Revista Brasileira de Oftalmologia PUBLICAÇÃO OFICIAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Publicação bimestral ISSN 0034-7280 Indexada na LILACS Publicação bimestral vol. 65 - nº 4 - Julho/Agosto 2006 Formação de dobra retiniana no estágio cicatricial da retinopatia da prematuridade 195 Publicação bimestral Rev Bras Oftalmol, v. 65, n. 4, p. 195-262, Jul/Ago. 2006 Oftalmologia Revista Brasileira de PUBLICAÇÃO OFICIAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Indexada na LILACS Disponível eletronicamente no site: www.sboportal.org.br ISSN 0034-7280 Editor Chefe Raul N. G. Vianna - Niterói - RJ Co-editores Acacio Muralha Neto - Rio de Janeiro - RJ Arlindo José Freire Portes - Rio de Janeiro - RJ Marcelo Palis Ventura - Niterói - RJ Riuitiro Yamane - Niterói - RJ Corpo Editorial Internacional Baruch D. Kuppermann - Long Beach, CA, EUA Christopher Rapuano - Phyladelphia - EUA Howard Fine - Eugene - EUA Jean-Jacques De Laey - Ghent - Bélgica Lawrence P. Chong - Califórnia - EUA Miguel Burnier Jr. - Montreal, Canadá Peter Laibson - Phyladelphia - EUA Steve Arshnov - Toronto - Canadá Corpo Editorial Nacional Adalmir Morterá Dantas - Niterói - RJ Ana Luisa Hofling Lima - São Paulo - SP Antonio Augusto Velasco Cruz - Ribeirão Preto - SP Ari de Souza Pena - Niterói - RJ Armando Crema - Rio de Janeiro - RJ Carlos Alexandre de Amorin Garcia - Natal - RN Carlos Augusto Moreira Jr. - Curitiba - PR Carlos Souza Dias - São Paulo - SP Celso Marra Pereira - Rio de Janeiro - RJ Denise de Freitas - São Paulo - SP Edmundo Frota de Almeida Sobrinho - Belém - PA Eduardo Cunha de Souza - São Paulo - SP Eduardo Marback - Salvador - BA Fernando Cancado Trindade - Belo Horizonte - MG Flavio Rezende Dias - Rio de Janeiro - RJ Francisco de Assis B Cordeiro - Recife - PE Francisco Grupenmacher - Curitiba - PR Francisco Valter da Justa Freitas - Fortaleza - CE Giovanni Colombini - Rio de Janeiro - RJ Guilherme Herzog - Rio de Janeiro - RJ Helena Parente Solari - Niterói - RJ Henderson Almeida - Belo Horizonte - MG Hilton Arcoverde G. de Medeiros - Brasília - DF Homero Gusmão de Almeida - Belo Horizonte - MG Italo Mundialino Marcon - Porto Alegre - RS Jacó Lavinsky - Porto Alegre - RS João Borges Fortes Filho - Porto Alegre - RS Joao Luiz Lobo Ferreira - Florianopólis - SC João Orlando Ribeiro Gonçalves - Teresina - PI Joaquim Marinho de Queiroz - Belém - PA Jose Ricardo Carvalho L. Rehder - São Paulo - SP Laurentino Biccas Neto - Vitória - ES Leiria de Andrade Neto - Fortaleza - CE Liana Maria V. de O. Ventura - Recife - PE Manuel Augusto Pereira Vilela - Porto Alegre - RS Maurício Bastos Pereira - Rio de Janeiro - RJ Marcio Bittar Nehemy - Belo Horizonte - MG Marco Rey - Natal - RN Marcos Ávila - Goiania - GO Maria de Lourdes Veronese Rodrigues - Ribeirão Preto - SP Maria Rosa Bet de Moraes Silva - Botucatu - SP Mario Martins dos Santos Motta - Rio de Janeiro - RJ Mário Monteiro - São Paulo - SP Mariza Toledo de Abreu - São Paulo - SP Miguel Ângelo Padilha - Rio de Janeiro - RJ Milton Ruiz Alves - São Paulo - SP Nassim Calixto - Belo Horizonte - MG Newton Kara-José - São Paulo - SP Octávio Moura Brasil - Rio de Janeiro - RJ Paulo Augusto de Arruda Mello - São Paulo - SP Paulo Schor - São Paulo - SP Remo Susana Jr - São Paulo - SP Renato Ambrósio Jr. - Rio de Janeiro - RJ Renato Curi - Niterói - RJ Roberto Lorens Marback - Salvador - BA Rubens Camargo Siqueira - São João do Rio Preto - SP Sebastião Cronemberger - Belo Horizonte - MG Silvana Artioli Schellini - Botucatu - SP Suel Abujâmra - São Paulo - SP Tadeu Cvintal - São Paulo - SP Valênio Peres França - Belo Horizonte - MG Virgílio Centurion - São Paulo - SP Walton Nosé - São Paulo - SP Wesley Ribeiro Campos - Passos - MG Yoshifumi Yamane - Rio de Janeiro - RJ Redação: Rua São Salvador, 107 Laranjeiras CEP 22231-170 Rio de Janeiro - RJ Tel: (0xx21) 2557-7298 Fax: (0xx21) 2205-2240 Tiragem: 5.000 exemplares Edição: Bimestral Secretaria: Juliana Matheus Editoração Eletrônica: Marco Antonio Pinto DG 25341RJ Publicidade: Sociedade Brasileira de Oftalmologia Responsável: João Diniz Revisão: Eliana de Souza FENAJ-RP 15638/71/05 Normalização: Edna Terezinha Rother Assinatura Anual: R$240,00 ou US$210,00 196 Rua São Salvador, 107 - Laranjeiras - CEP 22231-170 - Rio de Janeiro - RJ Tels: (0xx21) 2557-7298 / 2205-7728 - Fax: (0xx21) 2205-2240 - e-mail: sbo@sboportal.org.br - www.sboportal.org.br Revista Brasileira de Oftalmologia, ISSN 0034-7280, é uma publicação bimestral da Sociedade Brasileira de Oftalmologia SOCIEDADES FILIADAS À SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Diretoria da SBO 2005-2006 Presidente Yoshifumi Yamane Vice-presidente Luis Carlos Pereira Portes Vice-presidentes regionais Edna Almodin Marcos Ávila Roberto Lorens Marback Sebastião Cronemberger Secretário geral Octávio Moura Brasil 1º Secretário Aderbal de Albuquerque Alves Jr. 2º Secretário Eduardo França Damasceno Tesoureiro Eduardo Takeshi Yamane Diretor de Cursos Armando Stefano Crema Diretor de Publicações Raul N. G. Vianna Diretor de Biblioteca Gilberto dos Passos Conselho Consultivo Adalmir Morterá Dantas Carlos Fernando Ferreira Flavio Rezende Morizot Leite Filho Oswaldo Moura Brasil Paulo César Fontes Conselho Fiscal Celso Kljenberg Luiz Alberto Molina Tânia Mara Schaefer Suplentes Antonio Luiz Zangalli Isabel Félix Lizabel Gemperli Revista Brasileira de Oftalmologia ISSN 0034-7280 Associação Brasileira de Banco de Olhos e Transplante de Córnea Presidente: Dr. Paulo André Polisuk Associação Matogrossense de Oftalmologia Presidente: Dra. Maria Regina Vieira A. Marques Associação Pan-Americana de Banco de Olhos Presidente: Dr. Elcio Hideo Sato Associação Paranaense de Oftalmologia Presidente: Dra. Tania Mara Schaefer Associação Sul Matogrossense de Oftalmologia Presidente: Dra. 