Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Estabilidade de equações diferenciais ordinárias através de funções dicotômicas Evelize Aparecida dos Santos Ferracini Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado Profissional em Matemática Universitária como requisito par- cial para a obtenção do grau de Mestre Orientadora Profa. Dra. Suzinei Aparecida Siqueira Marconato Rio Claro Dezembro - 2011 517.38 F368e Ferracini, Evelize Aparecida dos Santos Estabilidade de equações diferenciais ordinárias através de funções dicotômicas / Evelize Aparecida dos Santos Ferracini. - Rio Claro: [s.n.], 2011. 54 f. : il., figs., gráfs. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientadora: Suzinei Aparecida Siqueira Marconato 1. Equações Diferenciais. 2. Funções de Liapunov. I. Título Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Câmpus de Rio Claro/SP TERMO DE APROVAÇÃO Evelize Aparecida dos Santos Ferracini Estabilidade de equações diferenciais ordinárias através de funções dicotômicas Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Matemática Universitária do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, pela seguinte banca examina- dora: Profa. Dra. Suzinei Aparecida Siqueira Marconato Orientadora Profa. Dra. Maria Aparecida Bená FFCLRP - USP - Ribeirão Preto/SP Profa. Dra. Renata Zotin Gomes de Oliveira IGCE - UNESP - Rio Claro/SP Rio Claro, 08 de Dezembro de 2011 Aos meus amados pais, Jaques e Santa, e ao meu querido esposo Michel, dedico. Agradecimentos Ao concluir este trabalho, agradeço: A Deus, pois sem Ele nada seria. A Professora Dra. Suzinei Aparecida Siqueira Marconato, meu sincero agradeci- mento pela orientação, pela dedicação, exigência e principalmente, pela paciência, sem a qual este trabalho não se realizaria. Aos meus pais Jaques e Santa pela educação que me deram, pelo carinho e dedi- cação, por estar sempre presente me apoiando em tudo o que faço. Amo muito vocês. Ao meu esposo Michel, um grande companheiro, pela paciência, carinho e com- preensão, por acreditar em mim e sempre me incentivar nos momentos de desânimo e dificuldades. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Matemática Universitária, pelos ensinamentos. A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho. Felicidade é quando o que pensamos, o que dizemos e o que fazemos estão em harmonia. Mahatma Ghandi Resumo Neste trabalho apresentamos um estudo sobre estabilidade do equilíbrio nulo de equações diferenciais ordinárias autônomas através do Segundo Método de Liapunov e do Método das Funções Dicotômicas, que é uma extensão do Segundo Método de Liapunov. Palavras-chave: Equações Diferenciais Ordinárias, Estabilidade, Funções de Lia- punov, Funções Dicotômicas. Abstract This work presents a study about stability of the null equilibrium of autonomous or- dinary differential equations by Liapunov’s Second Method and Method of Dichotomic Maps, which is an extension of the Liapunov’s Second Method. Keywords: Ordinary Differential Equations, Stability, Liapunov Functions, Dichotomic Maps. Lista de Figuras 2.1 Gráfico da solução x(t) = (t+ c)2 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 2.2 Gráfico da solução x(t) = −k, onde k > 0. . . . . . . . . . . . . . . 12 2.3 Gráfico da solução para c > 0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.4 Gráfico da solução para c < 0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.5 Esboço do gráfico de dP dt como uma função de P . . . . . . . . . . . . . 23 2.6 Esboço do comportamento das soluções P (t). . . . . . . . . . . . . . . 24 3.1 Gráfico da função x1 = h(x2). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 3.2 Gráfico da função x1 = g(x2). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3.3 Região A = {(x2, x1) ∈ R 2/x1 > √ x3 2 − x2 2}, onde V é positiva. . . . . . 31 3.4 Região B = {(x2, x1) ∈ R 2/x1 < − √ x3 2 − x2 2}, onde V é positiva. . . . . 32 3.5 Região C = {(x2, x1) ∈ R 2/x2 < 1, x2 �= 0}, onde V é positiva. . . . . . 32 3.6 Região Ω = {(x2, x1) ∈ R 2 / x2 > 1, h(x2) < x1 < g(x2)} ∪ {(x2, x1) ∈ R 2 / x2 < 1}. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 3.7 Sistema massa-mola. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Sumário 1 Introdução 9 2 Preliminares 11 2.1 Equações Diferenciais Ordinárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2.2 Existência e Unicidade de Soluções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 2.3 Equações Autônomas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 3 Estabilidade Segundo Liapunov 27 3.1 Função de Liapunov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 3.2 Teoremas sobre o Segundo Método de Liapunov . . . . . . . . . . . . . 37 4 Funções Dicotômicas 43 5 Considerações Finais 53 Referências Bibliográficas 54 1 Introdução O estudo das equações diferenciais ordinárias começou com os próprios criadores do Cálculo, Newton e Leibniz, no final do século XVII, motivados por problemas físi- cos. Atualmente, além dos problemas físicos conseguimos modelar muitos fenômenos biológicos, econômicos, ecológicos, químicos, entre outros. No início era natural tentar expressar as soluções de uma equação diferencial ex- plicitamente; entretanto, logo se verificou que o número de equações que podiam ser re- solvidas desta forma era muito pequeno, até mesmo quando introduzidas novas funções. Mediante as dificuldades em obter soluções por métodos confiáveis, surgiram os teore- mas de existência e unicidade, tornando-se justificável a busca de soluções através de processos informais, uma vez que obtida, podia ser verificada posteriormente. A partir daí, iniciou-se no século XIX, com Henri Poincaré (1854− 1912), a fase moderna, que é marcada pelo interesse nas questões qualitativas, ou seja, é marcada pela atitude de retirar das equações diferenciais informações sobre o comportamento de suas soluções, sem a preocupação de escrevê-las explicitamente. Por exemplo, podemos analisar qua- litativamente o comportamento oscilatório do sistema massa-mola que é dado por um bloco de massa m, sobre uma superfície horizontal sem atrito, preso a uma das ex- tremidades de uma certa mola, enquanto a outra extremidade está ligada a um ponto fixo, observando que o seu estado inicial é estável, pois à medida que afastamos o bloco do seu estado inicial (chamado de ponto de equilíbrio) e o soltamos, vemos iniciar um movimento contínuo e oscilatório ao redor do seu ponto de equilíbrio. Assim, no presente trabalho nos propomos a estudar as equações diferenciais or- dinárias de modo qualitativo, buscando informações que permitam concluir algo sobre o comportamento de suas soluções ao longo do tempo. Mais especificamente, estudare- mos o comportamento assintótico do equilíbrio nulo das equações diferenciais autôno- mas ẋ = f(x), através do Segundo Método de Liapunov e, também, através do método das Funções Dicotômicas, que é uma extensão do Segundo Método de Liapunov. Para tanto, no Capítulo 1 apresentaremos elementos básicos para o desenvolvimento da teoria subsequente, garantindo as condições necessárias para a existência e unicidade de soluções, bem como os principais resultados das equações autônomas e as definições 9 10 de ponto de equilíbrio, de estabilidade e estabilidade assintótica. No Capítulo 2, desenvolveremos a teoria do Segundo Método de Liapunov, definindo função de Liapunov através da qual demonstraremos os teoremas que determinam as condições suficientes para que o equilíbrio nulo de um sistema autônomo seja estável ou assintoticamente estável. Por fim, no Capítulo 3, estabeleceremos o Método das Funções Dicotômicas, onde definiremos função dicotômica e estritamente dicotômica, e demonstraremos os teo- remas que garantem a estabilidade e a estabilidade assintótica do equilíbrio nulo da equação autônoma. A maioria dos exemplos apresentados neste trabalho são de sistemas lineares que foram analisados através de Funções de Liapunov ou Funções Dicotômicas. Embora existam ferramentas mais simples para estes casos, o objetivo principal deste trabalho é explorar as teorias que envolvem Funções de Liapunov e Funções Dicotômicas. Observamos que todos os gráficos apresentados no decorrer do texto, foram esboça- dos com o software Maple 12. 2 Preliminares Neste capítulo apresentamos alguns conceitos fundamentais da teoria de Equações Diferenciais Ordinárias, os quais são necessários ao longo deste trabalho. 2.1 Equações Diferenciais Ordinárias Nesta seção introduzimos o conceito de equação diferencial ordinária e solução desta equação; vemos também o que é um problema de valor inicial e mostramos que o estudo das equações de ordem superior se reduz a um sistema de equações de primeira ordem. Para isso, seja D um subconjunto aberto do espaço euclidiano R n+1 = R × R n, onde R é a reta real e R n o espaço euclidiano n-dimensional, onde um elemento de D é denotado por (t, x), com t ∈ R e x = (x1, x2, . . . , xn) ∈ R n. Considere agora, f : D → R n uma função contínua, x : I → R n uma função diferenciável definida em um intervalo I dos reais e ẋ = dx dt a derivada de x com relação à variável independente t. Assim, uma Equação Diferencial Ordinária de primeira ordem é uma relação da forma: ẋ(t) = f(t, x(t)) ou, simplesmente, ẋ = f(t, x). (2.1) Definição 2.1. Dizemos que uma função diferenciável x : I → R n, onde I ⊂ R, é solução da equação (2.1) em I se: (i) (t, x(t)) ∈ D, para todo t ∈ I, e (ii) x satisfaz a equação (2.1) para todo t ∈ I. Vejamos alguns exemplos: Exemplo 2.1. Considerando a função f(t, x) = { √ x, se x ≥ 0 0, se x < 0, temos que a equação diferencial ẋ = f(t, x) admite como solução a função x(t) = (t+ c)2 4 para t ∈ [−c,+∞) ou a função x(t) = −k, onde k é uma constante positiva qualquer. 