LUANA CARDOSO GRANGEIRO Estudo do crescimento e controle de biomassa na produção de biohidrogênio a partir da fermentação escura de vinhaça de cana-de-açúcar usando reatores contínuos de tubos múltiplos Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia do Instituto de Química, Universi- dade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para a obtenção do Título de Dou- tor em Biotecnologia. Orientadores: Profª Drª Kelly J. Dussán Medina Profº Drº Marcelo Zaiat Araraquara 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Araraquara CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA TESE: "Estudo do crescimento e controle de biomassa na produção de biohi- drogênio a partir da fermentação escura de vinhaça de cana-de-açú- car usando reatores contínuos de tubos múltiplos" AUTORA: LUANA CARDOSO GRANGEIRO ORIENTADORA: KELLY JOHANA DUSSAN MEDINA COORIENTADOR: MARCELO ZAIAT Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Doutora em BIOTECNOLOGIA, pela Comissão Examinadora: Profa. Dra. KELLY JOHANA DUSSAN MEDINA (Participação Virtual) Departamento de Engenharia, Física e Matemática / Instituto de Química - UNESP – Araraquara Prof. Dr. ARNALDO SARTI (Participação Virtual) Departamento de Engenharia, Física e Matemática / Instituto de Química - UNESP – Araraquara Prof.ª Dr.ª LORENA OLIVEIRA PIRES (Participação Virtual) Departamento de Engenharia, Física e Matemática / Instituto de Química - UNESP – Araraquara Prof. Dr. LUCAS TADEU FUESS (Participação Virtual) Departamento de Engenharia Química / Escola Politécnica - USP - São Paulo Dr.ª. ANA PAULA TREVISAN (Participação Virtual) Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE - Toledo Araraquara, 27 de maio de 2022 Instituto de Química - Câmpus de Araraquara Rua Prof. Francisco Degni, 55, 14800060, Araraquara - São Paulo http://www.iq.unesp.br/#!/pos-graduacao/biotecnologia/CNPJ: 48.031.918/0027-63. DADOS CURRICULARES IDENTIFICAÇÃO Nome: Luana Cardoso Grangeiro Nome em citações bibliográficas: Grangeiro, L. C.; Grangeiro, Luana Cardoso; Grangeiro, Luana ENDEREÇO PROFISSIONAL: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP Campus de Araraquara, Instituto de Química de Araraquara: Rua Prof. Francisco Degni, n. 55, Bairro Quitandinha, CEP: 14800-060 Araraquara/ SP Brasil. FORMAÇÃO ACADÊMICA/TITULAÇÃO 2017-2022: Doutorado em Biotecnologia Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP Araraquara, Brasil. Título: Estudo do crescimento e controle de biomassa na produção de biohidrogênio a partir da fermentação escura de vinhaça de cana-de-açúcar usando reatores contínuos de tubos múltiplos Orientadora: Kelly Johana Dussán Medina Coorientador: Marcelo Zaiat Bolsista do Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, Brasil. 2014-2016: Mestrado em Engenharia Química. Universidade Federal do Pará, UFPA, Brasil. Título: Avaliação da capacidade biolixiviante de um minério de ouro do Estado do Pará por Acidithiobacillus ferrooxidans Orientador: Kleber Bittencourt Oliveira Coorientadora: Denise Bevilaqua Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Grande Área: Engenharias 2008 – 2014: Graduação em Engenharia Química Universidade Federal do Pará, UFPA, Brasil. Com período sanduíche em Instituto Superior Técnico – Lisboa, Portugal Título: Preparation, characterization and performance of chromatographic membrane with phenylboronate ligands for the biomolecules purification. Orientador: Marília Clemente Velez Mateus Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA Capítulos de livros: • Grangeiro, L. C.; de Almeida, S. G. C.; Mello, B. S.; Fuess, L. T.; Sarti, A.; Dussán, K. J. New trends in biogas production and utilization. In: Mahendra Rai; Avinash P. Ingle. (Org.). Sustainable Bioenergy. 1ed.Amsterdã: Elsevier, 2019, v. 1, p. 199-223. DOI: https://doi.org/10.1016/B978-0-12-817654-2.00007-1. • Rodrigues, B.C.G., de Mello, B.S., Grangeiro, L.C., Sarti, A., Dussán, K.J. Mi- crobial degradation in the biogas production of value-added compounds. Re- cent Advances in Microbial Degradation. 2021. DOI: 10.1007/978-981-16-0518- 5_3 Artigo publicado • Silva, D. D.V.; Dussán, K. J.; Idarraga, A.; Grangeiro, L.; Silva, S. S.; Cardona, C. A.; Quintero, J.; Felipe, M.G.A. Production and purification of xylitol by Schef- fersomyces amazonenses via sugarcane hemicellulosic hydrolysate. Biofuels, Bioproducts & Biorefining-Biofpr, v. 14, p. 344-356, 2020. DOI: https://doi.org/10.1002/bbb.2085 Participação em eventos científicos Apresentação de trabalho • Luana Cardoso Grangeiro; Marcelo Zaiat; Kelly Johana Dussán Medina. New proposal of reactor configuration for biohydrogen production from Brazilian sug- arcane vinasse. In: 7th Brazilian Biotech Congress and 2nd Biotech Ibero- American Congress. November 18-21, 2018. Brasília, Brazil. Poster presen- tation. • Luana Cardoso Grangeiro, Lucas Tadeu Fuess, Marcelo Zaiat, Kelly Johana Dussán Medina. Avaliação de reatores tubulares para a produção de biohidro- gênio a partir de água sintética (sacarose). Em: 1º Congresso da Associação Brasileira do Hidrogê-nio. 07 e 08 de novembro, 2019. Rio de Janeiro, Brasil. Apresentação de Pôster. • Ana Paula Trevisan, Eduardo B. Lied, Willyan G. de Souza, Kauanna U. De- vens, Tamiris U. Tonello, Giovane Biasotto, Luana C. L. Rossi, José R. Fernan- des, Luana Cardoso Grangeiro, Simone D. Gomes. Efeito da carga orgânica e TDH na produção de biohidrogênio. Em: 1º Congresso da Associação Bra- sileira do Hidrogênio. 07 e 08 de novembro, 2019. Rio de Janeiro, Brasil. Apresentação de Pôster. • Willyan G. de Souza, Ana Paula Trevisan, Tamiris U. Tonello, Luana Cardoso Gran-geiro, Simone D. Gomes. Diferença de inóculos na produção de biohi- drogênio com efluente de fecularia de mandioca em RCTM. Em: 1º Congresso da Associação Bra-sileira do Hidrogênio. 07 e 08 de novembro, 2019. Rio de Janeiro, Brasil. Apresentação de Pôster. • Kauanna U. Devens, Ana Paula Trevisan, Tamiris U. Tonello, Giovane Biasotto, Luana C. L. Rossi, José R. F. Santos, Eduardo B. Lied, Luana Cardoso Gran- geiro, Simone D. Gomes. Produção de H2 e CH4 em reator AnSBBR alimen- tado com efluente de mandioca. Em: 1º Congresso da Associação Brasileira do Hidrogênio. 07 e 08 de novembro, 2019. Rio de Janeiro, Brasil. Apresenta- ção de Pôster. Trabalhos completos publicados em anais • Grangeiro, L.C.; Fuess, L.T; Zaiat, M.; Dussán, K. J. Avaliação de reatores contínuos tubulares para a produção de biohidrogênio a partir de água sintética com base sacarose. Em: III Seminário do Projeto Temático FAPESP, 2019, São Carlos. Anais do III Seminário do Projeto Temático FAPESP "Aplicação do con- ceito de biorrefinaria a estações de tratamento biológico de águas residuárias", 2019. v. 1. p. 193-201. • Grangeiro, L.C.; Fuess, L.T; Zaiat, M.; Dussán, K. J. Avaliação de reatores contínuos tubulares para a produção de biohidrogênio a partir de vinhaça de cana-de-açúcar. Em: IV Seminário do Projeto Temático FAPESP, 2020, São Carlos. • Braga, A. F. M.; Grangeiro, L.C.; Fermoso, F. G.; Zaiat, M. Precipitação quí- mica de SO4+2 com BACl2: estratégia de aumento da produção de CH4 a partir da vinhaça. Em: IV Seminário do Projeto Temático FAPESP, 2020, São Carlos. Outros • Participação no 1º Workshop de Empreendedorismo realizado no Instituto de Química –UNESP Araraquara, no dia 18 de junho de 2018, com duração de 3 horas. • Coorientação do aluno bolsista PIBIC-Junior (ENSINO_MEDIO_CNPQ - En- sino Médio) Raphael Felix Toledo Mendes. Projeto intitulado: Obtenção de lig- nina de biomassa de cana-de-açúcar visando a produção de energia,2018. • Participação no evento científico intitulado “One-day Workshop on metal reco- very from mining waters and electronic waste and energy and material recovery from agro-industrial waste” realizado na Escola de Engenharia – USP, São Car- los, no dia 10 de Julho de 2019. • Participação como avaliadora de trabalhos na 4ª Semana de Engenharia Quí- mica a ser realizada no Instituto de Química –UNESP Araraquara, nos dias 13 a 16 de agosto, 2019. Dedico esta tese de doutorado a mim! AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por segurar a minha mão e ser a força que eu precisava em cada etapa da construção desta tese, assim como em cada etapa da minha vida. Obrigada Senhor por eu chegar até aqui com fé, esperança e amor. Agradeço a mim! Sim, à Luana que a cada dia é construída dentro de mim. O doutorado acabou, mas continuo a minha jornada como profissional e pessoa. Agradeço a mim por ter a paciência e a resiliência de permanecer estudando e lutando pela otimização do meu processo! Por não ter desistido e por estar hoje escrevendo esta tese! Agradeço a minha família. Nossa, como eu amo vocês e sou feliz por ter vocês como família! Meus pais Marcos e Dete, meus maiores incentivadores para eu ser a primeira doutora da família, como eles falam para todos que encontram! Obrigada por compre- enderem a minha saída de casa e a minha ausência em tantos momentos para lutar por esse sonho que hoje se torna realidade! Sem o apoio de vocês, sem dúvida, eu não estaria aqui! Obrigada por terem me criado e me instruído a seguir sempre o caminho da honra, da gratidão e do amor. Amo tanto vocês, meus velhinhos lindos! Meus irmãos gordinhos Maykson e Luciana, vocês são os meus primeiros e melhores amigos da vida! Como eu sinto a falta de vocês todos os dias. Tenho orgulho de ver os adultos que nos tornamos. Obrigada por entenderem a minha ausência nos aniver- sários, formaturas, natais, em todos os grandes momentos de comemoração, por es- cutarem o que eu fazia no laboratório e por todas as vezes que assistiram com paci- ência as minhas apresentações/seminários. Minha cunhada Ingride e minha sobrinha Ana Clara, vocês são tão importantes para mim! Obrigada por chegarem em nossa família e trazer tanta alegria! Obrigada por entenderem que eu era a cunhada e tia distante porque estava em São Paulo fazendo o doutorado. Amo todos vocês! Sem o apoio diário de vocês, eu teria voltado para casa rapidinho! Agradeço aos meus pastores Marcelo e Vanessa. Obrigada por me acolherem em sua casa, me alimentarem e me ajudarem nesta caminhada. Obrigada por todos os conselhos e por me lembrar que eu deveria fazer o meu doutorado com amor e excelência! Agradeço a minha orientadora e mentora, Dra Kelly Dússan Medina. Nossa, quanta coisa vivemos ao longo destes anos. Quantas reuniões, encontros de grupo, discussões de vários temas e alinhamentos. Como falamos na primeira conversa: o doutorado é como um casamento, por isso precisamos entender de verdade o que queremos! Hoje entendo cada orientação, hoje mais madura, quero dizer o quanto você me ajudou, investiu tempo e dinheiro, lutou junto comigo para o desenvolvimento deste trabalho. Obrigada por tudo! Conseguimos!!! Agradeço aos meus orientadores Dr. Lucas Fuess e Prof. Dr. Marcelo Zaiat pelo apoio e conhecimento compartilhado. Obrigada pela paciência e acolhimento no Laboratório de Processos Biológicos - LPB. Trabalhar na mesma equipe que vocês foi uma oportunidade incrível de aperfeiçoamento profissional e também pessoal! Agradeço a todos os amigos maravilhosos que fiz ao longo deste doutorado! Não irei citar nomes porque com certeza vou esquecer alguém, e meu objetivo é demonstrar a minha gratidão sincera por cada pessoa que conheci e convivi neste período de pós- graduação na cidade de São Carlos e Araraquara. Foram 5 anos, conheci muitas pessoas incríveis, outras não tão incríveis assim e sim, fiz muitas amizades!!! Por isso agradeço aos amigos da igreja, amigos nacionais e internacionais, as técnicas do laboratório, aos pós doutorandos, alunos de mestrado e doutorado, professores, aos funcionários da universidade. Eu só consegui desenvolver o meu doutorado porque eu não trabalhei sozinha! Eu tive ajuda de amigos incríveis! Amo vocês! Love you! Te quiero! Saranghe! Quero agradecer a minha primeira casa, a Universidade Federal do Pará, por ter me dado todas as oportunidades