Eduardo Graziosi Silva O escritório de comunicação científica como perspectiva de atuação para bibliotecas universitárias brasileiras Marília 2023 Câmpus de Marília Eduardo Graziosi Silva O escritório de comunicação científica como perspectiva de atuação para bibliotecas universitárias brasileiras Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação como parte das exigências para a obtenção do título de Doutor em Ciência da Informação pela Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Área de concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento. Linha de pesquisa: Produção e Organização da Informação. Orientador: Prof. Dr. José Augusto Chaves Guimarães Marília 2023 IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA A presente pesquisa impacta diretamente a realidade da biblioteca universitária brasileira, uma vez que, por meio de um estudo analítico da realidade internacional, lança bases para o desenvolvimento de Escritórios de Comunicação Científica, o que resultará em maior visibilidade científica da pesquisa brasileira, com elementos para dotar cada vez mais nossos pesquisadores com a necessária scholarly literacy o que, por conseguinte, resultará em um maior prestígio internacional das universidades brasileiras. Nesse sentido, destaca-se sua consonância com os seguintes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU): 4 - Educação de qualidade e 10 - Redução de desigualdades. POTENTIAL IMPACT OF THIS RESEARCH This research has a direct impact on the reality of the Brazilian university library, since, through an analytical study of the international reality, it lays the foundations for the development of Scholarly Communication Offices, which will result in greater scientific visibility of Brazilian research, with elements to increasingly endow our researchers with the necessary scholarly literacy which, consequently, will result in greater international prestige for Brazilian universities. In this sense, its consonance with the following Sustainable Development Goals (SDGs) of the United Nations (UN) stands out: 4 - Quality education and 10 - Reduction of inequalities. Eduardo Graziosi Silva O escritório de comunicação científica como perspectiva de atuação para bibliotecas universitárias brasileiras Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Ciência da Informação. Área de concentração: Informação, Tecnologia e Conhecimento. Linha de Pesquisa: Produção e Organização da Informação. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. José Augusto Chaves Guimarães UNESP – Campus de Marília Orientador Prof. Dr. Daniel Martínez-Ávila UNESP – Campus de Marília Profª. Drª. Maria Cláudia Cabrini Grácio UNESP – Campus de Marília Profª. Drª. Samile Andréa de Souza Vanz UFRGS – Campus de Porto Alegre Profª. Drª. Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi UFSCar – Campus de São Carlos Marília, 02 de março de 2023. À Prof.ª Dr.ª Vera Regina Casari Boccato (in memoriam), por ter me introduzido no mundo da pesquisa científica. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, pelo apoio contínuo aos meus estudos, sem o qual esta jornada não estaria completa. Ao meu irmão e avós, pelo permanente incentivo a este trabalho, que foi fundamental para a realização desta tese. Ao Prof. Dr. José Augusto Chaves Guimarães, pela orientação do trabalho, troca de conhecimentos, ensinamentos e o apoio constante nesta trajetória. Ao Prof. Dr. Daniel Martínez-Ávila e à Profª. Drª. Samile Andréa de Souza Vanz pelas ricas contribuições e discussões no relatório de qualificação. E à Profª. Drª. Maria Cláudia Cabrini Grácio e à Profª. Drª. Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi por aceitarem o convite para a banca de defesa. Aos colegas da UNESP e da UFSCar, pelas discussões, trocas de ideias e experiências acadêmicas e profissionais. Aos funcionários das bibliotecas da UNESP, Campus de Marília, e do Serviço de Biblioteca “Prof. Dr. Sérgio Rodrigues Fontes” da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, por propiciarem o acesso à informação científica de qualidade. RESUMO As mudanças ocorridas na comunicação científica nos últimos anos afetaram as atividades dos pesquisadores de forma que se torna necessário a existência de um serviço que ofereça apoio para a realização de seus fazeres acadêmicos. O escritório de comunicação científica apresenta- se como o serviço adequado para oferecer esse apoio, visto estar alocado na biblioteca universitária e, por isso, ter condições de desenvolver produtos e serviços condizentes com as necessidades dos pesquisadores. O escritório é um serviço existente nas universidades estrangeiras, porém, não existe uma estrutura similar nas universidades brasileiras. Diante disso, o problema de pesquisa é expresso na seguinte questão: como as bibliotecas universitárias brasileiras podem atuar na comunicação científica por meio da oferta de produtos e serviços voltados à comunidade acadêmica, tendo no escritório de comunicação científica uma perspectiva de atuação? Essa questão conduziu à seguinte hipótese: as bibliotecas universitárias brasileiras oferecem produtos e serviços relacionados à comunicação científica de maneira pulverizada por diferentes setores. Definiu-se como objetivo geral apresentar o escritório de comunicação científica como perspectiva de atuação das bibliotecas universitárias brasileiras e como objetivos específicos i) traçar um panorama dos produtos e serviços dos escritórios de comunicação científica das mais significativas bibliotecas universitárias em âmbito mundial; ii) identificar e realizar uma análise comparativa no âmbito brasileiro dos produtos e serviços de comunicação científica oferecidos por bibliotecas universitárias brasileiras de modo a que se possa formular recomendações metodológicas para o desenvolvimento de escritórios de comunicação científica nessas instituições. Para isso, adotou-se uma metodologia de coleta de dados, baseada na seleção de uma amostra de bibliotecas universitárias estrangeiras e brasileiras em quatro rankings universitários internacionais, e uma metodologia de análise de dados, a qual utilizou a análise de conteúdo com definição categorial a posteriori. Foram definidas oito categorias de conteúdo (acesso aberto, direitos autorais, gestão de dados de pesquisa, identificadores de autor, impacto da pesquisa, métricas, publicação e repositórios) e, a partir delas, verificou-se a predominância das categorias “direitos autorais”, “acesso aberto” e “publicação”, com 61, 52 e 38 itens, respectivamente, nos escritórios estrangeiros, e a predominância da categoria “publicação” com 18 itens nas bibliotecas universitárias brasileiras. Os conteúdos dos sites dos escritórios estrangeiros forneceram elementos para balizar a criação de um escritório semelhante nas bibliotecas universitárias brasileiras, que possuem profissionais devidamente capacitados para tal e que poderão consolidar e aumentar a visibilidade científica dos pesquisadores e suas respectivas universidades. Palavras-chave: Biblioteca universitária. Comunicação científica. Escritório de comunicação científica. ABSTRACT The changes made to scholarly communication over the past years have affected researchers´ activities, thus requiring a service that supports their academic tasks. The scholarly communication office has shown adequate for such a support, since it is located in the university library and, therefore, delivers products and services that meet researchers´needs. It also exists in foreign libraries, however, no such a similar structure can be found in Brazilian universities. In view of this, the research problem is expressed in the following question: How can Brazilian university libraries act in scientific communication by offering products and services aimed at the academic community, with the scholarly communication office as a perspective of action? This question led to the following hypothesis: Brazilian university libraries offer products and services related to scientific communication in a scattered manner through different sectors. The general objective was to present the scholarly communication office as a perspective of action for Brazilian university libraries and the specific objectives were: i) to outline an overview of the products and services of scholarly communication offices in the most significant university libraries worldwide; ii) to identify and carry out a comparative analysis of the products and services of scholarly communication offered by Brazilian university libraries so as to formulate methodological recommendations for the development of scholarly communication offices in these institutions. Adopting a data-collection methodology, this study identified elements of the foreing offices towards assisting Brazilian university libraries regarding scholarly communication. A sample of foreign and Brazilian university libraries was selected according to four international university rankings and a data analysis methodology that employed a posteriori content analysis with categorical definition was adopted. Eight categories, namely “open access”, “copyright”, “research data management”, “author identifiers”, “impact of research”, “metrics”, “publication”, and “repositories” were defined, revealing a predominance of “copyright”, “open access”, and “publication”, with 61, 52, and 38 items, respectively, in the foreign offices, and “publication”, with 18 items, in Brazilian university libraries. The contents of the foreign offices´ sites provided elements for the creation of a similar office in Brazilian university libraries with capable professionals who can consolidate and increase the scientific visibility of researchers and their respective universities. Keywords: University library. Scholarly communication. Scholarly communication office. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Modelo de comunicação científica de Garvey e Griffith........................................ 27 Figura 2 - Modelo UNISIST ................................................................................................... 29 Figura 3 - Modelo de Hurd ...................................................................................................... 31 Figura 4 - Modelo de Søndergaard, Andersen e Hjørland....................................................... 33 Figura 5 - Extrato do modelo de Björk .................................................................................... 34 Figura 6 - Modelo de Czerniewicz .......................................................................................... 36 Figura 7 - Modelo de Silva et al. ............................................................................................. 37 Figura 8 - Relação entre comunicação científica e divulgação científica ............................... 40 Figura 9 - Site do Office for Open Science and Scholarship da University College London 106 Figura 10 - Site do Office of Scholarly Communication da University of Cambridge ......... 107 Figura 11 - Página do menu “Espaço do Pesquisador” da ABCD da USP ........................... 133 Figura 12 - Página inicial do SBU da UNICAMP com destaque para o menu “Produtos e serviços” e seus submenus ...................................................................................................... 134 Figura 13 - Dimensões de atuação de comunicação científica para bibliotecas universitárias brasileiras ................................................................................................................................ 152 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Atuação da biblioteca universitária nos modelos de comunicação científica ....... 38 Quadro 2 - Universidades estrangeiras presentes simultaneamente nos rankings ARWU, THE, QS e CWTS na edição 2022 classificadas até a posição 100 ................................................... 