygonidae e considerados por este autor como diagnósticas para a espécie. Embora o holótipo de P. orbignyi não possa atualmente ser emprestado devido à fragilidade do material, é possível, através de 46 fotografias deste exemplar fornecidas por pesquisadores do Museu Nacional de História Natural de Paris, comprovar a fileira única de espinhos na cauda e o colorido cinza escuro. Análises de exemplares adicionais de P. orbignyi identificados por ROSA (1985) e depositados em diversas instituições nacionais, e recentes avanços da pesquisa em potamotrygonídeos desenvolvidos em conjunto com pesquisadores do Museu Paraense Emilio Goeldi-MPEG e Universidade Federal da Paraíba-UFPB, identificaram outras características potencialmente diagnósticas para esta espécie, tais como: presença de fortes sulcos labiais, identificação dos padrões de colorido dorsal e ventral e fileira única de espinhos caudais. Estas características, em conjunto, certamente identificam P. orbignyi em qualquer fase da vida, ao contrário da chave de identificação anteriormente proposta por ROSA (1985), que favorecia a identificação de exemplares adultos somente com o padrão de colorido reticulado. A morfologia do endoesqueleto de P. orbignyi também a difere das demais espécies do rio Tocantins no que tange a sua baixa calcificação, permanecendo transparente em alguns pontos até mesmo em indivíduos adultos, baixa inclinação da lâmina basal do crânio, maior largura relativa do forâmen do nervo óptico, fossa parietal dupla e oblonga fontanela posterior. Embora LOVEJOY (1996) tenha observado exemplares de P. orbignyi, nenhum dos caracteres citados acima é abordado em sua análise sistemática da família Potamotrygonidae devido ao fato deste autor não ter considerado mais intensivamente o neurocranium em seu estudo. Um grande número de caracteres com marcante variabilidade interespecífica foi observado no neurocranium, e desta forma, indicando sua potencialidade como fonte de informações para análises filogenéticas. Na sua generalidade, as análises filogenéticas da ordem Myliobatiformes não são totalmente conclusivas (ROSA, 1985; NISHIDA, 1990; LOVEJOY, 1996; McEACHRAN et al., 1996; MARQUES, 2000; DUNN et al., 47 2003; McEACHRAN & ASCHLIMAN, 2004; ISÁIS & DOMINGUEZ, 2004, CARVALHO et al., 2004), mas é consenso a identificação das Himanturas americanas como grupo irmão das Potamotrygon e que estas deveriam ser incluídas na família Potamotrygonidae (McEACHRAN et al., 1996). A validade dos caracteres escolhidos nestes estudos e sua variabilidade intra e interespecíficas, necessitam confirmação através de uma amostra maior e baseadas em identificações de campo fidedignas. De outra forma, incorre-se no risco de utilizar caracteres com maior plasticidade e/ou contaminação da amostra com espécies semelhantes, como por exemplo P. henlei e Potamotrygon sp. B ou P. orbignyi e P. scobina. O rio Paranã, que juntamente com o rio Maranhão formam os principais afluentes da cabeceira do rio Tocantins (RIBEIRO et al., 1995), apresenta uma baixa diversidade de espécies de raias de água doce quando comparado com as demais porções do rio Tocantins. A baixa diversidade de espécies nas cabeceiras dos rios é um padrão ecológico observado em rios tropicais (LOWE-McCONNELL, 1995) e muito se deve a dificuldades de acesso a essas regiões e especificidade de habitats, com menor variabilidade de nichos (RIBEIRO et al., 1995). No entanto, observa-se que as espécies com maior distribuição geográfica na bacia Tocantins-Araguaia (Paratrygon aiereba e Potamotrygon orbignyi) também são as únicas espécies registradas nestas cabeceiras, evidenciando a sua alta adaptabilidade. Estas espécies também apresentam ampla distribuição no restante da bacia Amazônica. Enquanto P. aiereba é registrada em quase toda a bacia Amazônica, desde os seus principais afluentes (Ucayali, Solimões, Amazonas, Negro, Branco e Madeira) até a bacia do rio Orinoco (CARVALHO et al., 2003), P. orbignyi apresenta registros na bacia do rio Orinoco na Venezuela, na Amazônia Colombiana, Guianas, Suriname e baixo Amazonas (ROSA, 1985; 48 CARVALHO et al., 2003). Segundo LOWE-McCONNELL (1995), é de se esperar maior similaridade específica longitudinal ao longo da bacia Amazônica, o que se reflete em maior semelhança entre as comunidades de raias de água doce entre as Guianas, Suriname, foz do rio Amazonas e bacia Tocantins-Araguaia que entre rios vizinhos como o Tapajós, Xingu e o Tocantins. Talvez isso explique o fato de haver ao menos uma espécie endêmica em cada uma dessas bacias (CHARVET-ALMEIDA e ARAÚJO4, com. pessoal) e um baixo número de espécies compartilhadas – somente