11 Equações Diferenciais Ordinárias 12 De fato, para x = 0, a função nula é solução da equação e para x > 0, a equação ẋ = √ x é equivalente a x− 1 2 dx dt = 1. Integrando ambos os membros da última equação com relação à t, obtemos:∫ x− 1 2 dx dt dt = ∫ dt ⇔ 2x 1 2 = t+ c ⇔ x(t) = (t+ c)2 4 , onde c é uma constante real arbitrária. Assim, para t ∈ [−c,+∞), x(t) = (t+ c)2 4 é uma solução. Agora, para x < 0 temos ẋ = 0, logo a função x(t) = −k para t ∈ R, onde k é uma constante positiva, é solução. Veja as figuras abaixo, onde estão ilustradas as famílias de soluções: Figura 2.1: Gráfico da solução x(t) = (t+ c)2 4 . Figura 2.2: Gráfico da solução x(t) = −k, onde k > 0. Exemplo 2.2. Seja a função f(x) = x2, definida em D = R. Logo, considerando a equação diferencial ẋ = x2 temos que a função x(t) = −1 t+ c é uma família de soluções para t ∈ (−c,+∞) se c > 0, e para t ∈ (−∞,−c) se c < 0, sendo c uma constante real. De fato, para x = 0, a função nula é solução da equação e para x �= 0, sendo ẋ = x2 uma equação do tipo separável, é interessante re-escrevê-la como x−2ẋ = 1. Logo, integrando ambos os membros da última equação com relação à t, obtemos:∫ x−2ẋdt = ∫ dt ⇔ −x−1 = t+ c ⇔ x(t) = −1 t+ c , onde c é uma constante real arbitrária. Veja as figuras a seguir, onde estão ilustradas as famílias de soluções: Equações Diferenciais Ordinárias 13 Figura 2.3: Gráfico da solução para c > 0. Figura 2.4: Gráfico da solução para c < 0. Agora, considere (t0, x0) ∈ D um ponto dado arbitrariamente. Resolver um pro- blema de valor inicial para a equação (2.1) consiste em encontrar um intervalo I con- tendo t0 e uma solução x da equação (2.1) satisfazendo x(t0) = x0. Simbolicamente, o problema de valor inicial é denotado por: ẋ = f(t, x), x(t0) = x0, t ∈ I. (2.2) Observamos que, se existir um intervalo I contendo t0 e uma solução x satisfazendo (2.2), então dizemos que x(t) é uma solução da equação (2.1) passando por (t0, x0). A notação usual para as soluções de (2.2) é x(t, t0, x0), entretanto somente a utilizaremos quando for indispensável. A seguir, analisaremos um problema de valor inicial para cada exemplo anterior. Exemplo 2.3. Considerando um problema de valor inicial para o Exemplo 2.1, onde x(0) = 0 é a condição inicial, temos que x(t) = 0 para t ∈ R, é uma solução e que a função x(t) = ⎧⎨⎩ (t− c)2 4 se t ≥ c ≥ 0 0 se t < c é também uma solução. Exemplo 2.4. Considerando o problema de valor inicial ẋ = x2, x(0) = x0, e ad- mitindo a solução encontrada no Exemplo 2.2, para a equação, precisamos ter c = −1 x0 para que x(t, x0) = x0 1− x0t seja solução do problema dado. Observemos que a solução Equações Diferenciais Ordinárias 14 x(t, x0) = x0 1− x0t torna-se ilimitada quando t → 1 x0 , de modo que o intervalo de exis- tência da solução é (−∞, 1 x0 ), se x0 > 0, e é ( 1 x0 ,+∞), se x0 < 0. Logo, este exemplo ilustra que o intervalo I pode depender da condição inicial e podendo não ser toda a reta. Observemos que, nos Exemplos 2.1 e 2.2 as funções f dadas são contínuas, mas isso não nos garantiu soluções únicas. Mais adiante veremos que a continuidade da função f garante a existência de solução, mas não a unicidade. Veremos, também, condições para a unicidade. Agora, tomando a base canônica do R n e escrevendo x(t) = (x1(t), x2(t), . . . , xn(t)) e f(t, x) = (f1(t, x), f2(t, x), . . . , fn(t, x)), observamos que a equação (2.1), em R n, nada mais é que uma equação diferencial vetorial. Logo, podemos interpretá-la como um sistema de equações diferenciais escalares, como segue:⎧⎪⎪⎪⎪⎨⎪⎪⎪⎪⎩ ẋ1(t) = f1(t, x1(t), . . . , xn(t)) ẋ2(t) = f2(t, x1(t), . . . , xn(t)) ... ẋn(t) = fn(t, x1(t), . . . , xn(t)). Assim, uma condição inicial para esse sistema é dada por (x0 1, . . . , x 0 n) onde x1(t0) = x0 1, x2(t0) = x0 2, . . ., xn(t0) = x0 n. Uma solução em I ⊂ R consiste em n funções reais diferenciáveis xj : I → R tais que, para cada t ∈ I, ẋj(t) = fj(t, x1(t), . . . , xn(t)), com j = 1, 2, . . . , n, enquanto que a n-upla x(t) = (x1(t), x2(t), . . . , xn(t)) dada por estas funções constitui uma solução da equação (2.1) em R n. A equação vetorial ẋ = f(t, x) em R n é classificada como sendo de primeira ordem, por envolver apenas a derivada primeira. Como nosso estudo inclui, pelo menos no aspecto teórico, equações de ordens superiores, podemos considerar uma equação dife- rencial x(n) = g(t, x, ẋ, . . . , x(n−1)), de ordem n em R, dada por uma função g : D → R onde D é um aberto de Rn+1, que pode ser estudada admitindo-se um sistema associado com uma equação diferencial de primeira ordem em R n, como dado abaixo:⎧⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎨⎪⎪⎪⎪⎪⎪⎩ y1(t) = x(t) y2(t) = ẏ1(t) = ẋ(t) y3(t) = ẏ2(t) = ÿ1(t) = ẍ(t) ... yn(t) = ẏn−1(t) = . . . = x(n−1)(t), onde temos ẏn(t) = x(n)(t) = g(t, x(t), ẋ(t), . . . , x(n−1)(t)) = g(t, y1(t), y2(t), . . . , yn(t)). Existência e Unicidade de Soluções 15 Logo, como y(t) = (y1(t), y2(t), . . . , yn(t)), então ẏ(t) = (ẏ1(t), ẏ2(t), . . . , ẏn(t)) = (y2(t), y3(t), . . . , yn(t), g(t, y1(t), y2(t), . . . , yn(t))) = (y2(t), y3(t), . . . , yn(t), g(t, y(t))). Portanto, para obtermos uma solução de x(n) = g(t, x, ẋ, . . . , x(n−1)) basta obtermos uma solução (y1(t), y2(t), . . . , yn(t)) do sistema associado, dado acima, pois se x(t) é uma solução da equação de ordem n, então necessariamente (y1(t), y2(t), . . . , yn(t)) = (x(t), ẋ(t), . . . , x(n−1)(t)) é solução do sistema associado. Observamos, portanto, que não é necessário estabelecer um estudo separado para as equações de ordem n e que por isso vamos trabalhar somente com equações de primeira ordem. A partir de agora vamos nos ater às condições que garantem existência e unicidade de solução para o problema de valor inicial (2.2). 2.2 Existência e Unicidade de Soluções Nesta seção o objetivo principal é apresentar a demonstração do teorema de exis- tência e unicidade de soluções, mas antes disso, apresentamos o Lema que relaciona a equação diferencial com uma equação integral e a definição de função Lipschitziana na segunda variável, pois desempenham papel fundamental na demonstração. Lema 2.1. Seja f : D → R n uma função contínua no aberto D ⊂ R n+1. Então, uma função diferenciável x : I → R n é solução do problema de valor inicial (2.2) se, e somente se, for solução da equação integral x(t) = x0 + ∫ t t0 f(s, x(s))ds, para todo t ∈ I. (2.3) Demonstração. Se x : I → R n é solução do problema de valor inicial (2.2), isto é, x(t0) = x0 e ẋ(t) = f(t, x(t)) para t ∈ I, então integrando de t0 a t ambos os membros de ẋ(t) = f(t, x(t)) obtemos x(t) = x0 + ∫ t t0 f(s, x(s))ds, para todo t ∈ I. Reciprocamente, se x : I → R n é solução da equação (2.3), então necessariamente temos x(t0) = x0 + ∫ t0 t0 f(s, x(s))ds = x0. Como x(t) é diferenciável em I, podemos derivar x(t) = x0 + ∫ t t0 f(s, x(s))ds, e usando o Teorema Fundamental do Cálculo (per- mitido pois f é contínua) obtemos ẋ(t) = f(t, x(t)), para t ∈ I. Existência e Unicidade de Soluções 16 Definição 2.2. Uma função f : D ⊂ R × R n → R n chama-se Lipschitziana em D relativamente à segunda variável ou, simplesmente, Lipschitziana, se existir uma constante L tal que: ‖f(t, x)− f(t, y)‖ ≤ L‖x− y‖ para quaisquer (t, x), (t, y) em D. A constante L é chamada de constante de Lipschitz de f . Teorema 2.1. (Picard− Lindelöf) Seja f uma função contínua e Lipschitziana em relação à segunda variável em um cilindro D = Ia×Bb, onde Ia = {t ∈ R : |t−t0| ≤ a} e Bb = {x ∈ R n : ‖x − x0‖ ≤ b}. Se ‖f(t, x)‖ ≤ M em D, para algum M ∈ R, então existe uma única solução para o problema de valor inicial (2.2) no intervalo Iα, onde α = min{a, b M }. Demonstração. O raciocínio utilizado é conhecido como Método Iterativo de Picard, que consiste em definir uma sequência de funções (xn(t)) que convergirá para a solução procurada do problema de valor inicial. Definimos em [t0, t0 + α] as funções x0(t) = x0, x1(t) = x0 + ∫ t t0 f(s, x0(s))ds, . . . , xn+1(t) = x0 + ∫ t t0 f(s, xn(s))ds, . . . As funções xn+1(t) satifazem a desigualdade ‖xn+1(t)− x0‖ ≤ b para todo t ∈ [t0, t0 + α]. De fato, ‖xn+1(t)− x0‖ = ∥∥∥∥∫ t t0 f(s, xn(s))ds ∥∥∥∥ ≤ ∫ t t0 ‖f(s, xn(s))‖ds ≤ M |t− t0| ≤ Mα ≤ M b M = b. Por indução finita é possível mostrar que ‖xn+1(t)− xn(t)‖ ≤ MLn(t− t0) n+1 (n+ 1)! , n = 0, 1, 2, . . . (2.4) para todo t ∈ [t0, t0 + α], sendo L a constante de Lipschitz de f . De fato, suponha n = 0, então ‖x1(t)− x0‖ = ∥∥∥∥∫ t t0 f(s, x0(s))ds ∥∥∥∥ ≤ M |t− t0|. Suponha que a desigualdade (2.4) seja verdadeira para n = k, mostraremos que também é válida para n = k + 1. Existência e Unicidade de Soluções 17 ‖xk+2(t)− xk+1(t)‖ = ∥∥∥∥∫ t t0 [f(s, xk+1(s))− f(s, xk(s))]ds ∥∥∥∥ ≤ ∫ t t0 ‖f(s, xk+1(s))− f(s, xk(s))‖ds ≤ ∫ t t0 L‖xk+1(s)− xk(s)‖ds ≤ ∫ t t0 LMLk(s− t0) k+1 (k + 1)! ds = Lk+1M (k + 1)! ∫ t t0 (s− t0) k+1ds = MLk+1(t− t0) k+2 (k + 2)! . e assim, a prova de (2.4) está concluída. Agora, defina a série ∞∑ n=0 [xn+1(t)− xn(t)]. (2.5) Note, por (2.4), que ‖xn+1(t)− xn(t)‖ ≤ MLnαn+1 (n+ 1)! em [t0, t0 + α]. Por outro lado, temos pelo Critério da Razão que a série de termos positivos ∞∑ n=0 MLnαn+1 (n+ 1)! é convergente. Então, segue do Teste de Weierstrass que a série (2.5) converge uniforme- mente em [t0, t0 + α]. Seja Sk(t) a sequência das somas parciais da série (2.5), então Sk(t) converge uniformemente para alguma função uniformemente contínua definida no intervalo [t0, t0+α]. Além disso, a série dada em (2.5) representa uma série telescópica, uma vez que Sk(t) = (x1(t)−x0)+(x2(t)−x1(t))+· · ·+(xk(t)−xk−1(t))+(xk+1(t)−xk(t)) = xk+1(t)−x0. Assim, existe uma função uniformemente contínua x(t) em [t0, t0 + α] tal que xk+1(t) → x(t) uniformemente em [t0, t0 + α]. O próximo passo consiste em provar que a função x(t) satisfaz a equação integral (2.3). Afirmamos que f(s, xn(s)) → f(s, x(s)) uniformemente em [t0, t0 + α]. Como f é Lipschitziana em relação à segunda variável, e se L denota a constante de Lipschitz, então ‖f(s, xn(s))−f(s, x(s))‖ ≤ L‖xn(s)−x(s)‖. Como xn(t) → x(t) uniformemente Existência e Unicidade de Soluções 18 em [t0, t0 + α], dado ε > 0, existe n0 tal que se n ≥ n0, então ‖xn(t) − x(t)‖ ≤ ε L para todo t ∈ [t0, t0 + α]. Logo, ‖f(s, xn(s)) − f(s, x(s))‖ ≤ ε para todo n ≥ n0 e t0 ≤ t ≤ t0 + α. Temos ainda que lim n→+∞ ∫ t t0 f(s, xn(s))ds = ∫ t t0 f(s, x(s))ds. (2.6) Para demonstrar a convergência (2.6) obtemos a seguinte estimativa∥∥∥∥∫ t t0 f(s, xn(s))ds− ∫ t t0 f(s, x(s))ds ∥∥∥∥ ≤ ∫ t t0 ‖f(s, xn(s))− f(s, x(s))‖ds ≤ sup t0≤s≤t ‖f(s, xn(s))− f(s, x(s))‖|t− t0| ≤ ε|t− t0| ≤ εα para todo n ≥ n0. Assim, como a igualdade (2.6) implica na identidade (2.3) temos o resultado. Agora vamos provar a unicidade de solução e para isso suponhamos que o problema de valor inicial (2.2) admita uma outra solução z(t) em [t0, t0 + α]. Provemos que x(t) = z(t) para t ∈ [t0, t0 + α]. Temos que x(t) = x0 + ∫ t t0 f(s, x(s))ds e z(t) = x0 + ∫ t t0 f(s, z(s))ds. Subtraindo essas duas equações membro a membro, obtemos ‖x(t)− z(t)‖ = ∥∥∥∥∫ t t0 [f(s, x(s))− f(s, z(s))]ds ∥∥∥∥ ≤ ∫ t t0 ‖f(s, x(s))− f(s, z(s))‖ds ≤ L ∫ t t0 ‖x(s)− z(s)‖ds, ou seja, ‖x(t)− z(t)‖ ≤ L ∫ t t0 ‖x(s)− z(s)‖ds, (2.7) onde L é a constante de Lipschitz de f . Seja U a função definida por U(t) = ∫ t t0 ‖x(s)− z(s)‖ds, t ∈ [t0, t0 + α]. Então, segue imediatamente que U(t0) = 0, e (2.8) U(t) ≥ 0, para t ∈ [t0, t0 + α]. (2.9) Existência e Unicidade de Soluções 19 Além disso, U é diferenciável e U ′(t) = ‖x(t)− z(t)‖. Logo, pela equação (2.7), temos U ′(t)− LU(t) ≤ 0. (2.10) Considerando o fator integrante, eL(t0−t), da equação (2.10), obtemos [eL(t0−t)U(t)]′ ≤ 0. (2.11) Então, integrando a equação (2.11) de t0 a t e usando a equação (2.8) obtemos eL(t0−t)U(t) ≤ 0 para t ∈ [t0, t0 + α]. Portanto, U(t) ≤ 0 para t ∈ [t0, t0 + α] e, considerando a equação (2.9) temos que U(t) = 0 para t ∈ [t0, t0 + α]. Assim, U ′(t) ≡ 0 e, então, x(t) ≡ z(t), para t ∈ [t0, t0 + α]. Exemplo 2.5. A solução do problema de valor inicial{ ẋ = y, x(0) = 1 ẏ = −x, y(0) = 1 pode ser dada pelo Método Iterativo de Picard. Com efeito, observamos que o sistema pode ser escrito na forma matricial{ Ẏ = f(t, Y ), Y (t0) = Y0 se considerarmos Y = ( x y ) , f(t, Y ) = ( y −x ) e Y0 = ( x(0) y(0) ) . Note que f é uma função que independe da variável t. Mostremos que f é Lipschitziana em relação à segunda variável. De fato, ‖f(t, Y1)− f(t, Y2)‖ = ∥∥∥∥f ( t, ( x1 y1 )) − f ( t, ( x2 y2 ))∥∥∥∥ = ∥∥∥∥ ( y1 −x1 ) − ( y2 −x2 )∥∥∥∥ = ∥∥∥∥ ( y1 − y2 x2 − x1 )∥∥∥∥ = ∥∥∥∥ ( x1 − x2 y1 − y2 )∥∥∥∥ = ∥∥∥∥ ( x1 y1 ) − ( x2 y2 )∥∥∥∥ = ‖Y1 − Y2‖. Logo, ‖f(t, Y1) − f(t, Y2)‖ ≤ ‖Y1 − Y2‖, sendo K = 1 a constante de Lipschitz, e portanto f satisfaz as hipóteses do Teorema de Picard. O Método Iterativo de Picard é dado pelas seguintes funções⎧⎨⎩ Y0(t) = Y0, t ∈ R Yn(t) = Y0 + ∫ t t0 f(s, Yn−1(s))ds, t ∈ R, n = 1, 2, . . . Equações Autônomas 20 Note que, Y0(t) = Y (0) = ( 1 1 ) , t ∈ R. Daí, para t ∈ R, temos Y1(t) = Y0 + ∫ t t0 f(s, Y0(s))ds = ( 1 1 ) + ∫ t 0 f ( s, ( 1 1 )) ds = ( 1 1 ) + ∫ t 0 ( 1 −1 ) ds = ( 1 + t 1− t ) . e Y2(t) = Y0 + ∫ t t0 f(s, Y1(s))ds = ( 1 1 ) + ∫ t 0 f ( s, ( 1 + s 1− s )) ds = ( 1 1 ) + ∫ t 0 ( 1− s −1− s ) ds = ⎛⎜⎜⎝ 1 + t− t2 2 1− t− t2 2 ⎞⎟⎟⎠ . Continuando este processo obtemos, para t ∈ R, Yn(t) = ⎛⎜⎜⎝ 1 + t− t2 2 − t3 3! + t4 4! + t5 5! − · · ·+ tn n! 1− t− t2 2 + t3 3! + t4 4! − t5 5! − · · ·+ tn n! ⎞⎟⎟⎠ . Fazendo n → +∞ obtemos, para t ∈ R,( x(t) y(t) ) = ( cos t+ sen t cos t− sen t ) , que é a solução procurada do problema de valor inicial dado. 2.3 Equações Autônomas O estudo desenvolvido neste trabalho se dará para equações em que a função f não depende explicitamente da variável independente t, ou seja, equações autônomas, que são estudadas a seguir. Equações Autônomas 21 Definição 2.3. Uma equação da forma ẋ = f(x), (2.12) onde a função f depende somente de x e não explicitamente da variável independente t, é chamada de equação autônoma. As equações dos Exemplos 2.1, 2.2 e 2.5 são exemplos de equações autônomas. Agora vamos estudar alguns resultados importantes sobre as equações autônomas. Proposição 2.1. Se x(t) é uma solução da equação (2.12) com domínio I e se h é um número real, então x(t+h) é uma solução de (2.12) com domínio Ih = {t−h : t ∈ I}. Demonstração. Seja x(t) = x(t+ h). Então, considerando s = t+ h, temos: d dt x(t) = d ds x(s) d dt s(t) = d ds x(s) = f(x(s)) = f(x(t+ h)) = f(x(t)) e isto completa a demonstração. Observemos que o argumento usado na prova da Proposição 2.1 não é verdadeiro se a equação (2.12) é não autônoma pois d dt x(t) = d dt x(t+ h) = f(t+ h, x(t+ h)) = f(t+ h, x(t)). Portanto, concluimos que, se transladarmos uma solução da equação (2.12) no eixo t, obteremos ainda uma solução da equação (2.12). O próximo resultado evidencia que o comportamento da solução de uma equação diferencial autônoma independe do valor inicial dado. Proposição 2.2. Supondo existência e unicidade de solução para o problema de valor inicial ẋ = f(x), x(t0) = x0 (2.13) podemos afirmar que x(t) é solução de (2.13) se, e somente se, x(t+ t0) é solução de ẋ = f(x), x(0) = x0. (2.14) Equações Autônomas 22 Demonstração. Se x(t) é solução do problema de valor inicial (2.13), então pela Proposi- ção 2.1 temos que x(t) = x(t+ t0) é solução da equação ẋ = f(x). Como x(0) = x(t0) = x0 temos, portanto, que x(t + t0) é solução do problema de valor inicial (2.14). Reciprocamente, se x(t + t0) é solução do problema de valor inicial (2.14), então considerando x(t) = x(t+ t0) e s = t+ t0 teremos que x(s− t0) = x(s), logo d ds x(s) = d ds x(s− t0) = f(x(s− t0)) = f(x(s)), ou seja, x(s) é solução da equação ẋ = f(x). Agora, como x(t0) = x(t0 − t0) = x(0) = x0 temos, então, que x(t) é solução do problema de valor inicial (2.13). A partir deste resultado podemos estudar todas as soluções das equações autôno- mas (2.12) tomando sempre a condição inicial t0 = 0. Notemos que, pela unicidade de soluções, vale a igualdade x(t+ t0, x0) = x(t, x(t0, x0)) para todo t0 > 0, lembrando que a notação x(t, x0) indica o instante x(t) com a condição inicial x(0) = x0. De fato, as funções φ1(t) = x(t+ t0, x0) e φ2(t) = x(t, x(t0, x0)) são soluções da equação ẋ = f(x) e coincidem em t = 0, pois φ1(0) = x(t0, x0) e φ2(0) = x(0, x(t0, x0)) = x(t0, x0) e portanto, as funções coincidem para todo t ≥ 0. Também, pela unicidade de soluções, podemos garantir que os gráficos das soluções distintas da equação autônoma (2.12) em R não irão se cruzar e assim, as soluções constantes desempenham um papel importante na análise do comportamento das solu- ções em geral, que deverão se aproximar ou se afastar das soluções constantes. Situação análoga ocorre com as equações autônomas no R n, onde as soluções em geral deverão se aproximar ou se afastar, ou até mesmo oscilar em torno das soluções constantes. Ilus- traremos este fato, em R, analisando o modelo de Dinâmica Populacional de Verhulst; para maiores detalhes ver [1]. Exemplo 2.6. O modelo de Verhulst é dado pela equação dP dt = λP ( 1− P P∞ ) , (2.15) onde P = P (t) é o total da população num instante t, λ é uma constante positiva e P∞ é o limite máximo sustentável, dado por P∞ = lim t→∞ P (t). Equações Autônomas 23 Vamos analisar o comportamento de suas soluções, sem encontrá-las efetivamente e para isso vamos estudar dP dt como uma função de P . Sabemos que o gráfico da função dP dt é uma parábola de concavidade para baixo com raízes P = 0 e P = P∞. Assim, as funções constantes P (t) = 0 e P (t) = P∞ são soluções de (2.15). Figura 2.5: Esboço do gráfico de dP dt como uma função de P . Como λ > 0, teremos que a função dP dt é crescente para 0 < P < P∞ 2 e decrescente para P∞ 2 < P < P∞. O valor máximo de dP dt é atingido quando P = P∞ 2 , que é o valor onde a derivada da função dP dt se anula. Isto é, a maior taxa de variação populacional é dada quando a população for igual à metade da população limite. Salientamos que, dada a condição inicial P (0) = P0, temos que a solução da equação (2.15) é P (t) = P∞[ P∞ P0 − 1 ] e−λt + 1 . Logo, substituindo o valor P∞ 2 na expressão P (t), poderemos obter o instante de máxima variação: P∞ 2 = P0P∞ (P∞ − P0)e−λt + P0 ou (P∞ − P0)e −λt = 2P0 − P0 e portanto eλt = P∞ − P0 P0 Equações Autônomas 24 o que implica tM = 1 λ ln ∣∣∣∣P∞ − P0 P0 ∣∣∣∣ . Assim, tM é o instante em que a variação da população é máxima, considerando P0 < P∞ 2 . Neste instante tM , verificamos que dP dt = λP∞ 4 �= 0 e d2P dt2 = 0. Logo, temos que em t = tM ocorre um ponto de inflexão de P (t). Desta forma, se P0 = P∞ 2 , então tM = 0. Se P0 > P∞ 2 , a curva não tem ponto de inflexão, e a população cresce (ou decresce) para P∞, sem mudar de concavidade. Verificamos assim que as soluções P (t) se afastam da solução constante P (t) = 0 e se aproximam da solução constante P (t) = P∞; vejamos a ilustração no gráfico abaixo. Figura 2.6: Esboço do comportamento das soluções P (t). A próxima definição caracteriza as soluções constantes. Definição 2.4. Se x é um zero de f , isto é, f(x) = 0, então x(t) ≡ x é solução da equação (2.12) e é chamada de solução de equilíbrio ou estacionária de (2.12) e o ponto x é chamado de ponto de equilíbrio ou singularidade de (2.12). Desta forma notamos que basta f(x) ser zero para que a função constante x(t) ≡ x seja solução da equação (2.12). E reciprocamente, se x(t) ≡ x para t ≥ 0 é solução da equação (2.12), então f(x) = 0. Equações Autônomas 25 Observamos que a função constante nula, isto é, x(t) ≡ 0 é solução de equilíbrio da equação (2.12), quando temos f(0) = 0, e é chamada de equilíbrio nulo de (2.12). Agora, quando uma solução com valor inicial próximo ao valor de um ponto de equilíbrio x, permanecer próxima da solução x(t) = x com o passar do tempo, daremos uma denominação especial ao ponto de equilíbrio, a saber: Definição 2.5. O ponto de equilíbrio x da equação (2.12) é estável, se dado ε > 0, existe δ > 0 tal que, para ‖x0 − x‖ < δ a solução do problema de valor inicial ẋ = f(x), x(0) = x0 é tal que ‖x(t, x0)− x‖ < ε para todo t ≥ 0. Definição 2.6. O ponto de equilíbrio x da equação (2.12) é assintoticamente estável se for estável e se existir ρ > 0 tal que, para ‖x0 − x‖ < ρ, a solução do problema de valor inicial ẋ = f(x), x(0) = x0 é tal que x(t, x0) → x, quando t → +∞. Exemplo 2.7. Toda solução da equação ẋ = 0 é estável, mas nemhuma solução é assintoticamente estável. De fato, vemos claramente que x(t) = c, onde c é uma constante real arbitrária, é solução da equação ẋ = 0. Mostremos que x(t, c) = c é estável, para todo c ∈ R n. Dado ε > 0, podemos tomar δ = ε 2 de modo que se ‖x0 − c‖ < δ, então ‖x(t, x0)− x(t, c)‖ = ‖x0 − c‖ < δ = ε 2 < ε. Para todo c ∈ R n, a solução x(t, c) = c não é assintoticamente estável pois, para x0 próximo de c, temos que x(t, x0) � c, quando t → +∞. Notamos que, sem perda de generalidade, podemos nos limitar ao estudo da estabi- lidade do equilíbrio nulo de (2.12) pois, se x(t) é qualquer solução da equação ẋ = f(x), definida em [0,+∞) então com a mudança de variável y = x− x obteremos ẏ = ẋ− ẋ = f(x)− f(x) = f(y + x)− f(x). Assim, fazendo f(y + x)− f(x) = g(y) obtemos g(y) = ẏ, Equações Autônomas 26 de modo que g(0) = 0. Logo, podemos afirmar que x(t) é estável ou assintoticamente estável se a solução nula da equação ẏ = g(y) é estável ou assintoticamente estável, respectivamente. Vamos agora então definir a estabilidade do equilíbrio nulo. Definição 2.7. O equilíbrio nulo da equação (2.12) é estável, se dado ε > 0, existe δ > 0 tal que, para ‖x0‖ < δ a solução do problema de valor inicial ẋ = f(x), x(0) = x0 é tal que ‖x(t, x0)‖ < ε para todo t ≥ 0. Definição 2.8. O equilíbrio nulo da equação (2.12) é assintoticamente estável se for estável e se existir ρ > 0 tal que, para ‖x0‖ < ρ, a solução do problema de valor inicial ẋ = f(x), x(0) = x0 é tal que x(t, x0) → 0, quando t → +∞. Encerramos este capítulo discutindo o conceito de estabilidade do equilíbrio nulo de (2.12), que é nosso principal foco. Entretanto, como em geral este conceito não é de fácil verificação, via definição, e também por não conhecermos as soluções para todas as equações, vamos no próximo capítulo estudar um método eficiente que permite investigar a estabilidade do equilíbrio nulo de (2.12), sem o prévio conhecimento de suas soluções, conhecido como Segundo Método de Liapunov. 3 Estabilidade Segundo Liapunov O matemático e engenheiro russo Aleksandr M. Liapunov (1857-1918), em sua tese de doutorado, "General problem of stability of motion"(Problema geral de estabilidade de movimento) publicado em 1892, encontrou um importante critério que avalia a estabilidade de pontos de equilíbrio. Este critério ficou conhecido como Método Direto ou Segundo Método de Liapunov. O seu primeiro método, também conhecido como Método Indireto ou Método da Linearização, permite investigar a estabilidade local de um sistema não linear através de seu modelo linearizado. O segundo método surgiu com a tentativa de estudar a estabilidade de pontos de equilíbrio sem qualquer conhecimento das soluções da equação autônoma ẋ = f(x), (3.1) ou seja, sem usar a forma explícita das soluções. Neste método, as conclusões sobre a estabilidade são obtidas através de uma função auxiliar apropriada, chamada função de Liapunov. Assim, neste capítulo, continuamos a estudar a estabilidade e a estabilidade assin- tótica de pontos de equilíbrio da equação diferencial autônoma (3.1), mas agora através de funções de Liapunov. Para isso, consideremos as definições abaixo que são de grande importância para que possamos, posteriormente, estabelecer a teoria de Liapunov. Vamos supor que f(0) = 0 para que a função nula seja solução e, também, ponto de equilíbrio da equação (3.1). Consideremos Ω como sendo uma vizinhança da origem do R n. Definição 3.1. Dizemos que uma função escalar V : Ω → R é semi definida positiva (negativa) em Ω quando: • V é contínua e • V (x) ≥ 0 (V (x) ≤ 0), para todo x ∈ Ω. Definição 3.2. Dizemos que uma função escalar V : Ω → R é definida positiva (negativa) em Ω quando: • V é semi definida positiva (negativa) em Ω, 27 28 • V (0) = 0 e • V (x) > 0 (V (x) < 0), para todo x ∈ Ω \ {0}. Vejamos alguns exemplos. Exemplo 3.1. A função V : R2 → R dada por V (x1, x2) = x1 2+x2 2+1 é semi definida positiva em R 2, pois V é contínua em R 2 e V (x1, x2) > 0, para todo (x1, x2) ∈ R 2. Exemplo 3.2. A função escalar V definida por V (x1, x2, x3) = −2x2 3 é semi definida negativa em R 3. De fato, temos que V é contínua em R 3 e V (x1, x2, x3) ≤ 0 para todo (x1, x2, x3) ∈ R 3, pois para todo ponto (x1, x2, x3) ∈ R 3 com x3 �= 0 temos V (x1, x2, x3) < 0 e se x3 = 0, teremos então V (x1, x2, 0) = 0. Exemplo 3.3. Temos que a função V (x1, x2) = ax1 2 + bx1x2 + cx2 2 é definida positiva se, e somente se, a > 0 e 4ac− b2 > 0, e é definida negativa se, e somente se, a < 0 e 4ac− b2 > 0. De fato, como podemos observar V (x1, x2) = ax1 2 + bx1x2 + cx2 2 = ax1 2 + bx1x2 + b2 4a x2 2 + cx2 2 − b2 4a x2 2 = a ( x1 2 + b a x1x2 + b2 4a2 x2 2 ) + x2 2 ( c− b2 4a ) = a ( x1 + b 2a x2 )2 + x2 2 ( 4ac− b2 4a ) . Assim, se V é definida positiva em R 2 temos então que a ( x1 + b 2a x2 )2 + x2 2 ( 4ac− b2 4a ) > 0 para todo (x1, x2) �= (0, 0) e V (0, 0) = 0. Logo, como ( x1 + b 2a x2 )2 ≥ 0 e x2 2 ≥ 0 para todo (x1, x2) �= (0, 0) então para obtermos V (x1, x2) > 0 para todo (x1, x2) ∈ R 2\{(0, 0)} devemos ter a > 0 na primeira parcela e 4ac− b2 > 0 na segunda parcela, ou seja, devemos ter necessariamente a > 0 e 4ac− b2 > 0. Reciprocamente, se a > 0 e 4ac− b2 > 0 temos então que V (x1, x2) = a ( x1 + b 2a x2 )2 + x2 2 ( 4ac− b2 4a ) > 0 para todo (x1, x2) �= (0, 0) 29 e V (0, 0) = 0, ou seja, V é definida positiva em R 2. Agora, se V é definida negativa em R 2 então temos que a ( x1 + b 2a x2 )2 + x2 2 ( 4ac− b2 4a ) < 0 para todo (x1, x2) �= (0, 0) e V (0, 0) = 0. Logo, como ( x1 + b 2a x2 )2 ≥ 0 e x2 2 ≥ 0 para todo (x1, x2) �= (0, 0) então para obtermos V (x1, x2) < 0 para todo (x1, x2) ∈ R 2\{(0, 0)} devemos ter a < 0 na primeira parcela e 4ac − b2 > 0 na segunda parcela para que tenhamos a ( x1 + b 2a x2 )2 < 0 e x2 2 ( 4ac− b2 4a ) < 0. Portanto, devemos ter a < 0 e 4ac− b2 > 0. Reciprocamente, se a < 0 e 4ac − b2 > 0 então V (x1, x2) = a ( x1 + b 2a x2 )2 + x2 2 ( 4ac− b2 4a ) < 0 para todo (x1, x2) �= (0, 0) e V (0, 0) = 0, ou seja, V é definida negativa em R 2. Exemplo 3.4. Dada a função V : R2 → R definida por V (x1, x2) = x2 1 + x2 2 − x3 2, delimitemos a maior região Ω do R 2 onde V seja definida positiva. Para isso, devemos determinar a região Ω do R 2 onde V seja contínua em Ω, V (0, 0) = 0 e V (x1, x2) > 0, para todo (x1, x2) ∈ Ω \ {(0, 0)}. Vemos claramente que V é contínua em R 2. Agora, para que tenhamos V (x1, x2) = 0 somente para (x1, x2) = (0, 0), devemos excluir os demais pontos onde, possivelmente, V se anula, e para isso observamos que: V (x1, x2) = 0 ⇔ x1 = ± √ x3 2 − x2 2, de onde, analisando x3 2 − x2 2, seguem as possibilidades: (1) x3 2 − x2 2 = 0 e (2) x3 2 − x2 2 > 0. Caso (1): x3 2 − x2 2 = 0 ⇔ x2 2(x2 − 1) = 0 ⇔ x2 = 0 ou x2 = 1. Assim, além do ponto (0, 0) temos o ponto (0, 1) onde V se anula. Caso (2): x3 2 − x2 2 > 0 ⇔ x2 2(x2 − 1) > 0 ⇔ x2 > 1. Neste caso, para termos V (x1, x2) = 0, devemos analisar os pontos (x1, x2) tais que (a) x1 = √ x3 2 − x2 2 e (b) x1 = − √ x3 2 − x2 2, com x2 > 1, e que não devem ser incluídos na região Ω. No caso (a), considerando a função h : (1,+∞) → (0,+∞) definida por h(x2) := x1 = √ x3 2 − x2 2, temos que 30 h′(x2) = 3x2 2 − 2x2 2 √ x3 2 − x2 2 = 3x2 2 − 2x2 2|x2| √ x2 − 1 = 3x2 − 2 2 √ x2 − 1 , pois x2 > 1. Logo, temos h′(x2) > 0, o que implica que h é estritamente crescente no intervalo (1,+∞). Agora, h′′(x2) = 3(2 √ x2 − 1)− (3x2 − 2)( 2 2 √ x2−1 ) 4(x2 − 1) = 3x2 − 4 4(x2 − 1) √ x2 − 1 = 3x2 − 4 4(x2 − 1)3/2 e assim h′′(x2) < 0 no intervalo (1, 4 3 ) e h′′(x2) > 0 no intervalo (4 3 ,+∞), o que implica que h tem a concavidade voltada para baixo no intervalo (1, 4 3 ) e a concavidade voltada para cima no intervalo (4 3 ,+∞); sendo (4 3 , h(4 3 )) o ponto de inflexão. Graficamente, temos: Figura 3.1: Gráfico da função x1 = h(x2). Agora, no caso (b), considerando a função g : (1,+∞) → (−∞, 0) definida por g(x2) := x1 = − √ x3 2 − x2 2, temos que g′(x2) = − 3x2 2 − 2x2 2 √ x3 2 − x2 2 = − 3x2 2 − 2x2 2|x2| √ x2 − 1 = −3x2 + 2 2 √ x2 − 1 . Como x2 > 1, temos g′(x2) < 0, o que implica que g é estritamente decrescente no intervalo (1,+∞). Agora, g′′(x2) = −3(2 √ x2 − 1)− (−3x2 + 2)( 2 2 √ x2−1 ) 4(x2 − 1) = −3x2 + 4 4(x2 − 1) √ x2 − 1 = −3x2 + 4 4(x2 − 1)3/2 o que implica g′′(x2) > 0 no intervalo (1, 4 3 ) e g′′(x2) < 0 no intervalo (4 3 ,+∞), isto é, g têm a concavidade voltada para cima no intervalo (1, 4 3 ) e a concavidade voltada para baixo no intervalo (4 3 ,+∞); e, ainda, (4 3 , g(4 3 )) como ponto de inflexão. Graficamente, temos: 31 Figura 3.2: Gráfico da função x1 = g(x2). Assim, além dos pontos (0, 0) e (0, 1) a função V também se anula nos pontos dados pelas funções h e g, de modo que não devemos incluí-los, exceto o ponto (0, 0), na região Ω. Agora, para V satisfazer a condição V (x1, x2) > 0 para todo (x1, x2) ∈ Ω \ {(0, 0)} devemos ter V (x1, x2) > 0 ⇔ x2 1 > x3 2 − x2 2, e deste fato seguem as possibilidades: (i) x1 > 0 e x3 2 − x2 2 ≥ 0, (ii) x1 < 0 e x3 2 − x2 2 ≥ 0 e (iii) x3 2 − x2 2 < 0. Em (i) temos a região formada pelos pontos (x1, x2) tais que x1 > √ x3 2 − x2 2. Graficamente, temos: Figura 3.3: Região A = {(x2, x1) ∈ R 2/x1 > √ x3 2 − x2 2}, onde V é positiva. 32 O caso (ii) estabelece a região formada pelos pontos (x1, x2) tais que x1 < − √ x3 2 − x2 2. Graficamente, temos: Figura 3.4: Região B = {(x2, x1) ∈ R 2/x1 < − √ x3 2 − x2 2}, onde V é positiva. E finalmente, no caso (iii), temos: x3 2 − x2 2 < 0 ⇔ x2 2(x2 − 1) < 0 ⇔ x2 < 1 e x2 �= 0, o que implica em uma região do R 2 onde x1 ∈ R, x2 < 1 e x2 �= 0. Graficamente, temos: Figura 3.5: Região C = {(x2, x1) ∈ R 2/x2 < 1, x2 �= 0}, onde V é positiva. Assim, a região onde a função V é estritamente positiva é composta pela união das regiões A, B e C. Concluímos, portanto, que a região Ω do R 2 procurada, onde V é definida positiva, é a região representada graficamente a seguir: Função de Liapunov 33 Figura 3.6: Região Ω = {(x2, x1) ∈ R 2 / x2 > 1, h(x2) < x1 < g(x2)} ∪ {(x2, x1) ∈ R 2 / x2 < 1}. 