98 Quadro 3 - Universidades que possuem escritórios de comunicação científica de acordo com os critérios definidos neste estudo ............................................................................................ 99 Quadro 4 - Universidades brasileiras presentes nos rankings ARWU, THE, QS e CWTS na edição 2022 classificadas até a posição 500 ........................................................................... 100 Quadro 12 - Análise da categoria temática “acesso aberto” ................................................. 108 Quadro 7 - Análise da categoria temática “direitos autorais” ............................................... 112 Quadro 10 - Análise da categoria temática “gestão de dados de pesquisa” .......................... 117 Quadro 8 - Análise da categoria temática “identificadores de autor” ................................... 120 Quadro 9 - Análise da categoria temática “impacto da pesquisa” ........................................ 122 Quadro 13 - Análise da categoria temática “métricas” ......................................................... 124 Quadro 6 - Análise da categoria temática “publicação” ....................................................... 126 Quadro 11 - Análise da categoria temática “repositórios” .................................................... 129 Quadro 15 - Análise da categoria temática “acesso aberto” ................................................. 135 Quadro 16 - Análise da categoria temática “direitos autorais” ............................................. 137 Quadro 17 - Análise da categoria temática “gestão de dados de pesquisa” .......................... 139 Quadro 18 - Análise da categoria temática “identificadores de autor” ................................. 140 Quadro 19 - Análise da categoria temática “impacto da pesquisa” ...................................... 141 Quadro 20 - Análise da categoria temática “métricas” ......................................................... 142 Quadro 21 - Análise da categoria temática “publicação” ..................................................... 143 Quadro 22 - Análise da categoria temática “repositórios” .................................................... 145 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC Academia Brasileira de Ciências ABCD Agência de Bibliotecas e Coleções Digitais da Universidade de São Paulo ABEC Associação Brasileira de Editores Científicos ABL Academia Brasileira de Letras ACLS American Council of Learned Societies ACRL Association of College and Research Libraries AGUIA Agência USP de Gestão da Informação Acadêmica ANCIB Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação ALA American Library Association APA American Psychological Association APCs Article Processing Charges ARL Association of Research Libraries ARWU Academic Ranking of World Universities BDPI Repositório da Produção USP – ReP BDTD Biblioteca Digital de Tese e Dissertação BIBLOS Programa de Financiamento de Livros para cursos de graduação BIREME/OPS/OMS Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde BN Biblioteca Nacional BOAI Budapest Open Access Initiative BRAJIS Brazilian Journal of Information Science BRAPCI Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação BU Biblioteca Universitária CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CARL Canadian Association of Research Libraries CBBD Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação CBBU Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias CBO Classificação Brasileira de Ocupações CCN Catálogo Coletivo Nacional CDR Carolina Digital Repository CDRS Center for Digital Research and Scholarship CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COAR Coalition of Open Access Repositories COMUT Programa de Comutação Bibliográfica CONFAP Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa CRAI Centro de Recursos para el Aprendizaje y la Investigación CWTS CWTS Leiden Ranking DOI Digital Object Identifier ETH Eidgenössische Technische Hochschule FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPs Fundações de Amparo à Pesquisa FEBAB Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas de Informação e Instituições FID International Federation for Information and Documentation HOPE Harvard Open-Access Publishing Equity IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia ICSU International Council for Science ICT Informação em Ciência e Tecnologia IFIP International Federation for Information Processing JCR Journal Citation Reports LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação LIBER Ligue des Bibliothèques Européennes de Recherche LISTA Information Science & Technology Abstracts MARC Machine Readable Cataloging MEDLARS Medical Literature Analysis and Retrieval System MIT Massachusetts Institute of Technology NDLTD Networked Digital Library of Theses and Dissertations NIH National Institute of Health NUS National University of Singapore OAI Open Archives Initiative OCLC Ohio College Library Center OCS Open Conference Systems ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável OJS Open Journal Systems ONU Organização das Nações Unidas OPACs Online Public Access Catalog ORCiD Open Researcher and Contributor ID OSI Open Scholarship Initiative PAP Programa de Aquisição Planificada de Periódicos PET Programa de Estudos Técnicos PNBU Programa Nacional de Bibliotecas Universitárias PPEC Portal de Periódicos Eletrônicos Científicos PPGCI-UNESP Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” PPI Programa Periódico de Informação PROBIB Programa Nacional de Bibliotecas de Instituições de Ensino Superior PUC Pontifícia Universidade Católica PURR Purdue University Research Repository QS QS World Univeristy Rankings REA Recursos Educacionais Abertos REBIUN Red de Bibliotecas Universitarias Españolas Rede BIBLIODATA Rede Nacional de Catalogação Cooperativa RLUK Research Libraries UK RS Rio Grande do Sul SAPO Serviço de Apoio à Pesquisa Odontológica SBU Sistema de Bibliotecas da UNICAMP SCIE Science Scitation Index Expanded SciELO Scientific Electronic Library Online SCONUL Society of College, National and University Libraries SEER Sistema de Editoração Eletrônica de Revistas SIC Serviço de Intercâmbio de Catalogação SIR SCImago Institutions Ranking SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SJR SCImago Journal Rank SPARC Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition SSCI Social Science Citation Index THE Times Higher Education TICs Tecnologias de Informação e Comunicação TOME Toward an Open Monograph Ecosystem UC Universidade da Califórnia UCLA University of California, Los Angeles UFPR Universidade Federal do Paraná UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UKRI UK Research and Innovation UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization UNESP Universidade Estadual Paulista UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNISIST United Nations Internacional Scientific Information System UNSW University of New South Wales USF University of South Florida USP Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16 2 A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O PAPEL DA BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA .................................................................................................................................................. 22 2.1 Comunicação científica: das origens aos modelos ..................................................... 22 2.2 Modelos de comunicação científica ............................................................................. 25 2.2.1 Modelo de Garvey e Griffith .................................................................................... 25 2.2.2 Modelo United Nations Internacional Scientific Information System (UNISIST) .. 28 2.2.3 Modelo de Hurd ....................................................................................................... 29 2.2.4 Modelo de Søndergaard, Andersen e Hjørland ........................................................ 31 2.2.5 Modelo de comunicação científica de Björk ............................................................ 33 2.2.6 Modelo de Czerniewicz ............................................................................................ 35 2.2.7 Modelo de Silva et al. ............................................................................................... 36 2.3 A função de pesquisa das universidades brasileiras .................................................. 40 2.4 Breve histórico da biblioteca universitária brasileira ............................................... 45 2.5 A biblioteca universitária e o apoio à pesquisa .......................................................... 49 2.6 Desafios enfrentados pelas bibliotecas universitárias e como solucioná-los ............ 63 3 O ESCRITÓRIO DE COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO ........................................................................................................... 70 3.1 Conceito de escritório de comunicação científica ...................................................... 71 3.2 Serviços e produtos do escritório de comunicação científica .................................... 76 3.2.1 Direitos autorais ....................................................................................................... 77 3.2.2 Acesso aberto ........................................................................................................... 79 3.2.3 Gestão de dados de pesquisa .................................................................................... 81 3.2.4 Bibliometria e métricas alternativas ......................................................................... 84 3.2.5 Serviços de publicação ............................................................................................. 87 4 PERCURSO METODOLÓGICO ..................................................................................... 95 5 ESCRITÓRIO DE COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: ORGANIZAÇÕES, PRÁTICAS E EXPERIÊNCIAS .............................................................................................................. 104 5.1 Análise dos sites ........................................................................................................... 106 5.2 Análise das categorias de conteúdo ........................................................................... 108 5.2.1 Acesso aberto ......................................................................................................... 108 5.2.2 Direitos autorais ..................................................................................................... 112 5.2.3 Gestão de dados de pesquisa .................................................................................. 117 5.2.4 Identificadores de autor .......................................................................................... 120 5.2.5 Impacto da pesquisa ............................................................................................... 121 5.2.6 Métricas .................................................................................................................. 124 5.2.7 Publicação .............................................................................................................. 125 5.2.8 Repositórios ............................................................................................................ 129 5.3 Trazendo a reflexão para a universidade brasileira ................................................ 132 5.3.1 Análise dos sites ..................................................................................................... 132 5.3.2 Análise das categorias de conteúdo ........................................................................ 134 5.3.2.1 Acesso aberto ................................................................................................... 135 5.3.2.2 Direitos autorais ............................................................................................... 