Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Amanda Ferreira Branco da Fonseca DO CORPO: GRAFISMOS, PERFORMATIVIDADE E PROCESSOS FOTOGRÁFICOS HISTÓRICOS São Paulo 2023 Amanda Ferreira Branco da Fonseca DO CORPO: GRAFISMOS, PERFORMATIVIDADE E PROCESSOS FOTOGRÁFICOS HISTÓRICOS Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista para obtenção do título de doutorado em Artes Visuais Área de concentração: Artes Visuais Linha de pesquisa: Processos e Procedimentos Artísticos Orientadora: Prof.a Dr.a Lalada Dalglish São Paulo 2023 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. • Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. F676c Fonseca, Amanda Ferreira Branco da, 1987- Do corpo : grafismos, performatividade e processos fotográficos históricos / Amanda Ferreira Branco da Fonseca. -- São Paulo, 2023. 162 f. : il. color. Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Geralda Mendes Ferreira da Silva Dalglish (Lalada Dalglish). Tese (Doutorado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes. 1. Arte e fotografia. 2. Pintura corporal. 3. Arte indígena. 4. Fotografia na historiografia. 5. Fotografia - Processos de impressão. I. Dalglish, Geralda Mendes Ferreira da Silva (Lalada Dalglish). II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 771.54 Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666 Nome: Fonseca, Amanda Ferreira Branco da. Título: Do Corpo:Grafismos, Performatividade e Processos Fotográficos Históricos Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Unesp, como requisito parcial para obtenção do título de doutora em Artes Visuais Tese aprovada em 19/10/2023 Banca Examinadora _________________________________________________ Prof.a Dr.a Geralda Mendes Ferreira Silva Dalglish (orientadora) Instituto de Artes da Unesp _________________________________________________ Prof.a Dr.a Joedy Luciana Barros Marins Bamonte Faculdade de Arquitetura Artes e Comunicação de Bauru _________________________________________________ Prof.a Dr.a Lorena D’Arc Menezes de Oliveira Universidade do Estado de Minas Gerais _________________________________________________ Prof. Dr. Jean-Jacques Armand Vidal Faculdade Paulista de Arte ________________________________________________ Prof. Dr. José Paiani Spaniol Instituto de Artes da Unesp Ao mestre e amigo Agnus Valente (in memoriam) por ter acreditado e incentivado esta pesquisa artística desde “os primórdios”. AGRADECIMENTOS A produção do conhecimento e da arte se faz em colaboração com muitas pessoas. Ao longo do caminho pude contar com este apoio e gostaria de destacar meus agradecimentos. Em primeiro lugar, à professora Dr.a Lalada Dalglish, por toda a orientação e pelo incentivo à minha pesquisa artística. À Universidade Estadual Paulista, pelo apoio à minha produção artística e acadêmica desde a época da graduação até o doutorado; e pela oportunidade de realizar o estágio docência, que enriqueceu o processo promovendo experiência na área e frutíferas trocas com os discentes. À Univesp — Universidade Virtual do Estado de São Paulo, pelos conhecimentos adquiridos durante a participação do programa "Formação didático-pedagógica para cursos na modalidade a distância", que contribuíram para a estruturação da pesquisa acadêmica e escrita da tese. Aos professores que auxiliaram no desenvolvimento da pesquisa, trazendo pontos importantes, com sugestões e orientações: prof.a Dr.a Andrea Brächer, prof.a Dr.a Joedy Bamonte, prof. Dr. Jean Jacques Vidal, prof. Dr. Pelópidas Cypriano. Também ao prof. Dr. Carlos Carusto, por suas sugestões para o andamento da obra artística. À revisora Lorena, por todo o apoio na redação da tese. Aos colegas de pós-graduação, por tanto apoio e trocas ao longo desses anos. À amiga Ana Carolina, que se colocou de corpo presente em uma das obras. À amiga Rosirene, por ser rede de apoio para a pesquisadora mãe conseguir trabalhar. À minha família, por todo o apoio nesta jornada. À irmã Débora pelo auxílio com as revisões. Em especial, ao marido Aldrin, companheiro de artes há tanto tempo; e ao nosso filho, que desde antes do nascimento já participava da arte de seus pais. Muito além do humano conceito "respeito", mais do que teus países hão de dar, há um todo completo, um feito perfeito, fazes parte, impossível separar! Planta, enfim, com cuidado tudo o que hás de colher, todo ato é um parto, vida é ser o aprender! Trecho de Espírito da Mata - Mestre Ambrósio Composição: Sergio Cassiano RESUMO A pesquisa do próprio artista acerca de seu processo é de grande importância para a compreensão do processo criativo. Assim, a presente tese tem como objetivo trazer à luz a complexidade do processo das séries de minha produção autoral Grafismo (2008), Serpente (2009), Animus (2012), Matéria e Luz (2014), Religare (2017) e Terra (2022-), esta última ainda em andamento. As obras apresentam em comum a criação de grafismos corporais inspirados em pinturas corporais indígenas; a performatividade para a câmera; a utilização de processos fotográficos históricos (cianotipia, goma bicromatada, Van Dyck brown, papel salgado) e a experimentação em materiais de suporte (papel, tecido, madeira, cerâmica). O desenvolvimento da pesquisa se dá através de narrativa e análise do processo criativo, embasada pela teoria da formatividade de Luigi Pareyson, e pela concepção de criação como rede de Cecília Almeida Salles, além de leitura das próprias obras apresentadas. Técnica e poética parecem entrar em consonância, com procedimentos majoritariamente artesanais, que nos levam à desconexão, por um instante, de fontes externas de informação para uma conexão consigo mesmo. Palavras-chave: Fotografia expandida; Fotoperformance; Processos fotográficos históricos; Grafismo corporal; Fotocerâmica. ABSTRACT The artist's research on one´s own process is of great importance in order to understand the creative process. Thus, this thesis aims to bring to light the complexity of the series of my authorial production creative process: Grafismo (2008), Serpente (2009), Animus (2012), Matéria e Luz (2014), Religare (2017) and Terra (2022-), the last one still in process. The series are made through common processes: creation of body painting designs inspired by indigenous art, performativity for the camera, use of early photographic processes (cyanotype, gum bichromates, Van Dyck brown, salted paper) and experiments with support materials (paper, fabric, wood, ceramics). The research development takes place through creative process narrative and analysis, based on Luigi Pareyson's theory of formativity and Cecília Almeida Salles' creation as a network conception; and presented works analysis. Technique and poetics seem to come into harmony with mostly artisanal procedures, which lead us to disconnect for a moment from external sources of information to make a connection with ourselves. Keywords: Extended photography; Photoperformance; Early photographic processes; Body painting designs; Photoceramics. LISTA DE FIGURAS Figura 1 — Robert Demachy, Primavera, 1896. Goma bicromatada. 22 x 18,5 cm. Société Française de Photographie, Paris, França. Fonte: HACKING, 2012. ........................... 31 Figura 2— Kenji Ota, Semente de Cacau Bravo 3, 1993. Calotipia. 47,5 x 66,0 cm. Fonte: OTA, 2001. ....... 32 Figura 3 — Daniela Pinheiro, série Nhak-krarati, 2022. Fotografia Digital, 10 cm x 15 cm. Fonte: PINHEIRO, 2022. ............................................. 33 Figura 4 — Catarina Gushiken e Gal Oppido, Série Caligrafias Sensitivas, 2021. Fotografia digital. Dimensões variáveis. Fonte: www.instagram.com/catarina_gushik en/ ................................................. 37 Figura 5 — Processo de pintura facial Xikrin. Fonte: Vidal, Lux. Grafismo Indígena. ....................................... 39 Figura 6 — Pintura corporal do jurè (iniciando) Canoanã, 1980. Fonte: Vidal, Lux. Grafismo Indígena. ...... 39 Figura 7 — Pintura corporal Asurini Foto: Delarole. Fonte: Vidal, Lux. Grafismo Indígena. ....................... 39 Figura 8 — Prarthanásana. Desenho de Thais de Linhares. Fonte: Hermógenes. Yoga para Nervosos. ....................................................... 42 Figura 9 — Sarvangásana. Desenho de Sirio Cançado. Fonte: Hermógenes. Autoperfeição com Hatha Yoga. .................................. 42 Figura 10 — Pashimotanásana. Desenho de Thais de Linhares. Fonte: Hermógenes. Yoga para Nervosos. ...................................... 42 Figura 11 — Swastikásana. Desenho de Sirio Cançado Fonte: Hermógenes. Autoperfeição com Hatha Yoga. .................................. 42 Figura 12 — Shavásana. Desenho de Sirio Cançado Fonte: Hermógenes. Autoperfeição com Hatha Yoga. ....................................................... 42 Figura 13 — Carregamento energético do plexo solar. Desenho de Thais de Linhares. Fonte: Hermógenes. Yoga para Nervosos. ....................................................... 42 Figura 14 — Processo de desenho para a série Grafismo, 2008. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 45 Figura 15 — Processo de desenho para a série Grafismo, 2008. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 46 Figura 16 — Amanda Branco, Grafismo, 2008. Fotografia digital. Dimensões variáveis. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 46 Figura 17 — Amanda Branco, Grafismo II. 2008. Fotografia digital. Dimensões variáveis. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 46 Figura 18 — Amanda Branco, Grafismo I. 2008. Van Dyck Brown s/ papel. 21,4 x 15,7 cm. Fonte: acervo da artista. ...................................... 48 Figura 19 — Amanda Branco, Grafismo II. 2008. Van Dyck Brown s/ papel. 19,7 x 20,9 cm. Fonte: acervo da artista. ...................................... 48 Figura 20 — Amanda Branco, Grafismo III. 2008. Van Dyck Brown s/ papel. 21 x 31 cm. Fonte: acervo da artista. ...................................... 49 Figura 21 — Tentativa de grafismo corporal para a série Serpente, 2009. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 51 Figura 22 — Processo de desenho sobre o corpo para a série Serpente, 2009. Fonte: FONSECA, 2017. .... 51 Figura 23 — Processo de desenho sobre o corpo para a série Serpente, 2009. Fonte: FONSECA, 2017. ....................................................... 51 Figura 24 — Imagem digital para a série Serpente, 2009. Fonte: acervo da artista. ...................................... 52 Figura 25 — Imagem digital para a série Serpente, 2009. Fonte: acervo da artista. ...................................... 52 Figura 26 — Amanda Branco. Serpente I. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 54 Figura 27 — Amanda Branco. Serpente II. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 55 Figura 28 — Amanda Branco. Serpente III. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ......................... 56 Figura 29 — Amanda Branco. Serpente IV. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 44 x 52 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ......................... 57 Figura 30 — Amanda Branco. Serpente V. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 44 x 52 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ......................... 58 Figura 31 — Amanda Branco. Serpente VI. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 59 Figura 32 — Amanda Branco. Serpente VII. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 44 x 52 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 60 Figura 33 — Amanda Branco. Serpente VIII. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 44 x 52 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 61 Figura 34 — Amanda Branco. Serpente IX. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 62 Figura 35 — Pintura corporal masculina Kayapó-Xikrin. Desenho de Odilon João Souza Filho. Fonte: Vidal, Lux. Grafismo Indígena. ....................................................... 