PROFISSÃO: ASSIStente SOcIAl Edméia Corrêa NEtto Profissão: assistente social Conselho Editorial Acadêmico Responsável pela publicação desta obra Prof. Dr. Pe. Mário José Filho (Coordenador) Profa. Dra. Cirlene Ap. Hilário da Silva Oliveira (Vice-coordenadora) Profa. Dra. Helen Barbosa Raiz Engler Prof. Dr. José Walter Canôas Edméia Corrêa NEtto Profissão: assistente social © 2010 Editora UNESP Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001 ‑900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242 ‑7171 Fax: (0xx11) 3242 ‑7172 www.editoraunesp.com.br feu@editora.unesp.br Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró -Reitoria de Pós -Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) CIP – Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ C844p Corrêa Netto, Edméia Profissão : assistente social / Edméia Corrêa Netto. – São Paulo : Cultura Acadêmica, 2010. 280p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-083-9 1. Serviço social. 2. Assistentes sociais. I. Título. 10-6453. CDD: 361 CDU: 364 À minha mãe, Irene Ao meu pai, José (in memoriam) Ao Vagner À Lívia Agradecimentos agradecer agora às pessoas que fizeram parte desta caminhada é tarefa quase impossível. algumas companheiras e companheiros de jornada participaram mais intensamente dos desafios e lutas. minha gratidão, especialmente, à orientadora professora dra Neide ap. de Souza Lehfeld, pela acolhida, pela disponibilidade, pelas sugestões sempre a partir do conhecido e vivenciado, por per­ mitir liberdade de pensamento e expressão. E também pela infinita paciência e compreensão dos meus difíceis momentos para conci­ liar trabalho, família e tese. aos professores doutores mario José Filho e maria Ângela ro­ drigues alves de andrade pelo carinho com que me acompa­ nharam desde o mestrado, pelas oportunas sugestões em muitos momentos, nas aulas, nos corredores da universidade, pelas impor­ tantes sugestões na banca de qualificação. aos professores doutores raquel Santos Sant’ana, Pe mário José Filho, Eliane Vecchi Pereira e telma Sanches Vendrúscolo por participarem da banca de defesa e pelas valiosas observações. À professora doutora raquel Santos Sant’ana, pelo carinho, sugestões, reflexões no grupo de estudo teoria Social de marx e Serviço Social e apoio na minha reincursão acadêmica desde o mes­ trado. 8 EDméIA CoRRêA NETTo ao professor doutor José Fernando Siqueira da Silva, pelos diá­ logos e reflexões no grupo de estudo teoria Social de marx e Ser­ viço Social, e pelas valiosas sugestões de leitura para o tema. a compreensão e o apoio da dona isaura, da Geisa, na Prefei­ tura de Bebedouro, depois do alfredo, da maria José, da maria Cristina, da Lu em Barretos, do José Lázaro, da Flávia, da meire, da Cristina e de tantos colegas e alunos de Barretos e Guaxupé, do Edson, do rosemar, do adriano, da márcia, da inês, da rose, da mariângela, da Simone e da débora, no Fórum em Barretos, para que pudesse prosseguir no aperfeiçoamento profissional, foram fun damentais. o pensamento, sempre em algum lugar que não fosse o trabalho a ser executado, acarretou várias “panes” invo­ luntárias no cotidiano profissional, relevadas pela compreensão de todos. Vocês fazem parte do meu coração. as longas horas de conversa na casa da minha mãe, os relatos das emoções de quem anda na estrada, as boas discussões para re­ solver os problemas do mundo com minha mãe, meu irmão Edinho, minha irmã Helô, têm sido momentos de crescimento, mas so­ bretudo de calor humano, de companheirismo e cumplicidade no pen sar e no fazer, ainda que com as nossas diferenças, que apren­ demos a compreender e a valorizar. a presença de meus cunhados Janaína e Pedro, que se assustaram no início com as conversas que mais pareciam uma feira de ideias no verdadeiro espírito italiano de muito amor e fortes emoções no falar e no agir. Como é possível conviver nas diferenças? Não sei, só sei que amo vocês e que o tempo das tortas de morango vai chegar outra vez. a sabedoria e a tolerância da minha mãe, que consegue nos in­ dividualizar, que nos fortalece e incentiva em cada momento, na diversidade de cada um à sua volta. a materialidade da contribuição financeira para os estudos por parte dos meus pais irene e José, e do meu irmão Edinho. a presença do thales é um estímulo à juventude, à energia do fazer, um ombro gostoso para deitar e se aconchegar, disposto a ca­ minhar junto, preferindo a família para prosseguir na sua vida. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 9 Wilma e Edson, a vida é feita de parcerias, e assim vamos dando certo, junto com a aline e o Fernando, no caminho para a vida adulta e independente. dona isaura e “seu” Paulo: momentos difíceis, sofrimento, pas­ sagem do meu sogro para a vida espiritual, também fizeram parte da vida no tempo do doutorado. mas vamos vencendo, dia por dia, aprendendo que vale a pena viver em união. Vagner e Lívia. Que dizer de vocês? São a razão do meu viver, e foram os mais roubados no tempo de aconchego, de namorar, de conversar, de brincar, de passear, de simplesmente não fazer nada. Explicar para os amigos que a mãe está presente ­ausente (que binômio é este? a presença é o desvendamento da aparente au­ sência? ou a ausência o desvendamento da aparente presença?) em muitas coisas, inclusive nos finais de semana, porque “minha mãe faz essas coisas de mestrado, de doutorado, sabe como é, dão muito trabalho”, foi difícil e quase incompreensível, não fosse a profunda sensibilidade e a precoce maturidade na sua infância. Contar com uma companheira que por vários anos não acom­ panha, e segue no mesmo estilo de presença ­ausência, exigiu mala­ barismos para a vida doméstica cotidiana. tornamo ­nos artistas? acho que não, mas nos tornamos mais maduros e mais compa­ nheiros, mais afetuosos, encontrando sentido onde há o caos apa­ rente, amor e companheirismo nas horas de separação entre livros, cadernos, computador e... três amorosas cachorrinhas, mel, Petty e Pérola, da mais pura raça VL (para os que não são entendidos em animais domésticos, é preciso esclarecer: Vira ­Lata). o bom humor e a tranquilidade da maria Lélia na organização da casa, que sacrificou suas férias para atender minhas necessi­ dades, pois tudo teria sido muito mais difícil sem sua presença. Às amigas de muitos anos, irmãs de coração, Eliane, Elaine, Silvia e márcia, vocês são simplesmente demais! os anos se pas­ saram (nem percebi!), mas nossas conversas continuam interminá­ veis, em qualquer lugar, na rua, em casa, no ônibus, num barzinho. ajudaram ­me a pensar, a refletir e a prosseguir. 10 EDméIA CoRRêA NETTo o apoio, a clareza de ideias, a capacidade de síntese da marga­ rida. Sem você, a pesquisa teria sido muito mais difícil. a doçura e a amizade, os apontamentos, a paciência da meire­ ­Bebedouro, para ouvir e ler as primeiras elaborações. aos meus alunos e alunas, pela partilha, pelas constantes in­ quietações que produzem salutares reflexões e debates, e ajudam a manter viva a minha sede de saber. a todas as assistentes sociais, mais velhas, mais jovens, no meio do caminho... Partilhamos sonhos, loucuras, dificuldades, tris­ tezas... a pesquisa se transformou em ponto de encontro, em par­ tilha, em reflexão dos avanços, dos desafios, e, por que não dizer, dos retrocessos também. Uma deliciosa aventura profissional! Pensamos, logo, existimos. À diretora do departamento municipal de Promoção Social, maria aparecida Chimello dos Santos, meu sincero agradecimento pelo acesso às informações. ao pessoal da Pós ­Graduação da UNESP – Franca, pela com­ petência, profissionalismo e atenção, presença marcante em quase cinco anos de mestrado e doutorado. ao pessoal da biblioteca da UNESP – Franca, pelo cuidado e atenção durante os anos de estudo. Em especial ao márcio, pela de­ dicação nos momentos finais. ao meu pai, José, uma ausência ­presença. Com sua partida, não pôde estar de corpo presente no final da minha aventura, mas está no meu coração e na minha mente, seu espírito sobrevive, li­ berto dos incômodos do corpo doente. a deus, por ter me permitido chegar até este momento. o momento da fase final da aventura também pertence a vocês. Que sejam fortalecidos nas lutas de cada um e nos sonhos de um mundo melhor. obrigada pela partilha, pelo caminhar juntos, e que continue mos parceiros e cúmplices no pensar e no fazer, socializando experiên­ cias da incrível aventura da vida. Sumário Lista de siglas 13 Lista de tabelas 15 Lista de gráficos 19 Lista de mapas 21 introdução 23 o trabalhador assistente social 75 Cotidiano profissional nas entidades sociais 171 Considerações finais 251 referências bibliográficas 267 Lista de sigLas abess associação Brasileira de Ensino em Serviço Social abepss associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social anas associação Nacional de assistentes Sociais aaa associação antialcoólica – Bebedouro adB associação dos deficientes de Bebedouro apae associação de Pais e amigos dos Excepcionais – Bebedouro appret associação Protetora dos Pacientes renais e transplantados – Bebedouro e região artsol associação arte e Solidariedade avida associação de Valorização integral dos deficientes auditivos Bid Banco internacional de desenvolvimento BPC Benefício de Prestação Continuada Caecc Centro assistencial Espírita do Calvário ao Céu Cefa Comunidade Educativa Figuls assunção Ceprobem Centro de Estudos e Projetos para o Bem ­Estar do menor CFaS Conselho Federal de assistentes Sociais CFESS Conselho Federal de Serviço Social Cieb Centro integrado de Equoterapia de Bebedouro CLt Consolidação das Leis trabalhistas CmaS Conselho municipal de assistência Social CmdCa Conselho municipal dos direitos da Criança e do adolescente 14 EDméIA CoRRêA NETTo CmPPNE Conselho municipal da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais CmS Conselho municipal da Saúde CNaS Conselho Nacional de assistência Social Cras Conselho regional de assistentes Sociais Cras Centro de referência de assistência Social Cress Conselho regional de Serviço Social dCa desenvolvendo a Criança e o adolescente dFC diagnóstico Familiar e Comunitário dieese departamento intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos Enesso Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social Fenas Federação Nacional de assistentes Sociais FHC Fernando Henrique Cardoso Fmi Fundo monetário internacional Gaib Grupo antialcoólico independente de Bebedouro Gife Grupo de institutos, Fundações e Empresas Glav Grupo Luta e amor à Vida ibene instituto Bebedourense de Nefrologia iCV Índice do Custo de Vida imesb instituto municipal de Ensino Superior de Bebedouro Loas Lei orgânica da assistência Social oaB ordem dos advogados do Brasil oS organização Social oscip organização da Sociedade Civil de interesse Público PNaS Política Nacional de assistência Social PPd Pessoa Portadora de deficiência Senac Serviço Nacional do Comércio Sessune Secretaria de Serviço Social da União Nacional dos Estudantes (UNE), criada em 1988. Em 1993, a Sessune se transforma na Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (Enesso) SSaF Serviço Social de atendimento Familiar Unimed Cooperativa médica Lista de tabeLas tabela 1 – Faixa etária da população do município 30 tabela 2 – Número de assistentes sociais no município 33 tabela 3 – assistentes sociais nas entidades sociais 36 tabela 4 – Classificação dos municípios segundo total de habitantes 114 tabela 5 – Faixa etária das assistentes sociais 123 tabela 6 – Função na instituição 124 tabela 7 – tempo de trabalho na instituição 125 tabela 8 – tempo de Serviço Social na instituição 126 tabela 9 – Local de formação 127 tabela 10 – ano de formação 128 tabela 11 – Conhecimento da legislação profissional 134 tabela 12 – Quantidade de vínculos de trabalho 143 tabela 13 – Carga horária por vínculo de trabalho 144 tabela 14 – Carga horária semanal total 146 tabela 15 – renda mensal na entidade social 155 tabela 16 – renda mensal total como assistente social 156 tabela 17 – Exercício de outra atividade rentável 157 tabela 18 – desemprego 158 tabela 19 – Espaço físico na entidade social 159 tabela 20 – Locais indicados para atendimento 160 tabela 21 – disponibilidade de sala para reunião 161 tabela 22 – Equipamentos disponíveis 162 tabela 23 – incentivo para