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Sant’Anna Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa Presidente: Dr. Waldir Portelinha Sociedade Brasileira de Ecografia em Oftalmologia Presidente: Dr. Celso Klejnberg Sociedade de Oftalmologia do Amazonas Presidente: Dr. Manuel Neuzimar Pinheiro Junior Sociedade Capixaba de Oftalmologia Presidente: Dr. José Geraldo Viana Moraes Sociedade Catarinense de Oftalmologia Presidente: Dr. Otávio Nesi Sociedade Goiana de Oftalmologia Presidente: Dr. Solimar Moisés de Souza Sociedade Maranhense de Oftalmologia Presidente: Dr. Mauro César Viana de Oliveira Sociedade de Oftalmologia da Bahia Presidente: Dr. Eduardo Marback Sociedade de Oftalmologia do Ceará Presidente: Dr. Fernando Antônio Lopes Furtado Mendes Sociedade Norte Nordeste de Oftalmologia Presidente: Dr. Luiz Nogueira Sociedade de Oftalmologia do Nordeste Mineiro Presidente: Dr. Mauro César Gobira Guimarães Sociedade de Oftalmologia de Pernambuco Presidente: Dr. Theophilo Freitas Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Norte Presidente: Dr. Israel Monte Nunes Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul Presidente: Dr. Afonso Reichel Pereira Sociedade Paraibana de Oftalmologia Presidente: Dr. Ivandemberg Velloso Meira Lima Sociedade Paraense de Oftalmologia Presidente: Dr. Ofir Dias Vieira Sociedade Sergipana de Oftalmologia Presidente: Dr. Joel Carvalhal Borges 197 Sumário - Contents Publicação bimestral Rev Bras Oftalmol, v. 65, n.4, p. 195-262, Jul/Ago. 2006 Oftalmologia Revista Brasileira de PUBLICAÇÃO OFICIAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Fundada em 01 de junho de 1942 CODEN: RBOFA9 Indexada na LILACS Disponível eletronicamente no site: www.sboportal.org.br ISSN 0034-7280 Editorial 199 A educação na residência em oftalmologia Prof. Dr. Manuel A P Vilela Artigos originais 201 Condições de embalagem, rotulagem e ocorrência de contaminação da água boricada Evaluation of packing, labeling and contamination of boric acid solutions Rosiane Nickel, Percy Nohama, Wanda Moscalewski Abrahão 209 A prevalência dos vícios de refração em crianças da rede pública de ensino na cidade de Araçatuba - SP Prevalence of refractions errors in schoolchildren of public education system of the city of Araçatuba, São Paulo, Brazil José Henrique Pinto Castilho, 216 Causas de baixa visão na Fundação Catarinense de Educação Especial Low Vision causes at Fundação Catarinense de Educação Especial Eduardo Moritz dos Santos, Franciele Vegini 220 Prevalência de tracoma cicatricial em Botucatu - estado de São Paulo Prevalence of trachoma cicatricial at Botucatu city - São Paulo state Silvana Artioli Schellini, Dalton kitakawa, Eliana Onishi, Érika Hoyama, Carlos Roberto Padovani 224 A biometria no olho míope: estudo comparativo de três fórmulas e sua previsibilidade refracional Biometry in high myopic eyes: the previsibility of three formulas Augusto Cezar Lacava, Virgilio Centuion 229 Pesquisa de vitreosquise em olhos normais Vitreoschisis in normal eyes study João J. Nassaralla Junior, Belquiz R. Amaral Nassaralla, Fernando Oréfice 198 234 Tratamento da neovascularização coroideana secundária à degeneração macular relacionada à idade utilizando a terapia fotodinâmica com a verteporfina: estudo retrospectivo de 122 casos Treatment of choroidal neovascularization secondary to age-related macular degeneration using photodynamic therapy with verteporfin: retrospective study of 122 cases Fernando Kayat Avvad, Luciana Fonseca Lucchese Relato de caso 242 The role of indocyanine green angiography in the diagnosis of “Birdshot” chorioretinopathy O valor da angiografia com indocianina verde no diagnóstico da coriorretinopatia tipo ‘Birdshot’ Raul N G.Vianna, Daniela Socci, João Pessôa Souza Filho, Jean Deschênes, Miguel N. Burnier Junior Artigo de revisão 246 Retinopatia da prematuridade Retinopathy of prematurity João Borges Fortes Filho Errata 259 Tratamento do retinoblastoma Instruções aos autores 260 Normas para publicação de artigos na RBO 199 A formação educacional durante a residência médica está sofrendo uma mudança de rota. Ou melhor, um aperfeiçoamento da mesma. Desta vez, as transmutações não nasceram no seio dos centros formadores, mas estão sendo impostas pelo mercado. Entenda-se mercado pela conjun- ção das necessidades governamentais, públicas e dos sistemas de saúde. A palavra chave é competência. As informações estão ao alcance de todos, os custos precisam ser cada vez mais ser enxutos, a tecnologia cresce exponencialmente, escolas médicas brotam desajuizadamente, acirrando, às últimas, a competitividade profissional. Nos EUA foi criado o ACGME(1) (The Accreditation Council for Graduate Medical Education), instituição privada, de abrangência nacional, com a finalidade de criar meios e métodos para refinar e mensurar a formação nas Residências Médicas. As principais aptidões focadas foram: (1) os cuidados com os pacientes; (2) o conhecimento médico; (3) a progressão da perícia práti- ca; (4) habilidades nas comunicações e interpessoais; (5) o profissionalismo; (6) a prática baseada em sistemas e (7) o domínio cirúrgico. Para cada uma destas vêm sendo propostas formas objetivas de avaliação dos alunos (e seus mestres), reprodutíveis, rápidas, confiáveis, pouco interferindo nos custos das agremiações(2-8). Não significa que os tradicionais testes escritos, orais, e os pareceres subjetivos ao longo dos rodízios nos setores estejam proscritos. São apenas insuficientes. Vale a pena testar a nova metodologia. OCEX(9), GRASIS(7) OASIS(10) são propostas interessantes, uniformizam conceitos, eliminam a subjetividade, e, principalmente, dão rosto a cada aluno, podendo revigorar os docentes e os Cursos. Permitem monitorar se graduandos e preceptores, de forma reta e resoluta, estão (ou não) desenvolvendo um conjunto de capacitações que os tornará essenciais, até mesmo para uma concorrência inerentemente desqualificada. Em nosso meio prevalece, ainda, a rotina onde estas pós-graduações, à laia antiga, têm formas particulares de avaliar a evolução prática de cada aluno, sendo que a titulação é outorgada pelo exame nacional do CBO. Ou nem isso, se assim desejarem os ocupantes das vagas do Conselho Nacional de Residência Médica. Na