65 Figura 36 — Processo da pintura com tinta facial para a série Animus, 2010. Fonte: FONSECA, 2017. ....................................................... 65 Figura 37 — Imagem digital para a série Animus, 2010. Fonte: acervo da artista. ........................................... 65 Figura 38 — Imagem digital para a série Animus, 2010. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 66 Figura 39 — Tentativas para realização de goma bicromatada sobre papel, 2012. 45,5 x 37,5 cm cada imagem. Fonte: Acervo da artista. ........................................... 66 Figura 40 — Negativos para a série Animus, 2012. 20 x 29 cm cada. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 67 Figura 41 — Amanda Branco. Animus I. 2012. Goma bicromatada e cianotipia sobre papel. 45,5 x 37,5cm. Fonte: FONSECA, 2017. ....................................................... 68 Figura 42 — Amanda Branco, Animus II (processo), 2012. Cianotipia sobre papel. 45,5 x 37,5cm. Fonte: FONSECA, 2017. ....................................................... 69 Figura 43 — Amanda Branco. Animus II. 2012. Goma bicromatada e cianotipia sobre papel. ............... 69 Figura 44 — Amanda Branco, Animus III, 2012. Goma bicromatada e cianotipia sobre papel. 45,5 x 37,5cm. Fonte: acervo da artista. ....................................................... 70 Figura 45 — Amanda Branco. Animus IV. 2012. Goma bicromatada e cianotipia sobre papel. 45,5 x 37,5 cm. Fonte: acervo da artista. ........ 71 Figura 46 — Amanda Branco. Animus V. 2012. Goma bicromatada e cianotipia sobre papel. 37,5 x 45,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ........ 72 Figura 47 — Grafismos Waiãpi. Desenhos associados às borboletas. Fonte: VIDAL, 1992....................... 73 Figura 48 — Desenhos feitos para projeção sobre o corpo, 2014. 21 x 29,7 cm cada. Fonte: FONSECA, 2017. ............................................. 73 Figura 49 — Caderno de anotações. Planejamento de pose para a fotoperformance Matéria e Luz, 2014. Fonte: Acervo da artista. ............... 74 Figura 50 — Imagem digital para a série Matéria e Luz, 2014. Fonte: acervo da artista. .......................... 75 Figura 51 — Imagem digital para a série Matéria e Luz, 2014. Fonte: acervo da artista. .......................... 75 Figura 52 — Imagem digital para a série Matéria e Luz, 2014. Fonte: acervo da artista. .......................... 76 Figura 53 — teste de revelação de Matéria e Luz, utilizando negativos emendados, 2014. Fonte: acervo da artista. ........................................... 78 Figura 54 — Processo de revelação da fotografia. Montagem do fotolito sobre o papel sensibilizado, 2014. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 78 Figura 55 — Processo de revelação da fotografia. Papel em banho na piscina portátil, 2014. Fonte: acervo da artista. ...................................... 78 Figura 56 — Amanda Branco. Matéria e Luz I. 2014. Goma bicromatada e cianotipia sobre papel. 76 x 56 cm. Fonte: acervo da artista. ....................................................... 79 Figura 57 — Amanda Branco. Matéria e Luz III. 2014. Goma bicromatada e cianotipia sobre papel. 76 x 56 cm. Fonte: acervo da artista. ....................................................... 80 Figura 58 — Amanda Branco. Matéria e Luz III. 2014. Goma bicromatada e cianotipia sobre papel. 76 x 56 cm. Fonte: acervo da artista. ....................................................... 81 Figura 59 — Amanda Branco. Serpente sobre Madeira I. 2015. Goma bicromatada sobre madeira. 52,8 x 41,5 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 84 Figura 60 — Amanda Branco, Serpente sobre madeira II, 2015. Goma bicromatada sobre madeira. 41,4 x 52,5 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ......................... 84 Figura 61 — Amanda Branco. Serpente sobre madeira III, 2015. Goma bicromatada sobre madeira. 37,6 x 51,6 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 84 Figura 62 — caderno de anotações. Planejamento da aplicação dos grafismos no corpo, 2017. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 85 Figura 63 – Teste de grafismo corporal, 2017. Fonte: acervo da artista. ........................................... 86 Figura 64 – Teste de grafismo corporal, 2017. Fonte: acervo da artista. ........................................... 86 Figura 65 – Teste de grafismo corporal, 2017. Fonte: FONSECA, 2017. ............................................. 86 Figura 66 — Teste de grafismo corporal, 2017. Fonte: FONSECA, 2017. ............................................. 86 Figura 67 — Teste de grafismo corporal, 2017. Fonte: FONSECA, 2017. ............................................. 86 Figura 68 — Modelos de pintura corporal dos Kayapó -Xikrin do Cateté. Desenhos de Odilon João Souza Filho, publicados no livro Grafismo Indígena (Lux Vidal). ..... 87 Figura 69 – Processo do grafismo corporal para a série Religare, 2017. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 88 Figura 70 – Processo do grafismo corporal para a série Religare, 2017. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 88 Figuras 71 a 73 — Imagem digital para a série Religare, 2017. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 89 Figuras 74 e 75 — Imagem digital para a série Religare, 2017. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 90 Figura 76 — Negativo digital feito para a série Religare. 90 x 150 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 91 Figura 77 — Negativos digitais para a série Religare, na exposição homônima, no Instituto de Artes da Unesp - SP em 2017. Fonte: FONSECA, 2017. ......................... 91 Figura 78 — Aplicação da emulsão na placa de madeira. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 92 Figura 79 — Exposição à luz do sol. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 92 Figura 80 — Processo de revelação com compressa de água. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 92 Figura 81 — Revelação da imagem com jato de água. Fonte: FONSECA, 2017. ............................................. 92 Figura 82 — Teste de aplicação da goma bicromatada, feitos com aquarela em bisnaga e pigmento em pó, usando diferentes concentrações da goma e quantidades de camadas. 2017. 30 x 100 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .......................... 93 Figura 83 — Teste de aplicação da goma bicromatada, feitos com aquarela em pastilha, usando diferentes concentrações da goma e quantidades de camadas. 2017. 30 x 60 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ....................................................... 93 Figura 84 — Amanda Branco. Religare I. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 100 x 160 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 94 Figura 85 — Amanda Branco. Religare II. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 100 x 160 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 95 Figura 86 — Amanda Branco. Religare III. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 88 x 160 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 96 Figura 87 — Amanda Branco. Religare IV. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 100 x 160 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 97 Figura 88 — Amanda Branco. Religare V. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 160 x 100 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 98 Figura 89 — Amanda Branco. Religare VI. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 160 x 100 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. .............. 99 Figura 90 — Amanda Branco. Religare VII. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 160 x 100 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ........................................... 100 Figura 91 — Amanda Branco. Religare VIII. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 160 x 100 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ........................................... 101 Figura 92 — Amanda Branco. Religare IX. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 160 x 100 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ............ 102 Figura 93 — Amanda Branco. Religare X. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 160 x 100 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ............ 103 Figura 94 — Amanda Branco. Religare XI. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 100 x 160 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ............ 104 Figura 95 — Amanda Branco. Religare XII. 2017. Goma bicromatada sobre madeira. 49,2 x 160 x 0,5 cm. Fonte: FONSECA, 2017. ........................................... 105 Figura 96 — Cerâmica japepaí. Peça utilizada nos principais rituais Asurini para servir mingau. Padrão tayngava. Foto: Macedo. Fonte: Vidal, Lux. Grafismo Indígena. ..................... 109 Figuras 97 a 100 — Estudos de grafismos corporais para a série Terra, 2020. Fonte: acervo da artista. ............. 111 Figuras 101 e 102 — Testes de tintas corporais para a série Terra, 2020. Fonte: acervo da artista. ............. 112 Figura 103 — Testes de tintas corporais para a série Terra, realizados com corantes vermelho e preto, 2020. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 112 Figura 104 — Caderno de anotações, 2019. Estudo de formas para peças em cerâmica, com imagens reveladas em sua superfície. Fonte: acervo da artista. ........................ 113 Figuras 105 (à esquerda) e 106 (à direita) — Amanda Branco. Moringa. 2019. Cerâmica. 16 x 14,5 x 16 cm. Fonte: acervo da artista. ............. 114 Figura 107 — Experimento de grafismo corporal com urucum e carimbo de cerâmica, 2018. Fonte: acervo da artista. ........................ 114 Figura 108 — Amanda Branco. Estudo. 2019. Fotocerâmica.15 x 15 x 0,7 cm. Fonte: acervo da artista. ......................................................116 Figura 109 — Amanda Branco. Estudos. 2019. Fotocerâmica.15 x 15 x 0,7 cm cada azulejo. Fonte: acervo da artista. .................................... 116 Figuras 110 e 111 — Amanda Branco. Estudo. 2019. Cianotipia sobre cerâmica. 13,5 x 13,5 x 2 cm. Fonte: acervo da artista. ............. 117 Figura 112 — Teste de revelação com saco plástico com água no lugar da placa de vidro, 2019. Fonte: acervo da artista. ........................ 118 Figura 113 — Amanda Branco. Estudo. 2019. Fotocerâmica. 15,5 x 15,5 x 2 cm. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 118 Figura 114 — Amanda Branco. Estudo. 2019. Cianotipia sobre cerâmica. 17,5 x 25 x 4,5 cm. Fonte: acervo da artista. ........................ 119 Figura 115 — Amanda Branco. Estudo. 2019. Cianotipia sobre cerâmica. 24 x 24 x 1,5 cm. Fonte: acervo da artista. ........................ 119 Figura 116 — Amanda Branco, Estudo, 2020. Goma bicromatada sobre cerâmica, antes de a imagem ser apagada no banho revelador. 8 x 18 x 2 cm. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 120 Figura 117 — Amanda Branco, Estudos, 2022. Papel salgado sobre cerâmica, fórmula sem gelatina. 15,5 x 15,5 x 0,3 cm cada azulejo. Fonte: acervo da artista. ........................ 120 Figura 118 — Amanda Branco. Estudo. 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 5,5 x 5,5 x 0,7 cm. Fonte: acervo da artista. ........................ 121 Figura 119 — Amanda Branco. Estudo. 2022. Van Dyck Brown sobre 6erámica. 15,5 x 15,5 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ............. 121 Figuras 120 a 122 — Processo de desenho sobre o corpo para a série Terra, 2021. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 122 Figuras 123 e 124 — Imagem digital para a série Terra, 2021. Fonte: acervo da artista. ........................ 123 Figura 125 — Imagem digital para a série Terra, 2021. Fonte: acervo da artista. ......................................... 