Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 “Fraternidade e Amazônia”: a proposta ambientalista da Campanha da Fraternidade de 2007 Juliana Rodrigues Larrosa Oler 1 Resumo: A pesquisa teve por objetivo caracterizar as representações sobre o homem, a natureza e as suas relações mútuas nas propostas ambientalistas elaboradas pela Campanha da Fraternidade de 2007, cujo tema foi “Fraternidade e Amazônia”. Para tal, procurou-se identificar as posições da Igreja durante o ano de 2007 a partir de fontes primárias, como obras de autores católicos, a revista Família Cristã e os endereços eletrônicos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e da Campanha da Fraternidade, com os quais se elaboraram os corpora de pesquisa. Os dados mostraram que a temática ambiental não teve grande representatividade nos meios de comunicação católicos, correspondendo geralmente a menos de 10% dos textos examinados. Especificamente, a Campanha da Fraternidade direcionou seus esforços para problemas sociais das populações e, quando tratou das questões ambientais da Amazônia, usou um discurso romântico e antropocêntrico rico em metáforas. Concluiu-se que a temática ambiental serviu de caminho para atrair a atenção de diferentes setores da sociedade e dos meios de comunicação para as injustiças e desigualdades sociais no Brasil, nos moldes das ações baseadas na Teologia da Libertação. Palavras-chave: Campanha da Fraternidade, Ambientalismo, Amazônia. Abstract: The goal of this research was to distinguish the representations of man, nature and their mutual relations in the environmental proposals elaborated by the 2007 Fraternity Campaign, whose theme was "Fraternity and Amazon". Therefore, this research tried to identify the positions of the Catholic Church during the year of 2007 through the examination of primary sources like: works from Catholic authors, the Christian Family magazine and the websites of the National Conference of Brazilian Bishops and the Fraternity Campaign. These sources formed the corpora of the research. The data showed that the environmental theme was not very present in the Catholic media, representing in general less than 10% of the examined material. The Fraternity Campaign directed its efforts specifically to the social problems of the populations, and when it talked about Amazonia's environmental issues, it showed a romantic and anthropocentric discourse, rich in metaphors. This research concluded that the environmental theme served as a way to attract the attention of 1 Graduanda em Ecologia – Universidade Estadual Paulista – Campus Rio Claro – Instituto de Biociências – Departamento de Ecologia. Contatos: Av. 24-A, 1515 – Rio Claro–SP ou juliana.oler@gmail.com Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 88 different sectors of society and the media to the injustice and social inequality in Brazil, in the same fashion of the actions based on the Liberation Theology. Keywords: Fraternity Campaign, Environmentalism, Amazon. Introdução Esta pesquisa almejou investigar a proposta ambientalista da Igreja Católica no Brasil tomando como objeto de estudo a Campanha da Fraternidade de 2007. Nesse ano, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) decidiu voltar-se para o tema do ambientalismo, dirigindo seus esforços para a região amazônica. A Amazônia não é o único reduto nacional em que saltam aos olhos os problemas ambientais. Estes, na verdade, são de múltiplas naturezas: rurais, urbanos, populacionais, habitacionais, alimentares e da ordem da saúde, entre outros. Lembremos a seca do Nordeste, os alagamentos na Bahia e em Pernambuco, a poluição de São Paulo e os agrotóxicos nos alimentos, apenas para mencionar aqueles que são mais do agrado dos meios de comunicação. Mas a região escolhida é um repositório de temas e problemas, tanto nacionais como internacionais, possíveis de envolver na sua discussão diferentes dimensões da realidade brasileira. Esta é, pois, uma oportunidade para analisar a posição da Igreja Católica nacional diante dos desafios políticos, sociais, econômicos e ecológicos da degradação ambiental. As representações acerca do homem e da natureza são noções fundamentais que expressam o modo como grupos e sociedades constroem sua relação com o meio ambiente e orientam o enfrentamento dos seus desafios. Certamente, essas representações são históricas e construídas coletivamente pelas diferentes sociedades humanas. As sociedades ocidentais modernas são herdeiras de representações da tradição judaico-cristã, as quais ao longo da história informaram as relações entre os homens e destes com a natureza. Assim, a Campanha da Fraternidade de 2007 pôde dar visibilidade a essas representações ao oferecer os caminhos pelos quais a Igreja espera abordar e propor soluções à questão ambiental. Com o tema central Fraternidade e a Amazônia, a Campanha da Fraternidade de 2007 teve Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 89 como lema vida e missão neste chão e assim fez a apresentação da sua proposta (CHIQUIM, 2007, p. 0): Somos chamados a nos unir com nossos irmãos, brasileiras e brasileiros que vivem nessa porção do Brasil, terra abençoada, mas com seus inúmeros