137 5.3.2.3 Gestão de dados de pesquisa ........................................................................... 139 5.2.3.4 Identificadores de autor ................................................................................... 140 5.2.3.5 Impacto da pesquisa......................................................................................... 141 5.2.3.6 Métricas ........................................................................................................... 142 5.2.3.7 Publicação ........................................................................................................ 143 5.2.3.8 Repositórios ..................................................................................................... 145 6 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 148 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 155 APÊNDICES ......................................................................................................................... 176 Apêndice A - Páginas e links das universidades estrangeiras............................................. 176 Apêndice B – Páginas e links das universidades brasileiras ............................................... 194 16 1 INTRODUÇÃO Nos últimos anos, as bibliotecas universitárias precisaram adequar, e até mesmo criar, produtos e serviços consoante as necessidades dos docentes, alunos e pesquisadores, que passaram não apenas a ser consumidores, mas também produtores de informação. Isso se deve tanto ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) como às mudanças ocorridas no âmbito da comunicação científica. A introdução das TICs no meio acadêmico propiciou a ampliação das formas de trabalho entre a comunidade pois, a partir delas, a concepção de uma ideia de pesquisa pode surgir em um grupo de pesquisadores geograficamente distantes, assim como a disseminação dos resultados pode alcançar lugares e públicos que dificilmente a eles teriam acesso, além de a preservação digital dos resultados poder ser realizada em uma ou mais instituições envolvidas. Da mesma forma, a comunicação científica tem sofrido cada vez mais mudanças face ao desenvolvimento tecnológico introduzido em suas práticas e adotado pelos atores desse processo. No entanto, as bibliotecas universitárias ainda se encontram em diferentes fases de oferta de produtos e serviços de comunicação científica. Enquanto umas estão em um estágio mais avançado que outras, seja em relação à infraestrutura, seja em relação aos recursos humanos, a atuação da biblioteca universitária nessa seara dá-se a partir das necessidades institucionais, consoante a missão, a visão e os valores das universidades. Algumas bibliotecas universitárias que possuem infraestrutura e recursos suficientemente robustos apresentam em sua estrutura organizacional o escritório de comunicação científica que, por meio de produtos e serviços voltados ao apoio, assessoria e gestão personalizados, contam com uma equipe dedicada aos assuntos relacionados à comunicação científica (HELGE; TMAVA; ZERANGUE, 2019). Diante dos desafios atualmente enfrentados pelo sistema universitário, como o utilitarismo do ensino e da pesquisa, a perda de prestígio na sociedade, a necessidade de justificar seu valor e o retorno sobre o investimento, emerge a noção de competência entre as universidades. Essa competência se destaca, principalmente, no aspecto econômico que, aliado a outros aspectos, é submetida à avaliação por diferentes organizações e instrumentos, como os rankings universitários (GONZÁLEZ-SOLAR, 2016). Os rankings universitários têm sido cada vez mais utilizados pelas instituições de ensino superior para estabelecer comparações entre elas. Embora cada ranking possua uma metodologia e critérios de avaliação próprios, os quais variam em função do que se deseja medir, de forma geral eles permitem estabelecer comparações entre as universidades no que diz 17 respeito ao alcance das suas missões institucionais. Ressalta-se que, dentre os critérios utilizados, encontram-se as atividades relacionadas à pesquisa, como a publicação em periódicos científicos de alto impacto e conquista de prêmios científicos. Diante do exposto, verifica-se que os rankings influenciam não apenas a tomada de decisão dos gestores universitários, mas também de alunos e professores na hora de selecionar uma universidade para estudar ou trabalhar, respectivamente. Assim, cada vez mais as universidades concentram- se nas atividades de pesquisa em suas missões institucionais, consoante a um dos temas de maior impacto nas bibliotecas universitárias atualmente, qual seja, o apoio à pesquisa e à comunicação científica (GONZÁLEZ-SOLAR, 2016). Nessa perspectiva, e valendo-se de uma amostra de instituições estrangeiras de grande reputação, conforme extraído de rankings internacionais, serão verificadas aquelas que possuem escritórios de comunicação científica e, a partir dessa seleção, serão mapeados os produtos e serviços oferecidos de forma a identificar elementos que permitam às instituições brasileiras atuarem nessa seara. Cabe à biblioteca universitária, portanto, oferecer o suporte necessário para o alcance dos objetivos de comunicação científica da instituição em que está alocada, bem como apoiar docentes, alunos e pesquisadores nesse processo. Considerando que uma das atividades nucleares desenvolvidas nas universidades é a pesquisa, a biblioteca universitária deve colocar o pesquisador como o usuário central de parte dos objetivos e estratégias de ação. Ademais, a própria universidade deve alterar a visão sobre seus próprios serviços, visando ao desenvolvimento de um sistema de apoio à pesquisa mais coordenado e onde a biblioteca adote sua posição natural (GONZÁLEZ-SOLAR, 2016). Esta pesquisa parte da literatura brasileira em Ciência da Informação, que apresenta diversos exemplos de produtos e serviços de comunicação científica. Seguindo a tendência de outros países latino-americanos, no Brasil destacam-se as iniciativas de acesso aberto, notadamente aquelas ilustradas pela implantação de repositórios institucionais (MARRA, 2012), bibliotecas digitais de trabalhos de conclusão de curso (COLETTA et al., 2010) e bibliotecas digitais de teses e dissertações (MASIERO et al., 2001). Ressalta-se que a adoção do acesso aberto no Brasil e na América Latina foi motivada pela falta de publicação nos idiomas dos países da região e pelos altos custos de acesso à informação científica (RIOS; LUCAS; AMORIM, 2019). Da mesma forma, as bibliotecas universitárias brasileiras também atuam em outros temas, com maior ou menor ênfase, conforme as necessidades institucionais, como direitos autorais (GONZÁLEZ-SOLAR; 2016; MURIEL-TORRADO; FERNÁNDEZ- MOLINA, 2014), gestão de dados de pesquisa (LIMA, 2020; ROSSI et al., 2016), atividades de publicação (ROSA, 2018), bibliometria (VANZ; SANTIN; PAVÃO, 2018), dentre outros. 18 Esses estudos ilustram serviços oferecidos de maneira pontual, como no caso de Rossi et al. (2016) no que se refere à gestão de dados de pesquisa ou, então, apontam que ainda precisam ser mais desenvolvidos, como mencionam Muriel-Torrado e Fernández-Molina (2014) em relação aos direitos autorais e Vanz (2018) no que diz respeito à bibliometria. Diante disso e da verificação da ausência de estudos sobre escritórios de comunicação científica em bibliotecas universitárias brasileiras, o problema desta pesquisa resume-se na seguinte questão: como as bibliotecas universitárias brasileiras podem atuar na comunicação científica por meio da oferta de produtos e serviços voltados à comunidade acadêmica, tendo no escritório de comunicação científica uma perspectiva de atuação? A questão acima conduziu à seguinte hipótese: as bibliotecas universitárias brasileiras oferecem produtos e serviços relacionados à comunicação científica de maneira pulverizada por diferentes setores. Como decorrência, definiu-se como objetivo geral apresentar o escritório de comunicação científica como perspectiva de atuação das bibliotecas universitárias brasileiras a fim de que possam oferecer suporte, gestão e assessoria especializados em comunicação científica. Assim, tem-se como objetivos específicos: i) traçar um panorama dos produtos e serviços dos escritórios de comunicação científica das mais significativas bibliotecas universitárias em âmbito mundial ii) identificar e realizar uma análise comparativa no âmbito brasileiro dos produtos e serviços de comunicação científica oferecidos por bibliotecas universitárias brasileiras de modo a que se possa formular recomendações metodológicas para o desenvolvimento de escritórios de comunicação científica nessas instituições. A justificativa para o estudo deve-se ao fato de a comunicação científica ser uma das principais áreas de atuação para as bibliotecas universitárias na atualidade e, a partir de exemplos estrangeiros, apresentar como as bibliotecas universitárias brasileiras podem atuar nessa área. Sob o aspecto metodológico (a ser especificamente descrito no capítulo quatro), a pesquisa realizou uma coleta de dados a partir de uma amostra de bibliotecas universitárias estrangeiras (classificadas até a posição 100) e brasileiras (classificadas até a posição 500) a partir dos quatro mais importantes rankings universitários (por seu amplo uso e abrangência), na edição 2022: Academic Ranking of World Universities (ARWU), Times Higher Education (THE), QS World Univeristy Rankings (QS) e CWTS Leiden Ranking (CWTS). A escolha de quatro rankings possibilita diminuir vieses na escolha das instituições, pois cada ranking possui metodologia própria e, consequentemente, pode privilegiar um ou outro tipo de instituição. Relativamente à análise de dados, tem-se a elaboração de planilhas com o software Microsoft Excel, nas quais foram descritas as seguintes informações dos escritórios: região geográfica, 19 nome da universidade, endereço do site e produtos e serviços oferecidos (identificados a partir do levantamento dos menus e submenus dos sites). Por fim, vale-se da análise de conteúdo (BARDIN, 2004) para a definição categorial a posteriori entre o conteúdo da literatura e dos sites para verificação das informações disponíveis nessas fontes e, com isso, apontar elementos que subsidiem a atuação das bibliotecas universitárias brasileiras na comunicação científica. Assim, a pesquisa classifica-se como qualiquantitativa, pois abrange a quantificação e a interpretação dos dados coletados. Enquanto o aspecto quantitativo recai sobre o uso de medição numérica e estatística para definir padrões de comportamento do objeto de estudo (escritórios de comunicação científica), o aspecto qualitativo diz respeito à coleta e análise dos dados sem medição numérica, aperfeiçoamento do problema de pesquisa, com a comprovação ou não da hipótese (HERNÁNDEZ SAMPIERI; FERNÁNDEZ COLLADO; BAPTISTA LUCIO, 2006). A abordagem da pesquisa é exploratória, pois descreve o objeto de estudo em detalhes visando sua aplicabilidade nas bibliotecas universitárias brasileiras. Ademais, conta com um levantamento bibliográfico sobre os temas “biblioteca universitária” e “comunicação científica”, em português, inglês e espanhol, em bases de dados nacionais (Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)) e internacionais (Web of Science, Scopus, Google Scholar, Library, Information Science & Technology Abstracts (LISTA), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e Networked Digital Library of Theses and Dissertations (NDLTD) e repositórios institucionais (Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas de Informação e Instituições (FEBAB), Base de Dados Referenciais de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI), Universidade de São Paulo (USP) etc.). Embora a literatura registre estudos sobre a análise de sites de bibliotecas universitárias em assuntos diversos da comunicação científica, como propriedade intelectual (BISHOP, 2011), métricas e