O advento da República e posteriormente sua consolidação ensejam mais que uma mudança de regime político. Pensar a República como uma opção viável para o Brasil significou também colocar em discussão vários projetos que representavam interesses de diversos grupos políticos – ou de uma geração de políticos – que passaram a compor um cenário político mais heterogêneo. A conjuntura em que essa geração de políticos surgiu envolveu um momento de transição no qual a construção de uma nova ordem pública passou a conviver com o peso de uma tradição que o Império brasileiro moldou e conservou durante décadas. Dessa forma, pensar essa nova ordem pública implica colocar em discussão uma gama variada de temas relacionados às mudanças que as sociedades brasileira e paulista vivenciavam naquele momento e que, por sua vez, evidenciavam todo esse processo de transição (federação, separação Igreja-Estado, secularização dos cemitérios, abolição da escravi- dão, imigração, instrução pública). A própria ideia de República foi pensada e elaborada, em vários momentos, envolvendo diferentes grupos com inte- resses diversos. Este livro se enquadra nessa ordem de preocupação e pretende discutir as experiências de República a partir da realidade política do muni- cípio paulista de Franca. Nesse sentido, o autor procura caracterizar as especificidades da propaganda republicana naquele município, atentando-se às comparações com outros municípios que concentraram grandes contingentes de republicanos e, por conseguinte, uma partici- pação de longa data nos congressos republicanos. A intenção é demonstrar como as características do republicanismo local contribuíram para moldar as experiências de República nesse período. A partir dessa configuração, Camelucci realiza uma discussão sobre as relações e/ou as linhas de ação política traçadas pelos partidos políticos constituídos no município de Franca e esboça o perfil político da elite dirigente da cidade na última década do Império, a fim de avaliar tanto o “terreno” político em que a propaganda republicana se desen- volveu no município, como a adesão dos políticos locais ao novo regime. Em seguida, o autor investiga a inserção do município de Franca, por intermédio do jornal O Nono Districto, na crise do Brasil-Império. Aborda como esse jornal participou das temáticas que visavam à implementação de uma nova ordem pública e que estiveram presentes no repertório da geração de 1870. Como se verá neste livro, o jornal procurou, por meio do debates dos temas que esta- vam inseridos na crise do Império brasileiro – que também envolviam questões mais pragmáticas e de ordem local, como a autonomia municipal –, apon- tar soluções que levassem às vias de mudança, com o intuito de superação do momento de crise. O autor demonstra a transição e a adesão da elite dirigente de Franca ao regime republicano e evidencia como grupos “marginalizados” e “dissi- dentes” da política local, por intermédio dos jornais Tribuna da Franca e Cidade da Franca, criticaram o “modelo” de República então vigente, e em quais momentos a imprensa local, principalmente o jornal O Francano, saiu em “defesa” desse regime. Anderson Luis Camelucci possui graduação (2004) e mestrado (2009) em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Tem experiência na área de História, com ênfase em História, atuando principalmente nos seguintes temas: História; Segundo Reinado e República Velha. As experiências de República no município de Franca (1880-1906) Anderson Luis Camelucci A nderson Luis C am elucci A s experiências de República no m unicípio de Franca (1880-1906) Neste livro, Anderson Luis Camelucci procura caracterizar as especificidades da propaganda republicana no município de Franca, procurando evidenciar como as características do repu- blicanismo local contribuíram para moldar as experiências de República nesse período. O autor realiza uma discussão sobre as relações e/ou as linhas de ação política traçadas pelos partidos políticos constituídos no município e esboça o perfil político da elite dirigente de Franca na última década do Império, a fim de avaliar tanto o “terreno” político em que a propaganda republicana se desenvolveu no município, como a adesão dos políticos locais ao novo regime. Camelucci demonstra também como grupos “marginalizados” e “dissidentes” da política local, por intermédio dos jornais Tribuna da Franca e Cidade da Franca, criticaram o “modelo” de República então vigente, e em quais momentos a imprensa local, principal- mente o jornal O Francano, saiu em “defesa” desse regime. 9 7 8 8 5 3 9 3 0 2 0 2 4 ISBN 978-85-393-0202-4 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 1As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 1 14/02/2012 20:45:2014/02/2012 20:45:20 FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP Presidente do Conselho Curador Herman Jacobus Cornelis Voorwald Diretor-Presidente José Castilho Marques Neto Editor-Executivo Jézio Hernani Bomfim Gutierre Conselho Editorial Acadêmico Alberto Tsuyoshi Ikeda Áureo Busetto Célia Aparecida Ferreira Tolentino Eda Maria Góes Elisabete Maniglia Elisabeth Criscuolo Urbinati Ildeberto Muniz de Almeida Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan Nilson Ghirardello Vicente Pleitez Editores-Assistentes Anderson Nobara Fabiana Mioto Jorge Pereira Filho As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 2As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 2 14/02/2012 20:45:4314/02/2012 20:45:43 ANDERSON LUIS CAMELUCCI AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 3As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 3 14/02/2012 20:45:4314/02/2012 20:45:43 Editora afiliada: CIP – BRASIL. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ C189e Camelucci, Anderson Luis As experiências de República no município de Franca (1880-1906) / Anderson Luis Camelucci. São Paulo: Editora Unesp, 2011. Inclui bibliografi a ISBN 978-85-393-0202-4 1. Brasil – História – República Velha, 1889-1930. 2. Fran- ca (SP) – História. 3. Franca (SP) – Política e governo. I. Título. 11-8119 CDD: 981.05 CDU: 94(81)”1889/1930” Este livro é publicado pelo projeto Edição de Textos de Docentes e Pós-Graduados da UNESP – Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UNESP (PROPG) / Fundação Editora da UNESP (FEU) © 2011 Editora UNESP Direitos de publicação reservados à: Fundação Editora da UNESP (FEU) Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br www.livraria.unesp.com.br feu@editora.unesp.br As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 4As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 4 14/02/2012 20:45:4314/02/2012 20:45:43 Dedico este trabalho aos meus pais Luiz Virgilio e Ana Maria, ao meu irmão Emerson e a Ana Lúcia. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 5As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 5 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 6As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 6 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 Este trabalho foi o originalmente apresentado como dissertação de mestrado na Faculdade de Ciências Humana e Sociais da Unesp de Franca. Gostaria de agradecer à banca examinadora, constituída pelo professor Lélio Luiz de Oliveira e pela professora Tania Regina de Luca pela leitura e observações criteriosas. À professora Denise Aparecida Soares de Moura, pela dedicação e orientação segura. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 7As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 7 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 8As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 8 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 SUMÁRIO Introdução 11 1 As experiências de República na propaganda republicana em Franca 19 2 A crise do Brasil-Império e as experiências de República no jornal O Nono Districto 77 3 As “repúblicas” no município de Franca 141 Considerações finais 203 Referências bibliográficas 207 As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 9As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 9 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 10As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 10 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 INTRODUÇÃO O advento da República e posteriormente sua consolidação ensejam mais que uma mudança de regime político. Pensar a República como uma opção viável para o Brasil naquele momento significou também colocar em discussão vários projetos que implicavam interesses de vários grupos políticos – ou de uma geração de políticos – e que passaram a compor um cenário político mais heterogêneo.1 A conjuntura em que essa geração de políticos surgiu 1 Ângela Alonso (2002, p.176) apresenta os vários grupos que compunham a geração de 1870, a saber: “liberais republicanos”, “novos liberais”, “posi- tivistas abolicionistas”, “federalistas abolicionistas do Rio Grande do Sul”, “federalistas científicos de São Paulo” (PRP). Esses grupos possuíam um fator de coesão que era político: oriundo da experiência compartilhada de marginalização política em relação ao status quo imperial, que, por sua vez, estava concentrado nas mãos dos conservadores saquaremas. Nesse sentido, ao criticar os pilares de sustentação desse status quo imperial – “indianismo romântico”, “liberalismo imperial” e “catolicismo hierárquico” – que, por sua vez, permitiu que os conservadores se mantivessem à frente da condução da política no Segundo Reinado, a geração de 1870 utilizou-se do repertório polí- tico europeu, que forneceu aos contestadores as ferramentas políticas por meio das quais conseguiram dar vazão às suas críticas. Alonso destaca que o reper- tório político europeu somente pôde ser utilizado para uma crítica coerente por parte da geração de 1870 em razão do conhecimento da realidade nacional que essas pessoas possuíam. Dessa forma, o repertório europeu utilizado pela As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 11As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 11 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 12 ANDERSON LUIS CAMELUCCI envolveu um momento de transição no qual a construção de uma nova ordem pública passou a conviver com o peso de uma tradição que o Império brasileiro moldou e conservou durante décadas. Dessa forma, pensar essa nova ordem pública implicou colocar em discussão uma gama variada de temas relacionados às mudanças que as sociedades brasileira e paulista vivenciavam naquele mo- mento e que, por sua vez, evidenciavam todo esse processo de transição: federação, separação Igreja-Estado, secularização dos cemitérios, abolição da escravidão, imigração, instrução pública. No entanto, o novo regime que o 15 de novembro inaugurou “não correspondeu precisamente a nenhum dos projetos dos contestadores e nem concentrou poder em um único grupo” (Alonso, 2002, p.325). De imediato, a preocupação dos grupos políticos que se assentavam no novo regime era a “prioridade pela ordem [afastando] o perigo da ‘rés publica’ que rondava as ante- salas do poder” (Penna, 1997, p.38-9). Nesse sentido, a elite queria reservar para si a tarefa de debater e construir a República que ela mesma havia instaurado. Segundo Linconl Penna (1999, p.36), o novo regime “empolgava as correntes mais influentes do país”, e, logo de início, pairava um clima de intranquilidade devido à dificuldade “de acomodação de inúmeros interesse que passaram a compor o cenário político-institucional”. Contudo, o advento da República, além de “não produzir os abalos que são inerentes aos processos de mudanças político- institucionais” cujas características “estiveram mais perto” de “alterações de governo nos marcos da legalidade”2 em vez de uma geração de 1870 passou por uma espécie de seleção, conforme sua capacidade de fornecer respostas para o momento de crise então vivenciado. 