desafios. Nesta Quaresma queremos, junto com a penitência, jejum e a caridade, promover a vida dos povos amazônicos, defendendo suas culturas, terras e sonhos. A Amazônia é tema de sensibilização nacional. Todos somos responsáveis pela sua preservação, colocando em primeiro lugar a dignidade dos povos que nela habitam. A passagem citada oferece elementos importantes do ponto de partida dessa Campanha, com ênfases no homem e na terra e ausência de menção à flora, à fauna, aos rios e mares. Desse modo, a hipótese deste estudo foi a de que os esforços da Campanha seriam centrados nas denúncias das injustiças e desigualdades sociais, por meio da combinação de ideias ambientalistas com propostas de orientação política. Diante disso, esperou-se que as representações do homem, da natureza e de suas relações seriam de feição antropocêntrica, coerentes com as da tradição judaico-cristã. Assim, este estudo almeja apresentar uma análise do discurso elaborado pela Campanha da Fraternidade de 2007 presente em alguns meios de comunicação impressos e eletrônicos, nos quais se possa identificar e caracterizar as representações do homem e da sua posição no reino natural produzidas pela Igreja Católica no Brasil no seu enfrentamento das questões ambientais. A escolha dos procedimentos metodológicos para esta pesquisa se deparou com a polaridade: técnicas quantitativas X técnicas qualitativas. Essa disputa, própria das Ciências Sociais, se apoia no falso debate sobre a objetividade e o rigor contra o excesso de generalização e perda de mediações explicativas (CONCONE, 1998). Certamente, ambas as técnicas têm suas possibilidades e seus limites e podem complementar-se num diálogo frutífero. No caso deste estudo, seu Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 90 objeto e seus objetivos permitem utilizar tanto os recursos quantitativos como os qualitativos. Para atender aos objetivos deste estudo, considerou-se necessária a identificação, no interior do discurso da Igreja Católica, ao longo da sua história recente, da natureza de suas representações acerca das relações do homem com seu ambiente. Desse modo, esta pesquisa tem seus dados obtidos de fontes primárias e secundárias. As fontes primárias são constituídas por meios de comunicação impressos e eletrônicos. Dos primeiros foi selecionada a revista Família Cristã nas suas edições de 2007, por se tratar de veículo disseminado entre os católicos brasileiros. A coleta desses dados foi realizada nos exemplares pertencentes ao acervo da biblioteca do Colégio Puríssimo Coração de Maria de Rio Claro – SP. Além dessa revista, buscou-se identificar a posição católica sobre a questão ambiental em artigos de pensadores voltados para esse tema. Dos meios de comunicação eletrônicos foram consultados, durante o período desta pesquisa, os endereços eletrônicos que ainda em 2008 têm disponíveis conteúdos referentes à Campanha da Fraternidade de 2007. Esse conjunto de documentos escritos e eletrônicos compõe os corpora deste estudo. As fontes secundárias referem-se aos estudos históricos, sociológicos e filosóficos a respeito do Movimento Ambientalista, da Igreja no Brasil e das concepções cosmológicas que regem as relações entre o homem e o seu ambiente na modernidade e na pós-modernidade. As fontes de dados selecionadas para esta pesquisa são entendidas como documentos e permitem a construção de corpora de pesquisa. A construção de corpora e a construção de amostras são procedimentos diferentes e alternativos para a seleção de indivíduos numa população. As dimensões do corpus são então definidas pelo critério da saturação, que se identifica quando a inclusão de novos registros não traz mais nada de novo. Trata-se, portanto, de uma seleção proposital, como é o caso dos endereços eletrônicos, da revista e dos textos de autores católicos. Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 91 1. Fundamentação Teórica O homem e a natureza A temática ambiental é um campo de conhecimento multidisciplinar que envolve a cooperação de diferentes áreas de conhecimento. No caso deste estudo, os seus marcos teóricos são constituídos pelas contribuições da Sociologia, da Filosofia da Ciência e da Ecologia. As sociedades ocidentais passaram por constantes e significativas mudanças na concepção de homem e de mundo e, principalmente, no modo como ocorrem as relações homem-natureza. Porém, uma situação em particular marca o nosso modelo cosmológico: a separação entre o homem e o mundo natural. Sua origem estaria na exaltação do homem e das ideias e no desprezo pelos elementos naturais, característicos do pensamento de Platão e Aristóteles. Esse pressuposto filosófico adquire maior dimensão com a influência da tradição judaico-cristã na Idade Média e o triunfo da ciência na modernidade. Keith Thomas (2001) chama a atenção para passagens da Bíblia, especialmente do Gênesis, nas quais Deus preparara o Paraíso (Jardim do Éden) para o homem, concedendo a Adão total domínio sobre todas as coisas vivas. A teologia judaico-cristã fornece, então, os alicerces morais para o predomínio do homem sobre a natureza, que se acentua com a propriedade privada e a economia de mercado, conforme conclui Thomas (2001). Afirma também esse autor que a religião do Novo Testamento apresenta um antropocentrismo ainda mais intenso, ou seja, o cristianismo ensina e difunde de maneira mais profunda do que o judaísmo a ideia de um mundo todo subordinado aos objetivos do homem. Porém, como todo discurso religioso, a tradição judaico-cristã não está isenta de contradições e existem passagens que impõem ao homem agir de modo responsável e justo diante da criação divina. Essas passagens, todavia, não são enfatizadas no edifício teológico cristão. Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 92 É irrelevante determinar se o cristianismo é, enquanto crença, intrinsecamente antropocêntrico. O foco encontra-se em entender que, no início do período moderno, seus principais expoentes o foram e a ideia difundida foi a de exploração e não a de gerência das coisas do mundo natural. Portanto, essa tradição chega ao século XX sedimentada e tem de enfrentar, no pós-guerra, o Movimento Ambientalista. Além disso, essa tradição cultural já está presente nas origens da ciência moderna. Albuquerque (2006) argumenta que no início da modernidade a luta contra as fontes tradicionais de conhecimento, como o aristotelismo e a teologia cristã, não impede que esse modelo cosmológico reapareça nos níveis fundamentais da ciência. No âmbito da prática científica, desenvolve-se uma metodologia na qual a natureza é vista apenas como um objeto à disposição da razão humana (Descartes), com valorização somente de suas características utilitárias (Bacon) e, consequentemente, todos os seus atributos sensíveis são descartados (Galileu). Em outras palavras, a relação sujeito-objeto é problemática na prática científica, pois expressa essa separação entre o observador e o observado. Porto-Gonçalves (1990) explica que foi com Descartes que a oposição homem/natureza, espírito/matéria, sujeito/objeto torna-se mais completa, e dois aspectos da filosofia cartesiana marcam a modernidade: o caráter pragmático atribuído ao conhecimento e o antropocentrismo. Tanto este quanto aquele, vinculados ao colonialismo e ao mercantilismo, espalharam-se rapidamente pelo mundo ocidental. O Movimento Ambientalista A preocupação com a degradação ambiental já se manifestava no período do entreguerras. Vale a pena chamar a atenção para o famoso arquiteto Frank Lloyd Wright (1867-1959), que, por influências religiosas (Unitarismo), tornou a natureza foco de seus projetos. Para Wright e sua família, a ciência e as artes devem auxiliar os homens por si mesmos a buscar a Deus. Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 93 Acho que a palavra natureza deveria ser grafada com “N” maiúsculo, não que a natureza seja Deus, mas porque tudo o que podemos aprender sobre Deus aprendemos do corpo de Deus que chamamos de natureza (WRIGHT apud STUNGO, 2000). Wright criou um estilo próprio de construção baseado em paisagens naturais, como, por exemplo, as pradarias do Meio-Oeste americano, local onde nasceu e cuja horizontalidade exerce grande influência sobre suas obras (STUNGO, 2000). O progresso e o desenvolvimento atribuídos às inovações científicas e tecnológicas experimentadas no século XX não impedem o aparecimento de questionamentos que denunciam os custos humanos e naturais do projeto da ciência moderna. A exacerbação do individualismo, a tecnocracia, a racionalização do trabalho, a degradação ambiental, as doenças, entre outras características da civilização moderna, são atribuídas à mentalidade científica. Essa situação dá passagem à chamada condição pós-moderna, que se expressa na crise das grandes narrativas. Nesse contexto, emerge o Movimento Ambientalista, que aprofunda o questionamento das condições presentes de vida e desenvolve “lutas” em direção a diversos problemas, sempre com o intuito de buscar uma maneira menos nociva de as coletividades humanas lidarem com a natureza. É importante destacar que nem sempre os movimentos populares com reivindicações de “caráter ecológico” as fazem com a motivação política e ideológica do Movimento Ecológico, o que certamente não impede uma união de “interesses” e uma luta conjunta. No Brasil, o Movimento Ambientalista surge nos anos 1970, época marcada por uma atroz ditadura que reprimia veementemente diversos movimentos, como o sindical e o estudantil. Nessa conjuntura, o Movimento Ecológico era visto como uma agitação secundária, “coisa de pequeno burguês”, ou, como era preferido pela esquerda, “coisa de milico” (PORTO-GONÇALVES, 1990). Com a entrada de capital estrangeiro no Brasil como componente do projeto de industrialização e de desenvolvimento, Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 94 atinge-se o auge da falta de respeito à conservação dos recursos naturais, tendo em conta o já tradicional desrespeito pela natureza. Devido à crescente preocupação ambiental que se desenvolvia internacionalmente, surgiram exigências relativas à preservação ambiental para a possível realização de investimentos financeiros no Brasil. Assim, são inventadas as primeiras instituições brasileiras para gerir o meio ambiente, não realmente preocupadas com as questões ambientais, mas criadas apenas para atrair o capital estrangeiro e driblar a pressão internacional. No final dos anos 1970, retornam ao Brasil diversos exilados que trazem ao país importantes experiências em movimentos ambientalistas internacionais, contribuindo de forma relevante para o Movimento Ecológico brasileiro. O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul representam os dois grandes centros do movimento socialmente enraizados. Para as elites empresariais, os ecologistas eram apenas românticos que se colocavam contra o desenvolvimento e o progresso. É interessante ressaltar que, na verdade, os ecologistas se posicionam contra a concepção de progresso e desenvolvimento aceita e difundida pela elite tecnocrata. E é nessa situação contraditória que o Movimento Ecológico está inserido, sendo muito complicado tratar da defesa do meio ambiente em meio a uma sociedade marcada por práticas extremamente devastadoras. Nesse contexto de crise da verdade e do consenso, o Movimento Ambientalista assume diferentes formas, que têm sua origem nas diversas linhas básicas de atuação desenvolvidas pelos seus militantes. No início do Movimento Ecológico, as entidades eram classificadas de acordo com a atuação e posicionamento de seus participantes, sob os rótulos “conservacionistas” ou “ambientalistas”. Presentemente, pode-se destacar o ambientalismo de resultados e o ambientalismo ingênuo como frutos do desenvolvimento de extremismos ideológicos das versões conservacionistas e ambientalistas, respectivamente (ANTUNIASSI; GIASANTI; MAGDALENA., 1989). É preciso considerar, porém, que entre esses polos encontra-se uma grande variedade de matizes e, também, que outros critérios permitem Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 95 construir outras classificações das posições no interior do Movimento Ambientalista. Desde 1988 tem havido uma significativa abertura no ambientalismo brasileiro para a problemática do desenvolvimento sustentável. Até meados da década de 1980, a grande maioria dos ambientalistas brasileiros não considerava relevante essa questão. Ecologia e Economia eram percebidas como duas realidades antagônicas. Predominava uma visão ingênua e simplista segundo a qual uma mudança de valores e comportamentos na sociedade, associada a uma nebulosa ideia de acesso ao poder por parte dos representantes das populações pobres, teria como consequência uma mudança radical da política econômica na direção de uma sociedade ecologicamente consciente. Os parâmetros do debate ambiental brasileiro mudaram em 1990: já não se falava mais em proteção ambiental sem associá-la ao desenvolvimento econômico. O eixo do debate passa a ser como atingir um novo estilo de desenvolvimento que interiorize a proteção ambiental (VIOLA, 1992). A Campanha da Fraternidade A ampla mobilização pela problemática ambiental não chegou a sensibilizar a Igreja Católica, enquanto instituição, até a recente proposta da Campanha da Fraternidade. Vozes representativas da sua liderança, como Leonardo Boff, são quase solitárias no tratamento das questões ambientalistas. Desse modo, pode-se considerar inusitada a iniciativa da CNBB de abraçar a causa amazônica frente às muitas “lutas” que marcam a sua história recente no Brasil. Aliás, a própria Campanha da Fraternidade nasceu no interior de setores da Igreja voltados para a justiça e dignidade humanas em regiões desfavorecidas do território nacional. Iniciada em 1961 e realizada pela primeira vez na Quaresma de 1962, apenas em Natal – RN, teve seu lançamento em nível nacional em 26 de dezembro de 1963, fortemente influenciada pelas ideias renovadoras do Concílio Vaticano II. A CNBB assumiu a Campanha da Fraternidade em 1965 e, Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 96 nesse processo, estabeleceu-se a sua estruturação básica (CAMARGO, 1971). Podem-se identificar, historicamente, três fases do processo de escolha dos temas: na primeira fase (de 1964 a 1972) os temas estavam relacionados com a busca por uma renovação interna da Igreja; na segunda fase (de 1973 a 1984) a Igreja preocupa-se com a realidade social do povo e na terceira e atual fase a Igreja volta-se para situações existenciais do povo brasileiro. No ano de 2007, a campanha foi lançada na cidade de Belém, no Pará. 2. A Igreja e o ambientalismo 2.1 O pensamento ambientalista católico Até 2007, poucas eram as autoridades da Igreja Católica preocupadas com a temática ambiental. No entanto, alguns autores ligados à Igreja Católica se aventuraram nessa temática. A Revista Vozes (ano 73, n. 1, 1979) dedicou toda uma edição às questões ambientais sob o título “Ecologia e Comportamento Humano”. Esse número assim apresentou os seus pressupostos no Editorial: [...] Urge que o homem abandone a mania de posse egoísta e reaprenda a conviver com as coisas. Como um São Francisco de Assis. O homem é um elo apenas do cosmos, ainda que seja “a primeira e mais verdadeira riqueza da Terra” (Paulo VI). [...] Proteger e defender responsavelmente o meio ambiente é defender e proteger o homem [...] (NEOTTI, 1979, p. 3). É importante ressaltar que essa é uma publicação da Editora Vozes, que desde o final do século XIX vem produzindo obras destinadas ao público católico (EDITORA VOZES, 2009). Destacamos alguns dos autores presentes nessa publicação como exemplos da posição da Igreja em relação ao ambientalismo. Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 97 Moser (1979), para quem a crise ecológica traz consigo a certeza de outra crise – a crise do homem e sua sociedade tecnológica –, considera que o desequilíbrio ecológico exige uma ação lúcida e decidida. O desafio ecológico leva ao desafio teológico, e este, ao desafio ético. Entende o autor que o desafio ecológico abrange a modificação da situação atual do planeta e, por consequência, freia seu maior agente poluidor, o homem. O homem viola as leis básicas da ecologia ignorando a interdependência existente no universo, de modo que destrói o meio do qual depende e hoje se alarma com os diferentes tipos de poluição que criou e tenta “reparar” seus danos para não padecer. O desafio teológico, ainda segundo Moser (1979), caracteriza-se pela necessidade de emitirmos um juízo de valor. Deve-se entender que os atentados contra a ecologia são na realidade atentados contra o próprio homem. A reflexão teológica é sempre uma leitura da realidade à luz da fé. O autor afirma que o homem é incumbido por Deus de levar avante sua obra criadora. Para esse autor, o desafio ético mora na questão da mudança de valores, pois a crise ecológica reflete a crise de valores fundamentais do homem. Não podemos nos prender a uma conversão para a natureza no sentido de uma defesa romântica do verde das plantas, da limpidez das águas e do azul do céu: estes são apenas aspectos da luta por uma re-humanização. Pode-se destacar, entretanto, que, apesar de alertar sobre a interdependência de seres vivos e ambiente, Moser ainda apresenta uma visão antropocêntrica típica da tradição judaico-cristã quando afirma que apenas o homem foi incumbido por Deus de levar adiante sua obra criadora e quando separa o homem dos outros animais: [...] o homem é por conseguinte um ser radicalmente complexo, atraído por pólos opostos: ao mesmo tempo se identifica e se distingue, tanto do criador quanto das criaturas. Profundamente mergulhado no divino e profundamente mergulhado no terrestre, ele tem de coordenar a aparente desarmonia, humanizar e divinizar as criaturas [...] (MOSER, 1979, p. 46). Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 98 [...] O homem não foi, nem está sendo um administrador fiel. Pervertendo-se ele perverte o sentido da criação, não a utilizando segundo os planos divinos, mas segundo seus próprios planos, não para glória de Deus, mas para satisfação de sua cobiça [...] (MOSER, 1979, p. 48). [...] Podemos dizer que os vegetais sustentam a vida animal e esta a vegetal. Ambas sustentam a vida humana. Como também podemos dizer que os reinos mineral-vegetal-animal-humano, fazem parte de um único ciclo vital [...] (MOSER, 1979, p. 40). Coimbra (1979) afirma que o “mundo ocidental” nasceu de um conjunto muito rico de povos e culturas e foi lentamente encontrando um denominador comum em correntes intelectuais racionalistas, na síntese judaico-cristã e na sociedade industrial capitalista. Essas três visões até podem divergir em algum ponto, mas, no que se refere à natureza, o posicionamento do “homem dominador” predomina. O autor afirma também que no mundo ocidental moderno a secularização é apontada como a única forma legítima de ciência. As máquinas decidem o que é o homem, o que é inteligência e o que é verdade. O mundo, nesse ponto de vista, torna-se quantitativo, e essa índole, meramente material. A quantificação pode ser apontada como uma das grandes responsáveis pela degradação ambiental. A relação que o homem moderno tem com a natureza é de exploração sem responsabilidade e consideração com as consequências, conclui o autor. Nessa mesma direção, Moser (1979) reflete que, após se sentir dominado pelas forças da natureza durante milênios, o homem passou a ter consciência de ser o senhor do universo. E, quanto mais profunda se faz essa consciência, tanto mais se acentua seu poder destruidor. O homem sempre se considerou intimamente ligado ao seu ambiente. Esse relacionamento, contudo, passou por estágios muito diferentes, desde a submissão até a dominação (MOSER, 1979). Os ambientalismos de resultados e ingênuo são duramente criticados por diversos autores católicos. Moser (1979) afirma que não são as passeatas românticas carregadas de denso significado ideológico que irão promover conscientização, pois essas ficam nos efeitos e Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 99 encobrem as causas. Já para Godinho (1979), que também partilha do pensamento católico, é indevido o uso de “slogans ecológicos” para a solução do caos urbano. O ambientalismo de resultados é usado para driblar o foco do problema, ou seja, o modo de vida consumista da sociedade urbano-industrial. A autora chama tal situação de “ecologia enlatada” e ainda destaca o modismo do uso de indicadores e índices numéricos que transformam friamente grandes problemas em números isolados que não possibilitam a visão do todo. O ambientalismo romântico também é criticado como opção para a conservação do ambiente e as atitudes românticas ou antidesenvolvimentistas são descartadas, pois