impacto (SUITER; MOULAISON, 2015) e gestão de dados de pesquisa (YOON; SCHULTZ, 2017), este estudo concentra-se na análise dos sites dos escritórios de comunicação científica, os quais oferecerão subsídios para identificar elementos para a atuação das bibliotecas universitárias brasileiras no âmbito da comunicação científica. A partir da identificação das cem primeiras instituições que aparecem simultaneamente nos quatro rankings supracitados, obteve-se um conjunto de 15 escritórios de comunicação científica, os quais foram estudados à luz de uma adaptação das categorias contextuais de González-Solar (2016), decorrentes da proveniência e/ou objetivo de um dado serviço ou atividade. Para este 20 estudo, no entanto, foram definidas categorias temáticas, que foram estabelecidas a partir do conteúdo específico de cada serviço ou atividade. São elas: “acesso aberto”, “direitos autorais”, “gestão de dados de pesquisa”, “identificadores de autor”, “impacto da pesquisa”, “métricas”, “publicação” e “repositórios”. Ademais, também foram utilizados os níveis de informação definidos pela autora supracitada: “link”, “informação”, “material alheio”, “material próprio”, “formação” e “assessoria”, os quais são definidos no capítulo três. Para alcançar os objetivos propostos, a tese está organizada em capítulos que abordam tanto os aspectos teóricos como os práticos, de maneira a apresentar uma sequência lógica de abordagem do problema de pesquisa. O capítulo um apresenta a introdução, em que se contextualiza o tema e descreve-se o problema de pesquisa, a justificativa, os objetivos e a metodologia. No capítulo dois, aborda-se a comunicação científica e o papel da biblioteca universitária. Inicia-se com uma apresentação do conceito de comunicação científica e sete modelos representativos desse processo. Na sequência, discorre-se sobre comunicação científica no contexto universitário, trazendo para a discussão a função de pesquisa nas universidades, contextualizando-se o surgimento e desenvolvimento dessa instituição no Brasil até a criação das agências de fomento à pesquisa e seus impactos na pós-graduação brasileira. Em seguida, apresenta-se a função da biblioteca universitária no apoio à pesquisa e alguns desafios atualmente enfrentados por essas instituições, encerrando-se com a proposição de formas de responder a eles. Já o capítulo três descreve e caracteriza o escritório de comunicação científica. Inicialmente, define-se o que é o escritório e, na sequência, apresentam-se seus produtos e serviços, quais sejam: direitos autorais, acesso aberto, gestão de dados de pesquisa, bibliometria e métricas alternativas, serviços de publicação e apoio à publicação. Esse capítulo descreve cada um desses serviços e como são desenvolvidos nas universidades estrangeiras e brasileiras, onde são oferecidos, na maioria das vezes, de forma pontual. A metodologia é apresentada no capítulo quatro e sua abordagem é qualiquantitativa e exploratória, bem como abrange a realização de levantamento bibliográfico e o uso de rankings universitários para a seleção de uma amostra de instituições que possuem escritórios de comunicação científica e brasileiras. Após a extração dos dados dos sites dos escritórios, eles foram estudados por meio da análise categorial para subsidiar a identificação de elementos que permitam às universidades brasileiras atuarem na comunicação científica. O capítulo cinco aborda os resultados e as discussões a partir da análise dos sites dos escritórios de comunicação científica e das bibliotecas universitárias brasileiras. No cenário 21 internacional, predominam o nível de informação denominado “informação” e a atuação dos escritórios se sobressaem nas categorias temáticas “acesso aberto”, “direitos autorais” e “publicações”. No cenário nacional, também se destaca o nível de informação denominado “informação” e a categoria temática que desponta é “publicações”. Esse capítulo traz considerações sobre esses e outros resultados, que são apresentados e discutidos separadamente em nível internacional e nacional por categoria temática, além de contemplar uma análise dos níveis de informação encontrados. A tese encerra-se no capítulo seis com a apresentação das conclusões e apresentação dos elementos dos escritórios de comunicação científica que podem subsidiar a atuação das bibliotecas universitárias brasileiras no âmbito da comunicação científica. Ademais, apresenta sugestões de estudos futuros para aprofundamento em assuntos não abordados nesta tese, como a formação curricular e em serviço do bibliotecário no tema “comunicação científica” e a percepção de gestores universitários a respeito da atuação do bibliotecário nesse tema, por exemplo. 22 2 A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O PAPEL DA BIBLIOTECA UNIVERSITÁRIA 2.1 Comunicação científica: das origens aos modelos O processo de comunicação científica sofreu profundas mudanças desde o seu início até os dias de hoje. Seu princípio remonta às sociedades científicas no século XVII, que estimularam a troca de informações entre os pesquisadores europeus, além de terem inspirado a criação de sociedades fora da Europa, estimulando, assim, a troca de conhecimento científico entre nações e continentes (GIBSON, 1982). Outro marco fundador também se dá no século XVII, quando surge o periódico científico. O primeiro periódico, Journal des Sçavans, foi publicado em Paris em 5 de janeiro de 1665 e seu foco era a divulgação de experimentos de física e química, descobertas artísticas e científicas, observações astronômicas e anatômicas e julgamentos legais e eclesiásticos nacionais e estrangeiros, além da divulgação de novos livros e obituário. No mesmo ano, foi criado em Londres o periódico Philosophical Transactions of the Royal Society. Seu primeiro número foi publicado em 6 de março de 1665, após os membros da Royal Society terem discutido e analisado o periódico francês. Philosophical Transactions destaca-se por ser a primeira publicação seriada de uma sociedade científica e seu conteúdo apresentar novas observações e experimentos científicos originais, além de contar com resenhas de livros e espaço para discussão entre pessoas com opiniões científicas divergentes, tornando- se um modelo de publicação para outras sociedades científicas europeias (FJÄLLBRANT, 1997). Desde então, ambas consolidaram o periódico científico como o canal por excelência para a divulgação de resultados de pesquisa. No século XX, tem-se a consolidação das sociedades científicas como instituições responsáveis pela difusão de informações para pesquisadores e, em alguns casos, também para a população. Além disso, o periódico científico permitiu a divulgação rápida e permanente de novas descobertas, assim como houve o desenvolvimento de um mecanismo para sua distribuição, o que reforça a compreensão da importância do intercâmbio de conhecimento científico e o valor decorrente de sua divulgação (GIBSON, 1982). O termo “comunicação científica”, no entanto, foi cunhado por John Bernal apenas na década de 1940 (MARRA, 2012). Nessa mesma época, a própria comunicação científica foi abalada por alguns fatores, dentre os quais destacam-se o imenso volume de informações que passaram a ser produzidas a partir da Segunda Guerra Mundial, a evolução do conceito de periódico científico e o início da publicação do Science Citation Index em 1961 (THORIN, 2006). A partir da década de 1970, o termo “comunicação científica” ganhou popularidade 23 global e com a criação de novas bibliotecas, o aumento do número de pesquisadores e a expansão das publicações, houve preocupações sobre certas práticas acadêmicas, publicação e direitos autorais. Já na década de 1980, teve início a divulgação da ciência em mídia eletrônica e seu impacto era inquestionável na década de 1990 (RAO, 2018). Assim, adota-se neste trabalho a definição de comunicação científica da Association of College and Research Libraries (ACRL), qual seja: A comunicação científica é o sistema através do qual pesquisas e outros escritos acadêmicos são criados, avaliados quanto à qualidade, disseminados para a comunidade acadêmica e preservados para uso futuro. O sistema inclui meios formais de comunicação, como publicação em periódicos revisados por pares, e canais informais, como listas de correio eletrônico (ASSOCIATION OF COLLEGE AND RESEARCH LIBRARIES, 2003, tradução nossa). A United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) também define comunicação científica, como segue: A comunicação científica é o processo de compartilhar, divulgar e publicar resultados de pesquisas de acadêmicos e pesquisadores para que os conteúdos acadêmicos gerados sejam disponibilizados para as comunidades acadêmicas globais (UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION, 2015, p. 6, tradução nossa). Becker Medical Library Scholarly Communications Portal (apud SAUER, 2009, p. 52, tradução nossa), por sua vez, aponta que a comunicação científica está relacionada às atividades de “criação, transformação, disseminação e preservação do conhecimento relacionado ao ensino, pesquisa e atividades acadêmicas”, ao passo que Park e Shim (2011) e Mulligan (2015) consideram que a comunicação científica envolve produção, avaliação, disseminação e preservação dos resultados de pesquisas científicas compartilhados com grupos de pesquisadores e demais partes interessadas. Ressalta-se que o conceito de comunicação científica não se limita à publicação em si, mas ao processo de comunicação entre os pesquisadores, haja vista sua divisão em informal e formal. Segundo Mueller (2007), a comunicação informal inclui conversas presenciais, por telefone ou carta, aulas e palestras, preprints, trabalhos apresentados em eventos profissionais e científicos mais restritos, enquanto a comunicação formal, por sua vez, abrange artigos publicados em periódicos científicos, livros, teses, dissertações e trabalhos publicados em anais de eventos, por exemplo. A autora também ressalta que as TICs tornaram essa divisão um pouco menos clara, a exemplo dos documentos publicados em repositórios. 24 Por outro lado, as TICs também favoreceram o desenvolvimento de modelos de comunicação científica de acordo com a realidade implantada pela tecnologia. Embora o periódico científico continue sendo o veículo de divulgação de resultados de pesquisa por excelência, ele enfrenta restrições devido, dentre outros desafios, o processo moroso de submissão e avaliação de artigos, que embora seja necessário para garantir a qualidade das publicações, acaba se tornando uma barreira na comunicação científica. Aliado a isso, países como o Brasil sofreram mais impacto do que países desenvolvidos diante dos custos crescentes de assinatura dos periódicos, acompanhado do crescimento da inflação, o que os tornaram proibitivos para diversas instituições. Assim, muitas bibliotecas universitárias viram seus orçamentos reduzidos, dificultando a seleção e a aquisição dos títulos, o que culminou na crise dos periódicos (“serial crisis”) e, consequentemente, na busca de modelos alternativos de comunicação científica, sobretudo baseado nas TICs e na discussão sobre os crescentes custos dos periódicos (CUMMINGS et al., 1992; GILMAN, 2013). Diante disso, buscaram-se alternativas para manter o acesso aos periódicos, como a aquisição de materiais de editoras sem fins lucrativos, valorizar a impressão sob demanda, diminuir custos com impressão, selecionar periódicos eletrônicos, bases de dados ou utilizar a estratégia “publique ou pereça” (JESUS; CUNHA, 2019a). Apenas o aumento da inflação não foi um fator determinante para a aquisição reduzida de periódicos, mas também o fato de as universidades terem priorizado o investimento em infraestruturas de tecnologia para os pesquisadores (THORIN, 2006). Da mesma forma, a tecnologia contribuiu sobremaneira para a busca de alternativas de publicação de baixo custo e acesso em curto prazo do conhecimento científico (SIQUEIRA, 2015). Pode-se dizer que a tecnologia também fez com que atores da comunicação científica, em especial universidades e suas bibliotecas, buscassem novos modelos de publicação dos resultados de pesquisa, mais ágeis e menos custosos. Surge, assim, o movimento do acesso aberto, definido como um movimento de disponibilização gratuita e universal de informação pela internet, de forma a libertar pesquisadores e bibliotecas dos aumentos excessivos dos preços de assinatura dos periódicos científicos, tornando o acesso à informação científica mais equitativo e permitindo a retenção de direitos pelos autores (REITZ, 2021). Ademais, alguns marcos do movimento do acesso aberto são: a criação do repositório ArXiv em 1990; o estabelecimento da Convenção de Santa Fé, que culminou na criação do Open Archives Initiative (OAI), em 1999; a Budapest Open Access Initiative (BOAI) em 2001; e as declarações de Bethesda e Berlim em 2003 (MARRA, 2012). 