aprimoramento profissional 164 tabela 24 – tipos de incentivo para o aprimoramento profissional 165 16 EDméIA CoRRêA NETTo tabela 25 – atividades e/ou projetos que desenvolve 197 tabela 26 – Procedimentos realizados 205 tabela 27 – Participação em conselhos 209 tabela 28 – Participação em reuniões com assistentes sociais de outras instituições 210 tabela 29 – tipo de relacionamento com outras assistentes sociais 211 tabela 30 – Frequência dos contatos com outras assistentes sociais 212 tabela 31 – Contato com profissionais de outras áreas 213 tabela 32 – tipo de relacionamento com profissionais de outras áreas 214 tabela 33 – Frequência dos contatos com profissionais de outras áreas 215 tabela 34 – Contato com diretoria da instituição 216 tabela 35 – tipo de contato com diretoria da instituição 217 tabela 36 – Frequência de contato com a diretoria 218 tabela 37 – Participação no processo decisório e planejamento da instituição 220 tabela 38 – oferecimento de estágio supervisionado 223 tabela 39 – motivos para não oferecer estágio supervisionado 223 tabela 40 – Participa ou participou de reuniões de supervisores de campo com professores de cursos de Serviço Social 225 tabela 41 – Participa ou participou em grupo de estudo 227 tabela 42 – tipo de grupo de estudo 228 tabela 43 – desenvolvimento de atividade religiosa 238 tabela 44 – tipo de participação religiosa 239 tabela 45 – desenvolvimento de atividade política (associação, sindicato, partido político) 240 tabela 46 – tipo de participação política 240 tabela 47 – Participação em atividade de organização da categoria profissional 242 tabela 48 – motivo para a não participação 242 PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 17 tabela 49 – desenvolvimento de habilidade artística 243 tabela 50 – tipo de habilidade artística 244 tabela 51 – atividades de lazer 245 tabela 52 – tempo semanal para o lazer 246 Lista de gráficos Gráfico 1 – assistentes sociais no município 33 Gráfico 2 – Faixa etária das assistentes sociais 123 Gráfico 3 – Função na instituição 124 Gráfico 4 – tempo de trabalho na instituição 125 Gráfico 5 – tempo de Serviço Social na instituição 126 Gráfico 6 – Local de formação 128 Gráfico 7 – ano de formação 129 Gráfico 8 – Conhecimento da legislação profissional 135 Gráfico 9 – tipos de vínculo de trabalho 136 Gráfico 10 – Quantidade de vínculos de trabalho 143 Gráfico 11 – Carga horária por vínculo de trabalho 145 Gráfico 12 – Carga horária semanal total 146 Gráfico 13 – renda mensal na entidade social 155 Gráfico 14 – renda mensal total como assistente social 156 Gráfico 15 – Exercício de outra atividade rentável 157 Gráfico 16 – desemprego 158 Gráfico 17 – Espaço físico na entidade social 159 Gráfico 18 – Locais indicados para atendimento 161 Gráfico 19 – disponibilidade de sala para reunião 162 Gráfico 20 – Equipamentos disponíveis 163 Gráfico 21 – incentivo para aprimoramento profissional 164 Gráfico 22 – tipos de incentivo para o aprimoramento profissional 166 Gráfico 23 – atividade e/ou projetos que desenvolve 198 Gráfico 24 – Procedimentos realizados 206 20 EDméIA CoRRêA NETTo Gráfico 25 – Participação em conselhos 209 Gráfico 26 – Participação em reuniões com assistentes sociais de outras instituições 210 Gráfico 27 – tipo de relacionamento com outras assistentes sociais 212 Gráfico 28 – Frequência dos contatos com outras assistentes sociais 213 Gráfico 29 – Contato com profissionais de outras áreas 214 Gráfico 30 – tipo de relacionamento com profissionais de outras áreas 215 Gráfico 31 – Frequência dos contatos com profissionais de outras áreas 216 Gráfico 32 – tipo de contato com diretoria da instituição 217 Gráfico 33 – Frequência de contato com a diretoria 218 Gráfico 34 – Participação no processo decisório e planejamento da instituição 220 Gráfico 35 – motivos para não oferecer estágio supervisionado 224 Gráfico 36 – Participa ou participou de grupo de estudo 227 Gráfico 37 – tipo de grupo de estudo 229 Gráfico 38 – desenvolvimento de atividade religiosa 239 Gráfico 39 – tipo de participação religiosa 239 Gráfico 40 – desenvolvimento de atividade política (associação, sindicato, partido político) 240 Gráfico 41 – tipo de participação política 241 Gráfico 42 – Participação em atividade de organização da categoria profissional 242 Gráfico 43 – motivo para a não participação 243 Gráfico 44 – desenvolvimento de habilidade artística 243 Gráfico 45 – tipo de habilidade artística 244 Gráfico 46 – atividade de lazer 245 Gráfico 47 – tempo semanal para o lazer 246 Lista de mapas mapa 1 – Localização regional e estadual do município de Bebedouro 31 mapa 2 – Localização das entidades sociais no município 37 1 introdução Minhas opiniões sobre trabalho estão dominadas pela nostalgia de uma época que ainda não existe, na qual, para o trabalhador, a satisfação do ofício, originada do domínio consciente e proposital do processo de trabalho, será combinada com os prodígios da ciência e do poder criativo da engenharia, época em que todos estarão em condições de beneficiar ‑se de algum modo desta combinação. Braverman, 1987, p.18 o Serviço Social enquanto profissão faz parte de nossa trajetória de vida desde o final da década de 1970 e início dos anos 1980,1 quando descobrimos que as atividades que desejávamos executar pertenciam não à Psicologia, como pensávamos, mas à profissão de assistente social. Uma profissão ainda pouco conhecida na cidade interiorana de Bebedouro, mas o curso encheu ­nos a alma, com o desejo de exe­ 1. Cursamos Serviço Social entre 1979 e 1982, na Unaerp. 24 EDméIA CoRRêA NETTo cutar o que estávamos aprendendo, um misto de psicologismo e criticismo, com leituras de livros de Paulo Freire quase às escon­ didas, aprendizado de técnicas de planejamento e projetos, de dife­ rentes abordagens para entrevistas individuais, trabalho em grupo e em comunidade. Era o tempo de Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo e Serviço Social de Comunidade, na visão ainda fragmentada das necessidades sociais, ainda que já se sentissem crí­ ticas ao modelo. a trajetória na profissão foi marcada pelo desafio constante de provar às pessoas envolvidas no trabalho, que ser assistente social era, sim, uma profissão, e que suas atividades compreendiam algo mais do que distribuir cestas básicas,2 e que a visita domiciliar não era para destampar panelas no fogão, nem abrir armários para con­ ferir o que estava sendo feito com a alimentação e o leite recebidos, e tampouco ensinar a lavar roupas e tirar piolhos das cabeças de todos os integrantes da família. Vez por outra, escutamos histórias de alunos em seus estágios e de profissionais recém ­formados relatando que são ainda confron­ tados com a mesma realidade e que, muitas vezes, a grande dificul­ dade em fazer avançar o trabalho está no entendimento que as pessoas dirigentes em geral possuem do Serviço Social, tanto na esfera pública como na privada. E, muitas vezes, o profissional, dependente do seu salário, é obrigado a realizar tarefas nem sempre específicas do Serviço So­ cial, a interromper projetos e ações com a mudança de governos ou de diretorias. No entanto, ouvimos igualmente relatos de mu­ danças positivas na esfera de ação do Serviço Social quando as pes­ soas dirigentes, em qualquer setor, são assistentes sociais ou têm familiaridade com a profissão, permitindo um avanço nos serviços prestados. 2. Nas décadas de 1970 e 1980, e talvez anteriores, ao menos em Bebedouro, eram chamadas popularmente de “sacolas”, porque os mantimentos eram geralmente entregues por entidades sociais em grandes sacolas de tecido de brim azul­ ­escuro, com alças reforçadas. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 25 Sabemos que a filantropia e a política do favor e da dominação, quando não a política da repressão,3 percorrem a história da assis­ tência social e da própria profissão até os dias atuais. Nossa experiência em entidades sociais, no poder público mu­ nicipal – seja como concursada, seja como contratada para cargo em comissão –, na docência privada e no poder público estadual4 tem provocado profundas inquietações, numa conjugação de ele­ mentos: a decantada filantropia, a política de favor, a subalterni­ dade, a alienação e a identidade da profissão, conjugados aos limites institucionais e à condição de assalariamento. Eles compõem par­ ticularidades profissionais que mediatizam a ação singular pro­ fissional. as condições de emprego, com formas cada vez mais flexibilizadas e precarizadas no mundo do trabalho, afetam direta­ mente a condição de sobrevivência do profissional e de sua família. a construção teórica do Serviço Social no Brasil, sobretudo a partir de 1980, tem sido rica para a compreensão da profissão em seus limites e possibilidades, desvendando aspectos fundamentais para fazer avançar o complexo arcabouço teórico ­metodológico da área, como os estudos de iamamoto, Netto, Yasbek, martinelli, Serra, mota, Falleiros, Pontes, que já se constituem em referências internacionais, especialmente para a américa Latina, com diversos títulos já traduzidos para a língua espanhola. os eventos científicos nacionais e internacionais específicos do Serviço Social ou de áreas de atuação têm apresentado grande par­ ticipação de profissionais do Brasil, de países da américa Latina 3. Em março de 2007 foi amplamente divulgada pela mídia a ação da Prefeitura de apucarana (Pr) de recolher moradores de rua e itinerantes, fichá ­los na dele­ gacia de polícia por vadiagem. o recolhimento de um total de 15 pessoas foi feito por assistentes sociais acompanhadas de policiais militares e, após o fichamento policial em delegacia, essas pessoas foram encaminhadas para as cidades de origem (a maioria), e os da cidade, para suas famílias ou para abrigos. Notícia disponível em . 4. desde novembro de 2007, atuamos como assistente social judiciária na comarca de Barretos (SP). 26 EDméIA CoRRêA NETTo e de todos os continentes do mundo, ainda que com menor re­ presentatividade. Consideramos o estudo de grande relevância, em especial porque as organizações não governamentais têm representado um espaço importante de trabalho profissional. Seu crescimento quantitativo na prestação de serviços assistenciais tem exigido a incorporação de as­ sistentes sociais, inclusive para adequação à legislação atual da assis­ tência social, e é preciso conhecer melhor esse espaço de trabalho. a docência, principalmente nas disciplinas de trabalho e So­ ciabilidade e Fundamentos Históricos, teórico ­metodológicos em Serviço Social, tem proporcionado continuamente leituras, ques­ tionamentos dos alunos e também de colegas, o que muito cola­ borou para as reflexões. alunos, profissionais mais antigos ou mais jovens comumente relatam situações em que estão presentes todos os problemas que têm caracterizado a trajetória histórica do Serviço Social no Brasil, como os limites institucionais e a dependência do salário, também nas formas mais precarizadas, para a subsistência, ainda que te­ nham consciência crítica e desejo de agir de acordo com os prin­ cípios ético ­políticos e com a legislação em vigor. a condição material, objetiva em que se desenrola a atuação profissional a determina em muitos aspectos. No entanto, é possível também observar avanços e que a postura profissional é, sem dúvida al­ guma, um fator altamente relevante no direcionamento das forças conjunturais de um determinado momento histórico, impulsio­ nando, otimizando os aspectos transformadores, de modo a ofe­ recer resistência nos momentos de retrocesso, ou, contrariamente, favorecer o avanço da retroação, se é que é possível usar essa ex­ pressão paradoxal. Partimos preliminarmente do entendimento de que a condição de assalariamento dos profissionais e as contemporâneas modifica­ ções no mundo do trabalho correspondem a determinações con­ cretas deste momento histórico da práxis profissional do Serviço Social, considerado como profissão que se insere na divisão socio­ técnica do trabalho no capitalismo maduro. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 27 No presente estudo, nossa atenção voltou ­se para compreender as condições objetivas e subjetivas do processo de trabalho de assis­ tentes sociais em entidades sociais no município de Bebedouro. a ação profissional já tem sido objeto de análise em diversos es­ tudos, porém, com menos frequência busca ­se investigar as reais condições de trabalho que o assistente social encontra em seu coti­ diano profissional. Nossa análise procura compreender o processo de trabalho do Serviço Social em entidades sociais de modo a descartar, a priori, tanto a tendência fatalista que considera que os limites do espaço profissional são insuperáveis, como a tendência messiânica que considera o assistente social um profissional independente, com autonomia quase absoluta para desenvolver propostas transforma­ doras da realidade, desconsiderando a verdadeira inserção profis­ sional na realidade concreta. as duas abordagens, tanto a fatalista como a messiânica, não re­ levam a historicidade social a partir da realização dos homens, as particularidades da profissão e os elementos que a singularizam em determinado momento histórico e em cada processo de trabalho. Procuramos então responder à questão: quem são os profissio­ nais que estão nas entidades sociais? Quais as condições objetivas e subjetivas da ação profissional nesse espaço de trabalho? o que se revela por trás da cotidianidade, o que há de significativo para além da repetição cotidiana? Nosso universo de investigação foi constituído por todas as en­ tidades sociais regularmente inscritas no Conselho municipal de assistência Social (CmaS) no ano de 2008. isso significa que as entidades sociais tinham que estar em dia com o CmaS com suas obrigações referentes ao ano de 2007, como a apresentação de re­ latórios das atividades realizadas e a prestação de contas ao órgão gestor, além de projetos para 2008. após a definição da assistência social na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 203 e 204, como integrante da política de seguridade social, e que deve ser prestada “a quem dela neces­ sitar” (art. 203), a Lei orgânica de assistência Social (Loas), de 28 EDméIA CoRRêA NETTo no 8.742/93, vem estabelecer com maior precisão a assistência so­ cial em seu artigo 1o: a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de ini­ ciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às ne­ cessidades básicas. a Constituição estabelece ­a como política pública, dever do Estado, tendo por diretriz “descentralização político ­adminis tra­ tiva, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas es­ tadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social” (grifo nosso) – artigo 204, parágrafo i. o disposto referente à participação de entidades beneficentes e de assistência social abre brechas para que o Estado deixe de cum­ prir integralmente a sua função pública, podendo “dividir” sua responsabilidade com as organizações beneficentes da sociedade civil, principalmente as já envolvidas na assistência social. E no seu artigo 3o define as instituições que podem fazer parte da assistência social: Consideram ­se entidades e organizações de assistência social aquelas que prestarem, sem fins lucrativos, atendimento e assesso­ ramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos. Utilizamos no presente estudo a nomenclatura entidades, or­ ganizações não governamentais, ou simplesmente instituições, re­ ferindo ­nos sempre às não governamentais. muito embora não sejam objetos de nosso estudo, questões como o público e o pri­ vado, o chamado “terceiro setor” e as políticas sociais públicas per­ passam todo o trabalho. de 2002 a 2008 mantivemos contatos com profissionais, inte­ grantes do Conselho municipal de assistência Social (CmaS) e do PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 29 departamento municipal de Promoção Social, seja pela relação de trabalho, seja pela pesquisa ora levada a efeito, o que nos permitiu o acesso às profissionais e instituições. Nosso estudo foi caracterizado por momentos de grandes di­ ficuldades, ocasionados não pelas profissionais, pois quase todas aquiesceram prontamente em participar, mas pelas contingências do momento histórico vivenciado e da conjuntura política, pois era ano de eleições municipais (2008). a instabilidade nos postos de trabalho em todos os setores da sociedade, inclusive na área social, potencializada nos momentos de crise econômica como a que se iniciou em 2008 em âmbito mun­ dial, obrigou ­nos a uma reflexão mais profunda sobre a meto do lo­ gia da pesquisa, bem como o fato de ser ano eleitoral nos municípios, o que acirrava as diferenças e os conflitos entre os diferentes grupos políticos, principalmente no segundo semestre do ano, o que difi­ cultou a organização de reuniões entre profissionais, devido ao fato de muitas delas possuírem vínculos com o poder público municipal ou pelo envolvimento de dirigentes das entidades sociais em que trabalham na disputa política. assim considerando, nosso cuidado foi redobrado no sentido de preservar o sigilo da identidade dos sujeitos e das informações ob­ tidas através do questionário. Procuramos aprofundar os aspectos, cujas mediações foram surgindo a partir do próprio processo investigatório, como a pre­ carização e a flexibilização nas relações de trabalho do assistente social. os questionários foram aplicados no período de julho de 2008 a fevereiro de 2009. importante salientar que os sujeitos da pesquisa foram infor­ mados quanto aos objetivos do estudo, não existindo qualquer obrigatoriedade para a participação, nem foi concedido nenhum tipo de indenização às participantes, que assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme preceitua a reso­ lução no 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. 30 EDméIA CoRRêA NETTo Contextualizando o universo da pesquisa o município de Bebedouro, localizado no norte do Estado de São Paulo, distante 345,4 km da capital, com 74.815 habitantes de acordo com o iBGE/2000,5 possui taxa de urbanização de 93,52%, com uma população urbana de 69.964 habitantes e rural de 4.851 habitantes. Pertence à microrregião de Jaboticabal e à mesorregião de ribeirão Preto. Segundo o atlas de desenvolvimento Humano, Bebedouro possui a composição por faixa etária mostrada pela tabela 1. tabela 1 – Faixa etária da população do município Faixa etária 1991 2000 menos de 15 anos 21.624 19.690 15 a 64 anos 42.251 49.593 65 anos e mais 3.888 5.532 Total 67.763 74.815 de acordo com a classificação de municípios estabelecida pela Política Nacional de assistência Social em 2004 (PNaS/2004), Bebedouro é um município de médio porte, que abrange números entre 50.001 a 100.000 habitantes. No município de Bebedouro existem somente mulheres no exer cício da profissão de assistentes sociais, o que nos levou a optar pela referência feminina. realizamos um levantamento geral de assistentes sociais no município, iniciado na reunião com as profissionais para falar da 5. Utilizamos os dados do censo do iBGE de 2000 por serem mais completos. de acordo com a Fundação Seade (Sistema Estadual de análise de dados), a popu­ lação estimada do município para 2008 é de 77.674 habitantes, com uma dife­ rença para mais de 2.859 pessoas em relação ao ano de 2000. isto representa um crescimento populacional em oito anos de apenas 3,82%, o que consideramos não relevante para a caracterização populacional. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 31 m ap a 1 – L oc al iz aç ão re gi on al e e st ad ua l d o m un ic íp io d e B e­ be do ur o Fo nt e: G oo gl e, d ad os c ar to gr áf ic os , 2 00 9, d is po ní ve l e m : < ht tp :/ / m ap s. go og le .c om .b r/ m ap s? hl = pt ­B r & ta b= w l& q= be be do ur o> . a ce ss o em 1 0/ 1/ 20 09 . 32 EDméIA CoRRêA NETTo pesquisa e em contatos pessoais e telefônicos com outras profissio­ nais e instituições. Constatamos que existem em Bebedouro 58 postos de trabalho, que são ocupados por 41 assistentes sociais, assim distribuídas: – iNSS (Federal): três assistentes sociais em três postos de trabalho. – tribunal de Justiça (Estadual): duas assistentes sociais em dois postos de trabalho. – Prefeitura municipal: 18 assistentes sociais em 19 postos de tra­ balho: • assistência Social: onze assistentes sociais, sendo sete efetivas; duas contratadas por processo seletivo por tempo determi­ nado; duas contratadas para cargo em comissão. • Saúde: sete assistentes sociais, sendo cinco efetivas e duas con­ tratadas por processo seletivo por tempo determinado. • departamento de recursos Humanos: uma assistente social, efe tiva (trabalha também no departamento de Promoção So­ cial). – Entidades sociais: 21 assistentes sociais, distribuídas em 28 postos de trabalho. das 21, seis trabalham na Prefeitura mu nicipal. – Empresas: seis assistentes sociais empregadas em seis postos de trabalho, e, destas, três trabalham na Prefeitura municipal. • Unimed (Cooperativa de trabalho médico): duas assistentes sociais. • instituto Bebedouro de Nefrologia (ibene): uma assistente so­ cial. • transportadora: uma assistente social. • Senac: duas assistentes sociais, que não são contratadas com a denominação de assistente social, mas a instituição as reco­ nhece como profissionais de Serviço Social.6 trabalham na área de educação profissionalizante. 6. realizamos contato telefônico e perguntamos se havia assistente social no local, e a telefonista informou que existem duas e seus horários de trabalho. Conver­ samos por telefone com uma das profissionais. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 33 tabela 2 – Número de assistentes sociais no município Serviço Público Setor Privado Federal Estadual municipal Entidades sociais Empresa 3 2 18* 21** 6*** Fonte: Pesquisa de campo realizada em 2008/2009. * das 18 assistentes sociais na Prefeitura, uma exerce dupla jornada e possui vínculo com entidades sociais. ** das 21 assistentes sociais em entidades sociais, seis são funcionárias públicas municipais. *** das seis assistentes sociais em empresas, duas são funcionárias públicas muni­ cipais, e uma trabalha na Prefeitura com contrato de trabalho por tempo limi­ tado, aprovada em processo seletivo. Gráfico 1 – assistentes sociais no município Fonte: Pesquisa de campo realizada em 2008/2009. a Prefeitura municipal possui profissionais de Serviço Social nos departamentos municipais de Promoção Social, Saúde e re­ cursos Humanos.7 7. as assistentes sociais aprovadas em concurso público da Prefeitura municipal realizado no início de 2009 devem ser convocadas ainda no ano, após o venci­ mento do contrato de trabalho das profissionais que trabalham após aprovação em processo seletivo, segundo as informações obtidas. 34 EDméIA CoRRêA NETTo No departamento municipal de Promoção Social encontram ­se 11 profissionais, sendo que oito são concursadas, duas entraram por processo seletivo por tempo determinado e duas são contra­ tadas para cargo em comissão. No de Saúde encontram ­se sete profissionais, sendo cinco con­ cursadas e duas contratadas por processo seletivo por tempo deter­ minado. Uma das profissionais do município trabalha em jornada dupla, atendendo a setores diferentes da Prefeitura municipal. o setor público emprega 45% das assistentes sociais, e, destas, o município é responsável pela maioria, com 35%. as entidades sociais empregam 45% das profissionais, o que de­ monstra a relevância do presente estudo, pois, se considerado por parcela, é o segmento com maior número de assistentes sociais em­ pregadas. das dezoito assistentes sociais que trabalham na Prefeitura, seis possuem vínculo também nas entidades sociais, e outras três (duas efetivas e uma contratada por processo seletivo por tempo determi­ nado) trabalham em empresas também. assim, 50% dessas assis­ tentes sociais possuem ao menos mais de um vínculo de trabalho. importante salientar que, durante a realização da pesquisa, foi aberto concurso público municipal no final de dezembro de 2008, para preenchimento de cinco vagas de assistentes sociais – com carga horária mensal de 100 horas (aproximadamente 25 horas se­ manais, ou 5 horas diárias) e salário de r$ 720,06 –, o qual se rea­ lizou em fevereiro de 2009, mas até abril de 2009 não tinham ocorrido as contratações. Em Bebedouro existem ainda seis assistentes sociais que re­ sidem no município, mas que trabalham em municípios da região. o município possui também o instituto de Ensino Superior de Bebedouro (imesb), com um curso de Serviço Social.8 Para as disci­ 8. Não consideramos para a presente pesquisa os postos de trabalho de assistentes sociais para o curso de Serviço Social, por exigir uma qualificação maior, mestrado ou doutorado. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 35 plinas específicas de Serviço Social, existem seis assistentes sociais, sendo apenas uma residente em Bebedouro e as cinco demais resi­ dentes em cidades da região. Verificamos que existem 33 entidades sociais cadastradas no CmaS, mas duas não tiveram suas inscrições renovadas por apre­ sentarem irregularidades no seu funcionamento, e se encontram em fase de reorganização para que o cadastro seja renovado.9 Para a pesquisa, então, consideramos as demais 31 entidades sociais. dentre as 31 entidades sociais, 21 possuem assistentes sociais em seus quadros e dez não possuem profissionais de Serviço Social ou as contratam eventualmente. as dez que não possuem profissionais são: – associação de Protetora dos Pacientes renais transplan­ tados de Bebedouro e região (appret) – Colégio anjo da Guarda – Creche Lourenço Santin – desenvolvendo a Criança e o adolescente (dCa) – Grupo antialcoólico independente de Bebedouro (Gaib) – missão restauração – rede Feminina de Combate ao Câncer – Sociedade recreativa José do Patrocínio – Vila Vicentina – associação menina dos olhos as 21 entidades sociais que possuem ao menos uma profissional de Serviço Social são mostradas na tabela 3. 9. as entidades que não tiveram sua inscrição renovada são a Casa assistencial Es­ pírita anselmo Gomes e Flor de Laranjeira. a primeira tem por objetivo atender adolescentes em formação profissional e a segunda, famílias de pessoas porta­ doras de câncer. 36 EDméIA CoRRêA NETTo tabela 3 – assistentes sociais nas entidades sociais No Entidade No de assistentes sociais Assistente social na coordenação Total 1 associação arte e Solidariedade (artsol) 1 – 1 2 associação antialcoólica (aaa) 1 – 1 3 associação dos deficientes de Bebedouro (adB) 1 – 1 4 associação de Pais e amigos dos Excepcionais (apae) 3 – 3 5 associação Protetora da infância – Província de São Paulo – recanto São Vicente de Paulo 1 – 1 6 associação de Valorização dos deficientes auditivos (avida) 1 – 1 7 Casa do adolescente 1 1 2 8 Casa da Criança irmã Crucifixa – 1 1 9 Casa de maria 1 – 1 10 Casa de Santa Clara 2 – 2 11 Casa de Santo Expedito 2 1 3 12 Centro assistencial Espírita do Calvário ao Céu (Caecc) 1 – 1 13 Centro de Estudo e Projetos para o Bem ­Estar do menor (Ceprobem) 1 – 1 14 Centro integrado de Equoterapia Bebedouro (Cieb) 1 – 1 15 Comunidade Educativa Figuls assunção (Cefa) 1 – 1 16 Educandário Santo antônio 2 – 2 (cont.) PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 37 No Entidade No de assistentes sociais Assistente social na coordenação Total 17 Fundação abílio alves marques 1 – 1 18 Grupo Luta e amor à Vida (Glav) 1 – 1 19 Lar do idoso Servas do Senhor 1 – 1 20 Serviço Social de atendimento Familiar (SSaF) 1 – 1 21 Vila Lucas Evangelista 1 – 1 Total 25 3 28 Fonte: Pesquisa de campo realizada em 2008/2009. mapa 2 – Localização das entidades sociais no município Fonte: organização pessoal a partir do Google e dos endereços constantes na lista de entidades sociais fornecida pelo CmaS. (cont.) 38 EDméIA CoRRêA NETTo realizamos uma reunião inicial em que puderam participaram nove profissionais para apresentação da pesquisa e do instrumen­ tal, quando incorporamos algumas sugestões para o levantamento. as profissionais receberam posteriormente o questionário em en­ velope e o devolveram pessoalmente ou o recolhemos no local de trabalho ou na moradia. os contatos foram de uma riqueza ímpar pelo interesse das colegas em participar do estudo, pelos relatos plenos de detalhes, socializando suas experiências, seus desafios e suas conquistas. o teor das informações não será apresentado pelo mesmo motivo já apontado para a não realização do segundo mo­ mento da pesquisa: a fim de preservar o sigilo e a não identificação dos sujeitos. Em 21 entidades sociais existem 28 postos de trabalho com profissionais de Serviço Social, sendo 24 na função de assistentes sociais, uma na coordenação de projetos e três na função de coorde­ nação da instituição. Pelo levantamento realizado, constatamos que os 28 postos de trabalho são ocupados por 21 assistentes sociais, indicando a exis­ tência de profissionais que exercem suas atividades em mais de uma instituição. das 21 assistentes sociais, duas não concordaram em participar da pesquisa, o que nos permitiu totalizar a participação de deze­ nove, representando 90,48% do total de profissionais nas entidades sociais. o capítulo 2 aborda o perfil das assistentes sociais nas organi­ zações não governamentais, como idade, tempo de formação, local de formação, conhecimento da legislação da profissão, início do Serviço Social na instituição, tempo de trabalho na entidade, tempo de trabalho como assistente social. No mesmo capítulo, relatamos as relações de trabalho, incluindo tipo de vínculo, quantidade de vínculos, carga horária na instituição, carga horária total como as­ sistente social, renda mensal na instituição, renda mensal como assistente social, exercício de outra atividade rentável e experiência de desemprego; e as condições éticas e técnicas de trabalho, como PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 39 espaço físico, equipamentos e incentivo ao aprimoramento pro­ fissional. No capítulo 3 abordamos o cotidiano profissional nas entidades sociais, com reflexões sobre o Estado e seu papel no enfrentamento à questão social, terceiro setor, entidades sociais, e sobre o coti­ diano, enquanto espaço de vida e de luta das assistentes sociais, com apresentação dos resultados da pesquisa e relatos sobre coti­ diano profissional, espaços de reflexão na vida cotidiana, dificul­ dades, avanços e desafios, e sociabilidade pessoal. Entendemos o Serviço Social como profissão em sua totalidade histórica, dentro da sociedade do capitalismo maduro vivenciando um momento de financeirização, que tem provocado um acirra­ mento das manifestações da questão social, as quais se constituem em objeto do trabalho profissional do assistente social, sendo, por­ tanto, fundamental apontar alguns elementos teóricos que situem nosso posicionamento. Sociedade do capital e questão social o desmoronamento da estrutura da sociedade feudal nos sé­ culos XiV e XV, aliado ao desenvolvimento das ciências, com consequente superação de antigos dogmas impostos pela igreja Ca­ tólica, provoca a desmoralização das explicações divinas para res­ guardar o poder político e uma nova divisão das classes sociais. ao mesmo tempo, há um deslocamento do centro de poder do feudo para a cidade, as trocas simples durante a idade média vão se tornando relações comerciais mais complexas, separa ­se o campo da cidade, o camponês da terra, o produtor dos meios de produção. o assalariamento torna ­se cada vez mais comum, e o processo de trabalho intensifica sua divisão. o capitalismo, em sua fase mercantil, se desenvolve rapida­ mente, necessitando do aprofundamento da discussão do papel do Estado, uma vez que há um contingente populacional cada vez 40 EDméIA CoRRêA NETTo maior que não se insere nas novas formas sociais para garantir sua sobrevivência, e as relações comerciais se intensificam e tornam ­se mais complexas. a propriedade privada é fortalecida, necessita de proteção, o que exige intervenções até então desnecessárias. Para Behring & Boschetti (2006, p.57), Com a decadência da sociedade feudal e da lei divina como funda­ mento das hierarquias políticas, por volta dos séculos XVi e XVii, ainda no contexto da chamada acumulação primitiva do capital, é desencadeada uma discussão sobre o papel do Estado. desde ma­ quiavel, busca ­se uma abordagem racional do exercício do poder político por meio do Estado. Naquele momento, este era visto como uma espécie de mediador civilizado [...,] ao qual caberia o controle das paixões, ou seja, do desejo insaciável de vantagens materiais, próprias dos homens em estado de natureza. Em seu Leviathan, de 1651, Hobbes apontava que, no estado de natureza, os apetites e as aversões determinam as ações voluntárias dos ho­ mens e que, entre preservar a liberdade vantajosa da condição na­ tural e o medo da violência e da guerra, impõe ­se a renúncia à liberdade individual em favor do soberano, do monarca absoluto. a sujeição seria uma opção racional para que os homens refreassem suas paixões, num contexto em que o “homem é o lobo do homem”. as indústrias se expandem, mas simultaneamente ocorre um processo de pauperização da população, com aumento descontro­ lado da mendicância e dos trabalhadores empobrecidos e social­ mente desprotegidos. Parte do contingente populacional de origem rural torna ­se nô­ made, vagando por grandes extensões, vendendo sua força de tra­ balho especialmente em atividades ligadas à construção civil. as condições de moradia nas cidades são precárias e sem saneamento básico, e, no trabalho, os indivíduos são submetidos a extensas jor­ nadas em condições de insalubridade, o que favorece a dissemi­ nação de diversas doenças. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 41 Na inglaterra, um dos países onde mais rapidamente avançaram as novas relações de produção, depara ­se com a dificuldade, a qual exige um enfrentamento. marx (1998, v.2, p.770) descreve que: o trabalho nômade é empregado em diversas atividades de cons­ trução e de drenagem, na produção de tijolos, para queimar cal, na construção de ferrovias, etc. é uma coluna pestilencial que se desloca, levando para as cidades em cujas proximidades se instalam varíola, tifo, cólera, escarlatina, etc. Quando os empreendimentos envolvem muito dispêndio de capital, como ferrovias, etc., o pró­ prio empresário fornece, em regra, a seu exército barracos de madeira ou construções semelhantes, verdadeiras aldeias impro­ visadas, sem qualquer preocupação de ordem sanitária, fora do controle das autoridades locais, e altamente rendosas para o em­ preiteiro, que explora duplamente os trabalhadores como soldados da indústria e como locatários. Com a dissolução dos feudos, da vassalagem, imenso contin­ gente é expulso das terras, sem direitos; essas pessoas não podiam ser todas inseridas nas manufaturas nascentes de modo tão rápido quanto eram colocadas à disposição de um novo mercado, for­ mando grupos que praticavam a mendicância e a ladroagem, como marx (1998, v.2, p.848) explica: Bruscamente arrancados das suas condições habituais de exis­ tência, não podiam enquadrar ­se, da noite para o dia, na disciplina exigida pela nova situação. muitos se transformaram em men­ digos, ladrões, vagabundos, em parte por inclinação, mas na maioria dos casos, por força das circunstâncias. a situação é tratada inicialmente de modo fortemente repressor e coercitivo no trabalho, desde o Estatuto dos trabalhadores, de 1349, cujas ações são em parte desenvolvidas por algumas inicia­ tivas filantrópicas e outras pelo Estado, como a Casa de Correção, 42 EDméIA CoRRêA NETTo instituída pela Lei dos Pobres, de 1597, que determinava o con­ finamento dos praticantes da mendicância, submetendo ­os a tra­ balhos forçados, independentemente de salário, de idade ou de condição de saúde (martinelli, 2005, p.55 ­7). Pelos países da Europa ocidental se expande uma legislação san­ guinária de combate à vadiagem, no final do século XV e durante todo o século seguinte (marx, 1998, p.848).10 No século XVi, “estes vagabundos – tão numerosos que o rei Henrique Viii da inglaterra, entre outros, mandou enforcar 72 mil – foram obrigados a trabalhar com as maiores dificuldades, em meio à mais extrema miséria e so­ mente após longas resistências” (marx & Engels, 1993, p.87). a legislação inglesa perdurou até o início do século XViii, e em outros países europeus até quase a mesma época, o que demonstra que, desde o início do desenvolvimento da sociedade do capital, a população supranumerária, desfiliada11 do mercado de trabalho, não absorvida pela crescente expansão do capital, é despojada de suas condições de sobrevivência. os problemas daí advindos, como a mendicância e o roubo da propriedade alheia, são punidos severa­ mente, enquanto o trabalho tem uma conotação diferente do valor de uso ou é usado como castigo. o trabalho livre assume um novo significado com o valor de troca e a possibilidade de permitir a acu­ mulação de capital por meio da sua exploração. Behring & Boschetti (2006, p.50) assinalam que: Na sociedade pré ­industrial ou não capitalista, as atividades de tra­ balho eram indissociáveis das demais atividades da vida social [...] Na sociedade capitalista burguesa, o trabalho perde seu sentido 10. marx descreve várias leis que se utilizavam da tortura, flagelação com açoite, ferro em brasa, amputação de parte da orelha, confinamento, escravidão e morte na forca. 