carona destes novos ventos algumas conclusões surpreendem às avessas. Reduzir a carga horária dos Residentes, por exemplo, não aumenta a satisfação intelectual e eleva a ansiedade em relação às oportunidades de aprendizado que possam ser perdidas(11-13). Outro dado coletado: em breve o número de subespecialistas excederá às necessidades populacionais. Sinal vermelho para os progra- mas de “fellowships”. Por acaso algum dado similar está disponível em nosso meio? Gedde e colabo- radores(14) destacam que 64% dos residentes estão buscando a superespecialização, à caça de maior perícia, prestígio e colocações nas diferentes praças. A meu ver, o surgimento destes objetivos (e exemplos) expõe certas crenças ao paredão. Não me parece que o problema seja tão somente “barrar a proliferação de oftalmologistas” (cerca de 500 novos profissionais ao ano em nosso país (15)), ou guilhotinar Cursos, ou amputar as ditas “vias laterais de acesso à especialidade”. Isso nada mais é do que uma poda, deixando-se intocada a raiz. Antes de tudo - e ao nosso EDITORIAL A educação na residência em oftalmologia Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 199-200 “É somente após termos encontrado a nós mesmos que devemos saber perdermo-nos de quando em quando – para nos reencontrarmos em seguida” Friedrich Nietzsche 200 Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 199-200 A educação na residência em oftalmologia real alcance -, buscar padrões de julgamento eficazes, aprimorar e estimular a qualificação dos docentes e Cursos, burilar e afiançar as competências daqueles que estão sendo formados. A indigência intelectual se encarregará de selecionar e controlar o mercado. Diante de tantas variáveis o melhor pode ser concentrar as preocupações em nós mesmos. O que já é o bastante. Prof. Dr. Manuel A P Vilela Titular de Oftalmologia; Chefe do serviço de Oftalmologia, Universidade Federal de Pelotas – UFPel – Pelotas (RS); Diretor, Departamento de ensino e pesquisa Instituto Ivo Corrêa-Meyer, Porto Alegre (RS), Brasil REFERÊNCIAS 1. Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) general competencies [ homepage on the Internet]; [cited 2006 Jan 6]. Available from: www.acgme.org. 2. Lee AG. The new competencies and their impact on resident training in ophthalmology. Surv Ophthalmol. 2003; 48(6):651-62. 3. Lee AG, Carter KD. Managing the new mandate in resident education: a blueprint for translating a national mandate into local compliance. Ophthalmology. 2004; 111(10):1807-12. 4. Lee AG, Volpe N. The impact of the new competencies on resident education in ophthalmology. Ophthalmology. 2004; 111(7):1269-70. 5. Golnik KC, Goldenhar L. The ophthalmic clinical evaluation exercise: reliability determination. Ophthalmology. 2005; 112(10):1649-54. 6. Residency Program Directors Council. Time, money, and the brave new world of residency education. Ophthalmology. 2005; 112(10):1647-8. 7. Cremers SL, Lora AN, Ferrufino-Ponce ZK. Global Rating Assessment of Skills in Intraocular Surgery (GRASIS). Ophthalmology. 2005; 112(10):1655-60. 8. Golnik KC, Lee AG, Carter K. Assessment of ophthalmology resident on-call performance. Ophthalmology. 2005; 112(7):1242-6. 9. Golnik KC, Goldenhar LM, Gittinger JW Jr, Lustbader JM. The Ophthalmic Clinical Evaluation Exercise (OCEX). Ophthalmology. 2004; 111(7):1271-4. 10. Cremers SL, Ciolino JB, Ferrufino-Ponce ZK, Henderson BA. Objective Assessment of Skills in Intraocular Surgery (OASIS). Ophthalmology. 2005; 112(7):1236-41. 11. Vidyarthi AR, Katz PP, Wall SD, Watcher RM, Auerbach AD. Impact of reduced duty hours on residents´ educational satisfaction at the University of California, San Francisco. Acad Med. 2006; 81(1):76-81. 12. Lin GA, Beck DC, Garbutt JM. Residents´ perceptions of the effects of work hour limitations at a large teaching hospital. Acad Med. 2006; 81(1): 63-7. 13. Bailit JL, Weisberger A, Knotek J. Resident job satisfaction and quality of life before and after work hour reform. J Reprod Med. 2005; 50(9):649-52. 14. Gedde SJ, Budenz DL, Haft P, Tielsch JM, Lee Y, Quigley HA. Factors influencing career choices among graduating ophthalmology residents. Ophthalmology. 2005; 112(7):1247-54. 15. Vieira S. Residência em jogo. Universo Visual. 2005; (23):60-2. 201 Condições de embalagem, rotulagem e ocorrência de contaminação da água boricada Evaluation of packing, labeling and contamination of boric acid solutions Rosiane Nickel1 , Percy Nohama2, Wanda Moscalewski Abrahão 3 RESUMO Objetivo: Avaliar as condições da embalagem, características de rotulagem e ocorrên- cia de contaminação da água boricada para uso oftalmológico. Métodos:Analisaram-se 47 amostras, de 25 fabricantes brasileiros de água boricada, as quais foram avaliadas quanto à inviolabilidade do frasco, apresentação de volume e informações de rótulo, no que se referem às indicações de uso, formulação e outras. Também foram submetidas a ensaios microbiológicos para contagem de viáveis totais e pesquisa de patógenos, utili- zando metodologias preconizadas pela Farmacopéia Brasileira.Resultados: Os produ- tos apresentaram diferenças nas embalagens, no que tange à inviolabilidade dos fras- cos e no volume nominal, que variou de 95 a 1000 ml; no nível de detalhamento das informações de rotulagem e nas formulações, sendo que 72% das amostras apresenta- vam concentração de ácido bórico igual a 3% e o restante a 2%, com ou sem conservantes. Através dos ensaios microbiológicos, foi detectada contaminação microbiana em 27,66% das amostras analisadas, sendo 25,53% por bolores e leveduras e 2,13% por bactérias. Conclusões: Para evitar que os produtos comercializados expo- nham o usuário ao risco de desenvolver uma infecção ocular, é necessário regulamen- tar a fabricação e comercialização do medicamento para fins oftalmológicos, incluindo formulação, acondicionamento, e emprego de técnicas assépticas durante o processo de fabricação. Descritores: Acido bórico; Contaminação de medicamentos; Embalagem de medica- mentos; Soluções oftalmicas 1 Programa de