2 De acordo com Lincoln Penna (1997), o governo republicano tratou de assu- mir todos os compromissos herdados do regime imperial, que incluíam os compromissos nacionais contraídos durante o regime anterior, os tratados com as potências estrangeiras e a dívida pública interna e externa. Nacio- nalmente, “o sistema bancário, as repartições públicas, comércio e demais atividades vitais do país não sofreram quaisquer alterações em seus negócios”, nem mesmo os títulos brasileiros no exterior sofreram qualquer tipo de abalos, As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 12As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 12 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 13 “ruptura, em geral típica das transições de regimes políticos”, também propôs “uma alternativa tímida de reformas dos costumes públicos dentro da ordem” (Penna, 1997, p.33, 65). A própria transição do regime republicano inicialmente se deu de forma tranquila: “o denominador comum foi a transferência dos quadros políticos monárquicos para as fileiras republicanas e para os governos estaduais ou locais” (Silveira, 1978, p.83), predominando, dessa forma, o situacionismo dos grupos dirigentes, praticamente sem oposições de grande intensidade, referendando assim quase que “o caráter de uma transmissão de cargos” (ibidem, p.97). Nos seus primeiros anos, o regime republicano passou a conviver com os “inúmeros interesses” derivados da composição “heterogênea” que marcou a República: sobreveio antigos ele- mentos ligados ao Império, militares, “setores isolados das camadas médias urbanas” e os republicanos “históricos”, dentre os quais os paulistas que tinham no Partido Republicano Paulista (PRP) seu instrumento de ação política (ibidem, p.36). Essa “pluralidade” política contribuiu para dilatar a entropia3 que marcou a República nos seus primeiros anos, como afirma Renato Lessa (1988, p.74): [...] o legado dos primeiros anos entrópicos apresenta alto grau de incerteza. A indefinição dos procedimentos de governo somou-se à anarquia estadual um padrão tenso de relações entre o Governo e o Congresso. Ao contrário do Modelo Imperial, a intervenção do Executivo nos estados e seu controle sobre o processo eleitoral não “e a vida dos cidadãos do Rio de Janeiro – palco dos acontecimentos – trans- correu sem alterações dignas de registro em seu cotidiano, nada indicando que acabara de se processar uma mudança de vulto” (ibidem, p.52). 3 O termo entropia foi utilizado por Lessa (1988, p.49) para qualificar a expe- riência política da primeira década republicana, permeada de desencontros políticos e sem um aparelho institucional organizado – “um equivalente fun- cional do poder moderador” – que pudesse agir como árbitro das disputas políticas entre os grupos, fornecendo, assim, estabilidade política ao novo regime. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 13As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 13 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 14 ANDERSON LUIS CAMELUCCI tiveram como resultado a formação de atores coletivos dotados de alguma identidade política mais permanente. Essas primeiras impressões que o advento da República deixava transparecer foram, no entanto, se modificando à medida que a consolidação do novo regime era elaborada. Isso ocorreu em grande parte por causa da composição “heterogênea” dos grupos políticos que emergiram com o novo regime, carregando consigo os vários projetos que referendavam a nova ordem pública tão debatida nos anos finais do Império. E em detrimento “das tendências heterogêneas” – que antes estavam inseridas no contexto de crise do Brasil-Império – que passavam a ocupar o poder com o advento da República, ficava difícil, de imediato, atender aos anseios de um determinado grupo; daí surge a tensão dos primeiros anos, que foram marcados, segundo Lincoln Penna (1999, p.37), por uma guerra de posições. Além da composição dos grupos políticos e de seus respectivos projetos para a consolidação de uma nova ordem pública sedimentada pelo regime republicano, Renato Lessa (1988, p.43) levanta outro fator que contribuiu para alavancar a instabilidade política dos primeiros anos do novo regime: Os primeiros anos republicanos se caracterizaram mais pela ausência de mecanismos institucionais próprios do Império do que pela invenção de novas formas de organização política. O veto imposto ao regime monárquico não implicou a invenção positiva de uma nova ordem. O que se seguiu, conforme será visto, foi uma completa desrotinização da política, o mergulho no caos. [...] importa considerar de modo sistemático o que foi vetado pelos republicanos: a engenharia política do Poder Moderador. Nesse caso, Lessa (1988) aborda que a ruptura das instituições monárquicas também colaborou para que a nova ordem pública que se propunha sob a égide republicana não fosse facilmente encontrada, pelo menos nos anos iniciais do regime republicano. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 14As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 14 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 15 Conforme destacamos anteriormente, mesmo com a transição aparentemente tranquila, o regime republicano logo no seu início se viu cercado de problemas institucionais, esbarrando nos vários projetos de Repúblicas defendidos pelas “tendências heterogêneas” que passaram a ocupar o “novo” espaço político, além de que “o abandono dos critérios monárquicos de organização do espaço público inaugurou um período de dilatada incerteza política” (ibidem, p.5). Diante desse contexto, a via republicana passou por um longo processo de “acomodação” das tendências, indicando permanentemente momentos de cisões que colocaram em dúvida a consolidação do novo regime. Os anos que se passaram indicavam que a República brasileira teria um longo caminho a percorrer, buscando, assim, a sua afirmação no contexto político brasileiro. Portanto, a ideia de República foi pensada e elaborada em vários momentos, envolvendo diferentes grupos com interesses diversos. Este livro se enquadra nessa ordem de preocupação e pretende discutir as experiências de República a partir da realidade política de um município paulista. Como as elites dirigentes e intelectuais locais concebiam essas ideias? Quais eram os referenciais teóricos, filosóficos e literários utilizados por essa elite tanto para elaborar uma crítica ao regime monárquico quanto para vislumbrar a República como uma saída política viável no município de Franca? Em que medida as crises que marcaram a consolidação do novo regime levaram a elite política do município de Franca a repensar os caminhos traçados pelas elites dirigentes nacionais? As balizas temporais – 1880-1906 – foram escolhidas na medida em que, na década de 1880, surge a propaganda republicana e se intensifica com a participação do município de Franca nos congressos republicanos. Como é sabido, a década de 1880 também marcou a acentuação da crise e a correlata descrença (Vianna, 2004, p.91) nas instituições imperiais. Esse período marca a participação da elite dirigente e intelectual do município nos debates que envolviam a crise política do momento As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 15As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 15 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 16 ANDERSON LUIS CAMELUCCI e sugere um quadro de indefinição da própria “experiência” de República em âmbito nacional. Após a proclamação do novo regime, terá início uma difícil conjuntura de confrontos pela afirmação da ordem republicana em meio a vários projetos políticos. No estado de São Paulo, o Partido Republicano Paulista posicionou-se à frente da política estadual. No entanto, o período de 1889 a 1906 marcou a primeira fase do PRP no período republicano, caracterizado por Casalecchi (1987, p.14) como “superação dos conflitos e consolidação”, no qual o partido – a exemplo do que acontecia com o regime republicano – enfrentou momentos de instabilidades e crises internas, quando da criação do Partido Católico em 1890, a eminente criação do Partido da Lavoura, a cisão do PRP em 1901 e a revolução monarquista em 1902. Em Franca, os políticos que vivenciavam uma espécie de “marginalização” política aproveitaram-se desses pontos-chave para efetuar uma crítica ao “modelo” de República então vigente. No primeiro capítulo deste livro, serão caracterizadas as especificidades da propaganda republicana no município de Franca, atentando-se às comparações com outros municípios que concentraram grandes contingentes de republicanos e, por conseguinte, uma participação de longa data nos congressos republicanos. A intenção é demonstrar como as características do republicanismo local contribuíram para moldar as experiências de República nesse período. Nesse mesmo capítulo, será realizada uma discussão sobre as relações e/ou as linhas de ação política traçadas pelos partidos políticos constituídos no município – Conservador, Liberal e Republicano – e as experiências de República que podem ter sido codificadas em suas propostas político-partidárias. Com base nisso, poderá ser esboçado o perfil político da elite dirigente de Franca na última década do Império, a fim de avaliar tanto o “terreno” político em que a propaganda republicana se desenvolveu no município como a adesão dos políticos locais ao novo regime. No segundo capítulo, será feita a inserção do município de Franca, por intermédio do jornal O Nono Districto, na crise do As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 16As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 16 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 17 Brasil-Império. Aborda-se como o jornal participou das temáticas que visavam à implantação de uma nova ordem pública e que estiveram presentes no repertório da geração de 1870. Nesse sentido, o jornal procurou por intermédio dos debates dos temas – que também envolviam questões mais pragmáticas e de ordem local, como a autonomia municipal – que estavam inseridos na crise do Império brasileiro apontar soluções que levassem às vias de mudança, com o intuito de superação desse momento de crise. Propõe-se também demonstrar as experiências de República que estiveram presentes nas páginas do jornal. No último capítulo, pretende-se demonstrar a transição e a adesão da elite dirigente de Franca no regime republicano. A seguir, passa-se a compreender como a instabilidade do PRP influenciou o Partido Republicano de Franca, quando da criação no município do Partido Católico. Além desse aspecto, abordam-se a eminência de criação do Partido da Lavoura, a cisão do PRP em 1901 e a participação de Franca na revolução monarquista de 1902. Com base nessas questões, será possível caracterizar como esses grupos “marginalizados” e “dissidentes” da política local, por intermédio dos jornais Tribuna da Franca e Cidade da Franca, criticaram o “modelo” de República então vigente, e em contrapartida em quais momentos a imprensa local, principalmente o jornal O Francano, saiu em “defesa” do regime. A base documental está constituída em sua grande maioria – além das Atas da Câmara Municipal de Franca, das Atas do Partido Republicano de Franca, do Código de Posturas Municipais que estão depositados no Museu Histórico Municipal José Chiachiri e dos inventários post-mortem dos cartórios de primeiro e segundo ofícios de Franca que se encontram no Arquivo Histórico Municipal Capitão Hipólito Antônio Pinheiro – na imprensa. Os jornais locais perfazem os alicerces do trabalho realizado: O Nono Districto, A Ephoca e O Francano que fazem parte do acervo do Museu Histórico Municipal José Chiachiri; Tribuna da Franca e A Cidade da Franca que estão digitalizados no Centro de Documentação e Apoio a Pesquisa Histórica (Cedaph) da UNESP, campus de Franca. Alguns números As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 17As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 17 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 18 ANDERSON LUIS CAMELUCCI dos jornais A Província de São Paulo e Correio Paulistano utilizados também estão disponíveis no Cedaph; os números do jornal O Estado de S. Paulo estão no Arquivo Público do estado de São Paulo. Com o intuito de colocar o leitor em maior contato com os jornais francanos, o Quadro 1 apresenta os jornais mencionados, com seu(s) respectivo(s) editor(es). Quadro 1 – Jornais francanos Jornal Editor(es) O Nono Districto César A. Ribeiro e Gaspar da Silva Tribuna da Franca Francisco Cunha O Francano Álvaro Abranches Lopes A Epocha Guilherme Woss A Cidade da Franca Francisco de Assis Pereira Nesse sentido, diante da importância e do crescimento da imprensa como referência documental para a pesquisa histórica, Tânia de Luca (2005, p.139) assevera: Pode-se admitir, à luz do percurso epistemológico da disciplina e sem implicar a interposição de qualquer limite ou óbice ao uso dos jornais, e revistas, que a imprensa periódica seleciona, ordena, estrutura e narra, de uma determinada forma, aquilo que elegeu como digno de chegar até o público. O historiador, de sua parte, dispõe de ferramentas provenientes da análise do discurso que pro- blematizam a identificação imediata e linear entre a narração do acontecimento e o próprio acontecimento, questão, aliás, que está longe de ser exclusiva do texto da imprensa. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 18As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 18 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 1 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NA PROPAGANDA REPUBLICANA EM FRANCA Vários trabalhos foram produzidos, cujo tema versa direta ou indiretamente sobre a vida política francana na passagem do Impé- rio para a República. Entre os autores que contemplaram essa te- mática de forma mais incisiva, destacam-se Mildred Regina Gon- çalves Naldi (1992) e Egle Roberto Menezes de Melo (1995). Naldi (1992) procurou desvelar as relações políticas entre o coronel José Garcia Duarte e o bacharel Estevão Leão Bourroul.1 1 Segundo o jornal Tribuna da Franca (30.11.1904, p.2), Estevão Leão Bour- roul formou-se “Bacharel em Sciencias Sociaes e Jurídicas” na Faculdade de Direito de São Paulo, em 28 de novembro de 1881, em uma turma de grandes expoentes da política nacional: Júlio de Castilhos, Eduardo Prado, Theofhilo Dias, Aristides Maia, Eduardo de Aguiar, Valentim Magalhães, Raymundo Correa e Eduardo Fernando Lima. Segundo Naldi (1992, p.85-91), da sua passagem por Franca, Bourroul foi eleito deputado provincial pelo nono dis- trito eleitoral da província de São Paulo. Foi responsável pela fundação dos jornais Correio da Franca e A Justiça – no período republicano, colaborou com o jornal A Tribuna da Franca –, da Biblioteca Municipal e do Clube da Lavoura. Foi responsável também pela organização de um ciclo de conferên- cias populares. Como advogado da Câmara Municipal de Franca, foi membro do Conselho Municipal de Instrução Pública, juiz municipal e de órfãos do Termo de Franca e juiz de Direito interino entre 1885 e 1886. Como jorna- lista, Bourroul teve uma participação intensa fora do município de Franca, “escrevendo em vários jornais da capital e do interior”, como O Circulo dos Estudantes Católicos, O Onze de Agosto, O Catholico, A Reação, A Vanguarda, As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 19As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 19 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 20 ANDERSON LUIS CAMELUCCI No âmago dessas relações políticas, de acordo com essa autora, o primeiro detentor do poder político contava com a colaboração do segundo, que, por sua vez, detinha uma grande capacidade de articulação, representando os interesses do coronel José Garcia Duarte não apenas no âmbito do município, mas também junto aos políticos provinciais. Melo (1995) procura caracterizar as especificidades do coronelis- mo francano utilizando como manancial teórico “a conceituação” de Victor Nunes Leal (1975). Melo também procura traçar “um perfil” político e econômico das elites dirigentes que estiveram à frente do poder político local em um período que, para o autor, marcou a consolidação do coronelismo no município de Franca: 1880-1914. Em outros trabalhos (cujas temáticas vislumbraram temas não relacionados ao político), mesmo de forma indireta, também se percebe uma preocupação em caracterizar a vida política francana na passagem do Império para a República. Tosi (2002, p.59), ao pesquisar os motivos que levaram à insta- lação da indústria coureiro-calçadista em Franca, procurou delinear alguns traços da vida política francana principalmente na última década do Império, período em que as influências e os valores da “hegemonia conservadora” formada por coronel José Garcia Du- arte, bacharel Estevão Leão Bourroul e padre Cândido Martins da A Aurora, O Apóstolo, A Ordem, O Monitor Catholico, além de redigir o Correio Paulistano. Bourroul também se destacou como escritor, tendo publicado os seguintes trabalhos: O Partido Conservador da Franca (no qual procurou tra- çar as diretrizes para reorganização do Partido Conservador de Franca), Não! Simples resposta a uma pergunta (1890), Hércules Florence (ensaio literário), O conde de Parnahiba (apontamentos biográficos), O doutor Ricardo Gun- bleton Daunt (ensaio biográfico) e Frei Caetano de Messina (estudo histórico religioso). Segundo nota divulgada em Tribuna da Franca (23.11.1903, p.2), Bourroul foi secretário do presidente da província de São Paulo entre 1886 e 1889. Ainda segundo a referida nota: “Proclamada a República o Dr. Bourroul não renegou os seus princípios de monarchista, e como catholico tomou parte na fundação do partido catholico de S. Paulo sendo nas eleições federaes de 15 de setembro de 1890, candidato o mais votado do partido obtendo para mais de 7.000 votos”. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 20As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 20 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 21 Silveira Rosa conseguiram estabelecer condutas, “ordenamentos, adequações e relações que estreitavam muito o âmbito em que um articulado contrário pudesse se mover”. Di Gianni (1997), em seu trabalho sobre a imigração italiana no município de Franca, destacou a força política de Caetano Petra- glia, um dos responsáveis pela fundação do PRP na cidade (o médi- co e imigrante italiano André Comitê também teve participação na política local, elegendo-se vereador na legislatura de 1890 a 1892). Rodrigo da Silva Teodoro (2006) preocupou-se em demonstrar as origens e as formas de obtenção de crédito por parte dos cafei- cultores do município de Franca, mas, em determinado momento, deparou com o cunho personalista que demandava os empréstimos. Dessa forma, não deixou de observar as ligações comerciais entre os grandes chefes políticos francanos, destacando a força da parentela no interior da política local. Contudo, o objetivo deste capítulo consiste em analisar um setor específico da elite, ou seja, a elite política e dirigente de Franca, vis- lumbrando seus “movimentos” de composição e recomposição, em uma cidade média do nordeste paulista na última década do Império. É importante ressaltar que não se pretende tratar aqui de con- cepções e conceitos de “hegemonia” nem de aspectos relacionados ao coronelismo,2 como foi veiculado nos trabalhos anteriormente 2 José Murilo de Carvalho (1999, p.130-2) procura desvelar a “imprecisão e incoerência” do uso de conceitos básicos que envolveram o “poder local e suas relações com o Estado nacional no Brasil”. Nesse sentido, ater-nos-emos à revisão conceitual que Carvalho faz do coronelismo segundo a análise de Victor Nunes Leal (1975), já que mesmo aqueles autores que usam o conceito de coronelismo de Leal o fazem “em sentido distinto”. Segundo Carvalho, a concepção “correta” de coronelismo na análise de Leal é “um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos”. Surge a partir da “con- fluência de um fato político” – federalismo implantado pela República – “com uma conjuntura econômica” – decadência econômica dos fazendeiros em face do correlato fortalecimento do poder do Estado. Diante dessas características traçadas por Leal é que José Murilo de Carvalho definirá a concepção de coronelismo: “um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis. O governo estadual garante, para baixo, o poder do As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 21As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 21 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 22 ANDERSON LUIS CAMELUCCI mencionados. A análise da composição e recomposição da elite dirigente de Franca irá inseri-la em outro contexto histórico: o cres- cimento do republicanismo na cidade, com o propósito de demons- trar como ela aderiu à propaganda republicana. Contudo, espera-se com esse tipo de abordagem vislumbrar como ocorreram as experiências de República no município de Franca, cuja temática permeia todo o livro. Mas como seriam então os pressupostos desse tipo de análise? Nesse sentido, busca-se a compreensão das formas de composição e recomposição dos grupos políticos que estiveram à frente da política local na última década do Império. Quais seriam esses grupos? É importante frisar que a referência a grupos diz respeito às pessoas que estavam atreladas aos partidos políticos que se encontravam organizados em Franca naquele período, a saber: Conservador, Liberal e Republicano. Dessa forma, analisaremos como esses grupos políticos inte- ragiam entre si e com os líderes políticos do restante da província, em ocasiões que muitas vezes envolviam seus próprios interesses (em sua maioria interesses políticos). Abordaremos também os interesses da localidade em que eles residiam, com o objetivo de compreendermos as experiências de República em Franca, em um momento em que a crise do Império brasileiro se acentuava com a descrença de suas próprias instituições, abrindo espaço para que uma nova geração3 de políticos expressasse suas críticas e propuses- se as vias de mudança de uma nova ordem pública. coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o con- trole dos cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primá- ria. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca de reconhecimento por parte deste de seu domínio no Estado. O coronelismo é a fase do processo mais longo de relacionamento entre os fazendeiros e o governo. O coronelismo não existiu antes dessa fase e não existe depois dela”. 3 Estamos nos referindo a geração de 1870. Segundo Alonso (2002, p.95-8), “a modernização material do país e a decadência das instituições centrais do Império feriram o coração saquarema, abrindo uma crise apenas concluída com a queda do regime”; é nesse contexto de crise que “emergiram múltiplas manifestações públicas de protesto, exacerbando a demanda liberal por refor- As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 22As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 22 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 23 Parte da documentação utilizada já foi visitada e trabalhada por outros pesquisadores, o que não tira o mérito da análise proposta. Trata-se de outro tipo de enfoque que pretende vislumbrar como as peculiaridades do avanço do republicanismo em Franca e as linhas de ação política que delinearam as relações dos grupos políticos locais conformaram as experiências de República próprias do mu- nicípio de Franca. José Murilo de Carvalho (1997, p.III) delineia com propriedade essa questão: Revelar novas fontes e novas informações é sem dúvida impor- tante, mas não constitui condição necessária para o trabalho histo- riográfico inovador. A inovação pode estar na maneira pela qual dados já conhecidos são organizados e interpretados. Propaganda republicana em Franca Como o nosso objetivo é demonstrar as experiências de Repú- blica do município de Franca, é importante contextualizar o avanço do republicanismo, ou seja, da propaganda republicana nas cidades do Oeste Paulista, buscando, contudo, as especificidades da inser- ção da propaganda republicana nessa cidade. Em 3 de dezembro de 1870, no Rio de Janeiro, surgia, nas pá- ginas do jornal A República, o Manifesto do Partido Republicano. Esse documento afastava os meios revolucionários ou qualquer tipo de convulsão da ordem como maneira para alcançar o poder, invo- cando a evolução política por meio da via eleitoral. De certo modo, o Manifesto “refletia o pensamento liberal clás- sico” (Carvalho, 1980, p.28), bem como “salientava as contradições do regime (monárquico) entre a teoria e a prática e intimava os mas” oriundas dos vários grupos políticos que compuseram a geração de 1870. No próximo capítulo, deter-nos-emos no debate proporcionado pela geração de 1870 e apontaremos como o município de Franca