11. Nomenclatura utilizada por Castel para designar o grande contingente popular que não é inserido na sociedade salarial por meio de empregos fixos e sob a pro­ teção de legislação social, especialmente na “moderna sociedade salarial”. Uti­ lizamos o termo por extensão, considerando que na sociedade do capital sempre ocorreu o contingente que não se insere no trabalho formal disponível. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 43 como processo de humanização sendo incorporado como atividade natural de produção para a troca, independente de seu contexto histórico. as lutas coletivas do proletariado, se não conseguem reverter a situação de exploração da força de trabalho, nem atingir a proteção cada vez mais forte à propriedade privada da burguesia, con­ quistam direitos e atenuam a criminalização das manifestações da questão social, que se estabelecem a partir dos contraditórios inte­ resses do capital e do proletariado. Por outro lado, a burguesia teme o avanço dos ideais socialistas, que encontram ampla aceitação entre os trabalhadores, e novas teorias são criadas de modo a conci­ liar os interesses da manutenção da propriedade privada e da explo­ ração da força de trabalho, e essas teorias são incorporadas pelos setores hegemônicos e postas em prática no sentido de diminuir os conflitos sociais. a questão social se formata exatamente nessa contradição que se inicia na consolidação do capital e do trabalho assalariado. o eixo da produção econômica se desloca do feudo para o capital, cuja sociedade se reorganiza para privilegiar a concentração e a expansão do capital em detrimento da defesa dos interesses do imenso con­ tingente populacional que fica à deriva para sobreviver, não lhe restando alternativa além de vender a sua força de trabalho, já des­ pojada de suas ferramentas de trabalho. Se o trabalho assalariado representa a liberdade de transitar por diferentes empregadores – o chamado trabalho livre –, deixando a servidão a um único senhor por toda a vida e por todas as gerações, o assalariamento traz consigo a servidão ao lucro e à mais ­valia. o trabalhador só consegue vender sua força de trabalho em condições que permitam ao seu empregador – possuidor dos meios de pro­ dução – explorar a mais ­valia e gerar o lucro sobre a utilização da sua própria força de trabalho. Em outras condições, não existe o emprego, ou seja, não se oferece a “vaga” disponível. o trabalhador deixa de ter um único senhor, que recebia do seu servo o imposto e, por isso, tinha interesse em que sua existência 44 EDméIA CoRRêA NETTo fosse produtiva, para ter diversos empregadores que não têm ne­ nhum interesse em prover a existência do seu trabalhador, in te re­ sando ­lhes somente a extração da sua força e da sua energia enquanto durarem, pois, quando gastas ou exauridas, podem ser encontradas em outros trabalhadores, existentes aos milhares fora da oportuni­ dade do trabalho formalizado, o que faz impulsionar e manter o salário em patamares insuficientes para a manutenção da sobrevi­ vência com dignidade. a acumulação primitiva do capital nos séculos XVi e XVii dá origem ao aumento do domínio das forças e obstáculos da natureza, com o desenvolvimento de todas as áreas das ciências, impulsio­ nando o conhecimento humano, mas também causa o processo de miserabilidade do trabalhador, cuja classe social não pode desfrutar dos avanços conquistados. os “efeitos colaterais” do desenvolvi­ mento econômico originam novas respostas por parte dos que pos­ suem o poder econômico e político, porém sempre de modo a manter a nova ordem econômica e social em ascensão. a expressão “questão social” surge nas primeiras décadas de 1800 para identificar as tensões sociais que se originam das condi­ ções sub ­humanas de trabalho nas indústrias, como explica Castel (1998, p.30): Essa questão (social) foi explicitamente nomeada como tal, pela primeira vez, nos anos 1830. Foi então suscitada pela tomada de consciência das condições de existência das populações que são, ao mesmo tempo, os agentes e as vítimas da revolução industrial. é a questão do pauperismo. as condições de trabalho nas indústrias aliadas às condições sub ­humanas de sobrevivência que atingem os desempregados, ou inempregáveis, inempregados, no dizer de Castel, para quem não existe lugar formal para vender sua força de trabalho, constituem os ingredientes para a articulação e organização popular para exigir melhores condições de vida e de trabalho, fazendo crescer os movi­ mentos dos trabalhadores, empregados ou não. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 45 Para os detentores e organizadores do capital, o ruído social re­ presenta uma grave ameaça à ordem estabelecida, necessitando de contenção, de repressão, enquanto, na verdade, os movimentos dos trabalhadores representam “a reivindicação fundamental de livre acesso ao trabalho” (Castel, 1998, p.31). a pauperização do trabalhador empurra, para o mercado pro­ dutivo, mulheres e crianças em tenra idade, cujo envolvimento na luta pela sobrevivência não é suficiente para a reprodução digna da vida humana. o processo de pauperização do trabalhador está diretamente li­ gado ao excesso de horas do trabalho assalariado, à participação no trabalho produtivo de mulheres e crianças desde tenra idade e ao desemprego estrutural, que provocam manifestações populares de luta por direitos sociais. Essa situação era entendida12 como “desor­ ganização social” que necessitava de repressão para a manutenção da ordem. No capitalismo concorrencial, a questão social era tratada com ações coercitivas pelo Estado, à medida que a força de trabalho res­ pondia às refrações daquele mediante a organização e mobilização para o alcance de seus direitos sociais. ou seja, era uma questão de polícia e não de política. (Serra, 2000, p.171, grifo da autora) a questão social expressa, assim, o confronto de interesses entre a classe industrial burguesa e a classe operária nascente. a acu mulação do capital exige a exploração da classe trabalhadora como totalidade, exploração que se manifesta nas longas jornadas de trabalho e no trabalho noturno que desorganizam a família, nas condições insuficientes de alimentação, vestuário, moradia, saúde, educação, e sobretudo no embrutecimento moral e intelectual dos trabalhadores. Hobsbawm (1988 e 2002) analisa o período de 1789 a 1848 que tem como principal característica uma dupla revolução: a Francesa 12. E ainda o é por muitos na sociedade contemporânea. 46 EDméIA CoRRêA NETTo e a industrial, que marcam definitivamente a história da sociedade burguesa. é um período de lutas, revoltas populares, em busca de direitos sociais e de ideais democráticos, mas também um período que estabelece as bases para a fase seguinte, de 1848 a 1875, que Hobsbawm chama de “Era do Capital”.13 No ano de 1848 marca a ocorrência de uma revolução generali­ zada; o Manifesto do Partido Comunista, escrito por marx e Engels, é publicado em Londres, no mês de fevereiro, com grande reper­ cussão no país e traduzido em várias outras línguas, difundindo ­se pela Europa. Nas palavras de Hobsbawm, 1848 foi a primeira revolução potencialmente global, cuja in­ fluência direta pode ser detectada na insurreição de 1848 em Per­ nambuco (Brasil) e poucos anos depois, na remota Colômbia. Em certo sentido, foi o paradigma de um tipo de “revolução mundial” com o qual, dali em diante, os rebeldes poderiam sonhar e que em raros momentos, como no pós ­guerra das duas Guerras mundiais, eles pensaram poder reconhecer. (Hobsbawm, 2002, p.28) ainda que a revolução, ou as revoluções de 1848, não tenha tido o resultado desejado pelos proletários, determinou reações políticas para o enfrentamento dos problemas advindos dos conflitos entre capital e trabalho. Se o modo de produção não foi alterado, a classe burguesa se apropria de reivindicações dos trabalhadores e, junta­ mente com o Estado, passa a modificar as condições de trabalho e de vida dos operários, o que permite uma diminuição dos conflitos, a reprodução da classe trabalhadora e a afirmação do modo de pro­ dução capitalista. a palavra “capitalismo” começa a ser difundida nas áreas da economia e da política no mundo a partir da década de 1860, ainda 13. Hobsbawm escreve a quadrilogia A Era das Revoluções – 1789 ‑1848; A Era do Capital – 1848 ‑1875; A Era dos Impérios – 1875 ‑1914; e A Era dos Extremos – O breve século XX – 1914 ‑1991, em que faz interessante análise crítica da socie­ dade do capital, abordando aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 47 que sua origem possa ter ocorrido duas décadas antes (Hobsbawm, 2002, p.19). é nesse período histórico que se processa a passagem da fase concorrencial do capitalismo para a fase dos monopólios, e tem início a mundialização do modo de produção. Esse processo traz consigo igualmente a mundialização da questão social, cujas refra­ ções passam a merecer a atenção estatal, e as políticas sociais se ins­ titucionalizam. assim como o capitalismo e a classe burguesa triunfaram, os pro­ jetos que lhes eram alternativos recuaram, apesar do aparecimento da política popular e dos movimentos trabalhistas. Esses projetos não poderiam parecer menos promissores do que em, digamos, 1872 ­73. Porém em poucos anos o futuro daquela sociedade que havia triunfado tão espetacularmente mais uma vez parecia incerto e obscuro, e movimentos destinados a substituí ­la ou derrubá ­la pre­ cisavam novamente ser levados a sério. (Hobsbawm, 2002, p.221) o modo de produção centrado no capital apresenta o maior de­ senvolvimento das forças produtivas, o domínio cada vez mais aperfeiçoado dos limites naturais, mas arrasta consigo as marcas do “efeito colateral”, com a maioria da população excluída dos seus benefícios, aumentando cada vez mais a distância entre os deten­ tores dos meios de produção e os que vendem sua força de trabalho, mantendo, à margem do seu progresso, milhões de pauperizados. Essa contradição permanente entre desenvolvimento e paupe ri­ zação vai perseguir toda a sociedade do capital, provocando inva­ ria velmente crises econômicas e reações populares, numa luta igual mente permanente por melhores condições de trabalho e de vida. o processo de organização do trabalho na sociedade do capital tem por finalidade última a expansão e a concentração do próprio capital, de modo a permitir a reprodução das relações sociais exis­ tentes. a partir disso, se estabelecem dois aspectos que merecem a concentração dos esforços: a eficácia da produção, que deve ser au­ mentada constantemente, e o preço do trabalho, que deve ser cons­ 48 EDméIA CoRRêA NETTo tantemente reduzido, ou seja, é necessário combinar a redução do trabalho vivo com a maximização da produtividade, o que permite, em menor tempo, a extração do sobretrabalho. À medida que a so­ ciedade desenvolve as forças produtivas, conforme afirma antunes (1999, p.119), é bastante evidente a redução do trabalho vivo e a ampliação do tra‑ balho morto. mas, exatamente porque o capital não pode eliminar o trabalho vivo do processo de criação de valores, ele deve aumentar a utilização e a produtividade do trabalho de modo a intensificar as formas de extração do sobretrabalho em tempo cada vez mais redu‑ zido. (Grifos do autor) Para atingir a finalidade da sociedade vigente, o trabalho é orga­ nizado para a necessidade da expansão e da acumulação do capital, e não para atender à necessidade de sobrevivência e desenvolvi­ mento do trabalhador, enquanto ser social que possui outras neces­ sidades além das básicas de sobrevivência: “o trabalhador existe para o processo de produção e não para o trabalhador” (marx, 1998a, p.555). Institucionalização do Serviço Social Para o enfrentamento da questão social, na defesa do ideário burguês, surgem duas grandes tendências, de acordo com marti­ nelli (2005): a Escola Humanitária e a Filantrópica, a partir dos economistas adam Smith e david ricardo, que, apesar de apre­ sentarem algumas diferenças, mantêm a culpabilização do indi­ víduo pela situação de pobreza vivenciada e buscam coibir conflitos e confrontos que surgiam na defesa dos trabalhadores. as poucas iniciativas privadas filantrópicas e estatais de atendi­ mento da população empobrecida não são suficientes e o Estado é requisitado a intervir mais diretamente na realidade social. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 49 Como afirma martinelli (2005, p.66): “Burguesia, igreja e Es­ tado uniram ­se em um compacto e reacionário bloco político, ten­ tando coibir as manifestações dos trabalhadores eurocidentais, impedir suas práticas de classe e abafar sua expressão política e social”. a institucionalização do Serviço Social ocorreu nos últimos anos do século XViii e início do século XiX dentro dos marcos da consolidação do capitalismo, no tensionamento dos interesses entre as classes dos proprietários dos meios de produção e dos que têm somente a sua força de trabalho para vender e daí tirar a sua sobre­ vivência. Sob a liderança do setor industrial que, de um lado, proporcio­ nava um grande desenvolvimento das forças produtivas, e, por outro, deixava um lastro de miséria, as populações rurais, sem apoio para enfrentar suas dificuldades, dirigem ­se em massa para as cidades em busca de oportunidade de trabalho nas indústrias em expansão, transformando ­as em grandes centros, porém sem infra­ estrutura para tamanho contingente populacional. é assim que surge em Londres, inglaterra, em 1869, a Socie­ dade de organização da Caridade, com forte influência da igreja Protestante, como continua martinelli (2005, p.66): Surgiam assim, no cenário histórico os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática de assistência social, atividade que se profissionalizou sob a denominação de “Serviço Social”, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços. (Grifos da autora) a nova profissão, a de prestadores de assistência social, se ex­ pande por toda a Europa e pela américa do Norte. a profissão surge diretamente ligada à reprodução material das relações entre trabalho e capital, uma vez que permite a sobrevivência do traba­ lhador (a reprodução da espécie humana, porém dentro das condi­ ções da sociedade do capital) e atenua os conflitos existentes entre trabalhadores e detentores dos meios de produção. 50 EDméIA CoRRêA NETTo martinelli (2005, p.86) refere que o pauperismo, como polo oposto da expansão capitalista, crescera tanto na Europa durante o século XiX que seu atendimento já não podia mais se restringir às iniciativas de particulares ou da igreja; era preciso mobilizar o próprio Estado, incorporando a prática da assistência e sua estratégia operacional – o Serviço Social – à estru­ tura organizacional da sociedade burguesa constituída, como um importante instrumento de controle social. (Grifos da autora) Entendendo que a pobreza era um “defeito de caráter”, a Socie­ dade de organização da Caridade difunde seus ideais e estratégias de atendimento à população por toda a Europa e pela américa do Norte, inserindo no final dos anos 1860 um esforço de sistemati­ zação e de cientifização de suas ações, já incorporadas pelo Estado, e estendendo sua intervenção para além da assistência material através de visitas domiciliares, para a orientação no âmbito da fa­ mília, da saúde e da educação. a partir de 1840,14 os movimentos proletários se difundem pelos países industrializados, simultaneamente à divulgação da crí­ tica à sociedade do capital em ideários socialistas, comunistas e anarquistas. as lutas por melhorias nas condições de trabalho e di­ reitos sociais se espalham e, no embate de forças contraditórias, o Estado se vê na contingência de intervir diferentemente ao período do capitalismo concorrencial, quando o combate às manifestações da questão social era feito apenas com a repressão. o Estado, majoritariamente constituído por representantes da classe burguesa, procura desenvolver ações mais voltadas à pro­ teção social, incorporando parcelas das reivindicações das massas populares, porém não age sozinho, procurando se apropriar das an­ tigas iniciativas de assistência filantrópica. 14. a respeito das lutas sociais no período 1848 ­1875, ver A Era do Capital, de Eric Hobsbawm. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 51 Com o desenvolvimento das forças produtivas, o modo de pro­ dução capitalista deixa sua fase mercantil, concorrencial, para ex­ pandir ­se por todo o mundo, inaugurando uma nova fase, a dos monopólios. a nova fase econômica mantém e aprofunda as mesmas contradições entre capital e trabalho, aumenta a complexidade das manifestações da questão social, inaugurando uma forma de enfren­ tamento: a institucionalização da assistência, incorporando ­a como mecanismo político, de modo a garantir a reprodução e expansão do capital e a reprodução da classe trabalhadora dentro dos limites da chamada “ordem social”. é somente com o advento do capitalismo monopolista que a “questão social” torna ­se objeto de respostas institucionais por meio de políticas sociais como um mecanismo básico para a repro­ dução social da força de trabalho e de legitimidade das elites, além da reprodução do capital como pressuposto constitutivo da for­ mação capitalista. (Serra, 2000, p.171) Com a necessidade crescente de responder à nova demanda de intervenção social, a proposta de criação do ensino de Filantropia aplicada surge com mary richmond, da Sociedade de organi­ zação da Caridade de Baltimore, durante a Conferência Nacional de Caridade e Correção, em 1897, em toronto, Canadá; o curso é realizado em 1898, em Nova York. Nessa mesma cidade, em 1899, surge a primeira Escola de Filantropia aplicada – training School in applied Philanthropy, e em seguida, no mesmo ano, surge uma escola em amsterdã, Holanda, introduzindo a matéria na Europa. os cursos se difundiram rapidamente pela Europa e Estados Unidos da américa (martinelli, 2005). desse modo, a prestação de serviço na forma de assistência aos pobres deixa de ser uma atividade voluntária, vinculada à beneme­ rência, sendo incorporada à divisão social do trabalho a profissão de assistente social. martinelli (2005) aponta em seu estudo que as ações do Estado e das igrejas, tanto católica como protestante, estavam profunda­ 52 EDméIA CoRRêA NETTo mente vinculadas ao ideário burguês, de cuja classe social provi­ nham os primeiros agentes sociais. dessa maneira, a ação social não estava voltada ao atendimento das necessidades e interesses da classe trabalhadora, que por isso mesmo não reconhecia o trabalho social realizado, mas sim inter­ pretava a situação social encontrada como um desajuste do indi­ víduo, da família, incorporando princípios burgueses na sua ação. ao mesmo tempo, se os trabalhadores não legitimavam a ação so­ cial que se institucionalizava, esta era essencial à sobrevivência de famílias que se encontravam ao desabrigo, atingidas por doença e morte entre seus membros, especialmente quando envolvia o(s) responsável(is) pela manutenção da casa, dificultando ou impe­ dindo o acesso ao trabalho assalariado. o papel dos agentes sociais aparece como uma benesse concedida aos necessitados. Esse aten­ dimento material, sem a perspectiva do direito social da população, veicula a falsa idéia de um Estado protetor e paternal. isto desvenda o aspecto ideológico da política social, que mascara as verdadeiras relações implícitas ao serviço realizado, dificultando ao próprio pro­ fissional o desvendamento da realidade de que ele mesmo também se tornava um trabalhador assalariado, submetido às mesmas leis da economia livre que regulam a produção e reprodução da so­ ciedade do capital. apoiar e dar cumprimento às orientações da igreja e do Estado permitia a expansão rápida da profissão, que passa a atrair sobre­ tudo moças vinculadas às práticas religiosas baseadas em princí­ pios de solidariedade de indivíduo para indivíduo, e não de classe (que implicaria o reconhecimento da legitimidade das reivindica­ ções dos operários). Na Europa se acentua a influência religiosa na profissão, princi­ palmente a partir da Escola Católica de Serviço Social de Paris no início do século XX, que se propõe a estudar a questão social a partir da doutrina social da igreja Católica, forma núcleos de dis­ cussão e divulga seu ideário por toda a Europa e américa Latina. Na américa do Norte se generaliza uma tendência de estabelecer maior independência em relação à religião (mas não em relação à PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 53 burguesia), o que favorece o surgimento e crescimento da asso­ ciação Nacional de trabalhadores Sociais, a partir de 1920, se­ gundo martinelli (2005, p.119). o estudo de martinelli (2005, p.120) salienta: as décadas de 20 e 30 [do século XX] foram testemunhas de uma grande expansão do Serviço Social europeu, seja nas ações profis­ sionais, seja no processo organizativo. da experiência dos pe­ quenos Núcleos surgiu em 1925, na itália, durante a i Conferência internacional de Serviço Social, em milão, a União Católica inter­ nacional de Serviço Social (UCiSS). tratava ­se de um organismo de maior porte e que exerceu grande influência não só sobre o Ser­ viço Social europeu como também sobre o latino ­americano. o período de pós ­Primeira Guerra mundial exigiu na Europa um esforço econômico, político e social para sua reconstrução. o poder hegemônico da igreja Católica foi enfraquecido pelas alianças da sociedade civil oligárquica. Para não deixar sua antiga aliança com a burguesia, a igreja procurou incentivar a participação de leigos em ações sociais, de modo a operacionalizar a sua doutrina social. o desenvolvimento do Serviço Social europeu, que serve de base para o Serviço Social brasileiro, se dá a partir da concepção re­ ligiosa de sociedade com a correspondente ação religiosa na prática, com forte apelo à vocação da ajuda, às qualidades morais e pessoais do profissional, aliadas aos conhecimentos próprios da profissão, considerando os aspectos técnicos e científicos. As qualidades pessoais, a vocação, a disposição para servir conti‑ nuavam presentes como elementos essenciais, aos quais era preciso acrescentar o preparo técnico ‑científico para o adequado exercício da prática social. À medida que se institucionalizava, exigia de seus agentes procedimentos mais técnicos e eficientes, capazes de exercer sobre as classes subalternas o controle social e político exi­ gido pelas classes dominantes. (martinelli, 2005, p.121) 54 EDméIA CoRRêA NETTo aos profissionais de Serviço Social competia a utilização de seus conhecimentos técnico ­operativos em favor da adaptação do indivíduo ao sistema social vigente, buscando eliminar com sua in tervenção qualquer forma de manifestação dos trabalhadores, considerada perigosa à ordem e à disciplina, ou simplesmente “es­ vaziando o conteúdo político de suas reivindicações coletivas, exercendo um vigilante controle sobre as manifestações do prole­ tariado” (martinelli, 2005, p.121). Simultaneamente, a ação do Serviço Social demonstrava a ação “caridosa” da sociedade dominante, que escondia ou camuflava os efeitos indesejáveis do progresso, manifestos na existência dos mi­ seráveis. as três primeiras décadas do século XX apresentam, no quadro internacional, a revolução russa de 1917 e a criação da União das repúblicas Socialistas Soviéticas em 1922, a Primeira Guerra mundial, de 1914 a 1918, a crise econômica de 1929, confrontando as soluções liberais e as comunistas para as situações enfrentadas. Em todo o mundo aumenta a tensão social e os trabalhadores procuram se articular e manifestar suas necessidades, lutando contra as más condições de trabalho, de moradia, de alimentação, de higiene, de saúde e de educação. a partir de meados do século XiX até os primeiros trinta anos do século XX predomina a teoria liberal para a sociedade do capital, em que as relações econômicas devem ser reguladas pelo livre mer­ cado, “a mão invisível”, na concepção de adam Smith. o Estado mercantilista tinha um forte papel intervencionista na