o foco deve estar em ações e técnicas que representem soluções reais e não apenas paliativas, conclui Godinho (1979). Apesar das duras críticas dessa autora à “ecologia enlatada” e do seu empenho pela conservação do ambiente, ela também revela em seu discurso uma visão antropocêntrica, que coloca o homem como produto final do processo evolutivo e como maior vítima de sua própria devastação: [...] é este sentido vivo que o homem tem e dá aos outros seres como codificação da complexidade evolutiva da vida, do qual ele é o resultado mais complexo [...] (GODINHO, 1979, p. 27). [Os animais não são uma curiosidade da natureza, eles são uma etapa na espiritualização da vida, uma preparação ao homem (CHAUCHARD, 1963, apud GODINHO, 1979, p. 28). O meio ambiente natural é interação de vida no seu pleno sentido. Por isso grande é a seriedade que se exige nas decisões em alterá-lo. Nesse processo a maior vítima quase sempre é o homem como epicentro da natureza (GODINHO, 1979, p. 28). A edição da Revista Vozes analisada traz também a carta escrita pelo Papa Paulo VI por ocasião da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Ambiente realizada em 1972. Nessa carta, intitulada “Meio Ambiente e Condicionamento Humano”, o pontífice apoia a luta pela conservação do meio ambiente e por um modo de vida menos consumista e desigual. No entanto, o homem é apontado como Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 100 o ser mais importante da Terra e responsável por sua gestão. Paulo VI afirma que a presença do homem aperfeiçoa e enriquece o ambiente e julga a miséria como a pior poluição existente. Tal ideia também é defendida por Moser (1979, p. 66): ninguém se pode apropriar de modo absoluto e egoísta do ambiente natural, que não é uma “res nullius” – propriedade de ninguém –, mas a “res omnium” – um patrimônio da humanidade, devendo os seus detentores, particulares ou públicos, regular o uso do mesmo em benefício, compreensivelmente, de todos; o homem é certamente a primeira e mais verdadeira riqueza da Terra. Uma apreciação desses autores permite algumas generalizações. Apresentam suas críticas ao modelo econômico capitalista, no seu aspecto consumista e predatório. Evitam posições caracteristicamente românticas, apesar de geralmente adotarem posições antropocêntricas. Propõem uma ética ambiental que não perca de vista o papel do homem na condução das coisas da natureza. É importante destacar que alguns autores ligados à Igreja Católica reconhecem e condenam o antropocentrismo presente na teologia judaico-cristã, responsabilizando as igrejas como cúmplices da mentalidade que resultou na atual crise mundial devido à ausência de uma competente autocrítica das tradições judaico-cristãs (BOFF, 1992; CHEMELLO, 2009; COIMBRA, 1979; MUSETTI, 2007). 2.2 A campanha ambientalista católica A CNBB vem desenvolvendo as Campanhas da Fraternidade anualmente desde 1964. Dessa forma, já foram realizadas 46 campanhas; no entanto, apenas 3 delas (1979, 2004 e 2007) dedicaram- se a questões ambientais (CNBB, 2009). Através de análise simples do site oficial da CNBB (www.cnbb.org.br) nos meses de dezembro de 2007 e janeiro de 2008, pode-se afirmar que não há referências explícitas sobre a Campanha da Fraternidade de 2007, ou mesmo sobre o tema por ela abordado. Para acessar o conteúdo referente ao ano de 2007, deve-se acessar primeiro o Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 101 link que trata das campanhas da CNBB e então o link da Campanha da Fraternidade. O site apresenta muitos links que tratam desde a parte administrativa da CNBB até um espaço dedicado à comunicação e sugestões. Poucas imagens aparecem, mas há destaque para o cartaz da Campanha da Fraternidade de 2008, assim como para um link que se refere à bioética (tema também pertinente à campanha de 2008). O site também apresenta um espaço dedicado às notícias. Estas estão divididas dia a dia. É possível acessar todas as notícias referentes ao ano de 2007 através da opção “mais notícias”. O site oficial da revista Família Cristã (www.fc.org.br) pertence ao domínio da Editora Paulinas e apresenta muitos links, tanto referentes a seções da revista (como colunistas, entrevistas, saúde, etc.) quanto à parte administrativa (contato, assinantes, assistência, etc.). No site também é possível acessar outras publicações da Editora Paulinas, assim como navegar pela Livraria Digital. O acesso a edições antigas da revista não é possível; quanto à edição impressa, apenas é possível visualizar a capa e o sumário da edição do mês. Para avaliar o quanto a temática ambiental foi abordada pela Igreja Católica, foi analisada a seção Notícias dia a dia [sic] do site da CNBB. Essa seção contém notícias, informes, alertas, artigos e outras formas de informação relacionadas com os assuntos da Igreja. Foram analisadas, a partir do título, as notícias de 1º de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2007 disponíveis no site. As notícias foram subdivididas em quatro categorias: - Artigos: foram considerados artigos todos os textos que pela própria CNBB eram assim denominados, ou seja, apresentavam-se no formato “Artigo: Título – Autor”. No entanto, a partir do mês de agosto a CNBB mudou o formato no qual esses artigos eram apresentados no site para “Título – Autor”, então, todos os textos publicados dessa maneira passaram a ser considerados artigos. - Reflexão do dia: trata-se dos textos com esse título (ou apenas com o título “Reflexão”), que se referem a passagens do Evangelho para cada dia. Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 102 - Refletindo sobre a Campanha da Fraternidade: textos apresentados com tal título e que tratavam de diferentes assuntos referentes à Amazônia, como fauna, flora, povo, cultura, costumes, etc. - Notícias: textos informativos sobre eventos, cursos, discursos do Papa, notas de alerta, notas de falecimento, notas de renúncia, etc. As categorias artigos e notícias foram ainda divididas em: ligadas ao meio ambiente e pertencentes a outros assuntos. É importante destacar que os seminários e outros eventos sobre a Campanha da Fraternidade foram considerados como notícias ligadas ao meio ambiente, mas as notícias e artigos que tratavam apenas dos índios ou outros povos amazônicos não foram considerados como artigos referentes ao meio ambiente. Os resultados encontrados foram: Tabela 1 - Análise das notícias do site da CNBB no ano de 2007. Tabela 2 - Número de abordagens ambientais. Gráfico 1 - Textos encontrados no site da CNBB: categorias. Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 Nú m er o de o co rr ên ci as Meses do ano Artigos Notícia Reflexão do dia Refletindo sobre a CF Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 103 Gráfico 2 - Artigos: ambientais e outros. Gráfico 3 - Notícias: ambientais e outras Pode-se afirmar através dos dados coletados que o maior destaque para as questões ambientais ocorreu nos meses de fevereiro e março de 2007. A partir do mês de maio, os textos refletindo sobre a Campanha da Fraternidade deixaram de ser publicados. Quanto aos artigos referentes à questão ambiental, os meses de julho e novembro ainda apresentaram, cada um deles, um artigo. As notícias referentes à questão ambiental ocorreram durante todo o ano de 2007, mas com acentuada diminuição após o mês de março. Percebe-se também que o número de notícias ambientais apresentou leve elevação no mês de junho, o que pode ser explicado pela comemoração do Dia do Meio Ambiente em tal mês. Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 0 20 40 60 80 100 O co rr ên ci as (% ) Meses do Ano Artigos ambientais Outros artigos Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 0 20 40 60 80 100 O co rr ên ci a (% ) Meses do ano Notícias ambientais Outras notícias Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 104 Nas edições da revista Família Cristã de 2007, foram encontrados mais de 440 títulos a respeito de diferentes assuntos, segundo a catalogação da biblioteca do Colégio Puríssimo. Desse total, cerca de 30 títulos foram dedicados à temática ambiental. Gráfico 4 - Porcentagem de artigos ambientais nas edições de 2007 da revista Família Cristã. Gráfico 5 - Distribuição mensal dos artigos ambientais nas edições de 2007 da revista Família Cristã. A maioria dos artigos ambientais encontra-se na seção Atualidades e trata de assuntos relevantes, como aquecimento global, desmatamento, biocombustíveis, entre outros. É importante destacar que tais textos não apresentam traços de ambientalismo romântico ou de resultados. Textos sobre questões polêmicas, como a transposição do Rio São Francisco e o plebiscito sobre a empresa Vale, também Artigos ambientais presentes nas  revistas "Família Cristã" no ano de 2007 94% 6% Artigos  gerais Artigos ambientais Total Dez Nov Out Set Ago Jul Jun Mai Abr Mar Fev Jan 0 5 10 15 20 25 Artigos ambientais: distribuição mensal Nº de artigos Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 105 estão presentes, evidenciando a posição da Igreja contra a transposição e a favor da reestatização da Vale. No entanto, todos os artigos que abordaram especificamente a Amazônia possuem uma visão com traços de romantismo, apresentando muitas figuras metafóricas e antropomorfismos, como, por exemplo: “Lembremos a luta heróica do mártir Chico Mendes e suas palavras proféticas”; “ouçam a respiração do mundo”; “A cristalina água de seus olhos expandindo os igarapés sobre seu corpo”; “ouçam o som da canção do vento sobre a floresta exuberante”; “sintam a brotação das sementes e o milagre dos frutos por entre os dedos das arvores”; “do ventre da terra vem o grito da Amazônia”. Outra característica marcante dos textos sobre a Amazônia é que o foco dirige-se sempre para a população local. A proteção e a conservação do meio ambiente são apresentadas como consequência do bem-estar da população. “Salvando os amazônidas, salva-se a Amazônia”; “o grito da Amazônia é o grito de sua gente, vítima de tantos projetos de expulsão e morte”. Tal posicionamento fica evidente também nos artigos sobre a Campanha da Fraternidade e sobre a Amazônia publicados por bispos da Igreja Católica. Ao destacarem a importância ecológica da Amazônia, os autores geralmente chamam a atenção também para a importância de lutar por melhores condições de vida para os amazônidas. [...] A biodiversidade, o clima e a perda de nações indígenas