1 unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP LAÍS CREPALDI HENRIQUES AAASSS OOORRRAAAÇÇÇÕÕÕEEESSS EEENNNCCCAAAIIIXXXAAADDDAAASSS NNNOOO PPPOOORRRTTTUUUGGGUUUÊÊÊSSS::: Uma análise sobre a transitividade verbal ARARAQUARA – S.P. 2018 2 LAÍS CREPALDI HENRIQUES AAASSS OOORRRAAAÇÇÇÕÕÕEEESSS EEENNNCCCAAAIIIXXXAAADDDAAASSS NNNOOO PPPOOORRRTTTUUUGGGUUUÊÊÊSSS::: Uma análise sobre a transitividade verbal Monografia apresentada ao Conselho de Curso de Letras, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Angélica T. Carmo Rodrigues ARARAQUARA – S.P. 2018 3 RESUMO Este trabalho tem como objetivo investigar a natureza da relação transitiva em orações encaixadas em verbos transitivos. Segundo Hopper e Thompson (1980), a transitividade é uma noção gradual e deve ser analisada a partir de 10 parâmetros sintáticos-semânticos capazes de aferir diferentes graus de transitividade. Cunha e Souza (2011) já demonstraram a relevância do uso desses parâmetros para análise das sentenças simples do português brasileiro. Considerando as contribuições desses trabalhos, propomos uma análise complementar da transitividade no português a partir de uma investigação dos tipos de verbos transitivos que podem subcategorizar uma oração a fim de medir o seu grau de transitividade. Embora as gramáticas tradicionais descrevam as orações objetivas diretas como equivalentes ao objeto direto de uma sentença simples, nosso objetivo é mostrar que essas orações, considerando o grau de transitividade do verbo da matriz, desempenham função diversa do objeto direto simples. Nossas análises baseiam-se em dados do português escrito coletados do Córpus do Português (DAVIES; FERREIRA, 2006) e dados do português falado coletados do Córpus do Projeto Iboruna (GONÇALVES, 2003). Todos os dados foram analisados à luz dos parâmetros considerados mais relevantes para a aferição do grau de transitividade: (a) número de participantes, (b) cinese, (c) aspecto do verbo, (d) modalidade da oração, (e) agentividade do sujeito e (f) afetamento do objeto. Nossos resultados mostram que apenas verbos fracamente transitivos, como verbos dicendi, como falar e dizer, de processo mental, como achar e pensar, e modais, como querer, podem tomar uma oração como complemento. Na verdade, nossas análises complementam os resultados de trabalhos antiores (CUNHA; SOUZA, 2011) que apontam para a necessidade de rediscutir a noção de transitividade numa perspectiva semântica. A contribuição deste trabalho é, desse modo, mostrar, a partir de uma análise de dados reais, que as orações objetivas diretas são subcategorizadas por verbos 4 fracamente transitivos e têm funções ligadas à modalidade, contrariando análises tradicionais empregadas largamente no âmbito pedagógico. Palavras chave: transitividade; oração completiva; funcionalismo. 5 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 06 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 06 2.1 Transitividade segundo a Gramática Tradicional 06 2.2 Funcionalismo 07 3 METODOLOGIA 4 ANÁLISE DOS DADOS 5 CONCLUSÃO 11 12 19 REFERÊNCIAS 20 6 1. INTRODUÇÃO De acordo com Hopper e Tompson (1980 apud CUNHA; SOUZA, 2011), a transitividade deve ser analisada por dez parâmetros sintático-semânticos capazes de aferir o grau de transitividade de uma oração. Esses parâmetros são capazes de classificá-la como fortemente transitiva ou fracamente transitiva. Cunha e Souza (2011) já demonstraram a importância desses parâmetros utilizando-os no Português Brasileiro. Essa análise contraria a visão das gramáticas tradicionais, pois estas asseguram que a transitividade de um verbo é intrínseca a ele mesmo, dependendo somente da necessidade de um complemento ou não. . O objetivo deste trabalho é analisar os verbos que tomam uma oração como complemento utilizando