economia, o que passou a ser rejeitado pelas teorias liberais, que enfatizavam um Estado não interventor. o liberalismo, alimentado pelas teses de david ricardo e sobre­ tudo de adam Smith [...],que formula a justificativa econômica para a necessária e incessante busca do interesse individual, in­ troduz a tese que vai se cristalizar como um fio condutor da ação do Estado liberal: cada indivíduo agindo em seu próprio interesse eco­ nômico, quando atuando junto a uma coletividade de indivíduos, PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 55 maximizaria o bem ­estar coletivo. é o funcionamento livre e ilimi­ tado do mercado que asseguraria o bem ­estar. é a “mão invisível” do mercado livre que regula as relações econômicas e sociais e produz o bem comum. (Behring, Boschetti, 2006, p.56) a crise de 1929 a 1932 suscita novas discussões sobre o papel do Estado no enfrentamento da questão social, com influência da teoria social da igreja Católica e das teorias liberais. No Brasil, o Estado assume um discurso moralizador, com in­ fluência das encíclicas papais Rerum Novarum e Quadragesimo Anno, que propõem como princípios: a aliança entre patrão e empregados; os patrões deveriam ter cons­ ciência cristã, não explorar seus empregados, pagar ­lhes o preço justo por seus serviços; os empregados, por sua vez, deveriam se conformar com o lugar que deus lhes deu, pois o trabalho e o homem contribuem para o engrandecimento da sua pátria. além disso, o que não lhes foi dado nesta vida, receberão com abun­ dância no céu. (Cardoso et al., 2000, p.81) No Brasil, com população eminentemente agrária no início do século XX, tenta ­se desenvolver sua economia dentro do sistema agrário ­exportador, procurando sufocar com a repressão os movi­ mentos sociais de norte a sul do país, tanto rurais, por exemplo as Ligas Camponesas, como os operários urbanos.15 as manifestações do conflito entre capital e trabalho no período de expansão da indústria e do capital, que formatavam a questão social no mundo e no Brasil, a influência católica, com forte apelo à solidariedade entre indivíduos e a pressão da sociedade civil para a intervenção do Estado na minimização das refrações da questão so­ cial formam um terreno fértil para a expansão do Serviço Social no mundo e sua institucionalização como profissão no Brasil. 15. a respeito das lutas dos trabalhadores, consultar a interessante análise de Vito Giannotti, História das lutas dos trabalhadores do Brasil. 56 EDméIA CoRRêA NETTo Surgimento e desenvolvimento do Serviço Social no Brasil o Brasil entra no século XX com a recente abolição da escrava­ tura (1888) e a instalação do governo republicano (1889), pondo fim à monarquia. a república se organiza em sistema federativo – cujo poder político é exercido por pequenas oligarquias. Embora o regime político se torne mais representativo do que no período mo­ nárquico, não se torna mais democrático, fortalecendo o man do­ nismo local, conhecido como coronelismo (Linhares, 2000, p.165). a classe subalterna permanece excluída dos processos decisórios, e a economia continua baseada na agroexportação, tendo como base de produção o latifúndio. a década de 1920 no cenário mundial representou um momen­ to de combater as consequências do pós ­guerra (1914 a 1918), com o objetivo de expandir o capital, o que mantinha as contradições inerentes ao desenvolvimento concentrador de riqueza. a reper­ cussão da revolução russa de 1917 fortalecia a divulgação do ideá­ rio libertador de marx, favorecendo a mobilização do operariado em toda a américa Latina, com acirramento dos conflitos entre o Estado, o empresariado nascente e os trabalhadores. o Estado é pressionado a emitir respostas aos conflitos, numa postura de bus­ car um “consenso” entre os interesses antagônicos visando à “paz social”. as relações sociais capitalistas se consolidam no Brasil sobre­ tudo no período de 1930 a 1980, que impôs à sociedade a saída de um modelo agrário ­exportador para um modelo urbano ­industrial. o crescimento econômico provocado é regional e socialmente desi­ gual, com capitalismo dependente dos centros considerados desen­ volvidos. as décadas de 1920 e 1930 no Brasil são decisivas para a im­ plantação do Serviço Social. a questão social se intensifica com a formação de novo operariado urbano ­industrial, e de forma de­ sigual pelo país. o maior desenvolvimento, e, consequentemente, PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 57 também as diferenciadas expressões da questão social, surgem nos estados de São Paulo e do rio de Janeiro. o início da industrialização é marcado pela falta de condições de higiene, de salubridade e de segurança, com acidentes frequen­ tes, e salários baixos impulsionando para o mercado de trabalho mulheres e crianças em idade prematura. a esse respeito, iamamo­ to & Carvalho (1985, p.131) escrevem que “é comum a observação sobre a existência de crianças operárias de até 5 anos e dos castigos corporais infligidos a aprendizes”. E continuam explicando que da força de trabalho industrial de São Paulo uma terça parte é cons­ tituída de mulheres, metade aproximadamente são operários e operárias menores de 18 anos, e 8% menores de 14 anos. a jornada normal de trabalho – apesar de diferir por ramo industrial – é, no início do século, de 14 horas. Em 1911 será em média de 11 horas e, por volta de 1920, de 10 horas. até o início da década de 1920, no entanto, dependerá na maioria das vezes das necessidades das em­ presas. mulheres e crianças estarão sujeitas à mesma jornada e ritmo de trabalho, inclusive noturno, com salários bastante infe­ riores. (1985, p.131 ­2) importante salientar que não havia qualquer direito trabalhista, como descanso semanal remunerado, férias, licença para saúde e outros. as primeiras legislações e atuações do Serviço Social, na década de 1930, estão voltadas para a regulamentação do trabalho nas fábri­ cas e para a criança e a família, de vez que o que a sociedade burguesa reconhece não é a situação dada como consequência de péssimas condições de trabalho e de vida, mas sim como um “mal necessário” ao desenvolvimento, e que é preciso atenuar suas consequências.16 16. iamamoto & Carvalho apontam na nota de rodapé 11 (1985, p.138 ­9) interes­ sante trecho de uma manifestação do Centro das indústrias de Fiação e tece­ 58 EDméIA CoRRêA NETTo o padrão de desenvolvimento que se instala e se desenvolve no período de 1930 a 1970 é baseado na estratégia taylorista ­fordista de produção industrial (produção em massa, centralizada e vertica­ lizada, divisão rígida de tarefas). Somente a partir dos anos 1940 foi complementado pelo sistema keynesiano de Estado, que, se de um lado favorecia os trabalhadores com salários indiretos (criação de seguros e “benefícios sociais”), que permitiam intensificar o con­ sumo da produção industrial, por outro lado favorecia a indústria com redução de impostos sobre o capital, perdão fiscal e regulação de preços e de salários dos trabalhadores. Em 1932, é fundado em São Paulo o Centro de Estudos e ação Social de São Paulo (Ceas), resultado das atividades da ação Social e da ação Católica, objetivando “dar maior rendimento às inicia­ tivas e obras promovidas pela filantropia das classes dominantes paulistas sob o patrocínio da igreja e de dinamizar a mobilização do laicato” (iamamoto & Carvalho, 1985, p.172). Seu objetivo era a promoção do bem ­estar social e, para isso, fundou centros operá­ rios onde suas propagandistas, por meio de aulas de tricô e trabalhos manuais, conferências, conselhos sobre higiene, etc., procuraram interessar e atrair as operárias e entrar assim em contato com as classes traba­ lhadoras, estudar ­lhes o ambiente e necessidades. (relatório do Ceas 1932 ­1934, apud iamamoto & Carvalho, 1985, p.175) Nota ­se que a atividade estava baseada no ideal funcionalista, em que se buscava ajuste do indivíduo, da família e da coletividade à sociedade existente, dentro do pressuposto de que a sociedade encontra ­se corretamente estabelecida. os que não se ajustam à sua lagem de São Paulo, em referência às férias dos trabalhadores operários, da qual transcrevemos: “Não nos alongaremos sobre a influência da rua na alma das crianças que mourejam na indústria e nos limitaremos a dizer que as férias ope­ rárias irão quebrar o equilíbrio moral de toda uma classe social da nação, mercê de uma floração de vícios, e talvez, de crimes que esta mesma classe não co­ nhece no presente”. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 59 ordem são os “desajustados” e necessitam de ajuda para sua reinte­ gração social, para o seu “re ­ajuste”. as atividades filantrópicas voltadas principalmente para mu­ lheres valorizam a função da mulher no lar, num espírito de resig­ nação às condições socioeconômicas, cujas dificuldades podem ser vencidas com o aprendizado de novas capacidades, como costura e trabalhos manuais, que podem aumentar o rendimento familiar, mas sem deixar o seu próprio lar.17 Entretanto, a dura realidade das mulheres operárias era bem outra, uma vez que estavam subju­ gadas a extenuantes jornadas de trabalho, com a submissão de seus filhos às mesmas condições, comprometendo seu desenvolvimento físico e intelectual, o que trouxe sérias consequências para a so­ ciedade posteriormente, exigindo novas intervenções do Estado para mi nimizá ­las, uma vez que este representa os interesses da burguesia industrial. o grupo surgia num momento de intensificação de estratégias desenvolvidas pela igreja Católica para revitalizar seu poder diante do Estado e reafirmar “a noção de Nação Católica e o seu direito ao exercício da influência como intérprete e guia da imensa maioria ca­ tólica da população brasileira” (iamamoto & Carvalho, 1985, p.159). as refrações da questão social começavam a ser enfrentadas pela classe dominante no Brasil pelo viés religioso católico, influenciado pela concepção do fortalecimento da família, da propriedade, bus­ cando, para isso, respaldo político nas instituições formais do Es­ tado para eleger políticos que apoiam seus princípios, e com a criação de organismos filantrópicos que desenvolvessem seu ideário de ordem e disciplina, solidificando suas ações na divulgação ideo­ lógica da prestação da ajuda aos sofredores. a ação visa também (ia­ mamoto & Carvalho, 1985) fortalecer a ação católica laica. 17. Na atualidade, as atividades executadas pelas entidades sociais, agora vincula­ das à Política Nacional de assistência Social, ainda desenvolvem práticas se­ melhantes e seus dirigentes mantêm o mesmo ideário burguês de reajustamento da família, que geralmente é culpabilizada pela falta de estudo, de “capacitação para o trabalho” e pelo desemprego. 60 EDméIA CoRRêA NETTo as lutas operárias se iniciam no Brasil no século XiX, com a primeira greve organizada no rio de Janeiro pelos gráficos dos jor­ nais diários, em 1858 (Giannotti, 2007),18 e se intensificam nas pri­ meiras décadas de 1900, sob influência anarquista e posteriormente comunista, a partir, sobretudo, da revolução russa de 1917. a crise de 1929 aumenta os problemas e também a reação do movi­ mento operário. a primeira lei conquistada, mas não cumprida, por falta de instrumentos legais, de janeiro de 1919 (Giannotti, 2007, p.100), a Lei de acidentes de trabalho, responsabilizava os empregadores e o poder público pela indenização do trabalhador acidentado. a indenização e outras conquistas, como redução da jornada de trabalho, ficavam restritas a algumas fábricas, e seu cumprimento estava mais submetido a acordos diretos com os tra­ balhadores, o que os desfavorecia inegavelmente. a década de 1920 é atravessada por intensos movimentos dos trabalhadores, especialmente nos maiores centros urbanos, onde se concentra o desenvolvimento fabril. o governo de Vargas, iniciado em 1930, procura incorporar algumas das reivindicações dos operá­ rios através das primeiras legislações trabalhistas, colocando, entre­ tanto, limites à organização sindical, atrelando ­a ao controle estatal. Em 1930, Vargas cria o ministério dos Negócios do trabalho, in­ dústria e Comércio, e a partir de 1931 várias pequenas leis são for­ muladas, como a que regulamenta o trabalho de mulheres e crianças (1931), jornada de oito horas e descanso semanal remunerado, limi­ tação de trabalho noturno para mulheres e crianças (1932), imposto sindical e salário mínimo (1940) até culminar com a Consolidação das Leis trabalhistas, promulgada em 1o de maio de 1943. Em 1935 é criado o departamento de assistência Social do Es­ tado, constituindo ­se na primeira institucionalização da proteção social no Brasil (iamamoto & Carvalho, 1985, p.178). 