são questões planetárias e irreversíveis [...] (CHEMELLO, 2009). [...] Um milhão de brasileiros peregrinaram pela BR[-]364 em direção ao Acre e Rondônia, martirizando índios e derrubando florestas [...] (CHEMELLO, 2009). [...] Denuncia, com as Igrejas da Amazônia, todos os fatores que provocam a destruição da natureza causando a injustiça social e a dependência econômica, e une a defesa da justiça social à salvaguarda da criação [...] (GRECHI, 2008). [...] Ao falar em Amazônia, vem imediatamente à memória a preocupante questão ambiental: grandes rios e florestas imensas, devastação do verde e ameaça à riquíssima biodiversidade... Amazônia Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 106 também faz pensar em questões sociais e antropológicas: indígenas perturbados e agredidos em suas culturas; esvaziamento do território, já tão pouco povoado, crescimento caótico dos centros urbanos [...] (SCHERER, 2009). [...] Outro aspecto da CF-2007 diz respeito aos povos da Amazônia: indígenas, caboclos, quilombolas, nativos ou migrantes, populações ribeirinhas e gente das pequenas e grandes cidades da Amazônia. São eles a referência primeira da fraternidade a ser despertada e aprofundada nesse chão. O povo da Amazônia é vítima, com freqüência, de esquecimento e discriminação, de graves conflitos, de violência e de sangue (SCHERER, 2009). [...] os interesses e a sede de lucro da economia globalizada se projetam sobre a Amazônia e seus povos de maneira inexorável e como um rolo compressor, não respeitando a vida, a cultura e o direito desses povos (SCHERER, 2009). [...] Durante a Quaresma, a Campanha da Fraternidade sobre a Amazônia, com o lema “vida e missão neste chão”, será ocasião para voltar as atenções para a Amazônia, seus povos e sua natureza [...] (SCHERER, 2009). Muitas reportagens destacam o abandono da região por parte dos governantes e evidenciam a importância dos missionários na Amazônia, como a publicação de listas contendo os nomes dos padres, freiras, missionários, entre outros representantes da Igreja, que sofrem ameaças de morte e que desenvolvem atividades em estados pertencentes à Amazônia Legal. Na análise dos exemplares da revista publicados em 2007, foram encontrados muitos artigos que se referiam ao tema a ser abordado na Campanha da Fraternidade de 2008. Considerando tal evidência, foram analisados também os exemplares do ano de 2006, mas neste caso foi encontrado apenas um artigo a respeito da temática ambiental. A Campanha da Fraternidade de 2007 conseguiu trazer para o debate cristão o tema do meio ambiente em artigos pouco numerosos em importantes meios de comunicação da Igreja, como a revista Família Cristã e o site da CNBB. O conjunto dos dados analisados mostra que Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 107 os pressupostos antropocêntricos, próprios da tradição católica, não estão ausentes na sua reflexão sobre o ambiente. A entrada desse tema se deu pela via das questões ligadas à justiça social. Com isso, confirma- se a hipótese que norteou esta pesquisa: a permanência da visão de mundo judaico-cristã no tratamento do ambientalismo pela Campanha da Fraternidade de 2007. Considerações Finais Pode-se concluir que, apesar de a Igreja Católica ter escolhido um tema “ambiental” para sua campanha de 2007, tal temática não teve grande representatividade nos meios de comunicação católicos, correspondendo geralmente a menos de 10% dos textos. Conforme esperado, a Igreja focou seus esforços em denunciar as injustiças e desigualdades sociais na região amazônica. Quando tratou das questões ambientais da Amazônia, usou um discurso romântico e antropocêntrico, seguindo as diretrizes da tradição judaico-cristã. Reproduz, assim, o modelo bíblico de inserção do homem na natureza como senhor das coisas do mundo. Essas conclusões, por outro lado, mostram que a Campanha da Fraternidade 2007 permite o reviver dos ideais da Teologia da Libertação sob o pontificado conservador de Bento XVI. Por fim, a associação entre ambientalismo e justiça social tem sido uma dimensão pouco considerada pelas diferentes tendências do Movimento Ambientalista. Os esforços da Campanha da Fraternidade de 2007, com sua abordagem romântica e antropocêntrica, oferecem um tratamento da questão antropológica de feição humanista que merece ser considerado, ao menos como hipótese para futuras investigações. Agradecimentos Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa de Iniciação Científica orientada pela Profa. Dra. Leila Marrach Basto de Albuquerque (Departamento de Ed. Física – IB – UNESP, Rio Claro), Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 87-109, 2009 108 a quem agradeço. Sou grata também ao CNPq/Reitoria-UNESP pela bolsa concedida. Referências ALBUQUERQUE, Leila Marrach Basto de. A sacralização da natureza. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 66, Fasc. 264, p. 938-949, out. 2006. ANTUNIASSI, Maria Helena Rocha; GIASANTI, Roberto; MAGDALENA, Celigracia. O movimento ambientalista em São Paulo: análise sociológica de um movimento social urbano. Textos CERU 2. São Paulo: Centro de Estudos Rurais e Urbanos, USP, 1989. 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