os parâmetros propostos por Hopper e Tompson (1980) a fim de discutir o estatuto de transitividade dos mesmos. A análise da transitividade em sentenças complexas não é abordada por Hopper e Tompson (1980) e Cunha e Souza (2011). Desse modo, esta pesquisa traz contribuições para a ampliação da análise da transitividade no português e para a própria concepção de transitividade como uma noção gradiente. Além disso, nossas análises também podem fomentar a discussão sobre ensino de gramática na medida em que contrastam com a proposta tradicional de que uma oração subordinada substantiva objetiva direta desempenha o mesmo papel de um objeto direto. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEORÍCA Iniciaremos esta seção com a definição de transitividade segundo as gramáticas tradicionais. Mostraremos que essa abordagem é problemática principalmente por ser estritamente formal, deixando de lado questões ligadas à semântica. Desse modo, mostraremos que a abordagem Funcionalista norte americana pode ser mais adequada para o entendimento. 2.1 Transitividade segundo a Gramática Tradicional A transitividade é tratada nas gramáticas tradicionais consultadas na seção dedicado ao período simples, resumindo-se basicamente ao verbo. De acordo com a Gramática 7 Tradicional, um verbo é transitivo quando a ação expressa na oração “transmite-se a outros elementos diretamente, ou seja, sem o auxílio de preposição. São, por isso, chamados de VERBOS TRANSITIVOS DIRETOS, e o termo da oração que lhes integra o sentido recebe o nome de OBJETO DIRETO” (CUNHA; CINTRA, 2012, p. 150). Logo, para saber se um verbo é transitivo ou não, basta saber se ele precisa de um complemento, sem a necessidade de observar o restante da oração. Ao abordar o estudo do período composto, as gramáticas tradicionais definem o Período Composto por Subordinação como “equivalente a um Período Simples. Distingue-os apenas o fato de os termos (essenciais, integrantes e acessórios) deste serem representados naquele por orações.” (CUNHA;CINTRA, 2012, p. 614) Portanto, a oração substantiva, ou completiva, “exercerá todas as funções sintáticas que, na oração pode desempenhar um substantivo”. (BECHARA, 1978, p. 78) São orações subordinadas substantivas objetivas diretas “quando exercem a função de objeto direto”. (CUNHA;CINTRA, 2012, p. 614) Como nos exemplos: (1) Respondi-lhe que a presença do dono o sossegava um pouco. (J. Cardoso Pires apud CUNHA; CINTRA, 2012) (2) Não sei se padre Bernardino concordará comigo. (O. Lara Resende apud CUNHA; CINTRA, 2012) Segundo CUNHA e CINTRA (2012), em (1) a oração em negrito representa o objeto direto do verbo responder. Em (2), a oração em negrito representa o objeto direto do ver saber. Em nossa pesquisa, verificaremos a pertinência de um tratamento equivalente para a transitividade no âmbito da oração simples e das orações complexas. 2.2 Funcionalismo Segundo a análise funcionalista, a análise da transitividade pressupõe um olhar para a sentença como um todo e não apenas do verbo. Nesse sentido, essa visão se distancia da abordagem tradicional. O trabalho pioneiro de Hopper e Thompson (1980) oferece base e funciona como inspiração para Cunha e Souza (2011). São eles os responsáveis pelo estudo da transitividade, a princípio pensados para serem aplicados na língua inglesa. Cunha e Souza (2011), baseadas nesses estudos, serão as responsáveis por aplicá-los no Português Brasileiro. 