Pós-Graduação em Tecnologia em Saúde, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR; Laboratório Central do Estado do Paraná LACEN - Curtitiba (PR) – Brasil; 2 Programa de Pós-Graduação em Tecnologia em Saúde, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Curtitiba (PR), Brasil; 3 Laboratório Central do Estado do Paraná – LACEN; Universidade Federal do Paraná – UFPR – Curtitiba (PR) – Brasil. Recebido para publicação em: 04/12/05 - Aceito para publicação em 31/05/06 ARTIGO ORIGINAL Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 201-8 202 INTRODUÇÃO A Água Boricada é uma solução aquosa de áci- do bórico, não estéril, encontrada no comér cio nas concentrações de 2% e 3%. Na con- centração de 3%, é um produto farmacopéico, inscrito na 1ª Edição da Farmacopéia Brasileira (1). Nos rótulos dos produtos existentes no mercado brasileiro constam várias indicações terapêuticas, dentre elas, as aplicações oftalmológicas. A Água Boricada também é recomen- dada por médicos, após a cirurgia de catarata(2) e da blefaroplastia(3).A legislação sanitária vigente determi- na que apenas as formulações a 2% podem ser utiliza- das para aplicação oftalmológica(4). Nas preparações farmacêuticas de uso oftalmológico, as farmacopéias requerem que as solu- ções sejam estéreis (5-10), sendo esta condição requerida para todos os produtos de uso oftálmico, independente da forma, substância ou intenção de uso (11). O requisito da esterilidade é relevante, não ape- nas no período pré e pós-cirúrgico, mas também na pre- sença de ferimentos perfurantes do globo ocular, e quan- do as defesas naturais do organismo estão enfraquecidas, como em pacientes imunodeprimidos ou com queima- duras (12). Há registros de infecções oculares graves, resul- tantes do uso de colírios contaminados com microorganismos (12-13).A utilização de soluções oftálmi- cas apresentando contaminação microbiana pode gerar lesões oculares, ocasionando úlceras gravíssimas e per- da da visão(11,14), sobretudo em pacientes com doença na superfície ocular, possibilitando o desenvolvimento de ceratite microbiana e até endoftalmite (15-17).Além disso, ao serem eliminados pelos conservantes, juntamente com os metabólitos, os microorganismos podem desencadear reações adversas (12). A contaminação microbiana, além de causar ris- cos de infecção aos olhos do paciente, pode causar uma deterioração físico-química das soluções oftálmicas, al- terando odor, sabor, aspecto e os constituintes (18). A Água Boricada é freqüentemente alterada de- vido ao crescimento de fungos, motivo pelo qual é reco- mendado que o produto seja acondicionado em peque- nas embalagens(19). Durante o período de validade, espe- ra-se que o produto mantenha sua estabilidade (quími- ca, física, microbiológica, terapêutica e toxicológica), sendo que as condições de armazenamento devem ser adequadas e constar no rótulo do produto (20). No rótulo dos medicamentos, vendidos diretamen- te ao consumidor, devem constar recomendações de uso apenas nos casos em que a eficácia do produto é de- monstrada cientificamente. As situações graves que não podem ser tratadas com êxito pelo leigo não devem cons- tar nos rótulos. Além disso, alertas adequados devem constar nos casos em que o uso possa desencadear com- plicações graves ou mascarar uma patologia (20). Kara José et al. (21) observaram que as indicações de uso da Água Boricada constantes nos rótulos dos frascos é in- completa e confusa. Neste artigo descreve-se uma pesquisa sobre a Água Boricada utilizada para aplicações oftalmológicas e os possíveis riscos a que os usuários ficam expostos. O trabalho consistiu na avaliação da embalagem e rotulagem, e realização de ensaios microbiológicos em amostras adquiridas no mercado. MÉTODOS Para o desenvolvimento do trabalho, 47 amostras foram analisadas, todas dentro do prazo de validade es- pecificado no rótulo dos produtos de 25 fabricantes loca- lizados nos estados de São Paulo (8), Rio de Janeiro (5), Santa Catarina (3), Minas Gerais (3), Paraná (2), Rio Grande do Sul (2) e Goiás (2). As amostras, coletadas em farmácias e drogarias dos estados citados e também no Distrito Federal, foram submetidas, primeiramente, à avaliação da embalagem e rotulagem e, posteriormen- te, aos ensaios microbiológicos. As amostras foram cuidadosamente inspe- cionadas, a fim de detectar possíveis irregularidades em suas embalagens. A seguir, as embalagens foram avalia- das quanto à presença ou ausência de lacre e apresenta- ção de volume. Na avaliação da rotulagem, foram verificadas as formulações (concentração de ácido bórico e presença ou ausência de conservante), indicações para uso oftalmológico e de outras informações relevantes para o consumidor. Para os ensaios microbiológicos, foram segui- dos os métodos descritos na Farmacopéia Brasileira 8. Empregaram-se meios de culturas formulados e dispo- níveis comercialmente. Os meios foram obtidos na for- ma desidratada e preparados conforme indicações do fabricante. Foram efetuados controles positivos e nega- tivos de todos os meios de cultura, paralelamente à rea- lização dos ensaios nas amostras. Na amostragem e execução das análises foram empregadas técnicas assépticas, as quais foram realiza- das em fluxo laminar vertical, segundo recomendações da Farmacopéia Brasileira(8), para evitar a contamina- ção e, conseqüentemente, a obtenção de resultado falso positivo. As diluições das amostras foram utilizadas logo Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 201-8 Nickel R, Nohama P, Abrahão WM 203 após o preparo, não excedendo ao tempo de 60 min, con- forme recomendações da Farmacopéia Japonesa(9). Como a Água Boricada não é estéril, as amostras foram submetidas aos ensaios para produtos não esté- reis: contagem de viáveis totais (bactérias, bolores e le- veduras) pelo método de contagem em placas e pesqui- sa de patógenos. Contagem de viáveis totais: uma alíquota de 10 ml da amostra foi adicionada a 90 ml de caldo Letheen (diluição 10-1) e homogeneizado completamente por agitação. Foram preparadas diluições decimais 10-2 e 10-3, utilizando o mesmo meio de cultura. A seguir, alíquotas de 1 ml de cada diluição da amostra foram transferidas para placas de Petri, medindo 100 x 20mm, e adicionado 15 – 20 ml de meio ágar caseína de soja (para bactérias) e meio ágar Sabourand Dextrose (para bolores e leveduras), liquefeitos a 45ºC. O conteúdo das placas foi homogeneizado manualmente, através de movimentos rotatórios. Após solidificação do meio, as placas foram incubadas a 35ºC, durante 4 dias (bactéri- as) e a 25ºC durante 7 dias (bolores e leveduras). Decor- rido o tempo de incubação, procedeu-se à contagem do número de colônias nas placas com até 100 colônias (para bolores e leveduras) e até 300 colônias (para bac- térias). Calculou-se a média aritmética de cada diluição a partir dos valores obtidos das placas, sendo o resultado expresso como Unidade Formadora de Colônias por mililitro da amostra (UFC/ml). No caso das placas de todas as diluições que não apresentaram colônias, o re- sultado foi expresso como sendo menor que uma vez a menor diluição. Pesquisa de patógenos: foi realizada a pesquisa dos patógenos Staphylococcus aureus, Salmonella sp., Pseudomonas aeruginosa e Escherichia coli. Os ensaios serviram para a detecção de presença ou ausência dos patógenos relacionados, em 1g da amostra, seguindo metodologias oficiais, estabelecidas pela Farmacopéia Brasileira(8). Uma alíquota de 10 ml de uma diluição 10-1 da amostra foi adicionada a 100 ml de caldo de enriqueci- mento. A incubação foi realizada a 30 – 35 ºC durante 48h. A partir do crescimento dos microorganismos no caldo de enriquecimento foram realizados os ensaios descritos na Farmacopéia Brasileira (8), para a pesquisa e identificação dos patógenos citados. RESULTADOS Os resultados dos ensaios executados nas amos- tras de Água Boricada adquiridas no comércio mostra- ram que existem produtos sendo comercializados sem atenderem aos requisitos para preparações de uso oftalmológico. Avaliação da embalagem: Todos os frascos conti- nham lacre. Entretanto, três fabricantes (12%) empre- garam um tipo de lacre que não rompeu quando os fras- cos foram abertos. O volume nominal das amostras va- riou de um fabricante para outro, apresentando volumes de 95 ml (2 amostras, 4,25%), 100ml (39 amostras, Tabela 1 Indicações de uso da água boricada constante nos rótulos das amostras avaliadas Indicações Número Freqüência de uso de fabricantes (%) Antisséptico 11 32 Oftalmológico 14 56 Nenhuma 12 3 Tabela 2 Indicações de uso oftalmológico constante nos rótulos das amostras de água boricada avaliadas Indicações de uso Número Freqüência oftalmológico de fabricantes (%) Antisséptico ocular 10 40 Conjuntivite 4 16 Oftalmias 3 12 Irritações nos olhos 1 4 Descongestionante oftálmico, irritações, antibacteriano e antifúngico na limpeza ocular 3 12 Tabela 3 Contagem de viáveis totais nas amostras Quantidade Contagem de viáveis totais de amostras Bactérias Bolores e (UFC/ml) leveduras (UFC/ml) 34 < 10 < 10 7 < 10 10 2 < 10 15 1 < 10 103 1 1,1 x 103 < 10 Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 201-8 Condições de embalagem, rotulagem e ocorrência de contaminação da água boricada 204 82,98%), 120 ml (1 amostra, 2,13%), 200 ml (4 amostras, 8,51%) e 1000ml (1 amostra, 2,13%). Avaliação da rotulagem: dezoito fabricantes (72%) indicaram no rótulo a concentração de ácido bórico igual a 3% e os outros sete fabricantes (28%) igual a 2%. Dezoito fabricantes (72%) não declararam se é utilizado conservante na formulação de seus produ- tos. Os outros sete fabricantes (28%) afirmaram que uti- lizam, sendo que seis deles (24%) empregam metilparabeno e um fabricante (4%) utilizou timerosal. As indicações de uso, constantes na rotulagem das amostras avaliadas, variaram de um fabricante para ou- tro (Tabelas 1 e 2), sendo que o uso oftalmológico foi indicado por 56% dos fabricantes. Entre os fabricantes que indicaram o produto para uso oftalmológico, somen- te um deles (4%) orientou para procurar orientação mé- dica, caso persistissem os sintomas. Um fabricante (4%), que não fez menção quanto à indicação de uso do produto, não informou nem mesmo que o produto é de uso externo. Os fabricantes que indicaram o produto apenas como “antisséptico” não apontaram o local de aplica- ção, ou especificaram que era indicado para aplicação em ferimentos, seios e duchas vaginais. Um dos fabrican- tes acrescentou que o produto pode ser utilizado em “in- flamações em geral”, sem especificar, no entanto, o local de aplicação, podendo, então, ser aplicado nos olhos. Um fabricante (4%) indicou ao usuário que o produto pode ser aplicado por instilação. Outro fabri- cante (4%), apesar de indicar o produto para uso oftál- mico, acrescentou a inscrição “não estéril”. Um terceiro fabricante (4%) esclareceu que o produto só deve ser administrado se o mesmo estiver “límpido, incolor, inodoro e sem partículas em suspensão ou em depósito”. Um fabricante (4%) informa ao usuário que a compressa utilizada não deve tocar o bocal do frasco para não contaminar a solução, recomendando que o produto não deve ser utilizado se apresentar turvação. Com exceção de dois fabricantes (8%), que não prestaram qualquer informação ao usuário, todos os de- mais ostentavam algum tipo de informação, tais como o modo de usar, cuidados de conservação e precauções especiais, variando o nível de detalhamento. De acordo com o nível de detalhamento das in- formações, os rótulos foram classificados como bons, re- gulares ou ruins. Considerou-se como “bom” o rótulo de apenas três fabricantes (12%), “regular” de outros dez (40%) e “ruim” dos demais (48%). Entre os fabricantes que não indicaram o uso oftalmológico, nenhum deles faz qualquer restrição quan- to à utilização do produto nos olhos. Ensaios microbiológicos: entre as 47 amostras analisadas, 13 apresentaram contaminação microbiana, representando 27,66% das amostras. Em uma amostra (2,13%) foi detectada a presença de bactérias, enquanto bolores e leveduras foram detectados em 12 amostras (25,53%). A contagem de viáveis totais nas amostras contaminadas mostra-se na Tabela 3. Em nenhuma das amostras analisadas, detectou-se a presença dos patógenos pesquisados, sendo o resultado expresso para todas as amostras como “ausência/1g”. DISCUSSÃO Através da avaliação da embalagem e rótulo, constatou-se que existem embalagens sendo comercializadas sem atender à Legislação sanitária vi- gente (22), pois o tipo de lacre utilizado por três fabrican- tes não garantiu a inviolabilidade do frasco. Desta for- ma, não há garantias de que o usuário adquira um frasco que não tenha sido aberto anteriormente e, conseqüen- temente, com possibilidade de ter ocorrido alguma alte- ração no produto. A comercialização da Água Boricada em frasco de 1000 ml pode representar um risco ao usuário. Este tipo de apresentação fornece uma durabilidade maior do produto e o usuário pode contaminá-lo durante o uso. A relação entre o tempo de uso e a contaminação dos frascos foi descrita por vários autores (14, 21, 23-24), reafirman- do a necessidade de cumprir ao determinado por monografia oficial adotada no Brasil (5), cujo volume má- ximo permitido é 200 ml (a menos que o fabricante pos- sua autorização para embalar com volume superior). Agravando este quadro, com exceção de um fa- bricante, não há instruções nos rótulos dos produtos quan- to ao tempo máximo de uso do produto após abertura do frasco e, tampouco, esclarecimento quanto a forma cor- reta de manuseá-lo, a fim de evitar sua contaminação durante o uso. Quanto à forma de utilização e armazenamento, observou-se que 48% dos fabricantes disponibilizaram escassas informações ao usuário, o que pode comprome- ter a conservação do produto(20, 25). As informações nos rótulos dos produtos são es- cassas, sendo considerado “ruim” o nível de informações prestadas por onze fabricantes (44%).Até mesmo a in- dicação de uso do produto é confusa, fato este também observado por Kara José et al.(21). Diante dessa situação, o usuário mal informado pode utilizar o produto em situ- ações de risco, que exigiriam uma rápida consulta ao oftalmologista, a fim de obter um diagnóstico preciso e evitar o agravamento do quadro patológico. Levando Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 201-8 Nickel R, Nohama P, Abrahão WM 205 em consideração as indicações de uso constantes nos rótulos e a utilização por leigos, o uso da Água Boricada, sem prescrição médica, poderia mascarar sinais clínicos, dificultando o diagnóstico. O uso oftalmológico foi indicado por 56% dos fa- bricantes. Apesar da Resolução RDC 277/02 (4) restrin- gir que as preparações oftálmicas não devem apresen- tar concentração de ácido bórico superior a 2%, existem no mercado produtos sendo comercializados na concen- tração de 3%, constando claramente no rótulo a indica- ção para uso oftalmológico. No rótulo dos demais fabricantes não há menção de que o produto não possa ser utilizado para a aplica- ção oftalmológica.Atualmente, não há nenhum regula- mento ou monografia que exija que os rótulos de Água Boricada ostentem restrições para esta aplicação. Con- siderando que este medicamento é de uso popular, po- dendo ser adquirido sem receituário médico, a falta de indicações no rótulo do produto para o uso em aplica- ções oftalmológicas (ou sua restrição), deixa o consumi- dor livre para adquirir qualquer Água Boricada dispo- nível no comércio e utilizá-la nos olhos. Um fabricante reconheceu a ausência de esterili- dade do seu produto, ao colocar a inscrição “não estéril” no rótulo, embora tenha indicado claramente o seu pro- duto para aplicação oftalmológica, desconhecendo ou omitindo o risco envolvido. Outros fabricantes preocu- param-se com a utilização de um produto contaminado, alertando ao usuário que em determinadas alterações visuais observadas no produto o mesmo não deve ser utilizado ou, ainda, orientando a forma de manuseio do frasco, a fim de evitar a contaminação do produto duran- te sua aplicação. Existem no mercado produtos comercializados nas concentrações de 2% e 3%. A Resolução RDC nº 132/ 2003 (27) prevê a isenção de registro para produtos cuja for- mulação esteja inscrita na Farmacopéia Brasileira(1), ou seja, para a Água Boricada a 3%. Considerando a legislação sanitária vigente, as apresentações a 2% deveriam estar sujeitas à obtenção de registro para comercialização. En- tretanto, observou-se que nenhuma das amostras a 2% pos- suía registro junto ao Ministério da Saúde. A diferença de formulações foi observada tam- bém no que se refere à presença ou ausência de conservantes. Parece que o conservante não é impor- tante na formulação da Água Boricada, pois apenas 7 fabricantes (28%) utilizaram tal componente, ou não está sendo dada a merecida atenção para a necessida- de do conservante no produto, pois a embalagem de dose múltipla possibilita a contaminação durante o uso e o desenvolvimento de microorganismos(11, 14, 28-29). O fabricante que utilizou timerosal como conservante não considerou um dos requisitos imprescindíveis na escolha do conservante, que é a compatibilidade com outros componentes da formulação, pois este conservante foi apontado como incompatível com o ácido bórico (16, 20). Mesmo quando a preparação possui propriedades antimicrobianas intrínsecas, caso em que não é exigido o acréscimo de conservantes (5-7), inúme- ros autores recomendam que a mesma seja mantida sob refrigeração e descartada após 7 dias (30). Apesar de estudos in vitro e in vivo apontarem o ácido bórico como uma substância com propriedades antimicrobianas (31-42), tais recomendações não consta- vam nos rótulos das amostras analisadas. O produto é indicado após cirurgia de catarata e blefaroplastia (2-3) , e a utilização de um produto contendo conservante em sua formulação pode afetar o processo de cicatrização, principalmente em pacientes idosos, pois os conservantes interferem na reepitelização da córnea (16, 26). Os resultados dos ensaios microbiológicos com- provaram a existência no comércio de Água Boricada contaminada, principalmente por bolores e leveduras. Isto reafirma o relato de Prista e Alves (19) que esta solu- ção altera-se com freqüência, devido ao crescimento de fungos. A aplicação de um produto contaminado constitui uma via direta de transmissão de microorganismos (43), podendo ocasionar sérias infecções aos olhos, sobretudo na presença de ruptura no epitélio ocular (44). Pacientes que sofreram cirurgia ocular apre- sentam risco de infecções oculares severas (17). O uso pós-cirúrgico da Água Boricada contaminada pode- ria desencadear um processo infeccioso, como a endoftalmite, podendo levar o paciente a ter sérios danos irreversíveis, pois, nestas condições, as defesas do organismo podem ser insuficientes para prevenir a perda da visão (13, 45). Apesar da possibilidade de soluções oftálmicas contaminadas microbiologicamente desencadearem in- fecções oculares graves (11, 13-15, 17, 25, 29, 46-52), a presença de microorganismos nas amostras de Água Boricada não significa que o usuário venha a desenvolver algum tipo de infecção em decorrência do uso do produto, pois vári- os fatores estão envolvidos neste processo: grau de viru- lência do microorganismo, grau de contaminação, fre- qüência de uso do produto e comprometimento dos me- canismos de defesa do hospedeiro (12, 50). Entretanto, é necessário considerar o risco de os usuários de lentes de contato, que apresentem rup- tura na barreira de proteção ocular, devido à dificul- dade de inserção e remoção das lentes (46), utilizarem Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 201-8 Condições de embalagem, rotulagem e ocorrência de contaminação da água boricada 206 um produto que não é estéril e que possui grandes chances de apresentar algum tipo de contaminação microbiana. Em consequência, qualquer microor- ganismo pode invadir a córnea, caso os mecanismos de defesa estejam comprometidos (48, 53). O produto pode também ser utilizado por usuários mais susceptíveis ao desenvolvimento de infecções como diabéticos, imunocomprometidos, pessoas em situações de stress, idosos, entre outros (21, 54). O fato de não ter sido detectada a presença de determinados patógenos nas amostras não diminui o ris- co de o produto vir a causar algum tipo de dano ocular ao usuário, visto que existem outros microorganismos que podem ocasionar danos aos olhos, muitos classifica- dos como não patogênicos. Considerando a gravidade das doenças oculares e seu avanço rápido (podendo haver perda visual e do próprio olho), a necessidade de um rápido e correto di- agnóstico (o qual depende muitas vezes de exames es- pecíficos e de difícil alcance pela população carente), é imprescindível a fim de monitorar e garantir que as pre- parações oftálmicas disponibilizadas no mercado sejam estéreis, para que estas não sejam causadoras de infec- ções oculares. O quadro torna-se mais grave quando pa- cientes idosos são vitimados por infecções oculares, pois muitas vezes demoram em se queixar e, quando o fa- zem, não é raro dependerem de outras pessoas para te- rem acesso à assistência médica, acarretando ainda mais atraso no diagnóstico e, conseqüentemente, ao tratamen- to adequado e efetivo. Os resultados dos procedimentos experimentais mostraram a situação crítica dos produtos que estão sen- do comercializados, pois 27,66 % das amostras analisa- das deixaram de cumprir com o requisito mais impor- tante exigido para as preparações oftálmicas: a esterili- dade. Apesar de constituir-se em um estudo realizado com um reduzido número de amostras, evidencia-se a situação de risco a que os usuários ficam expostos. A utilização da Água Boricada, da forma como se encon- tra no comércio, onde a condição de esterilidade não é exigida, deve ser um assunto de preocupação para a Saú- de Pública. Isto demonstra a importância da atuação do Ministério da Saúde nos registros dos medicamentos, no monitoramento dos produtos comercializados, na elabo- ração e atualização de legislações, bem como na educa- ção da população, com o objetivo de fornecer instruções claras para evitar a contaminação dos produtos durante a administração e também dos riscos de uma automedicação. Considerando a exigência de esterilidade para todos os medicamentos de uso oftálmico; o risco que as soluções oftálmicas contaminadas podem ocasionar aos olhos do usuário; a comprovação da existência de pro- dutos disponíveis no comércio apresentando contami- nação microbiana, inclusive com indicação no rótulo para uso oftalmológico; a possibilidade do produto ser utilizado diretamente nos olhos após cirurgia e por usu- ários de lentes de contato, os quais podem apresentar ruptura no epitélio corneal, facilitando a penetração de microorganismos; torna-se imprescindível que a Água Boricada utilizada para uso oftalmológico seja estéril, com indicação clara no rótulo do produto se o mesmo pode ou não ser aplicado nos olhos, com instru- ções claras quanto à forma de utilização e cuidados no manuseio do produto. Urge regulamentar a fabricação e comercialização do medicamento para fins oftalmológicos, no que se refe- re à formulação, acondicionamento (tamanho do frasco, utilização de frascos estéreis), emprego de técnicas assépticas durante todo o processo de fabricação. Ou seja, a Água Boricada para aplicação oftalmológica deve ser fabricada com os mesmos cuidados e exigências de ou- tros medicamentos de uso oftálmico. SUMMARY Objective: to evaluate package conditions, label characteristics and contamination occurrence of boric acids used in ophthalmological applications. Methods: 47 samples of 25 Brazilian manufacturers were analyzed and the samples were submitted to evaluations of packing, involving inviolability and capacity; and labeling, considering clinical application, chemical formulation and other information. Also, they were submitted to Brazilian Pharmacopoeia based-microbiological tests through the counting of total viable and pathogenic research. Results: the samples presented differences in the packing: bottle inviolability and nominal capacity, varying from 95 to 1000 ml; on label information and on chemical composition: 72% contained 3% boric acids concentration and the others 2%, with or without preser- ve. On the microbiological tests, it was detected microbial contamination in 27.66% of the samples, 25.53% by moulds and 2.13% by bacterias. Conclusions: in order to avoid the risk of developing an ocular infection, it is necessary to regulate the drug manufacture and commercialization for ophthalmological prescription, including its chemical formulation, packing, and application of aseptic techniques during the manufacturing processes. Keywords: Boric acids; Drug contamination; Drug Packaging; Ophthalmic solutions Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 201-8 Nickel R, Nohama P, Abrahão WM 207 REFERÊNCIAS 1. Silva RAD. Pharmacopeia dos Estados Unidos do Brasil. S. Paulo: Companhia Editora Nacional; [1929?]