P. orbignyi e P. aiereba. O registro de Potamotrygon sp. A., uma espécie nova na cabeceira do rio Tocantins, evidencia a superficialidade do conhecimento acerca deste grupo de peixes e a fragilidade das identificações destes animais em uma bacia supostamente bem conhecida (COSTI et al., 1977; PAIVA, 1983; SANTOS, et al., 1984; SANTOS & JEGU, 1989). A ocorrência de espécies novas nas porções médias e nas cabeceiras das bacias hidrográficas é um padrão previsto (ROSA, 1985; RIBEIRO, et al., 1995) e parece se confirmar também dentro dos elasmobrânquios de água doce. Contudo, a identificação de uma nova espécie (Potamotrygon sp. B) em exemplares identificados como P. henlei, uma espécie com grande importância econômica no mercado de peixes ornamentais, evidencia não somente a fragilidade do conhecimento sobre a família Potamotrygonidae, mas também o risco de depleção de um estoque antes mesmo de ser identificado. O ordenamento da pesca ornamental por meio de quotas específicas no Estado do Pará, que desde 2003 exportou aproximadamente 8000 exemplares de juvenis e sub-adultos de três espécies diferentes de raias de água doce (P. henlei, P. leopoldi e 4 Patricia Charvet-Almeida: Universidade Federal da Paraíba-UFPB; pchalm@nautilus.com.br. Lúcia Góes de Araújo: Universidade Estadual do Amazonas; Mlpotamotrygon@aol.com. 49 P. orbignyi), pode não estar sendo uma medida de manejo adequada devido a problemas de identificação. A distribuição de P. orbignyi nas coletas no rio Paranã, principalmente com base nos indivíduos com a cauda amputada pelos pescadores e já cicatrizada, evidencia que os indivíduos desta espécie não apresentam uma grande dispersão a partir do local onde vivem e foram marcados. Embora a porcentagem de indivíduos marcados tenha variado de 14 a 9% entre o primeiro e terceiro cruzeiros, esta variação não foi estatisticamente significativa e provavelmente reflete muito mais o acaso do que um decréscimo de indivíduos marcados devido à amostragem. O número de indivíduos marcados capturados na estação das chuvas ou da seca foi muito próximo – 11 e 8, respectivamente – indicando que estes animais possivelmente não efetuam migração ao longo do rio, restando confirmar uma possível migração batimétrica ou de habitat. Migrações batimétricas sazonais de elasmobrânquios para fins reprodutivos já foram observadas em diversas espécies na costa brasileira tais como Squatina guggenheim, Rhinobatos horkelii, Rhizoprionodon lalandii e Mustelus fasciatus (VOOREN, 1992, 1998; MOTTA, 2001; YOKOTA, 2005) e devido à variação do volume dos rios e disponibilidade de alimentos, é possível que as raias de água doce troquem de habitat entre as estações do ano. Os pescadores relatam que muitos exemplares de P. aiereba são extremamente territorialistas e podem ser identificados ao longo do tempo por preferirem certas bacias de pedras, raízes de árvores submersas ou entradas das margens do rio, onde repousam longamente durante o dia. Segundo os pescadores, estes mesmos animais são encontrados diversas vezes no mesmo local ao longo dos meses ou anos, chegando a ponto de serem capturados, identificados, soltos e recapturados diversas vezes. Este padrão de comportamento corrobora as evidências de baixa dispersão de P. 50 orbignyi e nos faz concluir que, ao menos em determinadas condições ambientais ou trechos de rios, as raias de água doce parecem preferir permanecer em uma mesma região ao longo de sua vida. O colorido em elasmobrânquios tem gerado estudos sobre o seu mecanismo fisiológico e suas implicações ecológicas (q. v. VISCONTI, et al., 1999 para uma revisão dos processos fisiológicos; WILSON & DODD, 1973; GRUBER et al., 1975; LOWE & GOODMAN-LOWE, 1996; KEMP, 1999). Particularmente nas raias de água doce, o colorido tem sido historicamente utilizado como a principal característica diagnóstica de muitas espécies (CASTELLO & YAGOLKOWSKI, 1969; ROSA, 1985) e recentemente analisada e avaliada a sua variabilidade intra-específica (ALMEIDA, 2003). O forte policromatismo de P. orbignyi no rio Paranã corrobora os estudos de ALMEIDA (2003), que também encontrou o mesmo padrão policromático em P. scobina para a baía de Marajó e, desta forma, evidencia o policromatismo como uma característica do gênero Potamotrygon. Esta característica se expressa na alternância de padrões de colorido (spot, ocelado, pontilhado, reticulado, vermiculado e roseta- modificada) ou no arranjo destes padrões sobre o dorso do animal. A alternância de padrões de colorido ao longo do crescimento é sugerida por ALMEIDA (2003) para P. scobina, que observou o padrão spot e roseta em indivíduos até 550 mm LD e o