8 Segundo Hopper e Tompsom (1980 apud CUNHA; SOUZA, 2011), para saber se o verbo é transitivo ou não, a oração toda deve ser analisada. A transitividade “denota a transferência de uma atividade de um agente para um paciente” (CUNHA; SOUZA, 2011, p. 25) e não expressa somente a necessidade de um verbo ter um complemento ou não. De acordo com essa abordagem, a transitividade é entendida não como uma propriedade categórica do verbo, como defende a gramática tradicional, mas como uma propriedade contínua, escalar (ou gradiente), da oração como um todo. É na oração que se podem observar as relações entre o verbo e seu(s) argumento(s) – a gramática da oração. (CUNHA; SOUZA, 2011, p. 29) Tomando essa definição, Hopper e Tompson (1980 apud CUNHA; SOUZA, 2011) vão além, demonstrando que verbos podem ser considerados fracamente transitivos ou fortemente transitivos. Diferentemente do ponto de vista da gramática tradicional, para esses autores não há necessidade da ocorrência dos três elementos – sujeito, verbo, objeto – para que uma oração seja transitiva. A transitividade é concebida como um complexo de dez parâmetros sintático-semânticos independentes, que focalizam diferentes ângulos da transferência da ação em uma porção diferente da oração. (CUNHA; SOUZA, 2011, p.37) Os autores propõem a análise de 10 parâmetros, segundo os quais é possível aferir o grau de transitividade da sentença: PARÂMETROS TRANSITIVIDADE ALTA TRANSITIVIDADE BAIXA Participantes Dois ou mais Um Cinese Ação Não-ação Aspecto do Verbo Perfectivo Não-perfectivo Pontualidade do Verbo Pontual Não-pontual Intencionalidade do Sujeito Intencional Não-intencional Polaridade da Oração Afirmativa Negativa Modalidade da Oração Modo realis Modo irrealis Agentividade do Sujeito Agentivo Não agentivo Afetamento do Objeto Afetado Não afetado Individuação do Objeto Individuado Não-individuado 9 Cada parâmetro indica um aspecto relevante para a aferição do grau de transitividade. Hopper e Tompson (1980 apud Cunha; Souza, 2011)descrevem individualmente as propriedades individuais, como apresentamos a seguir: a. Participantes: a transferência só pode ser feita caso haja mais de um participante na oração. b. Cinese: somente ações podem ser transferidas em uma oração. Por exemplo, em “Maria carregou a bolsa” existe uma transferência; em “Maria disse oi” não existe uma transferência. c. Aspecto do verbo: “uma ação vista do seu ponto final” (CUNHA; SOUZA, 2011, p.37). Uma ação terminada é mais facilmente transferida que uma ação não terminada. d. Pontualidade: “ações realizadas sem nenhuma fase de transição óbvia entre o início e o fim têm um efeito mais marcado sobre seus pacientes do que ações que são inerentemente contínuas” (CUNHA; SOUZA, 2011, p.38). Ou seja, existe uma diferença de pontualidade entre verbos que expressam ações rapidamente terminadas e ações que não terminam rapidamente. Por exemplo, quebrar é um verbo pontual, enquanto trazer não é pontual. e. Intencionalidade: intencional é aquela ação proposital. Ações propositais transmitem melhor uma ação que ações não propositais. Por exemplo, falar não é proposital, enquanto chutar é. Logo, falar seria classificado com não intencional e chutar como intencional. f. Polaridade: ações que aconteceram podem ser transferidas, ações que não aconteceram não podem ser transferidas. g. Modalidade: modo realis e irrealis.“Uma ação que não ocorreu, ou que expressa um evento hipotético, ou ainda que é apresentada como tendo ocorrido em um mundo não-real, contingente, incerto, é obviamente menos eficaz do que uma ação cuja ocorrência é de fato asseverada como correspondendo a um evento real” (CUNHA; 10 SOUZA, 2011, p. 38). Se analisarmos os verbos, observaremos que verbos no modo subjuntivo e no tempo futuro nunca poderão ser da modalidade realis. h. Agentividade: apenas um sujeito agente pode transferir uma ação. No entanto, existem oração com alta agentividade e outras com baixa. “Assim, a interpretação normal de João me assustou é de um evento perceptível com consequências perceptíveis, mas O filme me assustou poderia ser somente uma questão de um estado interno” (CUNHA; SOUZA, 2011, p.38). i. Afetamento: Um sujeito agente é aquele que transfere uma ação. Também vale ressaltar que a sua agentividade pode ser alta ou baixa, dependendo da maneira como a ação é transferida. Para exemplificar e diferenciar um paciente muito afetado de um pouco afetado, podemos colocar as seguintes frases: eu comi um pouco de comida e eu comi o prato todo. Na primeira oração, temos um paciente pouco afetado, enquanto na segunda ele é muito afetado. Em orações que não existe a transferência de uma ação, o paciente não é afetado e o sujeito é não agente. j. Individuação: resumidamente, objetos individuados, de acordo com Hopper e Tompson (1980 apud CUNHA; SOUZA, 2011) são humanos, animados; próprios; concretos; singulares; contáveis; referenciais, definidos. Contrastando com os objetos individuados, os objetos individuados são comuns; inanimados; abstratos; plurais; incontáveis; não-referenciais. Assim, para que uma oração seja considerada fracamente transitiva, ela deve ter menos de cinco parâmetros na escala. Para que uma oração seja fortemente transitiva, ela deve ter cinco parâmetros ou mais na escala de Hopper e Tompson (1980, apud CUNHA; SOUZA, 2011). Ademais, observaremos que orações prototípicas sempre serão altamente transitivas, enquanto orações não prototípicas serão fracamente transitivas. Assim temos: (3) Pedro derrubou Lucas. (4) Pedro não gosta de Lucas. 11 Em (3) obtemos os dez parâmetros de alta transitividade: dois participantes, verbo de ação, perfectivo, pontual, intencional, polaridade afirmativa, modo realis, sujeito agentivo, objeto afetado e individuado. Em (4) obtemos somente três parâmetros de alta transitividade: dois participantes, modo realis e objeto individuado. Logo, (3) é altamente transitiva e (4) é fracamente transitiva. 3. METODOLOGIA As análises partiram de dados coletados em dois corpora: Projeto Iboruna – UNESP SJRP (GONÇALVES, 2003) e Corpus do Português (DAVIES; FERREIRA, 2006). O projeto Iboruna (GONÇALVES, 2003) é um banco de dados que contém somente dados da modalidade falada do PB. Entrevistas, relatos e descrições foram coletados e transcritos. O Corpus do Português (DAVIES; FERREIRA, 2006) também é um banco de dados, no entanto, é constituído de textos escritos do PB. Foram analisados apenas textos do século XXI. No projeto do Iboruna (GONÇALVES, 2003) a ferramenta de busca foi o próprio sistema de busca do Adobe. No Corpus do Português (DAVIES; FERREIRA, 2006), por ser um corpus anotado, utilizamos a busca de parser, com as ferramentas próprias do site. Portanto, no Corpus do Português (DAVIES; FERREIRA, 2006) a ferramenta de busca estava no próprio corpus que é indexado. O trabalho consiste em uma análise quantitativa através da aferição da frequência type e token. O objetivo da busca em ambos corpora era encontrar orações subordinadas substantivas objetivas diretas e observar quais verbos tomavam uma oração como complemento. Para isso, nenhum verbo específico foi pesquisado, a pesquisa sempre era direcionada para a conjunção que. O primeiro passo foi, através da busca manual (Iboruna) e por parser (Corpus do Português) o complementizador que as orações em que o que era pronome relativo daquelas que o que era uma conjunção integrante. Depois de feita a coleta, somente as orações em que a conjunção integrante que introduziam uma oração substantiva direta eram escolhidas. Após somente as orações subordinadas substantivas diretas serem selecionadas, aplicamos a cada uma delas uma análise baseada nos parâmetros propostos por Hopper e 12 Thompson (1980). A análise foi feita pelo Excel a partir de tabelas com cinco colunas: verbo, aplicação, referência, parâmetros, escala. Como no exemplo: Selecionamos apenas seis dos dez parâmetros de Hopper e Tompson (1980 apud CUNHA; SOUZA, 2011) considerando seu grau de relevância para a análise. São eles participante, cinese, aspecto, modalidade, agentividade e afetamento. Cada parâmetro de alta transitividade foi marcado como um ponto na escala, foi chamada de nota a quantidade de pontos somados das orações. Todas as análises referem-se a dados coletados de sentenças do Português Brasileiro. No total, 326 dados foram coletados, dos quais 86 são do Córpus do Português (DAVIES; FERREIRA, 2006) e 240 são do Córpus do Projeto Iboruna (GONÇALVES, 2003). 