18. Giannotti refere em seu estudo que ocorreram greves em vários estados do Brasil antes de 1858, conquistando melhorias isoladas para os trabalhadores. Somente a partir de 1880 “as greves se multiplicaram nas fábricas e oficinas das cidades que se industrializavam” (2007, p.57). PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 61 Sem abrir mão das diretrizes do desenvolvimento capitalista, o Estado passa a colaborar na diminuição das nefastas consequências do processo cumulativo do capital, na busca não da justiça, mas do consenso entre as classes sociais antagônicas. o sistema inicial de proteção é aliado a uma ação repressora das manifestações dos mo­ vimentos operários e a estratégias de divulgação de princípios de ordem e disciplina para se atingir o desenvolvimento econômico, pois só a partir daí o social poderia ser atendido. a primeira escola de Serviço Social em 1936 é criada em São Paulo19 pelo Centro de Estudos e ação Social de São Paulo (Ceas), também como parte das respostas às manifestações da questão so­ cial, e por iniciativa de grupos católicos pertencentes à burguesia, mas com apoio do Estado, que absorverá as suas profissionais. Sua preocupação é formar moças para o trabalho social, cuja ação se fundamenta nos princípios da doutrina social da igreja Católica. as primeiras orientações para o desenvolvimento da profissão vêm da Europa, mais precisamente da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas, cuja influência será sentida nas primeiras décadas da profissão. Em 1937, surge a Escola de Serviço Social no rio de Janeiro, segunda no Brasil, e, diferentemente do Estado de São Paulo, a mo­ bilização anterior à sua criação teve a participação majoritária de representantes de instituições públicas, como os juízados de me­ nores e órgãos da área de assistência médica, sanitária e social (ia­ mamoto & Carvalho, 1985). Segundo iamamoto & Carvalho (1985), a demanda inicial por assistentes sociais nesse período era maior do que a oferta de pro­ fissionais formadas pelas escolas. o desenvolvimento da profissão, iniciado em plena ditadura varguista, reflete todas as tendências presentes na sociedade, como 19. o primeiro curso de preparação para ação social foi desenvolvido em 1932 pelo Centro de Estudos e ação Social de São Paulo (Ceas) para moças católicas, mi­ nistradas pela assistente social belga adèle de Loneaux (iamamoto, 1985; mar­ tinelli, 2005). 62 EDméIA CoRRêA NETTo a teoria social da igreja Católica, depois o desenvolvimentismo e influências socialistas, revolucionárias, especialmente na segunda metade da década de 1950 e início da de 1960, com a revolução Cubana em 1959. a política econômica de Vargas, a partir de 1930, volta ­se para o desenvolvimento da indústria como estratégia de enfrentamento à crise mundial que ocorria desde os últimos anos da década anterior. aliada à incorporação de alguns direitos trabalhistas, com atrela­ mento do movimento sindical ao Estado, mantendo os níveis sala­ riais rebaixados, surgem as iniciativas estatais e privadas de maior abrangência para o atendimento social, complementando a ação de desmobilização dos trabalhadores com uma ação paternalista e ajustadora. Sob o patrocínio do Estado e das indústrias surgem o Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, a Legião Brasileira de assis­ tência em 1940, o Serviço Nacional de aprendizagem industrial (Senai) em 1942, o Serviço Social da indústria em 1946 (Yasbek, 1984), a Fundação Leão Xiii em 1946, que incorporam os novos profissionais bem como incentivam com bolsas de estudo a for­ mação de novos assistentes sociais (iamamoto & Carvalho, 1985, p.184).20 Surgimento de um novo projeto ético ‑político do Serviço Social do início da década de 1960 até meados dos anos 1980, o Serviço Social realiza um amplo movimento de questionamento de seus fundamentos teóricos, metodológicos e operacionais – conhe­ cido na história do Serviço Social como movimento de reconcei­ 20. iamamoto & Carvalho (1985) expõem detalhadamente esse período de institu­ cionalização do Serviço Social no Brasil. apresentam um quadro (1985, p.184) de bolsistas mantidos por instituições particulares, autárquicas e estatais na Es­ cola de Serviço Social de São Paulo no período de 1946 a 1953. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 63 tuação –, de modo a melhor compreender a própria profissão e traçar diretrizes para as novas exigências da realidade social, que se apresentava cada vez mais complexa. apesar da forte repressão, a resistência à ditadura continua se organizando em todos os setores da sociedade. Grupos guerri­ lheiros de esquerda, que posteriormente seriam todos militarmente derrotados, se organizam em vários países da américa Latina. Em 1968, a partir da teologia da Libertação, a igreja Católica latino ­americana, na cidade de medellín, Colômbia, estabelece nova base para o compromisso e a ação dos católicos em relação à classe trabalhadora. No Brasil, isso se manifesta na organização de várias pastorais comprometidas com o povo e dos movimentos eclesiais de base. a partir da discussão de textos evangélicos com a população empobrecida, nascem vários movimentos reivindicató­ rios, principalmente em São Paulo. o movimento estudantil amplia suas ações e se fortalece, bus­ cando inspiração nos textos de inspiração marxista e revolucio­ nária, contribuindo também para a rearticulação dos movimentos sociais na clandestinidade. No âmbito do Serviço Social, os fatos não evoluem diversamente. o questionamento teórico ­metodológico da profissão recebe in­ fluência de autores marxistas, como o francês Louis althusser, po­ rém sem se voltar para os autores originais. os profissionais se questionam quanto ao seu papel no contexto da américa Latina, cujos países são mais duramente atingidos por crises econômicas. apesar da forte repressão militar, a resistência à ditadura se organiza e se manifesta de várias formas, voltadas para a ampliação de direitos civis, políticos e sociais.21 a autora Helena iracy Junqueira (1980, p.9 ­11)22 aponta alguns eventos marcantes para o movimento de reconceituação: 21. Ver, a respeito dos movimentos sociais: Wanderley, 1984; Paludo, 2001; Gohn, 2001; Scherer ­Warren, 1989; Singer & Brant, 1980. 22. o artigo de Helena iracy Junqueira, na revista Serviço Social e Sociedade, n. 4, recebeu fortes críticas de José Paulo Netto no número seguinte da mesma re­ 64 EDméIA CoRRêA NETTo • Encontro regional de Escolas de Serviço Social do Nordeste, realizado em janeiro/1964: “pode ser considerado como pri­ meira manifestação grupal de crítica ao Serviço Social tradi­ cional e ensaio de reconceituação” (Junqueira, 1980, p.9). • i Seminário regional Latino ­americano de Serviço Social – maio/1965, em Porto alegre, com 415 participantes do Brasil, Uruguai e argentina. apoio: alaets e iSi. outros cinco seminários se seguiram a esse, com grande in­ fluência na reconceituação: • ii – em 1966, no Uruguai; • iii – em 1967, na argentina; • iV – em 1969, no Chile; • V – em 1970, na Bolívia e • Vii – em 1972, em Porto alegre. o processo de questionamento da prática profissional se desen­ volvia como parte de um amadurecimento de vários outros setores sociais, inclusive dos movimentos populares e da igreja Católica. as bases teóricas tradicionais baseadas na adaptação do indivíduo e dos grupos à sociedade existente não conseguiam mais dar res­ postas às demandas do Serviço Social, cujos profissionais começam a interagir com outras profissões. a teoria do desenvolvimentismo, principalmente no final da década de 1950, dá origem ao desenvolvimento de Comunidade (dC), que se manifesta no Serviço Social com duas tendências: uma prática “moderna”, mais apropriada à realidade vivenciada no Brasil, e outra baseada em análise de questões macrossociais.23 vista, em artigo intitulado “a crítica conservadora à reconceptualização”, contes­ tando oito pontos do artigo anterior, o que não lhe tira o mérito da organização dos dados históricos que marcaram o movimento de reconceituação. 23. Castro (1987, p.136) refere que as primeiras discussões sobre o Serviço Social na comunidade surgem nos anos 1920 nos Estados Unidos da américa, em textos de diversos autores, a partir da concepção funcionalista de desenvolvi­ mento de comunidade. PRoFISSÃo: ASSISTENTE SoCIAL 65 Em 1961, no ii Congresso Brasileiro de Serviço Social, no rio de Janeiro, surge coletivamente uma intenção de mudança nos rumos profissionais, com valorização da intervenção “comunitária”. o ii Congresso evidencia o início do amadurecimento profissional, reivindicando aperfeiçoamento conceitual, técnico, científico e cul­ tural, bem como funções no planejamento dos projetos de desen­ volvimento, e não meramente executivas (Netto, 2004). o processo de reflexão das bases da profissão sofre um duro golpe com o início da ditadura em abril de 1964. através de me­ didas antidemocráticas e repressoras, o Estado garante a acumu­ lação do capital para a sociedade burguesa, evitando a implantação de um projeto desconcentrador de renda, dentro dos princípios de justiça e equidade econômico ­social. os questionamentos prosseguem, porém, o que prevalece são tendências tradicionais, que Netto aponta como uma moderni­ zação conservadora: a autocracia burguesa modificou substantivamente o cenário em que ele (o processo de questionamento da profissão) vinha se de­ senrolando. modificou ­o muito contraditoriamente: num primei­ ro momento, pela neutralização dos protagonistas socio po líticos com prometidos com a democratização da sociedade e do Estado, cortou com os efetivos suportes que poderiam dar um encaminha­ mento crítico e pro gressista à crise em andamento no Serviço Social “tradicional”; mas com a implantação do seu projeto de “moderni­ zação conservadora”, precipitou esta mesma crise. (2004, p.141, grifo nosso) os seminários de araxá, de Sumaré, de teresópolis e do alto da Boa Vista organizados pelo Centro Brasileiro de intercâmbio de Serviços Sociais (CBCiSS) de 1967 a 1989 demonstram as contra­ dições na profissão, ainda que prevaleça a tendência conservadora. o Seminário de araxá foi realizado em março de 1967, com a presença de 38 assistentes sociais, para discussão do tema teori­ zação do Serviço Social. 66 EDméIA CoRRêA NETTo Em janeiro de 1970, com o tema metodologia do Serviço Social, realizou ­se o Seminário de teresópolis, com 33 assistentes sociais presentes. o tema Cientificidade do Serviço Social foi objeto de estudo do Seminário de Sumaré, realizado em novembro de 1978, com 25 as­ sistentes sociais, com os subtemas Serviço Social e Fenomenologia e Serviço Social e dialética. Seis anos depois, em novembro de 1984, é realizado o Seminário de alto da Boa Vista, mas com menor significado, e cujo material encontra ­se publicado na revista Debates Sociais de 1984. Em junho de 1989, foi realizado o Seminário do rio de Janeiro, o último organizado pelo CBCiSS, tendo como tema a Construção do Conhecimento em Serviço Social, cujo conteúdo ficou sem pu­ blicação. Em 1979, na efervescência dos anos duros da ditadura militar, o iii Congresso Brasileiro de assistentes Sociais em São Paulo, co­ nhecido como “Congresso da Virada”,24 torna ­se um marco no mo­ vimento de reconceituação da profissão, quando os assistentes sociais retiram da mesa de abertura os integrantes oficiais do go­ verno e colocam os representantes dos movimentos populares e da luta pela democracia. o ser humano passa a ser visto como participante nas relações sociais de um determinado modo de produção – capitalista –, sendo a classe social a que pertence que vai determinar as situações que vivencia. a sociedade é, então, analisada como totalidade histórica, com determinações econômicas sustentadas por aparatos políticos, culturais e sociais. o período histórico manifesta as mudanças que estavam ocor­ rendo, em consequência da Segunda Guerra mundial, no mundo (a guerra fri