que eu precisava para ser a engenheira química que eu sou. Agradeço a Universidade Estadual Paulista e a Universidade de São Paulo, minhas segundas casas ao mesmo tempo, lugares onde validei conhecimentos, construí novos e reformulei alguns. Ainda, agradeço a CAPES e FAPESP, pela concessão da bolsa de estudos e recursos para desenvolver a minha pesquisa de doutorado. Ah, não podia deixar de agradecer aos meus reatores e bactérias que me fizeram companhia de dia, de tarde e noite, durante a semana e finais de semana! Eu passei mais tempo com vocês do que com seres humanos nos últimos anos! Só nós sabemos o que compartilhamos, jamais esquecerei! Foi difícil me despedir de vocês, mas a nossa relação foi boa e agradeço por toda a nossa convivência. Afinal, sem vocês, literalmente, eu não teria os resultados da tese! E claro, sou muito grata a todas as xícaras de café que tomei! Meu querido café, companheiro de escrita e experimentos de dia, de tarde, de noite e de madrugada! Obrigada por me manter acordada sempre que precisei! O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior - Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001. “Muito dos fracassos da vida aconte- cem porque as pessoas não percebem quão próximas estavam do sucesso no momento em que desistiram.” Thomas Edison “Nunca, nunca, nunca desista! E nunca ceda, a não ser às convicções de honra e bom senso.” Winston Churchill RESUMO Estudos mostram que a perda de desempenho em sistemas fermentativos após 20 dias de operação pode estar associada ao crescimento inadequado de microrganismos, resultando em excesso ou falta de biomassa nos reatores. O parâmetro que permite medir a relação alimento/microrganismo e consequentemente controlar a biomassa nos reatores é chamado de carga orgânica volumétrica específica (COVe). Desta forma, desenvolver um projeto de reator que permita o controle adequado da COVe pode ser um fator chave na produção de biohidrogênio (BioH2) a longo prazo. Neste contexto, os reatores contínuos de tubos múltiplos (RCTMs) tem se destacado como uma tecnologia promissora devido à sua estrutura fornecer uma região de tubos para fixação da biomassa microbiana, sem utilização de material suporte e ainda permitir a manutenção da COVe, por meio do descarte contínuo da biomassa. Nesta sequência, o objetivo desta pesquisa foi estudar RCTMs com 10 (RCTM10) e 18 (RCTM18) tubos no controle de processo em função da COVe. Na primeira etapa, o RCTM18 foi operado sob condição mesofílica de temperatura (25°C), inoculado por processo de autofermentação e alimentado com água residuária sintética, à base de sacarose como fonte de carbono. Os resultados mostraram que o RCTM18 apresentou o controle adequado de COVe (3,3 – 6,33 gDQOg-1SSV d-1), porém apresentou baixo rendimento médio de hidrogênio (0,043 ± 0,006 molH2.molCH-1), com uma produção volumétrica máxima igual a 415,1 ± 422,1 mLH2 L-1d-1, em faixa de operação de pH 4-5,5. Na segunda etapa, os RCTMs sob condições termofílicas de temperatura (55°C) foram inoculados por processo de autofermentação e alimentados com vinhaça de cana-de-açúcar, como fonte de carbono. O RCTM18 apresentou o melhor resultado no controle da COVe (2,0 - 8,0 gDQO.g-1SSV.d-1) em comparação com o RCTM10 (0,5 – 4,0 gDQO g-1SSV d-1), e semelhante a faixa ótima (2,0 - 7,0 gDQO.g-1SSV.d-1) encontrada na literatura. O RCTM18 (0,0006 ± 0,014 molH2.gDDQO-1) e o RCTM10 (0,0013 ± 0,003 molH2.gDQO- 1) apresentaram rendimentos médios de hidrogênio quase nulos. Na terceira etapa, as biomassas acidogênicas dos RCTMs obtidas na operação contínua foram testadas em reatores em modo batelada, as quais produziram hidrogênio e ácidos orgânicos. A quarta e última etapa consistiu no estudo de biologia molecular para a quantificação de metabólitos e caracterização da microbiota, o qual apresentou valores de abundância relativa ao gênero Clostridium sensu stricto 7 (19,87%) no RCTM10 e Bacillus (18,32%) no RCTM18. Isto permitiu a discussão e fundamentação dos https://www.sciencedirect.com/topics/earth-and-planetary-sciences/clostridium resultados desta pesquisa, verificando que os RCTMs se mostraram configurações com potencial para o controle da COVe em meio sintético e vinhaça de cana-de- açúcar, sem a necessidade de descarte de biomassa ou material suporte para adesão dos microrganismos. Palavras-chaves: Fermentação escura, biomassa microbiana, carga orgânica volumétrica específica, vinhaça de cana-de-açúcar. ABSTRACT Studies have shown that the loss of performance after 20 days of operation may be associated with factors such as inadequate growth of microorganisms (excess or lack of biomass in the reactors). The specific organic loading rate (SOLR) is the parameter that allows to measure the food/microorganism ratio and consequently control the biomass in the reactors. Thus, developing a reactor design that allows adequate control of the SOLR may be a key factor in long-term BioH2 production. Based in this background, continuous multiple tube reactors (CMTRs) have stood out as a promising technology due to their structure providing a region of tubes for microbial biomass retention, without the use of support material and also allowing the maintenance of the SOLR, by continuous biomass disposal. Accordingly, the aim of this study was to evaluate the performance of two CMTRs with different number of tubes in controlling SOLR. At first step, the control reactor (CR) and the CMTR18 was operated under mesophilic temperature conditions (25°C), inoculated by a natural fermentation process and fed with synthetic wastewater based on sucrose as the carbon source. The results showed the CMTR18 presents the adequate SOLR control (3,3 – 6,33 gCDO g-1SSV d-1) but showed low yield of hydrogen (0,043 ± 0,006 molH2.molCH-1), maximum volumetric production equal 415,1 ± 422,1 mLH2 L-1d-1, working in a range of pH pH 4-5,5. At second step, CMTRs with 10 and 18 tubes were operated under thermophilic temperature conditions (55°C), inoculated by a natural fermentation process and fed with sugarcane wastewater. The CMTR18 presented the best performance in the SOLR (2,0 - 8,0 gDQO.g-1SSV.d-1) relate to CMTR10 (0,5 – 4,0 gDQO g-1SSV d-1), and similar to the optimal SOLR control range found in the literature (2,0 - 7,0 gDQO.g-1SSV.d-1). CMTR18 (0,0006 ± 0,014 molH2.gDDQO-1) and CMTR10 (0,0013 ± 0,003 molH2.gDQO-1) have obtained average yields of hydrogen near zero. At third step, the acidogenic biomasses produced in the CMTRs were tested in batch mode reactors to check the hydrogen production potential of these biomasses. The final step consisted of the molecular biology study for the quantification of metabolites and characterization of the microbiota in strategic points of all operations, which presented values of relative abundance to the genus Clostridium sensu stricto 7 (19.87%) in CMTR and Bacillus (18.32%) in CMTR18. This allowed the discussion and substantiation of the results of this research, verifying that the CMTRs showed configurations with potential for the control of SOLr in synthetic medium and sugarcane vinasse, without the need to discard biomass or support material for adhesion of microorganisms. Keywords: Dark fermentation, biomass, specific organic loading rate, sugarcane vinasse. Lista de Figuras Figura 1. Processos biológicos dependentes e independentes de energia luminosa aplicados para a produção de hidrogênio .......................................................................... 34 Figura 2. Sequências metabólicas e grupos microbianos envolvidos na digestão anaeróbia. ............................................................................................................................... 36 Figura 3. Fluxograma simplificado da produção de açúcar e etanol. ............................ 50 Figura 4. Características construtivas do RCTM: A) dimensões do reator e B) ranhuras confeccionadas nas paredes internas dos tubos no formato rosca sem fim. Legenda: 1) saída de efluente, 2) tubos de PVC, 3) câmara de saída do efluente, 4) saída Características construtivas do RCTM com 12 tubos: A) dimensões do reator e B) ranhuras confeccionadas nas paredes internas dos tubos no formato rosca sem fim. Legenda: 1) saída de efluente, 2) tubos de PVC, 3) câmara de saída do efluente, 4) saída do biogás, 5) dreno do efluente. ............................................................................... 75 Figura 5. Fluxograma das etapas do processo de obtenção de hidrogênio: A) Operação com água sintética e B) Operação com vinhaça de cana-de-açúcar. ........ 80 Figura 6. Representação esquemática do aparato experimental utilizado. Legenda: 1 reservatório de afluente sintético; 2- bombas peristálticas, 3- RCTM, 4- medidores de gás, 5- sistema Arduíno, ( ) correntes líquidas, (--) correntes de biogás. .................. 84 Figura 7. Detalhes do aparato experimental utilizado: A) Montagem dos reatores na câmara climatizada, B) Reservatório para alimentação dos reatores acidogênicos, C) Medidor tubo em U e sistema Arduíno. .............................................................................. 85 Figura 8. Representação esquemática do aparato experimental utilizado. Legenda: 1 reservatório de vinhaça de cana-de-açúcar; 2- bombas dosadoras, 3- RCTM10, 4- RCTM 18, 5- medidores de gás, 6- sistema Arduíno, ( ) correntes líquidas, (--) correntes de biogás. .............................................................................................................. 89 Figura 9. Características construtivas A) RCTM10 e B) RCTM18. ............................... 90 Figura 10. Detalhes do aparato experimental utilizado: A) Montagem dos reatores na câmara climatizada, B) Reatores acidogênicos, C) Medidor tubo em U e sistema arduíno. ................................................................................................................................... 91 Figura 11. Representação esquemática do sistema experimental em batelada. ....... 94 Figura 12. Detalhes do sistema experimental dos reatores em batelada: A) Montagem dos reatores no shaker com agitação e temperatura, B) Inoculação dos reatores e C) Fluxionamento de nitrogênio para anaerobiose. .............................................................. 94 Figura 13. Fluxograma informativo de quantidades de amostras coletadas para realização de análise de biologia molecular. ................................................................... 106 Figura 14. Produção de BioH2: A) produção volumétrica de hidrogênio (PVH), B) rendimento de hidrogênio (HY), C) proporção de H2 e CO2 na composição de biogás. Legenda: A) PVH (-■-); HY (-□-), B) CO2 (-■-); H2 (-□-) ................................................ 108 Figura 15. Monitoramento do RCTM18: A) pH, B) conversão de carboidrato total, C) redução DQOt. ..................................................................................................................... 116 Figura 16. Dinâmica da retenção e acúmulo de biomassa no RCTM18. ................... 117 Figura 17. Metabólitos solúveis quantificados no RCTM18 ao longo da operação da fase acidogênica: A) perfil temporal de concentração de metabólitos e B) proporção de metabólitos Concentração e distribuição de ácidos. ................................................ 125 Figura 18. Produção de BioH2 nos RCTMs: A) Produção volumétrica de hidrogênio (PVH). B) rendimento de hidrogênio (HY) na operação dos RCTMs com vinhaça de cana de açúcar. .................................................................................................................... 127 Figura 19. Composição de biogás nos reatores acidogênicos: A) composição de biogás no RCTM10 e B) composição de biogás no RCTM18. ..................................... 129 Figura 20. Monitoramento dos reatores acidogênicos em relação: A) pH, B) consumo do carboidrato total, C) consumo de glicerol e D) DQOt. .............................................. 