4. ANÁLISE DOS DADOS Utilizando os mesmos parâmetros de análise empregados em Hopper e Thompson (1980) e Cunha e Souza (2011), nossos resultados apontam que os verbos que subcategorizam orações constituem um grupo reduzido e com propriedades que os definem como verbos com grau fraco de transitividade. Nenhum dos verbos analisados pode ser categorizado como verbo de ação, que seriam segundo Hopper e Thompson (1980), os verbos transitivos Verbo Aplicação Referência Parâmetros Escala Aceitar ela NÃO ACEIta que o filho dela é gay num aceita num aceita e eu acho que isso NUM é bem assim... AC 52 Participantes: um Cinese: não ação Aspecto: não perfectivo Modalidade: realis Agentividade: não agente Afetamento: não afetado 1 13 prototípicos, que figuram em sentenças com alto grau de transitividade. Todos são verbos coletados são de dois tipos, a saber dicendi e processo mental. Na distribuição da frequência, considerando os dados dos dois corpora, o verbo achar corresponde a 43% do total de ocorrências. O verbo falar corresponde a 13% do total. Os verbos acreditar, contar, dizer e saber foram agrupados como Grupo 1 porque, embora recorrentes no corpus são menos frequentes que achar e falar, correspondendo a 22,5% das ocorrências. Os verbos aceitar, acreditar, avaliar, buscar, comentar, comunicar, concordar, confessar, confirmar, conseguir, crer, decidir, defender, demonstrar, descobrir, destacar, entender, esperar, exigir, fazer, garantir, gostar (cujas todas as ocorrências estão no futuro do pretérito), gritar, imaginar, lembrar, mostrar, parecer, pensar, perceber, permitir, possibilitar, propor, querer, reclamar, reconhecer, significar, supor e ver também aparecem, no entanto com uma recorrência individual muito mais baixa (menos de 5 ocorrências). Desse modo, foram também agrupados como Grupo 2 e correspondem a 21,5% das ocorrências. As Tabelas 1 e 2 mostram a distribuição da frequência dos verbos nos dois corpora: Tabela 1: Frequência dos verbos no Corpus Iboruna Fonte: própria VERBO N % Achar 117 49% Falar 40 16,5% Grupo 1 49 20,5% Grupo 2 34 14% TOTAL 240 14 Tabela 2: Frequência dos verbos no Corpus do Português Fonte: própria Tendo como base os parâmetros considerados mais relevantes para análise, 100% dos verbos são fracamente transitivos, atendendo no máximo a dois parâmetros de transitividade. No Corpus do Projeto Iboruna, 2% dos verbos não atenderam nenhum parâmetro de Hopper e Thompson, sendo considerados os com grau mais fraco de transitividade, como: (5) é quase certeza que toda a população vai falá(r) que sim que vota que quê(r) que tira as armas... Nessa oração, obtemos apenas um participante (população); um verbo de não ação (falar); não perfectivo no modo irrealis, já que a ação, além de não terminada, é uma hipótese que pode acontecer (verbo no futuro); um sujeito não agente, pois não transmite nenhuma ação e um objeto não afetado, mostrando que nenhuma ação foi transferida. 77,5% dos verbos atenderam a um parâmetro, que corresponde à modalidade realis: (6) aí começô(u) as discussões... ele falando que... ele tava em ca::sa e eu num acreditei e/ aí ele foi conversá(r) com a minha mãe... VERBO N % Achar 23 27% Falar 10 11,5% Grupo 1 21 24,5% Grupo 2 32 37% TOTAL 86 15 Aqui, o verbo falar apresenta apenas o parâmetro realis. No restante, a oração tem apenas um participante (ele); o verbo é um verbo de não ação (falar); não perfectivo (ação não terminada); o sujeito é não agente (não transmitiu nenhuma ação) e o objeto não afetado (não recebeu nenhuma transferência. 