25 O movimento do acesso aberto foi facilitado pela introdução das TICs no meio científico, que se tornou cada vez mais comum pois propiciou a comunicação de forma eletrônica e acarretou mudanças para os periódicos científicos, que pouco a pouco passaram a contar com uma versão eletrônica, além da versão impressa. Já no final do século XX, com a ampla difusão da web, esse processo trouxe novas práticas no que se refere à comunicação científica, como a disponibilidade e interoperabilidade online, acesso aberto, publicação continuada de artigos assim que são aprovados pelos comitês editoriais e megajournals (SPINAK; PACKER, 2015). A expansão e a facilidade com que a comunicação cientifica pôde ser realizada desde então passou a abranger outros atores além dos cientistas e pesquisadores, haja vista que o crescimento em quantidade e qualidade dos periódicos exigiu a participação de mais atores para garantir a realização desse processo. Assim, editoras, bibliotecas, agências de fomento e universidades passaram a contribuir para a disseminação dos resultados da pesquisa científica (FREITAS; LEITE, 2019). No que se refere às bibliotecas universitárias, Freitas e Leite (2019) ressaltam que sua função é gerir a informação, contribuindo para a construção de novos conhecimentos, bem como promover o acesso e a disseminação da informação científica, mediando os usuários e os documentos de suas coleções. Diante desse cenário, em meados do século XX, diversos modelos de comunicação científica foram propostos com o objetivo de compreender esse processo, seja localmente, isto é, observando-se o comportamento de uma área do conhecimento, seja globalmente, ou seja, visando compreender o funcionamento do processo de maneira holística. Nesse sentido, a seção seguinte apresenta alguns dos modelos mais representativos e a atuação da biblioteca universitária em cada um deles. 2.2 Modelos de comunicação científica 2.2.1 Modelo de Garvey e Griffith Garvey e Griffith (1972) pesquisaram o fluxo da comunicação científica na área de Psicologia. Os autores apontaram a existência de uma crise na comunicação científica nessa área motivada pelos seguintes fatores: aumento de membros cientistas e profissionais da American Psychological Association (APA), os quais não contribuíam da mesma maneira em periódicos científicos como os cientistas; diminuição da produção de artigos a partir de 1910 e 26 aumento do crescimento de membros que produzem menos artigos; pequeno grupo (por volta de 2000 psicólogos no início dos anos 1960) responsável pela produção científica da área; e a constatação de que após concluir o mestrado e o doutorado, muitos psicólogos deixavam de ser autores de artigos científicos. Os autores discorrem sobre a comunicação científica informal e formal, ressaltando que a comunicação informal é bem organizada, pois conta com pesquisadores produtivos e experientes nas suas especialidades, bem como se constitui em uma etapa importante do processo de transformação da informação científica em conhecimento científico. Nesse momento, a pesquisa atingiu um estágio de maturação de modo que os resultados de pesquisa podem compor o conhecimento da área em publicações especializadas como um annual review, por exemplo. Garvey e Griffith (1972) defendem a comunicação científica informal como um processo importante para a avaliação e validação dos resultados de pesquisa e, no âmbito da comunicação formal, expõem o artigo de periódico científico como o produto da pesquisa, que poderá ou não compor o conhecimento de uma determinada área. No entanto, ressaltam que embora o processo de avaliação de resultados de pesquisa seja moroso, trata-se de um limite imposto pela própria ciência para que as informações sejam estudadas à luz do estágio atual de uma área do conhecimento. Esse modelo, portanto, explicita as diversas fases que uma pesquisa perpassa, é comunicada e detalhada em sua evolução, desde sua concepção até sua inclusão no repertório de conhecimento de uma determinada área do conhecimento. Embora o tempo de comunicação e publicação dos resultados variem entre as áreas, os elementos constituintes do processo podem ser considerados universais, porém, sofreram alterações posteriores a partir da introdução das TICs nos ambientes de pesquisa e, posteriormente, com o uso da internet e da web no processo de comunicação científica. 27 Figura 1 - Modelo de comunicação científica de Garvey e Griffith Fonte: Adaptado de Garvey e Griffith (1972 apud FERNANDES, 2022, p. 50)1. O modelo apresenta um “tempo zero” do início da pesquisa até sua publicação, cerca de três anos depois. Nesse período, o pesquisador depende tanto de sua rede informal como de sua rede formal para a obtenção de ideias e troca de informações entre os pares, já que não pode dedicar-se à leitura de tudo o que é produzido em sua área e nem pode arcar com os custos das publicações disponíveis. No primeiro ano de atividade, o pesquisador apresenta na sua rede informal os relatórios de resultados preliminares para obter comentários e melhorias dos demais especialistas da área e, geralmente, no final desse período, o trabalho encontra-se pronto para ser apresentado em um congresso científico. O trabalho é comumente publicado nos anais, o que pode levar por volta de mais um ano e, após os comentários recebidos no congresso, é aperfeiçoado e submetido para um periódico científico, e após quase três anos, é publicado como um artigo científico. Desse momento em diante, o trabalho pode evoluir para se tornar uma literatura ainda mais especializada, pois posteriormente pode ser publicado em um annual review da área (o que pode levar em torno de cinco anos), ser citado por outros artigos após sete anos e tornar-se um texto fundamental no repertório de conhecimento da área, o que pode levar até treze anos para ocorrer. 1 A sigla PB na caixa de texto “Notícia no PB” na Figura 1 significa Psychological Bulletin. Ressalta-se, ainda, a observação de Fernandes (2022, p. 50) acerca do modelo original, que “[...] possui mais documentos e a linha do tempo é proporcional à cronologia decorrida. Foi necessária adaptação porque a figura original não apresentava boa legibilidade”. 28 2.2.2 Modelo United Nations Internacional Scientific Information System (UNISIST) O modelo UNISIST foi proposto a partir da Conferência Internacional sobre a Transferência de Informação Científica e Técnica, organizada pela UNESCO em dezembro de 1967 e realizada em colaboração com a International Council for Science (ICSU), International Federation for Information Processing (IFIP) e International Federation for Information and Documentation (FID). O trabalho conjunto da UNESCO e das demais organizações resultou na criação de um sistema mundial de informação científica: o UNISIST. Inicialmente, ele foi desenvolvido para atender às ciências básicas e trabalhar com documentos como livros, periódicos, anais de conferências e similares. O UNISIST também apoiou ações, sobretudo nos países em desenvolvimento, de implantação de sistemas nacionais de Informação em Ciência e Tecnologia (ICT), criação de centros nacionais de documentação como forma de suporte às instituições científicas, técnicas e industriais, para a educação superior e para o desenvolvimento dos países (SILVA; ALVES; BARREIRAS, 2019). Ademais, esse modelo descreve os atores da comunicação científica (usuários, produtores, centros de informação, bibliotecas e editores), além de categorizar os canais de comunicação científica como formais, informais e tabulares, bem como apresenta os produtos resultantes desse processo categorizados como fontes primárias (livros, periódicos, dissertações, teses e relatórios), fontes secundárias (resumos, índices de periódicos, catálogos, guias, bibliografias e serviços de referência) e fontes terciárias (revisões e sínteses) (UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION, 1971). 29 Figura 2 - Modelo UNISIST T Fonte: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (1971, p. 26 traduzido por FERNANDES, 2022, p. 54). 2.2.3 Modelo de Hurd Diante do uso maciço das TICs, da internet e da web no âmbito científico, Hurd (2000) propõe a inclusão desses elementos no processo de comunicação científica. Em se tratando do ambiente digital, a autora acredita que continuará existindo a revisão por pares para garantir a qualidade das publicações, assim como o “colégio invisível” como forma de comunicação informal, agora em rede, além do armazenamento e compartilhamento de dados de pesquisa em 30 servidores disponíveis para outros pesquisadores que queiram incluí-los ou reutilizá-los em seus próprios trabalhos. Ademais, a autora acredita que o estabelecimento de parcerias entre diferentes atores da comunicação científica pode fortalecer a atividade de publicação científica, a exemplo da união de esforços de bibliotecas e editoras universitárias como editores das pesquisas de docentes. Além disso, serviços agregadores, a exemplo de portais denominados metabuscadores, também se destacam como uma forma de parceria entre diferentes fornecedores de conteúdo que podem ofertar, dentre outros materiais, periódicos científicos, disponíveis eletronicamente por meio de um mecanismo de pesquisa e links para acesso ao texto completo. Hurd (2000) também considera importante observar as variações entre as áreas do conhecimento na passagem de uma comunicação impressa para a eletrônica e ainda define os principais recursos e funcionalidades: (a) existência de uma frente de pesquisa ativa; (b) valor atribuído à disseminação rápida dos resultados; (c) presença de um colégio invisível ativo; (d) prevalência de projetos colaborativos em grande escala; (e) dispersão geográfica das equipes; (f) interdisciplinaridade do uso de colaborações de pesquisa de grandes conjuntos de dados compartilhados; e (g) papel das patentes na proteção da propriedade intelectual (HURD, 2004, p. 1283, tradução nossa). Por fim, a autora considera que, diante da mudança provocada pelo ambiente eletrônico, também estão em jogo desafios econômicos, jurídicos e comportamentais. De um lado, as editoras buscam novos modelos de negócios que garantam a continuidade das receitas provenientes de seus produtos, e de outro, enfrentam desafios de ordem jurídica como os direitos autorais de seus conteúdos, agora digitalizados e mais facilmente acessíveis. No que se refere ao comportamento, todos os atores da comunicação científica estão sofrendo alterações nas suas funções, sejam os autores que atuam como editores quando publicam seus relatórios de pesquisa online, sejam as editoras e as bibliotecas universitárias quando trabalham em conjunto na edição dos trabalhos dos docentes ou, ainda, as associações profissionais e científicas trabalhando na edição e digitalização de seus periódicos. Por essa razão, a autora acredita que outros desenvolvimentos podem ocorrer na comunicação científica, sobretudo aqueles relacionados às TICs. 31 Figura 3 - Modelo de Hurd Fonte: Hurd (2000, p. 1280). 