132 Figura 21. Dinâmica da retenção e acúmulo de biomassa nos reatores acidogênicos. ................................................................................................................................................ 135 Figura 22. Metabólitos solúveis quantificados no RCTM10 ao longo da operação da fase acidogênica: A) perfil temporal de concentração de metabólitos e B) proporção de metabólitos. ..................................................................................................................... 142 Figura 23. Metabólitos solúveis quantificados no RCTM18 ao longo da operação da fase acidogênica: A) perfil temporal de concentração de metabólitos e B) proporção de metabólitos. ..................................................................................................................... 143 Figura 24. Perfil de produção de H2 em mols ao longo da operação em batelada. . 146 Figura 25. Representação filogenética da comunidade microbiana nas amostras obtidas durante: A) início da operação contínua dos RCTMs e B) final da operação em batelada, baseando-se no 16S RNAr (região V4). ......................................................... 148 Figura 26. Composição microbiana no nível gênero das amostras obtidas durante: A) início da operação contínua dos RCTMs e B) final da operação em batelada, baseando-se no 16S RNAr (região V4). .......................................................................... 149 Figura 27. Balanço de massa global da fase acidogênica RCTM10. Cálculos em relação à DQOs efluente; Cálculos em relação à DQOt afluente. ............................... 154 Figura 28. Balanço de massa global da fase acidogênica RCTM18. Cálculos em relação à DQOs efluente; Cálculos em relação à DQOt afluente. ............................... 154 Lista de Tabelas Tabela 1. Reações envolvidas na fermentação escura. ................................................. 42 Tabela 2. Resumo de valores de COVe em que ocorreu produção de H2. ................. 61 Tabela 3. Apresentação de trabalhos dos últimos 20 anos sobre as principais configurações dos reatores utilizados na produção de hidrogênio. .............................. 68 Tabela 4. Solução de micronutrientes (água residuária sintética). ................................ 81 Tabela 5. Caracterização físico-química das amostras de vinhaça de cana-de-açúcar coletadas na safra de 2019 para alimentar os reatores. ................................................. 86 Tabela 6. Resumo das dimensões dos reatores RCTM10 e RCTM18. ....................... 88 Tabela 7. Resumo das condições operacionais da operação com os RCTMs. .......... 92 Tabela 8. Condições operacionais do reator em batelada com biomassa obtida do RCTM10. ................................................................................................................................. 95 Tabela 9. Condições operacionais para o reator em batelada com biomassa obtida do RCTM18. ................................................................................................................................. 95 Tabela 10. Análises e metodologias utilizadas para o monitoramento dos reatores acidogênicos ........................................................................................................................... 96 Tabela 11. Fatores de equivalência aplicados no balanço de massa. ....................... 105 Tabela 12. Desempenho do RCTM18 no ensaio realizado com água sintética. ...... 112 Tabela 13. Balanço de biomassa no RCTM18 com TDH de 4h. ................................ 119 Tabela 14. Resultados principais de metabolitos produzidos. ..................................... 124 Tabela 15. Balanço de biomassa dos reatores. ............................................................. 139 Tabela 16. Balanço de massa da fase solúvel e balanço de massa global calculados para a fase acidogênica do RCTM18. .............................................................................. 153 Tabela 17. Balanço de massa da fase solúvel e balanço de massa global calculados para a fase acidogênica do RCTM10. .............................................................................. 153 Lista de abreviaturas e siglas AFBR: reator anaeróbio de leito fluidizado (anaerobic fluidized-bed reactor) APBR: reator de leito fixo empacotado (anaerobic packed-bed reactor) ASBR: reator anaeróbio em bateladas sequenciais (anaerobic sequencing batch reactor) ASTBR: reator anaeróbio de leito estruturado (anaerobic structured-bed reactor) C12H22O11: sacarose CH4: metano CO2: dióxido de carbono, gás carbônico COVa: carga orgânica volumétrica aplicada COVe: carga orgânica volumétrica específica CSTR: reator anaeróbio continuamente agitado (continuously stirred-tank reactor) DQOt: demanda química de oxigênio total ECSAC: eficiência de conversão de sacarose EGSB: reator de leito expandido granular (expanded granular sludge-bed reactor) ERDQO: eficiência de remoção de DQO EtOH: etanol H2: hidrogênio molecular H2O: água HAc: ácido acético HBu: ácido butírico HLa: ácido láctico HPr: ácido propiônico HY: rendimento de hidrogênio N2: nitrogênio molecular PVH: produção volumétrica de hidrogênio RCTM: reator contínuo de tubos múltiplos (continuous multiple tube reactor) RCTM10: reator contínuo de tubos múltiplos com 10 tubos RCTM18: reator contínuo de tubos múltiplos com 18 tubos SSV: Sólidos suspensos voláteis T: temperatura, TCD: detector de condutividade térmica (termal conductivity detector) TDH: tempo de detenção hidráulica TRS: tempo de retenção de sólidos UASB: reator anaeróbio de fluxo ascendente e manta de lodo (upflow anaerobic sludge blanket reactor) VBG: vazão de biogás SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO E MOTIVAÇÃO DO PROJETO ........................................... 23 2. HIPÓTESE E OBJETIVOS ........................................................................... 26 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ......................................................................... 27 3.1. Transição energética mundial ................................................................... 28 3.2. Energia renovável, meio ambiente e políticas ........................................... 29 3.3. Hidrogênio: o carreador de energia do futuro ........................................... 31 3.4. Processos de produção de hidrogênio ...................................................... 32 3.5. Processos biológicos ................................................................................ 33 3.6. Digestão anaeróbia ................................................................................... 35 3.6.1. Fermentação escura: fundamentos ....................................................... 37 3.7. Interferentes do processo ......................................................................... 41 3.7.1. Tempo de detenção hidráulica – TDH ................................................... 43 3.7.2. Potencial hidrogeniônico – pH ............................................................... 44 3.7.3. Temperatura .......................................................................................... 45 3.7.4. Substratos ............................................................................................. 47 3.7.5. Inóculo e pré-tratamento ........................................................................ 53 3.7.6. Carga orgânica volumétrica - COVa ..................................................... 55 3.7.7. Carga orgânica volumétrica específica – COVe .................................... 57 3.7.8. Configuração de reatores ...................................................................... 64 3.8. Reatores contínuos de tubos múltiplos ..................................................... 73 4. MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................. 79 4.1. Instalação e organização dos experimentos ............................................. 79 4.2. Metodologia aplicada para a operação com água sintética ...................... 81 4.2.1. Substrato sintético ................................................................................. 81 4.2.2. Inóculo ................................................................................................... 82 4.2.3. Montagem e operação dos reatores acidogênicos ................................ 82 4.3. Metodologia aplicada para a operação com a vinhaça de cana-de-açúcar 85 4.3.1. Origem, coleta e caracterização da vinhaça .......................................... 85 4.3.2. Inóculo ................................................................................................... 87 4.3.3. Montagem e operação dos reatores acidogênicos ................................ 87 4.4. Metodologia aplicada para a operação com reatores em modo batelada . 92 4.5. Avaliação e monitoramento dos reatores acidogênicos ............................ 95 4.6. Principais equações utilizadas para verificação do desempenho dos reatores 98 4.7. Cálculo da Carga Orgânica Volumétrica Específica (COVe) .................. 100 4.8. Balanço de massa .................................................................................. 103 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................. 107 5.1. Desempenho do RCTM18: água sintética .............................................. 107 5.1.1. Produção e Rendimento de hidrogênio ............................................... 107 5.1.2. Conversão de substratos e pH ............................................................ 113 5.1.3. Produção de biomassa e dinâmica da COVe ...................................... 117 5.1.4. Produção de metabólitos secundários para RCTM18 com água sintética 122 5.2. Desempenho dos RCTM10 e RCTM18: vinhaça de cana-de-açúcar ..... 126 5.2.1. Produção e rendimento de H2 .............................................................. 126 5.2.2. Conversão de substratos e pH ............................................................ 130 5.2.3. Produção e dinâmica da COVe ........................................................... 134 5.2.4. Produção de metabólitos secundários ................................................. 139 5.3. Desempenho dos reatores em batelada ................................................. 145 5.4. Estrutura e dinâmica microbiana nos reatores acidogênicos .................. 146 5.5. Balanço de massa: fração solúvel e global ............................................. 151 6. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS ........................................ 155 7. REFERÊNCIAS .......................................................................................... 