esteve inserido nele As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 23As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 23 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 24 ANDERSON LUIS CAMELUCCI monar quistas a mostrarem os abusos da coroa” (Boehrer, [195-?], p.35), aludindo à necessidade de uma República federativa. Ainda hoje o Manifesto do Partido Republicano suscita muitos debates na historiografia. Um dos principais pontos desse debate consiste na validade do documento e sua importância na efetivação do movimento republicano no Brasil. Segundo Iraci Galvão Salles (1986, p.25), o Manifesto Republicano significou “a sistematização e o avanço do republicanismo”, além de sua efetivação como movi- mento partidário. Para Reynaldo Carneiro Pessoa (1970, p.409), “o Manifesto de 1870 reflete a evidência da desagregação do regime monárquico no Brasil”. Segundo Ângela Alonso (2002, p.180), “o teor de seu libe- ralismo democrático” expressava a crise do Império, construído por intermédio do “repertório da política científica”, expressando “as tensões dos liberais republicanos com a tradição inventada pelos saquaremas em vários sentidos”. No entanto, Sérgio Buarque de Holanda (1972a, p.256) arrefece os efeitos do Manifesto: “o documento de 1870 é, mesmo no campo da política, antirrevolucionário e contemporizador”. Isso ocorreu porque a maioria dos signatários do manifesto saiu das fileiras li- berais, e muitos haviam ocupado altos cargos políticos no Império (como é o caso de Saldanha Marinho), ou seja, tinham raízes polí- ticas na elite imperial. Logo, o Manifesto apresentava um caráter reformador, tendo na “evolução política das ideias” as ferramentas para realização das reformas preconizadas no documento. Apesar de todas as interpretações que o Manifesto de 1870 tem levantado ao longo dos anos, para o presente trabalho, sua maior contribuição pode ser resumida nas duas primeiras frases: “É a voz de um partido a que se alça hoje fallar ao paiz. E esse partido não carece demonstrar a sua legitimidade” (Pessoa, 1970, p.409). Isso posto, demonstra a tentativa de transformar os anseios republica- nos em uma ação organizada, em um Partido Republicano.4 4 Segundo Emilia Viotti da Costa (1999, p.478-9), a ideia de República não foi uma novidade que se instaurou apenas no momento de crise do Segundo As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 24As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 24 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 25 O Manifesto de 1870 suscitou uma série de adesões na provín- cia de São Paulo. O Clube Radical de São Paulo se converteu em Clube Republicano, seguido de perto por inúmeras localidades que de imediato prestaram seu apoio ao Manifesto por meio de cartas e proclamações: Jundiaí, Amparo, Itapetininga, Capivari, Itu e Taubaté (Boehrer, [195-?], p.74). Essa rápida adesão da província paulista ao Manifesto e a propagação dos Clubes Republicanos le- varam Zimmermann (1986, p.12) a afirmar o seguinte: A transformação de vários Clubes Radicais em Clubes Repu- blicanos e o surgimento de novos imediatamente após o apareci- Reinado. Muito pelo contrário. Na colônia, a República significou “a revolta contra a metrópole, a negação do estatuto colonial”. A independência do Bra- sil também deu uma nova conotação ao ideal republicano. Toda e qualquer manifestação que lembrasse ou que usasse a palavra República para justificar ou denominar algum movimento contestatório era tida como “oposição ao governo”. No processo brasileiro de independência, a República foi cogitada por umas poucas pessoas de tendências radicais “utópicas”, que se espelhavam nas Repúblicas da América, nos federalistas norte-americanos, alimentando o sonho de uma possível República para o Brasil. No entanto, prevaleceu a monarquia constitucional, pois, como o Brasil se encontrava no limiar da inde- pendência, a saída monárquica foi aquela que mais se adequava a uma situação já preestabelecida anteriormente, que assegurava uma gama de interesses polí- ticos e econômicos a uma elite muito bem enraizada cuja característica foi cons- truir um Estado que atendesse às suas necessidades de manutenção do poder. É nesse sentido que José Murilo de Carvalho (1980, p.95) desenvolve seus argu- mentos: “Mas o fato da elite brasileira ter tido melhores condições de enfrentar com êxito a tarefa de construir um novo Estado teve também consequência para o tipo de dominação que se instaurava. A maior continuidade com a situação pré-Independência [mantendo] um aparato estatal mais organizado, mais coeso e talvez mais poderoso”. Para Américo Brasiliense (1978, p.87-9), “as ideias republicanas há muito circulavam pelo país, e afirma a história, memoráveis ocorrências haviam assinalado a sua propaganda, que teve fervorosos adeptos e adeptos e mártires”. Esse autor rememora fatos que comprovam as pretensões republicanas: Revolução Pernambucana de 1817, Confederação do Equador de 1824, Revolução Farroupilha ou a República do Piratini de 1835. Apesar da presença do ideal republicano em vários momentos da história, Emilia Viotti da Costa (1999, p.479) entende que “essa primeira fase poderia ser considerada a do republicanismo utópico, pois não havia propriamente uma ação organizada, um partido republicano e muito menos um planejamento revolucionário”. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 25As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 25 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 26 ANDERSON LUIS CAMELUCCI mento do Partido no Rio de Janeiro nos fazem supor que a ideia republicana já era assunto em debate na província. Em relação à província do Rio de Janeiro, Hidilberto Ramos Cavalcanti de Albuquerque Júnior (1974, p.84) nota que o movi- mento republicano seguia “uma evolução natural e lenta, porém bastante segura” principalmente após o ano de 1888, sob a lideran- ça de eminentes republicanos como Silva Jardim, Nilo Peçanha e Alberto Tôrres. Albuquerque Júnior (1974, p.85) destaca o aparecimento de vários clubes republicanos seguidos de grande número de jornais atuando de maneira bastante significativa, como era o caso de “Ga- zeta do Povo em Campos, O Povo em Niterói, O Amigo do Povo, A Idéia, Garatuja e Tymburibá em Resende, Quinto Distrito, Transfor- mação, A Revolução, Imprensa Barramansense em Barra Mansa”. O movimento republicano na província do Rio de Janeiro “es- tava inteiramente integrado nas articulações republicanas que se desenvolveram em todo país”, destacando-se vários focos republi- canos pelo interior da província: “Campos, Barra Mansa, Sapucaia, Cantagalo, Petrópolis, Vassouras, Paraíba do Sul, Cabo Frio, Nova Iguaçu, Itaboraí, São Fidélis e Itaocara” (ibidem, p.87). Diante disso, Albuquerque Júnior (1974, p.105) procura de- monstrar que a província do Rio de Janeiro “jamais esteve alheia ao desenvolvimento da campanha republicana; pelo contrário, bem longe de refratária às novas ideias, a Província desenvolveu uma intensa propaganda republicana”. Apesar das várias adesões e manifestações de apoio ao Manifes- to de 1870 e aos correligionários do Rio de Janeiro, os republicanos paulistas guardaram muitas e importantes diferenças com seus congêneres da capital. De imediato, os republicanos de São Paulo tiveram a preocupação de “dar um cunho eminentemente federa- tivo” ao partido que pretendiam fundar, guardando a “autonomia entre núcleos locais, entre estes e o provincial e entre este e o criado na Capital do Império, [o que] constituía o objetivo dos republica- nos” (Debes, 1975, p.9). As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 26As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 26 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 27 Segundo George Boehrer ([195-?, p.73), o êxito dos republica- nos paulistas deveu-se, antes de tudo, às sólidas estruturas parti- dárias baseadas nos municípios, contrastando com os republicanos do Rio de Janeiro, “que nunca conseguiram formar um partido sólido”(Carvalho, 1980, p.209). Ainda sobre a questão da estrutura partidária, Ângela Alonso (2002, p.153) parece esclarecer melhor a proeminência dos paulistas em detrimento tanto dos republicanos do Rio de Janeiro quanto dos partidos imperiais: A especificidade do republicanismo de São Paulo esteve na organização de clubes em vários municípios e na efetivação de uma estrutura partidária, com representantes locais, assembleias e regu- lamentos internos que deram ao Partido republicano local um sen- tido moderno, que o Liberal e o Conservador, estruturados a partir de chefes vitalícios, não possuíam e que seu congênere da Corte nunca logrou alcançar. Outros aspectos diferenciavam os republicanos paulistas e os do Rio de Janeiro. Esses dois núcleos republicanos apresentavam preocupações distintas: enquanto os republicanos do Rio de Janei- ro “refletiam preocupações de intelectuais e profissionais liberais, os paulistas refletiam preocupações de setores cafeicultores de sua província” (Carvalho, 1980, p.219). A República aparecia para os republicanos da capital como o regime das oportunidades políticas, que lhes eram vetadas pela política saquarema: enfim “um regime que anulasse privilégios es- tamentais e ampliasse a representação política abrindo espaço para negócios e candidaturas, [portanto] um programa político e não social” (Alonso, 2002, p.111). Ao contrário, [...] a principal preocupação dos paulistas não era o governo repre- sentativo ou direitos individuais, mas simplesmente a federação, isto é, autonomia provincial. Eles pediam o que fora a prática do libera- lismo do século XVII na Inglaterra, isto é, não a ausência de governo, mas o governo a serviço dos seus interesses. (Carvalho, 1980, p.209) As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 27As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 27 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 28 ANDERSON LUIS CAMELUCCI Essas diferentes posturas que se acentuavam em ambos os nú- cleos republicanos, ante uma mesma conjuntura histórica de crise do Brasil-Império, podem ser explicadas pela composição social dos partidos: nas fileiras republicanas da capital, a grande maioria dos membros do partido eram profissionais liberais – 63,15% con- tra 55,55% dos paulistas. Em contrapartida, os paulistas tinham um grande número de proprietários rurais em suas fileiras – 30,56% contra menos de 2% dos republicanos do Rio de Janeiro (Carvalho, 1980, p.214). Na Convenção de Itu, dos 133 congressistas, 78 eram “lavra- dores” (capitalistas) que formavam a “vanguarda do movimento”, o que facilitava a coesão de ideias que visava, acima de tudo, à au- tonomia provincial (federação), de modo a lhes facultar o direito de gerir seus próprios negócios sem a tutela do centralismo do Im- pério. Segundo o próprio Campos Salles, o PRP delimitava com precisão quem poderia participar das fileiras do partido: deveriam pertencer “ao mesmo meio social, com a mesma disposição de es- pírito e sentimentos e estar sujeitos às mesmas influências locais” (Salles, 1986, p.15). Diante desse contexto histórico, como o município de Franca reagiu ante o crescimento do republicanismo na província de São Paulo? Quais eram as relações dos republicanos de Franca com os seus congêneres paulistas? E ainda: que pontos os distanciavam ou aproximavam dos partidos monárquicos já constituídos no muni- cípio? As respostas para esses questionamentos podem direcionar para as experiências de República peculiares do município de Fran- ca, além de proporcionar o entendimento da transição do quadro político local no momento da mudança de regime. A princípio, um bom caminho para responder a essas questões é analisar de maneira acurada os números que Boehrer ([195-?]) for- nece quanto à distribuição dos republicanos em algumas cidades da província de São Paulo. Dessa maneira, os dados apresentados por Boehrer, quando comparados com a realidade de Franca, podem contribuir para o direcionamento das maneiras como Franca aderiu ao crescimento do republicanismo. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 28As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 28 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 29 Tabela 1 – Distribuição dos eleitores em algumas cidades da província de São Paulo Cidade Republicanos Conservadores Liberais Campinas 230 200 131 Amparo 122 160 95 Rio Claro 118 78 90 Casa Branca 34 80 105 Araras 40 10 40 Limeira 10 (6) 90 (89) 50 (39) Capivari 35 80 20 Porto Feliz 17 44 40 Mogi-Mirim 10 100 135 São Simão 15 (8) 35 (22) 90 (24) Ribeirão Preto 23 15 100 Atibaia 10 15 50 Tieté 16 110 47 Cunha 1 134 50 Socorro 5 58 50 Nazaré 0 21 20 Campo Largo 0 20 0 S. João da Boa Vista 30 55 60 S. José dos Campos 3 86 65 Piracicaba 58 (59) 59 103 Mococa 19 49 69 Cajuru 3 42 92 Batatais 4 44 112 Franca (freguesias) 20 155 260 Botucatu 41 79 51 Santa Bárbara 11 11 11 Fonte: Boehrer ([195-?], p.94). De acordo com os números da Tabela 1, os municípios que con- centram os maiores contingentes de republicanos são Campinas, Amparo, Rio Claro e Piracicaba. No entanto, esses números por si sós são insuficientes para demonstrar os motivos que levaram essas cidades a alcançar esse eleitorado republicano. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 29As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 29 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 30 ANDERSON LUIS CAMELUCCI No caso de Campinas, por esse período a cidade já conhecia um grande desenvolvimento econômico ocasionado pela expansão cafeeira que gradativamente se deslocava do Vale do Paraíba para o Oeste da província. Em 1870, a produção de café do municí- pio ficava em torno de “1.300.000 arrobas” (Lima, 1986a, p.29). Segundo Lima (1986a, p.29), as riquezas do café possibilitaram “modificações em todos os setores da vida da cidade; sintomas de modernização eram visíveis, numa manifestação do espírito aberto e receptivo às inovações da gente do Oeste paulista”. Ainda segundo Lima (1986a, p.30), o desenvolvimento eco- nômico da cidade alavancou “o progresso intelectual” fornecendo a Campinas “condições de modernização capazes de transformar a cidade no principal núcleo urbano regional, polo de concen- tração de ideias e aspirações e ao mesmo tempo disseminador do progresso”. A disseminação das “ideias e aspirações” ficou por conta do jor- nal local Gazeta de Campinas que, fundado em 1869, ainda contava com a colaboração de eminentes republicanos como Campos Sales, Francisco Glicério, Américo Brasiliense e Francisco Quirino dos Santos. O jornal era apoiado pelo “1° Diretório do Partido Repu- blicano de Campinas” e seguia uma linha que consistia “no ataque ao Império, procurando acentuar as vantagens que a República traria para o país”, bem como defendia os interesses dos fazendeiros locais em pontos importantes, como transporte, crédito agrícola e mão de obra (ibidem, p.34). Segundo Bilac (1995, p.48-9), “as ideias republicanas em Rio Claro já eram fortes desde a década de 1870” quando os líderes dos partidos monárquicos “não deixaram seguidores, seja pelo encer- ramento da carreira política, seja pela morte dos líderes de expres- são”. Os republicanos fundaram o Partido Republicano Rio-cla- rense em 1872 e, nesse mesmo ano, conseguiram ganhar as eleições municipais, coroando a hegemonia dos republicanos até o fim do regime monárquico. Quando se proclamou a República, “eram os líderes republi- canos que ocupavam os quadros políticos municipais” (ibidem). As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 30As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 30 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 31 Bilac (1995, p.56) credita o êxito de Rio Claro na “participação política no movimento republicano” a dois fatores: a proximidade do município com os grandes centros do republicanismo do estado (Campinas e Piracicaba) e as ligações dos republicanos locais com os expoentes do PRP como Campos Sales e Manoel de Moraes Barros. Segundo Dean (1977, p.15), o município de Rio Claro foi “tea- tro de transições importantes: do regime colonial para o de sesma- rias, do Império para a República (sua sede foi uma das primeiras a criar um diretório do Partido Republicano) e da escravatura para o trabalho livre”. Piracicaba também aparece em destaque na Tabela 1, congre- gando um número considerável de republicanos e se transforman- do – como afirma Bilac (1995) – num dos grandes centros do re- publicanismo da província de São Paulo. Essa condição alcançada por Piracicaba se deve, em grande medida, à influência da família Moraes Barros que, além de Manoel de Moraes Barros, contava também com outro eminente republicano, Prudente de Moraes.5 Outro ponto importante que pode contribuir para o entendi- mento das especificidades do republicanismo no município de Franca diz respeito à análise das cidades que participaram do Pri- meiro Congresso Republicano na cidade de São Paulo,6 em julho de 1873. Nesse caso, vale a pena mencionar as 29 localidades: capital, Santos, Jundiaí, Belém de Jundiaí (Itatiba), Campinas, Limeira, Rio Claro, Mogi-Mirim, Penha de Mogi-Mirim (Itapira), São João da Boa Vista, Piraçununga, Patrocínio das Araras (Araras), Piraci- caba, Porto Feliz, Itu, Indaiatuba, Sorocaba, Itapetininga, Botuca- tu, Jaú, Brotas, Bragança Paulista, Amparo, Serra Negra, Atibaia, 5 Prudente de Moraes, apesar de ter nascido em Itu, iniciou-se na vida política no município de Piracicaba, sendo eleito vereador e presidente da Câmara desse município entre 1865 e 1868, antes, porém, de se filiar ao PRP no em 1876. 6 Esse congresso foi o primeiro depois da Convenção de Itu. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 31As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 31 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 32 ANDERSON LUIS CAMELUCCI Cotia, São José dos Campos, Paraibuna e Taubaté (Brasiliense, 1978, p.115-7). A grande maioria desses municípios pertencia à região deno- minada “Oeste Paulista”. Segundo Emilia Viotti da Costa (1999, p.480), a preponderância “dos elementos do Oeste Paulista” vem “confirmar que, para estes, o ideal republicano era um instrumento na realização de suas aspirações de mando”. A autora ainda caracte- riza a importância do Oeste Paulista para a difusão do ideal republi- cano: “o caráter pioneiro, a mobilidade social, a prosperidade cres- cente favoreciam a difusão das ideias novas [...]” (ibidem, p.481). Zimmermann (1986, p.38) afirma que será do Oeste Paulista que “sairão os homens representativos do PRP”: Primeiro, o da representatividade interna, isto é, as regiões onde existiam clubes ou mesmo partido republicano local e políticos escolhidos nessas regiões para representá-los nos Congressos do Partido. [...] Segundo, o da representatividade política, isto é, os políticos que se tornaram lideranças no partido, aqueles que mais atuavam, constantemente lembrados para representar o partido nas Casas Legislativas, e que também de destacavam no âmbito interno do mesmo, conseguindo impor sua ação. As cidades que apresentam os maiores contingentes de republi- canos são, em grande medida, integrantes dessa lista que participou do Congresso do Partido Republicano Paulista na cidade de São Paulo, como é o caso de Campinas, Amparo, Araras, Porto Feliz, Piracicaba, Botucatu e São João da Boa Vista. Portanto, pode-se dizer que são cidades de um republicanismo “histórico”. Essa cons- tatação pode ser um indício de que as “ideias republicanas” já eram discutidas nesses municípios, e, assim como ocorreu em Campinas e Rio Claro, por intermédio de chefes republicanos de destaque na política provincial, essas cidades reuniram condições de se or- ganizar como partido político de forma mais sistemática, de modo As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 32As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 32 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 33 a dar vazão e unidade aos princípios que o Partido Republicano Paulista propugnava. No caso de cidades que ficavam no “Novo Oeste Paulista”, na região de Ribeirão Preto, “a campanha republicana foi intensa”, principalmente no município de São Simão. Contudo, a fundação de um Partido Republicano organizado ocorreu em um período posterior, diferentemente do que aconteceu com os municípios de Rio Claro e Campinas. Segundo Godoy (2000), o Partido Repu- blicano de São Simão7 foi fundado em 6 de fevereiro de 1885 “em reunião presidida por Francisco Glicério”, um dos líderes republi- canos da grei paulista. Deve-se também destacar a presença, no município de São Simão, do líder republicano Rodolfo Miranda, que mais tarde ocu- pará o cargo de membro “permanente da Comissão Diretora do PRP de 1917 a 1930”, contribuindo, contudo, “com as dissidências perrepistas de 1895, 1901 e 1906” (ibidem, p.140-1). 7 Em 1888, a Câmara Municipal de São Simão, por intermédio do seu presi- dente, Manoel Dias do Prado, manifestou apoio aos vereadores da Câmara de São Borja no Rio Grande do Sul quando da aprovação de uma moção que pedia a convocação de uma constituinte para deliberar sobre a sucessão do trono no caso de morte do Imperador: “que a Câmara Municipal de São Simão, trilhando o caminho constitucional e certa de que interpreta os sentimentos de seus munícipes e de todos os cidadãos que se interessam pelo engrandecimento do Brasil, manifeste o desejo de ser consultada a Nação acerca da disposição do artigo 4° da Constituição, que está contido nas suas atribuições ex-vi do artigo 58 da sua lei orgânica, a 1° de outubro de 1828. Sala de Sessões, 31 de janeiro de 1888” (Pessoa, 1983, p.187). Segundo relato do republicano Rodolpho Miranda, os vereadores da Câmara de São Simão, por terem prestado seu apoio à moção da Câmara de São Borja, foram reprimidos pelo chefe do Partido Conservador, barão de Cotegipe, que “mandou meter sub judice os vereadores de S. Simão, chamando para substituí-los a câmara anterior. Esse ato de vio- lência produziu o efeito que era esperado: inspirou certo pavor nos municípios comprometidos”, produzindo, acima de tudo, “um certo desfalecimento entre os republicanos, máxime quando os conservadores que estavam no poder e tinham as autoridades policiais em suas mãos, iniciaram o seu trabalho de per- seguições, chegando os mais exaltados a ameaçar os vereadores processados com a forca, o que aterrorizou as respectivas famílias” (Senado do Estado de São Paulo – sessão de 20.08.1925 apud Lang, 1995, p.78). As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 33As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 33 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 34 ANDERSON LUIS CAMELUCCI No município de Uberaba – que tinha ligações comerciais com Franca8 –, a campanha republicana se intensificou apenas a partir de 1889, em certa medida pelo fato de “a mocidade uberabense” ter se afeiçoado com a República e aos poucos cerrado “fileiras em torno deste ideal, a que se apressaram em agregar muitos políticos velhos dos partidos liberal e conservador” (Pontes, 1978, p.130). De acordo com Hildebrando Pontes (1978, p.130), “a propaganda já se fazia abertamente em quase todas as reuniões populares” e foi impulsionada quando o conde d’Eu visitou a cidade no mesmo dia em que um grupo de “jovens uberabenses” fundou o Clube Repu- blicano 20 de Março (ibidem). No município de Franca e nas suas freguesias, os republicanos também se fizeram presentes. O número de vinte eleitores repu- blicanos alistados em 1881 no município de Franca e freguesias necessita de uma análise mais acurada para demonstrar as espe- cificidades do quadro político local na última década do Império. Num primeiro momento, é preciso salientar que, apesar de esse número colocar Franca acima de cidades como Porto Feliz, Tietê, São Simão, Mogi-Mirim, Limeira, entre outras, também é necessá- rio atentar à contraparte monarquista que esse número representa. Os conservadores aparecem como a grande maioria entre os eleitores do município com 256 votantes, seguidos pelos liberais com 155. A soma dos eleitores dos três partidos perfaz um total de 431 pessoas, cabendo aos republicanos 4,64% do eleitorado do mu- nicípio. Essa porcentagem, contudo, é bem inferior àquela aponta- da por Debes (1975, p.115) para a província de São Paulo para o ano de 1885, indicando que o eleitorado republicano naquele momento perfazia 17,69%. 