3.1 Função de Liapunov Nesta seção vemos como Liapunov, em seu método, definiu a função auxiliar ade- quada, chamada Função de Liapunov. Para isso, vamos considerar uma função escalar diferenciável V : Ω ⊂ R n → R, que deve ser escolhida de tal modo que seja definida positiva em Ω e a sua derivada V̇ , ao longo de qualquer solução x(t) da equação (3.1), seja semi definida negativa em Ω, sendo que V̇ (x) é dada pelo produto escalar do gradiente de V , ∇V , com a função f(x), ou seja, • V (0) = 0, • V (x) > 0 para todo x ∈ Ω \ {0} e, além disso, • V̇ (x) = 〈∇V, f(x)〉 ≤ 0 para todo x ∈ Ω. Observamos que as notações 〈 , 〉 e ∇V representam, respectivamente, o produto interno usual do R n, chamado de produto interno euclidiano, e o vetor gradiente de V , que é dado por ∇V (x1, x2, ..., xn) = ( ∂V (x1, x2, ..., xn) ∂x1 , ∂V (x1, x2, ..., xn) ∂x2 , ..., ∂V (x1, x2, ..., xn) ∂xn ) . Agora, se x(t) é solução da equação (3.1), então temos que d dt V (x(t)) = V̇ (x(t)), isto é, V̇ (x(t)) é a derivada de V ao longo das soluções da equação (3.1). Função de Liapunov 34 De fato, se x(t) é solução da equação (3.1), então ẋ(t) = f(x(t)). Logo, utilizando a regra da cadeia, temos que d dt V (x(t)) = 〈∇V (x(t)), ẋ(t)〉 = 〈∇V (x(t)), f(x(t))〉 = V̇ (x(t)). As condições exigidas refletem que V (x) é não crescente ao longo de qualquer solução x(t) da equação (3.1), e que como V é limitada inferiormente por zero, temos que existe o limite de V (x(t)) quando t → +∞. Temos também que a derivada de V (x(t)) em relação à t é chamada de taxa de variação de V ao longo das soluções da equação (3.1). Logo, uma definição formal de função de Liapunov pode então ser dada, como segue. Definição 3.3. Seja V : Ω → R uma função diferenciável em Ω. Dizemos que V é uma função de Liapunov para a equação (3.1) em Ω se V é definida positiva em Ω e, além disso, V̇ é semi definida negativa em Ω. É importante observar que, em qualquer ponto x ∈ Ω, a taxa de variação de V (x) ao longo da solução nele definida, é calculada sem que seja necessário resolver a equação (3.1). É precisamente este fato que nos permite usar o segundo método de Liapunov para equações cujas soluções não conhecemos e esta é a principal razão de sua im- portância. Notemos que não foi estabelecida qualquer técnica para obtermos uma função de Liapunov. Infelizmente, não existe método geral para construí-las; entretanto, já foi feito um extenso trabalho de construção de funções de Liapunov para classes especiais de equações. Em geral, elas estão relacionadas com a norma do R n ou com a energia do sistema quando damos uma interpretação física para o mesmo. Neste último caso, as condições V̇ = 0 ou V̇ < 0 significam, respectivamente, conservação ou dissipação de energia. Vejamos alguns exemplos. Exemplo 3.5. O oscilador harmônico é o modelo matemático para o movimento retilíneo de uma partícula sujeita a uma força atratora que tende a trazer ou man- ter a partícula no seu ponto de equilíbrio e com magnitude igual ao deslocamento da partícula vezes um múltiplo k (constante positiva), sendo o ponto de equilíbrio aquele onde a força exercida sobre a partícula é nula. Designando a origem como o ponto de equilíbrio, por m a massa da partícula e por x o deslocamento da partícula, obtemos da Segunda Lei de Newton mẍ = −kx, ou seja mẍ+ kx = 0, que é a equação do oscilador harmônico simples. Função de Liapunov 35 Um sistema conhecido que se comporta dessa maneira é o sistema massa-mola, que consiste em um bloco com uma massa de valor m sobre uma superfície horizontal sem atrito, preso a uma das extremidades de uma certa mola com fator de restauração k (também chamado constante de deformação), enquanto a outra extremidade, da mola, está ligada a um ponto fixo. A posição A representa a mola comprimida, enquanto que a posição B representa a mola estendida. Figura 3.7: Sistema massa-mola. Toda vez que tentamos tirar o sistema da origem, surge uma força restauradora que tenta trazê-lo de volta à situação inicial, assim, à medida que afastamos o bloco de massa m da posição de equilíbrio, a força restauradora vai aumentando. Analisando a energia do sistema massa-mola podemos definir que a energia potencial Ep(x) no ponto x é o trabalho necessário para levar o bloco de massa m da posição 0 até a posição x, ou seja, é o trabalho necessário para distender ou comprimir a mola até a posição x. Assim, Ep(x) = ∫ x 0 ksds = 1 2 kx2. A energia cinética Ec(x) é o trabalho necessário para colocar o corpo de massa m em movimento. Assim, Ec(x) = 1 2 mẋ2. Logo, a energia total será E(x) = Ep(x) + Ec(x) = 1 2 kx2 + 1 2 mẋ2. Calculando a derivada de E com relação a t, obtemos dE dt = (kx+mẍ)ẋ que é igual a zero uma vez que x satisfaz a equação do oscilador harmônico simples. Consequentemente, a energia total do sistema massa-mola é constante, tendo-se assim conservação de energia, ou seja, uma redução no valor da energia cinética é acompa- nhada de um aumento na energia potencial e vice-versa permanecendo a soma desses dois valores sempre constante. Assim, se puxarmos o bloco de massa m e, em seguida, o soltarmos, veremos o sistema oscilando. Função de Liapunov 36 Podemos analisar o nosso sistema massa-mola encontrando uma função de Liapunov, e para isso vamos considerá-lo como um sistema do R 2,⎧⎨⎩ ẋ = y ẏ = − k m x. Tomando como uma possível função de Liapunov a energia total do sistema, ou seja, a função V (x, y) = 1 2 kx2 + 1 2 my2, observamos facilmente que a função V é definida positiva em R 2 e que V̇ (x, y) = 〈∇V (x, y), F (x, y)〉 = 〈(kx,my), (y,− k m x)〉 = kxy − kxy = 0, ou seja, V̇ (x, y) = 0 para todo (x, y) ∈ R 2, isto é, V̇ é semi definida negativa em R 2. Portanto, a função V é uma função de Liapunov para o sistema massa-mola. Exemplo 3.6. Considerando o sistema{ ẋ1 = −x1|x2|α ẋ2 = −x2|x1|β, onde α > 0 e β > 0, notamos que F (x1, x2) = (ẋ1, ẋ2) tem a origem como ponto de equilíbrio, pois F (0, 0) = (0, 0). Tomando a função V (x1, x2) = x2 1 + x2 2, temos que • V é diferenciável em R 2, • V (0, 0) = 0 e • V (x1, x2) > 0, para todo (x1, x2) ∈ R 2\{(0, 0)}. Logo, V é definida positiva em R 2. Temos ainda que 〈∇V (x1, x2), F (x1, x2)〉 = 〈(2x1, 2x2), (−x1|x2|α,−x2|x1|β)〉 = −2x2 1|x2|α − 2x2 2|x1|β = −2(x2 1|x2|α + x2 2|x1|β), ou seja, V̇ (x1, x2) = −2(x2 1|x2|α + x2 2|x1|β). Assim, V̇ é semi definida negativa em R 2, pois V̇ (x1, x2) ≤ 0 para todo (x1, x2) ∈ R 2. Portanto, V é uma função de Liapunov para o sistema em R 2. Exemplo 3.7. Considerando o sistema do R 2{ ẋ1 = −x1[x2] 4h(t, x1, x2), ẋ2 = x2[x1] 4h(t, x1, x2) vemos que f(x1, x2) = (ẋ1, ẋ2) tem a origem como ponto de equilíbrio, pois f(0, 0) = (0, 0). Teoremas sobre o Segundo Método de Liapunov 37 Tomando a função V (x1, x2) = 1 4 [x1] 4 + 1 4 [x2] 4, temos que • V é diferenciável em R 2 e, portanto, contínua em R 2, • V (0, 0) = 0 e • V (x1, x2) > 0, para todo (x1, x2) ∈ R 2\{(0, 0)}. Assim, temos que V é definida positiva em R 2. Temos ainda que 〈∇V (x1, x2), f(x1, x2)〉 = 〈([x1] 3, [x2] 3), (−x1[x2] 4h(t, x1, x2), x2[x1] 4h(t, x1, x2))〉 = −[x1] 4[x2] 4h(t, x1, x2) + [x1] 4[x2] 4h(t, x1, x2) = 0, ou seja, V̇ (x1, x2) = 0 para todo (x1, x2) ∈ R 2. Logo, V̇ é semi definida negativa em R 2. Portanto, V é uma função de Liapunov para o sistema em R 2. A existência de uma função de Liapunov para a equação (3.1) nos dá informações importantes a respeito da estabilidade e da estabilidade assintótica do equilíbrio nulo de (3.1), sem requerer diretamente a obtenção da solução. Assim, na próxima seção, apresentaremos os principais resultados para o estudo do comportamento assintótico das soluções da equação (3.1). 3.2 Teoremas sobre o Segundo Método de Liapunov Nesta seção, enunciamos e demonstramos os teoremas do método. Teorema 3.1. Se existir uma função de Liapunov V para a equação (3.1) em Ω, então a solução nula, x(t) ≡ 0, é estável. Se, em adição, V é continuamente diferenciável em Ω e V̇ é definida negativa em Ω, então a solução nula é assintoticamente estável. Demonstração. Estabilidade: Seja B(r) a bola aberta do R n de raio r e centro na origem tal que B(r) ⊂ Ω. Para 0 < ε < r, seja k = min{V (x); ‖x‖ = ε} que existe pois V é contínua e ∂B(ε) ⊂ Ω é compacto e além disso k > 0 já que V (x) > 0, para x ∈ Ω\{0}. Novamente pela continuidade de V e como V (0) = 0, segue que existe δ = δ(ε) com 0 < δ < ε tal que se ‖x‖ < δ então V (x) < k. Nessas condições, podemos mostrar que as soluções da equação (3.1), com condições iniciais na bola de raio δ, são estáveis, isto é, ‖x0‖ < δ ⇒ ‖x(t, x0)‖ < ε, para todo t ≥ 0. (3.2) Para isso, suponhamos que ‖x(t, x0)‖ ≥ ε, para algum t ≥ 0. Teoremas sobre o Segundo Método de Liapunov 38 Seja t = min{s ∈ [0, t]; ‖x(s, x0)‖ ≥ ε}. Temos então que V (x(t, x0)) ≥ k. (3.3) Como por hipótese V̇ (x(t)) ≤ 0, ou seja, V é não crescente ao longo das soluções da equação (3.1), temos que V (x(t, x0)) ≤ V (x(0, x0)) = V (x0); logo por V (x0) < k segue que V (x(t, x0)) ≤ V (x0) < k, contradição com (3.3). Portanto, a solução nula da equação (3.1) é estável. Estabilidade Assintótica: Por (3.2), e para R > 0 temos δ = δ(R), tal que ‖x0‖ < δ(R) ⇒ ‖x(t, x0)‖ < R, para todo t ≥ 0, isto é, a solução permanece dentro do domínio da função de Liapunov V . Provemos que essa solução tende a zero, quando t → +∞, no caso em que V̇ é definida negativa. Dado ε > 0, vamos mostrar que existe t0 = t0(ε) > 0, tal que ‖x(t, x0)‖ < ε, se t ≥ t0. Tome δ(ε) definido em (3.2). Se existir t0 = t0(ε) > 0 tal que ‖x(t0, x0)‖ < δ(ε), temos por (3.2) que ‖x(t, x(t0, x0))‖ = ‖x(t+ t0, x0)‖ < ε para todo t ≥ 0 e o teorema estaria demonstrado, usando na última igualdade o fato de que a equação é autônoma, e portanto x(t+ t0, x0) = x(t, x(t0, x0)). Suponhamos, por contradição, que não exista um tal t0, isto