158 23 1. INTRODUÇÃO E MOTIVAÇÃO DO PROJETO A ciência está conectada com todas as transformações mundiais, sejam transformações econômicas, políticas, industriais, energéticas, etc. Projetos e pesquisas são desenvolvidos para buscar soluções às problemáticas que tem impactado cidades, países, mundo. Desta forma, esta pesquisa foi motivada em uma das temáticas mais discutidas nos últimos anos: a transição energética. A transição na matriz energética mundial tem sido discutida por organizações como o Conselho Mundial de Energia, a Organizações das Nações Unidas, e pode ser entendida como a transformação da matriz energética mundial. Esta transformação significa mudar a fonte de geração de energia, isto é, ao invés de utilizar fontes não renováveis como os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) para gerar energia, passa-se a utilizar fontes renováveis como a solar fotovoltaica, eólica, biomassa, geotérmica, hidrogênio, entre outras. Umas das principais motivações desta transição é a proteção de vida no planeta e do meio ambiente, consequentemente a conservação de recursos naturais, combate às mudanças climáticas e desenvolvimento de práticas de produção e consumo mais sustentáveis. No entanto, esta transição não é simples, envolve alterações nos setores de ciência e tecnologia, pesquisa, economia, meio ambiente, política, ainda, engloba desafios e entendimento de conceitos importantes como economia circular, sustentabilidade, indústria 4.0, descarbonização, entre outros. Considerando este cenário de transição e desafios, trabalhos científicos têm procurado tecnologias alternativas para a geração de energia com o uso de fontes renováveis, com objetivo de contribuir para a redução dos impactos ambientais como a emissão de gases poluentes na atmosfera. Assim, as tecnologias de produção do hidrogênio (H2) tem se destacado como potenciais sucessoras aos combustíveis fósseis. Isto porque o H2 é visto como carreador de energia do futuro por ser destacar como o elemento mais abundante no universo, e ainda ser considerado um combustível com alto valor energético em relação aos combustíveis convencionais (poder calorífico do H2 = 28.642 kcal kg-1; Gasolina = 11.00 kcal kg-1), além de gerar apenas vapor d’água como subproduto após combustão (PARSAEE et al., 2019; CASTELLÓ et al., 2020). Nos últimos anos, os processos biológicos têm se destacado como tecnologias alternativas para a geração de H2, a partir de resíduos e subprodutos provenientes de 24 diferentes setores industriais. Além de promover a utilização de fontes de energia renováveis, os processos biológicos representam economia com etapas de tratamento de resíduos uma vez que estes processos promovem o reaproveitamento de resíduos gerando um valor agregado a estes materiais que, na maioria das vezes, são apenas descartados. Um exemplo de substrato utilizado em pesquisas brasileiras de produção biológica de H2, é a vinhaça de cana-de-açúcar. Esta água residuária é utilizada por apresentar elevada quantidade de matéria orgânica biodegradável a qual serve como substrato (alimento) para microrganismos (FUESS & GARCIA, 2014; MORAES et al., 2014). Além disso, é um subproduto abundante no Brasil (Estado de São Paulo), o qual é obtido na etapa de destilação da produção de etanol, em que cada litro de etanol gera em torno de 10 a 15 litros de vinhaça (PARSAEE et al, 2019; MILANEZ et al., 2018; CONAB, 2020). Dentre os processos biológicos, o processo de fermentação escura (acidogênese) vem sendo abordada pela literatura em diferentes configurações de reatores contínuos e também em modo batelada. Diversos artigos abordam que o rendimento da produção de H2 em reatores anaeróbios usando vinhaça de cana-de- açúcar, por exemplo, ainda é baixo (< 2 molH2 molcarboidrato-1) quando comparado com os rendimentos de processos e tecnologias convencionais de H2 como: eletrólise da água, reforma de CH4, gaseificação do carvão, entre outros, porém estes processos consomem elevadas quantidades de energia de origem fóssil (GHIMIRE et al., 2015; PARSAEE et al., 2019). De uma forma geral, a justificativa para os baixos rendimentos na fermentação escura (acidogênese) associa-se a diversos fatores como o tipo de configuração do reator utilizado, tipo de suporte, retenção de biomassa dentro do reator, otimização e controle de parâmetros operacionais, como por exemplo, o tempo de detenção hidráulica (TDH), tipos e concentração de substrato, pH, temperatura, pressão parcial e aplicação de sub ou sobrecargas de matérias orgânicas (substratos) (FUESS et al., 2016; CASTELLÓ et al., 2020). Além disso, a produção de BioH2 está associada à produção de metabólitos secundários como ácidos orgânicos voláteis e solventes, assim o tipo de biomassa envolvida no processo e as condições operacionais aplicadas na adesão desta biomassa pode influenciar na definição de rotas metabólicas favoráveis ou desfavoráveis a produção de hidrogênio (ANZOLA-ROJAS et al., 2015). 25 Em todo este contexto, vários estudos destacam que a escolha bem-sucedida do reator no processo de produção de bioenergia envolvendo águas residuárias está relacionada, principalmente, com a retenção de biomassa adequada dentro do reator. Várias configurações novas e/ou modificadas tem sido estudadas visando melhorar o crescimento de biomassa, por exemplo, reatores com células suspensas, células aderidas, sistemas de leitos fixos, ou ainda as combinações deles (LETTINGA et al., 1980; BAL & DHAGAT, 2001; CHERNICHARO et al., 2015; LEITE et al., 2008; GOMES et al., 2015; GOMES et al., 2016; CORBARI et al., 2019; FUESS et al., 2017, 2019, 2021; OLIVEIRA et al., 2020). Em resumo, a chave para a produção contínua e estável de hidrogênio pode ser o controle da carga orgânica volumétrica específica (COVe), a qual representa a relação alimento/microrganismo, ou seja, a quantidade de substrato disponível por microrganismo. O controle deste parâmetro permite controlar a retenção de biomassa dentro do reator. De acordo com Anzola-Rojas (2015), a COVe representa um fator significativo na produção contínua e estável de hidrogênio, pois observa-se que baixos valores de COVe, ou seja, excesso de microrganismo em relação ao alimento podem causar influência direta na conversão do substrato e mudanças nas rotas metabólicas dos microrganismos. Desta forma, a configuração de reator contínuo de tubos múltiplos (RCTM) destaca-se como uma proposta de unidade de trabalho para o controle de processo em função de COVe, na produção de H2 sem material suporte. Esta configuração de reator, apresentada por Gomes et. al. (2015), tem uma estrutura que fornece uma área de superfície maior para a fixação de sólidos em comparação com reatores tubulares convencionais sem material suporte, já que a região de reação é formada por um grupo de tubos paralelos de pequeno diâmetro com ranhuras internas. Tem como diferencial a descarga contínua da biomassa devido não apresentar material suporte, assim, facilitando o arraste de biomassa ao longo da operação. Ainda, pode evitar o acúmulo de biomassa e auxiliar na manutenção da carga orgânica volumétrica específica (COVe) (GOMES et al., 2015; 2016). O desempenho de RCTMS na produção de hidrogênio é discutido em poucos trabalhos na literatura. Alguns fatores investigados até agora foram: tempo de detenção hidráulica (TDH), material suporte na câmara de saída, diferentes concentrações do meio sintético em termos de DQO (demanda química de oxigênio), estratégias de alimentação (GOMES et. al., 2015; 2016) e o acúmulo e adesão de 26 biomassa no interior destes reatores (GOMES et al., 2015; 2016; TREVISAN et al., 2019). Estas publicações reportam testes de RCTM com 12 tubos na produção de biohidrogênio a partir de água residuária sintética com base sacarose e a partir de água residuária real (processo de mandioca), ainda relacionam dados de acúmulo de biomassa no interior do reator através do controle de COVe. Em geral, os testes de operação com as características construtivas originais dos RCTMs foram caracterizados por instabilidade no início de produção, com rendimentos máximos observados que não superaram 0,6 molH2.molCH-1. Logo, ainda é necessário propor e realizar pesquisas cientificas a nível de bancada para testar esta configuração e verificar, por exemplo, se o aumento de número de tubos pode influenciar a produção de biohidrogênio uma vez que ocasiona alteração da área superficial do reator e isto pode permitir ou não mais espaço para a adesão de biomassa. Ainda, se as ranhuras nos interiores dos tubos maximizam a retenção de biomassa. Diante deste cenário, a proposta deste trabalho foi avaliar o desempenho dos RCTMs, modificados em números de tubos e ranhuras internas, como unidades de controle de processo, em função da COVe relacionada à produção de H2 em um sistema termofílico alimentado com vinhaça de cana-de-açúcar. As configurações de RCTMs modificadas com 12 e 18 tubos nunca foram testadas para produção de BioH2 a partir de vinhaça de cana-de-açúcar e nem em processo anaeróbio termofílico. 2. HIPÓTESE E OBJETIVOS O desenvolvimento desta pesquisa baseou-se na ideia central de que, embora a acidogênese da vinhaça seja um processo consideravelmente explorado nos últimos 10 anos, ainda existem limitações referentes às configurações de reatores comumente usadas, principalmente devido ao crescimento e aderência de microrganismos nestas tecnologias, isto é, no controle adequado da relação alimento/microrganismo dentro do reator para um crescimento adequado de biomassa. Por isso, o objetivo principal deste trabalho focou no estudo tecnológico de RCTMs, um com 10 tubos (RCTM10) e outro com 18 tubos (RCTM18), com volumes finais próximos de 2L, no controle do parâmetro operacional carga orgânica volumétrica específica (COVe), ao longo do processo de produção de biohidrogênio a partir de uma água residuária complexa (vinhaça de cana-de-açúcar), na presença de culturas mistas de microrganismos anaeróbios termofílicos. 27 Para atingir o objetivo principal foram formulados os seguintes objetivos específicos: • Objetivo específico 1: Avaliar experimentalmente o controle da COVe no RCTM18 em relação ao tempo de detenção hidráulica (TDH, 4 horas) e a concentração de substrato, para a produção de BioH2, a partir de água residuária sintética na presença de culturas mistas de microrganismos anaeróbios mesofílicos; • Objetivo específico 2: Avaliar experimentalmente o controle da COVe nos RCTMs aplicando três diferentes TDHs e COVas, no processo de produção de BioH2 utilizando a vinhaça de cana-de-açúcar na presença de culturas mistas de microrganismos anaeróbios termofílicos; • Objetivo específico 3: Avaliar experimentalmente os metabólitos secundários produzidos durante o processo de obtenção de biohidrogênio; • Objetivo específico 4: Avaliar experimentalmente em reatores em batelada o potencial de produção de hidrogênio das biomassas acidificadas provenientes dos RCTMs operados em condições termofílicas; • Objetivo específico 5: Caracterizar o consorcio microbiano presente em pontos estratégicos do processo de obtenção de biohidrogênio em operação contínua e em batelada. 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O presente capítulo apresenta informações consultadas na literatura, conside- radas fundamentais para a contextualização e o entendimento dos assuntos aborda- dos neste projeto de doutorado, atuando como base para a discussão, validação e conclusão dos resultados obtidos em todas as etapas experimentais. Portanto, a revi- são bibliográfica inclui: i. Contextualização e importância do hidrogênio na transição de matriz energé- tica mundial e nacional, bem como a apresentação dos principais processos de pro- dução de hidrogênio e a relação com o meio ambiente; ii. Conceitos e fundamentos da produção de etanol e a aplicação da vinhaça de cana-de-açúcar como substrato em processos biológicos; iii. Conceitos e fundamentos da digestão anaeróbia, destacando a etapa de aci- dogênese (fermentação escura) na produção de H2 e metabólitos secundários, e as rotas metabólicas envolvidas neste processo; 28 iv. Parâmetros que exercem influência na produção de H2, com destaque para COVe, pH e substratos; v. Conceitos sobre os diferentes tipos de configurações de reatores e suas re- lações com estabilidade e rendimento de produção. 