UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA Valéria Medina Camprigher Uso da Miltefosina como tratamento em cães sorologicamente positivos para leishmaniose visceral no município de Bauru – São Paulo. Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Doenças Tropicais. Orientadora: Profa. Dra. Virgínia Bodelão Richini Pereira Coorientador: Prof. Dr. José Eduardo Tolezano Botucatu 2023 Valéria Medina Camprigher Uso da Miltefosina como tratamento em cães sorologicamente positivos para leishmaniose visceral no município de Bauru – São Paulo. Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Doenças Tropicais. Orientadora: Profa. Dra. Virgínia Bodelão Richini Pereira Coorientador: Prof. Dr. José Eduardo Tolezano Botucatu 2023 Valéria Medina Camprigher Uso da Miltefosina como tratamento em cães sorologicamente positivos para leishmaniose visceral no município de Bauru – São Paulo. Tese apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Doutora em Doenças Tropicais. Orientador: Profa. Dra. Virgínia Bodelão Richini Pereira Coorientador: Prof. Dr. José Eduardo Tolezano Comissão examinadora: ___________________________________________________________ Prof. Titular Dr. Helio Langoni Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) - Botucatu ___________________________________________________________ Profa. Dra. Simone Baldini Lucheis Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) - Botucatu ___________________________________________________________ Dr. Luiz Ricardo Paes de Barros Cortez Secretaria Municipal de Saúde – Bauru ___________________________________________________________ Profa. Dra. Sílvia Helena Pereira Vergili Sgarbosa Médica Veterinária Autônoma ___________________________________________________________ Profa. Dra. Virgínia Bodelão Richini Pereira Instituto Adolfo Lutz - Centro de Laboratórios Regionais – Bauru Botucatu, 01 de setembro de 2023 “Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive” Fernando Pessoa Dedicatória A Deus. Aos meus filhos, Maria Luiza e Pedro Henrique. Às pessoas acometidas pela Leishmaniose Visceral. A todos os cães, vítimas dessa doença cruel e, em especial, ao meu cão Tom, que tanto cuidei e amei. Agradecimentos Agradecimentos À UNESP-Botucatu, Instituição que já foi e sempre será a minha casa. À Faculdade de Medicina de Botucatu, ao Programa de Pós-Graduação em Doenças Tropicais, aos professores, funcionários e colegas durante a realização das disciplinas. A todos os meus colegas de trabalho do Centro de Controle de Zoonoses de Bauru, em especial aos meus queridos colegas e amigos Dr. Luiz Ricardo Paes de Barros Cortez, por toda a ajuda que recebi durante o tratamento dos cães e ao Dr. Mário Ramos de Paula e Silva, por me proporcionar todo apoio necessário para que eu chegasse até aqui. A todos os meus superiores - chefe de seção (Murilo José Vendramini Cuoghi), de divisão (Daniel Godoy Tarcinalli) e de direção de departamento (Dr. Ezequiel Aparecido dos Santos), dentro da Secretaria Municipal de Saúde de Bauru que, compreendendo a importância do meu trabalho, me apoiaram em todos os momentos. Aos servidores do Instituto Adolfo Lutz de Bauru e de São Paulo, especialmente a minha orientadora Prof. Dra. Virgínia Bodelão Richini Pereira, pelos ensinamentos - ora me “abandonava” para que eu pudesse crescer, ora me carregava no colo durante as finalizações dos trabalhos. Muito, muito obrigada. Ao Prof. Dr. José Eduardo Tolezano, por aceitar ser meu coorientador, por dividir seu inesgotável conhecimento sobre o assunto e por proporcionar a minha participação no grande projeto de pesquisa realizado em Bauru sob sua coordenação. Às colegas Gabriele e Ághata, pelos conhecimentos compartilhados no Adolfo Lutz de Bauru. A minha querida amiga Vanessa, pela grande amizade e por toda ajuda e apoio dispensados durante a realização das atividades no Centro de Controle de Zoonoses e no Instituto Adolfo Lutz de Bauru. Ao Laboratório Veterinário Laborcare, aos funcionários e especialmente à Dra. Patrícia Batina, pela parceria na realização dos exames de sangue dos cães em tratamento. Ao Departamento de Produção Animal e Medicina Veterinária Preventiva da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia de Botucatu, pelo fornecimento de culturas para desenvolvimento das técnicas moleculares; em especial à querida Profa. Dra. Simone Baldini Lucheis e à residente Suelen. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo auxílio à pesquisa (processos no. 2017/50333-7 e 2018/25889-4) e FESIMA/GAPS (processo no. 2019/01057) Aos membros da banca examinadora, por suas contribuições na confecção dessa tese. RESUMO CAMPRIGHER, V.M. Uso da Miltefosina como tratamento em cães sorologicamente positivos para leishmaniose visceral no município de Bauru – São Paulo. 2023. 160f. Tese (Doutorado em Doenças Tropicais) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Botucatu, 2023. A Leishmaniose Visceral é uma importante zoonose parasitária e encontra- se em franca expansão geográfica. Um dos pilares das políticas públicas de vigilância é o controle da fonte de infecção canina. A miltefosina é o fármaco autorizado para o tratamento dos cães no Brasil. O objetivo do trabalho foi realizar o diagnóstico, tratamento, avaliar a evolução clínica, carga parasitária e os parâmetros laboratoriais dos cães soropositivos; medidas que podem contribuir para o controle da Leishmaniose Visceral no município de Bauru-SP. Foram avaliados 34 cães durante o período de um ano, trimestralmente, sendo que 19 animais finalizaram o tratamento. Houve quatro óbitos por leishmaniose, três óbitos por outras causas e oito tutores abandonaram o tratamento por motivos diversos. Na primeira avaliação clínica, com 34 animais, os sintomas mais frequentes foram linfadenomegalia, descamação, conjuntivite e onicogrifose. Na última avaliação, os 19 animais encontravam-se assintomáticos. Nos exames de sangue, os padrões mais alterados foram os das hemáceas, hemoglobina, volume globular, plaquetas, proteína total, albumina, globulina e relação albumina-globulina. De forma geral, houve melhora dos parâmetros hematimétricos e bioquímicos. A qPCR mostrou maior sensibilidade que a cPCR no acompanhamento da carga parasitária; que diminuiu ao longo do período, sugerindo eficácia no tratamento de cães com LVC; mesmo não havendo cura parasitária. Assim, nossos resultados demonstram que o tratamento de cães pode ser incorporado nas estratégias de políticas públicas em saúde com um foco em saúde única. Palavras-chave: Leishmaniose, cães, Reação em Cadeia da Polimerase, Saúde Única, Vigilância em Saúde Pública. ABSTRACT Abstract Visceral Leishmaniasis is an important parasitic zoonosis that has been showing significant geographic expansion. One of the pillars of Public Surveillance Policies is the control of the source of canine infection. Miltefosine is the drug approved for the treatment of dogs in Brazil. The aim of this study was to evaluate the treatment, clinical evolution, parasitic load and laboratory parameters of seropositive dogs; that can contribute to the surveillance and control measures for Visceral Leishmaniasis in the municipality of Bauru – São Paulo, Brazil. Thirty-four dogs were evaluated quarterly for one year, and 19 dogs completed the treatment. Of the 15 losses, eight were due to treatment abandonment and seven were death; being four due to leishmaniasis. In the first evaluation, the most frequent symptoms were lymphadenopathy, desquamation, conjunctivitis and onychogryphosis. After one year, 19 animals that remained in the treatment were asymptomatic. The most altered patterns in the blood tests were: erythrocytes, hemoglobin, packed cell volume, platelets, total protein, albumin, globulin and albumin-globulin ratio. At the end of the evaluation, there was an improvement in the hematimetric and biochemical parameters. qPCR showed greater sensitivity than cPCR in monitoring the parasite load; which decreased over the period, suggesting efficacy in the treatment of dogs with CVL; even though there is no parasitic cure. Thus, our results demonstrate that the treatment of dogs can be incorporated into public health policy strategies that focus the one health concept. Keywords: Leishmaniasis, dogs, Polymerase Chain Reaction, One Health, Public Health Surveillance. LISTAS LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AHCC Composto Correlacionado com Hexose ativa APCs Células Apresentadoras de Antígeno ATP Adenosina Trifosfato CCZ Centro de Controle de Zoonoses de Bauru cPCR Reação em Cadeia da Polimerase convencional DALY Disability Adjusted Life Years DCs Células Denditrícas DNA Ácido Dexoxirribonucleico ELISA/EIE Enzyme-Linked Immunosorbent Assay ETS Espaçador Transcrito Externo GPS Global Positioning System ICT Tira de plataforma Única IFN-γ Intérferon gama IL Interleucina IM Intramuscular IV Intravenosa g6pd Gene da glicose-6-fosfato desidrogenase HIV Vírus da Imunodeficiência Adquirida HSP70 70Dka heat shock proteins –hsp70 IAL Instituto Adolfo Lutz ITS Internal Transcribed Spacers kDNA DNA do Minicírculo do Cinetoplasto Kg Quilograma LC Leishmaniose cutânea LCD Leishmaniose cutânea difusa LMC Leishmaniose muco-cutânea LT Leishmaniose Tegumentar LV Leishmaniose Visceral LVC Leishmaniose Visceral Canina MAPA Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento mg Miligrama ml Mililitro MS Ministério da Saúde nM Nanômetro NO Óxido Nítrico NO2 Dióxido Nítrico OMS Organização Mundial da Saúde PAHO Pan American Heath Organization Pb Par de base PT Proteína total PVCLV Programa de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral PCR Reação em Cadeiada Polimerase qPCR Reação em Cadeia da Polimerase em tempo real RIFI Reação de Imunofluorescência Indireta RNA Ácido Ribonucleico SC Sub-cutâneo SP São Paulo SSUrRNA Subunidade do RNA Ribossomal T Tempo Th1 Linfócito helper 1 TNF-α Fator de necrose tumoral TR-DDP Teste Rápido-Dual Path Platform UV Ultravioleta WHO World Heath Organization µL Microlitro LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Mapa da endemicidade da LV no mundo em 2020, segundo WHO (2021). ...................................................................................................... 24 Figura 2: Dados de Leishmaniose Visceral no estado de São Paulo 2019- 2022 (CVE, 2023) ..................................................................................... 27 Figura 3: Pirâmide representando a proporção de cães sintomáticos, assintomáticos e respectivos testes diagnósticos. ................................... 32 Figura 4: Localização das quatro áreas do município de Bauru-SP. Área 1: Pousada da Esperança, Área 2: Jaraguá, Área 3: Geisel, Área 4: Beija-flor. ................................................................................................................. 55 Figura 5: Visualização de um linfonodo poplíteo infartado (Fonte: wsava.org/committees/oncology-working-group....................................... 57 Figura 6: Localização geográfica dos animais tratados para leishmaniose visceral no município de Bauru, correlacionando com os casos de leishmaniose visceral humana. ................................................................ 64 Figura 7 (A e B): Avaliação clínica dos cães e coleta de amostras biológicas para o diagnóstico de Leishmaniose Visceral.. ........................................ 65 Figura 7 (C a F): Avaliação clínica dos cães e coleta de amostras biológicas para o diagnóstico de Leishmaniose Visceral.. ........................................ 65 Figura 8: Gel de agarose a 1,5% utilizando os primers LinR4, Lin19. ...... 