padrão escuro como predominante em indivíduos maiores. Embora os fatores fisiológicos envolvidos ainda não estejam totalmente esclarecidos, hormônios associados ao crescimento e maturidade sexual (prolactina) podem estar relacionados a essa alternância de padrões de colorido ao longo do crescimento do animal (VISCONTI et al., 1999). Diversas outras espécies de elasmobrânquios também apresentam alternância de padrão de colorido ao longo do crescimento (Galeocerdo cuvier, Chyloscyllium spp., 51 Stegostoma fasciatum, Hemiscyllium spp. e outros) (COMPAGNO et al., 2005) e acredita-se que a função ecológica desta alternância, principalmente em espécies recifais, seja evitar o canibalismo intra-específico através de um aviso aos adultos ou pela camuflagem (ALLEN, 1996). O surgimento do ocelo caudal em Cichla ocellaris, a princípio como um spot, parece estar associado à comunicação intra-específica e ocorre na fase juvenil mais vulnerável, logo após abandonar os pais (ZARET, 1977; SCHROEDER & ZARET, 1979). A função ecológica desta alternância do colorido em raias de água doce ainda requer maiores estudos tendo em vista que o canibalismo não parece ocorrer nestes animais. A análise de distribuição dos padrões de colorido sobre a hipótese filogenética proposta por MARQUES (2000) indica uma predominância dos padrões spot-ocelado no clado onde as espécies da bacia Tocantins-Araguaia se concentram. Embora P. orbignyi, e P. scobina apresentem diversos padrões discutidos anteriormente, os resultados apresentados neste estudo, ROSA (1985) e ALMEIDA (2003), evidenciam que o padrão spot, ou variações diretas deste (roseta e ocelado), são predominantes nestas espécies na bacia Tocantins-Araguaia. Desta forma, P. orbignyi e P. scobina foram consideradas como spot-ocelado e spot, respectivamente. O padrão geral do colorido em adultos, aliado ao colorido dos embriões e filhotes, que provavelmente representa o colorido mais geral (primitivo) e não adaptado à caça, fuga de predadores e/ou reprodução (ORTOLANI & CARO, 1996), evidenciam um colorido predominantemente spot para as espécies do rio Tocantins e por conseqüência, o mesmo padrão de colorido como o mais primitivo dentre as espécies do rio Tocantins. Contudo, deve-se considerar a possibilidade de que o padrão spot em embriões e neonatos reflita tão somente a incapacidade dos cromatóforos de se organizarem em padrões distintos ou 52 que o padrão spot esteja sendo determinado por uma relação filogenética maior que englobe todas as espécies do gênero Potamotrygon - presumindo que o gênero seja monofilético - e não somente a expressão da relação filogenética entre as espécies do rio Tocantins. Ao analisar-se a hipótese filogenética proposta por MARQUES (2000) baseada em seqüências genéticas do citocromo-b, deve-se considerar também a baixa amostragem taxonômica perante a diversidade do gênero Potamotrygon e o método utilizado. Tendo em vista o baixo número de espécies do gênero Potamotrygon, pelo menos 16 espécies segundo avaliações recentes (CARVALHO et al., 2003), é recomendável que uma análise filogenética seja feita com o maior número possível de taxa a fim de se garantir a sua precisão (HILLIS, 1996). 53 LITERATURA CITADA ALLEN, T. B. Shadows in the sea. The Sharks, skates and rays. Lyons & Burford Publishers. 354p. 1996. ALMEIDA, M. P. Pesca, policromatismo e aspectos sistemáticos de Potamotrygon scobina Garman, 1913 (Chondrichthyes: Potamotrygonidae) da região da Ilha de Colares – Baía de Marajó – Pará. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará e Museu Paraense Emílio Goeldi. 145p. 2003. ARAÚJO, M. L. G. Biologia reprodutiva e pesca de Potamotrygon C (Chondrichthyes- Potamotrygonidae), no médio rio Negro, Amazonas.171p. 1998. BROOKS, D. R., THORSON, T. B. & MAYES, M. A. Freshwater stingrays (Potamotrygonidae) and their helminth parasites: testing hypotheses of evolution and coevolution. In: FUNK, V. A. & BROOKS, D. R. (eds.). Advances in cladistics. Proceedings of the first meeting of the Willi Henning Society. New York Botanical Garden, New York. p. 147-175. 1981. CARVALHO, M.R., LOVEJOY, N.R. & ROSA, R.S. Potamotrigonidae. In: REIS, R.E., KULLANDER, S. O. & FERRARIS, C. J. JR. (eds) Check List of the Freshwater Fishes of South and Central America. Edipucrs, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. p. 22-28. 2003. CASTELNAU, F. L. Animaux nouveaux ou rares recueillis pendant l’expédition dans lês parties centrales de l’Amerique du Sud, de rio de Janeiro a Lima, et de Lima au Para. Vol. 2. P. Bertrand, Paris. p. 101-103. Pl. 48. 1855. CASTELLO, H. 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