3.1. Transição energética mundial Estudos mostram que nos últimos 30 anos, um dos assuntos mais discutidos é a necessidade de transição energética, isto é, a necessidade de mudança nos modelos de produção e consumo de energia que movem o mundo na era pós- revolução industrial. Isto porque os modelos atuais têm afetado, principalmente o ambiente, com poluição do ar, poluição de rios, mares e oceanos, entre outros. (INGRAO et al., 2018). Neste cenário, ações e políticas tem surgido para incentivar o consumo de energias renováveis e o aproveitamento de resíduos para esse fim. Um exemplo é a Agenda das Nações Unidas a qual apresenta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Estes objetivos visam o desenvolvimento de ações que ajudem a combater as alterações climáticas e garantir o acesso universal à energia limpa e ao ar. Além disso, envolvem a preocupação da segurança energética, segurança alimentar e a redução dos resíduos eliminados no ambiente (BIJARCHIYAN et al., 2020; HOLM-NIELSEN et al., 2009). No entanto, sabe-se que nenhum processo de transição é rápido, demanda tempo, principalmente, quando envolve vários setores, como é o caso da transição energética, a qual está conectada com setores de economia, meio ambiente, ciência e tecnologia, dentro de um país. No contexto de transição de energia, em que se considera o reaproveitamento de resíduos industriais, a transformação de “lixos orgânicos” em energia renovável pode ser um caminho com oportunidades de produção e modelos de consumo circular, em que os recursos são utilizados e reutilizados, assegurando que a procura de energia possa ser satisfeita enquanto o ambiente pode ter benefícios mais amplos (BIJARCHIYAN ET AL., 2020; VALENTI et al., 2020). Nesta linha, a produção de energia renovável torna-se uma chave importante para a transição da sociedade e economias mais sustentáveis (INGRAO et al., 2018). No entanto, é importante citar que sistemas como os socioeconômicos, políticos, industriais, agrícolas, empresariais, energéticos, entre outros, terão de se adaptar a 29 mudanças significativas, bem como ao desenvolvimento de sistemas energéticos mais competitivos, seguros e sustentáveis (MCCORMICK & KAUTTO, 2013). Dados mostram a mudança de uma economia linear para uma economia circular proporciona não só a substituição de matérias-primas fósseis, mas também a adoção de um sistema regenerativo, no qual recursos e resíduos, incluindo emissões e perdas de energia, são atenuados pelo fluxo fechado de processamento de matérias-primas e utilização de energia. No mesmo contexto, o estudo de Geissdoerfer et al. (2017) afirma que projetos que abrangem, por exemplo, reciclagem, tratamento de resíduos e outras formas de gestão integral da recuperação de matérias-primas apresentam a capacidade de gerar conhecimentos para o desenvolvimento económico, social e ambiental sustentável (GEISSDOERFER et al., 2017). Desta forma, seguindo o conceito de economia circular, a proposta de obter fontes de energia mais limpas a partir de fontes renováveis, promove a redução de emissões de poluentes na atmosfera, um caminho para a melhor gestão de resíduos e utilização de recursos, além de maior integração entre as comunidades rurais e industriais resultando em uma nova perspectiva do setor energético (BELAUD et al., 2019). 3.2. Energia renovável, meio ambiente e políticas Ao longo dos anos, o mundo tem vivenciado transformações e desequilíbrios ambientais. Um exemplo é a intensificação do efeito estufa. O efeito estufa é o mecanismo natural responsável por manter a temperatura terrestre em intervalos aceitáveis para a sobrevivência. Este fenômeno engloba gases passíveis de recondução como o dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido ni- troso (N2O), halocarbonos e vapor de água. Estes gases são responsáveis pela ab- sorção de uma fração dos raios solares e os distribuem sob a forma de radiação in- fravermelha para a atmosfera, aquecendo assim o planeta (AKITT, 2018). Desta forma, cerca de 70% dos raios solares são absorvidos por estes gases e 30% não conseguem ultrapassar esta barreira, de tal modo que são refletidos de volta para o espaço. No entanto, o aumento da emissão dos gases citados, oferece uma maior resistência à dissipação de calor, causando assim um desequilíbrio do efeito de estufa (KIRK-DAVIDOFF, 2018). 30 Estudos mostram que a intensificação do efeito pode ser explicada pelo au- mento das fontes antropogênicas, entre elas, principalmente, a queima de combustí- veis fósseis, atividades industriais, crescimento acelerado da economia e aumento da população nos países em desenvolvimento (KANG et al., 2016). O resultado do aumento do efeito estufa leva ao aquecimento global, uma vez que a temperatura do planeta tenta compensar este desequilíbrio energético aumen- tando a sua média. Neste sentido, um dos principais desafios nos próximos anos é assegurar uma certa qualidade de vida para a população mundial e ao mesmo tempo minimizar os impactos no meio ambiente. Considerando isto, uma das formas de re- duzir impactos ambientais é visto na redução da dependência de fontes de energia não renováveis, isto é, no aumentar da utilização de energias renováveis (LEE, 2017; LINDOSO et al., 2011). Com base nesta premissa, a energia renovável é qualquer fonte de energia em que, além de não ser derivada de uma fonte finita como o petróleo e o carvão, contribui para a redução real das emissões de gases com efeito de estufa (KANG et al., 2016). E ainda, permite a diversificação da matriz energética, descentralizando assim a de- pendência da energia fóssil. Algumas das principais fontes de energia renovável já são utilizadas há mais tempo, como a energia solar (SANSANIWAL et al., 2018), eólica (ISHAQ et al., 2018), geotérmica (MANZANO-AGUGLIARO et al., 2013) e centrais hidroelétricas (APERGIS et al., 2016). No entanto, quando comparadas com fontes de energia convencionais, algumas fontes de bioenergia têm um carácter instável, tais como a energia solar e eólica (SANSANIWAL et al., 2018, ISHAQ et al., 2018). Isto porque o comportamento da radiação solar e da velocidade do vento pode variar ao longo da estação. Como solução, o que tem sido explorado é a integração de várias fontes de bioenergia, uma vez que como uma única fonte não é suficiente para o fornecimento contínuo. Assim, a utilização de fontes bioenergéticas combinadas, inicialmente notada em áreas re- motas, tem sido vista em grandes centros e cidades (GUO et al., 2018). Outro ponto em destaque, é o aumento no interesse de bioenergia derivadas de biomassa, como por exemplo, biodiesel, bioetanol e biogás. A produção deste tipo de energia envolve culturas energéticas, resíduos agrícolas ou industriais ou, ainda, águas residuais. Além disso, pode ser visto como um processo estratégico que en- globa uma solução viável: destino correto para os vários fluxos de resíduos e produção de energia (SAHOTA et al., 2018). Desta forma, a diversificação das fontes de energia 31 a fim de intensificar a utilização da bioenergia é vista como uma das formas mais eficazes de promover soluções energéticas com baixo teor de carbono. Utilizando cada vez mais estas fontes de forma sustentável e alargando a utilização da bioener- gia a outras regiões, as reduções das emissões de carbono podem ser alcançadas mais rapidamente (DAHAL et al., 2018). Estudos mostram que existem muitas tecnologias de produção de bioenergia, as quais podem ser categorizadas em: tecnologias químicas, bioquímicas e térmicas (SILVA et al., 2014) Independentemente da tecnologia escolhida, cada uma apresentará vantagens e desvantagens, bem como os requisitos para a sua implementação (FIORESE et al., 2014). No cenário brasileiro, a expansão do tratamento de efluentes urbanos, a recuperação de aterros sanitários e o desperdício de alimentos podem tornar o Brasil um dos maiores produtores de bioenergia a partir de fontes renováveis. É importante destacar que o perfil brasileiro de geração de bioenergia é mais robusto e tecnológico, focado no desenvolvimento de energias renováveis, porém necessita de mais incentivos e investimentos econômicos para desenvolver processos de produção de energia a partir de biomassa (MILANEZ et al., 2018). Desta forma, é possível concluir que para produzir energia por via sustentável é necessário investimento de capital para desenvolver biotecnologias eficientes de produção, armazenamento e distribuição da bioenergia. Isto envolve também a polí- tica de cada país e os incentivos relacionados com a transição do sistema energético. Vale ainda ressaltar que esta transição da cadeia de fornecimento de energia inclui mudanças nas tecnologias energéticas, políticas sociais, econômicas e reguladoras em cada país (DAHAL et al., 2018). 3.3. Hidrogênio: o carreador de energia do futuro O átomo de hidrogénio (H) é o elemento mais leve, sendo o seu isótopo mais comum constituído apenas por um próton e um elétron. Este elemento é um importante constituinte da água e de toda a matéria orgânica, além de estar distribuído não só na terra, mas também por todo o Universo. Pode formar moléculas de hidrogênio (H2) as quais são as menores quando comparadas com a maioria das outras moléculas. A molécula H2 é incolor, inodora e insípida (semelhante ao metano) e difunde-se mais rapidamente que qualquer outro gás (APERGIS et al., 2016) . 32 O hidrogênio apresenta uma densidade de 0,09 kg/m3 e, ainda, se destaca por apresentar significativa capacidade térmica (14,4 kJ/kg K) (PAREEK et al., 2020). O hidrogénio é, sem dúvida, o portador de energia do futuro. Ao contrário dos combustíveis fósseis, este elemento tem um baixo impacto ambiental, especialmente no que diz respeito à sua combustão limpa, com a formação de apenas água como subproduto (OLABI et al., 2021). Além disso, o hidrogênio é um combustível atraente por apresentar um elevado teor energético (141,9 MJ kg-1) quando comparado com o gasóleo (45 MJ kg-1), gasolina (47 MJ kg-1) e CH4 (50,02 MJ kg-1), por exemplo, (SETA et al., 2018). Estudos afirmam que H2 apresenta potencial para ser um dos substituintes dos combustíveis fósseis como centro de produção de energia em todo o mundo, atuando como fonte de energia primária para a geração de eletricidade, combustível para aquecimento central, e combustível para transporte de caminhões, navios e aviões (OLIVEIRA et al., 2020). Portanto, o H2 é um promissor vetor energético no panorama de transição energética mundial de combustíveis fósseis para energia limpa e susten- tável (EGELAND-ERIKSEN et al., 2021). 3.4. Processos de produção de hidrogênio A escolha do melhor método de produção de H2 dependerá da quantidade de energia a ser produzida e do seu grau de pureza. A literatura relata vários exemplos de tecnologias disponíveis para a produção de H2, as quais podem ser tecnologias convencionais e tecnologias biológicas (ANZOLA -ROJAS et al., 2015). As tecnologias de produção de H2 convencionais podem ser a reforma a vapor do gás natural e do petróleo, a decomposição catalítica do gás natural, a oxidação parcial da fração de hidrocarbonetos pesados do petróleo e a gaseificação do carvão ou coque (HOLLADAY et al., 2009). Estes métodos são caracterizados por elevadas demandas de energia e requerem altas temperaturas (> 700 °C) (HOLLADAY et al., 2009). Outro método convencional de produção de H2 é eletrólise da água, o qual requer eletricidade proveniente de centrais elétricas, carvão ou gás natural ou, ainda, de centrais nucleares. Este processo resulta na emissão de dióxido de carbono para a atmosfera (DINCER & ACAr, 2014). Estudos ainda mostram outros métodos para produzir H2, como por exemplo, a gaseificação fotocatalítica, plasmoquímica, 33 magnetolítica ou radiolítica da água, a gaseificação de hidrocarbonetos por plasma a alta temperatura (PAREEK et al., 2020), ou ainda, a produção de H2 por decomposição da água através da divisão mecanocatalítica (FATSIKOSTAS et al., 2002) De uma forma geral, os processos básicos para a produção do gás hidrogênio, a partir de fontes primárias de energias não-fósseis demandam energia, estrutura e custo (CHANDRASEKHAR et al., 2015). Por isso, o maior desafio envolvido na utilização do H2 como transportador de energia é o desenvolvimento de uma produção sustentável e de baixo custo. É neste contexto que entram as tecnologias biológicas para produzir H2. Os processos biológicos são vistos como rotas econômicas e promissoras por envolverem a ação de microrganismos sob métodos, como a fermentação (METCALF & EDDY, 2003), em que matéria orgânica é convertida em bioenergia pela ação destes microrganismos. Além disso, estas rotas verdes empregam condições amenas de temperatura e pressão resultando em um menor consumo energético (ALEXANDROPOULOU et al., 2018; ANZOLA-ROJAS et al., 2015; FERNANDES et al., 2013; LUO et al., 2010) e, também, permitem a utilização de resíduos industriais e águas residuárias como susbtratos o que contribui para a redução de utilização de fontes não renováveis, e consequentemente para a proteção ambiental como a redução de gases de efeito estufa. No entanto, a aplicação industrial para a produção de H2 em larga escala ainda não foi implementada devido a desafios de processo como a produção estável em processo contínuo acima de 30 dias de operação, armazenamento e transporte do gás. 3.5. Processos biológicos Uma alternativa limpa e promissora é a produção de hidrogênio através de vias biológicas. O biohidrogênio (BioH2) pode ser obtido por meio de processos fotossinté- ticos, como por exemplo, a biofotólise da água por cianobactérias e algas verdes, e a foto decomposição de matéria orgânica por bactérias fotossintéticas (ANWAR et al., 2021). Ainda, o BioH2 pode ser obtido por processos fermentativos independente de energia luminosa (dark fermentation, do inglês) por meio da degradação de compostos orgânicos em condições anaeróbias(DAS, 2002; GHIMIRE ET AL., 2015). Em resumo, a obtenção de BioH2 a partir de vias biológicas pode ocorrer por meio de processos 34 dependentes de energia luminosa e independentes de energia luminosa, conforme é apresentado na Figura 1. O hidrogênio produzido por via biológica é chamado de biohidrogênio (BioH2). Figura 1. Processos biológicos dependentes e independentes de energia luminosa aplicados para a produção de hidrogênio Fonte: Adaptado de Ghimire et al. (2015) e Trevisan et al.