72 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Dinâmica dos sinais clínicos comumente relatados para Leishmaniose Visceral Canina nos animais submetidos ao tratamento ao longo de 12 meses. .................................................................................. 68 Tabela 2: Exames bioquímicos realizados nos 34 cães com diagnóstico de LVC no início do tratamento. .................................................................... 68 Tabela 3: Exames bioquímicos realizados nos 30 cães com diagnóstico de LVC, após três meses de tratamento ....................................................... 69 Tabela 4: Exames bioquímicos realizados nos 27 cães com diagnóstico de LVC, após seis meses do início do tratamento (tempo 2). ....................... 69 Tabela 5: Exames bioquímicos realizados nos 22 cães com diagnóstico de LVC, após nove meses do início do tratamento (tempo 3). ...................... 70 Tabela 6: Exames bioquímicos realizados nos 19 cães com diagnóstico de LVC, após doze meses do início do tratamento (tempo 4). ...................... 70 Tabela 7: Distribuição da positividade para Leishmania spp. em diferentes amostras, na cPCR, em diferentes tempos de tratamento. ...................... 72 Tabela 8: Avaliação por PCR convencional dos cães em tratamento para leishmaniose ao longo do tratamento. ...................................................... 74 Tabela 9: Avaliação da carga parasitária em parasitas/mL, realizada por PCR em tempo real dos cães em tratamento para leishmaniose ao longo do tratamento. .......................................................................................... 76 Tabela 10: Custo médio em reais do tratamento para LVC para um cão de 10 kg. ....................................................................................................... 77 SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................. 12 ABSTRACT .............................................................................................. 14 1. Introdução ............................................................................................ 22 2. Objetivos .............................................................................................. 50 2.1 Objetivo geral .................................................................................. 50 2.2 Objetivos específicos ...................................................................... 50 3. Material e Métodos ............................................................................... 52 3.1. Histórico ............................................................................................ 52 3.2. Aspectos éticos .............................................................................. 54 3.3 Amostras ......................................................................................... 54 3.4 Tratamento ...................................................................................... 55 3.5 Visitas e cronograma de coleta de amostras .................................. 56 3.6. Avaliação laboratorial ..................................................................... 58 3.6.1 Avaliação sorológica ................................................................. 58 3.6.2. Avaliação hematológica e bioquímica ...................................... 59 3.6.3 Avaliação molecular .................................................................. 59 3.6.3.1. Extração de DNA ............................................................... 59 3.6.3.2. Reação em Cadeia da Polimerase Convencional (cPCR) . 60 3.6.3.3. Eletroforese em gel de agarose ......................................... 61 3.6.3.4. PCR em tempo real ........................................................... 62 3.7. Geoprocessamento ........................................................................ 62 4. Resultados ........................................................................................... 64 5. Discussão ............................................................................................. 79 6. Conclusões ........................................................................................... 92 7. Referências .......................................................................................... 94 8. Manual técnico ................................................................................... 120 9. Manuscrito .......................................................................................... 127 Anexos ................................................................................................... 157 Anexo 1 ............................................................................................... 157 Anexo 2 ............................................................................................... 158 Anexo 3 ............................................................................................... 159 INTRODUÇÃO 22 1. Introdução O conceito de saúde única (One Health) estabelece um vínculo entre a saúde animal e humana, envolvendo o meio ambiente onde as espécies estão inseridas. Devido ao risco de transmissão de agentes infecciosos entre elas, e, associado aos fatores ambientais, sugere-se que pesquisas direcionadas para o controle das doenças devam ser realizadas por equipes interdisciplinares e de visão abrangente (PALATNIK-DE-SOUSA; DAY, 2011; GEBREYES et al., 2014; HONG et al., 2020). As leishmanioses são consideradas zoonoses e se enquadram nessa concepção: doenças parasitárias, associadas à degradação ambiental e que acometem animais e população humana suscetível, transmitida por vetores e causada por protozoários pertencentes à ordem Tripanosomatida, família Trypanosomatidae, do gênero Leishmania e com os subgêneros: Leishmania, Viannia e Sauroleishmania. Até o momento, há relatos de 53 espécies de Leishmania, sendo 20 patogênicas para o ser humano e 31 para outros mamíferos; causando quatro tipos de doenças, cuja classificação baseia-se na sua apresentação clínica - Leishmaniose Cutânea (LC), Cutânea Difusa (LCD), Mucocutânea (LMC) e Visceral (LV), (BATES, 2007; PALATNIK-DE-SOUSA; DAY, 2011; AKHOUNDI et al., 2016; BURZA et al., 2018). A forma de transmissão de importância epidemiológica é a vetorial (BARATA et al., 2005; LAINSON; RANGEL, 2005); por meio da picada de fêmeas hematófagas pertencentes à ordem Diptera, sub-ordem Nematocera, Família Psychodidae e subfamília Phlebotominae; dos gêneros Phlebotomus - encontrados na Europa, Ásia e África - e Lutzomyia – nas Américas. Os flebotomíneos picam os cães preferencialmente em áreas glabras - plano nasal, pavilhão auricular, região inguinal e perineal (LEWIS, 1982; GALATI, 2003; BANETH et al., 2008; SOLANO-GALLEGO et al., 2009; PACE, 2014; AKHOUNDI et al., 2016). 23 A transmissão da LV por Lutzomyia longipalpis ocorre, até o momento, em 193 (29,9%) dos 645 municípios do estado de São Paulo e Lutzomyia cruzi, está presente nos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Em locais com registros de casos autóctones e na ausência de L. longipalpis e L. cruzi, pressupoe-se que outra espécie de flebotomíneo - Lutzomyia migonei - atue na transmissão de LV. Em um estudo realizado no nordeste brasileiro, observou-se fêmeas desta espécie naturalmente infectadas por Leishmania infantum (DE CARVALHO et al., 2010; BRASIL, 2019; FONSECA et al., 2021). Outras formas de transmissão já foram relatadas na espécie canina: por transfusão sanguínea, venérea e vertical por mordeduras e picada de pulgas e carrapatos. Entretanto, a competência vetorial desses artrópodes ainda necessita de maiores estudos (OWENS et al., 2001, GASKIN et al., 2002; GIGER et al., 2002; DINIZ et al., 2005; COUTINHO et al., 2005; FREITAS et al., 2006; FERREIRA et al., 2009; SILVA et al., 2009; PANGRAZIO et al., 2009; VIEIRA, 2013; NAUCKE et al., 2016; SVOBODOVA et al., 2017). A leishmaniose está presente nos cinco continentes e ocorre de forma endêmica em 100 países, com 50 a 90.000 e 0.6 a 1 milhão de novos casos por ano de LV e LC, respectivamente, com um total de 20 a 30 mil óbitos. Em suas diferentes formas clínicas, seu DALY (Disability Adjusted Life Years) atinge 2,35 milhões de vidas perdidas ajustadas por deficiência (AKHOUNDI et al., 2016; WHO, 2020). Ingressou no continente americano durante o período de colonização (SERAFIM; INIGUEZ; OLIVEIRA, 2020). No Brasil, foi identificado como problema de saúde pública em 1934. Em pesquisas a respeito de febres suspeitas no estado da Bahia, formas amastigotas do protozoário do gênero Leishmania foram identificadas pela primeira vez a partir de cortes histológicos de fragmentos de fígado negativos para pesquisa do vírus amarílico. A primeira epidemia brasileira aconteceu em Sobral-Ceará, 20 24 anos após a identificação do parasito (PENNA, 1937; DEANE, 1956; GONTIJO; MELO, 2004; WHO, 2020). Resultados de pesquisas preliminares na Amazônia brasileira foram publicados por Chagas e colaboradores onde inferiram sobre a possibilidade de um inseto de hábitos peridomiciliares (Phlebotomus longipalpis) ser o vetor da doença dentro de um ciclo enzoótico do parasito (L. chagasi) e, tendo como reservatório animais silvestres (CHAGAS et al., 1937). No decorrer da década de 50, pesquisadores no Ceará, estabeleceram a importância epidemiológica da Lutzomyia longipalpis como vetor; do cão doméstico (Canis familiaris) e da raposa (Dusicyon ventulus) como fonte de infecção e manutenção da doença. Ficou assim demonstrado que a LV ocorre em ciclos epidemiológicos distintos: silvestre, peridoméstico de característica rural e o ciclo doméstico periurbano (MICHALICK; GENARO, 2011). Embora comumente concentrada em regiões tropicais e subtropicais de países em desenvolvimento, é prevalente em áreas de clima temperado. Ocorre nas regiões da bacia do mediterrâneo, sudeste da Ásia, Europa, Américas e África. Em 2020, 12.838 novos casos foram registrados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em “hotspots” eco-epidemiológicos: Etiópia, Eritreia, Kenia, Somália, Sudão, Uganda (África); Bangladesh, Índia, Nepal (subcontinente indiano) e Brasil (Américas) com 57, 18 e 16% dos casos mundiais respectivamente. Seis países foram responsáveis por 79% dos casos do mundo em 2020, com mais de 1000 casos notificados individualmente: Brasil, Etiópia, Eritreia Kênia, Índia e Sudão (WHO, 2020). Na Figura 1, observa-se o mapa dos países com maior número de casos de LV em 2020. Figura 1: Mapa da endemicidade da LV no mundo em 2020, segundo WHO (2021). 