é, ‖x(t, x0)‖ ≥ δ(ε) para todo t ≥ 0. Então, a solução permanece durante todo o tempo na coroa circular δ(ε) ≤ ‖x(t, x0)‖ ≤ R, para todo t ≥ 0. Como V̇ é estritamente negativa, e a coroa é um conjunto compacto, temos que V̇ (x(t, x0)) ≤ −c, com c > 0, para todo t ≥ 0. Então, integrando os dois membros de 0 a t, obtemos V (x(t, x0)) ≤ V (x0)− ct, para todo t ≥ 0, que é uma contradição, pois V teria que assumir valores negativos. E isso completa a demonstração. Vejamos alguns exemplos. Teoremas sobre o Segundo Método de Liapunov 39 Exemplo 3.8. No Exemplo 3.5, vimos que a função V (x, y) = 1 2 kx2 + 1 2 my2, que é a energia total do sistema massa-mola⎧⎨⎩ ẋ = y ẏ = − k m x, é uma função de Liapunov. Logo, temos pelo Teorema 3.1 que o seu ponto de equilíbrio é estável. Exemplo 3.9. Quando discutimos o sistema{ ẋ1 = −x1|x2|α ẋ2 = −x2|x1|β, onde α > 0 e β > 0, apresentado no Exemplo 3.6 foi possível definir uma função de Liapunov, logo, pelo Teorema 3.1 o equilíbrio nulo desse sistema é estável. Exemplo 3.10. No Exemplo 3.7 discutimos o sitema{ ẋ1 = −x1[x2] 4h(t, x1, x2), ẋ2 = x2[x1] 4h(t, x1, x2) onde foi possível definir uma função de Liapunov; agora, temos pelo Teorema 3.1 que seu equilíbrio nulo é estável. Exemplo 3.11. Seja ẍ + g(x) = 0, onde a função g : R → R é diferenciável. Se xg(x) > 0 para x �= 0, então a origem é um ponto de equilíbrio estável. De fato, considerando a equação diferencial vetorial ẍ + g(x) = 0 temos o sistema associado a ela, dado por: { ẋ = y, ẏ = −g(x). Observamos que, se x = 0 temos ẋ = 0 e como y = ẋ e ẏ = −g(x) logo temos que g(0) = 0. Assim, vemos que a origem é ponto de equilíbrio. Tomando a função V (x, y) = 1 2 y2 +G(x), onde G(x) = ∫ x 0 g(s)ds, temos que • V é contínua e diferenciável em R 2, • V (0, 0) = 0, pois G(0) = 0 e • V (x, y) > 0, para todo (x, y) �= (0, 0), pois se x > 0 temos que g(x) > 0, logo∫ x 0 g(s)ds > 0 o que implica G(x) > 0; agora se x < 0 temos que g(x) < 0, logo∫ x 0 g(s)ds = − ∫ 0 x g(s)ds > 0 o que implica G(x) > 0. Logo V é definida positiva em R 2. Teoremas sobre o Segundo Método de Liapunov 40 Temos ainda que V̇ (x, y) = 〈(g(x), y), (y,−g(x))〉 = g(x)y − yg(x) = 0, ou seja, V̇ (x, y) = 0. Assim, V̇ é semi definida negativa em R 2. Portanto, pelo Teorema 3.1 temos que a origem é um ponto de equilíbrio estável, pois a função V (x, y) é uma função de Liapunov. O próximo exemplo pode ser encontrado em [3]. Exemplo 3.12. Considerando o sistema{ ẋ = x(1− x− y), ẏ = y(0, 75− y − 0, 5x) (3.4) mostraremos que o ponto de equilíbrio (0, 5; 0, 5) é assintoticamente estável, encon- trando uma função de Liapunov adequada. Para isso, encontremos um sistema equivalente que tenha a origem como ponto de equilíbrio. Assim, sejam x = 0, 5 + u, y = 0, 5 + v. (3.5) Logo, substituindo x e y nas equações (3.4), obtemos o novo sistema{ u̇ = −0, 5u− 0, 5v − u2 − uv, v̇ = −0, 25u− 0, 5v − 0, 5uv − v2. (3.6) Para manter os cálculos relativamente simples, considere a função V (u, v) = u2+v2 como uma função de Liapunov possível. Essa função é claramente definida positiva, de modo que só precisamos determinar se existe uma região contendo a origem no plano uv onde a derivada de V em relação ao sistema (3.6) é sempre definida negativa. Calculando V̇ (u, v) encontramos V̇ (u, v) = ∂V ∂u u̇+ ∂V ∂v v̇ = 2u(−0, 5u−0, 5v−u2−uv)+2v(−0, 25u−0, 5v−0, 5uv−v2), ou V̇ (u, v) = −[(u2 + 1, 5uv + v2) + (2u3 + 2u2v + uv2 + 2v3)], (3.7) onde agrupamos os termos quadráticos e os cúbicos. Queremos mostrar agora que a expressão entre colchetes na equação (3.7) é definida positiva, pelo menos para u e v suficientemente pequenos. Observe que os termos quadráticos podem ser escritos na forma u2 + 1, 5uv + v2 = 0, 25(u2 + v2) + 0, 75(u+ v)2 (3.8) de modo que esses termos são definidos positivos. Por outro lado, os termos cúbicos na equação (3.7) podem ter qualquer sinal. Precisamos mostrar, então, que em alguma vizinhança da origem, os termos cúbicos são menores, em módulo, do que os termos quadráticos, ou seja, Teoremas sobre o Segundo Método de Liapunov 41 |2u3 + 2u2v + uv2 + 2v3| < 0, 25(u2 + v2) + 0, 75(u+ v)2. (3.9) Para estimar a expressão à esquerda do sinal de desigualdade na equação (3.9), vamos introduzir coordenadas polares u = r cos θ, v = r sen θ. Então, |2u3 + 2u2v + uv2 + 2v3| = r3|2 cos3 θ + 2 cos2 θ sen θ + cos θ sen2 θ + 2 sen3 θ| ≤ r3[2| cos3 θ|+ 2 cos2 θ| sen θ|+ | cos θ| sen2 θ + 2| sen3 θ|] ≤ 7r3, já que | sen θ| ≤ 1 e | cos θ| ≤ 1. Para satisfazer a equação (3.9) é certamente suficiente satisfazer a condição mais forte 7r3 < 0, 25(u2 + v2) = 0, 25r2, que fornece r < 1 28 . Logo, pelo menos nesse disco as hipóteses do Teorema 3.1 são satisfeitas, de modo que a origem é um ponto crítico assintoticamente estável do sistema (3.6). O mesmo é verdade, então para o ponto crítico (0, 5; 0, 5) do sistema original (3.4). Para obtermos uma melhor estimativa do disco, os termos na equação (3.9) teriam que ser estimados de modo mais preciso, teria que ser usada uma função de Liapunov melhor (e, possivelmente, mais complicada), ou ambos. Exemplo 3.13. Considerando o sistema{ ẋ = y, ẏ = −2x− 2y vemos que a equação (ẋ, ẏ) = g(x, y) = (y,−2x− 2y) do R 2 tem a origem como ponto de equilíbrio, pois g(0, 0) = (0, 0). Tomando a função V (x, y) = x2 + 1 2 y2, notamos que • V é diferenciável em R 2, • V (0, 0) = 0 e • V (x, y) > 0, para todo (x, y) ∈ R 2\{(0, 0)}. Assim, temos que V é definida positiva em R 2. Temos ainda que 〈∇V (x, y), g(x, y)〉 = 〈(2x, y), (y,−2x− 2y)〉 = 2xy − 2xy − 2y2 = −2y2, ou seja, V̇ (x, y) = −2y2, para todo (x, y) ∈ R 2; de modo que V̇ é semi definida negativa em R 2. Logo, a função V é uma função de Liapunov para o sistema em R 2. Portanto, pelo Teorema 3.1, temos que a origem é ponto de equilíbrio estável. Teoremas sobre o Segundo Método de Liapunov 42 Exemplo 3.14. Considerando o sistema{ ẋ = y, ẏ = −x vemos que a origem é ponto de equilíbrio. Tomando a função V (x, y) = x2 + 1 2 y2, notamos que V é definida positiva em R 2; temos ainda que 〈∇V (x, y), g(x, y)〉 = 〈(2x, y), (y,−x)〉 = 2xy − xy = xy, ou seja, V̇ (x, y) = xy, para todo (x, y) ∈ R 2. Logo, não existe vizinhança da origem do R 2 onde V̇ é semi definida negativa. Portanto, não podemos concluir nada com respeito à estabilidade do sistema. Com estes dois últimos exemplos, 3.13 e 3.14, encerramos a discussão sobre o Se- gundo Método de Liapunov. No Exemplo 3.13, a função de Liapunov definida nos permitiu verificar a estabilidade do equilíbrio nulo, entretanto não foi possível veri- ficar a estabilidade assintótica, com o uso dessa função. Já no Exemplo 3.14, não conseguimos definir uma função de Liapunov e, portanto, não chegamos a qualquer conclusão sobre a estabilidade do sistema. No próximo capítulo, introduziremos uma nova teoria que se baseia nas funções chamadas dicotômicas, que podem ser utilizadas, por exemplo, nos casos em que não foi possível encontrar uma função de Liapunov. Para as funções dicotômicas V não é exigido que V̇ (x(t)) tenha sinal constante ao longo das soluções x(t), para se ter estabilidade. Teremos, com esta teoria, condições de retomar aos exemplos 3.13 e 3.14. 4 Funções Dicotômicas Neste capítulo, apresentamos uma extensão do Segundo Método de Liapunov apre- sentado no capítulo anterior, que também garante a estabilidade e a estabilidade as- sintótica do equilíbrio nulo da equação autônoma ẋ = f(x), (4.1) através de Funções Dicotômicas. No Segundo Método de Liapunov é exigido que uma determinada função V só decresça ao longo das soluções. No método que agora apresentamos, usaremos uma função V , chamada de Função Dicotômica que, ao longo das soluções, pode apresentar uma variação no seu comportamento, da seguinte maneira: se em uma vizinhança de um instante t a função V (x(t)) for não decrescente, basta que, exista um instante anterior (t−T ) tal que V (x(t)) não cresça ou permaneça constante, do instante (t−T ) ao instante t. O Método das Funções Dicotômicas teve origem no trabalho de doutorado que resultou no artigo de referência [5], trabalhando com equações discretas. Tal método assemelha-se ao Princípio de Razumikhin, que se aplica a equações diferenciais com retardamento, mas não se aplica a equações diferenciais ordinárias e equações discretas. Salientamos que a solução do problema de valor inicial ẋ = f(x), x(0) = x0 (4.2) será denotada por x(t, y), para simplificar a notação. Vamos supor que f(0) = 0 para que a função nula seja solução e, também, ponto de equilíbrio da equação (4.1). Ressaltemos que, dada uma função escalar diferenciável V : Ω ⊂ R n → R, definimos a sua derivada ao longo de qualquer solução x(t) da equação (4.1) como sendo a função V̇ (x) = 〈∇V, f(x)〉, 43 44 como já apresentada no terceiro capítulo. As definições que se seguem são de extrema importância para o desenvolvimento da presente teoria. Sejam T > 0 uma constante dada e Ω uma vizinhança da origem. Vamos assumir que, para y ∈ Ω, a solução x(t, y) esteja definida para todo t entre −T e T , passamos então a definir os seguintes subconjuntos do R n, que caracterizam as diferentes variações do comportamento da função V (x(t)), como segue Ω−(T ) = {y ∈ Ω : V (y) < V (x(−T, y))}, Ω0(T ) = {y ∈ Ω : V (y) = V (x(−T, y))}, Ω′ + = {y ∈ Ω : V̇ (y) > 0}, Ω′ 0 = {y ∈ Ω : V̇ (y) = 0}, sendo que Ω0 −(T ) = Ω−(T ) ∪ Ω0(T ). Observamos que dado um subconjunto A do R n que contém a origem, A∗ representa o conjunto {x ∈ A : x �= 0}, A o fecho de A e B(r) representa a bola aberta do R n de centro na origem e raio r. Definição 4.1. Dizemos que uma função diferenciável V : Rn → R é dicotômica em relação à equação (4.1) (em Ω) se existir uma constante T > 0 tal que Ω′ + ⊂ Ω0 −(T ). Definição 4.2. Dizemos que uma função V é estritamente dicotômica em relação à equação (4.1) (em Ω) se é dicotômica em relação a esta equação e, além disso, satisfaz a condição suplementar: (Ω′ +) ∗ ⊂ Ω−(T ) e Ω0(T ) ∩ Ω′ 0 = {0}. Coloquialmente, a Definição 4.1 nos diz que V é uma função dicotômica em relação à equação (4.1) em Ω, se para todo y ∈ Ω, onde existir um crescimento de V ao longo da solução, exige-se que exista um instante T tal que V não cresça ou permaneça constante do instante −T ao instante zero. E, no caso da Definição 4.2, V é uma função estritamente dicotômica em relação à equação (4.1) em Ω, se para todo y ∈ Ω \ {0}, onde existir um crescimento de V ao longo da solução, exige-se que exista um instante T tal que V decresça do instante −T ao instante zero e no caso em que a função V ao longo da solução permanece constante, necessariamente y = 0. Vejamos alguns exemplos. 