8 Tosi (2002, p.85) afirma que, “do ponto de vista das transformações proporcio- nadas sob o regime da cafeicultura, a cidade [Franca] exerceu, de 1865 a 1915, uma larga influência sobre os domínios da antiga Freguesia da Franca, tanto no território paulista quanto no mineiro, fazendo convergir para a cidade e, mais precisamente, para as estações da ferrovia a produção cafeeira e de ‘gêneros do paiz’, tendo a cidade, sobretudo, agido como um entreposto de bens até então inacessíveis, que passaram a se difundir por um mercado regional”. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 34As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 34 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 35 Quadro 2 – Participação dos municípios nos congressos republicanos Cidades Congressos (anos) Campinas 72-Itu–73-74-78-80-81-83-87-88-89 Rio Claro 73-74-78-80-81-87-88-89 Amparo 72-Itu-73-74-78-80-81-83-87-88-89 Casa Branca 78-80-81-83-87-88-89 Araras 73-74-83-87-88-89 Limeira 73-74-78-80-83-87-88-89 Capivari Itu-73-74-80-81-83-87-88-89 Porto Feliz Itu-73-74-81-83-87-88-89 Mogi-Mirim Itu-73-74-78-80-81-83-87-88-89 São Simão 87-88-89 Ribeirão Preto 81-87-88-89 Atibaia 73-74-78-80-83-87-88-89 Tietê Itu-81-87-88-89 Cunha 87-88-89 Socorro 83-87-88-89 Nazaré – Campo Largo – S. João da Boa Vista 73-74-78-80-81-87-88-89 São José dos Campos 73-74-87-88-89 Piracicaba Itu-73-74-78-80-81-83-87-88-89 Mococa 78-80-87-88-89 Cajuru 78-80-87-88-89 Batatais – Franca 81-83-87-88-89 Botucatu Itu-73-74-81-87-88-89 Santa Bárbara 83-87-88-89 Fonte: Adaptada de Lang (1995, p.128-32). Nesse quadro, para uma melhor compreensão, foram seleciona- dos os mesmos municípios presentes na Tabela 1, quando, por in- termédio dos dados fornecidos por Boehrer ([195-?]), demonstrou- -se a distribuição dos eleitores segundo suas filiações partidárias. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 35As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 35 14/02/2012 20:45:4414/02/2012 20:45:44 36 ANDERSON LUIS CAMELUCCI Dessa forma, cruzando os dados da Tabela 1 com os dados refe- rentes do Quadro 2, percebe-se, pelos menos em sua grande maio- ria, que os municípios que concentram grandes contingentes de republicanos foram aqueles que tiveram participação ativa desde os primórdios da propaganda, organizando clubes ou mesmo partidos republicanos, o que lhes possibilitou o envio de delegados aos con- gressos republicanos.9 Os municípios de Campinas, Amparo, Rio Claro, Piracicaba, Capivari, Botucatu e São João da Boa Vista concentraram grandes contingentes de republicanos, ao mesmo tempo que tiveram uma participação de longa data nos congressos republicanos na provín- cia de São Paulo. No entanto, essa relação que envolve a participa- ção nos congressos e o número de republicanos nos municípios não se constitui numa regra, em razão das especificidades da propagan- da republicana em cada município. Em municípios como Ribeirão Preto, São Simão, Patrocínio do Sapucaí – antigo distrito de Franca e que participou dos congressos em 1887, 1888 e 1889 – e Franca, nos quais não houve uma grande concentração do número de republicanos, a propaganda republi- cana pode ter começado de forma mais intensa a partir da década de 1880, já que a participação desses municípios nos congressos republicanos começa nesse período. Segundo informações do jornal O Nono Districto (30.7.1882, p.1), o Partido Republicano de Franca foi fundado no início da década de 1880 – a julgar pela primeira participação de Franca nos congressos republicanos, em 1881, essa informação parece bastante 9 Segundo Lang (1995, p.31), a participação dos municípios paulistas nos con- gressos republicanos foi crescendo gradativamente ao longo dos anos, o que pode ser um importante indicador de que a propaganda republicana foi bem recebida pela província paulista. Se, em 1873, estiveram presentes apenas 29 municípios dos 89 existentes na província, correspondendo a aproximada- mente 32,5%, eram, em 1874 e 1878, 36 localidades representadas. Em 1887, participaram 66 municípios, representando 60% dos 110 já existentes; nos congressos de 1888 e 1889, o número de alcançou a marca de 67. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 36As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 36 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 37 crível – por Jacintho Moura.10 O Partido também contava com seu orador, Fernando Vilela de Andrade (O Nono Districto, 26.4.1884, p.1). Dentre os republicanos de Franca, o único que conseguiu ocu- par um cargo na política local foi Francisco Lucas Brigagão, eleito vereador em 1882 (O Nono Districto, 9.7.1882, p.3). No entanto, o Partido Republicano de Franca conseguiu sedi- mentar alianças políticas com os partidos monárquicos locais. Essas alianças propiciaram aos republicanos de Franca a participação na política local, visto que sozinhos não alcançariam tal condição, já que com um contingente eleitoral reduzido não poderiam fazer frente aos partidos monárquicos. Em Franca, a propaganda republicana se intensifica a partir de 1886, quando surge o jornal oficial do Partido Republicano de Franca, intitulado O Tiradentes. No ano seguinte, surge outro jor- nal republicano, A Sentinela (cf. Evangelista, 1990, p.43).11 Ambos os jornais desferiam violentos ataques ao segundo reinado, o que também pode caracterizar o posicionamento dos republicanos de Franca no final do Império: 10 É difícil saber qual foi a influência do republicano Jacintho Moura no muni- cípio de Franca. O certo é que, nas eleições provinciais de 1883 quando foi candidato pelo nono distrito, Moura nem foi lembrado pelos eleitores republi- canos de Franca. O único candidato republicano agraciado pelos francanos foi Martinho Prado Júnior que recebeu apenas seis votos. Ao que parece Moura era candidato republicano “independente”, ou seja, não tinha sua candidatura referendada pelo PRP, que, no nono distrito eleitoral, apoiava o republicano Martinho Prado Júnior. Por isso mesmo, Moura tomava certos posicionamen- tos que diferiam da conduta do PRP, como a referente à escravidão. A circular publicada no jornal O Nono Districto (1º.10.1883) expressa a sua posição sobre o assunto: “Com relação à questão do elemento servil que hora preoccupa os mais sérios espíritos minha posição é de – Abolicionista. E aqui não falla em mim o sentimento em nome de impulsos do coração, falla, sim, a convicção que me há resultado de um estudo criterioso e de uma meditação profunda com vistas, antes de tudo, aos grandes interesses sociaes implicados nos negó- cios da escravidão entre nós”. 11 Segundo informações do jornal O Francano (9.11.1888, p.2), o redator de A Sentinela era o jornalista Adolpho Santos. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 37As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 37 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 38 ANDERSON LUIS CAMELUCCI A monarquia quer mais dinheiro. Quer... E quer. Não dá satis- fações? Mas, a quem? O povo, esse fidelíssimo povo brasileiro é um animalzinho manso, paciente, inofensivo, uma verdadeira ovelha e os homens do governo tem a tesoura na mão. Podem tosquiar a vontade! Mas, acautelai-vos, ó corja de perdulários! Ó sanguessugas cru- éis! Ó ladrões! Bem pode ser que o tenro animalzinho, que a ovelha inofensiva se transforme de repente em leão corajoso e vingador. Se não nos enganamos, já está se transformando: as câmaras munici- pais dirigem-se aos poderes competentes e protestam altivamente contra a escandalosa ladroeira... A monarquia quer dinheiro? Quer? Pois vá querendo. Estamos cansados de aturar uma forma de governo que, sobre muito cara não presta pra nada. Queremos um governo bom e barato! Queremos a República! Viva a Republica! (A Sentinela, 30.9.1888 apud Evangelista, 1990, p.43-4) Esse “fervor republicano-revolucionário” presente no artigo de 1888 coincide com os períodos de desenvolvimento do republica- nismo no Brasil. O Manifesto de 1870 seguiu a esteira da política imperial, afastou de seu programa a via revolucionária e utilizou autores que fizeram parte do repertório intelectual dos conservado- res para justificar as principais ideias do Manifesto (Alonso, 2002, p.180). Não é sem razão que o Manifesto logo no seu início procurava esclarecer a linha de conduta que os republicanos se utilizariam para divulgar suas ideias: [...] “não é nossa intenção convulsionar a sociedade em que vive- mos. Nosso intuito é esclarecê-la” utilizando, contudo, “as armas da discussão, os instrumentos pacíficos da liberdade, a revolução moral, os amplos meios do direito, postos ao serviço de uma convicção sincera, bastam, no nosso entender, para a victória da nossa causa, que é a causa do progresso e da grandeza de nossa pátria”. (Pessoa, 1970, p.409, destaque do autor) As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 38As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 38 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 39 Nesse sentido, em sua maioria, os principais signatários do Ma- nifesto de 1870 procuraram fazer com que o ideal de República se- guisse uma linha de ação partidária que contemplasse o “evolucio- nismo político” contido nas páginas do próprio Manifesto de 1870. Essa posição política era referendada por intermédio dos seus discursos: “Os republicanos do Brasil têm, sobretudo assentados o seu plano em uma base que a revolução pacifica, a revolução das idéias, calmos e tranquilos aguardam firmes o futuro [...]”(Salda- nha Marinho apud Pessoa, 1983, p.138). Mas se acaso há da parte de alguns correligionários o intuito de determinar ao partido um caminho diverso daquele que lhe foi traçado pelo Manifesto de 1870, transportando-o do campo da discussão e da propaganda pacífica para o campo da revolução armada, fazendo-o abandonar as armas da persuasão e da influên- cia moral para substituí-la pelo facho incendiário da discórdia civil e da guerra fratricida, então assuma quem quiser, não eu, essa res- ponsabilidade perante o país e perante a História. (Quintino Bocai- úva apud Pessoa, 1983, p.139) Na província de São Paulo até 1888, o Partido Republicano Paulista deu continuidade à ação política pautada no “evolucio- nismo”. Posteriormente, o PRP cogitou uma mudança de atitude ante a morosidade em que os acontecimentos caminharam, alte- rando “sua tática, passando à ação perturbadora da ordem pública” (Debes, 1975, p.75). No entanto, ainda segundo Pessoa (1983, p.169), a linha política de ação revolucionária, “desejosa de uma maior atuação junto ao povo mediante conferências, comícios ou outros meios de divulga- ção”, adquiriu força quando Silva Jardim se engajou na propaganda republicana a partir de 1888, presidindo uma série de conferências por todo o Brasil cujo principal objetivo era a condenação do “Ter- ceiro Reinado”. Mesmo em menor número, muitos signatários do Manifesto de 1870 cobravam uma “maior participação dos republicanos nos As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 39As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 39 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 40 ANDERSON LUIS CAMELUCCI movimentos de expressão popular”. Lopes Trovão asseverava que entre os signatários do Manifesto existiam “facções intermedia- rias”: a primeira liderada por Ubaldino do Amaral que “confe- derava os evolucionistas aos evolucionistas-revolucionários”, e a segunda, liderada pelo próprio Lopes Trovão que “concatenava os evolucionistas-revolucionários aos revolucionários” (Pessoa, 1970, p.177). Essa divisão no que diz respeito às linhas de ação política por parte dos fundadores do Manifesto de 1870 fez com que Pessoa (1970, p.177) chegasse à conclusão da não existência de “unidade quanto ao encaminhamento que deveria ser dado para se alcançar o objetivo principal, ou seja, a derrubada da monarquia”. Nesse caso, os republicanos de Franca poderiam se enquadrar, com base no teor do artigo publicado e em seu ano de publicação, 1888, no que fora uma tendência no interior da propaganda a partir de então, implementando uma propaganda republicana mais agres- siva e incisiva contra o regime monárquico. No que diz respeito à conclusão de Pessoa, da não existência de unidade que pudes- se viabilizar o principal objetivo dos republicanos signatários do Manifesto de 1870 que era a derrubada da monarquia, em Franca poderemos analisar tanto a “veracidade” dessa unidade quanto se a extinção do regime monárquico também fazia parte dos objetivos dos republicanos locais. As experiências de República nas alianças político-eleitorais A partir de agora passaremos a analisar as relações dos republi- canos de Franca com os conservadores e liberais, vislumbrando os momentos e as estratégias que visavam ao seu fortalecimento polí- tico dentro do município. Essas alianças se davam, em sua maioria, nos momentos de disputas eleitorais, objetivando tanto as trocas de favores políticos quanto o modo como os republicanos ascendiam no interior da política local. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 40As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 40 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 41 Os republicanos de Franca apareciam em número reduzido quando comparados aos partidos monárquicos, e essa condição de inferioridade numérica os forçava, na maioria das vezes, a buscar alianças políticas que lhes facultassem uma certa proeminência no âmbito da política local. Essas alianças políticas eram vistas muitas vezes de uma forma negativa por parte de alguns políticos, já que, para muitos, os republicanos de Franca perdiam sua “identidade” e seus princípios como movimento partidário que lutava – pelos menos na teoria – para derrubar o regime monárquico. Contudo, as alianças políticas não eram privilégio apenas dos republicanos fran- canos, ocorrendo em praticamente toda a província de São Paulo. O artigo apresentado a seguir indica como eram as relações dos republicanos com os partidos monárquicos no âmbito da política local: Alguns indivíduos, e entre elles o sr. Francisco Lucas Brigagão chefe do partido republicano d’esta cidade assistiram a reunião conservadora effectuada no domingo, 23, em casa do honrado sr. tenente-coronel José Garcia Duarte. [...] Os republicanos não deveriam ir lá, embora convidados, como não foram os liberaes. Não deveriam ir, em primeiro logar, porque um abysmo separa os conservadores dos verdadeiros republicanos, isto é, dos que tem firmes crenças republicanas. Não deveriam ir, em segundo lugar, porque corria, com certo fundamento, o boato de que na reunião assentar-se-hia o plano de assalto a typografia d’O Nono Districto, folha profundamente democrática, e de agressão aos redactores, cujas idéias são bem conhecidas. [...] Mas os republicanos foram ao pagode conservador e ultra- montano! (Defende os seus amigos se é capaz sr. Martinho Prado Junior!) (O Novo Districto, 30.4.1882, p.2 – grifo nosso) As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 41As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 41 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 42 ANDERSON LUIS CAMELUCCI Além de criticar a incoerência política da reunião que congre- gava partidos de lados opostos no que diz respeito às suas ações políticas, o artigo termina colocando em dúvida a existência do partido republicano de Franca. O artigo questiona, além do com- portamento político dos republicanos, devido à sua presença em uma reunião de políticos conservadores, a linha de ação partidária do partido dentro do seu principal objetivo, que era justamente a implantação da República. Já o próximo texto parte do pressuposto de que, para a implan- tação do regime republicano ou, em outras palavras, para militar em um partido que almeja tal feito, tem-se primeiro que saber “o que é republica”, pois, segundo o artigo, “não há entre vós [republicanos] um que conheça os deveres do republicano!”. Nesse caso, a crítica do jornal cabe não só ao saber “teórico” dos republicanos em rela- ção ao regime que almejavam construir, mas também se os repu- blicanos de Franca vivenciavam uma experiência de República que tornasse possível direcionar suas atitudes como partido organizado: Nunca acreditamos na existência do partido republicano n’esta cidade; mas se ingenuamente houvéssemos acreditado, hoje esta- ríamos convencidos de que tal partido não existe. O que existe é um grupo insignificante de indivíduos, que, por despeito, por economia ou por qualquer motivo indecoroso, se dizem republicanos. Se fossem como os de Franca todos os republicanos brazileiros, daqui a cinco mil annos a Republica seria a forma de governo do Brazil [...]. Não há entre vós um que saiba o que é republica; não há entre vós um que conheça os deveres do republicano! Não continueis, portanto, a comprometter uma idéia elevada e grandiosa, declarai-vos francamente conservadores, pois cascudos sois. (ibidem – grifo nosso) Nesse ponto é interessante analisar como questões de âmbito local atingiram maior amplitude, passando a envolver os grandes As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 42As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 42 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 43 chefes políticos provinciais. No artigo referido, o articulista, chefe do Partido Liberal de Franca, Francisco Barbosa Lima, ao criticar a postura do republicano Francisco Lucas Brigagão, sentenciava: “Defende seus amigos se é capaz sr. Martinho Prado Junior!”. Em 28 de junho de 1882, na coluna “Secção livre” de A Provín- cia de São Paulo, Martinho Prado Júnior (um dos chefes republi- canos do nono distrito eleitoral da província de São Paulo) saía em defesa do republicano de Franca: Sem nos envolvermos na luta pessoal que ora assoberba os âni- mos na cidade da Franca: sem ressentimentos pessoaes ou outro qualquer móvel que nos arredem da mais perfeita imparcialidade, precisamos, comtudo, de contrariar algumas increpações que hão sido atiradas aos nossos correligionários e amigos d’aquella locali- dade, pelo sr. Francisco Barbosa Lima. [...] S.s os censuras por andarem, aredados dos liberaes, e, no entanto, é o primeiro a censurar os seus correligionários, dizendo que não são liberaes que não pugnam por princípios, chegando a confessar, ainda há poucos dias, que se fosse eleitor no 4° districto moveria guerra aberta ao sr. Paula Souza, por ter feito parte de um governo que nada symbolisa. Si são assim os liberaes, como s.s o diz com inteira e franca res- ponsabilidade, como quer que os republicanos prestem seu apoio a taes homens e governo? S.s chama de republicanos sinceros os de outras províncias que apóiam o governo, e, apesar de liberal, estigmatisa-o dizendo que está sacrificando o partido, nada representa perante os princípios. Martinho Prado Júnior, para justificar o distanciamento polí- tico entre liberais e republicanos no município, e seu consequente apoio aos conservadores, utiliza-se dos mesmos argumentos de Francisco Barbosa Lima. Nesse sentido, Martinho Prado argu- menta que, à medida que o governo liberal torna-se incoerente com As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 43As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 43 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 44 ANDERSON LUIS CAMELUCCI o programa do partido (como veremos adiante, a incoerência do Partido Liberal na província vai fazer com que os liberais de Franca se abstenham das eleições municipais) e recebe críticas do mesmo Barbosa Lima, como os republicanos prestariam apoio “a taes ho- mens de governo”? É interessante ressaltar que essa quebra de convicções que fez parte do cotidiano dos partidos monárquicos está no contexto de crise do Brasil-Império. Durante a consolidação do Império brasileiro, além da origem social, já que ambos os partidos estavam vinculados à grande pro- priedade, outros fatores foram responsáveis pela homogeneidade da elite imperial: ensino superior, ocupação (principalmente no emprego público) e “proteção familiar”. Esses fatores restringiam o acesso aos cargos políticos somente àqueles indivíduos que perten- ciam “ao clube”: dos 256 cargos políticos ocupados nos 67 anos de Império – 235 senadores, 219 ministros e 72 conselheiros –, passa- ram apenas 342 indivíduos (Carvalho, 1980, p.127). Contudo, essa “unidade de convicções” que propiciou a longa duração do Império chegava ao fim e com ela o consenso intraelite. Daí o porquê das críticas do liberal francano Francisco Barbosa Lima à atuação do próprio partido na província de São Paulo. Fatores de ordem política, na maioria das vezes, explicam a aproximação entre republicanos e conservadores.12 Essa aproxi- mação resultava em um apoio mútuo entre ambos os partidos nas pugnas eleitorais, como destaca Célio Debes (1975, p.86): 12 Zimmermann (1986, p.53) aponta duas razões que podem explicar o distan- ciamento de republicanos e liberais: a primeira é que, entre 1878 e 1887, o Partido Liberal era governo, e, por isso, o PRP sempre evitou fazer alianças com o governo, o que poderia comprometer “os princípios republicanos” que tinham como cerne o federalismo e o combate ao governo centralizador do Império. A segunda razão “é que uma aproximação entre ambos poderia fazer com que o programa republicano fosse identificado com o liberal, visto a proximidade de propostas, e com isso o partido republicano corria o risco de nulificar-se [...]”, além do que “as simpatias entre republicanos e conservado- res poderiam trazer benefícios eleitorais (como de fato ocorreu) sem o risco de identificação de programas”. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 44As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 44 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 45 Os ajustes entre eleitores de facções diversas objetivando a troca de votos, favorecendo os candidatos com maiores probabilidades de êxito em paróquias diversas. Onde o candidato de um dos partidos fosse o preferido de eleitorado, receberia os votos de seu adversário, melhor colocado em outra localidade, dando-lhe em troca, através dos eleitores de seu Partido nesta paróquia, apoio idêntico. Era, na verdade, um intercâmbio de votos em que se beneficiavam as preeminências dos grupos em disputa, com o alijamento de seus companheiros de chapa despidos de expressão eleitoral. A prática era generalizada e o tráfico de votos ocorria entre republicanos e monarquistas e, igualmente, entre liberais e conservadores. “O tráfico de votos” descrito por Debes entre monarquistas e republicanos nos vários distritos eleitorais da província também era uma prática comum no município de Franca: O candidato menos votado na eleição de 1° de dezembro n’esta freguezia foi, o dr. Martinho Prado Junior. O ilustre republicano teve apenas 3 votos. Deve, porem, orgulhar-se desse três votos que lhe foram dado com toda a espontaneidade, com a convicção que só sabe inspirar a verdadeira democracia. O candidato republicano não implorou votos e limitou-se a dirigir a sua brilhante circular aos eleitores seus correligionários. E estes perseguidos pelos saltimbancos da monarchia difficil- mente resistiram aos guisos e as lantejoilas imperialistas. Três cidadãos honestos, republicanos sinceros e rígidos ficaram firmes perante os pinches dos arlequins. Os outros, o próprio presidente do Club Republicano lá se mis- turam com a turba dos servos da monarquia. (O Nono Districto, 6.12.1884, p.1-2 – grifo nosso) Esse artigo denota, além das alianças políticas no período elei- toral, a instabilidade do Partido Republicano de Franca em um período importante do PRP na província de São Paulo, que con- As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 45As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 45 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 46 ANDERSON LUIS CAMELUCCI sistia nas disputas eleitorais, em que o partido teria a oportunidade de medir forças com os partidos monárquicos, visando, na maioria das vezes, não apenas à vitória nos pleitos eleitorais, mas também à “popularidade” no interior da província, visto que se poderia avaliar a dimensão da propaganda republicana, que era feita por meio de manifestos, comícios, meetings, enfim por intermédio do proselitismo do partido. Zimmermann (1986, p.44) explica o papel das eleições para o PRP: [...] significativo o papel das eleições para se entender a estratégia do PRP, porque este entendia que na ocupação de cargos eletivos estava a forma de se atingir os objetivos desejados por ele, ou seja, pretendia realizar as reformas necessárias através de mudanças nas leis. Isso