25 No Brasil, a ocupação urbana desordenada, condições precárias de saneamento básico e habitação, desnutrição, destruição ambiental com alterações dos habitats das espécies envolvidas no ciclo de transmissão aumentaram a importância da LV no contexto de saúde pública (CERBINO NETO; WERNECK; COSTA, 2009). São notificados 4.200-6.300 casos anuais, e a letalidade é crescente e considerada a maior entre os países prioritários da OMS, principalmente em indivíduos não tratados e crianças com desnutrição, sendo um dos seis países com o maior número de casos; representando 16% dos casos globais e 97% das Américas (BRASIL, 2014; BANETH et al., 2008; WHO, 2010; ALVAR et al., 2012; PACE, 2014; AKHOUNDI et al., 2016; OPAS, 2019; WHO, 2021). Devido às ações antrópicas, sua distribuição geográfica passou por grande transformação a partir da década de 80, avançando das áreas rurais do nordeste brasileiro para bairros bem consolidados de centros urbanos 26 em vários estados; acompanhando a construção de rodovias e ferrovias, de grandes obras de engenharia e consequente migração de pessoas (BRASIL, 2019). Na década 90, a doença foi introduzida no estado de São Paulo. A substituição da criação de gado pela cultura de cana de açúcar foi um dos fatores impactantes na sua expansão devido à migração de mão-de-obra temporária nas colheitas. A presença do flebotomíneo (Lutzomyia longipalpis), em 1997, na área urbana da cidade de Araçatuba-SP, associado à confirmação de caso autóctone canino no município, foi um indício de que o flebotomíneo fosse o vetor da doença no estado. Em 1999, foi notificado o primeiro caso humano no município (COSTA et al., 1997; TOLEZANO, 1999; BARATA, 2000; ALVES; BEVILACQUA, 2004; ROMERO; BOELAERT, 2010; BRASIL, 2014; BRASIL, 2019; SILVA, PACHECO; SAUERBIER, 2021). Dados referentes ao ano de 2019, demonstraram a presença da zoonose em 107 dos 645 municípios paulistas e 8.553 casos humanos foram notificados no período de 1999-2019, sendo 3046 autóctones e letalidade de 8.7% - 266 óbitos. As cidades mais atingidas concentram-se na região oeste e central do estado, seguindo a rodovia Marechal Rondon desde a divisa com Mato Grosso do Sul; até a cidade de São Paulo. O primeiro caso humano no município de Bauru ocorreu em 2003, e foi precedido pelo encontro do flebotomíneo em 2002 e de caso canino em 2003. No triênio 2017-2019, o município foi classificado como de transmissão intensa e prioritário para as ações do Programa de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral do Estado de São Paulo. Segundo dados do Centro de Vigilância Epidemiológica (2020), no período de 2003- 2020, foram notificados 580 casos com 45 mortes. Em 2021, quatro casos foram notificados com um óbito; em 2022, cinco casos foram notificados com dois óbitos. Em 2023, até maio, um caso foi notificado sem óbito 27 (BRASIL, 2014; BRASIL, 2019; FONSECA et al., 2021; CVE, 2022; CVE, 2023). Na Figura 2, visualiza-se o mapa do estado de São Paulo, sendo 2a) Municípios com casos humanos autóctones de Leishmaniose Visceral, Estado de São Paulo, 1999 a 2022. 2b) Distribuição dos municípios quanto à presença de Leishmaniose Visceral Canina, Estado de São Paulo, até dezembro de 2022. 2c). Distribuição de municípios segundo a classificação epidemiológica para Leishmaniose Visceral, Estado de São Paulo, 2022 Figura 2: Dados de Leishmaniose Visceral no estado de São Paulo 2019- 2022 (CVE, 2023) 2a) Municípios com casos humanos autóctones de Leishmaniose Visceral, Estado de São Paulo. 28 2b) Distribuição dos municípios quanto à presença de Leishmaniose Visceral Canina, Estado de São Paulo, até dezembro de 2022. 2c). Distribuição de municípios segundo a classificação epidemiológica para Leishmaniose Visceral, Estado de São Paulo, 2022 29 No ser humano, a interação entre a resposta imune delineada por características genéticas e fatores de virulência das espécies de Leishmania implicadas, determinam a sintomatologia. Assim como nos cães, há relatos de indivíduos infectados por L. infantum, imunocompetentes, que se mantêm assintomáticos por longo período de tempo (ALIAGA et al., 2019; SALANT et al., 2021). Em contrapartida, pessoas com algum tipo de comprometimento imunológico, podem albergar os parasitos por décadas, mesmo que tratados. A reativação fulminante da infecção pode ocorrer devido à utilização de terapia imunossupressora pós-transplante, uso de imunomoduladores, idade avançada ou à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Adquirida-HIV (ALVAR et al., 2008; BURZA; CROFT; BOELAERT, 2018). Cães infectados por Leishmania spp. apresentam um misto de resposta imune celular – Th1(Linfócito T helper) e humoral – Th2. Sabe-se que quando há predomínio da resposta Th2, os animais tornam-se susceptíveis à doença e quando tende para Th1, são resistentes. Na resposta Th1, as citocinas IFN-γ (interferon gama), IL-2 (interleucina), TNF- α (fator de necrose tumoral) induzem ativação macrofágica com produção de óxido nítrico (NO); substância com potente ação leishmanicida. Na resposta Th2, IL-10 e IL-4 estão envolvidos na disseminação do parasito, associado ao aumento de linfócitos B e hipergamaglobulinemia. Particularmente, IFN-γ e IL 10 são as mais importantes citocinas que determinam o estado de saúde ou doença (DA COSTA-VAL et al, 2007; BRODSKYN; KAMHAWI, 2018; TOEPPE; PETERSEN, 2020). A IL 10 inibe a apresentação do antígeno para as APCs, a ativação de macrófagos e células dendríticas (DCs) e a proliferação das células T. Estudos demonstraram que o bloqueio do receptor da IL-10 pode ser utilizado no tratamento da LVC (GAUTAM et al., 2011; VERMA et al., 2015; CARDOSO et al., 2021). 30 O fato de os cães serem os principais reservatórios da LV em área urbana deve-se à alta densidade populacional da espécie (10 a 20% da população humana), ao íntimo convívio com o ser humano, à alta prevalência de portadores assintomáticos e oligossintomáticos (80% dos infectados) e serem fonte de alimento para os flebotomíneos (alta carga parasitária epidérmica). Sendo mais infecciosos para os vetores e mais eficientes na disseminação da infecção, mantêm o parasito na natureza de forma que ele sobreviva por longo período (DANTAS-TORRES; BRANDÃO-FILHO, 2006; BANETH et al., 2008; QUINNELL; COURTENAY, 2009; PALTRINIERI et al., 2010, BANETH et al., 2020). Por meio de avaliações sorológicas, supõe-se que existam em torno de 2,5 milhões de cães infectados em países da base do mediterrâneo - Portugal, Espanha, Itália e França) e milhões na América do Sul, e, as enzootias têm normalmente precedido os casos humanos (BARATA, 2004; GRAMICCIA; GRADONI, 2005; DANTAS-TORRES; BRANDÃO-FILHO, 2006; BRASIL, 2019; BANETH; SOLANO-GALLEGO, 2022). As raposas (Dusicyon vetulus), cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), marsupiais - cangurus e gambás (Didelphis albiventris), preguiça (Choloepus spp. e Bradypus spp.), tamanduá (Tamandua tetradactyla) e roedores (Rattus spp., Proechimys spp., Nectomys spp., Oligoryzomys spp.) são considerados reservatórios silvestres. Os gambás, animais silvestres de hábitos sinantrópicos, são frequentemente encontrados no centro urbano de Bauru e uma pesquisa identificou formas promastigotas de leishmania em cultura de tecidos e amastigotas em exames parasitológicos desses animais. Pesquisas realizadas em quirópteros infectados por Leishmania infantum detectaram presença do DNA (ácido desoxirribonucleico) do parasito pela técnica de PCR (reação em cadeia de polimerase) em amostras de pele e fígado em áreas endêmicas. Sugerem que a espécie poderia participar na manutenção e no ciclo da doença, e 31 que seu papel como reservatório não deveria ser ignorado (SANTIAGO et al. 2007; CASTRO et al. 2020). Contudo, outras espécies domésticas também estão envolvidas no ciclo da doença. Os casos felinos são esporádicos e relatados em todo o mundo nos mesmos locais onde há casos caninos e humanos. Apresentam sintomatologia cutânea e visceral e menor prevalência em testes sorológicos e moleculares. Entretanto podem exercer função de reservatório numa concepção de saúde única (PENNISI et al., 2013; PENNISI et al., 2015a, 2015b; PENNISI; PERSICHETTI, 2018). Nos animais de produção, há relatos de positividade nos testes sorológicos e moleculares, com ausência de sintomas. São considerados somente fonte de alimentação para o vetor (ASHFORD, 1996; QUINNELL; COURTENAY, 2009; SOLANO-GALLEGO et al., 2011; DANTAS-TORRES, 2012; BRASIL, 2014; PENNISE et al., 2015; WHO, 2020; BANETH et al., 2020). Entretanto, Paixão-Marques et al. (2019) isolaram o parasito de bovinos e afirmaram que eles podem ser considerados hospedeiros em locais onde a doença é endêmica. As manifestações clínicas nos cães podem variar da forma multissistêmica até a ausência completa de sinais. De acordo com o estado nutricional, imunológico e a genética canina, a susceptibilidade à infecção pode se modificar entre as diversas raças e individualmente. Animais com resposta imune predominantemente celular podem apresentar exclusivamente dermatite do tipo papular, sem outras alterações clínico patológicas (ABRANCHES; CAMPINO, 1998; LOMBARDO et al., 2014; SOLANO-GALLEGO et al., 2017; SALANT et al., 2021). Devido à elevada prevalência de infecção subclínica, onde os animais não desenvolvem sintomas (40-60%), é importante ressaltar que, mesmo assintomáticos, são fontes de infecção para o ser humano na presença do vetor (GONTIJO; MELO, 2004; MICHALSKY et al., 2007; BRASIL, 2014). Entretanto, pesquisas confirmaram que cães 32 oligossintomáticos e assintomáticos infectados são bem menos atrativos e infecciosos para os vetores que os sintomáticos (GRADONI, 1987; MOLINA et al., 1994; CHELBI et al., 2021). Na Figura 3, a pirâmide representa a proporção de cães sintomáticos, assintomáticos e respectivos testes diagnósticos. No pico da pirâmide (laranja), observa-se pequena quantidade de animais infectados e sintomáticos; em bege, animais infectados e sem sintomas, com sorologia reagente; em roxo, cães infectados com sorologia não reagente e PCR positivo. Na base da pirâmide, cães não infectados e sorologia não reagente (BANETH et al., 2008). Figura 3: Pirâmide representando a proporção de cães sintomáticos, assintomáticos e respectivos testes diagnósticos. BANETH et al., 2008 Os sintomas nos cães compreendem febre, tremores, sudorese, perda de peso progressiva, caquexia, hepatoesplenomegalia, onicogrifose - por estímulo parasitário na matriz ungueal - linfadenopatia, epistaxis, lesões oculares-uveíte, poliúria, polidipsia. Os sintomas cutâneos incluem Soronegativo 33 alopecia, dermatites esfoliativas, úlceras, nódulos, pápulas, hiperqueratinização dos coxins plantares, despigmentação, lignificação e piodermites secundárias. Podem ocorrer falência renal e vasculite pela deposição de imunocomplexos na parede de vasos sanguíneos (CIARAMELLA et al., 1997; BANETH et al., 2008; FERREIRA et al., 2009; SOLANO-GALLEGO et al., 2009). Um caso raro de osteomielite osteolítica granulomatosa por LVC em um cão de seis meses foi diagnosticado por sorologia e confirmado por técnica histopatológica e PCR (SOUZA et al., 2005). O Programa de Vigilância e Controle da LV (PVCLV) do Estado de São Paulo prioriza, de forma semelhante ao Ministério da Saúde, ações sobre quatro pilares: diagnóstico e tratamento precoce de todos os casos humanos; monitoramento e redução da densidade populacional dos flebotomíneos, educação em saúde e controle dos reservatórios domésticos que são os cães infectados e identificados como reagentes positivos nos exames laboratoriais. São valorizadas também, as ações relacionadas ao manejo ambiental com o objetivo de reduzir as condições favoráveis à colonização de L. longipalpis (BRASIL, 2014; BRASIL, 2019). A realização de inquéritos soroepidemiológicos caninos para a identificação de animais infectados com posterior recolhimento e eutanásia visando à diminuição dos reservatórios domésticos demandam grande esforço de órgãos municipais de controle de zoonoses, de laboratórios de Saúde Pública para sua operacionalização e a prática da eutanásia, eticamente questionável (PASSANTINO; RUSSO; COLUCCIO, 2010; COSTA, 2011; DANTAS-TORRES et al., 2018). O PVCLV esclarece que, após criteriosa análise epidemiológica baseadas na estratificação de risco, as ações devem acontecer de forma integrada. Do contrário, não serão eficazes. Ademais, o inquérito canino e posterior diagnóstico acontece somente após a identificação do caso humano e não de forma preventiva. Sabendo que o período de incubação 34 no cão é longo; que o lapso de tempo entre o diagnóstico e a eutanásia do mesmo é grande (80 a 180 dias), que os testes sorológicos são limitados em termos de sensibilidade e especificidade em áreas endêmicas e que há imediata reposição dos eutanasiados por outros cães susceptíveis, as ações preconizadas no plano são insuficientes para contenção da expansão da doença (DANTAS-TORRES et al., 2018; OPAS, 2019). A visibilidade alcançada pela ação de identificação da infecção canina, o recolhimento e eutanásia dos animais soropositivos