45 Exemplo 4.1. O sistema { ẋ = y, ẏ = −x, foi apresentado no Exemplo 3.14, onde verificamos que a função V (x, y) = x2+ 1 2 y2 não é uma função de Liapunov e, portanto, nada concluimos com respeito à estabilidade; agora, vamos provar que a mesma função V é uma função dicotômica. Dada a condição inicial x(0) = x0 e y(0) = y0 vemos, por técnica de resolução, que a solução deste sistema é x(t) = x0 cos t+ y0 sen t, y(t) = −x0 sen t+ y0 cos t. Temos pelo Exemplo 3.14 que V̇ (x, y) = xy, para todo (x, y) ∈ R 2. Logo, tomando T = 2π, vemos que V (x(−2π), y(−2π))− V (x0, y0) = 0 e considerando Ω = B(1), obtemos Ω−(2π) = ∅, Ω0(2π) = B(1) e Ω′ + = {(x, y) ∈ Ω : V̇ (x, y) > 0} = {(x, y) ∈ Ω : xy > 0}, ou seja, Ω0 −(2π) = Ω−(2π) ∪ Ω0(2π) = B(1) e Ω ′ + = {(x, y) ∈ Ω : xy ≥ 0}. Como Ω ′ + ⊂ Ω0 −(2π) temos, portanto, que V é uma função dicotômica em relação ao sistema dado inicialmente em B(1). Exemplo 4.2. Seja o sistema { ẋ = y, ẏ = −2x− 2y apresentado no Exemplo 3.13, em que provamos estabilidade do equilíbrio nulo através da Função de Liapunov V (x, y) = x2+ 1 2 y2. Agora vamos provar que V também é uma função estritamente dicotômica para esse sistema. Dada a condição inicial x(0) = x0 e y(0) = y0 vemos, por técnica de resolução, que a solução deste sistema é x(t) = e−t[x0 cos t + (x0 + y0) sen t], y(t) = ẋ(t) = e−t[y0 cos t− y0 sen t− 2x0 sen t]. Pelo Exemplo 3.13 temos que V̇ (x, y) = −2y2, para todo (x, y) ∈ R 2. Logo, tomando T = 2π, temos que V (x(−2π), y(−2π))− V (x0, y0) = e4πx0 2 + e4πy0 2 − (x0 2 + y0 2) = (e4π − 1)(x0 2 + y0 2) e, considerando Ω = B(1), teremos consequentemente que Ω0(2π) = {(0, 0)} e Ω−(2π) = {(x, y) ∈ Ω : (x, y) �= (0, 0)} = B(1)∗ 46 logo Ω0 −(2π) = Ω−(2π) ∪ Ω0(2π) = B(1). Como Ω′ + = {(x, y) ∈ Ω : −2y2 > 0} = ∅ então Ω ′ + = ∅, em B(1). Assim, como Ω ′ + ⊂ Ω0 −(2π) então temos que V é dicotômica. Temos ainda que Ω′ 0 = {(x, y) ∈ Ω : −2y2 = 0} = {(x, y) ∈ Ω : y = 0}. Logo, notamos que (Ω ′ +) ∗ ⊂ Ω−(2π) e Ω0(2π) ∩ Ω′ 0 = {(0, 0)}. Portanto, V é estritamente dicotômica em relação ao sistema dado inicialmente, em B(1). Observamos que toda função de Liapunov é dicotômica em relação à equação (4.1). Com efeito, seja V uma função de Liapunov em Ω. Como já sabemos V é uma função não crescente ao longo de qualquer solução x(t), da equação (4.1), pois V̇ (x) ≤ 0 para todo x ∈ Ω, logo temos que Ω′ + = ∅; consequentemente, V satisfaz a Definição 4.1. Assim, V é uma função dicotômica em Ω. Para provar os teoremas que garantem estabilidade e estabilidade assintótica do equilíbrio nulo, são necessários algumas notações e resultados, como veremos a seguir. Dado y ∈ R n, define-se cj = max{V (x(t, y)) : (j − 1)T ≤ t ≤ jT}, j ∈ N e tj = min{t ∈ [(j − 1)T, jT ] : cj = V (x(t, y))}, ou seja, cj é o máximo valor que V assume, ao longo da solução x(t, y), no inter- valo [(j − 1)T, jT ] para j variando em {0, 1, 2, ...}, e tj é o menor valor do intervalo [(j − 1)T, jT ] no qual V (x(t, y)) assume o valor máximo, para j ∈ N. Lema 4.1. Se V é dicotômica e x(t, y) está definida para 0 ≤ t ≤ jT , então cj−1 ≥ cj. Demonstração. Para t ∈ [(j − 1)T, jT ] temos dois casos a serem analisados, quando: (i) tj = (j − 1)T e (ii) tj > (j − 1)T . No caso (i), temos por definição que cj−1 = max{V (x(t, y)) : (j−2)T ≤ t ≤ (j−1)T} ≥ V (x((j−1)T, y)) = V (x(tj, y)) = cj, ou seja, cj−1 ≥ cj. Agora, no caso (ii), considere g(t) = V (x(t, y)) e note que g(t) = V (x(t, y)) < V (x(tj, y)) = g(tj), para (j − 1)T ≤ t < tj, pois tj é o menor valor do intervalo [(j − 1)T, jT ] no qual V (x(tj, y)) = g(tj) assume valor máximo. Logo, pelo Teorema do Valor Médio existe t̃ ∈ (t, tj) com g(tj)− g(t) tj − t = g′(t̃), onde g′(t̃) > 0. Então, g′(t̃) = 〈∇V (x(t̃, y)), f(x(t̃))〉 > 0. 47 Agora, por x(t̃, y) → x(tj, y) quando t → tj, segue que g′(tj) ≥ 0, ou seja, x(tj, y) ∈ Ω′ + e como V é dicotômica em Ω temos então que x(tj, y) ∈ Ω0 −(T ), isto é, V (x(tj, y)) ≤ V (x(tj − T, y)). (I) Como tj − T ∈ [(j − 2)T, (j − 1)T ], então temos V (x(tj − T, y)) ≤ cj−1. (II) Logo, por (I) e (II) temos que cj = V (x(tj, y)) ≤ cj−1. E a prova está completa. Lema 4.2. Se V é estritamente dicotômica, x(t, y) está definida para 0 ≤ t ≤ jT , e tj > (j − 1)T , então cj−1 > cj. Demonstração. Repetindo o mesmo raciocínio da demonstração do Lema 4.1, vemos que x(tj, y) ∈ Ω′ +. Considerando y �= 0 e sendo V estritamente dicotômica em Ω temos que x(tj, y) ∈ Ω−(T ), isto é, V (x(tj − T, y)) > V (x(tj, y)) e assim cj < cj−1. Lema 4.3. Se V é estritamente dicotômica e definida positiva em Ω, x(t, y) está definida para 0 ≤ t ≤ jT , e cj−1 �= 0, então cj−2 > cj. Demonstração. Sob as hipóteses acima, sabemos do Lema 4.1 que cj−2 ≥ cj−1 ≥ cj. Além disso, sabemos que existem dois casos a serem analisados, a saber: (1) tj > (j − 1)T e (2) tj = (j − 1)T . No caso (1), sabemos do Lema 4.2 que cj−1 > cj, e então temos que cj−2 ≥ cj−1 > cj, ou seja, cj−2 > cj. Agora, no caso (2), temos duas possibilidades a serem consideradas (i) cj−1 > cj ou (ii) cj−1 = cj. Em (i) temos novamente que cj−2 ≥ cj−1 > cj, ou seja, cj−2 > cj. E em (ii) notemos que Ω0(T ) ∩ Ω′ 0 = {0} e cj−1 �= 0, e se tj−1 = (j − 2)T , então para g(t) = V (x(t, y)), analisemos g′(tj): (a) Se g′(tj) = 0, então V̇ (x(tj, y)) = 0 e temos que V (x(tj, y)) = V (x(tj−1, y)) e portanto x(tj, y) ∈ Ω′ 0∩Ω0(T ) = {0}, ou seja, x(tj, y) = 0, logo V (x(tj, y)) = V (0) = 0 e como cj−1 = cj = V (x(tj, y)) = 0 segue que cj−1 = 0, que contraria a hipótese de cj−1 �= 0. (b) Se g′(tj) > 0 com tj = (j−1)T , então g′((j−1)T ) > 0 (V (x(t, y)) é crescente) e como tj é, por definição, o menor valor do intervalo [(j − 1)T, jT ] em que g(t) assume valor máximo, então tj > (j − 1)T , o que é uma contradição. (c) Se g′(tj) < 0 com tj = (j−1)T , então g′((j−1)T ) < 0 (V (x(t, y)) é decrescente) e como tj−1 é, por definição, o menor valor do intervalo [(j−2)T, (j−1)T ] em que g(t) assume valor máximo, então tj−1 > (j − 2)T , o que é uma contradição. Concluindo então que tj−1 > (j − 2)T . E portanto temos cj−2 > cj. Teorema 4.1. Se V é uma função definida positiva e dicotômica (em Ω) em relação à equação (4.1), então o equilíbrio nulo de (4.1) é estável. 48 Demonstração. Seja r > 0 arbitrário, considere R ≥ r tal que Ω ⊃ {y ∈ R n : ‖y‖ ≤ R} e sup{‖x(t, y)‖ : ‖y‖ ≤ r, 0 ≤ t ≤ T} ≤ R. (1) Fixado δ = inf{V (y) : r ≤ ‖y‖ ≤ R}, note que δ > 0, pois V é definida positiva em Ω. Agora, se ‖y‖ ≤ R e V (y) < δ, então ‖y‖ < r. (2) Como V é contínua em zero, temos que para δ > 0, existe γ > 0 tal que se ‖y‖ < γ então V (y) < δ. (3) E pela continuidade da função (t, y) → x(t, y) para t ∈ [0, T ], temos que para γ > 0, existe μ > 0 tal que, se ‖y‖ < μ então ‖x(t, y)‖ < γ. E por (3), segue que V (x(t, y)) < δ. Vamos supor μ < r. Logo, para ‖y‖ < μ < r e t ∈ [0, T ] temos que ‖x(t, y)‖ ≤ sup{‖x(t, y)‖ : ‖y‖ ≤ r, 0 ≤ t ≤ T} ≤ R, ou seja, ‖x(t, y)‖ ≤ R. Para t ∈ [0, T ], ‖x(t, y)‖ ≤ R e V (x(t, y)) < δ, segue por (2) que ‖x(t, y)‖ < r. Considerando x(t, y) definida para t ∈ [(j − 1)T, jT ], para algum j ≥ 1, temos que x(jT + ξ, y) = x(ξ, x(jT, y)) para ξ ∈ [0, T ]. (4) Se ‖x(t, y)‖ < r para t ∈ [(j − 1)T, jT ], então ‖x(jT, y)‖ < r e, por (1), temos ‖x(ξ, x(jT, y)‖ ≤ R; e assim, por (4), temos ‖x(t, y)‖ ≤ R para t ∈ [jT, (j + 1)T ]. E visto que c1(y) < δ e que V é dicotômica em relação à equação (4.1) em Ω, pelo Lema 4.1 temos que cj+1(y) < δ. Assim, V (x(t, y)) < δ para jT ≤ t ≤ (j + 1)T , e por (2) segue que ‖x(t, y)‖ < r para jT ≤ t ≤ (j + 1)T . Deste argumento indutivo no índice j ≥ 1, vemos que ‖x(t, y)‖ < r para todo t ≥ 0. Portanto, para r > 0 arbitrário é possível encontrar μ > 0 tal que se ‖y‖ < μ, então ‖x(t, y)‖ < r para t ≥ 0. Teorema 4.2. Suponha, em adição às hipóteses do Teorema 4.1 que V seja conti- nuamente diferenciável e estritamente dicotômica em relação a equação (4.1) (em Ω). Então, o equilíbrio nulo de (4.1) é assintoticamente estável. Demonstração. De acordo com a demonstração do Teorema 4.1, podemos tomar 0 < μ < r tal que ‖y‖ < μ implica que V (x(t, y)) < δ para t ∈ [0, T ] e V (x) < δ implica que ‖x‖ < r. Suponhamos que y ∈ B(μ)∗. Sejam cj e tj como nas definições acima. Logo, pelo Lema 4.1 temos que cj−1 ≥ cj para j = 1, 2, ..... Desejamos provar que cj → 0 quando j → +∞. Visto que V é definida positiva em Ω, isto implicará que x(t, y) → 0 quando j → +∞, pois caso x(t, y) → d temos V (x(t, y)) → V (d) e como cj → 0, V (d) = 0, o que implica que d = 0. Para simplificar a notação nesta demonstração, denotaremos a solução x(t, y) por apenas "x(t)". Relativo a x(t), existem duas alternativas: (1) x(tj) ∈ Ω′ + para infinitos índices j e (2) x(tj) ∈ Ω\Ω′ + para j ≥ j0 ≥ 0 para algum inteiro j0. Então, suponhamos que exista c > 0 tal que cj → c quando j → +∞, pois (cj) é uma sequência decrescente e limitada, logo convergente. 