20,5%, parâmetros de transitividade aspecto e modalidade. (7) que antes tinha um papel de parede emba(i)xo daí a hora que tirô(u) o papel de parede a gente viu que tava aquele (cheio) aquele mofo Em quatro parâmetros, a oração segue o comportamento das anteriores. Ela tem apenas um participante (a gente), o verbo é de não ação (ver no sentido de perceber), o sujeito é não agente e o objeto é não afetado. No entanto, modalidade e aspecto mudam: o verbo é perfectivo (ação terminada) e o modo é realis. No Corpus do Português 6% dos verbos não atenderam nenhum parâmetro de Hopper e Thompson. (8) Não, eu vou lá, vou dizer para o Mário Covas, que veio pedir voto em Bauru, que não é só pedir votos. Tem que ajudar a população para quem ele pediu voto. Fala bonito, está tudo certo, estamos lá aplaudindo, tudo pode te ajudar.. A oração analisada é vou dizer que não é só pedir votos. Nenhum parâmetro foi atendido, pois há apenas um participante; um verbo de não ação (dizer); um sujeito não agente; um objeto não afetado. E, como em (5), a modalidade é irrealis, já que a ação está no futuro, sendo uma possibilidade; também como em (5), o aspecto do verbo é não perfectivo, representando uma ação não terminada, na verdade, uma ação não realizada. 87% dos verbos atenderam ao parâmetro modalidade. (9) Oshima - Como eu estava dizendo, aqui não tem estrutura. Eles só deixam a gente tomar sol no período da manha. Falam que não tem funcionário suficiente e eu até entendo, mas é duro. No final de semana ficamos sem sair da cela. Lá fora o tempo passa rápido, mas aqui é duro. 16 A oração analisada é falam que não tem funcionário suficiente. Aqui, como em (6), apenas um parâmetro foi atendido, sendo ele a modalidade – modo realis. Existe apenas um participante, o verbo é de não ação e não perfectivo, o sujeito é não agente e o objeto é não afetado. 7% dos verbos atenderam aos parâmetros modalidade e aspecto. (10) Aí, quando estávamos voltando para São Paulo, a redação comunicou que a diretoria do manicômio, que era mantido pelo Governo, havia liberado a reportagem. A oração analisada é a redação comunicou que a diretoria do manicômio havia liberado a reportagem. Nesta análise, como em (7), o verbo está no modo realis e o aspecto é perfectivo (ação terminada). Os outros parâmetros não destoaram das demais análises, existe apenas um participante, o verbo é de não ação, o sujeito é não agente e o objeto é não afetado. Entre os 240 verbos analisados Córpus do Projeto Iboruna, cinco deles têm zero pontos, representando 2%. 186 verbos têm um ponto, 77,5%, e 49 têm dois pontos, 20,5%. Já nos dados analisados do Corpus do Português, todos os verbos são de orações do português escrito, são dados de entrevistas feitas com diversas pessoas. Das 86 coletas, 75 são os verbos com um ponto, 87%. Enquanto cinco verbos têm zero pontos, 6%, e seis verbos têm dois pontos, 7%. Mesmo com duas modalidades diferentes da língua sendo analisadas, os resultados são convergentes, já que, nas duas, os verbos com maiores frequências são os mesmos. São eles: achar, 117 vezes no Iboruna e 23 vezes no Córpus do Português; dizer, 13 vezes no Iboruna e 9 vezes no Córpus do Português; saber, 10 vezes no Iboruna e 10 vezes no Córpus do Português. O único verbo que não obedeceu essa regra foi o falar, aparecendo 40 vezes no Iboruna e somente duas no Córpus do Português. Dos seis parâmetros utilizados, somente modalidade e aspecto sofreram alterações de acordo com o contexto da oração. (11) Eu achei que já estava no momento de parar e foi isso que eu fiz. (12) bom achei que... foi justo dentro do possível... 17 Ambos os casos têm um participante, um sujeito não-agente, um objeto não-afetado e são verbos de não-ação, todavia são perfectivos e estão no modo realis. Logo, muitos verbos têm apenas um ponto porque o aspecto foi diferente: (13) eu acredito que ele num tenha tido culpa nessa história... porque:: ele também não consegue controlá(r) tudo né? (14) Mas eu acredito que eu seja a mais jovem síndica do País, porque tudo o que já ouvi falar é daquela pessoa mais velha, que fica o tempo todo vigiando os moradores. Em (11) e (12), além de um participante, do sujeito não-agente, do objeto não-afetado e dos verbos de não-ação, apesar do modo ser realis, o aspecto é não-perfectivo. Então, em orações como essas, apenas um ponto foi obtido. Nenhum dos dados coletados com um ponto tem um verbo perfectivo no modo irrealis, em todas as ocorrências o modo é realis, apenas o aspecto oscila. Ademais, nos verbos com zero pontos observamos características de baixa transitividade também no modo e aspecto: (15) é quase certeza que toda a população vai falá(r) que sim que vota que quê(r) que tira as armas... (16) Esse sistema possibilitará que se saiba quem recebeu a córnea. Mesmo que em (13) haja uma locução verbal enquanto em (14) há apenas um verbo, os dois transmitem a ideia de futuro, o que não permite que o modo seja realis. Portanto, (13) e (14) são orações com um participante, um sujeito não-agente, um objeto não-afetado, verbos de não-ação, de modo irrealis e aspecto não-perfectivo. Dos seis parâmetros, apenas aspecto e modalidade se modificam entre elas, hora tendo componentes que representam baixa transitividade em uma oração, hora tendo componentes que representam alta transitividade. Nos quesitos participantes, cinese, agentividade do sujeito e afetamento do objeto, 100% delas apresentam um participante, verbo de não-ação, sujeito não-agente e objeto não afetado. 18 Na Tabela 3, apresentamos a distribuição da frequência para os parâmetros de transitividade relevantes para os nossos dados: Tabela 3: Frequência dos parâmetros nos corpora. Fonte: própria Os verbos não têm uma função clássica de transitividade, pois não subcategorizam um complemento que pode ser afetado e nem possuem um sujeito agentivo. Desse modo, nossos resultados mostram que os verbos transitivos que subcategorizam uma oração completiva (com função de objeto direto) se afastam dos verbos que são considerados prototipicamente transitivos. Desse modo, devemos concluir que esses verbos estão a serviço de valores e funções que se afastam da transitividade, que está associada a um valor semântico de mudança (de estado ou lugar). Ao permitir essa conclusão, nossos resultados também apontam para a necessidade de novas pesquisas em que a função desses verbos e das orações completivas sejam analisadas. Trabalhos anteriores, como Casseb-Galvão (1999) e Gonçalves (2003) oferecem evidências do valor modal dos verbos que subcategorizam orações completivas e pretendemos, num outro momento, voltar aos nossos dados para empreender uma análise centrada em questões relativas à modalidade (epistêmica). VERBO N % Nota 0 10 3% Nota 1 261 80% Nota 2 55 17% Nota 3 ou mais 0 0% TOTAL 326 19 5. CONCLUSÃO A Gramática Tradicional mostra as orações encaixadas como orações que podem ser substituídas por sentenças de um período simples. De acordo com os resultados da pesquisa, ficou clara a evidência de que há um equívoco nessa afirmação. Nas escolas, principalmente, e nas Gramáticas Tradicionais a transitividade é tratada de maneira simplista e rasa, o que faz com que as pessoas não entendam ou entendam errado. Uma oração objetiva direta não pode fazer o papel de um objeto direto, de maneira como a GT propõe, pois essas orações não tem o mesmo comportamento de um objeto direto. Em um período simples com um verbo fortemente transitivo, a ação é passada facilmente de um participante a outro. Em orações fracamente transitivas essa transferência não ocorre de maneira tão simples. Dentro das GT, apenas orações prototípicas são colocadas como exemplo do que pode ser um OD. O conselho dado para reconhecer uma oração objetiva direta é analisar apenas o verbo e deduzir se ele precisa de um complemento ou não. De acordo com os parâmetros, podemos perceber que não é exatamente assim que elas funcionam. Nota-se que baixa transitividade é algo intrínseco às orações (objetivas diretas) analisadas. Todas funcionam como complemento de um verbo que pede um objeto direto, mas não se comportam exatamente como um. Uma oração completiva, nesse caso, não pode ser substituída por um objeto direto, pois ela não faz exatamente o papel dele. Diferente de um objeto direto, uma oração não pode ser individuada, não é afetada com a transferência de uma ação, não funciona como participante da oração e não permite que o sujeito seja agente, impossibilitando qualquer tipo de transferência. Pode-se concluir, portanto, que essa é a razão de todos os verbos encontrados e analisados serem pouco transitivos. Dada essa informação, é possível notar, também, que verbos altamente transitivos não aceitam orações como complemento, da mesma maneira que verbos fracamente transitivos precisam de uma oração como complemento e não apenas um objeto. A tentativa de transformar o objeto direto de uma oração em uma oração sem a perda de sentido é 20 impossível. Da mesma maneira que a tentativa de transformar uma oração objetiva direta em um simples objeto direto também é inconcebível. Como os dados coletados demonstram, existem somente dois tipos de verbos que podem subcategorizar uma oração como complemento: verbos dicendi e processo mental. Ambos são verbos de não ação e não prototípicos, provando que apenas uma classe muito restrita de verbos pode ter uma oração completando-os. Todos eles são fracamente transitivos, com nota dois ou menos de acordo com os parâmetros utilizados. Ademais, fica claro que a análise da transitividade não deve ser feita a partir do verbo, como a GT explica. Tal análise depende do contexto, de outros elementos e, principalmente, da modalidade da oração. Não é certo tratar todos os verbos como se eles fossem iguais e tivessem o mesmo comportamento. Ter o conhecimento do grau de transitividade imposto na oração e uma análise mais detalhada levam a muitas conclusões mais claras sobre ela mesma. 6. REFERÊNCIAS BECHARA, E. Moderna Gramática Portuguesa. 37. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006. CASSEB-GALVÃO, V. C. 1999. O achar no português do Brasil: um caso de gramaticalização. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Dissertação de Mestrado em Lingüística. CASTILHO, Ataliba T. de. Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova gramática do português contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. CUNHA, M. A. F. da; SOUZA, M. M. Transitividade e seus contextos de uso. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2011. v. 1. 116p . DAVIES, M; FERREIRA, M. Corpus do Português: 45 million words, 1300s-1900s. Disponível online em http://www.corpusdoportugues.org. 2006. GONÇALVES, S. C. L. 2003. Gramaticalização, modalidade epistêmica e evidencialidade: um estudo de caso no português do Brasil. Tese defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), Unicamp. Campinas/SP. 21 ________. Banco de dados Iboruna: amostras eletrônicas do português falado no interior paulista. Disponível em: http:://www.alip.ibilce.unesp.br/iboruna. HOPPER, P. J.; THOMPSON, S. A. Transitivity in Grammar and Discourse. In: Language, Volume 56, número 2, 1980.