2.2.4 Modelo de Søndergaard, Andersen e Hjørland Søndergaard, Andersen e Hjørland (2003) realizaram uma revisão do modelo UNISIST a partir da introdução da visão analítica de domínio da Ciência da Informação pelo fato de considerarem que ela possui potencial para delinear e compreender estruturas de comunicação em relação à recuperação da informação e à organização do conhecimento. Ademais, os autores consideram que o desenvolvimento das TICs, especialmente a internet, tornou o modelo inadequado. Portanto, a internet também foi introduzida nessa revisão. No UNISIST, as funções desempenhadas pelos atores da comunicação científica eram mais bem definidas, haja vista que as TICs ainda não eram amplamente utilizadas nesse contexto. Da mesma forma, o fluxo da informação científica e as fontes de informação também eram dispostas de forma mais clara. Assim, o modelo previa como atores os produtores, editores, serviços de indexação e resumos, bibliotecas, câmaras de compensação, centros de informação e centros de dados, e como fontes de informação as primárias (relacionadas com a seleção, produção e distribuição de informação, como livros, periódicos científicos, teses, dissertações e relatórios), secundárias (relacionadas com a análise, armazenamento e distribuição da informação, como bibliografias de assunto, índices de citação, catálogos de biblioteca e análises de bases de dados) e terciárias (aquelas que consolidam as fontes primárias, como revisões e sínteses). 32 Na atualização proposta por Søndergaard, Andersen e Hjørland (2003), a internet é um elemento central. A partir dela, os autores acrescentaram bases de dados de preprints, servidores de organizações científicas e de pesquisa, bibliotecas eletrônicas (e-libraries), buscadores, diretórios e bibliotecas virtuais como novos atores da comunicação científica. Em relação às fontes de informação, foram acrescentados os periódicos científicos eletrônicos na categoria de fontes primárias, assim como os preprints. Na categoria de fontes terciárias, destacam-se as bibliotecas eletrônicas (e-libraries), buscadores, diretórios, bibliotecas virtuais e os Online Public Access Catalog (OPACs) como fontes que consolidam aquelas que se enquadram como primárias e secundárias. Além disso, observa-se a ausência de centros de dados, pois os autores consideram que os dados por meio de canais de comunicação formais, como editores, e o “[...] fato de que outros tipos de mensagens, como programas de computador, imagens e sons, não são representados por canais separados” (SØNDERGAARD; ANDERSEN; HJØRLAND, 2003, p. 287, tradução nossa). Por outro lado, os autores reconhecem que a comunicação mediada pelas TICs pode causar uma categorização diferente das unidades documentais apontadas em cada tipo de fonte de informação, além de reconhecerem que pode haver problemas na definição de quando um documento é “publicado” ou não na internet. Da mesma forma, reconhecem que cada domínio tem suas particularidades em relação à comunicação, publicação e tipos de documentos, fato que preveem no seu modelo. 33 Figura 4 - Modelo de Søndergaard, Andersen e Hjørland Fonte: Søndergaard, Andersen e Hjørland (2003, p. 303 traduzido por FERNANDES, 2022, p. 72). 2.2.5 Modelo de comunicação científica de Björk O modelo de Björk (2005a) está baseado na metodologia IDEF0, que é comumente utilizada para a reengenharia de processos de negócios nas indústrias de manufatura. Essa metodologia apresenta maior detalhamento, hierarquia e mais construções de modelagem, como atividades, entradas, saídas, mecanismos e controle. Segundo o autor, o objetivo do modelo é que ele possa ser utilizado como um roteiro para as discussões políticas e pesquisas relacionadas à comunicação científica, seja ela formal ou informal. Seu foco é a modelagem da publicação e indexação de artigos de periódicos e as atividades dos leitores de recuperação e acesso desses artigos. Inclui, ainda, novos modelos de negócios propiciados pela internet, como os periódicos de acesso aberto e os repositórios de preprints. Além disso, o modelo inclui 34 atividades de todos os atores envolvidos com a comunicação científica, inclusive pesquisadores que realizam estudos, editores que gerenciam o processo de publicação, acadêmicos que atuam como revisores e editores, bibliotecas que ajudam na preservação e acesso às publicações, serviços bibliográficos que facilitam a identificação e recuperação das publicações, leitores interessados nas publicações e profissionais que aplicam os resultados dos estudos (BJÖRK, 2005b). Embora seja um modelo detalhado, com 26 diagramas, 80 atividades diferentes e 200 entradas, saídas, mecanismos e controles, o autor comenta que uma de suas limitações é a ênfase na publicação e divulgação dos resultados na forma de publicações que podem ser impressas e estudadas em papel, independentemente de serem distribuídas em meio impresso ou eletrônico. Logo, formas de comunicação como a modalidade oral, uso não-estruturado de e-mail e multimídia, assim como a publicação de dados e modelos, estão presentes em um nível de abstração mais elevado. Além disso, o modelo não apresenta as atividades de financiamento, haja vista que quase todas as etapas são financiadas com recursos públicos ou provenientes de agências de fomento à pesquisa (BJÖRK, 2005b). Figura 5 - Extrato do modelo de Björk Fonte: Björk (2005a, p. 170). 35 2.2.6 Modelo de Czerniewicz O modelo de Czerniewicz (2013) aborda a comunicação científica a partir da perspectiva do ciclo de criação e disseminação do conhecimento. Esse modelo incorporou elementos mais recentes que influenciaram a comunicação científica, tais como redes sociais e ferramentas da web 2.0, haja vista que modelos anteriores não os incorporavam (BJÖRK, 2005a, 2005b; HURD, 2004) e alguns foram até mesmo criados antes da popularização da internet (GARVEY; GRIFFITH, 1972; UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION, 1971). A autora divide seu modelo em quatro fases: conceituação, marcado pela exploração do assunto a partir da literatura e modelos teóricos disponíveis; coleta, curadoria e análise de dados, sejam eles textos, sons ou imagens; fase de descobertas, com a divulgação em livros, revistas e anais de eventos dos resultados provenientes da pesquisa; e a fase de tradução e engajamento, onde o conhecimento científico é disseminado para canais de divulgação científica com vistas a atingir toda a sociedade. O diferencial deste modelo é a identificação de que todas as fases passam a ocorrer de maneira colaborativa e aberta, isto é, os pesquisadores podem se comunicar entre si desde a concepção da pesquisa e não apenas no final, quando apresentam seus resultados para a comunidade científica. No caso da fase de conceituação, antes uma atividade privada e exclusiva dos autores, as ideias passam a ser compartilhadas por meio de sites sociais de favoritos (social bookmarking) e anotações. Já a fase de coleta, curadoria e análise de dados é caracterizada pela possibilidade oferecida pela tecnologia para a análise de grande quantidade de dados por meio de mecanismos como big data e mineração de textos. A terceira fase, descobertas, é caracterizada pelo conteúdo resultante das pesquisas apresentar versões dinâmicas multimodais, assim como pelo crescimento de conteúdos “ricos” (rich media), isto é, complementados por outras mídias além do texto, e visualização, pelas “publicações ampliadas” (“enhanced publications”2), aumento da publicação em acesso aberto e o surgimento de megajournals3. Por fim, a quarta fase é formada por outras audiências que não os acadêmicos e é considerada uma via de mão-dupla, pois a sociedade pode contribuir para a melhoria dos resultados de pesquisa enviando novas informações a serem avaliadas pelos 2 Esse tipo de publicação pode abranger artigos de periódicos e utiliza-se de uma representação mais visual proporcionada pela web, seja por meio de recursos de multimídia (que incluem imagens e sons), seja por meio da inclusão de hiperlinks ou, ainda, por meio da incorporação de mídias sociais (CZERNIEWICZ, 2013). 3 Trata-se de periódicos com escopo disciplinar mais amplo e, assim, permitindo intersecção entre as áreas. Geralmente apresentam a forma de grandes repositórios temáticos (CZERNIEWICZ, 2013). 36 pesquisadores para serem agregadas ou não nos seus trabalhos. Ademais, essa fase também se caracteriza pelo uso de Recursos Educacionais Abertos (REA) e livros didáticos abertos, além de propor novas medidas de impacto por meio da altmetria. Figura 6 - Modelo de Czerniewicz Fonte: Czerniewicz (2013, p. 17). 2.2.7 Modelo de Silva et al. Silva et al. (2017) também consideram que as TICs mudaram muitas práticas da comunicação científica, como a comunicação entre os pesquisadores, a busca de informação e o compartilhamento de resultados de pesquisas. Ademais, os autores acrescentam que as práticas de ciência aberta também influenciaram na comunicação científica e, diante disso, propõem um modelo com elementos da ciência aberta. Nele, destaca-se a presença dos dados de pesquisa, que são apontados pelos autores como elemento de interesse da comunidade científica, haja vista que constituem uma parte das práticas atuais ao lado da publicação e demais etapas da comunicação científica. Esse modelo reconhece, ainda, que os anteriores estavam voltados para um ambiente onde proliferava a produção de documentos impressos (GARVEY; GRIFFITH, 1972; UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION, 1971), e, mesmo os modelos mais recentes (BJÖRK, 2005a; CZERNIEWICZ, 2013; HURD, 2000; 37 SØNDERGAARD; ANDERSEN; HJØRLAND, 2003), não contemplam as dimensões atuais do 4º paradigma da ciência (escience). Dessa forma, o modelo dos autores inclui, resumidamente, as seguintes práticas de ciência aberta: procedimentos de pesquisa adotados; nuvens de dados; publicações intermediárias (literatura cinzenta); e preprints. Outro destaque desse modelo recai sobre a maior visibilidade das pesquisas, haja vista que os elementos da ciência aberta proporcionam que os resultados sejam compartilhados com a sociedade, tornando o conhecimento científico mais próximo de todos. Isso é visível pela inclusão da divulgação científica e educação aberta como elementos constituintes do processo de comunicação científica. Figura 7 - Modelo de Silva et al. Fonte: Silva et al. (2017, p. 4). Como o foco deste estudo é apresentar a comunicação científica na perspectiva da biblioteca universitária, o seguinte quadro apresenta a atuação da biblioteca em cada modelo analisado. 38 Quadro 1 - Atuação da biblioteca universitária nos modelos de comunicação científica Autor Ano Espaços de atuação da biblioteca universitária UNISIST 1971 A biblioteca, enquanto “unidade organizacional”, atua como depositária de “unidades documentais” resultantes da pesquisa, como os periódicos. Da mesma forma, disponibiliza catálogos, guias e serviços de referências para viabilizar o acesso àquelas unidades. Além disso, ela atua como um elemento no ciclo de comunicação científica que conecta o usuário às diversas fontes de informação. Garvey e Griffith 1972 A biblioteca não é citada. Hurd 2000 A biblioteca é citada como uma instituição que redefinirá suas funções diante do contexto tecnológico da comunicação científica. A autora vê como promissoras as funções de digitalização e o estabelecimento de parceria com as editoras universitárias na publicação dos resultados de pesquisa da comunidade acadêmica. Søndergaard, Andersen e Hjørland 2003 A biblioteca é descrita como a instituição responsável pela coleta, registro, armazenamento, preservação e disseminação dos produtos originários de fontes primárias, secundárias e terciárias de informação. Também é apresentada como um elemento no meio eletrônico por meio das bibliotecas digitais, de forma a desempenhar suas funções tradicionais no ambiente eletrônico em relação a tipos documentais até então inexistentes, como preprints, periódicos científicos online e catálogos online de acesso público, por exemplo. Björk 2005a A biblioteca é descrita em várias etapas do modelo. Como ele é dividido hierarquicamente, a biblioteca é descrita em mais detalhes na seção A32 – Comunicação de resultados por meio de publicações. Dentro dessa seção, a biblioteca aparece em subseções que descrevem os processos de disseminação e recuperação da informação. Czerniewicz 2013 O modelo destaca o papel de curadoria de conteúdo exercido pela biblioteca de modo a filtrar a volumosa quantidade de informação disponível atualmente. Ademais, comenta sobre o papel da biblioteca nas atividades de publicação e no que se refere às licenças para acesso ao conteúdo, expõe que o material impresso é mais aberto do que o digital, pois enquanto o primeiro pode ser comprado e emprestado até sua desintegração, os e-books são controlados por licenças que restringem a frequência de downloads. Silva et al. 2017 Embora a biblioteca não seja citada, sua atuação pode ocorrer no âmbito das publicações intermediárias e dos preprints. Nesse sentido, o envio das pesquisas para publicação e depósito em canais formais permite que a biblioteca preste apoio no processo de seleção de uma fonte de informação para publicação e na consulta às políticas dos editores na disponibilização no repositório institucional da versão do documento a ser publicado, respectivamente. Fonte: Elaborado pelo autor. 