(2019). A produção de BioH2 por fermentação escura tem se destacado entre os pro- cessos biológicos, principalmente, por ser um processo robusto e econômico que não precisa de fonte luminosa aliado a ação de microrganismos fermentativos os quais são vistos como mais eficazes na produção de hidrogênio, em um curto intervalo de tempo, quando comparados aos microrganismos responsáveis pelos processos de- pendentes de luz (HALLENBECK, 2009). Além disso, a fermentação escura é considerada um método mais sustentável e atrativo devido à utilização de resíduos orgânicos como substrato, integrando simultaneamente o tratamento de resíduos e a produção de energia limpa (URBANIEC & BAKKER, 2015). Processo biológico para produção de BioH2 Dependente de energia luminosa Fotossintético 12𝐻2𝑂 → 12𝐻2 + 6𝑂2(alga verde) 𝐶𝑂 + 𝐻2𝑂 → 𝐻2 + 𝐶𝑂2 (bactéria fotossintética) Fotofermentativo 𝐶6𝐻12𝑂6 + 6𝐻2𝑂 → 6𝐶𝑂2 + 12𝐻2 (bactéria fototrófica) Independente de energia luminosa Fermentativo 𝐶6𝐻12𝑂6 + 2𝐻2𝑂 → 2𝐶𝐻3𝐶𝑂𝑂𝐻 + 2𝐶𝑂2 + 4𝐻2(bactérica heterotrófica) 35 3.6. Digestão anaeróbia Para entender o conceito de fermentação escura é necessário entender primeiro o conceito de digestão anaeróbia (DA), uma vez que a fermentação escura ou acidogênese é uma etapa dentro do processo de DA. A digestão anaeróbia é uma tecnologia consolidada na qual ocorre a produção de biogás através da degradação de matéria orgânica na ausência de oxigênio. As transformações bioquímicas da DA resultam em quatro fases principais (hidrólise, acidogênese, acetogênese e metanogênese) as quais envolvem um complexo consórcio de microrganismos (Figura 2). Nas etapas de hidrólise e acidogênese, é possível observar a ação de bactérias hidrolíticas e fermentativas as quais convertem compostos de cadeia longa (carboidratos, lipídeos e proteínas) em compostos de cadeia simples, produzindo ácidos graxos voláteis (AGVs), álcoois, CO2 e H2. Na etapa de acetogênese ocorre a ação de bactérias acetogênicas as quais transformam ácidos orgânicos e álcoois em ácido acético, H2 e CO2. Estes compostos são os substratos utilizados na etapa seguinte (metanogênese) em que ocorre a produção de metano pelas arqueias metanogênicas. Por sua vez, as arqueias metanogênicas hidrogenotróficas convertem H2 e CO2 em CH4, enquanto as metanogênicas acetoclásticas utilizam o acetato (CHERNICHARO et al, 2015). Geralmente, a composição do biogás produzido na DA consiste em 35-75% metano, 25-65% dióxido de carbono, 1-5% hidrogênio e quantidades vestigiais de outros gases, tais como vapor de água, amoníaco, sulfeto de hidrogénio e halogenetos (YENTEKAKIS & GOULA, 2017). É importante ressaltar que a qualidade e rendimento deste biogás está estreitamente ligada ao tipo de matéria-prima utilizada na DA, além de fatores ambientais e parâmetros físicos - químicos que podem influenciar as etapas do processo (BIJARCHIYAN et al., 2020; GHIMIRE et al., 2015; MAO et al., 2015). 36 Figura 2. Sequências metabólicas e grupos microbianos envolvidos na digestão anaeróbia. Fonte: Adaptado de Rodrigues et al. (2021b). 37 Em geral, vários microrganismos estão envolvidos nas etapas do processo DA, tais como Clostridium spp., Peptococcus anaerobus, Bifidobacterium spp., Micrococcus ssp., Bacillus ssp., Desulphovibrio spp., Corynebacterium spp., Lactobacillus, Actinomyces, Staphylococcus ssp, Escherichia coli, Methanobacterium, Methanobacillus, Methanococcus, Methanospirillum, Methanosaeta, Methanothrix e Methanosarcina (LIU et al., 2020; CHERNICHARO, 2007), como é possível identificar na Figura 2. Quando os substratos utilizados na DA são ricos em sulfato, pode ocorrer a redução do sulfato para sulfeto durante o processo e isto será realizado por um grupo específico de bactérias redutoras de sulfato (BRS) (LIMA et al., 2015). É importante citar que nas etapas de hidrólise, acidogênese e acetogênese pode estar presente bactérias anaeróbias obrigatórias (ou estritas) ou facultativas, ou seja, cujo metabolismo funciona na ausência de oxigênio (O2) (SANTOS et al., 2014). Ainda sobre o processo de DA, podem ser gerados metabolitos secundários de valores biotecnológicos e agregados, além do hidrogénio, tais como ácidos orgânicos voláteis (acético, butírico, propiônico, capróico, lático, valérico), 1,3 propanodiol (1,3 PD) e alguns biocombustíveis (etanol, butanol, metanol) que são produzidos na fase acidogênica e acetogênica (NDABA et al., 2015). Estes subprodutos gerados dependem do tipo de substrato utilizado na DA, por exemplo, podem ser resíduos agroindustriais, tais como glicerol bruto, resíduos lácteos, resíduos de fruta, vinhaça da produção de açúcar e etanol, etc. Considerando todo o conceito sobre DA, quando o objetivo é obter taxas elevadas de H2, é necessário gerar condições que permitam restringir o processo de DA à fase acidogênica. Em outras palavras, devem ser estabelecidas condições favoráveis para as bactérias acidogênicas, enquanto a atividade dos microrganismos consumidores de H2 como as bactérias homoacetogênicas e arquéias metanogênicas, deve ser evitada (MAINTINGUER et al., 2011; PACHIEGA et al., 2019; ROSSI et al., 2011). 3.6.1. Fermentação escura: fundamentos Na literatura, a digestão anaeróbia para produção de hidrogénio é também referida como fermentação escura (FE) e é realizada na fase acidogénica a partir da inibição da fase metanogênica, principalmente através da aplicação de cargas orgânicas adequadas e condições de pH (METCALF & EDDY, 2003). Este processo 38 é uma abordagem atrativa para a geração de bioenergia porque tem o potencial de reutilizar águas residuais e resíduos como fontes de carbono e, ainda, apresenta o potencial de produzir metabolitos secundários de interesse industrial tais como ácidos orgânicos e biopolímeros (FUESS et al., 2016). A FE é baseada na oxidação parcial da matéria orgânica por microrganismos sob condições anaeróbias e sem luz (CABROL et al., 2017)Este processo ocorre nas primeiras etapas da digestão, principalmente na etapa acidogênica. Nestas primeiras etapas, a conversão do substrato é mediada por bactérias hidrolíticas e fermentativas. O BioH2 é gerado nos processos redox juntamente com ácidos graxos voláteis (AGV) e/ou álcoois como o aceptor final de elétrons (CABROL et al., 2017). O rendimento do BioH2 depende da via metabólica adotada pelo consórcio microbiano para converter o substrato e os compostos orgânicos intermediários formados. Os principais substratos utilizados para produzir BioH2 são ricos em carboidratos devido ao maior rendimento obtido pelos microrganismos que utilizam estes compostos (SHARMA et al., 2020)Dependendo da complexidade do substrato, pode ser necessário submetê-lo a uma etapa biológica ou físico-química para quebrar a matriz de carboidratos complexos e liberar dissacarídeos ou monossacarídeos capazes de atravessar a célula microbiana para iniciar o processo de fermentação (SHARMA et al., 2020). A hidrólise da sacarose na fermentação escura dá origem a glicose e frutose. Durante a degradação da sacarose, pode ocorrer a produção de hidrogênio de acordo com reações, como por exemplo: (i) consumo de sacarose e geração de ácido acético e (ii) consumo de sacarose e geração de ácido butírico, conforme descrito nas Equações 1 e 2. Ainda, pode ocorrer a produção de etanol sem produção de hidrogênio, conforme a Equação (3), e a rota de produção de etanol e hidrogênio ao mesmo tempo, apresentada na Equação (4), em que o rendimento máximo de produção é igual a 4 mol H2 por 1 mol de sacarose. Vale citar que ácido propiônico também é formado a partir da sacarose. Rota produtiva de ácido acético C12H22O11 + 5H2O → 4CH3COOH + 4CO2 + 8H2 Eq.(1) Rota produtiva de ácido butírico 39 C12H22O11 + H2O → 2CH3CH2CH2COOH + 4CO2 + 4H2 Rota produtiva de etanol Eq.(2) C12H22O11 + H2O → 4CH3CH2OH + 4CO2 Rota produtiva de etanol e hidrogênio Eq.(3) C12H22O11 + 3H2O → 2CH3CH2OH + 2CH3COOH + 4CO2 + 4H2 Eq.(4) A conversão teórica máxima de sacarose em BioH2 é igual a 1 mol de sacarose, que gera 8 moles de gás hidrogênio na produção do ácido acético. No entanto, a produção de 4 moles de BioH2 por 1 mol de sacarose ocorre se a sacarose for convertida em ácido butírico. Desta forma, a principal produção teórica de hidrogênio engloba o acetato como o produto final da fermentação. Na prática, a alta produção de BioH2 está relacionada à presença de produtos de fermentação, como ácidos acético e butírico; enquanto a baixa produção de BioH2 está associada à formação de ácido propiônico e produtos como álcoois e ácido lático. De acordo com Sá et al. (2014), a ação dos microrganismos na decomposição de um determinado substrato em H2 está relacionada à presença de enzimas específicas, como por exemplo, as hidrogenases, as quais são responsáveis pela catálise da reação reversível de oxidação do hidrogênio, apresentado na Equação 5. 2H+ + 2e− ↔ H2 Eq.(5) O hidrogênio por ser obtido a partir da glicose proveniente da degradação da sacarose. Assim, sabe-se que um mol de glicose formam 2 moles de piruvato, junta- mente com 2NADH, e isto pode acontecer por duas rotas principais: (I) piruvato: for- miato liase (PFL) comumente encontrado em anaeróbios facultativos, tais como Ente- robacteria (Equações 6-7); e (II) piruvato: ferredoxina oxidorredutase (PFOR) gerando ferredoxina reduzida, acetil CoA e CO2 (Equações 8-10) (CABROL et al., 2017). Rota PFL: Piruvato → Acetil CoA +HCOOH Eq.(6) HCOOH → 𝐇𝟐 + 𝐂𝐎𝟐 Eq.(7) Rota PFOR 40 Piruvato → Acetil CoA + Fd H2 + CO2 Eq.(8) 𝐍𝐀𝐃𝐇 ↔ 𝐅𝐝𝐇𝟐 + 𝐍𝐀𝐃+ Eq.(9) 𝐅𝐝𝐇𝟐 ↔ 𝐇𝟐 Eq.(10) Na rota do PFL, o BioH2 é produzido pela reação do formiato liase e hidrogênio, em que ocorre a quebra do formiato em H2 e CO2 (Equação 7). Enquanto, a rota PFOR, resumida pela equação (3), tem-se a produção de acetil CoA acoplada à redu- ção de NAD+, o qual é reoxidado depois pela ferredoxina e gera BioH2 na rota NADH: ferredoxina oxidorredutase (NFOR) (Equações 9-10) (CAI et al., 2011). Da mesma forma, microrganismos capazes de realizar a via do PFOR podem reoxidar o NADH da glicólise através do NFOR, resultando no rendimento teórico máximo de BioH2 igual a 4 mols por 1 mol de glicose (CAI et al., 2011). A obtenção do rendimento teórico máximo de BioH2 seria possível produzindo acetato como metabólitos solúveis a partir de acetil CoA através da via PFOR (Tabela 1 – reação 1), embora o crescimento mi- crobiano desvie parte do NADH reduzido durante a glicólise tornando o rendimento real de BioH2 menor do que 4 mols (CABROL et al., 2017;GONZÁLEZ-CABALEIRO et al., 2015). É importante ressaltar que a rota metabólica deve fornecer o equilíbrio redox e ser termodinamicamente favorável; assim, a redução do metabólito solúvel produzido se torna uma alternativa para reoxidar o NADH (Tabela 1) (GONZÁLEZ-CABALEIRO et al., 2015). A formação de ácido butírico a partir de acetil CoA proporciona a regeneração de 2 mols de NADH e produz 2 mols de BioH2 (Tabela 1 – reação 2) (SAADY, 2013). As bactérias láticas produzem ácido lático diretamente via piruvato como estratégia para garantir a disponibilidade de NAD+ e impedir o aumento da pressão de H2 do sistema (Tabela 1 – reação 6) (SAADY, 2013). A produção de etanol é resultado da conversão de acetil CoA e pode ser con- siderada uma alternativa para diminuir a pressão de H2 do sistema, pois demanda os 4 mols de NADH reduzidos no processo (Tabela 1 – reação 7) (SAADY, 2013). Alguns microrganismos desenvolvem o metabolismo heterofermentativo, as- sim, dois ou mais metabólitos solúveis podem ser formados a partir da conversão do substrato (Tabela 1 – reações 3,4,8) (GUO et al., 2008; ZIDWICK et al., 2013). Além disso, em um sistema de cultivo misto, os metabólitos solúveis gerados por alguns 41 microrganismos podem ser utilizados como substratos para outros no consórcio mi- crobiano. Além disso, o BioH2 pode ser usado como substrato na rota Wood-Ljungdahl (homoacetogênese) em sistemas sob alta pressão de H2 ou baixa concentração de substrato orgânico (Tabela 1 – reação 9) (SAADY, 2013). 3.7. Interferentes do processo De acordo com diversos estudos, ocorreu um aumento em pesquisas voltadas produção de biohidrogênio (BioH2) por via biotecnológica, como a FE. O processo de FE permite a ação de microrganismos na transformação de substratos em bioprodutos como o BioH2. Em contraste, pesquisas afirmam que baixos rendimentos na FE estão associados a diferentes fatores, como tipo de efluente, configuração do reator, con- centração de substrato, pH, temperatura, pressão parcial de H2, sub ou sobrecargas de taxas de carregamento orgânico e concentração de células dentro do reator. Para entender como e quais são os parâmetros operacionais interferentes da FE, é necessário entender primeiro como ocorrem as rotas de conversão da matéria orgânica no processo anaeróbio (Figura 2). Com base nestas rotas, observa-se que o acúmulo de BioH2 no meio é apresentado a partir de um desequilíbrio entre as popu- lações acidogênicas e metanogênicas no reator, ocasionado pelo controle de diversos parâmetros operacionais: pH, TDH, relação carbono/nitrogênio (C/N), tipo de inóculo (cultura mista ou pura) e de pré-tratamento aplicado, tipo de substrato, condições de temperatura, tipo de material suporte (para o caso de reatores de leito fixo), tipo de configuração do reator, COVa, COVe, entre outros (FERNANDES et al., 2013; PENTEADO et al., 2013; ANZOLA-ROJAS et al., 2015; GOMES et al., 2015, FUESS et al. 2016; SÁNCHEZ et al., 2021; FUESS et al., 2021). Este controle é feito na etapa acidogênica da DA, como mencionado anteriormente, de modo que ocorre a elimina- ção das principais bactérias consumidoras de BioH2 arqueias metanogênicas hidroge- notróficas). 42 Tabela 1. Reações envolvidas na fermentação escura. Nº Reação ΔGº (kJ.mol-1) Referência Rotas produtoras de BioH2 1 𝐂𝟔𝐇𝟏𝟐𝐎𝟔 + 𝟐𝐇𝟐𝐎 → 𝟐 𝐂𝐇𝟑𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟒𝐇𝟐 + 𝟐𝐂𝐎𝟐 -206.0 (SAADY, 2013) 2 𝐂𝟔𝐇𝟏𝟐𝐎𝟔 → 𝐂𝐇𝟑(𝐂𝐇𝟐)𝟐𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟐𝐇𝟐 + 𝟐𝐂𝐎𝟐 -254.0 (SAADY, 2013) 3 𝐂𝟔𝐇𝟏𝟐𝐎𝟔 → 𝟎. 𝟕𝟓𝐂𝐇𝟑(𝐂𝐇𝟐)𝟐𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟎. 𝟓𝐂𝐇𝟑𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟐𝐇𝟐 + 𝟐𝐂𝐎𝟐 -357.0 (GUO et al., 2008) 4 𝐂𝟔𝐇𝟏𝟐𝐎𝟔 + 𝐇𝟐𝐎 → 𝐂𝐇𝟑𝐂𝐇𝟐𝐎𝐇 + 𝐂𝐇𝟑𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟐𝐇𝟐 + 𝟐𝐂𝐎𝟐 -205.2 (GUO et al., 2008) 5 𝐂𝐇𝟑𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟐𝐂𝐇𝟑𝐂𝐇(𝐎𝐇)𝐂𝐎𝐎 → 𝐇𝟐 + 𝟏. 𝟓𝐂𝐇𝟑(𝐂𝐇𝟐)𝟐𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟐𝐂𝐎𝟐 + 𝐇𝟐𝐎 -156.6 (FUESS et al., 2018) Rotas não produtoras de BioH2 6 𝐂𝟔𝐇𝟏𝟐𝐎𝟔 → 𝟐𝐂𝐇𝟑𝐂𝐇(𝐎𝐇)𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝐇+ -225.4 (SAADY, 2013) 7 𝐂𝟔𝐇𝟏𝟐𝐎𝟔 → 𝟐𝐂𝐇𝟑𝐂𝐇𝟐𝐎𝐇 + 𝟐𝐂𝐎𝟐 -164.8 (SAADY, 2013) 8 𝟏, 𝟓 𝐂𝟔𝐇𝟏𝟐𝐎𝟔 → 𝟐𝐂𝐇𝟑𝐂𝐇𝟐𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝐂𝐇𝟑𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝐂𝐎𝟐 + 𝐇𝟐𝐎 -374.6 (ZIDWICK et al., 2013) Rotas consumidoras de BioH2 9 𝟐𝐂𝐎𝟐 + 𝟒𝐇𝟐 → 𝐂𝐇𝟑𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟐𝐇𝟐𝐎 -104 (SAADY, 2013) 10 𝐂𝟔𝐇𝟏𝟐𝐎𝟔 + 𝟐𝐇𝟐 → 𝟐𝐂𝐇𝟑𝐂𝐇𝟐𝐂𝐎𝐎𝐇 + 𝟐𝐇𝟐𝐎 -279.4 (SAADY, 2013) Fonte: Autor (2022). 43 Apesar do fato da produção de BioH2 por FE ser considerada uma tecnologia estabelecida, ainda existem desafios na análise e o entendimento da influência dos parâmetros operacionais na FE, o que nos leva a um leque de oportunidades de estudos para verificar a influência destes parâmetros nas variáveis respostas do pro- cesso, até atingir a padronização que existe com os sistemas metanogênicos. Os principais parâmetros operacionais que influenciam a FE são descritos nos itens 3.7.1 a 3.7.8. 3.7.1. Tempo de detenção hidráulica – TDH O TDH é um parâmetro indispensável na FE e pode ser controlado através da vazão do fluxo que alimenta o reator em estudo, com a intenção de observar o com- portamento da produção de biogás (AMORIM et al., 2009). Este parâmetro é o tempo em que um substrato permanece em uma câmara de reator. Trabalhar com uma faixa de TDH mínimo reduz o volume do reator e, consequentemente, reduz os cus- tos de capital (SPEECE et al., 1997). Tem um grande impacto na produtividade do biogás durante o processo quando realizado em modo contínuo ou semi-contínuo. A Literatura discute que uma das principais influências do TDH na produção de BioH2 é a capacidade de induzir um balanço de biomassa favorável à produção de H2. Nesse contexto, este parâmetro se torna uma ferramenta operacional que pode ser usada para selecionar populações microbianas pois as taxas de crescimento são capazes de acompanhar a diluição mecânica criada pela vazão contínua. Ainda, quando as operações são realizadas com valores baixos de TDH isto contribui para inibição da atividade metanogênica através da lavagem das arqueas metanogênicas dos reatores ao longo da operação (LEE, 2017) A lavagem de arqueias produtoras de metano dos reatores ocorreu à velocidade específica de crescimento (μ) - cerca de 0,4 dia-1 (ou 0,0167 h-1) enquanto a velocidade específica das bactérias acidogênicas é de aproximadamente 0,083 h-1. Isto evidencia que a taxa específica de crescimento pode provocar o arraste completo das arqueias metanogênicas, enquanto que a população de produtoras de hidrogênio permanece no sistema (HALLENBECK, 2009)Portanto, isso ratifica que o TDH apresenta a capacidade de inibir a metanogênese na produção de hidrogênio por digestão anaeróbia. 44 Considerando a influênica do TDH, pode-se afirmar que este parâmetro afeta a formação de metabólitos, uma vez que a diminuição do TDH é capaz de reduzir a diversidade microbiana associada à inibição da produção de ácido propiônico, e resultando no aumento no rendimento de hidrogênio ( MARTINS & AMORIM, 2016). 3.7.2. Potencial hidrogeniônico – pH A concentração de íons H+ desempenha um papel importante no processo de FE, pois o valor do pH tem um impacto direto na atividade da microbiota, nas vias metabólicas dos microrganismos, bem como na sua morfologia e estrutura celular (LIN e outros, 2012). O que direciona para a importância do controle adequado do pH do efluente, pois sistemas acidogênicos operados sem o devido controle do pH se tornam vulneráveis a perdas de desempenho devido a inúmeros fatores que de- pendem estritamente deste parâmetro, tais como a atividade das hidrogenases, as rotas metabólicas predominantes e ainda, fenômenos de floculação e aderência mi- crobiana (FUESS et al., 2016). Os microrganismos acidogênicos são capazes de crescer em uma ampla faixa de pH produzindo continuamente BioH2. No entanto, o pH interno da célula da maioria dos microrganismos é mantido em torno do valor neutro para garantir a integridade das macromoléculas por mecanismo homeostático, permitindo o transporte de compostos através da membrana celular semipermeável (GONZÁLEZ- CABALEIRO et al., 2015). Estudo como o de Fuess et al. (2019) afirma que o pH do efluente do reator foi o principal fator que influenciou a produção de BioH2 a partir da vinhaça de cana- de-açúcar usando um reator com material suporte, e impôs mudanças na via metabólica, ou seja, produção de lactato em pH < 5,0, produção de BioH2 através de ácido butírico na faixa de pH de 5,0 a 5,5, e redutor de sulfato, juntamente com a produção de BioH2 em pH > 6,0, na razão DQOt/SO4 -2 igual a 24. Esses autores observaram rendimentos de BioH2 de 0,2 ± 0,2, 3,0 ± 2,8, 4,4 ± 0,8 e 3,8 ± 1,5 molH2 g-1 DQO convertido, respectivamente, para pH 4,44 ± 0,06, 4,78 ± 0,41, 5,24 ± 0,16 e 6,51 ± 0,64, o que indica a faixa de pH de 5,0 a 5,5 a mais adequada para a produção de BioH2 a partir da vinhaça de cana-de-açúcar. Os resultados obtidos por Toledo-Cervantes et al. (2020) para a produção de BioH2 a partir da vinhaça de 45 tequila ratifica os resultados obtidos, atingindo pH ao final dos ensaios em batelada igual a 5,5 (FUESS et al., 2019). A literatura apresenta que embora seja possível encontrar alguma concordân- cia para pH inicial em torno de 6,5-7,0 e pH do efluente em torno de 5,0-5,5 para a produção de BioH2, a fermentação escura sob pH mais baixo também é possível. Oliveira et al. (2020)demonstraram que a produção contínua de BioH2 também é possível em valores baixos de pH operando um ASTBR alimentado com melaço de cana a 60 gDQO L-1d-1, favorecendo a via metabólica para produção de ácido butírico e BioH2 a partir da conversão de ácidos acético e lático (Tabela 1 – Reação 5) com predominância do gênero Thermoanaerobacterium. 3.7.3. Temperatura A temperatura afeta a taxa de crescimento das bactérias e a eficiência de conversão dos substratos em BioH2 no processo de FE (SÁNCHEZ et al., 2021b) Os microrganismos podem ser classificados em vários grupos de temperatura : psicrófilos (0-25 °C), mesófilos (25-45 °C), termófilos ( 45-65°C), termófilos extre- mos (65-80°C) e hipertermófilos (acima de 80°C) (LEVIN et al., 2004). Neste con- texto, os microrganismos possuem uma temperatura ótima de crescimento, portanto, o controle da temperatura operacional é uma ferramenta para selecionar os consór- cios microbianos no reator. Na temperatura mínima, o transporte na célula microbi- ana e outras atividades metabólicas tornam-se prejudicadas devido à solidificação da membrana citoplasmática semifluida (MADIGAN et al., 2012).A temperatura má- xima provoca a desnaturação das enzimas, a lise térmica e o colapso da membrana citoplasmática (MADIGAN et al., 2012). Estudos como o de Toledo-Cervantes et al. (2020) sobre a temperatura otimi- zada para condições mesofílicas (27,92 - 42,7ºC) e termofílicas (47,92 - 62,07ºC) para produção de BioH2 a partir da vinhaça de tequila mostram que os valores otimi- zados obtidos foram, respectivamente, 35ºC e 55ºC, alcançando rendimento de BioH2 sob condições mesofílicas de 15% maior do que em condições termofílicas. Apesar de operar reatores anaeróbios em batelada sequencial (ASBR) nas condi- ções mesofílica (37ºC) e termofílica (55ºC), o reator termofílico apresentou melhor desempenho que o mesófilo e obteve um rendimento de BioH2 22% maior. Esses autores afirmaram que a menor solubilidade do H2 em temperatura mais alta pode 46 ter dificultado as vias de consumo de hidrogênio em condições termofílicas em com- paração com a condição mesofílica, uma vez que o teor de H2 no biogás a 55ºC foi duas vezes maior que o teor em 35ºC e a formação de ácido propiônico foi observado apenas na condição mesofílica. Flutuações na temperatura de operação de reatores com biomassa aclima- tada podem causar mudanças na comunidade microbiana com diminuição no rendi- mento de BioH2, como observado quando um inóculo enriquecido a 55ºC foi subme- tido a variação de temperatura de 35 - 45ºC e 65 - 75ºC) (OKONKWO et al., 2019, 2020). A dominância de Thermoanaerobacteriales (98-77%), seguida de Bacillales (<1-22%) e Clostridiales (<1-3%) a 55ºC foi deslocada para dominância de Clostridi- ales em direção a uma condição mesofílica, com abundância relativa igual a 84% e 74% obtidas para as respectivas temperaturas 35 e 45ºC, enquanto Thermoanaero- bacteriales manteve a dominância para a condição hipertermofílica (97%). Apesar da pequena mudança na dominância microbiana em temperaturas mais altas, esses autores verificaram que a perda na diversidade, devido ao desaparecimento de Clos- tridiales presentes no consórcio após o retorno a 55ºC, prejudicou a recuperação do rendimento de BioH2. A diminuição da temperatura levou a um aumento nas vias consumidoras de H2, como homoacetogênese e produção de ácido lático, enquanto a 65ºC a via metabólica mudou da via do acetato butírico para a via etanol-acetato, com apenas 5% de degradação do substrato a 75ºC. No entanto, a produção contí- nua de BioH2 hipertermofílico de 1,9 molH2 mol-1glicose poderia ser alcançada em um reator anaeróbio de leito estruturado, utilizando vinhaça de cana-de-açúcar como substrato, através da via do ácido butírico quando o inóculo é fermentado natural- mente a 70ºC (NIZ et al., 2019). Portanto, é importante ressaltar que a seleção da temperatura ideal depende do tipo de bactéria utilizada durante a fermentação, tanto para culturas puras quanto para consórcios. Além disso, a atividade de enzimas específicas, responsáveis pela produção de BioH2, dependerá da temperatura e ao mesmo tempo a temperatura ideal da fermentação dependerá do tipo de bactéria e do tipo de substrato utilizado. Vale ressaltar que temperaturas maiores são favorecidas devido à alta temperatura de geração (ŁUKAJTIS et al., 2018). 47 3.7.4. Substratos A literatura apresenta que os substratos usados para FE podem ser sólidos, semi-sólidos ou líquidos. Substratos em estado sólido, que possuem alto teor de umidade em sua composição, ganham notoriedade para uso em processos de geração de biogás, pois deixaram de ser utilizados para geração de energia em usinas térmicas e podem ser gerados em diversos segmentos industriais. Assim, esta é uma rota mais sustentável para o seu destino. Substratos líquidos, geralmente chamados de efluentes, podem apresentar altas concentrações de matéria orgânica em sua composição diluída em água cuja concentração varia de acordo com cadeia produtiva que originou o efluente (FAN et al., 2018). Neste contexto, a escolha adequada de uma matéria-prima na FE deve ser aquela que apresenta uma fonte de compostos orgânicos que sirvam como substratos no processo. Diferentes açúcares têm sido utilizados como substratos, por exemplo, monossacarídeos, como glicose, e dissacarídeos, como lactose ou sacarose, são as fontes de carbono mais preferidas para conversões metabólicas de microrganismos em processos fermentativos (LUKAJTIS et al, 2018). Além disso, materiais como esgoto doméstico, vinhaça, restos de alimentos, milho, arroz, papel e outras fontes de matéria orgânica podem ser utilizados como substratos (MCCARTY, 2001). De uma forma geral, todos os tipos de biomassa podem ser usados como matéria-prima para a produção de biogás se contiverem carboidratos, proteínas e gorduras como componentes principais. Vários estudos relatam sobre diferentes efluentes orgânicos (substratos líquidos) aplicados a sistemas anaeróbios para produção de bioenergia como o BioH2. Por exemplo, estudos utilizando soluções de efluentes sintéticos à base de sacarose e glicose (ANZOLA-ROJAS et al., 2015; FERNANDES et al., 2013; GOMES et al., 2015b; LEITE et al., 2008; LIMA et al., 2013; SANTOS et al., 2014; TREVISAN et al., 2019) e água residuária de soro de queijo sintético (BLANCO et al., 2019) Estudos utilizando águas residuárias industriais, como soro de queijo (AZBAR et al., 2009; DAMASCENO et al., 2008; LIMA et al., 2015; PERNA et al., 2013), águas residuárias de mandioca (GOMES et al., 2016), soro de leite (DAVILA- VAZQUEZ et al., 2011; LIMA et al., 2016), efluentes de processamento de laticínios e alimentos (AHMAD et al., 2019; SCOMA et al., 2013; TIKARIHA & SAHU, 2014; VAN GINKEL et al., 2005), cervejarias (DE ARAUJO et al., 2016), vinícolas 48 (PENTEADO et al., 2013), refrigerantes (PEIXOTO et al., 2011). Ainda, alguns autores relataram o uso de águas residuárias à base de glicerina (BRAVO et al., 2015; LOVATO et al., 2015) e águas residuárias ricas em sulfato (SARTI et al., 2009). Além disso, estudos tem focado na utilização de vinhaças produzidas a partir de diferentes matérias-primas, como tequila (BUITRÓN et al., 2014; BUITRÓN & CARVAJAL, 2010), mandioca (WANG et al., 2013), cana-de-açúcar (FERRAZ JÚNIOR et al., 2015; FUESS et al., 2019), milho (FERNANDES et al., 2013) e outros. 3.7.4.1. Vinhaça de cana-de-açúcar A produção e utilização do BioH2 como fonte de energia ainda está em estágio de desenvolvimento e consolidação no Brasil, isto é, ainda é um estudo recente que demanda muita investigação (FUESS et al., 2016; FUESS et al., 2021; IEA, 2020; JAIN, 2019; MERCOSUR, 2017) Para entender o interesse de utilização da vinhaça de cana-de-açúcar como substrato na FE, primeiramente é necessário entender de onde vem a vinhaça e o que esta água residuária apresenta que a diferencia de outras águas residuárias na produção de BioH2. Neste cenário, é importante citar que o interesse de utilizar a vinhaça de cana-de-açúcar para produção de H2 é devido esta água residuária apresentar residual de carboidratos, ácido lático e glicerol os quais podem ser utilizados durante a FE como substratos (alimento) para os microrganismos (FUESS et al., 2018). Para entender sobre a origem da vinhaça de cana-de-açúcar, o contexto sobre o mercado brasileiro de açúcar e álcool é importante. O Brasil se tornou altamente competitivo a partir do Proálcool, programa em que foi implementado a obrigatorie- dade de misturar álcool com gasolina, juntamente com o surgimento de legislações ambientais mais rigorosas quanto à utilização de biocombustíveis, fazendo com que a produção brasileira de álcool se expandisse. No território brasileiro, as regiões tradicionais de plantio da cana-de-açúcar são o Triângulo Mineiro, os estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pa- raná e algumas regiões do Nordeste, sendo São Paulo o maior produtor atualmente (CONAB, 2022). Um resumo sobre os últimos anos de safra da cana mostra que a produção de cana-de-açúcar na safra 2020/21 foi estimada em 665 milhões de tone- ladas, com um acréscimo de 3,5% da produção referente à safra anterior de 2019/20, representando uma redução de 7,9% da produção de etanol em relação à safra do 49 ano anterior, equivalente à redução de 35,7 bilhões para 32,9 bilhões de litros de etanol, anidro e hidratado (CONAB, 2020). Por outro lado, a safra 2021/22 ainda em andamento, apresenta resultados parciais de produção até o mês de abril igual a 585,2 milhões de toneladas, representando um volume de matéria-prima 10,6% me- nor em relação ao da safra 2020/21. Essa redução é justificada pela diminuição de 3,5% na área cultivada e, também, aos efeitos climáticos adversos da estiagem du- rante o ciclo produtivo das lavouras. Na safra 2021/22 houve maior destinação per- centual da cana-de-açúcar para a produção de etanol, principalmente, etanol anidro utilizado na composição da gasolina, esta produção teve aumento de 13,8% alcan- çando 10,6 bilhões de litros, enquanto o total produzido de etanol hidratado ficou em 16,18 bilhões de litros. A estimativa de produção até o final da safra é de 26,78 bi- lhões de litros, redução de 10% em comparação com a safra do ano anterior. Neste cenário de produção de cana-de-açúcar, o Brasil é o maior produtor mundial e ocupa o segundo lugar na produção de etanol ( FUESS et al., 2017). Isto o destaca na geração de bioenergia em larga escala a partir dos resíduos gerados em todas as etapas da cadeia produtiva do etanol de cana-de-açúcar FUESS et al., 2016, RODRIGUES et al., 2021). Estas informações ratificam que o Brasil lidera o cenário mundial de cana-de-açúcar. Ao avaliar o cenário agroindustrial brasileiro, é importante mencionar que o Estado de São Paulo é o maior produtor de etanol do Brasil, e consequentemente, é o maior produtor de vinhaça, apresentando um grande potencial de geração de energia limpa como o biogás da vinhaça através da rota biotecnológica (FUESS et al., 2018, 2019). A vinhaça ou vinhoto é uma água residuária gerado na cadeia produtiva do etanol como subproduto obtido na etapa de destilação. Esta água residuária apresenta matéria orgânica a qual pode ser utilizada como substrato na FE, isto justifica o potencial de aplicação em processos biotecnológicos para recuperação de energia ou obtenção de outros produtos de interesse, como ácidos orgânicos (FUESS & GARCIA, 2014; MORAES et al., 2014). Quando se trata de produção de etanol, no âmbito das questões ambientais, alguns benefícios importantes podem ser destacados como seu caráter renovável e seu potencial para reduzir a emissão de GEEs. Assim, o expressivo o emprego da cana-de-açúcar, a partir da produção de etanol, açúcar, vapor e eletricidade, também compreende outro ponto positivo da indústria sucroalcooleira, a qual pode ser carac- terizada como biorrefinaria (TAKEDA, 2021). 50 A Figura 3 apresenta o processo produtivo de etanol a partir de cana-de- açúcar e consequentemente a produção da vinhaça. Resumidamente, o processo de produção de etanol inicia com a colheita da matéria-prima (cana-de-açúcar), a qual é lavada para retirada de material particulado, e moída para extração do caldo, desta etapa é obtido o subproduto bagaço. Em sequência, o caldo extraído é submetido a um tratamento físico-químico para retirada de impurezas, gerando a torta de filtro e, depois, é direcionado para os processos de evaporação, cozimento, centrifugação e secagem na produção de açúcar, gerando como subproduto o melaço de cana-de-açúcar (TAKEDA, 2021). Figura 3. Fluxograma simplificado da produção de açúcar e etanol. Fonte: Takeda, (2021). Após a fermentação do melaço, do mosto (caldo + melaço) ou do caldo de cana, a partir de microrganismos fermentadores capazes de romper as moléculas de glicose e produzir etanol e gás carbônico, o líquido resultante (vinho), composto for- mado pela mistura de leveduras, açúcares não fermentáveis e etanol, é encami- nhado para as colunas de destilação para separação do etanol, em que, por sua vez, produz um resíduo denominado vinhaça ou vinhoto. O produto da destilação do vinho 51 passa por retificação gerando o etanol hidratado, com grau alcoólico de 93,5%, o qual, por desidratação obtém-se o produto final: etanol anidro (SALOMON & LORA, 2009), conforme apresentado na Figura 3. Em termos de características gerais, a vinhaça apresenta cor escura, elevada concentração de matéria orgânica, assim como de potássio e sulfato, elevada cor e salinidade, características ácidas e corrosivas, e elevada temperatura, aproximada- mente 65-107°C, ainda pH na faixa de 3 a 5. Umas das justificativas da característica ácida da vinhaça é a adição de ácido sulfúrico na etapa de fermentação do processo e a presença de compostos orgânicos ácidos, sobretudo, o lactato, também contri- buem para isso. A presença de melanoidinas, compostos poliméricos de elevado peso molecular, formadas por reações de Maillard também compõem a vinhaça e são responsáveis pela coloração marrom escura deste subproduto (ESPAÑA- GAMBOA et al., 2012; MORAES et al., 2015; SALOMON & LORA, 2009). Em termos de composição, a vinhaça apresenta de cerca de 93% de solução aquosa e 7% de sólidos em suspensão, sendo que 5