demonstra, mais uma vez, a postura republicana em rea- lizar suas propostas sem a radicalização, mantendo a ordem e a moderação. Zimmermann (1986, p.54) ainda destaca que a atuação dos re- publicanos paulistas no Legislativo foi marcada por discussões de duas temáticas: a econômica refletia a “preocupação em agilizar a produção do setor mais rico da economia paulista” que era a pro- dução cafeeira, e a política apresentava o sentido “de colocar a pro- víncia como agente direto organizador de sua administração e não dependente do governo central”. Em artigo publicado no jornal A Província de São Paulo (14.1.1882 – grifo nosso), podemos perceber os ajustes eleitorais que envolviam conservadores, liberais e republicanos, agora no nono distrito eleitoral da província de São Paulo: Vamos ao 9 Distrito. No 1 escrutínio tiveram o dr. Antônio Cintra 699 votos e o dr. Brasílio 534, no segundo aquele 750 e este 679, isto é, o sr. Cintra mais 51 e o senhor Brasílio mais 145 votos. As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 46As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 46 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 47 Cumpre ainda notar que o sr. Dr. Martinho Prado, nesse escru- tínio, teve alguma votação conservadora, por afeição, sendo esses votos acrescidos ao dr. Cintra no segundo. Como pois se tem o desembaraço de escrever que o sr. Cintra teve no segundo escrutínio 150 votos republicanos (interrogação). Donde saíram os 145 que teve o sr. Brasílio no segundo escrutí- nio, além da votação obtida no primeiro (interrogação). Quem ignora que o senhor Brasílio teve cerca de 40 votos repu- blicanos em S. João da Boa Vista, 21 em Casa Branca, 22 no Sape- cado, assim como muitos em Santa Rita, Franca, Cajuru, e outros pontos, votos dados ostensivamente (interrogação). Os algarismos provam, portanto, à sociedade, que poucos votos republicanos, e só de afeição, teve o sr. Cintra, que, cumpre lem- brar, obteve no 1o escrutínio 165 votos mais que o sr. Brasílio. A respeito da eleição provincial, é notório no nono distrito, que os liberais deram sua votação principalmente ao sr. Bourroul e tam- bém ao sr. Prado Júnior, com o propósito de prejudicar ao ilustre sr. Dr. Pereira da Cunha, cuja não eleição resultou desse fato e de ser a votação conservadora, do lado do sul, mais concentrada, mais concentrada no Dr. Antonio Correa, ali residente e mais relacionado. No interior da política francana, os acordos eleitorais também eram comuns como se depreende do artigo apresentado a seguir: Qualifica o senhor Brigagão de intolerante em política!... É uma heresia que não perdoaremos jamais S.S. Intolerante nós, que ainda por ocasião da eleição da actual Câmara Municipal o (procuramos?) e incluímos na chapa liberal?!... E S.S. sabe que se não foi eleito deve-o a não se conhecer bem, a ter interpretado mal o nosso sincero e leal procedimento. Sup- poz que precisávamos dos votos de seus parciaes, empavezou-se, suppoz-se indispensável e começou por deitar importância. Depois disto, veio uma outra circunstancia que concorreu para alterarmos o nosso plano. O Sr. Brigagão e os seus co-religionarios declarando não votarem nos demais candidatos da chapa liberal sonharam uma As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 47As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 47 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 48 ANDERSON LUIS CAMELUCCI liga com conservadores e pretenderam fazer descer o presidente da Republica francana, à cadeira de presidente da Câmara municipal. Assim obrigou-nos a excluil-o da chapa a ultima hora, deixando reduzido aos 20 votos que pode obter. [...] Intolerante nós, que ainda na última eleição para deputados provinciaes, ao passo que seus parciaes estavam votando no candidato conservador, auxiliá- vamos lealmente a eleição do seu candidato republicano?![...] Intolerante nós que sem podermos obter um só voto republicano para o candidato liberal, quer no primeiro, quer no segundo escru- tínio, conseguimos votos liberaes não só para o republicano, como para o candidato ultramontano? (O Nono Districto, 24.6.1882, p.2 – grifo nosso) Por meio desse artigo, pode-se apreender como eram construídas as alianças políticas que envolviam os republicanos no município de Franca. Os republicanos procuravam construir alianças com os par- tidos com o intuito de alcançar participação na vida política do mu- nicípio. No caso do referido artigo, o republicano Francisco Lucas Brigagão procurou, num primeiro momento, ser incluído na chapa liberal com o fim de eleger-se vereador com os votos dessa chapa. Na medida em que foi excluído da chapa liberal por divergências entre seus correligionários e os liberais, procurou uma aproximação com os conservadores, visto que seu eleitorado republicano não tinha força política suficiente para lhe garantir a vitória nas urnas. Esse episódio que marcou a política local já havia sido presencia- do nas eleições para deputados provinciais em São Paulo. Segundo Debes (1975, p.83), nas eleições de 1876, “o Partido Liberal dando curso a uma prática por ele instituída, procedera à eleição prévia para escolha de seus candidatos”, entre os quais figurava Américo Brasiliense, chefe do Partido Republicano Paulista. Apesar de ser incluído na chapa do Partido Liberal, Brasiliense manteve-se fiel aos seus princípios: “nas questões políticas estarei onde o progra- ma do meu partido me indicar que esteja discutindo e votando. Em todas as outras questões me colocarei ao lado daqueles que se interessarem nobremente pelo progresso de nossa terra” (ibidem). As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 48As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 48 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 49 Boehrer ([195-?], p.68) também demonstra que, no Rio de Ja- neiro, essa prática era comum: em 1884, os republicanos chegaram a ter cinco representantes na Assembleia Provincial, o que poderia demonstrar a força e o crescimento do partido no Rio de Janeiro, “se os membros da Assembleia [não fossem] republicanos apenas no nome, [pois] na verdade haviam concorrido na chapa liberal”. Em artigo de 20 de setembro de 1884, O Nono Districto criti- cava a imparcialidade e a incoerência política da câmara municipal de Franca, composta por conservadores e pelo republicano Fran- cisco Lucas Brigagão. No entanto, o artigo também demonstra a “incoherencia suprema” do republicano, colocando-se contrário às votações do PRP na Assembleia Provincial. Quem analysar o procedimento da câmara sob a mais rigoroza imparcialidade conver-se-há de que essa corporação não pratica o acto mais comezinho sem uma causa política e um fim igualmente político. Manifestação aos deputados paulistas que votaram contra o projeto Dantas (projeto liberal); representação contra o juiz muni- cipal (liberal); representação contra o imposto de 3$00 sobre os escravos da lavoura (lei que obteve felicitações de toda a imprensa e da Sociedade central de Imigração); representação contra o col- lector e o agente do correio (liberaes) por ter mudado suas repar- tições do edifício do Fórum para as casas de suas residências; representação contra tudo que não é essencialmente conservador e escravocrata. Entretanto – incoherencia suprema! – um dos vereadores é republi- cano e acompanha sem restrições os seus companheiros, esquecendo-se ou ignorando que o imposto de 3$ sobre os escravos da lavoura é uma lei cujo projecto foi apresentado pela bancada republicana e votado por todos os deputados republicanos; esquece-se e ignora que os repu- blicanos da corte votarão em dezembro, no 2° escrutínio nos candida- tos que apoiarem os projecto Dantas e que os republicanos paulistas farão o mesmo, se n’elles pulsarem corações de escravocratas. (O Nono Districto, 20.9.1884, p.1 – grifo nosso) As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 49As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 49 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 50 ANDERSON LUIS CAMELUCCI Além das alianças político-eleitorais que envolviam os partidos políticos em âmbito provincial e municipal, é possível avaliar as re- lações que os republicanos do PRP estabeleceram ou tentaram esta- belecer com a elite política e dirigente de Franca. O debate travado entre o republicano Martinho Prado Júnior e o chefe do Partido Liberal local, Francisco Barbosa Lima, que envolvia o traçado da Mogiana, corrobora nossa análise, além de direcionar de maneira implícita as experiências de República no município de Franca. Apesar de esse debate já ter merecido seu devido espaço pela his- toriografia local, o intuito aqui é discutir como suas consequências redefiniram não apenas a relação política entre a elite política e diri- gente de Franca e os republicanos provinciais em um determinado momento que, acima de tudo, envolvia os interesses da municipali- dade, mas também a própria experiência de República em Franca. Segundo Rogério Naques Faleiros (2002, p.51), a partir do mo- mento em que foram concretizadas as garantias de juro paulista e mineira, [...] o traçado mais provável (da Mogiana) iniciando-se as obras por Casa Branca seria o que os cronistas da época chamavam de “caminho natural da Mogiana”: São Simão, Cajuru, Matto Grosso dos Batatais (Altinópolis), Batatais e Franca, atravessando o Rio Grande no Porto da Espinha ou Ponte Alta, ambos nas proximi- dades de Santa Rita do Paraizo (atual Igarapava), seguindo rumo a Uberaba, ponto de destino em contrato. Ainda, segundo este “caminho”, Ribeirão Preto seria um sub-ramal que se ligaria à linha tronco através de São Simão. Faleiros (2002, p.47) assevera a existência do que ele denominou de provincial marketing, no qual as províncias de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Pará apresentavam suas “benesses naturais e as possibilidades comerciais” para atrair a ferrovia: Patrocínio. Município de máxima importância, offerecerá a Mogyana grandes lucros como importador e exportador. Ricas pas- As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 50As_experiencias_de_republica_(GRAFICA).indd 50 14/02/2012 20:45:4514/02/2012 20:45:45 AS EXPERIÊNCIAS DE REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE FRANCA (1880-1906) 51 tagens e férteis e extensas matas provam que a sua industria pastoril e agrícola será sólida e perene garantia da Mogyana pelo Jaguará [...]. (O Nono Districto, 26.1.1884, p.2) Portanto, o que estava em jogo era a “acirrada disputa entre municípios”. Essa disputa, no entanto, ficava mais intensa, já que a “lógica que presidia a definição dos traçados de uma ferrovia ligava-se a vários aspectos políticos e econômicos” (Tosi & Faleiros, 2000, p.117). Dessa forma, a partir de 1882, Martinho Prado Júnior lança, no jornal A Província de São Paulo, uma série de artigos defen- dendo a mudança do traçado da ferrovia que, segundo o próprio, “deveria sair de Casa Branca, passando por São Simão e Ribeirão Preto, tendo Uberaba como destino, sendo o Porto de São Fidélis o ponto de travessia do Rio Grande, deixando cidades como Bata- tais, Franca e Sacramento muito à direita da linha tronco” (Falei- ros, 2002, p.52). Curioso é que, segundo Faleiros (2002, p.52), a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação, na segunda metade de 1882, “decidiu tornar aquilo que seria um sub-ramal no mais novo prolongamento da linha principal [confirmando] a vitória das potencialidades de Ribeirão Preto sobre as de outros municípios – tendo Martinico Prado como principal porta-voz”. No entanto, só depois que a Mogiana confirma a passagem por Ribeirão Preto,13 Martinho Prado volta atrás e defende que os tri- lhos da “linha férrea [deveriam] tocar em Franca por toda forma”: 13 Ainda segundo Tosi & Faleiros (2000, p.118), o que interessava a Martinho Prado Júnior era a passagem dos trilhos da Mogiana pelo município de Ribei- rão Preto, no qual, desde o fim da década de 1870, já havia mandado realizar estudos que comprovaram as potencialidades da região como grande produ- tora de café. Logo depois de efetuada a pesquisa, Martinho Prado adquiriu sua primeira fazenda em Ribeirão Preto (“Albertina”) e, em 1885, comprou uma fazenda ainda maior, “Guatapará”. Dessa forma, “a ferrovia trar