124 Figura 126 — Imagem digital para a série Terra, 2021. Fonte: acervo da artista. ......................................... 124 Figura 127 — Desenhos para projeção sobre o corpo. Marcadores sobre transparência, 2014-2021. 21 x 29,7 cm cada. Fonte: acervo da artista. ......................................... 125 Figura 128 — Imagem digital para a série Terra, 2021. Fonte: acervo da artista. ......................................... 126 Figura 129 — Imagem digital para a série Terra, 2021. Fonte: acervo da artista. ......................................... 126 Figura 130 — Imagem digital para a série Terra, 2021. Fonte: acervo da artista. ......................................... 127 Figura 131 — Imagem digital para a série Terra, 2021. Fonte: acervo da artista. ......................................... 127 Figura 132 — Amanda Branco. Negativos digitais para a série Terra. 2022. 15,5 x 15,5 cm cada quadrado. Fonte: acervo da artista. ............. 128 Figura 133 — Amanda Branco. Estudo. 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 15,5 x 15,5 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ............. 129 Figura 134 — Amanda Branco. Estudo. 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 15,5 x 15,5 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ............. 129 Figura 135 — Amanda Branco. Estudos. 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica.15,5 x 15,5 x 0,3 cm cada um. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 129 Figura 136 — Amanda Branco. Série Terra (em processo). 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 46,5 x 46,5 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ......................................................131 Figura 137 — Amanda Branco. Série Terra (em processo). 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 46,5 x 62 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 132 Figura 138 — Amanda Branco. Série Terra (em processo). 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 46,5 x 62 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 133 Figura 139 — Amanda Branco. Série Terra (em processo). 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 46,5 x 62 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 134 Figura 140 — Amanda Branco. Série Terra (em processo). 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 46,5 x 46,5 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 135 Figura 141 — Amanda Branco. Série Terra (em processo). 2022. Van Dyck Brown sobre cerâmica. 46,5 x 62 x 0,3 cm. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 136 Figura 142 — Esboço de exposição dos azulejos com fragmentos das imagens, 2023. Fonte: acervo da artista. ......................................... 137 Figura 143 — Mapa da rede de conexões do processo criativo 2019. Fonte: acervo da artista. ............. 157 Figura 144 — Caderno de anotações. Esboço de grafismos, 2010. Fonte: acervo da artista. ........................ 158 Figura 145 — Caderno de anotações. Esboço de grafismos, 2010. Fonte: acervo da artista. ........................ 158 Figura 146 — Caderno de anotações. Esboço de grafismos, 2013. Fonte: acervo da artista. ........................ 159 Figura 147 — Caderno de anotações. Esboço de grafismos, 2013. Fonte: acervo da artista. ........................ 159 Figura 148 — Caderno de anotações. Esboço de grafismos, 2013. Fonte: acervo da artista. ........................ 160 Figura 149 — Caderno de anotações. Esboços de grafismos, 2013. Fonte: acervo da artista. ....................... 160 Figura 150 — Caderno de anotações. Esboços de grafismos, 2013. Fonte: acervo da artista. ........................ 161 Figura 151 — Caderno de anotações, 2014. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 161 Figura 152 — Caderno de anotações, 2022. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 162 Figura 153 — Caderno de anotações, 2022. Fonte: acervo da artista. ..................................................... 162 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 18 1 O MÉTODO EM PROCESSO ............................................................................... 21 1.1 Processos e materialidades ........................................................................... 24 2 CONTEXTOS ........................................................................................................ 27 2.1 A Fotografia expandida ...................................................................................... 27 2.1.1 Intervenção na imagem fotográfica: processos fotográficos históricos .......... 29 2.1. 2 Intervenção no objeto: a performatividade na fotografia ................................ 34 2.2 Os grafismos corporais indígenas ................................................................. 37 3 OS PRIMEIROS PASSOS .................................................................................... 41 3.1 Grafismo ........................................................................................................ 44 3.2 Serpente ........................................................................................................ 50 3.2.1 A fotoperformance Serpente ....................................................................... 52 3.2.2 Materialização de Serpente ........................................................................ 53 4 PERFORMERS, CORES E PAPEL ..................................................................... 63 4.1 Animus ........................................................................................................... 64 4.1.1 Materialização de Animus .................................................................... 66 4.2 Matéria e Luz ................................................................................................. 73 4.2.1 Materialização de Matéria e Luz .......................................................... 77 4.3 Percepções sobre as séries .......................................................................... 82 5 RELIGARE E MADEIRA ...................................................................................... 83 5.1 Esboçando grafismos corporais .................................................................... 85 5.2 A fotoperformance Religare ........................................................................... 88 5.3 Materialização de Religare ............................................................................ 90 5.4 Percepções sobre Religare ......................................................................... 107 6 TERRA E CERÂMICA ........................................................................................ 108 6.1 Estudo dos grafismos corporais .................................................................. 110 6.2 Estudos da matéria cerâmica ...................................................................... 113 6.3 Estudos preliminares de processos fotográficos sobre cerâmica ............... 115 6.4 Fotoperformance Terra em dois atos .......................................................... 122 6.5 Materialização de Terra ............................................................................... 128 6.6 Percepções sobre Terra .............................................................................. 137 7 PROCESSOS ..................................................................................................... 140 7.1 Os grafismos corporais ................................................................................ 140 7.2 Performatividade: o corpo como matéria ..................................................... 141 7.3 Suportes e processos fotográficos .............................................................. 143 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 147 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 150 GLOSSÁRIO ......................................................................................................... 155 APÊNDICE A – Rede de conexões ....................................................................... 157 APÊNDICE B – Cadernos de anotações ............................................................... 158 18 INTRODUÇÃO A vida cotidiana na atualidade, com seus inúmeros compromissos, onipresença de informações, imagens e vídeos nos meios digitais, ocupa nossa mente e desvia nossa atenção para o futuro ou o passado, ou ainda para o olhar e julgamento alheio, desligando-nos do momento presente, do aqui e agora e de nossa relação conosco. Somada a essa desconexão de si, também é possível perceber uma desconexão com a ancestralidade. Tradições culturais de povos que originaram a população atual se perdem, e quando não se sabe ao certo de quais povos se descende, perde-se contato com suas heranças culturais. Isso tudo pode levar a uma sensação de falta de sentido no que se faz diariamente, para além do cumprimento de funções pragmáticas e cotidianas. Esta percepção da autora inspirou a produção das obras de artes visuais: Grafismo (2008), Serpente (2009), Animus (2012), Matéria e Luz (2014), Religare (2017), que são aqui revisitadas, e também de Terra (2022-), cuja produção compõe o corpus da presente tese, juntamente com outros estudos. As séries, que são apresentadas como fotografia, envolvem diferentes práticas e mídias em sua produção: a criação de grafismos corporais, a performatividade direcionada para a câmera, a produção de negativos digitais, a revelação com processos fotográficos históricos em diferentes materiais de suporte. São utilizados os processos Van Dyck brown, cianotipia, goma bicromatada, papel salgado e, como suportes, tem-se papel, tecido, madeira e cerâmica. As imagens resultantes são intimistas, em uma obra que valoriza o processo, o tempo envolvido, a presença que se faz necessária no aqui e agora, obrigando-nos à desconexão dos celulares, da internet — fontes externas de informação quase onipresentes em nossas vidas — para a realização de uma conexão consigo mesmo. A partir dessa combinação de tantas práticas diferentes, configurando uma produção intrinsecamente híbrida, como afirmar o que é essa obra? Em que 19 categoria de artes visuais enquadrá-la? O que essa produção com tantas camadas de processos revela? Partindo da compreensão de que a obra de arte é, além do “produto final” a ser exposto, todo o processo que levou à sua produção, o presente trabalho apresenta-se como uma investigação acerca da própria obra da artista- pesquisadora, cujo intuito é trazer à luz a complexidade do processo criativo das séries apresentadas e leituras criadas, tanto no processo como nas imagens produzidas. As séries produzidas de 2008 a 2017 já haviam sido abordadas em minha dissertação de Mestrado, Câmera e pincel: grafismos corporais e processos fotográficos (2017), e são aqui apresentadas com intuito de mostrar o caminho que minha produção vem seguindo, além de aprofundar a compreensão de seu processo criativo, superando algumas limitações da dissertação. Assim, a tese se configura como uma continuidade da pesquisa que vem se desenvolvendo desde a minha graduação em Artes Visuais. O presente trabalho possui grande quantidade de esboços, testes e imagens de desenvolvimento, com a proposta de ilustrar a complexidade do processo criativo. As citações e depoimentos mantiveram sua redação original a fim de respeitar a intenção comunicativa de seus autores e salvaguardar os aspectos espontâneos das produções orais. Como não se separa a pesquisa acerca de minha própria obra da pessoa que a realiza, a escrita é pessoal, seguindo a natureza deste processo. O estudo é poético, técnico e também metodológico, visto que a investigação acerca da própria obra é uma área pouco sistematizada na pesquisa em Artes. A teoria da formatividade, de Luigi Pareyson, e a concepção de criação como rede em processo, de Cecilia Almeida Salles, são escolhidos como referência para abordar o processo criativo, permitindo uma visão ampla deste. Também recorri a Mircea Eliade para auxiliar na leitura de imagens simbólicas produzidas. A pesquisa está intimamente relacionada ao processo criativo da obra. O método se desenvolveu juntamente com a escrita da tese, buscando a forma mais apropriada de revelar o que é a pesquisa visual a que se refere. Assim, o próprio processo de criação da obra direciona o desenvolvimento da tese, buscando 20 referências para aprofundar sua compreensão. A metodologia é aprofundada no capítulo 1 – O método em processo. A produção desta obra poética pode ser situada no contexto da produção fotográfica na arte contemporânea compreendida como fotografia expandida, hibridizada com outros meios, que aqui aparecem como o uso de processos fotográficos históricos e a performatividade para a câmera. Rubens Fernandes Junior é a principal referência utilizada para esta base teórica. Os grafismos corporais indígenas são elemento primordial de inspiração para o desenvolvimento das fotoperformances. Els Lagrou e outros autores contribuem para este conhecimento. Estes diferentes contextos são abordados no capítulo 2 – Contextos. As motivações da produção – reconexão consigo, com o corpo, resgate da ancestralidade são abordados no capítulo 3 – Os primeiros passos. Este capítulo também apresenta as séries Grafismo e Serpente, os primeiros experimentos com fotoperformance e com um processo de revelação fotográfica, o Van Dyck brown. No capítulo 4 – Performers, cores e papel são abordadas as séries Animus e Matéria e Luz, que envolvem a participação de outros performers; e os primeiros experimentos com goma bicromatada sobre papel, sendo também as primeiras imagens com mais de uma cor. O capítulo 5 – Religare e madeira aborda a série Religare e o uso da madeira como suporte das imagens fotográficas, feitas em goma bicromatada. O capítulo 6 – Terra e cerâmica aborda a realização da série Terra, o desenvolvimento dos grafismos corporais, a fotoperformance, os aprendizados com a matéria cerâmica e o uso desse material como suporte das imagens reveladas com os processos cianotipia, papel salgado, goma bicromatada e Van Dyck brown. No capítulo 7 – Processos são aprofundados alguns aspectos do processo criativo comuns às diferentes séries: o desenvolvimento dos grafismos corporais, das fotoperformances e do uso de processos fotográficos históricos. Por fim, são apresentadas as Considerações Finais com as percepções da autora sobre as relações entre o processo criativo e as obras apresentadas. 21 1 O MÉTODO EM PROCESSO Em meio ao processo da tese, deparei-me com dificuldades quanto à metodologia. Sendo a linha de pesquisa Processos e Procedimentos Artísticos e o tema a própria obra da artista pesquisadora, que método utilizar? Para iniciar esta reflexão, gostaria de trazer o conceito de formatividade, de Luigi Pareyson, que se aplica não só à criação artística, mas também a outras áreas de criação. Tal conceito é definido como a união inseparável de produção e invenção. “Formar" significa aqui “fazer", inventando ao mesmo tempo "o modo de fazer", ou seja, "realizar" só procedendo por ensaio em direção ao resultado e produzindo deste modo obras que são "formas". (PAREYSON, 1993 pp. 12-13) Também é importante destacar como, para o autor, esse processo é guiado na criação artística através da própria obra que vai sendo feita (PAREYSON, 1992): Trata-se, na verdade, de presságio e adivinhação, em que a forma não é encontrada e captada, mas intensamente esperada e ansiada. Mas esses pressentimentos, embora intraduzíveis em termos de conhecimento, agem na execução concreta como critérios de escolha, motivos de preferências, rejeições, substituições, impulsos e arrependimentos, correções, revisões. Ou melhor, o único modo de dar- se conta deles é precisamente essa sua eficácia operativa, pela qual no processo de produção o artista sem cessar julga, avalia, aprecia, sem saber de onde na verdade procede o critério de seus juízos, mas sabendo com certeza que ele, se deseja chegar a bom termo, deve agir conforme apreciações assim orientadas. E só quando acaba a obra, olhando para trás, compreenderá que essas operações eram como que dirigidas pela forma agora finalmente descoberta e consumada (PAREYSON, 1992, p. 75) Já Cecília Almeida Salles traz uma visão mais ampla da complexidade do processo criativo, enfatizando a criação como uma rede, não linear. Assim, a criação é pautada por inúmeros pontos de conexão e interação que exercem influência no processo, com múltiplas possibilidades de realização de obras. É também, essencialmente, um processo inacabado, o que torna impossível definir um ponto inicial e um ponto final. O processo é contínuo e uma obra considerada 22 finalizada pode ser o ponto de partida para um novo processo de criação (SALLES, 2006). (...) O artista lida com sua obra em estado de contínuo inacabamento, o que é experienciado como insatisfação. No entanto, a incompletude traz consigo também o valor dinâmico, na medida em que gera busca que se materializa nesse processo aproximativo, na construção de uma obra específica e na criação de outras obras, mais outras e mais outras. O objeto dito acabado pertence, portanto, a um processo inacabado. Não se trata de uma desvalorização da obra entregue ao público, mas dessacralização dessa como final e única forma possível. (SALLES, 2006, p. 21) Estas duas percepções acerca do processo criativo são utilizadas como base para definir o método que aqui será usado no desenvolvimento da tese que investiga minha própria produção, bem como concepções de outros autores que abordavam especificamente a pesquisa em processos artísticos, apoiando-se em Pareyson. Fábio Gatti afirma: É necessário entender, definitivamente, que a pesquisa em processos criativos é, ela mesma, processual. É inválido guiar-se por métodos estanques e prescritos, visto que a descoberta do modus operandi ocorre pari passu à execução da investigação. Pesquisa e formação da obra de arte, de acordo com minha avaliação sobre o que é uma pesquisa processual em artes visuais, são coincidentes, idênticas e, justamente por isso carregam tal dialética intrínseca. (GATTI, 2018, p. 13) Já Flávio Gonçalves traz a seguinte questão: Tomamos aqui um a priori sugerido por Luigi Pareyson que afirma que a reflexão sobre a arte é feita no post factum do fazer artístico, o que difere, de certa forma, da ideia de que a pesquisa em poéticas visuais deva constituir-se num “todo indissociável”, imbricada à prática artística. Mesmo que atenta, solidária e atuante, a pesquisa em poéticas visuais só pode tratar ou levar em conta o que de fato o processo de trabalho realizou ou sonhou realizar. A argumentação da indissociabilidade entre pesquisa e processo de trabalho não parece servir à diversidade de processos e de formas de ação da arte, ao mesmo tempo em que pode favorecer ao sequestro da prática artística, seus devires, em favor do formalismo acadêmico. Nesse sentido é importante lembrar-nos das várias estratégias possíveis de aproximação e apropriação da pesquisa em arte por parte dos artistas. O processo de trabalho guiado pelo projeto de pesquisa serve ao artificialismo do método pelo método. (GONÇALVES, 2009, p 142) Considerando o meu processo artístico, as leituras trouxeram a reflexão de que em alguns momentos, a pesquisa acadêmica dificultava a criação artística por 23 tentar impor regras extrínsecas ao processo criativo, à norma interna da própria obra. No trecho acima, Gonçalves destaca a necessidade de encontrar um caminho para a pesquisa em arte sem que esta perca sua autonomia. Este é um ponto que me pareceu central para o desenvolvimento da tese. Então o caminho que busco é que o processo criativo guie a pesquisa, e não o oposto. Assim, a pesquisa segue o processo de criação da obra. Como colocado por Gatti, a minha investigação é processual, formativa. Não percebo como exatamente coincidente com o processo de formação da obra, como afirma o autor, mas ocorrendo junto e após a produção da obra. A produção da obra é pesquisa; a reflexão que faço após a obra também é pesquisa. Além disso, o momento de produção da obra traz insights sobre o desenvolvimento da tese, bem como da própria obra. Então a criação artística e a pesquisa estão intimamente ligadas, apenas não totalmente coincidentes. O desenvolvimento deste estudo, então, se dá através de narrativa e análise do processo criativo das obras em questão, embasadas pela teoria da formatividade de Pareyson e do conceito de criação em rede de Salles, além da leitura das próprias obras, de aspectos nelas presentes e de elementos simbólicos por elas criados. Desse modo, a pesquisa vai na direção do método proposto por Gatti: (...) os métodos usados pelos artistas deveriam ser o da descoberta, o da experiência e o do fazer e pensar. Estes sim são pressupostos presentes em qualquer pesquisa, devendo configurar o corpo metodológico básico das pesquisas em processos criativos. Antes de serem lidos como elementos de mesmidade, evitando assim uma gramática e um esquema de pensamento pré-constituídos, eles são os princípios com os quais se é possível alcançar uma execução múltipla e singular. (GATTI, 2018, pp. 3-4) Assim, partindo do lugar privilegiado da artista/pesquisadora, como colocado por Flávio Gonçalves (2009), o presente estudo se concentra na produção, no fazer artístico em seu processo característico. Esta abordagem parece a mais apropriada para a obra que é seu objeto de estudo, obra esta que é formada através de procedimentos diversos, de pesquisa prática, técnica e poética. 24 1.1 Processos e materialidades As obras ora apresentadas envolvem diferentes categorias nas artes visuais: desenhos sobre a pele, fotoperformance e fotografias reveladas em processos fotográficos históricos. Seu processo de criação pode ser caracterizado como “heurística híbrida”, descrita por Agnus Valente como “uma heurística marcada pela mescla de diferentes métodos constituindo uma criação fundada em uma metodologia híbrida de contornos indefinidos (e coerentemente indefiníveis)”. (VALENTE, 2015, p.586). Em Teoria da Formatividade, Pareyson cita a diversidade de materiais disponíveis ao artista, enfatizando a liberdade deste em explorar possibilidades, extrapolando a convenção no uso das diversos materiais como parte do processo criativo: A escolha de uma matéria se acha implícita no próprio definir-se de uma intenção formativa, e, portanto, no exercício operativo da formatividade pura. Assim, por ser infinito e imprevisível o exercício de uma vontade de arte e a direção de cada intenção formativa, infinito é também o número das matérias que a arte pode livremente utilizar e tratar como quiser. (PAREYSON, 1993, p. 45) O conjunto da obra aqui estudada inclui pesquisa com diversas materialidades: o pigmento aplicado sobre a pele para desenhar os grafismos — o que inclui testes com maquiagens diversas, experimentos com urucum, com tintas corporais industrializadas e, por fim, uma tinta corporal caseira. A materialidade da tinta aplicada em transparências para a projeção sobre o copo. A matéria do corpo físico, presente, da artista performer, e em alguns momentos, de outros performers na realização das fotoperformances. A produção dos negativos digitais, com diferentes mídias, e com intervenção digital nas imagens, buscando melhorar luz e contraste. As transformações físicas e químicas da matéria nas revelações fotográficas, e sua relação com os suportes utilizados. Todo esse processo parte do físico, para o digital e depois novamente para o físico. É assim uma obra pautada por diversas transformações materiais. Como será demonstrado ao longo da tese as diversas etapas de formação desta obra são compostas por inúmeras tentativas e exercícios: testes de grafismo corporal, de composição fotográfica, postura corporal, de tratamento 25 digital e de revelação fotográfica. Pareyson destaca a importância dos testes e exercícios para a criação artística: O formar, portanto, é essencialmente um tentar, porque consiste em uma inventividade capaz de figurar múltiplas possibilidades e ao mesmo tempo encontrar entre elas a melhor, a que é exigida pela própria operação para o bom sucesso. (Pareyson, 1992, p. 61) O exercício (...) É uma fase de pesquisa e teste; em que se examinam as próprias possibilidades e as da matéria. É o momento em que se tenta uma técnica codificada para tentar incorporá-la inventivamente em uma direção formativa; (...) em que se vislumbra a atividade intrínseca de uma matéria virgem ou herdada para dela extrair desenvolvimentos possíveis ou inéditos (...). Neste sentido se pode dizer que o exercício é a própria matéria que vai em busca de uma intenção formativa que a adote e a ela se incorpore, resgatando-a de sua indiferença e abrindo-a a uma disponibilidade bem determinada. (Pareyson, 1992, pp 83-84) É importante aqui colocar como contraponto a visão de Salles acerca da obra, que considera inacabada: Tomando a continuidade do processo e a incompletude que ele é inerente, há sempre uma diferença entre aquilo que se concretiza e o projeto do artista que está por ser realizado. Sabemos que onde há qualquer possibilidade de variação contínua, a precisão absoluta é impossível. Nesse contexto não é possível falarmos do encontro de obras acabadas, completas, perfeitas ou ideais. A busca, no fluxo da continuidade, é sempre incompleta e o próprio projeto que envolve a produção das obras, em sua variação contínua, muda ao longo do tempo. O que move essa busca talvez seja a ilusão do encontro da obra que satisfaça plenamente. (SALLES, 2006, p.20) E mais adiante, a autora complementa com a possibilidade de intervenção do acaso: Aceitar a intervenção do imprevisto implica compreender que o artista poderia ter feito aquela obra de modo diferente daquele que fez; ao assumir que há concretizações alternativas, admite-se que outras obras teriam sido possíveis. Chegamos, desse modo, à possibilidade de que mais de uma obra satisfaça as tendências de um processo (SALLES, 2006, pp 22-23). A materialidade intrínseca de algumas etapas de produção das obras aqui apresentadas as torna especialmente abertas à ação do acaso. A fotoperformance, que cria um acontecimento no “aqui e agora”, permite que o não planejado se manifeste. Também as transformações químicas dos processos fotográficos são um convite a lidar com o acaso e com erros de processo, seja aceitando-os como aparecem, seja contornando-os e refazendo as obras. De uma 26 forma ou de outra, lidamos com a multiplicidade de possibilidades para a criação de cada obra. Assim, a presente investigação é um trabalho extensivo de pesquisa prática, inúmeras tentativas, testes, escolhas. E as obras resultantes são algumas das possibilidades que materializam e figuram como “finalizadas”, ou, ao menos, prontas para serem expostas, visto que o processo é contínuo. 27 2 CONTEXTOS Esta pesquisa se desenvolve no contexto da arte contemporânea, mais especificamente a fotografia e sua hibridização com a performance, além do resgate de alguns processos fotográficos históricos como escolha estética e poética. Somado a isso, o estudo sobre a prática indígena de cobrir o corpo com pinturas ou grafismos inspirou o desenvolvimento das obras ora analisadas. Estas pinturas compõem um tema amplo a ser estudado, e aqui trago aspectos que foram mais relevantes para minha produção artística. Dada a complexidade da rede que é o processo de criação das obras apresentadas, para a contextualização faz-se necessária a introdução destes temas diversos. Alguns parecem desconexos a princípio, e criam relações nas diversas camadas que compõem esta produção, como diferentes manifestações que apresentam em comum a apreciação estética e o aspecto simbólico. 2.1 A Fotografia expandida Na arte contemporânea, a fotografia se distancia das funções tradicionais de documentação e representação. A mídia aparece como uma ferramenta com muitas possibilidades de intervenção; retomando as palavras de Pareyson: a fotografia também seria uma das “matérias que a arte pode livremente utilizar e tratar como quiser” (PAREYSON, 1993, p. 45). Esta nova fotografia recebe diferentes denominações: alternativa, contaminada, plástica, expandida. O termo Fotografia Expandida me parece o mais abrangente para explicar a complexidade desta nova fotografia, hibridizada com outras formas de arte. Para compreender o que é a fotografia expandida, é interessante retomar os escritos de Vilém Flusser. No livro A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia, (1985) Flusser faz uma crítica à imagem técnica — produzida por aparelho — e à forma como é produzida, seguindo as regras do aparelho, de forma que as imagens feitas já são previstas no programa. Flusser considera que o verdadeiro fotógrafo deve abrir a "caixa preta” e extrair 28 possibilidades não previstas no programa. Na arte contemporânea, percebemos de fato uma tendência de os artistas subverterem o programa, abrindo novas possibilidades para a produção de imagens. Fernandes Junior traz a denominação Fotografia Expandida com base, entre outros teóricos, em Andreas Muller-Pohle, com o ensaio Information Strategies (1985). Muller-Pohle define esta fotografia como expandida: uma fotografia com abordagem mais ampla, orientada por um projeto e encenada (MÜLLER-POHLE, 1985). Neste ensaio, o Autor elucida as estratégias da nova produção fotográfica, com diferentes formas de intervenção:  a intervenção no objeto, que corresponde à construção e arranjo do tema da fotografia. Pode incluir desde o arranjo de natureza-morta, até a auto encenação do fotógrafo como o próprio assunto da foto, e cujas funções incluem diretor, dramaturgo, designer de cena;  a intervenção no aparelho, que é o uso do aparelho de forma a contrariar a sua função original, o programa, estendendo e programando sua função através de técnicas computacionais;  a intervenção na própria fotografia, transferindo e integrando a imagem saída da câmera em uma nova estrutura. Corresponde à pós-produção, envolvendo a integração da fotografia em um “organismo visual” mais complexo, combinando com outras mídias como texto, desenho, pintura ou transformando em um objeto tridimensional (MÜLLER-POHLE, 1985). Fernandes Junior traz uma reflexão partindo desta fotografia com diferentes intervenções: O que devemos intuir é que na fotografia expandida existe uma transferência da atenção da forma para o processo propriamente dito, mais o necessário entendimento do percurso do artista para a realização da sua obra, geralmente uma narrativa complexa e conflituosa. Não que a fotografia expandida seja de difícil compreensão. O que acontece é que essa expansão tem certas particularidades que são resultados do instinto artístico, anos de pesquisa e tentativas e muita experimentação. Uma extraordinária conexão de múltiplos campos heterogêneos que, quando articulados, engendram uma imagem forte, incomparavelmente mais ampla, que derruba barreiras e desconstrói a rotina dos padrões institucionalizados pelo sistema fotográfico convencional. (FERNANDES JUNIOR, 2002, pp. 155-156) 29 Assim, a fotografia expandida tem a possibilidade de compreender a complexidade do processo criativo, ou da rede de criação da obra de base fotográfica: a pesquisa, as múltiplas conexões, as tentativas, a experimentação. 2.1.1 Intervenção na imagem fotográfica: processos fotográficos históricos Fernandes Junior considera a interferência direta no suporte negativo ou positivo o campo mais fértil de expansão da fotografia, podendo criar “referências visuais que se conectam com o tempo passado/presente/futuro e desencadeiam processos de identificação e ruptura.” (FERNANDES JUNIOR, 2002, p. 144). O que tradicionalmente seria considerada a fotografia concretizada, aqui é matéria prima para os artistas. Pode-se usar diferentes procedimentos, alguns retomando processos fotográficos históricos. (...) Não apenas repetir o procedimento, mas, muito mais que isso, é trazê-los para a contemporaneidade contaminado de novas sintaxes, e deixando transparecer um gesto, um fazer, que, se poderia determinar uma ‘fatura fotográfica’. (FERNANDES JUNIOR, 2002, p. 145) Importante ressaltar que, ao utilizar os processos históricos, o artista produz o próprio papel fotográfico, com a manipulação de um sensibilizante, a ser aplicado com um pincel em um papel de boa absorção, como os próprios para aquarela. De modo geral, o suporte fotográfico é coberto por uma emulsão ou uma solução fotossensível. A diferença entre as duas é que a emulsão apresenta um aglutinante, como gelatina ou goma, em que estão dissolvidos os sais fotossensíveis, e a solução não apresenta o elemento aglutinante, apenas os sais dissolvidos em água (MONFORTE, 1997). Depois de seco, este papel é exposto à luz UV juntamente com um negativo, e esse conjunto deve ser sobreposto por uma placa de vidro, que mantenha a aderência entre papel e negativo, garantindo assim a nitidez da imagem final. A fonte de luz pode ser o sol ou uma caixa de luz UV, como as utilizadas para a produção de telas de silk screen. Por fim, o papel é revelado em banho químico, e então é colocado para secar. As diferentes técnicas podem apresentar algumas variações nas etapas. 30 Também é possível substituir o papel por outro material, como o tecido, madeira ou ainda outros suportes, de forma experimental. O uso destes processos fotográficos remonta aos primórdios da fotografia. A cianotipia, o Van Dyck brown, o papel salgado, a goma bicromatada, entre outros, são processos desenvolvidos no século XIX, quando a técnica da fotografia dava seus primeiros passos. Tais técnicas exigiam que o fotógrafo dominasse todo o processo: preparar as próprias emulsões e aplicá-las no suporte fotográfico, realizar a exposição à luz, a interrupção e a revelação. Trata- se então de uma época em que a fotografia tinha um caráter bastante artesanal, e eram necessários conhecimentos específicos para realizá-la, tornando seu uso restrito. Com a chegada dos equipamentos fotográficos e dos filmes em preto e branco, o ato de fotografar se torna mais simples, o que é bem ilustrado pelo slogan lançado pela empresa Kodak em 1888: "Aperte o botão, nós fazemos o resto!" Com isso, é crescente o número de praticantes amadores de fotografia (ROUILLÉ, 2009, p. 252). A popularização e barateamento do processo leva a um momento de revival das antigas técnicas artesanais pelos pictorialistas, que consideravam esta popularização uma perda de qualidade técnica e estética (ROUILLÉ, 2009). Assim, o Pictorialismo constituiu-se como um movimento do final do século XIX e início do século XX que buscava elevar a fotografia ao status de arte através da valorização do trabalho artesanal, da obra única em detrimento das cópias, do retoque, e buscando a estética da pintura de tradição neoclássica (ROUILLÉ, 2009 p. 253). 31 Figura 1 — Robert Demachy, Primavera, 1896. Goma bicromatada. 22 x 18,5 cm. Société Française de Photographie, Paris, França. Fonte: HACKING, 2012. A imagem Primavera (figura 1), fotografia em goma bicromatada, de Robert Demachy, ilustra a semelhança com um desenho feito em pastel. Outros expoentes da época foram Henrich Kühn e Constant Puyo, com produção em goma bicromatada, fotogravura, entre outras técnicas (HACKING, 2012). A partir das décadas de 1970 e 80 vivemos um novo revival destas técnicas, o que Dominique Baqué chama de neopictorialismo (2003). Entre infinitas possibilidades, diversos artistas contemporâneos abordam a materialidade da fotografia fazendo uso de procedimentos de fotografia química, como os processos fotográficos históricos e os papéis fotográficos tradicionais em preto e branco. Entre os artistas contemporâneos que utilizam estes processos no Brasil, estão Kenji Ota, Eustáquio Neves, Andrea Bracher, Daniela Pinheiro e Carusto Camargo. Kenji Ota desenvolve um trabalho experimental, buscando possibilidades plásticas na fotografia, com ênfase na sua materialidade. Ota faz sobreposição de diferentes processos fotográficos e uso de papéis artesanais, sendo pioneiro nessa combinação (OTA, 2001, p. 20). Tal sobreposição dos processos cria apagamentos, embates e metalizações das imagens. O artista também produz os próprios papéis e faz diferentes formas de encolagem a pincel, encolagem com gesso, entre outras. Cria assim um suporte com superfície irregular, com distribuição variável da polpa, o que leva a uma absorção não uniforme da emulsão fotossensível. 32 As imagens que usa como base costumam ter grandes áreas vazias, de fundo claro ou escuro, como a figura 2 – Semente de cacau bravo – que deixam mais visíveis os “erros” do processo. Assim, o artista busca valorizar justamente estes erros, o imprevisto, e com isso, o referente indicial das imagens tende a ficar em segundo plano, chegando a desaparecer em alguns casos. A imagem torna-se então pintura abstrata, realizada com materiais fotográficos. Figura 2— Kenji Ota, Semente de Cacau Bravo 3, 1993. Calotipia. 47,5 x 66,0 cm. Fonte: OTA, 2001. 33 Figura 3 — Daniela Pinheiro, série Nhak-krarati, 2022. Fotografia Digital, 10 cm x 15 cm. Fonte: PINHEIRO, 2022. Outra artista contemporânea a investigar a materialidade na produção fotográfica é Daniela Pinheiro. Sua série Nhak-krarati (2022) retrata o ato das mulheres indígenas Kayapó, em marcha rumo à Esplanada dos Ministérios. As imagens foram produzidas de forma híbrida, partindo do processo da antotipia, que é baseado em pigmentos fotossensíveis de origem vegetal. A captura se dá a partir de fotografia e vídeo, com tratamento digital das imagens e posteriormente a impressão digital das matrizes. Porém este processo foi interrompido antes da exposição à luz, e outro caminho foi criado: as matrizes receberam intervenções diretas, utilizando água, e depois foi feito um novo registro fotográfico. As cores das imagens criadas do ensaio “Nhak-krarati”, se constroem a partir da predominância do urucum, através do processo com o anthotype e do preto, com a tinta da impressora, representando o jenipapo. Essas são as cores que as mulheres indígenas utilizam em sua pele. A construção das imagens foi se definindo ao longo do processo de criação; uma linguagem foi sendo atravessada pela outra: a fotografia digital com a matriz positiva, o anthotype com a emulsão preparada com o urucum, os frames dos vídeos retirados da duração, a tinta preta da impressora (PINHEIRO, 2022, p. 10). 34 As imagens resultantes desta multiplicidade de processos mantêm sua natureza fotográfica e documental, ao mesmo tempo que apresentam aspecto de gravura, ganhando em força expressiva. 2.1.2 Intervenção no objeto: a performatividade na fotografia Outra estratégia de criação fotográfica é a intervenção no objeto. Ao abordar esta possibilidade, Fernandes Junior enfatiza a performatividade presente na prática do autorretrato: Na fotografia, onde existe um dispositivo propício à reinvenção de papéis, o auto-retrato, como manifestação contemporânea, não é só a questão da auto-referência, mas principalmente a questão da performance. O caráter performativo da fotografia está associado às suas possibilidades miméticas e mecânicas e, mesmo pensando em fotografia expandida, o que é relevante nessa discussão é a ‘construção de um real’. Essa ideia é bastante interessante, pois é possível entender melhor a conexão entre o dispositivo encenatório, construído e falso, e o dispositivo de registro. (FERNANDES JUNIOR, 2006, pp. 124–125) Aprofundando a busca acerca da performatividade na fotografia, encontrei a denominação fotoperformance, definida por Jéssica Lemos como “imagens que resultaram de uma estratégia ou de um acontecimento orquestrado pelos fotógrafos, onde o ato artístico central consista em direcionar o evento especialmente para a câmera”. Isto vai ao encontro da primeira etapa da produção de minhas séries: o trabalho de criação dos grafismos corporais, de uso do corpo como suporte e como objeto da arte, em uma ação realizada com o propósito de ser fotografada. Charlotte Cotton, ao considerar a fotografia na arte conceitual, descreve tal abordagem como uma criação que se inicia muito antes do momento do registro fotográfico, com o planejamento criativo. São trabalhos que “compartilham a natureza orgânica da arte corporal e performática, mas o espectador não testemunha diretamente o ato físico, como ocorre numa performance, ficando, em vez disso, diante de uma imagem fotográfica como obra de arte.” (COTTON, 2013, p. 21). Ou seja, o artista realiza a performance para a câmera, e a imagem resultante desse processo é que será exposta como arte. A fotografia assume o papel de construir e expor realidades alternativas (COTTON, 2013). 35 Cotton (2013) considera essa abordagem como derivada dos registros fotográficos de performances dos anos 60 e 70, porém ressalta uma diferença importante: nas fotografias documentais das performances, as imagens adotavam um caráter não artístico, mais próximo do fotojornalismo, em vez de valorizar a qualidade estética de uma fotografia artística. Já na fotoperformance, há um maior valor atribuído à imagem fotográfica. Para o desenvolvimento da fotoperformance, destacam-se dois agentes: o fotógrafo-encenador e o performer, que podem ou não ser a mesma pessoa. Lemos faz um paralelo com o encenador do teatro, que é o responsável por produzir a cena esteticamente: Podemos compreender então o fotógrafo-encenador como o artista que constrói as definições espaciais da obra fotográfica, seus recortes de luz, movimentação corporal, inserção de texto, sobreposição de imagens, criação de máscaras e idealização de indumentária, empreendendo à fotografia uma possível estrutura cênica. No entanto, na fotoperformance, prevalece na composição a desconstrução de códigos e personagens, que criam associações por meio de estratégias de deslocamento e estranhamento de sentido (LEMOS, 2019, p. 63). Quanto ao performer, é importante ressaltar que não interpreta um personagem tal como seria no teatro tradicional. Está, em vez disso, apresentando a si próprio em uma cena (FÉRAL, 2015). Assim, a fotoperformance se distancia da representação, criando um evento para a construção da imagem (LEMOS, 2019). Associados a este “apresentar a si mesmo”, alguns elementos são comuns na fotoperformance: o tema da memória, elementos autobiográficos e o jogo entre realidade e ficção, ou a criação de uma realidade alternativa. Lemos comenta: Esses aspectos da vida privada avocados pelo performer estão associados a um contexto social e político e no encontro com sua individualidade o artista acaba expressando suas interconexões com o meio e com o todo. Assim, tais memórias não são só pessoais, mas também coletivas. A imagem criada na fotoperformance fala do fotógrafo, do performer fotografado, da relação estabelecida entre os dois e sobre o meio em que ambos vivem. (LEMOS, 2019, p. 65) Assim, estes elementos de memória, de autobiografia, podem apresentar diferentes leituras, somando-se também ao contexto do fruidor da obra. Nesse percurso da fotoperformance, a pesquisa que desenvolvo se aproxima, em 36 diversos aspectos – tais como recriação de grafismos sobre a pele, busca de identidade/ancestralidade, performar para a câmera etc –, da produção da artista Catarina Gushiken em parceria com o fotógrafo Gal Oppido, que conheci quando eu já havia realizado algumas destas séries, e a partir de então, seu trabalho se tornou uma inspiração para o meu próprio. Gushiken, brasileira de ascendência japonesa, também traz a questão da ancestralidade através da recriação de grafismos. Trata-se de uma caligrafia inventada por ela mesma, inspirada pela caligrafia japonesa, e desenhada sobre a pele de diferentes pessoas que manifestaram interesse em participar da ação1. A série Caligrafias Sensitivas, compilada em um livro de mesmo nome, mostra imagens intimistas dos participantes com o corpo coberto pelas caligrafias, em performance direcionada para a câmera. As imagens evocam o silêncio, apontado pela artista como um elemento transformador, de integração de memórias2. A própria expressão corporal parece ter a fluidez dos desenhos caligráficos. Gal Oppido afirma buscar em seus ensaios captar momentos que o modelo não está repetindo um gestual tido como adequado3. Pode-se dizer que busca uma expressão não posada, mais próxima do “apresentar a si mesmo” mencionado por Féral (2015). 1 Fonte: relato da artista sobre o próprio processo criativo no vídeo Catarina Gushiken- Busca da Identidade, no YouTube, canal Jana Joana. Disponível em Acesso em 25/11/2022. 2 Idem. 3 Fonte: relato do artista no vídeo Arte e Ciência | Gal Oppido e Catarina Gushiken, no YouTube, canal Café filosófico CPFL. Disponível em Acesso em 10/05/2022. https://youtu.be/YHxhxKZOM6Q 37 Figura 4 — Catarina Gushiken e Gal Oppido, Série Caligrafias Sensitivas, 2021. Fotografia digital. Dimensões variáveis. Fonte: www.instagram.com/catarina_gushiken/ 2.2 Os grafismos corporais indígenas Em contexto indígena, os grafismos e pinturas corporais são de uma realidade plural: cada povo indígena tem grafismos ou pinturas corporais próprias, diferentes técnicas, bem como diversos usos e significações. Por exemplo, os Asurini do Xingu utilizam pincéis ou os dedos para a aplicação da tinta de jenipapo no corpo (MÜLLER, 1992). Os Kayapó-Xikrin utilizam instrumentos feitos com nervura de folha de babaçu para aplicação do sumo de jenipapo nas pinturas faciais, formando linhas paralelas, e o corpo é pintado diretamente com a mão, sendo feitas posteriormente linhas com um pente riscador de madeira (VIDAL, 1992). Entre os Waiãpi, é comum o uso de pincéis, chumaços de algodão e até carimbos para a aplicação do jenipapo, e a tinta de urucum é aplicada com os dedos (GALLOIS, 1992). Entre os materiais utilizados para a pintura, são bastante comuns o sumo de jenipapo, de cor preto azulada, que dura 5 dias ou mais na pele, e o urucum, de cor vermelha, que dura menos tempo. 38 Para buscar compreender alguns aspectos da pitura corporal e sua importância, consideremos o trecho de Els Lagrou: (...) para os Kaxinanwa, arte é, como memória e conhecimento, incorporada, e objetos não são senão extensões do corpo, ou melhor, são novos quase-corpos resultando do encontro de diferentes agências responsáveis por sua produção. Esta prioridade explica porque as expressões estéticas mais elaboradas dos grupos indígenas são ligadas à decoração corporal: pintura corporal, arte plumária, colares e enfeites de miçanga, roupas e redes tecidas com elaborados motivos decorativos. Os Kaxinawa não estocam a maior parte de suas produções artísticas. Como muitos outros grupos indígenas, estão convictos de que objetos rituais perdem seu sentido e sua beleza, sua ‘vida’, depois de terem sido usados. (LAGROU, 2009 p.92) Assim, a pintura corporal tem a função de trazer para o corpo esse conhecimento e memória. Sua atuação é no corpo, durante o período em que a pintura se faz presente. Nesse sentido, também podemos perceber a pintura corporal como uma transformação simbólica, em animais ou seres sobrenaturais. Entre os Karajá, no ritual de iniciação masculina os rapazes têm seu corpo todo pintado de preto. É a transformação em ariranha (juré), que tem como proposta a obtenção da combatividade, agressividade e rapidez dentro e fora d’água (TORAL, 1992). De acordo com Lagrou, também se nota a agência das pinturas corporais entre os Wauja, que, juntamente com ‘roupas-máscaras’, aparecem no contexto do ritual e da cura. “São, portanto, máscaras que modificam a identidade de seu portador e presentificam outros seres” (LAGROU, 2009, p 101). Lagrou apresenta uma distinção no uso da pintura corporal entre os grupos indígenas Jê e grupos amazônicos: “Se a pintura corporal e a utilização dos adornos dos grupos Jê funciona como um código de leitura de distinções sociais, em grupos amazônicos, os mesmos materiais tendem a servir de ligação com o mundo dos seres invisíveis” (LAGROU, 2009, pp 87-88). 39 Figura 5 — Processo de pintura facial Xikrin. Fonte: Vidal, Lux. Grafismo Indígena. Figura 6 — Pintura corporal do jurè (iniciando) Canoanã, 1980. Fonte: Vidal, Lux. Grafismo Indígena. Figura 7 — Pintura corporal Asurini Foto: Delarole. Fonte: Vidal, Lux. Grafismo Indígena 40 Peter Gow (1988) também distingue dois tipos de padrões de grafismos. Os “sistemas de design complexo”, como os Kadiwéu, caracterizam-se por adaptar um padrão de design ou motivo às características específicas da superfície pintada, bem como pela complexidade interna do design. Já os “sistemas de design simples”, como os Amauaca, são caracterizados pelo preenchimento das superfícies com um padrão, à custa de sua complexidade interna. Os sistemas complexos exigem grande habilidade da pessoa que executa, para manter a coerência do design nas superfícies de pernas, braços e torso. Isso soma-se às dificuldades trazidas pelos materiais, que dificultam a correção de erros (GOW, 1988). Lagrou complementa, enfatizando a tensão entre o grafismo e os volumes do corpo em que são aplicados: O que, por outro lado, é interessante notar é que nenhuma das pinturas segue a lógica da nossa cosmética: não realça os olhos ou a boca, suavizando ou realçando traços naturais do rosto, mas impõe outro padrão, produzindo desta maneira uma relação muito dinâmica entre o elemento plástico e o gráfico. Ambos os elementos são ativos e o efeito estético se deve a esta tensão: a desigualdade da superfície à qual o motivo é aplicado e o desafio de manter a coerência do motivo, não permitindo que se perca a ideal distância entre as linhas. Por isso a técnica da pintura facial ou corporal não tem nada a ver com o desenho em papel ou o mecanismo da projeção de um slide sobre um corpo. Um slide distorceria a relação interna entre as linhas do padrão e é disso que trata a pintura indígena; é uma pintura elaborada na sua relação com os corpos aos quais será aplicada e que desta maneira ajudará a completar. (LAGROU, 2009, p. 90) Esse aspecto de tensão e força é dos que mais chama a atenção para esta pesquisa. Seu poder de prender a atenção, gerando mesmo um efeito hipnótico, pela repetição dos grafismos. Gow defende que estes padrões de design são “visualmente compulsivos”, pois focam a atenção na superfície contínua da forma do corpo, o que reflete a importância dos processos corporais nestas culturas. (GOW, 1988). Assim, a prática da pintura corporal pode ser uma atividade que demanda bastante dedicação e habilidade para o desenho e adequação às formas do corpo. Uma ação com complexas significações que, simbolicamente, ajudam a formar o indivíduo. 41 3 OS PRIMEIROS PASSOS As obras apresentadas nesta pesquisa partem de uma sensação de desconexão de si mesmo e de perda da relação com a ancestralidade e o sagrado na vida contemporânea. O excesso de pensamentos focados no passado ou no futuro não permite à mente conectar-se no aqui e agora, de modo a, no fim, acabar por desconectar-se do próprio corpo. Beatriz Pires explicita a importância do corpo para nossa percepção dos acontecimentos internos e externos: Sabemos que antes de qualquer opinião, estética ou não, o que primeiro nos invade é a sensação, e que a base de todas as nossas sensações é o corpo físico. É através dele que estabelecemos nossas relações com tudo o que é externo a nós, e é através dele que, mesmo inconscientemente, se manifesta tudo que é interno a nós. (PIRES, 2005, p. 20) De acordo com Williams e Penman, a maioria das pessoas vive sem consciência do próprio corpo, pois passa tempo demais em julgamentos, preocupações e comparações. Com isso, se esquecem da influência que o corpo tem na forma de pensar, sentir e agir. Tratam-no como um estranho, considerando-o como algo separado da mente, colaborando para uma alienação de si mesmos (WILLIAMS E PENMAN, 2015). Um caminho para se reconectar com o aqui e agora é a Hatha Yoga, que tenho praticado, ainda que de forma intermitente, ao longo desta pesquisa. De acordo com Hermógenes, professor pioneiro de Yoga no Brasil, esta prática tem por objetivo reunir corpo, mente e espírito (HERMÓGENES, 2010). Os ásanas (posturas) são parte essencial da prática, e sobre eles, Hermógenes afirma: A arte dos ásanas é por excelência uma das que nos fazem semelhantes ao Criador, pois consiste, quando perfeita, em plasmar 'com o corpo' o modelo que a mente concebe e o sentimento anima. Quando em ásana, o espírito, que é o obreiro, confunde-se com o corpo, que é a própria obra. O praticante é então causa material e simultaneamente causa eficiente. (HERMÓGENES, 2010, p. 134) Assim, atuando com o corpo, é possível alterar o estado da mente. Abaixo aparecem alguns ásanas que inspiraram a expressão corporal das fotoperformances. 42 Figura 8 — Prarthanásana. Desenho de Thais de Linhares. Fonte: Hermógenes. Yoga para Nervosos Figura 9 — Sarvangásana. Desenho de Sirio Cançado. Fonte: Hermógenes. Autoperfeição com Hatha Yoga. Figura 10 — Pashimotanásana. Desenho de Thais de Linhares. Fonte: Hermógenes. Yoga para Nervosos Figura 11 — Swastikásana. Desenho de Sirio Cançado Fonte: Hermógenes. Autoperfeição com Hatha Yoga. Figura 12 — Shavásana. Desenho de Sirio Cançado Fonte: Hermógenes. Autoperfeição com Hatha Yoga. Figura 13 — Carregamento energético do plexo solar. Desenho de Thais de Linhares. Fonte: Hermógenes. Yoga para Nervosos Outro fator que motiva a produção desta obra é a percepção de desconexão de nossa cultura contemporânea com a própria ancestralidade. Embora alguns movimentos, principalmente de membros da diáspora africana, busquem esse resgate, há ainda um enorme número de órfãos das próprias origens pelo mundo. Na realidade do Brasil, o motivo se deve, dentre outras coisas, aos processos de apagamento de nossa história; temos lacunas no 43 conhecimento sobre nossos antepassados, entre imigrantes e nativos. A socióloga Ana Carla de Sá fala sobre esse apagamento da ancestralidade indígena na nossa cultura urbana brasileira: (...) Me dei conta do vazio que é a nossa consciência sobre essa origem. Então chegamos num ponto que foi muito difícil lidar com o fato de que a gente apagou,(...) de que não foi transmitido na nossa linhagem, na nossa ancestralidade, a mãe indígena. Nós somos uma nação miscigenada, e a nossa origem é indígena. E a origem do brasileiro é a junção da mãe índia, indígena com o homem, com o pai europeu. Aí nasce o brasileiro. A gente tem somente a narrativa do pai presente no nosso inconsciente coletivo. A gente não sabe nada dessa mãe. (...) A gente não cultua ela, a gente não honra essa mãe (...). O que vem para a América, o que vem para o Brasil, é somente o masculino europeu, não vem nenhuma mulher europeia. Vem a coroa, vem a Igreja. E esses homens que vêm para cá, eles deixam no continente europeu uma vida estabelecida, uma vida familiar, abençoada por Deus. Esse filho, fruto da mãe indígena com o europeu, ele é um filho bastardo. Então a nossa origem, ela não tem sustentáculo nem no pai nem na mãe. Esse pai honra e legitima aquela família que a igreja abençoou. Então a gente não tem nem pai e nem mãe (...) na sua integridade. Isso é a coisa mais triste que eu acho que a gente tem que lidar. (MAMILOS, 2019) 4 Clarissa Pinkola Esté, psicóloga junguiana, explica que o desconhecimento sobre a própria ancestralidade também traz angústia: (...) Subjacente a tudo isso está a mesma fome de experiência espiritual que os seres humanos sentiram desde o início dos tempos. Em alguns casos, porém, essa fome é exacerbada pois muitas pessoas perderam o contato com seus antepassados. É muito comum que elas não saibam os nomes dos que vieram antes dos seus avós. Perderam, em especial, as histórias das suas famílias. Em termos espirituais, essa situação provoca tristeza... e fome. Por isso, muitos estão tentando recriar algo importante para o bem da alma. (ESTÉS, 2014, p.239) A desconexão de si e da própria ancestralidade, e a falta que isso gera, trazem a necessidade de um resgate desses elementos. Isso pode ser sentido como a “nostalgia dos primórdios”, que Mircea Eliade, estudioso de símbolos religiosos, define como a nostalgia de um tempo remoto, da criação do mundo: um passado mítico em que a existência humana era plena de sentido (ELIADE, 1992), tempo no qual os deuses manifestam seu máximo poder: “A cosmogonia é suprema manifestação divina, o gesto exemplar de força, superabundância e criatividade” (ELIADE, 1992, p.43). 4 Participação de Ana Carla de Sá no podcast Mamilos#210, disponível em Acesso em 02 set. 2019. 44 O resgate de elementos antigos aparece nas séries apresentadas: a prática da Yoga, o trabalho artesanal, o uso de processos fotográficos históricos — que aqui se mostram em colaboração com técnicas e procedimentos contemporâneos: a fotoperformance, a fotografia digital. Além disso, a inspiração nos grafismos corporais indígenas aparece como uma tentativa de resgatar essa ancestralidade específica em nossa cultura: a reconexão com os antepassados aparece como uma necessidade espiritual. Pode-se também dizer que nas séries, o corpo é enfatizado como fonte de conhecimento, e que para acessá-lo é necessário fazer essa conexão consigo, esse silêncio que permite sentir o corpo e suas necessidades. Assim, além desses antigos saberes, o resgate da ancestralidade e do sagrado aparecem na reconexão consigo, com o corpo físico nas fotoperformances, e também nas imagens simbólicas produzidas. Os primeiros trabalhos que realizei com grafismo corporal e processo fotográfico histórico foram as séries Grafismo (2008) e Serpente (2009), ambas com a própria artista como a performer com o corpo decorado, e posteriormente reveladas com a técnica do Van Dyck brown. A série Serpente foi realizada durante o Trabalho de Conclusão de Curso da Graduação em Artes Visuais, e juntamente com Grafismo, foi apresentada em minha dissertação de mestrado Câmera e pincel: grafismos corporais e processos fotográficos. Tais obras são agora revisitadas na presente tese para desenvolvimento de uma visão mais ampla e aprofundada do processo de todas as séries apresentadas. A compreensão enquanto fotoperformance é um elemento novo na tese, bem como a abordagem de que o processo criativo guia a pesquisa. 3.1 Grafismo Neste primeiro trabalho, o intuito era recriar os grafismos corporais indígenas, para depois fazer registros fotográficos. Os desenhos foram aplicados apenas no rosto, costas, mãos e pés, e o material usado foi uma maquiagem: um lápis na cor marrom para delinear olhos (FONSECA, 2017). Tanto para a realização dos grafismos quanto para o registro fotográfico, contei com a ajuda do artista Aldrin Booz, que atualmente é meu marido. Aqui começamos a ter a 45 experiência de como é desenhar sobre a pele, organizar o grafismo sobre a superfície do corpo, ainda sem imaginar que continuaríamos neste processo por tanto tempo. O padrão escolhido para este primeiro trabalho, semelhante a um labirinto, é inspirado no tayngava, mostrado na pintura corporal Asurini (figura 7) e que apresenta variações em diversas etnias, com diferentes significações (LAGROU, 2009). Em Grafismo, o traçado fino e castanho sobre a pele cria um aspecto de textura pouco contrastada. Como apenas algumas partes do corpo foram pintadas, no enquadramento fotográfico buscamos deixar de fora aquelas sem o grafismo. Assim, as imagens fotográficas passavam a impressão de que o corpo estava completamente coberto. Desde esse primeiro experimento, percebi que o ato de pintar o corpo é uma experiência intensa. Demanda tempo, atenção focada, e parece operar algum tipo de transformação em quem é pintado, como um ritual. Figura 14 — Processo de desenho para a série Grafismo., 2008. Fonte: FONSECA, 2017. 46 Figura 15 — Processo de desenho para a série Grafismo, 2008. Fonte: FONSECA, 2017. Figura 16 — Amanda Branco, Grafismo, 2008. Fotografia digital. Dimensões variáveis. Fonte: FONSECA, 2017. Figura 17 — Amanda Branco, Grafismo II. 2008. Fotografia digital. Dimensões variáveis. Fonte: FONSECA, 2017. 47 A fotoperformance foi realizada em um estúdio improvisado na casa do Aldrin, usando tecidos brancos como cenário. Em algumas fotos aparece uma parede de tijolos. Aqui percebi que eu estava buscando referência para as poses na minha prática de yoga. Porém tal não era muito evidente, já que as imagens foram feitas com recorte mais fechado para mostrar apenas as partes do corpo cobertas pelos grafismos. As imagens digitais deste processo já revelavam um caminho a seguir. Um caráter intimista, de olhar para dentro, a sensação de silêncio e paz. A partir dessas imagens, por sugestão do professor Agnus Valente, quis experimentar utilizar processos fotográficos históricos, para acrescentar uma camada poética sobre as imagens. Então realizei as primeiras revelações em Van Dyck brown sobre papel (figuras 18 a 20) a partir das imagens desta série Grafismo. O seu desenvolvimento não estava tecnicamente bem executado: algumas imagens superexpostas ou subexpostas, manchas ocasionadas por tentativas de duplo emulsionamento, além de papel pouco absorvente, não apropriado para a técnica. Porém, pude ter uma ideia do potencial do uso de processos fotográficos históricos para a criação artística. As imagens ganharam um aspecto artesanal das marcas de pincel, manchas imprevisíveis, além da tonalidade marrom, que tem um potencial simbólico; remete a imagens antigas, com viragens ou outras técnicas. Aqui iniciei um repertório que eu buscaria muitas vezes no desenvolvimento de novos projetos. 48 Figura 18 — Amanda Branco, Grafismo I. 2008. Van Dyck Brown s/ papel. 21,4 x 15,7 cm. Fonte: acervo da artista. Figura 19 — Amanda Branco, Grafismo II. 2008. Van Dyck Brown s/ papel. 19,7 x 20,9 cm. Fonte: acervo da artista. 49 Figura 20 — Amanda Branco, Grafismo III. 2008. Van Dyck Brown s/ papel. 21 x 31 cm. Fonte: acervo da artista. 50 3.2 Serpente O resultado da série Grafismo me incentivou a refazê-la, aprimorando alguns aspectos. Assim surgiu a série Serpente. Para este trabalho era importante concluir o desenho no corpo todo, como uma repetição infinita. Essa organização teve inspiração nos grafismos do povo Asurini do Xingu (figura 7). O grafismo cobrindo completamente o corpo cria uma textura fazendo alusão à serpente, que dá o título a esta série. A própria pintura corporal remete às serpentes, pois pode ser compreendida como uma troca de pele, característica destes répteis. Este animal apresenta simbologia diversa em diferentes culturas. O Ouruboros, encontrado em manuscritos alquímicos, é uma serpente que morde a própria cauda, com o corpo formando um círculo. De acordo com Lexicon (1978), traz significados de infinitude, eterno retorno, o princípio comum que liga todas as coisas. Henderson (2008) também descreve a serpente como símbolo de transcendência, como um mediador entre o céu e a terra. Este significado se aproxima da cobra canoa que aparece no livro Antes o Mundo Não existia, de Umúsin Panlõn Kumu e Tolamãn Kenhíri, indígenas Desâna. Aqui, a cobra é um ser sobrenatural, um trovão guardião das riquezas (artefatos) que originariam a humanidade. Na época da criação, esse ser se transforma em cobra-canoa (pahmelin gahsilu= transformação, canoa ou pahmelin pinlum= transformação, cobra), e guia cada povo para o seu devido local na terra. (KUMU, KENHÍRI, 1980). Assim, faz uma ligação entre mundos, trazendo a humanidade da casa em que foi criada, o mundo pré-vida, para a morada de cada povo. Na realização deste desenho sobre o corpo, pudemos perceber como é demorada e trabalhosa tal atividade. Depois de passar algumas horas nesse processo, sentimos a necessidade de realizar a pintura em um dia e a fotoperformance no dia seguinte, já descansados e aproveitando a luz do dia para fotografar. Foram cerca de 8h para completar os grafismos (FONSECA, 2017), mais algum tempo extra para retocar antes de fotografar. A princípio pretendia seguir usando o lápis para olhos para fazer os grafismos. Porém, devido ao tempo necessário para a realização dos desenhos, desta vez no corpo todo e não em apenas algumas áreas, a maquiagem se 51 mostrou pouco eficiente, pois começava a borrar com o suor. Então, testei outros materiais: o urucum, bastante usado para pinturas indígenas, e a henna, que é usada na Índia e Norte da África. Nos dois casos tive dificuldades técnicas, e não tive o efeito desejado (FONSECA, 2017). Então optei por usar uma caneta hidrográfica, feita com pigmentos alimentares, para reduzir riscos de alergia ou intoxicação. Este material teve um resultado mais satisfatório, fixando melhor na pele, mas ainda assim precisando de reparos pois acabava borrando um pouco ao longo do tempo de trabalho de cobrir todo o corpo (FONSECA, 2017). Figura 21 — Tentativa de grafismo corporal para a série Serpente, 2009. Fonte: FONSECA, 2017. Figura 22 — Processo de desenho sobre o corpo para a série Serpente, 2009. Fonte: FONSECA, 2017. Figura 23 — Processo de desenho sobre o corpo para a série Serpente, 2009. Fonte: FONSECA, 2017. 52 3.2.1 A fotoperformance Serpente Para a realização da fotoperformance, usamos um tecido branco para criar um fundo infinito, praticamente neutro, com o objetivo de enfatizar o corpo da artista coberto por grafismos. Por já ter uma experiência anterior, conseguimos explorar mais a linguagem da fotografia, com diferentes enquadramentos. Nesse momento também foi fundamental o senso estético e de experimentação do artista Aldrin, por trás da câmera fotográfica. Os resultados seriam bem diferentes se eu estivesse trabalhando sozinha, com um tripé e a câmera no modo temporizador. Figura 24 — Imagem digital para a série Serpente, 2009. Fonte: acervo da artista Figura 25 — Imagem digital para a série Serpente, 2009. Fonte: acervo da artista. 53 Um desafio que foi se apresentando a partir desse momento era lidar com a nudez, que parecia necessária para a integridade poética da obra. Eu pretendia evitar uma imagem de objetificação do corpo, que poderia ser o esperado ao se deparar com a imagem do corpo nu de uma mulher jovem. Queria enfatizar a pessoa, sua autonomia. Isso foi buscado nas poses e ângulos de vista, ainda que o espectador / fruidor possa perceber de forma diferente. 3.2.2 Materialização de Serpente Para a realização das imagens, prossegui utilizando o Van Dyck Brown, desta vez com o tecido algodão cru como suporte. É um material de apelo tátil, como o tecido das roupas que vestimos, do invólucro do corpo, tal como a pele (FONSECA, 2017). Pareceu assim reforçar o aspecto intimista buscado nas imagens. Uma mudança significativa da série Grafismo para a Serpente é a dimensão das imagens. Na primeira, as imagens foram reveladas em papel tamanho A4, e alguns papéis foram cortados posteriormente. Já para a segunda, eu quis um tamanho maior, com as imagens em tamanho A3, para melhor mostrar os detalhes dos grafismos. Então fiz os negativos impressos como fotolitos — matrizes utilizadas para silk screen, feitas em lojas especializadas — e o resultado foi um negativo com pretos bastante opacos, o que é ideal para o trabalho com os processos fotográficos utilizados. O processo de revelação em Van Dyck sobre tecido é basicamente o mesmo utilizado para papel. Porém o resultado pode ser diferente. Com a revelação em tecido, as imagens resultantes perderam detalhamento e ganharam contraste. Em alguns casos, como na Serpente IX (figura 34), perdeu-se parte dos grafismos. Mas ainda percebo o todo como um ganho em significação poética. Quem observa de perto nota a imagem fotográfica embrenhada nas fibras do tecido, como algo intimamente ligado, amalgamado, diferente de uma impressão que ficaria na superfície. A textura do tecido acrescenta significação, apelo tátil e reforça seu aspecto material. 54 Em alguns casos, apareceram respingos da solução fotossensível, que foram incorporados à obra, acrescentando ruído à imagem e valorizando a própria heurística da cena. Figura 26 — Amanda Branco. Serpente I. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. 55 Figura 27 — Amanda Branco. Serpente II. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. 56 Figura 28 — Amanda Branco. Serpente III. 2009.Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. 57 Figura 29 — Amanda Branco. Serpente IV. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 44 x 52 cm. Fonte: FONSECA, 2017. 58 Figura 30 — Amanda Branco. Serpente V. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 44 x 52 cm. Fonte: FONSECA, 2017. 59 Figura 31 — Amanda Branco. Serpente VI. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. 60 Figura 32 — Amanda Branco. Serpente VII. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 44 x 52 cm. Fonte: FONSECA, 2017. 61 Figura 33 — Amanda Branco. Serpente VIII. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 44 x 52 cm. Fonte: FONSECA, 2017. 62 Figura 34 — Amanda Branco. Serpente IX. 2009. Van Dyck Brown sobre algodão. 52 x 44 cm. Fonte: FONSECA, 2017. Nas imagens resultantes, o corpo coberto por grafismos contrasta com o fundo claro e praticamente liso, ainda que em alguns momentos tenham surgido manchas do processo de revelação fotográfica. As cenas criadas neste processo mostram a artista em um momento de introspecção e silêncio, evocando em alguns momentos a imagem da serpente, com a pele coberta por uma textura e os movimentos sinuosos do corpo. 63 4 PERFORMERS, CORES E PAPEL As duas séries apresentadas neste capítulo têm em comum a presença de outras pessoas como performer, ao contrário das séries anteriores nas quais a própria autora assume este papel. Além disso, a materialidade é semelhante: foram realizadas com os processos fotográficos cianotipia, que cria imagens em tons de azul, e goma bicromatada, que permite usar pigmentos de cores diversas, criando imagens monocromáticas ou policromáticas. As duas séries foram feitas sobre papel, em imagens com duas ou três cores. Tanto Animus quanto Matéria e Luz foram abordadas em minha dissertação de mestrado e, assim como as séries do capítulo anterior, têm aqui a compreensão de seu processo criativo aprofundada, além de constituir o caminho seguido pelo processo das séries como um todo. Trabalhar com outras pessoas como performers traz para a obra outras subjetividades, outras intenções, ainda que passe pela minha visão sobre as cenas. Buscamos trazer outros elementos simbólicos nestas fotoperformances: a força masculina em Animus, e a busca pela leveza e dinamismo em Matéria e Luz. Devido a particularidades da técnica, pude participar mais na revelação das imagens. A goma bicromatada aproxima a fotografia da técnica da pintura, permitindo diversas intervenções manuais no processo (FONSECA, 2017). É possível ter algum controle sobre as tonalidades obtidas, seja alterando a concentração de pigmento da solução fotossensível, seja alterando a quantidade de camadas de emulsão; pode-se ainda atuar na forma como esta é aplicada com o pincel ou outro material, deixando a cobertura mais ou menos uniforme, ou mesmo no tempo de revelação e até realizar uma intervenção direta na imagem já revelada, usando uma esponja ou pincel para retirar a goma com pigmento e clarear áreas específicas. O uso do papel como suporte facilitou bastante esse processo, por ser o material tradicional e mais receptivo à técnica. Para a produção de uma imagem com mais de uma cor, é necessário preparar um negativo para