39 À exceção do modelo de Garvey e Griffith (1972), todos os demais incluem a biblioteca como um dos atores envolvidos com a comunicação científica. Nesse sentido, verifica-se três momentos de atuação da biblioteca no âmbito da comunicação científica. No primeiro, tem-se uma era pré-digital, marcada pelo modelo UNISIST (UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION, 1971), onde a biblioteca atuava como mera depositária dos documentos produzidos no período. Em um segundo momento, marcado pelos modelos de Hurd (2000), Søndergaard, Andersen e Hjørland (2003) e Björk (2005a, 2005b), verifica-se a introdução das TICs como uma ferramenta que ampliou o alcance da comunicação científica e, simultaneamente, proporcionou a redefinição de papéis dos atores envolvidos. Nesse sentido, a biblioteca passa a atuar em outras frentes, tais como o apoio à publicação científica e na implantação de ferramentas, como bases de dados, bibliotecas digitais e repositórios institucionais que proporcionam amplo acesso à informação. Por fim, compreende-se que o terceiro momento é marcado pelos modelos de Czerniewicz (2013) e Silva et al. (2017), onde as ferramentas de web 2.0 e outros recursos, como as métricas alternativas (altmetrics), são incluídos na comunicação científica, haja vista que a avaliação da ciência e dos próprios pesquisadores tem suscitado questionamentos diante do contexto digital da pesquisa científica. Além disso, ressalta-se que o modelo de Silva et al. (2017) inclui a divulgação científica como um aspecto a ser considerado no processo de comunicação científica. Isso se deve ao fato de que cada vez mais as universidades são cobradas pela sociedade, para que os resultados das pesquisas desenvolvidas por elas sejam devolvidos na forma de soluções que atendam suas demandas. Assim, faz-se necessário que os pesquisadores disseminem os resultados de suas pesquisas para a sociedade. Para tanto, eles podem valer-se da infraestrutura institucional da universidade para fazer com que a informação científica e tecnológica chegue a todas as camadas sociais. Nesse sentido, é imperativo que a biblioteca universitária, enquanto setor responsável pelo processamento, registro e disseminação da informação, atue também no âmbito da divulgação científica. A divulgação científica aqui tratada não se restringe aos veículos tradicionais de comunicação científica entre os pares, como livros e periódicos, mas sim aquela realizada em todas as mídias tradicionais e digitais. Em um retrospecto histórico sobre o assunto, Mueller e Caribé (2010) discorrem sobre a importância da divulgação científica por meio das TICs, pois além do rádio, televisão, cinema e imprensa, ela pode ser realizada por meio da internet, onde 40 há uma fusão das diversas formas de comunicação existentes e a informação científica torna-se amplamente acessível. Além das TICs, o acesso aberto e a ciência aberta também mudaram a forma de fazer e comunicar ciência. Diante disso, destaca-se que, dentre os elementos componentes da ciência aberta, tem-se a divulgação científica, entendida como a “tradução” da informação científica e tecnológica para o público leigo (ALBAGLI, 1996). Nesse sentido, apresenta-se a relação entre a comunicação científica e a divulgação científica por meio da figura abaixo. Figura 8 - Relação entre comunicação científica e divulgação científica Fonte: Caribé (2011, p. 185). O conhecimento científico deve ser disseminado dentro e fora da universidade. Quando ele visa alcançar a sociedade, comumente utiliza-se o termo divulgação científica que envolve tanto a comunicação via jornalismo científico, como comunicação via outras ações adotadas pelas universidades, como atividades e cursos de extensão. Assim, estimula-se a promoção da ciência cidadã por meio da efetiva integração da sociedade nas atividades de pesquisa desenvolvidas na universidade. 2.3 A função de pesquisa das universidades brasileiras As universidades brasileiras originaram-se, na forma como são conhecidas hoje, somente a partir do século XX. Até o início do século XIX, os filhos das elites brasileiras eram enviados à Europa para estudarem nas universidades, sobretudo portuguesas. Foi somente com 41 a chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, que houve as primeiras iniciativas em torno do desenvolvimento da educação superior no Brasil, quando foram criados os primeiros institutos e escolas isoladas que visavam, prioritariamente, à formação profissional e não ao desenvolvimento científico e tecnológico (ANDALÉCIO, 2009). Foi apenas a partir da década de 1920 que se consolidou a ideia de universidades que aliassem o ensino à pesquisa por meio da atuação organizada de cientistas e educadores reunidos na Academia Brasileira de Ciências (ABC) e na Academia Brasileira de Letras (ABL). É na década de 1930 que surgem duas instituições nesse modelo: a Universidade do Distrito Federal, extinta pelo Estado Novo, e a Universidade de São Paulo, onde os grupos de pesquisa se organizaram de modo mais concentrado (DURHAM, 1998). Ressalta-se que a ideia de universidade de pesquisa originou- se na Europa no século XIX, quando o ensino se associou à pesquisa (BARRETO; FILGUEIRAS, 2007). Essa necessidade de uma universidade voltada às atividades de pesquisa tornou-se premente após a Segunda Guerra Mundial, pois os países envolvidos com a guerra perceberam o potencial que o desenvolvimento científico e tecnológico possuía para as nações, não apenas no aspecto bélico, mas também econômica e socialmente (ANDALÉCIO, 2009). Esse contexto impulsionou a pesquisa científica brasileira a partir da criação de órgãos que apoiassem essa atividade e cujos históricos são relatados a seguir, como a CAPES (COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR, 2022) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ambos em 1951 (CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO, 2022), e as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), cuja história iniciou-se com a fundação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (CONSELHO NACIONAL DAS FUNDAÇÕES ESTADUAIS DE AMPARO À PESQUISA, 2022). Atualmente, as universidades brasileiras possuem autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e, além disso, devem atender ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 1988). Ademais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê que a educação superior, dentre outros objetivos, deve incentivar a pesquisa e a investigação científica com vistas ao desenvolvimento científico e tecnológico, bem como a criação da cultura (BRASIL, 1996). Essa mesma lei prevê que “as universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano” (BRASIL, 1996), caracterizadas por produção intelectual realizada a partir do estudo sistemático de temas e 42 problemas relevantes, um terço do corpo docente com o grau de mestre ou doutor e um terço do corpo docente em regime de tempo integral. Historicamente, a pesquisa na universidade brasileira é fortemente atrelada às atividades de pós-graduação, bem como ao financiamento oferecido pelas agências de fomento na forma de bolsas de pesquisa, infraestrutura e insumos. No entanto, Durham (1998) comenta que houve uma perda de prestígio dessa instituição ocasionada, sobretudo, pela valorização da pesquisa em detrimento da expansão pelo ensino superior, gerando insatisfação popular devido à quantidade de vagas insuficientes para a população brasileira, bem como o custo elevado de manutenção das universidades, especialmente as públicas, quando comparadas às instituições privadas e estrangeiras. Além disso, tem-se o cenário competitivo atual marcado, sobretudo, pela avaliação das universidades por meio dos rankings universitários, que são definidos como Listas ou quadros de classificação que comparam e ordenam os resultados das universidades em função de uma série de indicadores considerados em sua maior parte como critérios de ‘qualidade’ que determinam o posto finalmente alcançado das mesmas (ROMERO; PASTOR, 2012, p. 106, tradução nossa). Os rankings se tornaram objeto de atenção das universidades brasileiras há aproximadamente uma década e, desde então, têm sido utilizados e divulgados com frequência, seja para alunos decidirem em qual instituição desejam ingressar, seja para os gestores das universidades tomarem decisões que visem à melhoria das instituições. Por outro lado, são criticados por possuírem diferentes metodologias de avaliação, sendo que é frequente o uso da produção científica como um dos principais critérios de avaliação em detrimento de outros indicadores, como ações relacionadas ao ensino e à extensão. Outra crítica aos rankings internacionais está no fato de que muitos deles pautam sua avaliação no modelo estadunidense, de universidade paga, que recebe fundos de associações de ex-alunos, ou em modelos europeus de universidades técnicas ou, ainda, na divisão de universidades de ensino e universidades de pesquisa. Diante disso e considerando que as universidades brasileiras desenvolvem suas ações nesses três eixos (ensino, pesquisa e extensão), alguns indicadores e critérios dos rankings podem afetar negativamente a posição de algumas instituições nacionais. Além do cenário competitivo posto pelos rankings, a pesquisa universitária é desafiada pela perspectiva econômica sob a qual é vista atualmente e se desdobra em duas vertentes: de um lado, a promoção do conhecimento enquanto mecanismo de melhoria da economia e, de outro, a possibilidade de financiamento a partir dos seus resultados, medidos desde o fator do 43 impacto das revistas onde as pesquisas são publicadas à avaliação dos professores e pesquisadores em aspectos como a obtenção de financiamento para projetos de pesquisa (GONZÁLEZ-SOLAR, 2016). Outro aspecto que também vem sendo cada vez mais valorizado no âmbito da pesquisa é a ciência aberta, termo cunhado pelo economista Paul David em 2003, que considera o conhecimento científico gerado pela pesquisa pública como um bem público e que, portanto, deve estar disponível para a sociedade sem custo adicional, visto que por ser público, promove maiores retornos sociais (DAVID, 2003). Bartling e Friesike (2014) consideram a ciência como “aberta” desde o século XVII e, atualmente, ela é ainda mais aberta pelo fato de os pesquisadores terem condições, por meio das TICs, de apresentarem resultados, ideias e dados de pesquisa mais rapidamente e para um público maior. Desta forma, a avaliação por meio da produção científica também é afetada, pois a ciência aberta promove uma nova dinâmica de pesquisa, como o acesso ilimitado ao conteúdo e a necessidade de sua