49 Devido a continuidade de V̇ e pelo fato de V ser estritamente dicotômica em relação a equação (4.1), existe uma constante α > 0 tal que V (x(−T, z)) − V (x(0, z)) > α se z ∈ Ω′ + e V (z) ≥ c. De fato, se existir z∗ ∈ Ω′ +, V (z∗) ≥ c tal que para todo α > 0, em particular para α = 1/n com n ∈ N, temos 0 < V (x(−T, z∗)) − V (z∗) ≤ 1/n, então teríamos que V (x(−T, z∗)) − V (z∗) = 0. E sendo V estritamente dicotômica e V (x(−T, z∗)) = V (z∗), então V (x(·, z∗)) é constante para t ∈ [−T, 0]. E como z∗ ∈ Ω′ +, necessariamente V̇ (z∗) = 0, ou seja, z∗ ∈ Ω′ 0. Assim, z∗ ∈ Ω0(T ) ∩ Ω′ 0, ou seja, z∗ = 0. Por consequência, V (z∗) = 0; contradição, pois V (z∗) ≥ c > 0. Assim, no caso (1) temos infinitas relações do tipo cj′′ < cj′ − α, para quaisquer dois consecutivos índices j′ < j′′ da sequência (x(tj)) tal que x(tj) ∈ Ω′ +. De fato, em tal caso, temos a seguinte sequência cj′ = V (x(tj′)) ≥ V (x(tj′+1)) = cj′+1 ≥ ... > V (x(tj′′−1)) = cj′′−1 > V (x(tj′′)) = cj′′ . Consequentemente, visto que V (x(tj′′−1)) − V (x(tj′′)) > α, segue que cj′ − cj′′ ≥ cj′′−1−cj′′ > α, o que implica que cj′′ < cj′−α, como afirmado anteriormente. Observe- mos que, para um índice genérico j da referida sequência temos que cj < cj−1 − α < cj−2 − 2α < ... < cj−n − nα, ou seja, cj → −∞ quando j → +∞. Contradição da su- posição inicial de existência do limite positivo c para a sequência (cj). E considerando que cj > 0 para todo j ∈ N então, necessariamente, cj → 0 quando j → +∞. Agora, para a alternativa (2) suponhamos, sem perda de generalidade, que j0 = 0, visto que a equação (4.1) é autônoma. Assim, x(tj) ∈ Ω\Ω′ + para todo j ≥ 0. Suponhamos, também, que tj = (j − 1)T para j = 0, 1, 2, . . .. Como V é continuamente diferenciável em Ω, existe uma vizinhança de tj suficien- temente pequena tal que V̇ (x(t)) ≤ 0 para t nesta vizinhança. Temos dois casos a considerar: (i) existem infinitos índices j tais que o intervalo ((j − 1)T, jT ) contém ao menos um ponto s com x(s) ∈ Ω′ + e, (ii) x(t) ∈ Ω\Ω′ + para t ≥ t′, onde t′ é uma constante não negativa. No caso (i), sejam sj = maxA, onde A = {s ∈ ((j − 1)T, jT ) : x(s) ∈ Ω′ +} e dj = V (x(sj)), e para os infinitos índices j do caso (i) vale cj+1 ≤ dj ≤ cj. De fato, se sj é o valor máximo de A então, para todo t ∈ (sj, tj+1), x(t) �∈ Ω′ +, ou seja, V̇ (x(t)) ≤ 0. Assim, V (x(t)) é não crescente ou constante em (sj, tj+1) e portanto dj ≥ cj+1, e pela definição de cj temos dj ≤ cj, e segue o resultado. Sejam c e α como anteriormente. Como x(sj) ∈ Ω′ + e V (x(sj)) ≥ c, V (x(sj−T ))−V (x(sj)) > α, isto é, V (x(sj−T )) > α + V (x(sj)) e por sj − T ∈ ((j − 2)T, (j − 1)T ) temos V (x(sj − T )) ≤ cj−1, logo cj−1 > α + V (x(sj)) = α + dj e como dj ≥ cj+1, segue que cj−1 > α + cj+1, ou seja, cj+1 < cj−1 − α para infinitos índices j. Consequentemente, cj → −∞ quando j → +∞; que é uma contradição. Logo, c = 0, isto é, cj → 0 quando j → +∞, que é o resultado desejado. 50 Agora, no caso (ii), temos V̇ (x(t)) ≤ 0 para t ≥ t′. Afirmamos que V (x(t)) → c quando t → +∞ pois, caso contrário teríamos a existência de ε > 0 tal que: ∀M > 0, ∃tM > 0 tal que V (x(tM)) �∈ (c−ε, c+ε). (�) Como cj → c, para ε > 0, existe j◦ ∈ N tal que para j ∈ N, j > j◦, cj ∈ (c − ε, c + ε). Para M > (j◦−1)T , por (�) segue que existe tM > M tal que V (x(tM)) �∈ (c−ε, c+ε). (��) Temos que tM ∈ [(j∗−1)T, j∗T ], para algum j∗ ≥ j◦, e assim por (��), cj∗ ∈ (c−ε, c+ε). Assim, deve existir um instante t ∈ [(j∗−1)T, j∗T ] tal que V̇ (x(t)) > 0. Se (j◦−1)T ≥ t′ temos uma contradição. E se (j◦− 1)T < t′, basta tomar M > t′, para obter, também, uma contradição. Assim, V (x(t−T ))−V (x(t)) → 0 quando t → +∞ e isto significa que V (x(t−T )) ∼= V (x(t)) quando t → +∞, ou seja, x(t) → Ω0(T ) quando t → +∞. Se V̇ (x(t)) → 0 quando t → +∞, temos que x(t) → Ω′ 0 e assim x(t) → Ω0(T )∩Ω′ 0, que pela definição de dicotomia estrita, necessariamente x(t) → 0 quando t → +∞ e temos o resultado desejado. Se V̇ (x(t)) � 0 quando t → +∞, sendo V̇ (x(t)) ≤ 0 para t ≥ t′, então existe β > 0 tal que V̇ (x(t)) < β para t ≥ t′. Então, visto que V (x(t)) = V (x(t′))+ ∫ t t′ V̇ (x(s))ds para t ≥ t′, temos que V (x(t)) = V (x(t′))− ∫ t t′ [−V̇ (x(s))]ds > V (x(t′))− ∫ t t′ βds = V (x(t′))− βt+ βt′ para t ≥ t′. Daí, quando t → +∞ temos que V (x(t)) → −∞; contradição, pois V é definida positiva em Ω, e portanto, V (x(t)) → 0 quando t → +∞ e temos assim que o equilíbrio nulo de (4.1) é assintoticamente estável. Vejamos alguns exemplos. Exemplo 4.3. Quando discutimos o sistema{ ẋ = y, ẏ = −x apresentado no Exemplo 3.14, verificamos que a função V (x, y) = x2 + 1 2 y2 não é uma função de Liapunov e, portanto, não chegamos a qualquer conclusão sobre a estabilidade do sistema; agora, no Exemplo 4.1 conseguimos provar que a mesma função V é dicotômica, logo, temos pelo Teorema 4.1 que seu equilíbrio nulo é estável. Exemplo 4.4. O sistema { ẋ = y, ẏ = −2x− 2y foi abordado no Exemplo 3.13, no qual foi possível definir uma função de Liapunov que nos permitiu verificar somente a estabilidade do equilíbrio nulo; agora, no Exemplo 4.2 conseguimos provar que a mesma função é definida positiva e estritamente dicotômica e, portanto, temos pelo Teorema 4.2 que seu equilíbrio nulo é assintoticamente estável. 51 Vamos agora trabalhar com uma nova função, V (x, y) = 1 2 (3x2+ y2), provando que V é estritamente dicotômica. Observamos que V é diferenciável em R 2, V (0, 0) = 0 e que V (x, y) > 0, para todo (x, y) ∈ R 2\{(0, 0)}, ou seja, V é definida positiva em R 2. Temos ainda que 〈∇V (x, y), g(x, y)〉 = 〈(3x, y), (y,−2x− 2y)〉 = 3xy − 2xy − 2y2 = xy − 2y2, ou seja, V̇ (x, y) = xy − 2y2, para todo (x, y) ∈ R 2. Considerando T = 2π e que a solução do sistema é dado por: x(t) = e−t[x0 cos t+ (x0 + y0) sen t], y(t) = ẋ(t) = e−t[y0 cos t− y0 sen t− 2x0 sen t] onde x(0) = x0 e y(0) = y0, temos: V (x(−2π), y(−2π))− V (x0, y0) = 1 2 [3x0 2e4π + y0 2e4π]− 1 2 [3x0 2 + y0 2] = 1 2 [(e4π − 1)(3x0 2 + y0 2)] e, tomando Ω = B(1), obtemos Ω−(2π) = {(x, y) ∈ Ω : 1 2 [(e4π − 1)(3x2 + y2)] > 0} = B(1)∗ e Ω0(2π) = {(0, 0)}, ou seja, Ω0 −(2π) = Ω−(2π) ∪ Ω0(2π) = B(1). Temos ainda, que Ω′ + = {(x, y) ∈ Ω : xy − 2y2 > 0} = {(x, y) ∈ Ω : (y > 0 e x > 2y) ou (y < 0 e x < 2y)} e que Ω′ 0 = {(x, y) ∈ Ω : xy − 2y2 = 0} = {(x, y) ∈ Ω : y = 0 ou x = 2y}. Como temos Ω ′ + ⊂ Ω0 −(2π) então, V é uma função dicotômica em B(1). Observamos, ainda, que (Ω ′ +) ∗ ⊂ Ω−(2π) e que Ω0(2π) ∩ Ω′ 0 = {(0, 0)} logo, V é uma função estritamente dicotômica em relação ao sistema dado inicialmente em B(1). Portanto, pelo Teorema 4.2 o equilíbrio nulo é assintoticamente estável. Exemplo 4.5. Seja o sistema ⎧⎨⎩ ẋ = y ẏ = − k m x, apresentado no Exemplo 3.8, em que provamos estabilidade do equilíbrio nulo através de Função de Liapunov. Agora vamos provar o mesmo resultado utilizando Função Dicotômica. 52 Dada a condição inicial x(0) = x0 e y(0) = y0 vemos, por técnica de resolução, que a solução desta equação é x(t) = x0 cosw0t + y0 w0 senw0t, y(t) = ẋ(t) = y0 cosw0t − x0w0 senw0t, onde w0 2 = k m . Vamos considerar a função V (x, y) = 1 2 kx2+ 1 2 my2, que é a energia total do sistema, como uma possível função dicotômica. Notamos que V é uma função definida positiva em R 2 e que V̇ (x, y) = 0, para todo (x, y) ∈ R 2. Tomando T = 2π w0 a constante positiva, notamos que V ( x ( −2π w0 ) , y ( −2π w0 )) − V (x0, y0) = 0 e, considerando Ω = B(1), teremos consequentemente que Ω0 ( 2π w0 ) = B(1) e Ω− ( 2π w0 ) = ∅ logo Ω0 − ( 2π w0 ) = Ω− ( 2π w0 ) ∪ Ω0 ( 2π w0 ) = B(1). Como Ω′ + = ∅ então Ω ′ + = ∅, em B(1). Assim, como temos Ω ′ + ⊂ Ω0 − ( 2π w0 ) então V é uma função dicotômica em B(1). Portanto, pelo Teorema 4.1, temos que o equilíbrio nulo do sistema massa-mola é estável em B(1). Encerramos este capítulo observando que foi possível obter melhores resultados de estabilidade através de funções dicotômicas, apesar de termos necessitado da solução para calcularmos o período T exigido na definição de função dicotômica. 5 Considerações Finais Ao estudar a estabilidade de equações diferenciais ordinárias através do Segundo Método de Liapunov e, também, através do Método das Funções Dicotômicas, nota- mos que em alguns casos pode ser difícil concluir algo a respeito da estabilidade do equilíbrio nulo, pois nem sempre é fácil encontrar uma função de Liapunov adequada para a equação, como também avaliar as condições necessárias para que uma função seja dicotômica, mesmo sendo esta, em geral, mais simples se comparada com as de Liapunov. A utilização de Funções Dicotômicas na teoria de Equações Diferenciais Ordinárias serviu de base para, posteriormente, estender o conceito no estudo de Equações Dife- renciais Funcionais, particularmente para equações com retardamento; teoria que pode ser encontrada nas referências [2] e [6]. 53 Referências Bibliográficas [1] BASSANEZI, R. C.; JR., W. C. F. Equações Diferenciais com Aplicações. São Paulo: Editora Harbra, 1988. [2] BENÁ, M. A.; DOS REIS, J. G. Some results on stability of retarded functional equations using dichotomic map techniques. Positivity, v. 2, p. 229–238, 1998. [3] BOYCE, W. E.; DIPRIMA, R. C. Equações Diferenciais Elementares e Problemas de Valores de Contorno. 9. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2010. [4] BUSENBERG, S.; MARTELLI, M. Delay Differential Equations and Dynamical Systems. In: CARVALHO, L. A. V. On the stability of discrete equation and ordinary differential equations. California: Springer - Verlag, 1990. p. 88–97. [5] CARVALHO, L. A. V.; FERREIRA, R. R. On a new extension of Liapunov’s direct method to discrete equations. Quart. Appl. Math., v. 46, n. 4, p. 779–788, 1988. [6] CARVALHO, L. A. V.; MARCONATO, S. A. S. On dichotomic maps for differential equations with piecewise continuous argument (EPCA). Communications in Applied Analysis, v. 1, n. 1, p. 103–112, 1997. [7] FIGUEIREDO, D. G.; NEVES, A. F. Equações Diferenciais Aplicadas. 3. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2010. [8] HALE, J. K. Ordinary Differential Equations. New York: Wiley-Interscience, 1977. [9] LIMA, E. L. Análise Real: Funções de uma variável. 9. ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2007. 54 FOLHA DE ROSTO FICHA CATALOGRÁFICA COMISSÃO EXAMINADORA DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS EPÍGRAFE RESUMO ABSTRACT LISTA DE FIGURAS SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 2. PRELIMINARES 3. ESTABILIDADE SEGUNDO LIAPUNOV 4. FUNÇÕES DICOTÔMICAS CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS