UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS DE ARARAQUARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS OXIDAÇÃO DE COMPOSTOS β-DICARBONÍLICOS POR PEROXIDASES ANA PAULA RODRIGUES ARARAQUARA – SP 2007 ANA PAULA RODRIGUES OXIDAÇÃO DE COMPOSTOS β-DICARBONÍLICOS POR PEROXIDASES Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Análises Clínicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como parte dos requisitos para obtenção do grau de DOUTOR em Análises Clínicas. Área de concentração: Bioquímica Orientador: Prof. Dr. Iguatemy Lourenço Brunetti Co-Orientador: Prof. Dr. Valdecir Farias Ximenes ARARAQUARA – SP 2007 Ficha Catalográfica Elaborada Pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação Faculdade de Ciências Farmacêuticas UNESP – Campus de Araraquara Rodrigues, Ana Paula R696o Oxidação de compostos β-dicarbonílicos por peroxidase. / Ana Paula Rodrigues. – Araraquara, 2007. 141 f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista. “Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Programa de Pós Graduação em Análises Clínicas Orientador: Iguatemy Lourenço Brunetti Co-orientador: Valdecir Farias Ximenes 1.Peroxidase. 2.Compostos Beta dicarbonílicos. 3.Espécies reativas de oxigênio. 4.ADEPT. I.Brunetti, Iguatemy Lourenço, orient..II.Ximenes, Valdecir Farias, co-orient. III.Título. CDD: 574.192 CAPES: 40300005 FOLHA DE APROVAÇÃO _______________________________ Prof. Dr.Iguatemy Lourenço Brunetti Orientador e Presidente _______________________________ Prof. Dr. Antonio Cardozo dos Santos Membro Titular _______________________________ Profa. Dra. Mariza Pires de Melo Membro Titular _______________________________ Profa. Dra. Olga Maria Mascarenhas Faria Oliveira Membro Titular _______________________________ Profa. Dra. Chung Man Chin Membro Titular Araraquara, 26 de novembro de 2007 Dedico este trabalho... ...À DEUS, por ter me dado a vida, saúde e por sempre iluminar o meu caminho, fazendo com que minhas buscas não sejam em vão. ...À minha mãe, pelo exemplo de perseverança, luta e alegria, mesmo diante dos mais difíceis obstáculos. Saudades... ...Ao meu pai, que sempre foi e será modelo de dedicação à profissão, justiça e honestidade. Por todo apoio dedicado à família e aos nossos estudos. ...Ao meu irmão Marcos, minhas irmãs Luciana e Thais, e meus cunhados André e Maria Fernanda por todos os momentos de convivência e palavras de apoio e incentivo. ...Às minhas queridas sobrinhas Maria Luiza e Marina, pela alegria que sempre trazem para todos nós. Ao Professor Iguatemy ...pela dedicação ao ensino, à pesquisa e orientação segura e paciente que possibilitou a realização deste trabalho ...pela convivência diária e amizade sincera e atenciosa ...pela confiança em mim depositada Ao Professor Valdecir ...pelas valiosas discussões e estímulo ...por acompanhar meu trabalho, auxiliando-me sempre que precisei “Se consegui ver mais longe, foi porque me apoiei em ombros de gigantes” Isaac Newton “Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...” Fernando Pessoa Agradeço... Ao Laboratório de Bioquímica e Enzimologia Clínica, do Departamento de Análises Clínicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara – UNESP, onde este trabalho foi desenvolvido, Aos professores que fizeram parte da banca examinadora, pelas sugestões e críticas que certamente contribuíram para o enriquecimento deste trabalho, Às professoras Dra. Maria Teresa Pepato e Dra. Regina Célia Vendramini pela amizade e agradável convívio, À professora Dra. Olga Maria M. de Faria Oliveira, por sempre permitir uso de seu laboratório, Ao professor Dr. Luiz Marcos da Fonseca pela colaboração e amizade, Ao Professor Dr. Antonio Cardoso dos Santos, por me receber em seu Laboratório na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – USP, colaborar com nosso trabalho e pelo início de uma parceria, Ao Cezar, doutorando na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – USP, pelo auxílio, dedicação e paciência em experimentos realizados em conjunto, À Tirene, pelo empenho em ajudar sempre que precisei, e por ser acima de tudo, uma grande amiga, Às secretárias do programa de Pós Graduação, Cláudia, Laura e Sônia, pelo auxílio, paciência e amizade, Aos colegas Marília, José Carlos, Najeh, Vanessa, Karina, Roberta, Helen pela amizade e momentos compartilhados, À Maria Irani Coito, bibliotecária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, pelo auxílio na revisão das referências bibliográficas, À todos os funcionários da biblioteca da FCFAR-UNESP, pela ajuda na busca de periódicos, Aos técnicos Valéria e Marcos, pelo auxílio e amizade, A todos os meus amigos, pelo incentivo, momentos de alegria e descontração, À todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, meus sinceros agradecimentos Obrigada!! RESUMO A terapia ADEPT (antibody-directed enzyme prodrug therapy) tem sido caracterizada, em vários estudos experimentais focalizados na destruição de células tumorais, como uma alternativa à fármacos citotóxicos sistêmicos (anti- proliferativos). Nesta técnica, o pró-fármaco é ativado por enzimas exógenas que são levadas à célula tumoral por meio de anticorpos monoclonais (Mab). Neste contexto, horseradish peroxidase (HRP) e ácido 3-indolacético (IAA) constituem um dos sistemas mais citados de enzima e pró-fármaco aplicados à destruição de células tumorais com conjugados HRP-Mab. Peroxidases são enzimas inespecíficas e várias moléculas podem ser oxidadas pela suas formas ativas HRP-l e HRP-ll no ciclo clássico da peroxidase, que é dependente de peróxido de hidrogênio ou hidroperóxidos orgânicos. Por outro lado, somente NADH, dihidroxifumarato e a auxina de planta IAA, têm sido descritos como substratos para HRP em reação independente de peróxido de hidrogênio. O objetivo deste trabalho foi estudar o mecanismo pelo qual compostos β-dicarbonílicos são oxidados por HRP e explorar suas aplicações. Foi demonstrado que os compostos dicarbonílicos 2,4- pentanodiona (PD) e 3-metil-2,4-pentanodiona (MePD) são eficientemente oxidados pela HRP, na ausência de peróxido, em tampão fosfato pH 7,4, consumindo oxigênio presente em solução, o que não ocorreu com outros compostos β-dicarbonílicos testados (dimedona e acetoacetato). Observou-se também, via espectrofotometria, durante a reação com PD e MePD, que a enzima nativa passou à sua forma HRP-lll, além disso, a reação produziu espécies reativas de oxigênio (ERO), detectadas por quimiluminescência dependente de luminol e fluorescência dependente de diclorofluoresceína. Também foram realizadas reações de consumo de oxigênio com outros compostos que possuem grupamento heme (citocromo C, hemina, mioglobina e mieloperoxidase) para avaliar a especificidade da HRP nessa reação de oxidação; a MePD foi eficientemente oxidada pela hemina e mioglobina. Metilglioxal (MG) foi detectado como produto da reação PD/HRP por cromatografia líquida de alta performance (HPLC). Considerando que a oxidação da PD catalisada por HRP possa ser útil na técnica ADEPT, avaliamos a citotoxicidade do sistema PD/HRP em leucócitos, empregando o ensaio de exclusão do Azul de Trypan. A combinação de PD e HRP causou um aumento no poder de citotoxicidade, comparado à PD somente. Em resumo, observou-se que a PD se comporta como um substrato para HRP em uma reação independente de peróxido de hidrogênio, produzindo ERO e MG, e exibindo citotoxicidade. Finalmente, pode-se propor ser a PD um ponto de partida para projetos de novos fármacos baseados na técnica ADEPT com HRP. Palavras-chave: peroxidases, compostos β-dicarbonílicos, espécies reativas de oxigênio, ADEPT ABSTRACT Antibody-directed enzyme prodrug therapy (ADEPT) has featured in several experimental studies focused on the destruction of tumor cells, as an alternative to systemic cytotoxic (antiproliferative) drugs. In this technique, the prodrug is activated by exogenous enzymes delivered to tumor cells via monoclonal antibodies (MAb). In this context, horseradish peroxidase (HRP) and indole-3-acetic acid (IAA) constitute one of the most often cited systems of enzyme and prodrug applied to destroy tumor cells with HRP – MAb conjugates. Peroxidases are unspecific enzymes and several molecules can be oxidized by the active forms HRP-I and HRP-II in the classic peroxidase cycle, which depends on hydrogen peroxide or organic hydroperoxides. On the other hand, only NADH, dihydroxyfumarate and the plant auxin IAA have been described as substrates for HRP in a reaction independent of hydrogen peroxide. The objective of this work was to study the mechanism by which β- dicarbonyl compounds are oxidized by HRP and explore possible applications. We demonstrated by measuring oxygen uptake, that the dicarbonyls PD (2,4- pentanedione) and 3-MePD (3-methyl-2,4-pentanedione) can also be oxidized by HRP in the absence of peroxide, in phosphate buffer pH 7.4, consuming the oxygen present in solution, what didn’t occur with other β-dicarbonyl compounds (dimedon and acetoacetate), under the same conditions. It was also observed, in the absorption spectrum during the reaction course with PD and 3-MePD, that the native enzyme was transformed to HRP-III; moreover, the reaction produced reactive oxidant species (ROS), detected by luminol-dependent chemiluminescence and dichlorofluorescein-fluorescence dependent. Reactions of oxygen uptake with other heme-compounds (cytochrome C, hemin, myoglobin and myeloperoxidase) had been carried to detect the especificity of the HRP in the oxidation reaction. However, the MePD efficiently was oxidated by the hemin and myoglobina. Methylglioxal (MG) was detected as product of reaction PD/HRP through liquid chromatography of high performance (HPLC). Believing that the oxidation of PD catalyzed by HRP might be useful in the ADEPT technique, we tested the cytotoxicity of the PD/HRP system in leukocytes, by employing the trypan blue exclusion assay. The combination of PD and HRP caused an increase in cytotoxity power, compared to PD alone. In summary, it was observed that PD behaves as a substrate for HRP in a hydrogen peroxide-independent reaction, producing ROS and methylglioxal and exhibiting cytotoxicity. Finally, PD could be a starting point for the design of new drugs based on HRP – related ADEPT techniques. Keywords: peroxidase, β-dicarbonyl compounds, reactive oxidant species, ADEPT LISTA DE FIGURAS Figura 1. Grupamento heme ou ferroprotoporfirina ....................................................... 25 Figura 2. Espectro UV-Vis da Horseradish Peroxidase e suas formas em diferentes estados de oxidação ...................................................................................................... 30 Figura 3. Formação de radicais livres na cadeia transportadora de elétrons mitocondrial .................................................................................................................... 38 Figura 4. Ativação do complexo NADPH oxidase da membrana do fagócito e formação de ERO .......................................................................................................... 39 Figura 5. Mecanismo de ação simplificado do citocromo P450..................................... 42 Figura 6. Formas do ácido ascórbico e reações com radicais ...................................... 45 Figura 7. Comportamento sinergístico das vitaminas C e E ......................................... 46 Figura 8. Glutationa e sua forma oxidada...................................................................... 46 Figura 9. Estrutura de um flavonóide (quercetina)......................................................... 50 Figura 10. Fontes e respostas celulares às espécies reativas de oxigênio e nitrogênio........................................................................................................................ 52 Figura 11. Proposta da terapia ADEPT.......................................................................... 56 Figura 12. Dois tipos de β-dicetonas clivadas por enzimas........................................... 61 Figura 13. Mecanismo sugerido para hidrólise de acetilpiruvato por APH de Pseudomonas putida...................................................................................................... 62 Figura 14. Reação catalisada por FAH.......................................................................... 63 Figura 15. Estrutura química dos substratos estudados................................................ 67 Figura 16. Mecanismo de detecção de ERO intracelular pelo uso de DCFH-DA.......... 80 Figura 17. Consumo de oxigênio na oxidação de 2,4-pentanodiona, metil-2,4- pentanodiona, ácido 3-indolacético, ácido 5-hidroxi-3-indolacético, dimedona, acetoacetato e 1,3-ciclohexanodiona.............................................................................. 83 Figura 18. Efeito do pH do meio reacional na oxidação de PD, Me-PD e IAA............... 85 Figura 19. Velocidade de consumo de oxigênio na oxidação da PD catalisada por HRP................................................................................................................................. 86 Figura 20. Influência da concentração de HRP na oxidação da PD.............................. 87 Figura 21. Influência da concentração de HRP na oxidação da Me-PD........................ 88 Figura 22. Velocidade de consumo de oxigênio na oxidação do IAA catalisada por HRP................................................................................................................................. 89 Figura 23. Consumo de oxigênio provocado por oxidação PD , Me-PD e IAA pela HRP, na ausência e na presença de H2O2..................................................................... 90 Figura 24. Variação espectral da HRP durante oxidação da PD................................... 92 Figura 25. Efeito da presença da SOD no ciclo da HRP e no consumo de oxigênio pela reação PD/HRP....................................................................................................... 93 Figura 26. Efeito do oxigênio na oxidação da PD catalisada por HRP.......................... 95 Figura 27. Efeito da catalase no consumo de oxigênio da reação PD/HRP.................. 96 Figura 28. Efeito do pH na oxidação da PD catalisada por HRP................................... 97 Figura 29. Perfil cromatográfico do produto da reação da PD após oxidação catalisada por HRP e MG puro....................................................................................... 99 Figura 30. Produção de ERO durante oxidação da PD catalisada por HRP................. 100 Figura 31. Produção de ERO durante oxidação da PD catalisada por HRP................. 101 Figura 32. Produção de ERO durante oxidação da PD catalisada por HRP................. 102 Figura 33. Efeito da reação PD/HRP/O2 na indução de formação de ERO em células HepG2............................................................................................................................. 103 Figura 34. Efeito citotóxico de compostos em estudo na ausência e na presença de HRP................................................................................................................................. 105 Figura 35. Lâminas preparadas em citocentrífuga com mononucleares submetidos ao teste de citotoxicidade................................................................................................ 106 Figura 36. Efeito da difusão de ar no consumo de oxigênio da reação PD/HRP.......... 107 Figura 37. Alteração espectral da HRP durante oxidação da Me-PD............................ 109 Figura 38. Alteração espectral da HRP durante oxidação da Me-PD............................ 110 Figura 39. Alteração espectral da HRP durante oxidação do IAA................................. 111 Figura 40. Alteração espectral da HRP durante oxidação da DM e 5-OH-IAA.............. 112 Figura 41. Variação espectral da HRP durante oxidação do AcAc................................ 113 Figura 42. Ausência de consumo de oxigênio dos sistemas HRP/substrato: AcAc, CH, DM e 5-OH-IAA ....................................................................................................... 114 Figura 43. Produção de ERO durante oxidação de substratos carbonílicos, catalisada por HRP......................................................................................................... 115 Figura 44. Ausência do consumo de oxigênio do citocromo C e da PD ou Me-PD ou IAA.................................................................................................................................. 116 Figura 45. Reação de consumo de oxigênio provocado por oxidação de Me-PD......... 117 Figura 46. Produção de ERO durante oxidação da PD catalisada por HRP ou MPO... 118 Figura 47. Ausência de consumo de oxigênio utilizando a PD e o IAA na presença de hemina ou mioglobina ............................................................................................... 118 Figura 48. Consumo de oxigênio provocado na oxidação da PD.................................. 120 Figura 49. Produção de quimiluminescência durante oxidação da PD catalisada por HRP................................................................................................................................. 121 Figura 50. Consumo de oxigênio provocado na oxidação da Me-PD na presença de hemina e mioglobina ...................................................................................................... 123 Figura 51. A estrutura molecular espacial das formas enólicas da PD e da DM........... 126 Figura 52. Estrutura química da curcumina e tetraidrocurcumina.................................. 127 LISTA DE ESQUEMAS Esquema 1. Ciclo clássico da peroxidase e vias para produção da forma ferrosa e composto lll (HRP-lll)....................................................................................................... 28 Esquema 2. Redução da Ubiquinona e formação do O2 ● –............................................. 37 Esquema 3. Formação de ERO a partir da síntese do ácido úrico................................ 41 Esquema 4. Via catalítica proposta de DKe1................................................................. 65 Esquema 5. Mecanismo de oxidação do luminol........................................................... 76 Esquema 6. Via proposta para a produção de metilglioxal e ácido pirúvico pela oxidação da PD catalisada por HRP............................................................................... 99 Esquema 6 . Mecanismo proposto para oxidação da PD catalisada por HRP............... 125 LISTA DE TABELA Tabela 1. Determinação da concentração real do metilglioxal comercial, através da derivatização com semicarbazida...................................................................................... 73 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ●OH - radical hidroxil 5-OH-IAA – ácido-5-hidroxi-3-indolacético AcAc - acetoacetato ADEPT - antibody-directed enzyme prodrug therapy AGEs - produtos de glicação avançada APH - acetilpiruvato hidrolase BZD - 4-hidroxibenzidrazida CAP - citosol ascorbato peroxidase CCP - citocromo C peroxidase de levedura CEA - antígeno carcinoembriogênico CH - ciclohexanodiona CPG2 - carboxipeptidase G2 CPO - cloroperoxidase CYP - citocromo P450 DCF - 2,7’- diclorofluoresceína DCFH-DA - diacetato de 2,7’- diclorofluoresceína DKe1 - diketone-cleaving enzyme DM - dimedona ERN - espécies reativas de nitrogênio ERO - espécies reativas de oxigênio FAH - fumarilacetoacetato hidrolase GPx - glutationa peroxidase GSH - glutationa reduzida GSSG - glutationa dissulfeto, glutationa oxidada H2O2 - peróxido de hidrogênio HOCl - ácido hipocloroso HPLC - cromatografia líquida de alta eficiência HRP - peroxidase de raiz forte, horseradish peroxidase IAA - ácido 3-indolacético kM - constante de Michaelis LDL - lipopoteínas de baixa densidade MAP – 2-amino-2-metil-1,3-propanediol Me-PD - metil-2,4-pentanodiona MG – metilglioxal MnP - manganês peroxidase MPO - mieloperoxidase NAD(P)H - nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato ( forma reduzida) NAD+ – nicotinamida adenina dinucleotídeo ( forma oxidada) NADH – nicotinamida adenina dinucleotídeo ( forma reduzida) NO● - óxido nítrico O2 ●- - radical superóxido 1O2 - oxigênio singlete OONO- - peroxinitrito PDH - 2,4-pentanodiona hidrolase PVA - polímero de álcool polivinílico RO● – radical alcoxil RO2 ● - - radical peroxil SOD - superóxido dismutase TNF-α − fator de necrose tumoral-α TRX - sistema Tioredoxina SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ……………………………………………………............…………....... 23 1.1. Peroxidases e Horseradish Peroxidase (HRP) ……………..…...............……......... 24 1.2. Mecanismo de Ação da HRP ……………………..…………………….............…...... 27 1.3. Espectros na Região do Visível e Banda Soret da HRP e Seus Compostos Intermediários ................................................................................................................ 29 1.4. Reações Oxidase-Peroxidase ................................................................................. 31 1.5. Espécies Reativas de Oxigênio (ERO) e de Nitrogênio (ERN)................................ 33 1.6. Principais ERO e ERN Geradas no Organismo....................................................... 34 1.6.1. Radical Superóxido .............................................................................................. 34 1.6.2. Peróxido de Hidrogênio ........................................................................................ 34 1.6.3. Radical Hidroxil..................................................................................................... 34 1.6.4. Oxigênio Singlete.................................................................................................. 35 1.6.5. Radical Peroxil (RO2 ●) e Alcoxil.... ....................................................................... 36 1.6.6. Espécies Reativas de Nitrogênio (ERN)............................................................... 36 1.7. Papel Fisiológico das ERO: Sítios de Formação e Efeitos...................................... 37 1.7.1. Cadeia Transportadora de Elétrons Mitocondrial.................................................. 37 1.7.2. Via da NADPH Oxidase em Fagócitos.................................................................. 38 1.7.3. Via da Xantina Oxidase......................................................................................... 41 1.7.4. Outras Vias .......................................................................................................... 41 1.8. Mecanismos de Defesa Antioxidante ...................................................................... 43 1.8.1. Sistemas Antioxidantes Enzimáticos ................................................................... 43 1.8.1.1. Superóxido Dismutase....................................................................................... 43 1.8.1.2. Catalase ............................................................................................................ 44 1.8.1.3. Glutationa Peroxidase ....................................................................................... 44 1.8.2. Antioxidantes Não Enzimáticos ............................................................................ 44 1.8.2.1. Vitamina C (Ácido Ascórbico) ........................................................................... 44 1.8.2.2. Vitamina E.......................................................................................................... 45 1.8.2.3. Antioxidantes Tióis ............................................................................................ 46 1.8.2.3.1. Glutationa (GSH) ............................................................................................ 46 1.8.2.3.2. Sistema Tioredoxina ...................................................................................... 47 1.8.2.4. Ácido Lipóico ..................................................................................................... 48 1.8.2.5. Carotenóides ..................................................................................................... 48 1.8.2.6. Flavonóides ....................................................................................................... 49 1.9. Estresse Oxidativo e Câncer ................................................................................... 51 1.10. Terapia Anti-Tumoral ............................................................................................ 54 1.11. Horseradish Peroxidase e a Técnica ADEPT..................................... .................. 58 1.12. Compostos β-Dicarbonílicos ................................................................................. 61 2. OBJETIVOS ............................................................................................................. 66 3. MATERIAIS E MÉTODOS ....................................................................................... 68 3.1. Reagentes e Soluções ............................................................................................ 69 3.2. Preparo das Soluções Estoque................................................................................ 69 3.3. Determinação da Concentração de Metilglioxal Usando Semicarbazida................ 72 3.4. Ensaios de Consumo de Oxigênio .......................................................................... 73 3.5. Ensaios Espectrofotométricos ................................................................................. 73 3.6. Identificação dos Produtos de oxidação da 2,4-Pentanodiona................................ 74 3.7. Ensaios Quimiluminescentes para Avaliação da Produção de ERO....................... 74 3.8. Separação de Leucócitos Humanos por Gradiente de Densidade em Ficcol – Hypaque ® ..................................................................................................................... 77 3.9. Ensaio de Citotoxicidade ......................................................................................... 77 3.10. Ensaios com Linhagem Celular de Hepatoma Humano (HepG2) ........................ 78 3.10.1. Cultura Celular ................................................................................................... 78 3.10.2. Geração de ERO nas Células ............................................................................ 78 3.11. Análise Estatística ................................................................................................. 80 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................... 81 4.1. Estudo de Consumo de Oxigênio nas Reações de Oxidação de Compostos β- Dicarbonílicos (PD, Me-PD, AcAc, CH e DM), IAA e 5-OH-IAA Catalisadas pela HRP na Ausência de H2O2...................................................................................................... 82 4.2. Cinética das Reações de Oxidação de Compostos β-Dicarbonílicos (PD, Me-PD) e IAA Catalisadas pela HRP na Ausência de H2O2........................................................ 86 4.3. Ciclo Catalítico da HRP na Reação de Oxidação da PD na Ausência de H2O2...... 91 4.4. Produtos de Reação da Oxidação da PD Catalisada pela HRP.............................. 98 4.5. Citotoxicidade da Reação de Oxidação da PD Catalisada pela HRP.,,.................. 104 4.6. Ciclo Catalítico da HRP nas Reações de Oxidação da Me-PD, DM, AcAc, IAA e 5-OH-IAA na Ausência ou Presença de H2O2................................................................. 108 4.7. Produção de ERO Durante Reações de Oxidação de Compostos β- Dicarbonílicos (PD, Me-PD, AcAc, CH e DM), IAA e 5-OH-IAA Catalisadas pela HRP na Ausência de H2O2....................................................................................................... 115 4.8. Avaliação da Oxidação da PD, Me-PD e IAA Catalisada pela Hemina ou Heme- proteínas na Ausência de H2O2...................................................................................... 116 4.9. Estudo da Especificidade da HRP na Oxidação da PD na Ausência de H2O2....... 119 4. 10. Oxidação da Me-PD Catalisada pela Hemina ou Mioglobina na Ausência de H2O2................................................................................................................................ 122 4. 11. Mecanismo Proposto para Oxidação da PD Catalisada pela HRP, na Ausência de H2O2........................................................................................................................... 124 5. CONCLUSÕES ........................................................................................................ 128 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 130 7. ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa............................................ 140 23 1. INTRODUÇÃO _________________________________________________________________________________ Introdução 24 1.1. Peroxidases e Horseradish Peroxidase (HRP) A peroxidase (E.C. 1.11.1.7) é encontrada em tecidos de vegetais, animais e microrganismos, sugerindo que tais enzimas devam ser uma parte essencial de todos seres vivos (BRUNETTI; FARIA-OLIVEIRA, 1996). As primeiras observações de reações catalisadas por peroxidase datam de 1855, quando um pedaço da raiz fresca de raiz forte (rábano, Armoracia rusticana, horseradish) foi colocado em uma tintura de resina de Guaiacum, desenvolvendo uma coloração fortemente azulada, decorrente da oxidação do 2,5-di-(4-hidroxi-3-metoxifenil)-3,4-dimetilfurano presente na tintura. Em 1898, Linossier isolou esta enzima e a chamou de peroxidase (CAMPA, 1991). Peroxidases são enzimas que normalmente utilizam peróxido de hidrogênio para catalisar a oxidação de vários compostos orgânicos e inorgânicos, como por exemplo, mono, di, poli e aminofenóis, entre outros (FATIBELLO-FILHO; CRUZ VIEIRA, 2002). São encontradas várias isoformas na maioria das espécies de frutas e vegetais e são relacionadas com alterações no sabor, textura e cor durante o armazenamento e decomposição das mesmas (DUARTE-VÁZQUEZ et al, 2000; HAMED et al, 1998). Podem ser classificadas de acordo com a superfamília a que pertencem: a superfamília de peroxidases de mamíferos que incluem enzimas como a lactoperoxidasse e mieloperoxidase; e a superfamília das peroxidases de vegetais, que foram divididas em três classes (DUNFORD, 1999): Classe I: peroxidases intracelulares que incluem a citocromo C peroxidase de levedura (CCP), cloroperoxidase (CPO) e citosol ascorbato peroxidase (CAP); Classe II: peroxidases fúngicas extracelulares, tais como a lignina peroxidase (LiP) e manganês peroxidase (MnP) de Phanerochaete chrysosporium e outras peroxidases que degradam ligninas obtidas a partir de basidiomicetos; Classe III: peroxidases vegetais tais como a peroxidase de raiz forte (HRP - horseradish peroxidase). _________________________________________________________________________________ Para quase todas as peroxidases vegetais conhecidas, o grupo prostético é a ferroprotoporfirina IX. Como pode ser observado na Figura 1, a heme peroxidase é caracterizada por um átomo de ferro (lll) centralizado e pentacoordenado, ligado por quatro átomos de nitrogênio dos anéis pirrólicos (posições l, ll, lll e lV), a posição V Introdução 25 está localizada na face proximal do heme e é normalmente ocupada por uma cadeia lateral imidazólica de um resíduo de histidina. A posição Vl na enzima nativa está livre e localizada sobre a face distal do heme. O heme possui ainda oito cadeias laterais das quais quatro são grupos metil (posições 1, 3, 5 e 8), dois grupos vinil (posições 2 e 4) e dois grupos propionato (posições 6 e 7) (DUNFORD, 1999). Figura 1. Grupamento heme ou ferroprotoporfirina, que representa o grupo prostético das peroxidases A peroxidase de raiz forte (horseradish peroxidase ou HRP) é, provavelmente, a peroxidase mais estudada e pode ser facilmente extraída da planta “rábano silvestre ou raiz forte”, da qual provém seu nome. A planta é cultivada em regiões de clima temperado, suas raízes têm grande valor culinário, além de ser rica fonte de peroxidase. Essa enzima tem uma massa molecular de 42100 Da, é uma hemoproteína cujo grupo prostético, a ferroprotoporfirina IX, está ligada covalentemente à parte protéica da molécula. Além do ferro presente na HRP, esta também possui dois átomos de cálcio, que parecem ser importantes para a integridade estrutural e funcional da enzima, e podem ser removidos por incubação da peroxidase com guanidina ou EDTA. A perda do cálcio resulta em decréscimo na atividade enzimática e na estabilidade térmica (VEITCH, 2004). A HRP, na sua forma sólida, liofilizada, parece ser estável por mais tempo do que em solução, e _________________________________________________________________________________ Introdução 26 nesta forma, a temperatura de inativação está em torno de 140-160oC; já a HRP imobilizada em superfície de vidro, por exemplo, tem temperatura de inativação por volta de 80oC. Estudos demonstram que a adição de sacarose estabiliza a enzima contra a desnaturação térmica, com aumento dessa temperatura (RYAN et al, 1994). A HRP necessita de peróxido para sua ação catalítica, normalmente H2O2 ou perborato. Por outro lado, uma variedade de compostos inorgânicos e orgânicos, incluindo aldeídos, fenóis e aminas aromáticas, podem atuar como substratos doadores de hidrogênio (DUNFORD, 1991). Além de ter uma ótima estabilidade térmica, a HRP também possui uma atividade numa faixa de pH relativamente grande (de pH 4 a 8) (PAUL, 1963). E ainda, existem poucos inibidores de HRP, e estes não estão usualmente presentes como interferentes em amostras de urina e sangue, por exemplo (RYAN et al, 1994) A facilidade de obtenção, especificidade e características cinéticas das reações que participa, faz com que a HRP encontre larga aplicação como ferramenta analítica na área de análises clínicas (testes bioquímicos e imunoenzimáticos como o ELISA - Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay), controle de qualidade de alimentos (laticínios) e pesquisa biotecnológica, como também na obtenção de biosensores (ALONSO LOMILLO et al, 2003; BRUNETTI; FARIA-OLIVEIRA, 1996). O termo horseradish peroxidase é genérico, visto que a raiz da planta contém diversas isoformas da enzima, das quais a HRP-C é a mais abundante. Muitas funções fisiológicas têm sido atribuídas à HRP, incluindo o metabolismo do ácido 3- indolacético (IAA), lignificação, ligação cruzada de polímeros de parede celular e resistência à infecções. A HRP-C é composta de um único polipeptídeo de 308 aminoácidos, que teve a sua seqüência determinada em 1976 (VEITCH, 2004). _________________________________________________________________________________ As peroxidases possuem a capacidade de causar mudanças indesejáveis nos alimentos, como o desenvolvimento de sabor desagradável, alteração da cor e textura e/ou redução do valor nutricional. Contudo, sua capacidade de causar escurecimento, tem aplicações de interesse na indústria alimentícia, como por exemplo, na coloração do chá preto (DUARTE-VÁZQUEZ et al, 2000). Na indústria de papel e celulose é empregada na etapa de branqueamento da polpa e no tratamento de seus efluentes. Na indústria têxtil é utilizada para melhorar o branqueamento em detergentes de lavanderias e inibir a transferência de cor durante a lavagem. Em refinarias de petróleo, seu uso implica na oxidação de compostos fenólicos de efluentes (WILBERG, 2003). Introdução 27 1.2. Mecanismo de Ação da HRP: A HRP atua em geral sobre seus substratos através de um ciclo dependente de peróxido de hidrogênio ou hidroperóxidos orgânicos, conforme mostra o Esquema 1 (reações 1 – 3)(DUNFORD, 1991): 1) Oxidação da HRP nativa pelo peróxido de hidrogênio levando à formação do composto l (HRP-l), que está dois níveis de oxidação acima da forma nativa, possui o átomo de ferro em estado de oxidação lV e o núcleo porfirínico deficiente em um elétron; 2) Abstração de um átomo de hidrogênio de um substrato redutor (RH) com conseqüente redução da HRP-l para HRP-ll, na qual o elétron recebido é alocado no anel porfirínico e o próton retido pela cadeia polipeptídica, provavelmente por um resíduo de histidina, sendo que o átomo de ferro mantém o estado de oxidação lV; 3) Abstração de outro átomo de hidrogênio de uma segunda molécula do substrato redutor (RH) com a redução de HRP-ll à forma nativa, ou seja, o retorno ao estado de oxidação lll para o átomo de ferro. Outra forma ativa importante da enzima é o chamado composto três (HRP-lll) ou oxiperoxidase, que pode ser formada de várias maneiras (Esquema 1): i) Reação entre HRP nativa e ânion superóxido ou sua forma protonada (radical hidroperoxil HO2 ● ) (reação 6); ii) Reação entre a forma ferrosa da enzima e oxigênio (reação 5) e; iii) Reação entre HRP e excesso de peróxido de hidrogênio formando também o composto II como intermediário (reação 7) (DUNFORD, 1991; DUNFORD, 1999). _________________________________________________________________________________ Introdução 28 Fe(III) Fe(IV) O Fe(IV) O H2O2 H2O RHR RH R . H+ H2O HRP (nativa) HRP-IHRP-II Fe(II) RH R O2 Fe(III) O O HRP-III H2O2 H2O O2 (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) Forma Ferrosa Esquema 1. Ciclo clássico da peroxidase e vias para produção da forma ferrosa e composto lll (HRP-lll). Ciclo peroxidásico clássico (reações 1 – 3), redução da forma férrica da enzima à forma ferrosa (reação 4), vias possíveis para formação de composto lll (reações 5 – 7). (DUNFORD, 1991; DUNFORD, 1999) _________________________________________________________________________________ Introdução 29 1.3. Espectros na Região do Visível e Banda Soret da HRP e Seus Compostos Intermediários O mecanismo de ação das peroxidases não pode ser compreendido sem a aplicação das técnicas espectroscópicas, como por exemplo, as de espectroscopia óptica, ressonância Raman, absorção de raios x e difração, ressonância magnética nuclear e paramagnética eletrônica. As formas que a HRP pode se apresentar estão descritas a seguir (Figura 2) (BERGLUND et al, 2002; DUNFORD, 1999): 1.3.1. HRP Nativa: estudos espectrofotométricos demonstram que a principal característica da HRP nativa é o pico máximo da banda Soret localizado em 403 nm; 1.3.2. Composto I: nessa forma, o pico de absorção máxima na região da Banda Soret decresce aproximadamente pela metade, o que é válido também para a maioria das peroxidases (Figura 2A); 1.3.2. Composto ll: o composto ll mostra o pico de absorção máxima da banda Soret deslocado para a região de 420 nm, sendo este um pouco maior que o da enzima nativa; alguns trabalhos mostram um pico de banda Soret do composto ll menos intenso, o que indica que menos de 100% da enzima está convertida à composto ll. Finalmente, existem 2 bandas bem definidas na região do visível (527 e 554 nm). O composto ll é mais estável do que o composto l, portanto, mais fácil de ser caracterizado; 1.3.3. Composto lll: é postulado como um complexo do íon férrico com superóxido, e pode estar em duas formas: H+ Fe+3 H+ Fe+2 O2O2 - (1) (2) Em geral a forma (1) é dominante e altamente reativa. O composto lll costuma apresentar a banda Soret deslocada para 417 nm e banda dupla no visível em 544 e 580 nm (Figura 2B). _________________________________________________________________________________ Introdução 30 300 350 400 450 0,00 0,03 0,06 0,09 0,12 nm A bs or bâ nc ia 500 550 600 650 0,004 0,008 0,012 0,016 0,020 555 525 578545418403 A B Figura 2. Espectro UV-Vis da Horseradish Peroxidase e suas formas em diferentes estados de oxidação (adaptado de DUNFORD, 1999) _________________________________________________________________________________ Introdução 31 1.4. Reações Oxidase-Peroxidase Oxidases são enzimas que têm a capacidade de transferir elétrons para o oxigênio molecular. O NADH é o exemplo clássico de substrato do ciclo oxidásico, como também do peroxidásico da HRP. Na presença de oxigênio, a reação HRP/NADH forma o composto lll da HRP (HRP-lll), que desaparece após o consumo completo de oxigênio, e uma mistura das formas férrica e ferrosa da HRP é obtida. A reoxigenação do meio reacional regenera a HRP-lll (DUNFORD, 1999). A autoxidação de NADH a NAD+ é um processo lento e leva ao aparecimento de H2O2. No sistema peroxidase-oxidase, o H2O2 gerado na autoxidação do NADH pode dar início ao ciclo peroxidásico clássico, gerando NAD●, como nas reações seguintes (reações 1-3) (KIRKOR; SCHEELINE, 2000): OHNADHRPNADHllHRP NADllHRPNADHlHRP OHlHRPOHHRP 2 222 ++→+− +−→+− +−→+ • • (3) (2) (1) O NAD● pode dar seqüência a outras reações do ciclo oxidativo (reação 4) (DUNFORD, 1999; KIRKOR; SCHEELINE, 2000): −•+• +→+ 22 2O2NAD2O2NAD (4) A dismutação do O2 ● - gerado forma H2O2 e este é regenerado para o ciclo da peroxidase. O H2O2 também pode ser produto de uma reação mais eficiente (reação 5) (DUNFORD, 1999): •+−• +→++ NADOHNADHHO 222 (5) Dando seqüência às reações oxidativas, também pode ocorrer (reação 6) (KIRKOR; SCHEELINE, 2000): _________________________________________________________________________________ Introdução 32 +• −• +−→−+ −→+ NADlHRPlllHRPNAD lllHRPOHRP 2 (6) Resultados similares a este foram encontrados em outros sistemas HRP/O2 e os substratos ácido 3-indolacético e diidroxifumarato (DUNFORD, 1999). _________________________________________________________________________________ Introdução 33 1.5. Espécies Reativas de Oxigênio (ERO) e de Nitrogênio (ERN) Os radicais livres são moléculas com um ou mais elétrons desemparelhados no orbital molecular ligante, ou seja, ocupando um orbital molecular sozinho (HALLIWELL; GUTTERIDGE, 1990). A existência de tais espécies foi primeiramente descrita em torno de 1900, mas ganharam importância em 1940, com a introdução de técnicas que permitiam sua detecção (BERGENDI et al, 1999). Além das espécies radicalares, outras espécies com oxigênio na sua composição, também apresentam extraordinária reatividade, com grande capacidade de interação com vários outros componentes da estrutura celular. O termo espécies reativas de oxigênio (ERO) também é utilizado para designar espécies que não são radicais livres, mas derivados de oxigênio, as quais também são capazes de gerar radicais livres, como por exemplo, o peróxido de hidrogênio (H2O2) (HALLIWELL; GUTTERIDGE, 2000). A evolução do estudo sobre ERO no meio biológico acentou-se com a identificação de enzimas que usam como substrato radicais livres, e progrediu para a identificação de vias metabólicas geradoras de tais espécies, bem como com a detecção dos efeitos celulares e tissulares quando as ERO atingem altas concentrações no organismo, e em especial a associação de ERO com várias patologias e sua participação em vias de sinalização celular. Atualmente, o conhecimento dos mecanismos de formação e regulação das ERO são de grande importância para a compreensão dos eventos celulares relacionados ao controle da sobrevivência, morte e proliferação celular (VALKO et al, 2006). Assim como as ERO, as ERN também são dotadas de grande reatividade, apresentando um duplo papel nos sistemas biológicos, já que podem ser benéficas e essenciais ou então deletérias para um organismo vivo (VALKO et al, 2006). _________________________________________________________________________________ Introdução 34 1.6. Principais ERO e ERN Geradas no Organismo As formas de vida aeróbias estão constantemente sujeitas ao efeito oxidante dos metabólitos reativos de oxigênio e de nitrogênio. As ERO formadas in vivo apresentam diferenças principalmente quanto à reatividade e tempo de meia vida. 1.6.1. Radical superóxido (O2 ●-): é o mais comum e abundante na célula. Formado a partir da redução parcial do oxigênio molecular por um elétron. É um produto de cadeia transportadora de elétrons ou da ação de fagócitos para defesa bactericida (DIAZ et al, 1998). Os fagócitos produzem O2 ● - durante a fagocitose devido à ativação da enzima NADPH oxidase presente na membrana dessas células. Algumas biomoléculas, como por exemplo, hemoglobina, mioglobina e catecolaminas, autoxidam-se gerando O2 ● -, e podem atuar como propagadores de cadeias radicalares. O O2 ● - sofre decomposição enzimática numa velocidade aproximada de 5x105 (mol/L) -1s-1 em pH 7,0 (HALLIWELL; GUTTERIDGE, 2000). 1.6.2. Peróxido de hidrogênio (H2O2): não é um radical livre por definição, porém, é importante devido ao poder de permear membranas e possibilitar reações com alvos biológicos em compartimentos distantes de seu local de formação (HANCOCK et al, 2001). É formado a partir da redução do oxigênio molecular por dois elétrons (HALLIWELL; GUTTERIDGE, 1990), pela dismutação espontânea do O2 ● - ou pela ação da superóxido dismutase (SOD)( FRIDOVICH, 1998; HAMPTON et al, 1998). O H2O2 tem atividade bactericida somente em altas concentrações (HYSLOP et al, 1995) e pode ser substrato de peroxidases ou catalases intracelulares, resultando na produção de H2O e O2. Sua meia vida depende da decomposição enzimática (reações 7 e 8) (HAMPTON et al, 1998), 22 catalase 2222 oxidado2 peroxidase 222 OO2HOHOH RO2HRHOH +⎯⎯⎯ →⎯+ +⎯⎯⎯ →⎯+ (7) (8) 1.6.3. Radical hidroxil (●OH): é a mais reativa das ERO em meio biológico e em teoria, pode oxidar qualquer molécula biológica, assim, é provável que sua ação seja _________________________________________________________________________________ Introdução 35 próxima ao sítio de geração (HALLIWELL; GUTERIDGE, 1990). É formado a partir da redução do oxigênio molecular por três elétrons nas reações de Fenton (reação 9) e de Haber-Weiss (reação 10), catalisadas por metais de transição. Sua formação ocorre em locais adjacentes à produção de O2 ● - /H2O2 na presença de metais (principalmente ferro). 3- 2222 3 2222 22 22 FeOOHOHOHOFe OOHOHOHO _________________________________________ FeOHOHOHFe OFeFeO +++→++ ++→+ ++→+ +→+ −•−•+ −•−• +−•+ ++−• 32 23 (9) (10) O radical hidroxil é extremamente reativo, ou seja, uma vez formado, tem uma meia vida bastante curta (aproximadamente 10-9 s), reagindo rápida e inespecificamente com os alvos mais próximos, podendo assim lesar DNA, proteínas, carboidratos e lipídeos. O organismo não dispõe de sistema enzimático de defesa contra esse radical, o que pode explicar seu poder de lesar superior às outras ERO. Em função da ocorrência dessas reações, a compartimentalização de compostos metálicos nos vacúolos e o estoque de ferro pela ferritina podem ser considerados parte das defesas antioxidantes da célula (HALLIWELL; GUTERIDGE, 2000). 1.6.4. Oxigênio singlete (1O2): é o primeiro estado eletronicamente excitado do oxigênio molecular. O 1O2 é capaz de modificar o DNA diretamente (CADENAS, 1989). Pode ser gerado por fagócitos, por reações catalisadas por peroxidases, por reação do H2O2 com ácido hipocloroso (HOCl), pela dismutação espontânea do O2 ●- (CADENAS, 1989; STEINBERG et al, 1992). Seu tempo de meia vida é de 10-5 segundos (HALLIWELL; GUTTERIDGE, 1990). Pode reagir com lipídeos de membranas, proteínas, aminoácidos, ácidos nucléicos, carboidratos e tióis (RYTER; TYREL, 1998). _________________________________________________________________________________ Introdução 36 1.6.5. Radical peroxil (RO2 ●) e alcoxil (RO●): formados a partir de hidroperóxidos orgânicos. É a ERO que tem o maior tempo de meia vida (7 segundos) é um intermediário na peroxidação dos lipídeos de membrana (VALKO et al, 2006). _________________________________________________________________________________ 1.6.6. Espécies Reativas de Nitrogênio (ERN): o óxido nítrico (NO●), tem os elétrons desemparelhados centrados no átomo de nitrogênio; esta espécie pode reagir com outras ERO, principalmente O2 ● -, gerando peroxinitrito (OONO-) e outros produtos tóxicos, capazes de danificar proteínas e induzir lipoperoxidação (CARRERAS et al, 1994; MONCADA, 1994). O óxido nítrico NO● é sintetizado em vários tipos celulares e tecidos por uma sintase específica de óxido nítrico (NOSs) que metaboliza arginina à citrulina com a formação de NO● através de uma reação oxidativa. A produção excessiva de ERN é denominada de estresse nitrosativo e este pode alterar a estrutura de proteínas, prejudicando suas funções normais. O NO● tem um tempo de meia vida de poucos segundos em meio aquoso e sua estabilidade aumenta em baixas concentrações de oxigênio (tempo de meia vida maior que 15 segundos). As células do sistema imune produzem tanto NO● como O2 ● – durante o surto oxidativo disparado durante processos inflamatórios, condição na qual o OONO- pode ser gerado. O NO● pode se ligar facilmente a metais de transição e é solúvel tanto em sistemas hidrofílicos como lipofílicos, o que facilita sua difusão através do citoplasma e membranas plasmáticas. Atua como importante molécula sinalizadora em diversos processos fisiológicos, incluindo a neurotransmissão, regulação da pressão arterial, mecanismos de defesa, relaxamento de músculos lisos e regulação imune (VALKO et al, 2006). A membrana celular é um dos primeiros alvos das espécies reativas, e sua função é vital para a célula; as membranas que revestem organelas intracelulares como mitocôndria, retículo endoplasmático e núcleo, entre outras, apresentam componentes bilipídicos, proteínas e carboidratos, que também podem ser atacadas por ERO e ERN (AYDIN, 2006). Apesar dos efeitos deletérios acima listados, ERO e ERN são essenciais para a vida devido ao seu papel em muitos processos vitais assim como transdução de sinal e a atividade bactericida dos fagócitos (CONKLIN, 2004). Introdução 37 1.7. Papel Fisiológico das ERO: Sítios de Formação e Efeitos O radical superóxido é a primeira das espécies formadas pela redução unieletrônica do oxigênio molecular e dá origem a outras espécies reativas. Existem várias vias metabólicas onde o radical superóxido é formado, dentre as quais se destacam: 1.7.1. Cadeia Transportadora de Elétrons Mitocondrial: essa via ocorre em todas as células aeróbias, cerca de 2 a 5% do oxigênio consumido na cadeia respiratória é destinado à formação de radical superóxido, devido ao escape de elétrons dos complexos que compõem a cadeia respiratória (Figura 3). A redução completa da ubiquinona (coenzima Q) forma um intermediário radicalar semiquinona, que pode ser oxidado pelo O2 molecular, dando origem ao O2 ● - , como pode ser visto no Esquema 2 (DRÖGE, 2002): [ ] [ ]−•• • − →+ → →→→→→→ 22 2 OOQH QHQH IVcomplexoCcitocromoIIcomplexoQIcomplexoeNADH Esquema 2. Redução da Ubiquinona e formação do O2 ● -; onde: e - = elétrons, Q= Ubiquinona, QH = forma semiquinona de Q, QH 2 = Q reduzida Há evidências que a membrana mitocondrial é quantitativamente, a mais importante fonte de O2 ● – nos organismos (DRÖGE, 2002). Como conseqüência, a mitocôndria é altamente rica em antioxidantes, incluindo glutationa reduzida (GSH) e enzimas, assim como superóxido dismutase (SOD) e glutationa peroxidase (GPx), que estão presentes em ambos os lados das suas membranas, com a finalidade de minimizar o estresse oxidativo na organela. Na Figura 3, observa-se que o O2 ● – formado em ambos os lados da membrana mitocondrial interna são eficientemente detoxificados à H2O2 e posteriomente à H2O pela Cu, Zn–SOD (membrana mitocondrial interna, espaço inter-membrana) e Mn-SOD ( matriz mitocondrial) (VALKO et al, 2006). _________________________________________________________________________________ Introdução 38 O2 ● - Cu, Zn-SOD O2 _________________________________________________________________________________ ESPAÇO INTER-MEMBRANA O2 O2O2 O2 ● - O2 ● - O2 ● -MATRIZ MITOCONDRIAL H2O2 Mn-SOD H2O2 Figura 3. Formação de radicais livres na cadeia transportadora de elétrons mitocondrial (adaptado de CERQUEIRA et al, 2007) 1.7.2. Via da NAD(P)H Oxidase em Fagócitos: durante o processo de fagocitose, ocorre a ativação do complexo NADPH oxidase presente na membrana de células fagocíticas (Figura 4), tendo como conseqüência a redução do O2 molecular a O2 ● -. A maior parte do O2 ● - é convertido a H2O2 pela ação catalítica da SOD ou por dismutação espontânea. O H2O2 formado no fagolisossoma dos fagócitos é consumido pela reação catalisada pela mieloperoxidase (MPO) (existente nos grânulos azurófilos) na oxidação de várias substâncias, em especial o íon cloreto, formando um potente bactericida, o ácido hipocloroso (HOCl)(Figura 4). O HOCl é um oxidante extremamente forte, que ataca biomoléculas fisiologicamente importantes (HALLIWELL; GUTTERIDGE, 1990). Introdução 39 Figura 4. Ativação do complexo NADPH oxidase da membrana do fagócito e formação de ERO (adaptado de QUINN et al, 2006). Proteínas citossólicas phox e Rac migram até o fagossomo ou membrana plasmática para formar o complexo gerador de O2.- ativo. Receptores de complemento e de anticorpos (CRs e FcRs) promovem a entrada de microrganismos no fagócito, que inicia desgranulação e produção de ERO. _________________________________________________________________________________ Introdução 40 _________________________________________________________________________________ studos recentes relatam a possibilidade da geração de ERO intracelular não estar r arede vascular apresenta um importante papel tanto E estrita às células fagocíticas, mas também a outros tipos celulares, inclusive as células modificadas. A geração de ERO em células não fagocíticas parece envolver a atividade de vias sinalizadoras, assim como receptores de citocinas, receptores acoplados à proteína G e receptores tirosina e serina/treonina quinases (PERVAIZ; CLEMENT, 2007). A NAD(P)H oxidase da p em processos fisiológicos, assim como regulação da pressão sanguínea, crescimento, modificação e migração da matriz extracelular, como também em patologias, incluindo a aterosclerose e a hipertensão. No sistema vascular, a produção de ERO pela NAD(P)H oxidase tem sido observada em fibroblastos da camada adventícia, em células endoteliais e do músculo liso, participando na regulação da disponibilidade de óxido nítrico (NO●) e processos de sinalização. Níveis reduzidos de NO● causam disfunção endotelial, contribuindo para hipertensão e outras doenças vasculares. Contudo, existem inúmeras hipóteses sugeridas para explicar a diminuição dos níveis de NO●, mas a maioria dos estudos relata que o efeito é causado pela reação do NO● com ERO vasculares, principalmente pela reação do NO● com O2 ● -, que é uma das mais rápidas reações bioquímicas. Assim, nesta reação, o NO● pode ser consumindo rapidamente, afetando diretamente o relaxamento vascular e ainda, formando peroxinitrito (OONO-), que tem a capacidade de provocar vários efeitos deletérios. Também existem outras vias a serem consideradas na etiologia da hipertensão (QUINN et al, 2006). A dismutação do O2 ● – pela SOD leva à formação de H2O2, uma ERO mais estável, que implica na regulação de vias sinalizadoras que levam ao crescimento de musculatura lisa vascular, contração, migração e inflamação ( LYLE; GRIENDLING, 2006). Estima-se que a NADPH oxidase vascular produza cerca de um terço do O2 ● – produzido pelo complexo enzimático similar em neutrófilos e, além disso, enquanto a liberação de O2 ● – em fagócitos é imediata, em células endoteliais, da musculatura lisa vascular ou fibroblastos, leva de minutos a horas para ser produzido. Uma característica importante da oxidase cardiovascular é sua resposta a hormônios, forças hemodinâmicas, e alterações metabólicas locais. A angiotensina ll aumenta a produção de O2 ● – via NAD(P)H oxidases em células do músculo liso vascular em cultura e em fibroblastos da camada adventícia da aorta. A trombina, o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), o fator de necrose tumoral-α (TNF-α) Introdução 41 também estimulam a produção de O2 ● – pela NAD(P)H oxidase. Em relação a alterações metabólicas, a reoxigenação e aumento de lactato estimulam a atividade da NADH oxidase em miócitos cardíacos. As ERO formadas por essa via podem ainda contribuir para a oxidação de lipopoteínas de baixa densidade (LDL), dando seqüência à formação e eventual ruptura de placa aterosclerótica (GRIEDLING et al, 2000). _________________________________________________________________________________ .7.3. Via da Xantina Oxidase: a xantina oxidase é uma flavoproteína que participa 1 do catabolismo das purinas, promovendo a oxidação da xantina ao ácido úrico, como podemos observar no esquema 3. Na reação há formação de O2 ● - que participa como intermediário nas reações que formam H2O2 ( VALKO et al, 2006). Adenosina Inosina Hipoxantina Xantina Guanosina Guanina Urato Adenosina Desaminase Nucleosídeo Fosforilase Xantina Oxidase Xantina Oxidase Guanina Desaminase Nucleosídeo Desaminase H2O NH3 Pi Ribose-1P H2O + O2 H2O2 Pi Ribose-1P H2O + O2 [O2 . - ] [O2 . - ] H2O2 squema 3. Formação de ERO a partir da síntese do ácido úrico 1.7.4. Outras Vias: O sistema microssomal das monooxigenases, presentes E principalmente no retículo endoplasmático liso, está envolvido no metabolismo de xenobióticos, que são hidroxilados para que sua polaridade aumente e facilite reações de conjugação e posterior excreção. O radical O2 ● - é um intermediário da Introdução 42 reação de hidroxilação, formando um complexo com o átomo de ferro do citocromo P450 (CYP). A figura 5 representa uma simplificação do ciclo de óxido-redução do CYP, o mecanismo não está totalmente esclarecido devido ao baixo tempo de meia vida dos intermediários. Existem evidências da geração de O2 ● - e H2O2, além de um radical do substrato (xenobiótico), que ao reagir com um radical hidroxil gera o radical hidroxilado. O surgimento do O2 ● - vem da decomposição do CYP oxigenado (Figura 5, reação 4) e é descrita como uma das maiores fontes de O2 ● - em sistemas biológicos (COON et al,1992). ___________ igura 5. Me A sín F grupo heme (adaptado de prostagland tromboxano formação d Introdução ______________________________________________________________________ canismo de ação simplificado do citocromo P450. O Fe+3 representa o ferro do tese de prostaglandinas inicia-se com a conversão de araquidonato em do CYP oxidado; RH e ROH são os substratos e produtos, respectivamente COON et al,1992). ina-H2 (PGH2), que é precursora de prostaglandina, prostaciclina e de . No mecanismo da reação há envolvimento de oxigênio molecular, com e O2 ● - (RIBEIRO et al, 2005). 43 _________________________________________________________________________________ 1.8. Mecanismos de Defesa Antioxidante O efeito das espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio é equilibrado pela ação 1.8.1. Sistemas Antioxidantes Enzimáticos: 1.8.1.1. Superóxido Dismutase (SOD – E.C. 1.15.1.1): é um dos mais efetivo SOD foi isolada em 1939, mas somente em 1969, sua atividade antiox I. Cu, Zn-SOD citossólica: apresenta massa molecular de 32 KDa, composta por 2 II. D mitocondrial: é um homotetrâmero de 96 KDa, contém um átomo de aumento do poder invasivo de células neoplásicas. de antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos que têm como função a remoção destas espécies, protegendo assim o organismo. Os antioxidantes enzimáticos mais eficientes envolvem a SOD, catalase e a glutationa peroxidase, enquanto os não enzimáticos são: as vitaminas C e E, carotenóides, antioxidantes tióis, flavonóides naturais, melatonina e outros. O local de atuação dos antioxidantes dentro de uma célula depende de sua solubilidade, a vitamina C, por exemplo, reage com O2 ● - em fase aquosa, enquanto a vitamina E o faz em meio hidrofóbico (VALKO et al, 2006). s antioxidantes enzimáticos intracelulares, catalisa a dismutação do O2 ● - a oxigênio e peróxido de hidrogênio ( reação 11). 222 SOD 2 OHOO2 +⎯⎯ →⎯ −• (11) A idante foi demonstrada (McCORD; FRIDOVICH, 1969). Existe em isoformas diferentes, que dependem do metal no sítio ativo, número de subunidades, cofatores e outras características. Em humanos existem 3 isoformas de SOD (VALKO, 2006): subunidades idênticas (homodímero), sua atividade independe de pH na faixa de 5 a 9,5. Mn-SO Mn+2 por subunidade; é uma das mais efetivas enzimas antioxidantes e tem atividade anti-tumoral, retardando o crescimento do tumor. Mas também há estudos demonstrando que índices elevados de Mn-SOD estão relacionados com Introdução 44 _________________________________________________________________________________ III. os, como a heparina. actérias eróbias, localizada nos peroxissomos, promove a conversão de peróxido de hidrog OO + GSH 2 GPx ++⎯⎯→⎯+ 1.8.2.1 ma vitamina hidrossolúvel e plantas e muitos animais podem sintetizá-lo através de glicose, mas humanos e outros SOD extracelular (EC-SOD): é uma glicoproteína tetramérica que contém Cu+2 e Zn+2, com alta afinidade por certos glicosaminoglican 1.8.1.2. Catalase (E.C. 1.11.1.6): encontrada em plantas, animais e b a ênio a água e oxigênio molecular (reação 12). A catalase é uma das enzimas com “turnover” dos mais elevados: uma molécula de catalase pode converter aproximadamente seis milhões de moléculas de peróxido de H2O2 à H2O e O2 por minuto (MATES et al, 1999). catalase 22 2HO2H ⎯⎯ →⎯ 22 1.8.1.3. Glutationa Peroxidase: existem duas formas da enzima, uma que é independente de selênio (glutationa-S-transferase, GST, E.C. 2.5.1.18) e outra dependente de selênio (GPx, E.C. 1.11.1.19). As duas diferem no número de subunidades, nas ligações do selênio no sítio ativo e no mecanismo catalítico. Os Homens tem quatro diferentes glutationas peroxidases dependentes de selênio (MATES et al, 1999). A GPx atua em conjunto com o tripeptídeo glutationa (GSH), está presente nas células em altas concentrações, utiliza como substrato H2O2 ou um peróxido orgânico (ROOH), que são decompostos em H2O ( ou álcool) enquanto, simultaneamente, oxidam GSH (reação 13)(VALKO, 2006). O2HGSSGOH2GSH 2 GPx 22 +⎯⎯→⎯+ 2 OHROHGSSGROOH 1.8.2. Antioxidantes Não Enzimáticos: (12) (13) . Vitamina C (Ácido Ascórbico): é u primatas perderam umas das enzimas necessárias para a sua biosíntese durante o processo evolutivo, com obtenção através da dieta (HALLIWELL; GUTTERIDGE, 1996). Introdução 45 _________________________________________________________________________________ está na forma monoprotonada (AscH -) e porções muito peque O ácido ascórbico apresenta dois grupos hidroxil ionizáveis, em pH fisiológico, 99,9% da vitamina C nas de AscH2 e Asc2- (Figura 6). O AscH - reage com os radicais produzindo o radical ascorbato tricarbonil (AscH ●), que se converte à forma de radical semi- deidroascorbato (Asc ● -), que é uma molécula pequena, pouco reativa, sendo sua monitoração útil para avaliar o estresse oxidativo. Acredita-se que a vitamina C proteja membranas contra oxidação, mas em contraste, é capaz também de promover a formação de radical hidroxila na presença de íons metálicos, em fluidos biológicos (VALKO et al, 2006). Figura 6. Formas do ácido ascórbico e reações com radicais (adaptado de VALKO et al, 006) formas, sendo que a mais ativa é a α-tocoferol. Sua principal função antioxidante é a proteç 2 1.8.2.2. Vitamina E: é uma vitamina lipossolúvel, que existe em diferentes ão contra lipoperoxidação (PRYOR, 2000). Estudos recentes sugerem que a vitamina C e E atuam em conjunto. Durante a reação antioxidante, o α-tocoferol é convertido a um radical tocoferil pela doação de um átomo de hidrogênio para um radical peroxil lipídico. O radical α-tocoferil pode ser reduzido à forma α-tocoferol original pelo ácido ascórbico (Figura 7 ) (KOJO, 2004). Introdução 46 Figura 7. Comportamento sinergístico das vitaminas C e E 1.8.2.3. Antioxidantes Tióis: um tripeptídeo (Figura 7) que funciona como um antioxidante intracelular não enzimático multifuncional. Apresenta-se em grandes quanti 1.8.2.3.1. Glutationa (GSH): é dades no citossol (1-11 mol/L), núcleo ( 3-19 m mol/L) e mitocôndria (5-11 m mol/L) e é o antioxidante mais solúvel nesses compartimentos celulares. A forma reduzida da glutationa é GSH e a oxidada é GSSG (glutationa dissulfeto) (Figura 8). _________________________________________________________________________________ Figura 8. Glutationa e sua forma oxidada e para manter o estado redox de proteínas- sulfidrila que são necessárias para a expressão e reparo de DNA. A capacidade antiox A GSH no núcleo é important idante de compostos tióis é devido ao átomo de enxofre que pode ser facilmente oxidado (VALKO et al, 2006). A reação genérica da glutationa com um radical é descrita da seguinte maneira (reação 14): RHGSRGSH +→+ •• glutamato cisteína glicina (14) Introdução 47 s radicais GS● podem dimerizar para a forma não radical, glutationa oxidada S →• o tor para várias enzimas antioxidantes contra o estresse oxidase (GPx), glutationa transferase ii) iii) Seqüestra HO● e 1O2 diretamente, detoxificando H2O2 e peróxidos de dox celular e interação com sinais anti e pró-apoptóticos; sendo assim, a eficácia de alg S2/TRX-(SH)2]: As tiorredoxinas são proteínas pequenas com duas cisteínas redox-ativas e que possuem uma O (GSSG) (reação 15): GGS +• GSSG A GSSG acumula-se dentro da célula e a proporção GSH/GSSG é considerada uma boa maneira de monitorar o estresse oxidativo em um organism (VALKO et al, 2006). Os principais papéis protetores da GSH contra estresse oxidativo são (JONES et al, 2000): i) É um cofa oxidativo, por exemplo, glutationa per e outras; Participa do transporte de aminoácidos através da membrana plasmática; lipídeos por ação catalítica da glutationa peroxidase; iv) É capaz de regenerar a vitamina C e E à suas formas ativas. A GSH protege as células contra apoptose através de regulação de estado re uns fármacos contra o câncer que induzem apoptose, requerem depleção de GSH, facilitando o tratamento (VALKO et al, 2006) 1.8.2.3.2. Sistema Tioredoxina [TRX, TRX- seqüência conservada (cys-gly-pro-cys), essencial para sua função. A TRX contém dois grupos SH na sua forma reduzida que é convertida a uma unidade dissulfeto na reação catalisada pela TRX oxidase em reação redox com várias proteínas (reação 16): 2222 (SH)proteínaSTRXSproteína(SH)TRX −+−→−+− (15) (16) _________________________________________________________________________________ Introdução _________________________________________________________________________________ Introdução 48 A redução do dissulfeto á forma ditiol ocorre via reação catalisada pela oredoxina redutase (TR), que utiliza como fonte de elétrons a NADPH (reação 17): STR(SH)TRX(SH)TRSTRX −+−→−+− ue demonstram (VALKO, 2006): m sido associados com vários tipos de câncer, incluindo carcinoma cervical, hepatoma, tumores gástricos, carcinoma de ii) iii) stimular o crescimento de uma grande variedade de sólidos humanos; dos tumores; composto natural derivado do ácido octanóico, olúvel tanto em água como em lipídeos, o que explica sua ampla distribuição nas células : são pigmentos encontrados em microrganismos e lantas, seu poder antioxidante reside na capacidade de capturarem radicais livres e outras espécies, como oxigênio singlete. Em concentrações suficientemente altas, ) ti 22 NADP(SH)TRHNADPHS-TR +−→++ ++ (17 2222 Existem vários dados experimentais relacionando a tioredoxina ao câncer e q i) Níveis elevados de TRX tê pulmão e coloretal; Muitas células cancerosas secretam TRX; TRX é capaz de e linhagens celulares de leucemia e tumores iv) A super-expressão de TRX protege as células da apoptose induzida por danos oxidativos e proporcionam a sobrevida e o crescimento v) Níveis elevados de tioredoxina em tumores humanos podem causar resistência à quimioterapia, 1.8.2.4. Ácido Lipóico: é um s . É absorvido na dieta e reduzido à sua forma ácido diidrolipóico. Ambas formas tem poder antioxidante, seqüestrando ERO, regenerando antioxidantes endógenos e exógenos (como vitaminas C e E e glutationa), quelando metais, reparando proteínas oxidadas. O efeito do ácido lipóico tem sido associado com melhora de vários processos patológicos que envolvem estresse oxidativo, como diabetes, doenças neurodegenerativas, doenças cardiovasculares e outras (BUSTAMANTE et al, 1998). 1.8.2.5. Carotenóides p 49 _________________________________________________________________________________ os car stão resentes em frutas e vegetais, estando presente em quantidade considerável na dieta h otenóides protegem lipídeos de peroxidação. Geralmente os mecanismos de reação de radicais com carotenóides são: adição radical, abstração de hidrogênio do carotenóide e reação de transferência de elétrons (EL-AGAMEY et al, 2004). A capacidade antioxidante ocorre em baixa pressão parcial de oxigênio, mas pode perder essa capacidade em alta pressão de oxigênio; a concentração de carotenóides também influencia suas propriedades anti/pró-oxidante de maneira similar, em altas concentrações, acredita-se que prevaleça a ação pró-oxidante. Muitos carotenóides tem mostrado efeito anti-proliferativo em várias linhagens de células tumorais, como o licopeno, por exemplo, que se mostra capaz de inibir ciclo de progressão nos tumores de mama, pulmão e próstata ( KARAS et al, 2000). 1.8.2.6. Flavonóides: são compostos polifenólicos, potentes antioxidantes, capazes de atuar como aceptores de radicais livres ou de íons metálicos. E p umana. Existem mais de 4000 compostos descritos, a característica estrutural comum é a molécula de difenilpropano, que consiste de dois anéis aromáticos ligados através de três átomos de carbono, formando um composto heterocíclico oxigenado (Figura 9). O consumo desses compostos tem sido frequentemente associado a tratamento e prevenção de várias patologias, como por exemplo, câncer e doenças cardiovasculares. Sob certas condições, como altas concentrações destes compostos e pH alto, podem comportar-se como pró-oxidantes. Vários fatores podem afetar a atividade biológica dos flavonóides, como sua natureza, a posição dos substituintes e o número de hidroxilas. Esses fatores determinarão se um flavonóide estará atuando como antioxidante, modulador de atividade enzimática, ou se possui atividade anti-mutagênica ou citotóxica ( SCHROETER et al, 2002; VALKO et al, 2006). Introdução 50 Figura 9. Estrutura de um flavonóide (quercetina). M = íon metálico coordenado _________________________________________________________________________________ Introdução 51 _________________________________________________________________________________ 1.9. Estresse Oxidativo e Câncer O estresse oxidativo é uma condição bioquímica caracterizada pelo deseq ivamente altos de espécies reativas tóxicas, principalmente as ERO e/ou ERN, e insuficiência dos mecanismos de defesa s e da elevação dos níveis de metais ase, catala uilíbrio entre a presença de níveis relat detoxificantes. O estresse oxidativo é considerado um evento celular importante em muitos processos patológicos, sendo uma das hipóteses mais atraentes, na medicina, para explicar os mecanismos moleculares de algumas doenças, como por exemplo, aterosclerose, doenças neurodegenerativas (doença de Alzheimer, esclerose múltipla, mal de Parkinson), câncer e síndrome de Down (HALLIWELL; GUTTERIDGE, 2000; VALKO, 2006). Além do envolvimento com patologias, as ERO também têm sido apontadas como responsáveis pelo processo de envelhecimento; em decorrência do desacoplamento das reações de transporte de elétron , que causam aumento de ERO, oxidação protéica com conseqüente acúmulo destas, alterando a homeostase celular (Figura 10) (FINKEL; HOLBROOK, 2000). Os mecanismos de defesa celular contra radicais livres incluem antioxidantes com baixo massa molecular, como a vitamina E, vitamina C, glutationa, coenzima Q10 e também enzimas do sistema antioxidante, como a glutationa peroxid se e SOD. Estes mecanismos seqüestram ERO e protegem o organismo contra danos oxidativos (OZBEN, 2007). Introdução 52 Fontes Endógenas de ERO Fontes exógenas de ERO Mitocôndrias Peroxissomos Raios UV NADPH Oxidase Radiação Ionizante Sistemas Antioxidantes Citocromo P450 Quimioterápicos Enzimático: SOD, catalase, Glutationa Peroxidase Xenobióticos Lipoxigenase Citocinas Inflamatórias Não-Enzimático: Glutationa, carotenóides, flavonóides, Vitamina C e E, outros ERO, ERN e derivados Defesa antioxidante eficiente e/ou controle na produção de ERO Defesa antioxidante ineficiente e/ou descontrole na produção de ERO HOMEOSTASE ESTRESSE Crescimento e OXIDATIVO metabolismo normais Dano em DNA, proteínas, lipídeos Doenças Envelhecimento Figura 10. Fontes e respostas celulares às espécies reativas de oxigênio e nitrogênio (adaptado de FINKEL; HOLBROOK, 2000) Existem evidências que pacientes com câncer apresentam níveis de ERO maiores que indivíduos controle, bem como uma menor atividade de SOD e glutationa peroxidase (MANTOVANI et al, 2003). O tecido tumoral é rico em fagócitos inflamatórios que podem gerar grande quantidade de ERO. Além disso, as células tumorais são metabolicamente muito ativas, requerendo ATP para seu funcionamento adequado, com crescimento e proliferação descontrolada. Esta alta quantidade de energia na cadeia respiratória mitocondrial, contribui para aumentar a _________________________________________________________________________________ Introdução 53 geração de ERO. Outros mecanismos que podem levar ao estresse oxidativo no câncer são a desnutrição, a produção de citocinas pró-inflamatórias e fármacos antineoplásicos (LAMSON; BRIGNALL, 1999; MANTOVANI et al, 2003). _________________________________________________________________________________ Introdução 54 1.10. Terapia Anti-Tumoral O objetivo da quimioterapia é destruir as células neoplásicas, preservando as normais. Entretanto, a maioria dos agentes quimioterápicos atua de forma inespecífica, levando à morte as células malignas, mas também as células normais, principalmente aquelas que apresentam um rápido crescimento, como as gastrintestinais, capilares e do sistema imune. Os agentes quimioterápicos podem ser divididos em várias categorias, com alguns exemplos de fármacos mais utilizados (LAMSON; BRIGNALL, 1999): i) Agentes alquilantes (ciclofosfamida); ii) Antibióticos antraciclina (doxorubicina e bleomicina); iii) Compostos de platina (cisplatina e carboplatina); iv) Inibidores mitóticos (vincristina); v) Antimetabólitos (fluorouracil); vi) Modificadores de resposta imunológica (interferon); vii) Agentes hormonais (tamoxifen). Os quimioterápicos que geram maiores níveis de ERO incluem as antraciclinas, compostos de platina e agentes alquilantes. Durante a apoptose induzida por quimioterápicos envolvendo liberação de citocromo C da mitocôndria, NADH desidrogenase e coenzima Q reduzida que desviam elétrons do sistema transportador de elétrons para o oxigênio, resultando na formação de O2 ● -. As antraciclinas geram os maiores níveis de ERO, entre elas, a doxorubicina, que é um dos antineoplásicos mais estudados e mais efetivo, usado em vários tipos de câncer. Seu efeito tóxico consiste na habilidade de reagir com o DNA da célula neoplásica (CONKLIN, 2004). Estudos demonstram que a suplementação com antioxidantes concomitante à doxorubicina protege contra as injúrias oxidativas, sem diminuir a eficácia clínica (QUILES et al, 2002). _________________________________________________________________________________ A terapia por radioterapia utiliza raios x e gama, que destroem as células tumorais também pela geração de radicais livres, mas assim como na quimioterapia, células normais ao redor do sítio de aplicação também são destruídas. O estresse oxidativo aumentado modifica o equilíbrio no estado redox da célula e acaba desencadeando várias reações, como por exemplo: parada no crescimento celular Introdução 55 transitória, adaptação, transcrição gênica, vias de iniciação de sinal de transdução e reparo de DNA danificado. Tais eventos determinarão se a célula irá à necrose, apoptose ou sobrevivência e proliferação. A extensão dessas respostas dependerá do tipo de ERO envolvida, da intensidade e duração do estresse oxidativo (OZBEN, 2007). A maioria dos fármacos utilizados clinicamente contra o câncer são agentes anti-proliferativos sistêmicos (citotoxinas), que destroem preferencialmente células em divisão. Contudo, esses fármacos não são seletivos para células neoplásicas e sua eficácia terapêutica fica limitada, em decorrência ao dano que podem causar às células e tecidos normais, além da possível resistência após tratamento prolongado (DENNY, 2001; ROOSEBOOM et al, 2004; XU; McLEOD, 2001). Uma estratégia para superar tais limitações desses agentes quimioterápicos é o uso de pró-fármacos relativamente atóxicos, que possam ser ativados seletivamente no tecido tumoral. Pró-fármacos inativos que precisam ser transformados, pelo metabolismo ou alteração química, e assim tornarem-se farmacologicamente ativos (ALBERT, 1958). Enzimas humanas relacionadas a determinados tecidos e tumores têm sido estudadas quanto à sua capacidade de ativar pró-fármacos e assim serem utilizadas como agente terapêutico anti-tumoral (ROOSEBOOM et al, 2001). Nestes casos, o pró-fármaco deve ser um bom substrato para a enzima produzida na célula tumoral, mas não ser ativado por enzimas endógenas em células normais. Além disso, a citotoxicidade diferencial entre pró-fármaco e sua correspondente forma farmacologicamente ativa deve ser a mais alta possível. E ainda, o tempo de meia vida do fármaco ativo deve ser o suficiente para exercer seu efeito in situ e não atingir a circulação sistêmica (NICULESCU-DUVAZ, 1998; XU; McLEOD, 2001). Uma abordagem derivada utilizando pró-fármacos e o fato que certos tipos de células tumorais apresentam antígenos característicos associados a sua superfície (DUBOWCHIK; WALKER, 1999), é a proposta da terapia com a técnica ADEPT (antibody-directed enzyme prodrug therapy); esses antígenos, uma vez complexados com anticorpos específicos conjugados com uma enzima (exógena) e sendo o pró- fármaco um bom substrato para essa enzima, ocorrerá a formação do fármaco ativo in situ (DENNY, 2001). _________________________________________________________________________________ Na técnica ADEPT, são administrados ao paciente anticorpos monoclonais, que reconhecem o tumor, conjugados à uma enzima exógena (Figura 11). O pró- Introdução 56 fármaco com baixa ou nenhuma toxicidade é administrado e seu alvo vai ser o conjugado enzima-anticorpo associado às células tumorais, resultando na geração do fármaco ativo, o qual exercerá seu efeito citotóxico no local. A ligação dos conjugados enzima-anticorpo ao tecido tumoral exige certo tempo, que ainda demanda em estudos, bem como o intervalo de tempo entre a administração do conjugado e pró-fármaco, que deve ser otimizado para que o conjugado fique restrito ao tecido tumoral, e ausente na circulação sanguínea e nos tecidos normais. Deve- se ainda ser considerado que o conjugado enzima-anticorpo pode ser imunogênico, e assim, anticorpos anti-conjugado do hospedeiro podem interferir com o tratamento (STRIBBLING et al, 1997; SYRIGOS et al, 1998; SYRIGOS; EPENETOS, 1999). Anticorpo Enzima xe ógena Conversão Catalííticatica C é lula tumoral Antígeno associado ao tumor Substrato (pró-fármaco) Antígeno associado a tumor o C é lula tumoral Catal Conversão Enzima xe ógena Produto(s) (citotoxina/fármaco ativo) Anticorpo Figura 11. Proposta da terapia ADEPT (modificado de DENNY, 2001) Para que essa terapia tenha êxito, tanto a enzima como o pró-fármaco tem que apresentar certos pré-requisitos. As enzimas devem ser de origem não humana ou ser uma proteína humana que não seja produzida em tecidos normais, deve ter alta atividade catalítica em condições fisiológicas e rápida e eficiente ativação do pró-fármaco em baixas concentrações do substrato (kcat alta e kM baixa) (RAINOV et al, 1998; RIGG; SIKORA, 1997). Existem ainda muitas limitações clínicas associadas à técnica ADEPT; em tumores pobremente vascularizados, a liberação do conjugado enzima-anticorpo é restrita, podendo não atingir todas as células tumorais (MARTIN et al, 1997; NENNY; _________________________________________________________________________________ Introdução 57 WILSON, 1998). Devido aos baixos níveis de enzima, a quantidade do fármaco ativo gerado pode ser ineficiente para atingir uma concentração letal. Além disso, a ligação do conjugado à superfície celular é limitada pela heterogeneidade antigênica. Outros problemas da técnica ADEPT incluem custo e dificuldades com desenvolvimento e purificação de anticorpos, imunogenicidade de anticorpos e/ou conjugados e a ativação do pró-fármaco em tecidos não tumorais (MASON; WILLIAMS, 1980). Entre estes, o principal problema é a imunogenicidade do conjugado enzima-anticorpo, que limita ciclos múltiplos de sua administração (NENNY; WILSON, 1998; SYRIGOS; EPENETOS, 1999). Para solucionar esse problema, várias hipóteses têm sido testadas, incluindo o uso de proteínas humanas e administração concomitante de imunossupressores (SYRIGOS; EPENETOS, 1999). O primeiro estudo clínico experimental da técnica ADEPT foi realizado em Londres, no hospital Charing Cross, utilizando um anticorpo contra o antígeno carcinoembriogênico (CEA) conjugado a uma carboxipeptidase G2 (CPG2) bacteriana. O pró-fármaco foi uma mostarda de ácido benzóico, que tem baixa toxicidade, mas gera um fármaco citotóxico através da clivagem de um glutamato terminal. A terapia foi aplicada a oito pacientes com câncer coloretal que não responderam aos tratamentos convencionais, e cinco deles conseguiram uma redução maior que 50% da massa tumoral. O anticorpo foi de origem murina e a enzima bacteriana (MARTIN et al, 1997). Foi verificado que todos os pacientes imunocompetentes apresentaram por dez dias, após a data da infusão, anticorpos contra os dois componentes do complexo enzima-anticorpo na sua circulação. (BAGSHAWE et al, 1995). Um estudo posterior, utilizando o mesmo protocolo, foi realizado para verificar a depuração do complexo enzima-anticorpo no sangue, tecidos normais (fígado) e tumor. Observou-se que o nível do conjugado enzima- anticorpo em tecidos normais também era alto, o que pode ter contribuído para a mielossupressão que foi observada nos dois estudos, e devido a isso, tem aumentado a busca de pró-fármacos que gerem fármacos ativos com tempo de vida média de poucos segundos (BLAKEY et al, 1995). _________________________________________________________________________________ Introdução 58 1.11. Horseradish Peroxidase e a Técnica ADEPT A terapia para o câncer utilizando agentes oxidantes citotóxicos tem sido muito discutida, e baseia-se na geração de radicais livres e/ou ERO como fonte oxidante. A glicose oxidase tem sido avaliada como fonte de peróxido de hidrogênio; hipoxantina e xantina oxidase para produzir O2 ● -, e também peroxidases imobilizadas na tentativa de obtenção de efeitos anti-tumorais. Existem relatos de elevada atividade peroxidásica em tumores mamários induzidos quimicamente e produção de grandes quantidades de peróxido de hidrogênio por células tumorais. Em um estudo com células tumorais HL60, sugeriu-se que a peroxidase endógena das células tumorais não é suficientemente ativa para resultar numa citotoxicidade significativa e seletiva para a célula tumoral, com o uso do ácido 3-indolacético (IAA) como pró-fármaco (FOLKES et al, 1998). A HRP tem sido estudada há mais de um século; nos últimos anos, várias informações surgiram sobre sua estrutura tridimensional, mecanismos e sítios de catálise, bem como função de resíduos de aminoácidos específicos. Tais descobertas são muito importantes para aplicação prática da enzima em indústrias químicas e na medicina (VEITCH, 2004). Uma das reações mais estudadas da HRP ocorre com o hormônio de planta IAA, que como uma das poucas exceções em relação à maioria das reações catalisadas por peroxidases, ou seja, ocorre sem a necessidade de peróxido de hidrogênio. Nesse contexto, o par IAA e HRP tem sido um dos mais estudado para aplicação na técnica ADEPT, podendo oferecer um novo potencial para esta técnica (DE MELO et al, 2004; FOLKES; WARDMAN, 2001; GRECO et al, 2001; WARDMAN, 2002). _________________________________________________________________________________ Estudos recentes da reação IAA/HRP/O2 em meio neutro, aparentemente indicam não ser um mecanismo de oxidase e que, talvez seja um mecanismo peroxidase acoplado a um processo muito eficiente onde peróxido orgânico é formado (DUNFORD, 1999). A reação inicia-se quando um traço de radical cátion indol-3-acetato é produzido. Os principais produtos da oxidação do IAA incluem indol-3-metanol, indol-3-aldeído e 3-metileno-oxindol. Além disso, teorias conflitantes têm sido propostas para explicar o mecanismo de reação em meio ácido, onde a formação da enzima na forma ferrosa, composto-lll e radical hidroperoxil podem aparecer (GAZARIAN et al, 1998). Introdução 59 O IAA é encontrado no líquor, no sangue e em vários órgãos, como pulmões, rins, fígado e cérebro. Seus níveis plasmáticos e de seus metabólitos, como o ácido 5-hidroxi-3-indolacético (5-OH-IAA), são elevados em doenças como fenilcetonúria e disfunção renal. Tais níveis podem variar de 2 µmol/L sob condições fisiológicas a 11 µmol/L em doenças renais. As principais fontes de obtenção de IAA nos animais são: dieta rica em caules de vegetais, produção por bactérias intestinais e a sua síntese a partir do triptofano em vários tecidos (PIRES DE MELO et al, 1998). Sabe-se que o efeito do IAA na redução de viabilidade celular está totalmente relacionado com a atividade peroxidásica, fato comprovado pela mudança estrutural em neutrófilos na presença da auxina, acredita-se que tal efeito não seja devido à diminuição da capacidade antioxidante da célula, mas sim decorrente da produção de radicais peroxil, indolil, escatolil e ERO, como radical ânion superóxido e de peróxido de hidrogênio (CANDEIAS et al, 1995; KAWANO et al, 2001; PIRES DE MELO et al, 1998). Contudo, o mecanismo da interação IAA/HRP/O2 ocorre de maneira complexa e ainda não totalmente elucidada (KIM et al, 2006). As ERO causam mudanças estruturais na membrana plasmática de células via peroxidação lipídica, o que acarreta dano celular e apoptose (KIM et al, 2006), há indícios de que radicais peroxil possam ser citotóxicos às células tumorais, entretanto, outros estudos, indicam que a lipoperoxidação não é o principal indutor da citotoxicidade (FOLKES; WARDMAN, 2001). O mecanismo primário de citotoxicidade é a formação de um produto de reação entre IAA e HRP já identificado: o 3-metileno-2-oxindol, que mostra alta reatividade contra nucleófilos celulares como glutationa e grupos tióis de proteínas ou histonas (WARDMAN, 2002). Asim, a associação HRP-IAA oferece várias vantagens para futuras terapia