indexação promove o desenvolvimento de ações que visam dar visibilidade a documentos “invisíveis” em fontes de informação tradicionais, de modo a evitar sua exclusão dos diferentes métodos de avaliação baseados em índices de citação (RICO GÁMEZ; MÉNDEZ CUELLAR, 2018). Ocasionada pela ciência aberta tem-se a necessidade de integração de novos modelos de gestão de informação, tanto físico como digital, de forma a promover seu acesso, uso e transparência na integração de dados. Nesse particular, as bibliotecas desempenham um papel fundamental para os pesquisadores por meio do acompanhamento do processo de publicação, tornando-se, assim, um setor estratégico nas atividades de pesquisa universitária. Ademais, Tovar-Sanz (2015) considera que a colaboração com outros setores universitários, o apoio ao acesso aberto e a sistematização de serviços concretos são elementos fundamentais para o apoio à pesquisa, além de uma equipe com habilidades e competências voltadas às necessidades dos pesquisadores. Para tanto, é necessário que a biblioteca universitária desenvolva ações para atender às necessidades atuais dos pesquisadores. No que se refere aos países estrangeiros, o desenvolvimento científico e tecnológico tem uma história mais longeva do que o Brasil, fato que inclusive influenciou a criação dos órgãos nacionais. O desenvolvimento bélico dos países desenvolvidos, principalmente em períodos de guerra, trouxe consigo novos produtos e serviços e, consequentemente, institutos de pesquisa e universidades passaram a dedicar-se às pesquisas em prol desse desenvolvimento. Para isso, precisam contar com uma infraestrutura completa de modo a ter todas as suas necessidades atendidas. Dentre os elementos dessa infraestrutura, encontram-se as bibliotecas universitárias enquanto prestadoras de produtos e serviços 44 dedicados a atender as demandas dos pesquisadores em temas como direitos autorais (SCHMIDT; BOCZAR, 2021), publicação científica (IVINS; LUTHER, 2011), bibliometria (GUMPENBERGER; WIELAND; GORRAIZ, 2012) e gestão de dados de pesquisa (COX et al., 2017; WEAVER; RICHARDSON, 2021), por exemplo. No caso do Brasil, as bibliotecas universitárias desenvolveram outros produtos e serviços de comunicação científica de forma sistêmica que contribuíram para o atendimento das necessidades dos pesquisadores. Nesse sentido, destaca-se a cooperação por meio de sistemas de informação compartilhados, como o Serviço de Intercâmbio de Catalogação (SIC), em 1942, o Catálogo Coletivo Nacional (CCN), em 1954, a Rede Nacional de Catalogação Cooperativa (Rede BIBLIODATA) e o Programa de Comutação Bibliográfica (COMUT), ambos na década de 1980, o Prossiga, do IBICT, de 1995 a 2003 e a BDTD de 2003 (CUNHA; DIÓGENES, 2016). Atualmente, as bibliotecas universitárias brasileiras também atuam nos temas mais recentemente discutidos em comunicação científica, como repositórios institucionais (MARRA, 2012) e serviços de editoração (SANTILLÁN-ALDANA; MUELLER, 2016), por exemplo. Outras iniciativas voltadas à comunicação científica para as bibliotecas universitárias brasileiras são desenvolvidas no âmbito da FEBAB por meio da Comissão Brasileira de Bibliotecas Universitárias (CBBU). Dentre elas, destacam-se a disponibilização de uma lista de discussão que visa criar uma rede de troca de experiências e melhores práticas frente aos desafios enfrentados pelas bibliotecas universitárias brasileiras; uma lista de discussão denominada COOPERA, cujo objetivo é promover a integração e cooperação entre as bibliotecas filiadas à CBBU de forma a otimizar os recursos das instituições, utilizar mecanismos que promovam a conectividade de transferência do conhecimento e permitir acesso a serviços bibliotecários de qualidade; a realização do I Fórum de Bibliotecas Universitárias cujo tema foi “Comunicação Científica no contexto da Ciência Aberta” no Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD) de 2019, onde foram abordados assuntos como plágio no contexto da integridade científica, performance da pesquisa brasileira, revistas científicas universitárias e o desenvolvimento da ciência aberta na América Latina (COMISSÃO BRASILEIRA DE BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS, 2021). As políticas e sistemas de informação compartilhados supracitados visavam tanto a racionalização dos acervos, processos técnicos e administrativos, como o cumprimento de um dos papeis primordiais da biblioteca universitária, isto é, a provisão do acesso à informação. No entanto, esse papel passou a ser revisto a partir da introdução da tecnologia digital, o que fez com que a biblioteca universitária reavaliasse sua finalidade e seu propósito futuro, seus 45 produtos, serviços e a forma de atuação do bibliotecário nesse contexto (CUNHA, 2000, 2010). Além disso, e especialmente em relação às bibliotecas universitárias brasileiras, aspectos de ordem interna (qualificação e quantidade de mão de obra, orçamentos reduzidos, inovações em produtos e serviços) e de ordem política (políticas estatais para a educação superior, novas demandas da universidade em relação ao seu papel pedagógico) foram desafios que essas instituições precisaram enfrentar e conviver durante muitas décadas (CUNHA; DIÓGENES, 2016). Se, de um lado, verifica-se a necessidade de a biblioteca universitária oferecer produtos e serviços voltados à comunicação científica, de outro faz-se necessário promover o desenvolvimento de competências e habilidades do bibliotecário para atuar nessa seara. Nesse sentido, o documento NASIG Core Compentencies for Scholarly Communication Librarians apresenta cinco áreas de atuação do bibliotecário na comunicação científica, a saber: gestão de repositório institucional; serviços de publicação; serviços de direitos autorais; serviços de gestão de dados; avaliação e métricas de impacto (WESOLEK et al., 2017). Outros dois documentos definem as competências do bibliotecário no âmbito da comunicação científica e acesso aberto (serviços de publicação científica; serviços de repositórios de acesso aberto; suporte aos direitos autorais e acesso aberto; avaliação de recursos científicos) (CALARCO et al., 2016) e no âmbito da gestão de dados de pesquisa (fornecimento de acesso a dados; advocacy e suporte para gerenciamento de dados; gestão de coleções de dados) (SCHMIDT; SHEARER, 2016). Como as bibliotecas universitárias são instituições que possuem funções, estruturas e padrões estabelecidos há séculos, podem utilizá-los como quadros de referência para atuarem no contexto atual. Conforme o ambiente de informação digital evolui, elas devem se preparar para questões emergentes, tais como: financiamento, apoio à publicação acadêmica, custos crescentes das assinaturas de periódicos, adoção de tecnologias, gerenciamento de conteúdo digital em diferentes plataformas, dentre outros. Além disso, devem prover respostas às necessidades novas e mutáveis da comunidade acadêmica à medida que desenvolvem suas pesquisas no ambiente digital (DUNLAP, 2008). 2.4 Breve histórico da biblioteca universitária brasileira Com a criação das primeiras universidades na Europa no século XII, surgiram também as primeiras bibliotecas universitárias, cuja função era prioritariamente a oferta de material 46 bibliográfico para os estudiosos que as frequentavam. Originárias a partir das bibliotecas dos monastérios, seus acervos eram formados por algumas centenas de exemplares, que pouco a pouco foram aumentando em volume, sobretudo após a invenção da imprensa por Gutenberg no século XV. No próximo século, as bibliotecas universitárias passaram por outras transformações, tais como a mudança de mentalidade medieval para a moderna, problemas de organização e classificação e a dificuldade de recuperação do acervo (ANTÓNIO, 2020; BAPTISTA; SOUSA; MANINI, 2019). Com isso, surgiram diversos estudos, tratados e manuais que apresentavam propostas de organização, descrição, preservação e conservação dos documentos, porém, essas obras ainda não apresentavam conhecimentos biblioteconômicos consistentes, mas apenas regras gerais próximas do senso comum (ARAÚJO, 2020). O desenvolvimento desses conhecimentos ocorreu entre dos séculos XVI e XVIII, mas sobretudo a partir de meados do século XIX, com o desenvolvimento de instrumentos utilizados até hoje, como os sistemas de classificação (SALES, 2017). Com isso, iniciou-se uma era na ciência em que a comunicação de resultados se tornou indispensável para que os cientistas e pesquisadores pudessem ter acesso aos novos inventos, descobertas e pesquisas e, assim, avançassem na construção do conhecimento científico. Nesse novo cenário, as universidades precisaram apoiar o desenvolvimento das atividades de pesquisa, visto o crescimento acelerado da ciência e da tecnologia. Dessa forma, a atividade de pesquisa tornou-se fundamental, de tal forma que atualmente ela compõe um dos tripés das universidades, ao lado do ensino e da extensão. Assim, as bibliotecas universitárias precisaram se adequar a essa nova realidade para prover o suporte necessário às atividades de pesquisa universitárias (GONZÁLEZ-SOLAR, 2017). Foi em meados do século XX, porém, que as universidades e suas bibliotecas passaram por mudanças cujo impacto é sentido ainda hoje, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. Nesse período, destaca-se a contribuição de Vannevar Bush com a introdução das TICs para o compartilhamento de resultados de pesquisa e a criação do Memex, um dispositivo mecânico de armazenamento de informação, conhecido como precursor da ideia de hiperlink, que hoje facilita a troca e difusão da informação pela web (MUELLER, 2007; SENA, 2000). No caso brasileiro, a história das bibliotecas remonta à vinda dos jesuítas ao Brasil, que experimentou pouca circulação de livros durante seus três primeiros séculos de história, cenário que foi alterado apenas com a chegada da Família Real Portuguesa em 1808, quando foi instalada a primeira biblioteca real brasileira, doravante denominada Biblioteca Nacional (BN), bem como as primeiras academias de ensino superior, destinadas à formação de pessoas para a 47 ocupação de cargos públicos. No entanto, foi somente a partir da década de 1960 que as bibliotecas universitárias foram expandidas a partir da criação de universidades, o que ocorreu por meio da junção de faculdades isoladas (NUNES; CARVALHO, 2016). Isso se deve à implantação do Regime Universitário na década de 1930, que instituiu a criação das primeiras universidades no país, e à Reforma Universitária de 1968, que impulsionou a criação de bibliotecas universitárias como as das universidades federais do Rio de Janeiro (1945), Ceará (1957), Brasília (1962) e Santa Catarina (1968), como bibliotecas centrais, além das bibliotecas da Universidade de São Paulo (1945) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1959) (BAPTISTA; SOUSA; MANINI, 2019). Ressalta-se que devido, sobretudo, à Reforma Universitária, verificou-se no início da década de 1970 a criação dos primeiros programas de pós-graduação no país, haja vista que a Reforma definiu a pesquisa como um dos pilares da universidade brasileira (ALVES; OLIVEIRA, 2015). Ademais, como o ensino universitário concentrou-se na disseminação de conteúdos fatuais e conceituais, houve maior dependência do aluno em relação ao docente e, consequentemente, uma orientação ao aprendizado programado, baseado em disciplinas, o que levou as bibliotecas universitárias a ocuparem uma função fundamental no desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão (CUNHA; DIÓGENES, 2016). Dentre as alterações instauradas pela Reforma Universitária, criada a partir da Lei n. 5.640, de 28 de novembro de 1968, além de possibilitar a expansão e a criação de universidades e suas bibliotecas, destacam-se a indissolubilidade entre o ensino e a pesquisa no ensino superior nas atividades dos docentes e a apresentação da proposta de implantação da pós- graduação (BRASIL, 1983). Paralelamente à universidade, também foram criadas institu