é cada vez mais contestada por diferentes segmentos da sociedade, inclusive na comunidade científica e consequente aumento de recusas tanto para o diagnóstico da LVC como para a eutanásia dos cães infectados (QUINNELL; COURTENAY, 2009; ROMERO; BOELART, 2011, HARHAY et al., 2011; GONZÁLES et al., 2015). Em 2013, as dificuldades para a aplicabilidade do programa de controle da LV (PVCLV) foram relatados por coordenadores de seis municípios brasileiros de grande porte (Campinas, Bauru, Goiânia, Campo Grande, Fortaleza e Belo Horizonte) com transmissão canina e humana. Os principais obstáculos mencionados foram: descontinuidade das atividades de controle, baixa cobertura de controle químico e grande resistência dos tutores e comunidade em geral à indicação de eutanásia dos cães. Evidencia-se a premência de adequação dessas políticas públicas com medidas alternativas e que foram sugeridas pelos gestores como uso da coleira de deltametrina, vacinação e tratamento canino (HARHAY et al., 2011; von ZUBEN; DONALÍSIO, 2016). No 13º Simpósio Companion Vector-Borne Diseases World Forum em Windsor, Reino Unido, de 19 a 22 de março de 2018, consolidou-se uma declaração de consenso sobre a utilidade da eutanásia de cães como meio de controlar a Leishmaniose Visceral. O comunicado destacou a baixa eficácia da eutanásia de cães infectados, saudáveis ou doentes, como 35 medida para controlar o reservatório doméstico de L. infantum e reduzir o risco de leishmaniose visceral (DANTAS-TORRES et al., 2018). A conscientização da população em geral sobre medidas de prevenção da doença nos cães e no homem são fundamentais. É de suma importância a participação multiprofissional, devidamente capacitados que podem realizar visitas domiciliares, palestras em escolas públicas e privadas, orientando sobre as medidas de proteção individual (evitar atividades noturnas ao ar livre, utilizar repelentes, mosquiteiros, telar portas e janelas) e sobre os cuidados com os cães (castração, microchipagem, uso de coleiras repelentes, responsabilidade do tutor pelo seu animal) e cuidados com o meio ambiente (RIBEIRO et al., 2013).. Campanhas de prevenção de maior envergadura, com a participação de veterinários, médicos, gestores de saúde pública, políticos, tutores de cães e população da região afetada devem também ser programadas e necessitam de profunda interação multidisciplinar (BANETH, 2013). Reconhecer a espécie de Leishmania que infecta o reservatório, entender da biologia e hábitos dos reservatórios e conhecer a epidemiologia da doença são condições necessárias para o desenvolvimento de novas ferramentas efetivas no controle dessa zoonose (MAIA; DANTAS – TORRES; CAMPINO, 2018). A construção de políticas públicas que reduzam as desigualdades sociais e determinem acesso à educação em sua totalidade, são ações imprescindíveis no controle tanto da LV, assim como de outras doenças associadas à vulnerabilidade social (MAGALHÃES et al., 2009). Diagnóstico Considerando a grande variedade de sintomas que o cão apresenta e que muitos desses animais são portadores assintomáticos, o diagnóstico clínico deve ser acompanhado de exames laboratoriais. Um diagnóstico confiável é fundamental no controle da doença. A necessidade em se 36 combinar métodos sensíveis e específicos, que exijam poucos equipamentos e que sejam de fácil execução é antiga, devido à preocupação com a saúde animal e seu potencial zoonótico, já que infecções caninas e humanas coexistem em áreas endêmicas. A falta de um teste padrão ouro para humanos e animais infectados gera obstáculos para tomada de decisões nas medidas de controle; adiando o tratamento e a persistência dos reservatórios no ambiente (GRIMALDI; TESH, 1993; FARIA; ANDRADE, 2012; COURA-VITAL et al., 2014; DE PAIVA- CAVALCANTI et al., 2015; FRAGA et al., 2016). Os profissionais de saúde se veem diante de um paradigma perante um resultado positivo para LVC. Devem ter conhecimento suficiente para diferenciar o diagnóstico de um cão sadio infectado de um cão doente para planejar adequadamente as possíveis intervenções (PARADIES et al., 2010; NOLI; SARIDOMICHELAKIS, 2011). Os testes sorológicos recomendados para o controle do reservatório urbano da LV, até o ano de 2011, eram ELISA-EIE-LVC-Bio-Manguinhos (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay) como teste de triagem e IFAT-IFI- LVC- Bio-Manguinhos (Teste de Imunofluorescência Indireta), como teste confirmatório. Este teste foi substituído pelo teste ELISA tendo em vista possibilitarem reações cruzadas com outros tripanossomatídeos, como Tripanossoma cruzi; necessitando de sorologia pareada e verificação de título sorológico; não sendo realizado em inquéritos sorológicos (LUCIANO et al., 2009; TRONCARELI et al., 2009; COURA-VITAL et al., 2014; LAURETI et al., 2014; DE PAIVA-CAVALCANTI et al., 2015; PERSICHETTI et al., 2017). O teste rápido foi desenvolvido pelo Instituto Biomanguinhos/Fiocruz (Dual Path Platform – TR DPP – Leishmaniose Visceral Canina) e disponibilizado em 2012. Trata-se de um ensaio imunocromatográfico, cuja utilização de proteínas recombinantes (rk 26 e rk 39) garante alta sensibilidade e especificidade para o diagnóstico da LVC. Passou a ser 37 utilizado segundo norma técnica do Ministério da Saúde como teste de triagem para os inquéritos caninos, seguido pelo teste confirmatório. A utilização de testes de baixa acurácia gera resultados falso- negativos, mantendo o parasito em áreas endêmicas e os resultados falso- positivos, levam a eutanásias desnecessárias e equivocadas (FRAGA et al., 2016). Laurenti et al. (2014), em um estudo com cães sintomáticos e assintomáticos em área endêmica para LVC, observaram alta especificidade para o teste DDP Biomanguinhos (95,1%) com baixa quantidade de reação cruzada (Babesia spp.) quando comparado ao teste ELISA Biomanguinhos (77,8%), devido à reação cruzada com outros patógenos. O teste ELISA mostrou boa sensibilidade (90,6%). Sugeriram, então, o uso do teste DDP como teste confirmatório e do teste ELISA como triagem, já que a sensibilidade do DDP varia muito dependendo do curso da infecção - se o cão é sintomático (98% de sensibilidade) ou assintomático (47%). Outros autores disseram que tal inversão da ordem dos exames agilizaria os trabalhos e diminuiria custos (GRIMALDI et al., 2012; PEIXOTO et al., 2015; LAURENTI et al., 2014; COURA-VITA et al., 2014). Em razão de o teste DPP não ser suficientemente produzido para suprir a demanda nacional, um estudo comparativo entre os testes DPP e o Alere TM (rK28 ICT - tira de plataforma única), sugeriu a utilização deste como opção para triagem, já que apresentou boa sensibilidade. Entretanto, em outro estudo, foi observada baixa sensibilidade do teste Alere, quando comparada ao DDP. Embora utilizem o mesmo antígeno recombinante, o DDP possui fluxo independente para a amostra e conjugado e maior desempenho na ligação antígeno-anticorpo, o que poderia explicar a diferença na sensibilidade (SOUZA FILHO et al., 2016; DANTAS-TORRES et al., 2018). 38 A associação entre parâmetros clínicos, laboratoriais e epidemiológicos devem estar elencados para o diagnóstico definitivo da doença; já que testes sorológicos podem identificar exposição ao parasito, mas não podem indicar infecção ativa. As formas amastigotas podem estar presentes nos tecidos de cães saudáveis (XAVIER et al., 2006; PALTRINIERI et al., 2010; FREITAS et al., 2012). Devido à sua sensibilidade, especificidade e viabilidade de aplicação em variados tipos de amostras, a utilização de técnicas moleculares no diagnóstico da leishmaniose tem sido expressiva. A técnica de PCR em tempo real (qPCR) tem se revelado mais adequada que as demais técnicas moleculares pela rapidez, por extinguir a etapa da eletroforese (utilizada na PCR convencional) e por diminuir o risco de contaminação cruzada. Possibilita a confirmação da infecção pela detecção do parasito, a identificação da espécie, a quantificação da carga parasitária em diferentes tecidos, o monitoramento da infecção durante o tratamento e estudos clínicos para validação de vacinas. Norteia-se pela amplificação do DNA alvo e observação da fluorescência emitida utilizando corantes fluorescentes intercalantes - SYBRGreen® ou sondas fluorescentes- TaqMan®., entre outros (CASTILHO et al., 2008; GALLUZZI et al., 2018; CHAGAS et al., 2021; EVARISTO et al., 2021). Questionamentos surgem quanto à escolha da melhor amostra biológica a ser empregada no diagnóstico da LVC (sangue, biópsias de pele, aspirado de linfonodo e de medula óssea). As amostras, cujas coletas são consideradas invasivas, exigem profissional capacitado para sua execução e não são bem aceitas pelos tutores dos animais. A biópsia de pele pode causar dor e sangramentos, além de exigir boa assepsia e anestesia local. A punção de medula óssea requer habilidade na sua execução e sedação pré-anestésica. O aspirado de linfonodo também é considerado um procedimento invasivo, porém 39 menos doloroso e pode ser usado como alternativa para pesquisa direta de formas amastigotas e qPCR. As amostras de sangue são as menos invasivas e bem aceitas, embora tenham menor sensibilidade quando comparada às demais, pois a parasitemia tende a ser transitória no processo doença (MANNA et al., 2004; STRAUSS-AYALI et al., 2004; POURABBAS et al., 2013; FERREIRA et al., 2014). Entretanto, outros autores afirmaram que a detecção do DNA do parasito no sangue ou soro pode ser uma forma exequível de diagnóstico, com sensibilidade de 100% e especificidade de 96,4% em amostras de sangue canino (WEIRATHER et al., 2011; MOHAMMADIHA et al., 2013). Os cultivos para isolamento do parasito têm grande importância diagnóstica, entretanto, possui muitas limitações. O tempo de crescimento pode levar até quatro meses e o reconhecimento das formas amastigotas e suas estruturas (citoplasma, cinetoplasto e núcleo) exigem profissional capacitado, pois, facilmente, são confundidas com artefatos nas colorações de Giemsa e Panóptico (LUZ, 1999). Análises moleculares têm sido essenciais para conhecer a diversidade e compreender a complexidade dos tripanossomatídeos. O diagnóstico de leishmaniose pela qPCR por meio da utilização de regiões codificantes e/ou não codificantes de genoma de Leishmania (locus do DNA nuclear e do genoma mitocondrial – kDNA) foi relatado em diversas pesquisas. O kDNA é organizado em milhares de minicírculos e de maxicírculos; estes, em bem menor quantidade. Os minicírculos são considerados os alvos mais sensíveis pois contêm 95% do DNA do cinetoplasto do protozoário e milhares de cópías em cada célula, tendo seus domínios conservados. Alguns autores sugeriram que, se a identificação da espécie de Leishmania não for necessária, os minicírculos do kDNA devem ser utilizados como metodologia padrão (CASTILHO et al., 2008; SCHÖNIAN; KUHLS; MAURICIO, 2010; ALVARENGA et al., 2012; 40 JARA et al., 2013; CECCARELLI et al., 2014; KOLTAS et al., 2016; GALLUZZI et al., 2018). Entre os genes codificadores de proteínas utilizados como alvo, o G6PD (glicose6-fosfato desidrogenase), embora permita a identificação e quantificação dos parasitos, é um gene de única cópia e, quando utilizado em amostras com baixa carga parasitária, tem baixa sensibilidade. As proteínas de choque térmico (HSP 70), cuja função é adaptativa na passagem do parasito do vetor para o hospedeiro) são a exceção do grupo das proteínas pois são genes que possuem multicópias (RAMIRES; REQUENA; PUERTA, 2011; GALLUZZI et al., 2018). Diferentes locus de genes nucleares (rDNA) que codificam o RNA ribossômico (rRNA) têm sido utilizados. Dezenas ou centenas de cópias de unidades de rDNA podem estar presentes por célula de Leishmania, permitindo sensibilidade suficiente para analisar amostras clínicas de DNA (YAN et al., 1999). Os genes do RNA ribossômico (rRNA) possuem várias cópias em tandem. Entre as variadas regiões, a ITS (ribosomal internal transcribed spacer) é a mais variável e ideal para identificação de espécies. É uma região não codificante do DNA. O espaçador transcrito externo (ETS) é uma região de RNA relacionada ao ITS e está situado fora do rRNA estrutural em um transcrito precursor comum (SCHONIAN; KUHLS; MAURÍCIO, 2010; KUHLS et al., 2005, AKHOUNDI et al., 2016). Os genes SSU rRNA ou Spliced Leader (SL) também são utilizados como marcadores. São empregados para identificação e genotipagem de tripanossomatídeos (ALVAREZ, 2017). O diagnóstico molecular, por meio da confirmação da presença do parasito em amostras de tecidos de cães infectados é o principal objetivo das abordagens clínicas. Está na dependência da carga parasitária da amostra, da sensibilidade e especifidade dos direrentes alvos, da espécie ou gênero do parasito a ser pesquisado e das áreas geográficas acometidas. Nas regiões endêmicas, embora importantes progressos venham sendo conquistados na área da biologia molecular, o alto custo de 41 seus equipamentos e insumos utilizados em pesquisas, ainda inviabilizam sua aplicabilidade na rotina clínica (GALLUZZI et al., 2018). Tratamento Devido às características do metabolismo da Leishmania, e, por se tratar de um parasito intracelular obrigatório - fato que o protege do sistema imune do hospedeiro, há muita dificuldade no controle da doença, apesar das terapias instituídas (MIRÓ et al., 2009). Na Europa, o tratamento é realizado há 20 anos, com a finalidade de reduzir o parasitismo cutâneo do cão, eliminar as manifestações clínicas, e recuperar a resposta imune celular; reduzindo a capacidade infectante dos flebótomos e levando à redução da prevalência da doença nos cães e no homem (HINTERBERGER-FISCHER, 2000; NOGUEIRA et al., 2019). Deve ser iniciado após o diagnóstico parasitológico, com identificação de formas amastigotas nos tecidos do animal ou quando o cão se apresentar sintomático e com exames sorológicos reagentes. Os animais submetidos ao tratamento devem ser monitorados a cada três meses, por meio de avaliação clínica, sorologia para detecção de anticorpos anti-Leishmania, avaliação bioquímica sérica, hemograma completo, proteinograma e, quando possível, pesquisas de parasitos na pele (ALVAR et al., 2004). Os tutores devem receber detalhada explicação a respeito da doença e da sua potencial adesão, a qual indica-se que deva ser formalizado um termo de consentimento devidamente assinado pelo tutor. O protocolo deverá conter informações sobre o acompanhamento veterinário periódico, prognóstico geral esperado, possibilidade de recidivas e o fato de a terapia promover a cura clínica e não parasitológica. Cuidados essenciais devem ser tomados em áreas endêmicas como o uso de coleiras ou outros repelentes nos animais a serem tratados com eficácia 42 comprovada contra os flebótomos em todos os estágios da doença, pois mesmo os cães soropositivos assintomáticos são competentes para transmitir os parasitos (ABRANCHES et al., 1991; BANETH; SHAW, 2002, CHAGAS et al., 2021; SCORZA et al., 2021). Além das coleiras repelentes, pode-se optar pelo uso de pipetas ou spray, mosqueteiros e de telas de antiafídeo nos canis individuais ou coletivos (MENZ, 2014, FIOCRUZ, 2019). Os derivados antimoniais eram fármacos de escolha para o tratamento da LVC, porém, sua utilização em cães no Brasil foi proibida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária por meio de um parecer técnico nº. 299/2004 da Advocacia Geral da União onde: “fica proibido o uso do Antimoniato de N-metil Glucamina para o tratamento da Leishmaniose canina, quando o mesmo for de distribuição do Ministério da Saúde” (BRASIL, 2018). Essa droga bloqueia o metabolismo parasitário, exercendo ação inibidora na síntese do ATP (adenosina trifosfato) durante o processo de oxidação da glicogenólise e intervém no metabolismo dos ácidos graxos provocando a morte do parasito. A absorção intestinal deste composto é nula. A sua administração é feita por via parenteral (IV- intravenosa, IM-intramuscular, SC-sub-cutâneo), sendo eliminado por via renal algumas horas após a administração. Apenas 20% do produto fica em circulação, apesar de existir um efeito cumulativo ao longo do tratamento. As doses prescritas, os protocolos de administração e a duração do tratamento variam muito de autor para autor (ALVAR et al. 1994; NOLI, 1999). Quando associado ao alopurinol, promove melhora clínica, ausência de parasitos no linfonodo e medula óssea, com 85% dos animais negativos em imprints de baço e fígado (IKEDA, 2004). O fármaco torna-se desvantajoso devido ao risco de diminuição de sensibilidade do parasito ao antimoniato de N-metil glucamina após várias 43 séries de tratamento, selecionando parasitos resistentes (GRAMICCIA; GRADONI; ORSINI, 1992). Ademais, o tratamento é doloroso e dispendioso; o período pós- tratamento superestima a eficácia da droga, razões pelas quais os donos decidem muitas vezes tratar os animais apenas durante curtos períodos de tempo. Nestes casos as recidivas são frequentes, e a resistência ao fármaco é alta (LAMOTHE, 1999). A anfotericina B é um fármaco leishmanicida, atuando nas formas promastigotas e amastigotas do parasito, tanto in vitro quanto in vivo. É um macrolídeo sintetizado pelo actinomiceto Streptomyces nodosus (BANETH, 2002). Foi anteriormente utilizada devido à sua ação fungicida. Age ligando-se ao ergosterol, alterando a permeabilidade da membrana celular e causando extravazamento do potássio intracelular e outros constituintes celulares. Sua ligação com o colesterol é instável (principal esterol das células de mamíferos) sendo menos agressiva ao tecido do hospedeiro quando comparada à lesão causada ao parasito, quando se liga aos ésteres (ergosterol ou episterol) presentes na membrana plasmática de Leishmania (LAMOTHE, 1999; BANETH, 2002). Os efeitos colaterais da anfotericina B são inúmeros e frequentes. Todos são dose-dependentes, sendo altamente tóxica para as células do endotélio vascular, causando flebite, considerado um efeito secundário comum. As complicações renais são as mais importantes, com graus variados de comprometimento. Tais alterações ocorrem devido à vasoconstricção renal e consequente isquemia cortical com diminuição da filtração glomerular. Os cães parecem ser mais resistentes a estes efeitos secundários que os humanos (LAMOTHE, 1999). Existem duas formas disponíveis deste fármaco, a forma livre - solução aquosa de anfotericina B (Fungizona®) e formulações lipídicas, menos nefrotóxicas, em lipossomas (AmBisome®). Um exemplo de 44 protocolo de tratamento consiste em administrar duas a três vezes por semana na dose de 0,5 a 0,8 mg/kg até atingir um valor final de 8 a 15 mg/kg (LAMOTHE, 1999; LAMOTHE, 2001). O alopurinol é um análogo da purina e é utilizado para o manejo da gota - deposição de cristais de urato monossódico em joelhos humanos em consequência da hiperuricemia. Seu efeito leishmaniostático se deve à formação da molécula de 4-aminopirazolopirimidine ribonucleotídeo trifosfato, um análogo altamente tóxico do ATP que inibe a síntese proteica depois de incorporado ao RNA do protozoário; entretanto, tem eficácia parcial como monoterapia, pois a maioria dos cães tratados apenas com alopurinol tem remissão dos sintomas, mas sem eliminação do parasito (BERMAN,1988; LAMOTHE, 1999; SIVERA et al. 2014; TORRES, 2016). Embora não seja registrado como medicamento veterinário, o alopurinol é comumente utilizado na prática clínica para o tratamento da LVC. Devido à possibilidade de ser administrado por via oral, ao seu baixo custo, a pouca toxicidade e eficácia na manutenção da remissão dos sintomas em cães tratados, tornou-se uma alternativa acessível como monoterapia ou associado a outro fármaco (GINEL, 1988; BANETH; 2002; MIRÓ, 2009). Entretanto, não existe confirmação de melhora clínica significativa e prolongada com o uso isolado do fármaco e a monoterapia pode desencadear recidivas em muitos dos cães infectados (NOLI; AUXILIA, 2005). O efeito de um protocolo quimioterápico multidrogas, utilizando o alopurinol (metronidazol, cetoconazol e alopurinol) foi realizado em 35 cães naturalmente infectados. Através do xenodiagnóstico, a capacidade de transmissão do protozoário para o vetor, antes e durante o tratamento foi avaliada. O protocolo utilizado mostrou-se eficaz em bloquear a transmissibilidade parasitária do cão para o flebotomíneo (p= 0,011) e uma significante correlação entre recuperação clínica e infectividade dos cães (NERY, 2017). 45 O interesse no alopurinol advém da sua utilização em tratamento combinado com antimoniais pentavalentes, já que permite manter a remissão dos sinais clínicos devido ao seu efeito leishmaniostático (LAMOTHE, 1999; NOLI; AUXILIA, 2005). O protocolo sugerido consiste num tratamento inicial com os dois fármacos (alopurinol e antimonial pentavalente) durante pelo menos três semanas seguido de um tratamento a longo prazo com alopurinol na dose de 20 a 40 mg/kg/dia ou de forma intermitente (uma vez por semana ou uma vez por mês). Os efeitos secundários são pouco frequentes, apesar de se exigir uma monitorização da função renal e hepática em pacientes sujeitos a tratamentos prolongados. A formação de urólitos pode ocorrer após três semanas do início do tratamento, particularmente em cães com doença hepática, que têm níveis urinários altos de xantina. A hiperxantinúria pode levar à formação de urolitíase e mineralização renal, razão pela qual se orienta reduzir a duração do tratamento entre 6 e 12 meses (FERRER, 1997; ANDRADE et al. 2006; YASUR-LANDAU et al. 2016). A resistência ao alopurinol foi relatada no isolamento de L. infantum de cães submetidos ao tratamento, e acompanhada da piora clínica. Há, portanto, necessidade de novos fármacos para serem utilizados nos tratamentos e que podem ser eficazes e seguros quando administrados por longo período em cães com leishmaniose (YASUR-LANDAU, 2016). Um estudo demonstrou que uma dieta por via oral, moduladora do sistema imune (nutracêutico), pode melhorar a resposta imune canina sob tratamento farmacológico padrão para LVC (CORTESE, 2015). O sistema imunológico, por ser um tecido de rápida proliferação, necessita de suprimentos constantes de nucleotídeos para novas sínteses. Esses compostos, de baixo peso molecular, influenciam positivamente no metabolismo lipídico e na imunidade, no crescimento, no desenvolvimento e reparo tecidual (GIL, 2002; SEGARRA, 2021). 46 O AHCC (composto correlacionado com hexose ativa), extraído de cogumelos (Basidiomicota) e rico em alfa-glucano, tem demonstrado capacidade de estimular o sistema imunológico em humanos com aumento de Th1-resposta imune celular. Sua associação com nucleotídeos e antimoniato de N-metil glucamina por seis meses em cães com leishmaniose clínica melhoram os escores clínicos, os biomarcadores utilizados para monitorar a resposta ao tratamento e a eficácia, sem produzir xantinúria. Esta dieta poderia ser uma boa alternativa para o tratamento da LVC, especialmente para cães que sofrem de eventos adversos relacionados ao alopurinol (ULBRICHT et al. 2013; SEGARRA et al., 2017). Os azóis, incluindo os imidazois (ketoconazole e miconazol) e os triazóis (fluconazole e itraconazole) atuam diretamente no lanosterol dimetilase no ciclo do ergosterol. Estes fármacos podem ser dados oralmente e são uma boa opção para terapias de manutenção (LAMOTHE, 1999). A marbofloxacina é uma fluoroquinolona sintética de terceira geração, desenvolvida unicamente para uso veterinário. In vitro, revelou atividade leishmanicida contra L. infantum, interferindo nas vias de síntese de TNF-α e NO, e estando relacionada com a produção de NO2 (dióxido nítrico). Muitas fluroquinolonas demonstraram agir nas formas amastigotas intracelulares de Leishmania. São conhecidas também pelas suas propriedades imunomoduladoras, regulando a síntese de citocinas, o que condiciona a evolução da infecção, já que esta depende da interação entre o parasito e o sistema imune do hospedeiro. A posologia sugerida é de 2 mg/kg/dia durante 28 dias, apesar de serem ainda necessários muitos estudos para o conhecimento exato da sua ação nos mecanismos imunológicos na Leishmania (ROUGIER et al. 2006). A domperidona é um fármaco pró-cinético e antiemético gástrico, capaz de estimular respostas imunes induzidas por linfócitos Th1, por meio 47 da sua ação antagonista do receptor de dopamina D2 que resulta na liberação de serotonina e estimula a produção de prolactina. Esta tem um papel importante na resposta imune, mas seu mecanismo de ação não está completamente elucidado. Trabalhos com hamster sírio (Mesocricetus auratus) mostraram que poderia haver um papel protetor na lactação contra o protozoário devido á hiperprolactinemia. O hormônio, cuja principal função é estimular a produção de leite em mamíferos, é agora classificado como citocina derivada de linfócitos pró-inflamatórios. Em um estudo com cães, foi administrada duas vezes por dia por via oral, na dose de 1 mg/kg durante um mês a animais naturalmente infectados e com gravidade variável da doença e monitorados por exames sorológicos, bioquímicos e imunológicos durante um ano. Demonstrou ser efetiva na redução dos sintomas; na redução da titulação de anticorpos, quando 40% dos animais tornaram-se soronegativos e no aumento da resposta imune celular•, mensurada por testes imunológicos (BERCZI; BERTÓK; CHAW, 2000; GOMEZ-OCHOA et al., 2003). O tratamento canino com fármacos de uso humano é proibido no Brasil (Portaria Interministerial MAPA/MS no. 1.426, 2008). Entretanto, uma nova terapia pode representar uma alternativa de tratamento dos cães, além de contribuir para a redução do risco de selecionar parasitos resistentes (BRASIL, 2008; MIRÓ, 2009). Trata-se do fármaco miltefosina, utilizado em humanos no tratamento de câncer; reposicionado para tratamento da LVC. Seu mecanismo de ação está relacionado com a interferência em vias de sinalização celular, ativação de macrófagos citotóxicos, alterações na membrana lipídica e apoptose (PARIS et al., 2004). O fármaco, denominado Milteforan™ (Virbac Brasil), foi desenvolvido para uso veterinário. Entretanto, o tratamento canino da LV não é recomendado pelo Ministério da Saúde-MS, como medida de controle em saúde pública. Seu uso foi autorizado por meio do registro do produto 48 MILTEFORAN, sob número SP 000175-9.000003, de propriedade da empresa VIRBAC SAÚDE ANIMAL, de acordo com a Nota Técnica nº 11/2016/CPV/DFIP/SDA/GM/MAPA, assinada pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento e pelo Ministério da Saúde e desde então adquiriu notoriedade para o tratamento canino (BRASIL, 2016; AYRES; ALMEIDA, 2022). A miltefosina solução oral a 2% é um análogo fosfolipídico- fosfatidilcolina (lecitina) que é o maior constituinte das membranas celulares, possuindo atividade antitumoral e antiprotozoária, interferindo no metabolismo fosfolipídico e biossíntese da membrana celular, levando a apoptose celular (CROFT; SEIFERT; DUCHÊNE, 2003; SINDERMANN; ENGEL, 2006). Utilizada em cães na dose de 2 mg/kg (miligrama/quilograma) durante 28 dias, tem uma significante eficácia terapêutica e boa tolerância para o tratamento da LVC, com poucos, autolimitantes e transitórios efeitos colaterais (WOERLY, 2009). Desta forma, múltiplos estudos in vivo e in vitro têm demonstrado sua atividade leishmanicida (UNGER, 1998; CROFT; SEIFERT; DUCHÊNE, 2003; VERMA; DAY, 2004; MIRÓ, 2009). Recentemente, também vem sendo utilizada para tratamento de felinos (LEAL et al., 2018; BANETH; SOLANO-GALLEGO, 2022). Contudo, o alto custo deste fármaco impede frequentemente que o tutor do cão possa realizar o tratamento (DORLO et al., 2012). Assim, considerando a importância do cão como reservatório de Leishmania e seu papel na manutenção do ciclo zoonótico de transmissão da leishmaniose visceral urbana; considerando o crescente processo de urbanização, expansão e reemergência das leishmanioses no Brasil e no mundo; considerando a dificuldade no controle da doença utilizando os protocolos atuais; considerando a demanda crescente por métodos alternativos à eutanásia canina e a possibilidade do desenvolvimento e uso de fármacos como medida auxiliar ao controle da doença; o estudo propõe- 49 se à produção de novos conhecimentos para a revisão das ações de vigilância e controle da LVC com vistas à incorporação de estratégias para políticas públicas em saúde, focando na redução ou mesmo interrupção da transmissão para humanos, a partir da redução da incidência da LVC (BANETH et al., 2008; HARHAY et al., 2011; von ZUBEN; DONALÍSIO, 2017; NOGUEIRA et al., 2019). 50 Objetivos 2. Objetivos 2.1. Objetivo geral Avaliar o uso da miltefosina como tratamento em cães sorologicamente positivos para Leishmaniose Visceral no município de Bauru-SP, área endêmica para LVC. 2.2 . Objetivos específicos 51 • Determinar as prevalências e a distribuição espacial da LVC nos diferentes setores geográficos de Bauru para a escolha dos animais tratados com miltefosina; • Avaliar a adesão dos tutores selecionados para o tratamento no que se refere à compreensão das informações repassadas, da importância de tratar seu animal, da valorização das ações e dos profissionais envolvidos, do financiamento de todo o projeto e do comprometimento com a pesquisa como um todo. • Avaliar a evolução clínica e bioquímica dos animais em tratamento nas condições de campo; • Comparar as técnicas de PCR convencional e PCR em tempo real nas diferentes amostras (sangue, soro e linfonodo) ao longo do tratamento nas condições de campo • Avaliar a redução da carga parasitária de Leishmania spp. por meio de PCR em tempo real ao longo de 12 meses de tratamento. 52 Material e Métodos 3. Material e Métodos 3.1. Histórico Este projeto de doutorado é parte do Edital de Modernização dos Institutos Estaduais de Pesquisa, por meio do Projeto Políticas Públicas: Inovações Tecnológicas em Saúde para o Diagnóstico e Controle da 53 Leishmaniose Visceral no Município de Bauru, Estado de São Paulo, Brasil (processo FAPESP 2018/25889-4), coordenado pelo Dr. José Eduardo Tolezano do Instituto Adolfo Lutz de São Paulo e possui um desenho experimental em coortes de cães para avaliação de novas estratégias para o controle da LV canina, tais como: coorte I (cães soronegativos), II (cães soronegativos encoleirados), III (cães soropositivos sujeitos ao Programa de Vigilância e Controle da leishmaniose Visceral) e IV (cães soropositivos tratados). Em um estudo de coorte para avaliar efetividade de diversas medidas de controle para a LV em cães, realizado no município de Panorama, estado de São Paulo, registraram-se perdas de um número expressivo de animais durante o acompanhamento por um ano (LOPES et al, 2017). De 300 animais selecionados para formar as coortes, 94 foram perdidos por razões diversas em um período de 12 meses, o que representa uma perda de cerca de 30%. Com vistas a suprir esta perda, as coortes formadas para avaliação das diferentes modalidades de intervenção de controle da LV canina foram acompanhadas pelo período de 12 meses, formadas por 780 animais. O cálculo dos riscos relativos (RR) foi realizado empregando-se o modelo Cox Proportional-Hazards Regression Model (MORGENSTERN; KLEINBAUM; KUPPER, 1980). A efetividade da medida de controle foi calculada considerando-se EF = 1 - RR. Os cálculos foram realizados com auxílio do programa R, utilizando o pacote Surviva (THERNEAU, 2015; TEAM, 2017). Durante o período compreendido entre outubro de 2019 e março de 2020 (interrompido pela pandemia, foi realizado um inquérito soroepidemiológico canino em oito áreas do município de Bauru, previamente selecionadas tendo como referência a série histórica que permitiu identificar áreas mais críticas em relação à prevalência da LVC e também da LV humana (RAMOS-AUGUSTO, 2018; ORTIZ; ANVERSA, 2015). As equipes de trabalho, formadas por coletores, anotadores e 54 apoios, realizavam as coletas de sangue e transmitiam orientações pertinentes à doença. O número de equipes variava de acordo com a necessidade dos trabalhos: número de quadras, domicílios e cães. Os anotadores utilizavam tablets para preenchimento do form-in, cujas informações foram enviadas, simultaneamente, para a equipe de apoio em Bauru e em São Paulo para conferência e armazenamento dos dados digitados. Ao término diário dos trabalhos, as amostras foram encaminhadas para o Centro de Controle de Zoonoses de Bauru (Secretaria Municipal de Saúde), onde, após dessoradas e identificadas, foram encaminhadas para o Instituto Adolfo Lutz de Bauru para realização dos exames sorológicos. Todo trabalho de campo foi supervisionado pela autora desta tese e médica-veterinária do Centro de Controle de Zoonoses de Bauru. A partir dos resultados, foram construídos os mapas de localização espacial de soropositivos e soronegativos, que nortearam a constituição das áreas de estudo para o tratamento dos animais. 3.2. Aspectos éticos O projeto foi aprovado pelo Conselho Técnico Científico (CTC) do Instituto Adolfo Lutz (nº 59L-2019) e Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) nº 02/2020 (Anexo 1 e 2). 3.3 Amostras Devido à pandemia da COVID-19, o tratamento iniciou-se com atraso (um ano e seis meses) o que ocasionou grande dificuldade no contato com os tutores (mudança de endereço, de telefone e óbito dos cães). Desta forma, nosso “N” não alcançou o inicialmente proposto. Foram selecionados e avaliados 34 cães, referente aos bairros Pousada da Esperança, Jaraguá, Geisel e Beija-flor e a Figura 4 representa as quatro áreas delimitadas no espaço urbano de Bauru, 55 Foram excluídos do tratamento fêmeas prenhes e lactantes, cães com doenças concomitantes e aqueles submetidos a terapias leishmanicidas, leishmaniostáticas, com antibióticos e corticoides. Também foram excluídos cães com insuficiência renal crônica que necessitam de serviços veterinários especializados (diálises, fluidoterapias) e não disponíveis no Centro de Controle de Zoonoses. Figura 4: Localização das quatro áreas do município de Bauru-SP. Área 1: Pousada da Esperança, Área 2: Jaraguá, Área 3: Geisel, Área 4: Beija-flor. Fonte: Arquivo Patrícia Matsumoto, 2023 3.4 Tratamento Os 34 animais com diagnóstico clínico e laboratorial para LVC, incluindo análises sorológicas e moleculares, foram submetidos ao protocolo que segue abaixo: - Miltefosina a 2 mg/kg por via oral uma vez ao dia por 28 dias - Alopurinol a 20 mg/kg por via oral duas vezes ao dia e, a partir de seis meses, a dose foi diminuída para 10 mg/kg uso contínuo; 56 - Domperidona a 0,5 - 1 mg/kg por via oral duas vezes ao dia durante 30 dias a cada 6 meses; - Prednisona a 0,5 mg/kg por via oral duas vezes ao dia, se necessário; Para evitar reinfecção e como medida de saúde pública, os animais receberam coleira impregnada por deltrametrina (Scalibor®, MSD Animal Science), que foi trocada de acordo com a recomendação do fabricante. 3.5 Visitas e cronograma de coleta de amostras No momento das visitas, quando da realização dos trabalhos de campo, foram fornecidas informações acerca da doença, da sua forma de transmissão, do diagnóstico, do prognóstico e da possibilidade de tratamento em clínicas cadastradas para o uso da miltefosina. Para todos os animais incluídos, foi solicitada autorização com o termo de consentimento livre e esclarecido, devidamente assinado pelo proprietário do animal (Anexo 3). Durante a visita ou em qualquer outro momento do atendimento, o proprietário do cão sororreagente pôde optar pela remoção dos cães para eutanásia, que, somente aconteceu, após a confirmação do diagnóstico pela prova de ELISA como definido no PVCLV. No atendimento dos cães sorologicamente reagentes, estes foram avaliados clinicamente e amostras de sangue (hemograma completo, perfil renal e hepático, proteinograma, relação albumina-globulina) foram colhidas e encaminhadas para análise no Laboratório Veterinário Laborcare Bauru. Amostras de sangue, soro e linfonodo foram colhidas para o diagnóstico molecular, realizado no Instituto Adolfo Lutz de Bauru. A obtenção da amostra de linfonodo foi realizada pela técnica de punção aspirativa por agulha fina (PAAF). Optamos pela punção do linfonodo poplíteo, pois pela nossa experiência profissional, trata-se do 57 linfonodo mais visível (superficial) e o mais comumente infartado. Os cães foram posicionados em decúbito lateral e, após a agulha ser engatada à seringa, foi introduzida com movimentos de vaivém, ao mesmo tempo em que se provocava pressão negativa no interior da mesma. O conteúdo foi armazenado em microtubos livres de RNAse e DNAse contendo solução salina e encaminhados para realização da cPCR e da qPCR. Segundo TEIXEIRA et al. (2010), por meio desta técnica, obtém-se material em quantidade ideal, mínima lesão tecidual e sem danos ao animal. O método parasitológico para pesquisa de formas amastigotas em linfonodos não foi realizado por se tratar de um exame moroso, pela ausência de profissional capacitado e falta de microscópio adequado para visualização das formas amastigotas. Na Figura 5, visualizamos um linfonodo poplíteo infartado. Figura 5: Visualização de um linfonodo poplíteo infartado (Fonte: wsava.org/committees/oncology-working-group Foram coletadas amostras biológicas no tempo 0 (T-0), no qual foi iniciado o protocolo estabelecido supracitado nos animais que se enquadraram nos critérios de inclusão e posteriormente a cada três meses (T1, T2, T3, T4). Os atendimentos foram realizados mensalmente e reagendados conforme a evolução do animal; totalizando um ano de tratamento. Nesse momento, foi avaliada a eficácia do tratamento, quanto à sintomatologia clínica e avaliação laboratorial. 58 3.6. Avaliação laboratorial 3.6.1 Avaliação sorológica As amostras de soro foram analisadas no Instituto Adolfo Lutz (IAL) de Bauru quanto à presença de anticorpos, com o uso das técnicas de diagnóstico oficial. O teste rápido para amostras de soro canino foi realizado utilizando- se o kit TR DPP® para leishmaniose visceral canina (Bio-Manguinhos), conforme instruções do fabricante. O TR DPP® é um teste qualitativo para detecção de anticorpos anti-Leishmania que utiliza a proteína recombinante K28 (fragmentos K 26, K 39 e K9) como antígeno. Esta proteína é o produto de um gene clonado a partir de Leishmania infantum e que contém uma repetição de 39 aminoácidos conservados entre as espécies viscerotrópicas de leishmania. O teste imunoenzimático foi realizado utilizando-se o kit EIE – Leishmaniose Visceral Canina (Bio-Manguinhos), de acordo com as informações do fabricante. Este ensaio consiste na reação de antígenos solúveis purificados de leishmania obtidos de culturas, adsorvidos nas cavidades de microplacas, com os anticorpos específicos para leishmania presentes no soro. O preparo do diluente de amostras foi realizado de acordo com fabricante: diluir em tubos 5 µL (controles e amostras) em 500 µL do diluente; distribuir na placa 100 µL(controles e amostras) já diluídos; tampar a placa e incubar a 37°C por 30minutos; preparo do tampão de lavagem de acordo com fabricante; destampar a placa, aspirar o conteúdo e lavar por seis vezes com o tampão de lavagem(200 µL /orifício); adicionar 100 µL de diluição do conjugado em cada orifício; incubar novamente, aspirar e lavar conforme já descrito anteriormente; preparo do substrato de acordo com fabricante; adicionar 100 µL substrato em cada orifício; deixar temperatura 59 ambiente por 30 minutos; adicionar 50 µL de ácido sulfúrico em todos orifícios; fazer a leitura da microplaca por espectrofotometria, utilizando o filtro de 450nm. Os valores dos controles negativos foram utilizados para o cálculo do cut-off. Os resultados foram considerados reagentes quando o valor da densidade óptica foi igual ou superior a 3 desvio-padrões do ponto de corte (cut-off). 3.6.2. Avaliação hematológica e bioquímica A avaliação foi realizada no laboratório veterinário Laborcare-Bauru, utilizando os Kits de diagnóstico padrão Bioclin® (MG, Brasil), nos equipamentos BS-200 (Mindray, China) e MEK-6500 (Nihon Kohden, Japão), com os ensaios realizados conforme protocolo preconizado pelo fabricante. Foram analisados os seguintes parâmetros: hemácias, hemoglobina, volume globular médio, volume corpuscular médio, hemoglobina corpuscular média, concentração de hemoglobina corpuscular média, proteína total no sangue, leucócitos, segmentados, bastonetes, basófilos, monócitos eosinófilos, linfócitos, plaquetas, ureia, creatinina, proteína total no soro, albumina, globulina e relação albumina/globulina. 3.6.3 Avaliação molecular A avaliação molecular foi realizada no IAL de Bauru. 3.6.3.1. Extração de DNA A extração do DNA foi realizada por meio do sistema automatizado de beads magnéticas, utilizando o kit MTTD-P016 Fast (Loccus, Biotecnologia, Brasil), no equipamento Extracta® (Loccus, Biotecnologia, Brasil). Resumidamente o processo consiste em quatro etapas: lise da 60 amostra, ligação do DNA à sílica, lavagem e eluição. Foram utilizados 100μL de amostra por poço e 5μl de Proteinase K (20mg/ml) na placa de 96 poços de fundo “U” (deepwell) que contém o tampão de lise e beads magnéticas. A placa é encaixada no local determinado do equipamento, assim como as outras placas contendo tampão de lavagem e solução de eluição, a programação da extração é definida conforme orientações do fabricante e após o final do processo, o DNA é recuperado em uma solução de eluição com volume final de 60 μL. A quantificação foi avaliada em espectrofotômetro (Epoch-Biotek, USA), ulitizando-se a placa multi-volume Take3™. 3.6.3.2. Reação em Cadeia da Polimerase Convencional (cPCR) Para realização da técnica da PCR convencional utilizou-se os seguintes reagentes: 16,6 µl de água ultra pura, 2,6 µl de tampão de PCR (50mM KCl, 20mM de Tris-HCl pH 8,4), 0,8 µl de MgCl2 (50mM), 0,5 µl (0,2µM) de cada primer, 0,5 µl de dNTPs (0,2µM) e 0,5 µl (1U) de Taq- polimerase (Platinum®Taq DNA Polimerase, Invitrogen, Brasil) e 2 µl de DNA extraído da amostra. Em seguida realizou-se a incubação das amostras em termociclador Veriti ™ 96-Well Thermal Cycler” (Life Technologies, Carlsbad, USA). Foi realizada a amplificação do gene constitutivo gliceraldeído-3- fosfato desidrogenase (GAPDH) em todas as amostras deste estudo, como controle interno e para avaliar a integridade do DNA extraído. A amplificação foi realizada com os primers GAPDH4R (5’ -ATTAAGTTG GGGCAGGGACT- 3’) e GAPDH4F (5’- AGGCTGAGAACGGGAAACTT- 3’), de acordo com Kullberg et al. (2006) e algumas alterações: um ciclo inicial de 95°C por 50 segundos, seguido de 30 ciclos de desnaturação à 95°C por 30 segundos, anelamento à 60°C por 30 segundos e extensão à 72°C por 30 segundos, seguido por uma extensão final à 72°C por 5 61 minutos. Conforme descrito por Aransay et al. (2000) foi utilizada a sequência da região do minicírculo kDNA que amplifica 720 pb com os iniciadores LINR4 (5’-GGGGTTGGTGTAAAATAGGG-3’) e LIN19 (5’- CAGAACGCCCCTACCCG-3’). Algumas modificações foram realizadas nas seguintes etapas: incubação a 95°C por 1 min, seguido por 30 ciclos, sendo cada ciclo composto de 30 s a 95°C, 30 s a 55°C, e 1 min a 70°C, e uma extensão final a 72°C por 5 min. Os controles positivos utilizados foram cepas de DNA de referência L. infantum (MHOM/BZ/1982) e L. major (MHOM/BZ/1982) da Coleção de Leishmanias do Instituto Oswaldo Cruz (CLIOC FIOCRUZ) e como controle negativo foi utilizado água estéril ultrapura (Invitrogen). 3.6.3.3. Eletroforese em gel de agarose O material amplificado foi visualizado por meio da corrida eletroforética em gel de agarose a 1,5% adicionado de 0,1 μl/mL de SYBR Safe DNA gel stain (Invitrogen, Brasil). Posteriormente adicionou-se em cada poço, 8 μl do material amplificado com 2μl do tampão de corrida (0,25% azul de bromophenol, 0,25% xileno cianol, 30% glicerol, 70% água Milli-Q) e os tamanhos dos fragmentos foram estimados comparando com os marcadores de peso molecular de 100 pb DNA Ladder (Norgen). A corrida eletroforética ocorreu em uma cuba horizontal contendo TBE 1X (0,1M Tris, 0,09M de ácido bórico e 0,001M de EDTA) com voltagem de 100V por 45 minutos. Aos finalizar a corrida, o gel foi levado até transluminador de luz Syngene® (DigiGenius, USA) e o resultado visualizado através da luz ultravioleta (296nm) onde as imagens foram capturadas pelo sistema de documentação digital pelo software EOS utility® (Canon, USA). 62 3.6.3.4. PCR em tempo real Para a determinação da carga parasitária, foi utilizado o sistema SYBR®Green, por meio do equipamento StepOne™ Plus Real Time PCR System (Life Technologies, USA). A sequência alvo utilizada foi a proteína de choque térmico de 70 kDa (hsp70), HSP70F (5'- AGGTGAAGGCGACGAACG-3') e HSP70R (5'-CGCTTGTCCATCTTT GCTTC-3'), adaptado a partir de Hernández et al. (2014) e as condições de ciclagem e concentrações de primers foram realizadas de acordo com padronização realizada anteriormente pelo nosso grupo de pesquisa (Palmeira, 2022). O perfil de ciclagem constou de um ciclo de 95°C por 10 minutos, seguido de 40 ciclos de 95°C por 15s, 62°C por 1 minuto e uma etapa para a curva de dissociação de 95°C por 15s, 60°C por 1 minuto e 95°C por 15s. Foram utilizados 10 µl do reagente Power SYBR®Green PCR Master Mix (Thermo Fisher Scientific, USA), 0,5 µl do primer forward (200nm), 0,75 µl do primer reverse (300nM), 11,75 µl de água ultrapura e 2 µl do DNA extraído. A quantidade de DNA presente nas amostras foi expressa em relação à curva padrão de cada ensaio. Para a realização da curva-padrão foram utilizadas amostras de DNA de cepas de leishmanias procedentes da Coleção de leishmanias do Instituto Oswaldo Cruz - CLIOC FIOCRUZ - RJ, nas concentrações decrescentes de 105 104 103 102 101 100 parasitas/ml. Os resultados foram visualizados e analisados no programa StepOne™ Software v2.3. (Life Technologies, USA). 3.7. Geoprocessamento De modo geral, foi utilizado o Sistema de Informação Geográfica ArcGIS 10. para a construção do banco de dados até a elaboração de alguns produtos cartográficos, com pequenas modificações perpassando 63 pelo software Office Excel 2010 e o Minitab 16.2.4. O georreferenciamento foi realizado com base em informações de endereço de procedência ou por GPS (Global Positioning System). A geocodificação de endereços permitiu as análises de padrões de distribuição espacial dos casos com suporte da Saint Mary’s University – Canadá. 64 Resultados 4. Resultados Trinta e quatro animais foram selecionados para o tratamento e acompanhados no Centro de Controle de Zoonose de Bauru, local onde foram realizadas as avaliações clínicas e coleta de amostras para as avaliações laboratoriais. A figura 5 demonstra a localização geográfica desses animais, correlacionando com a série histórica (2003-julho 2023), referente a ocorrência de casos humanos de leishmaniose visceral. Figura 6: Localização geográfica dos animais tratados para leishmaniose 65 visceral no município de Bauru, correlacionando com os casos de leishmaniose visceral humana. Fonte: Patrícia Matsumoto, 2023 Destes cães, 13 (38,2%) eram fêmeas e 21 (61,8%) machos. A maior parte dos animais não tinha raça definida 28 (82,4%) e os outros seis (17,6%) estavam distribuídos entre as raças: 2 Schnauzer, 1 Pastor Alemão, 1 Boxer, 1 Pinscher e 1 Labrador. A idade variou de 1 a 14 anos, com 17 animais (50%) na faixa entre 1 e 6 anos e 17 animais (50%) entre 7 e 14 anos. A figura 6 retrata os atendimentos e coleta de material para exames sorológicos, moleculares, hemograma completo e perfil renal ao longo do tratamento. Figura 7 (A e B): Avaliação clínica dos cães e coleta de amostras biológicas para o diagnóstico de Leishmaniose Visceral. A) cão acompanhado do seu 66 tutor durante o preenchimento dos formulários (Form-in), B) cão durante o atendimento, acompanhado de sua tutora. Fonte: Arquivo pessoal, 2023 Figura 6 (C a F): Avaliação clínica dos cães e coleta de amostras biológicas para o diagnóstico de Leishmaniose Visceral. C) cão durante a avaliação clínica, D) cão durante a coleta de sangue, acompanhado de seus tutores, E) coleta de sangue do cão por meio da punção da veia jugular, F) coleta de sangue do cão por meio da punção da veia cefálica. 67 Fonte: Arquivo pessoal, 2023 A Tabela 1 mostra os sinais clínicos comumente relatados para Leishmaniose Visceral Canina apresentados pelos cães durante as cinco fases do tratamento (tempos de 0 a 4). 68 Tabela 1: Dinâmica dos sinais clínicos comumente relatados para Leishmaniose Visceral Canina nos animais submetidos ao tratamento ao longo de 12 meses. Tempos Zero 1 2 3 4 Número de animais 34 30 27 22 19 N % N % N % N % N % S in a is c lí n ic o s Linfadenomegalia 18 52,94 11 36,66 5 18,51 3 13,63 0 0,00 Prurido 14 41,17 5 16,66 5 18,51 0 0,00 0 0,00 Conjuntivite 10 29,41 4 13,33 4 14,81 2 9,09 1 5,26 Descamação 10 29,41 3 10,00 4 14,81 0 0 0 0,00 Onicogrifose 8 23,52 5 16,66 4 14,81 2 9,09 0 0,00 Perda de peso 6 17,64 4 13,33 1 3,70 0 0,00 1 5,26 Ceratite 3 8,82 1 3,33 1 3,70 1 4,54 0 0,00 Úlceras 2 6,00 2 20,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Alopecia 1 3,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Anorexia/hiporexia 1 3,00 1 3,33 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Atrofia muscular 1 3,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Claudicação 1 3,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Hiperpigmentação 1 3,00 1 3,33 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Mucosas hipocoradas 1 3,00 1 3,33 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Epistaxis 0 0,00 0 0,00 0 0,00 1 4,54 0 0,00 Febre 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Sintomas neurológicos 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Os animais foram avaliados no início do tratamento (T0) e no T1 (3 meses), T2 (6 meses), T3 (9 meses) e T4 (12 meses) após a primeira dose do tratamento. As tabelas 2 a 6 demonstram os resultados dos exames laboratoriais, tais como hemograma, função renal, proteína total e frações. realizados ao longo do tratamento dos cães. Os valores de referência do laboratório clínico Laborcare sofrem variações de normalidade para algumas células, de acordo com a idade dos animais. Respeitamos esses valores para cada animal na mudança de faixa etária durante o tratamento de 1 ano. Tabela 2: Exames laboratoriais realizados nos 34 cães com diagnóstico de LVC no início do tratamento. T.1 Valores Normal % Aumentado % Diminuído % Não realizado Hemácias 19 57,57 5 15,15 9 27,27 1 Hemoglobina 21 63,63 2 6,06 10 30,30 1 VG 18 54,54 6 18,18 9 27,27 1 VCM 32 96,96 1 3,03 0 0 1 69 HCM 31 93,93 1 3,03 1 3,03 1 CHCM 33 100,00 0 0 0 0 1 PT sangue 8 24,24 25 75,75 0 0 1 Leucócitos 30 90,90 0 0 3 9,09 1 Segmentado 26 78,78 2 6,06 5 15,15 1 Bastonetes 33 100,00 0 0 0 0 1 Basófilos 33 100,00 0 0 0 0 1 Monócitos 31 93,93 1 3,03 1 3,03 1 Eosinófilos 28 84,84 2 6,06 3 9,09 1 Linfócitos 26 78,78 0 0 7 21,21 1 Plaquetas 18 54,54 0 0 15 45,45 1 Ureia 25 73,52 6 17,64 3 8,82 - Creatinina 33 100,00 1 2,94 0 0 - PT soro 17 50,00 17 50,00 0 0 - Albumina 16 47,05 2 5,88 16 47,05 - Globulina 20 58,82 13 38,23 1 2,94 - Relação A/G 23 67,64 1 2,94 10 29,11 - VG: Volume Globular Médio, VCM: Volume Corpuscular Médio, HCM: Hemoglobina Corpuscular Média, CHCM: Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média, PT: Proteína Total. Tabela 3: Exames laboratoriais realizados nos 30 cães com diagnóstico de LVC, após três meses de tratamento. T.2 Valores Normal % Aumentado % Diminuído % Nâo realizado Hemácias 18 32,06 8 27,58 3 10,34 1 Hemoglobina 18 32,06 5 17,24 5 17,24 1 VG 17 58,62 7 24,13 5 17,24 1 VCM 29 100,00 0 0 0 0 1 HCM 29 100,00 0 0 0 0 1 CHCM 29 100,00 0 0 0 0 1 PT sangue 9 27,27 20 68,96 0 0 1 Leucócitos T 20 68,96 0 0 4 13,79 1 Segmentado 20 68,96 0 0 4 13,79 1 Bastonetes 29 100,00 0 0 0 0 1 Basófilos 29 100,00 0 0 0 0 1 Monócitos 27 93,10 2 6,89 0 0 1 Eosinófilos 20 68,96 4 13,79 5 17,24 1 Linfócitos 25 86,20 0 0 4 13,79 1 Plaquetas 18 62,06 0 0 11 37,93 1 Ureia 18 60,00 6 20,00 6 26,26 - Creatinina 30 100,00 0 0 0 0 - PT soro 13 43,43 16 53,53 1 3,33 - Albumina 20 66,66 4 13,33 8 26,26 - Globulina 17 56,66 11 36,66 2 6,66 - Relação A/G 22 73,73 0 0 8 26,26 - Tabela 4: Exames laboratoriais realizados nos 27 cães com diagnóstico de LVC, após seis meses de tratamento. T.3 Valores Normal % Aumentado % Diminuído % Nâo realizado Hemácias 12 48,00 10 40,00 3 12,00 1 Hemoglobina 14 56,00 7 28,00 4 16,00 1 VG 12 48,00 10 40,00 3 12,00 1 70 VCM 25 100,00 0 0 0 0 1 HCM 25 100,00 0 0 0 0 1 CHCM 25 100,00 0 0 0 0 1 PT sangue 10 40,00 15 60,00 0 0 1 Leucócitos T 19 76,00 0 0 6 24,00 1 Segmentado 22 88,00 0 0 3 12,00 1 Bastonetes 26 100,00 0 0 0 0 1 Basófilos 26 100,00 0 0 0 0 1 Monócitos 21 84,00 1 4,00 3 12,00 1 Eosinófilos 21 84,00 2 8,00 2 8,00 1 Linfócitos 19 76,00 0 0 6 24,00 1 Plaquetas 12 48,00 0 0 13 52,00 1 Ureia 21 80,76 2 7,69 3 11,53 - Creatinina 25 96,15 1 3,84 0 0 - PT soro 13 50,00 13 50,00 0 0 - Albumina 12 46,15 8 30,76 6 23,07 - Globulina 19 73,07 7 26,92 0 0 - Relação A/G 19 73,07 0 0 7 26,92 - Tabela 5: Exames laboratoriais realizados nos 22 cães com diagnóstico de LVC, após nove meses de tratamento. T.3 Valores Normal % Aumentado % Diminuído % Não realizado Hemácias 11 52,40 5 23,80 5 23,80 1 Hemoglobina 12 57,14 5 23,80 4 19,04 1 VG 17 80,95 1 4,76 3 14,28 1 VCM 21 100,00 0 0 0 0 1 HCM 21 100,00 0 0 0 0 1 CHCM 21 100,00 0 0 0 0 1 PT sangue 10 47,61 11 52,38 0 0 1 Leucócitos T 18 85,71 0 0 3 14,28 1 Segmentado 20 95,23 0 0 1 4,76 1 Bastonetes 0 0 0 0 0 0 1 Basófilos 0 0 0 0 0 0 1 Monócitos 18 85,71 0 0 3 14,28 1 Eosinófilos 18 85,71 1 4,76 2 9,52 1 Linfócitos 19 90,47 0 0 2 9,52 1 Plaquetas 10 47,61 0 0 11 52,38 1 Ureia 18 81,81 2 9,09 2 9,09 - Creatinina 22 100,00 0 0 0 0 - PT soro 10 45,45 12 54,54 0 0 - Albumina 15 68,18 2 9,09 5 22,72 - Globulina 14 63,63 7 31,81 1 4,54 - Relação A/G 15 68,18 1 4,54 6 27,27 - Tabela 6: Exames laboratoriais realizados nos 19 cães com diagnóstico de LVC, após doze meses de tratamento. T.4 Valores Normal % Aumentado % Diminuído % Não realizados Hemácias 15 78,94 0 0 3 15,78 1 Hemoglobina 11 57,89 4 21,05 3 15,78 1 71 VG 14 73,68 2 10,52 2 10,52 1 VCM 18 94,73 0 0 0 0 1 HCM 18 94,73 0 0 0 0 1 CHCM 18 94,73 0 0 0 0 1 PT sangue 17 89,47 10 52,63 0 0 1 Leucócitos T 14 73,68 0 0 4 21,05 1 Segmentado 16 84,21 0 0 2 10,52 1 Bastonetes 18 94,73 0 0 0 0 1 Basófilos 18 94,73 0 0 0 0 1 Monócitos 14 73,68 2 10,52 2 10,52 1 Eosinófilos 13 68,42 1 5,26 4 21,05 1 Linfócitos 13 68,42 0 0 5 26,31 1 Plaquetas 6 31,57 0 0 11 57,89 1 Ureia 14 73,68 3 15,78 1 5,26 1 Creatinina 17 89,47 1 5,26 0 0 1 PT soro 7 36,84 8 42,10 1 5,26 1 Albumina 10 52,63 4 21,05 4 21,05 1 Globulina 13 68,42 5 26,31 0 0 1 Relação A/G 13 68,42 0 0 5 26,31 1 A extração de DNA das amostras de sangue, soro e linfonodo dos cães em tratamento foi realizada e aquelas que apresentaram um baixo rendimento foram re-extraídas. A ausência de linfadenomegalia e a dificuldade na contenção dos cães (agressivos, inquietos) durante algumas fases do tratamento, afetaram a coleta de algumas amostras. A quantificação de DNA demonstrou pureza adequada (MATLOCK, 2015) com uma relação de absorbância 260/280 entre 1,8 e 2,0. Ao analisar a integridade do DNA extraído com primers que amplificam uma região conservada do gene GAPDH, todas as amostras amplificaram, demonstrando assim ausência de inibidores de DNA e consequente validação para utilização em nossos estudos (GILSBACH et al., 2006; DE CASSIA-PIRES et al., 2017). Os exames de cPCR foram parcialmente analisados no Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Vigilância Laboratorial em Saúde Pública “Avaliação diagnóstica da aplicação da reação em cadeia da polimerase convencional em amostras biológicas de cães em tratamento para leishmaniose visceral no município de Bauru-SP”, porém foram compilados neste trabalho, juntamente com os dados de qPCR a fim de 72 uma comparação das técnicas diagnósticas. A Figura 7 ilustra um gel de agarose com algumas amostras positivas na cPCR e a tabela 7 a distribuição da positividade para Leishmania spp. em diferentes amostras. Figura 8: Gel de agarose a 1,5% utilizando os primers LinR4, Lin19 720 pb. 1) DNA Ladder Norgen 100pb, 2) cão 1 Sangue T0, 3) cão1 Soro T0, 4) cão 14 Sangue T0, 5) cão 14 Soro T0, 6) Cão 14 Linfonodo T0, 7) cão 21 Sangue T0, 8) cão 21 Soro T0, 9) cão 21 Linfonodo T0, 10) cão 20 Sangue T0, 11) cão 20 Soro T0, 12) cão 27 Linfonodo T0, 13) cão 27 Sangue T0, 14) cão 32 Soro T0, 15) cão 32 Linfonodo T0, 16) cão 32 Sangue T0, 17) Cão 32 Soro T0, - controle negativo, + controle positivo utilizando cepa padrão Leishmania. Tabela 7: Distribuição da positividade para Leishmania spp. em diferentes amostras, na cPCR, em diferentes tempos de tratamento. AMOSTRAS T-0 T-1 T2 T3 T4 Sangue 32,35% (11/34) 16,66% (5/30) 11,11% (3/27) 4,54% (1/22) 5,26% (1/19) Soro 11,76% (4/34) 3,33% (1/30) 7,4% (2/27) 4,54% (1/22) 5,26% (1/19) Linfonodo 50% (9/18) 45,45% (5/11) 40% (2/5) 33,33% (1/3) 0% NR Os animais foram avaliados no início do tratamento (T0) e no T1 (3 meses), T2 (6 meses), T3 (9 meses) e T4 (12 meses) após a primeira dose do tratamento. A análise por cPCR de todos os animais nos períodos de tratamento avaliados estão descritos na tabela 8. 74 Tabela 8: Avaliação por PCR convencional dos cães em tratamento para leishmaniose ao longo do tratamento. Tempo Zero Tempo 1 Tempo 2 Tempo 3 1 ano de tratamento Cães Class. 1-7 Linf. Sangue Soro Class. 1-7 Linf. Sangue Soro Class. 1-7 Linf. Sangue Soro Class. 1-7 Linf. Sangue Soro Class. 1-7 Linf. Sangue Soro 1 4 N N N 3 NR N N 3 NR N N 3 NR N N 2 NR N N 2 1 NR P N 1 NR P N 7 - - - - - - - - - - - 3 3 NR N N 1 NR P N 7 - - - - - - - - - - - 4 4 P N N 2 P N N 2 N N N 1 N N N 1 NR N N 5 4 P N N 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 6 4 N N N 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 7 3 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 8 3 NR N N 2 NR N N 2 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 9 4 N N N 3 N N N 2 NR N N 2 NR N N 2 NR N N 10 3 NR N N 3 NR N N 3 NR N N 2 NR N N 1 NR N N 11 3 NR N N 3 P N N 1 NR P P 1 NR P P 2 NR P P 12 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 1 NR N N 13 4 N N N 1 N N N 1 NR N N 1 N N N D - - - 14 5 N N N 2 N N N 2 NR N N 2 NR N N 2 NR N N 15 4 NR P N 3 NR N N 3 NR N N 4 NR N N 4 NR N N 16 3 NR P N 4 NR P N 3 NR N N 3 NR N NR 3 NR N N 17 4 P P N 4 N N N 3 P N N 3 N N N 3 NR N N 18 4 NR N N 2 NR N N 2 NR N N 2 NR N N 2 NR N N 19 3 NR N N 3 NR N N 3 NR N N 3 NR N N 3 NR N N 20 5 P P N 5 P P N 7 - - - - - - - - - - - 21 5 P P N 4 N N N 4 NR N N 4 P N N 4 NR N N 22 5 N N N 4 NR N N 5 N N N 6 - - - - - - - 23 5 N N N 4 P N N 2 NR N N 2 NR N N 2 NR N N 24 3 NR P N 3 NR N N 3 NR N N 3 NR NR N 3 NR N N 25 5 NR N N 3 NR N N 5 NR N N 6 - - - - - - - 26 5 P P P 5 P P P 5 P P P 6 - - - - - - - 27 5 P P P 4 N N N 4 N N N D - - - - - - - 28 5 NR N N 5