. p.26-7; 812-3. 2. 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Abrahão participou do plane- jamento, execução dos protocolos experimentais e reda- ção do artigo. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Percy Nohama Rua Imaculada Conceição, 1155 CEP 80215-901 - Paraná - SC Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 201-8 Nickel R, Nohama P, Abrahão WM 209 Prevalência dos vícios de refração em crianças da rede pública de ensino na cidade de Araçatuba – SP Prevalence of refractive errors in schoolchildren of public education system of the city of Araçatuba, São Paulo, Brazil José Henrique Pinto Castilho1 RESUMO Objetivos:Traçar um perfil dos erros refracionais em crianças atendidas numa entida- de pública municipal na cidade de Araçatuba – SP. Métodos: Exame oftalmológico completo realizado em 1345 crianças com idade entre zero e 15 anos, encaminhadas pelas escolas públicas municipais após terem sido submetidas à triagem realizada por professores treinados, entre janeiro e dezembro de 2001. Resultados: Das 1345 crianças encaminhadas e examinadas por um oftalmologista, 637 (47,36%) foram consideradas portadoras de algum vício de refração. Destas, 539 receberam óculos. Foram encontra- das 519 (38,58%) crianças que apresentavam o mesmo tipo de defeito em ambos os olhos, ou seja, 62 (11,94%) míopes, 194 (37,38%) hipermétropes e 263 (50,68%) astigmatas. Entre estas, 453 (87,28%) crianças receberam correção ótica. Conclusão: O estudo mostrou a presença de erros de refração em praticamente a metade das crianças encaminhadas, sem grande prevalência de faixa etária e alguma prevalência no sexo feminino, demonstrando a grande valia das triagens periódicas realizadas nas escolas com professores treinados, bem como da indispensável presença de um serviço público de oftalmologia para a detecção e correção adequada dos problemas diagnosticados. Descritores:Triagem; Saúde escolar; Acuidade visual; Erros de refração; Prevalência; Transtornos da visão; Programas médicos regionais 1 Médico Oftalmologista na cidade de Araçatuba (SP) – Brasil. Trabalho desenvolvido no Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAICA) – Araçatuba – SP Recebido para publicação em: 23/05/06 - Aceito para publicação em 02/06/06 ARTIGO ORIGINAL Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 209-15 210 INTRODUÇÃO O s meus quase cinco anos de atividade médica à frente de um ambulatório de oftalmologiade uma instituição pública vol- tada para o atendimento integral das necessidades da criança e do adolescente, me colocaram frente a frente com uma realidade que pouco se vê ou se percebe den- tro de uma clínica particular (1). Estou falando da impor- tância da preservação e do resgate da saúde como um todo, em crianças dentro da faixa etária que compreen- de o nascimento até os 15 anos de idade (2). Particular- mente a saúde ocular, ou seja, a tomada de atitudes concretas e eficazes no sentido de se preservar ou de se resgatar a melhor acuidade visual possível, visando ao desenvolvimento intelectual deste indivíduo e com isto assegurando a ele, a chance de uma educação que lhe permita no futuro, o ingresso num mercado de trabalho tão escasso e competitivo (3). Desta maneira, ações como as campanhas desenvolvidas pelo governo federal em parceria com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia e com a participação atuante de inúmeros colegas oftal- mologistas voluntários, por este país afora, campanhas localizadas e promovidas por entidades de ação social, em parceria com as prefeituras municipais e a presen- ça cada vez mais de trabalhos que mostram a realida- de da saúde ocular no país, são medidas e atitudes que visam a detectar o que de fato está se passando, possibi- litando delinear as futuras diretrizes a serem tomadas pelos órgãos públicos, principalmente visando a pro- porcionar a esta população que está ingressando no ensino fundamental, condições de aprendizado e de- senvolvimento cultural e intelectual suficientes e ne- cessários para a formação do indivíduo (4-11). O bom desenvolvimento neurológico, uma boa audi- ção e uma visão perfeita são pré-requisitos da maior importância quando estamos tratando de crianças que podem freqüentar os bancos escolares (12).A presença da criança no ensino fundamental é um passo impor- tante para o intenso desenvolvimento de suas capaci- dades, ainda adormecidas, e aí que se nota o grande papel de uma boa visão ao lado de um bom amadure- cimento motor e psicológico (13). A presença de erros de refração, particularmen- te em alunos da primeira série do ensino fundamental, pode levar a problemas de desenvolvimento da perso- nalidade da criança (14). O garoto míope, não contando com uma boa visão na sala de aula, pode se sentir cons- trangido por ter grande dificuldade durante a leitura ou copiando a lição do quadro negro, contribuindo as- sim para uma maior timidez, tornando-se uma criança intensamente arredia, prejudicando o seu relaciona- mento na escola. Pelo desconforto experimentado pelo aluno portador de hipermetropia e astigmatismo, nota- mos comentários das próprias mães de que os filhos não são muito “dados aos estudos” ou que tem muita preguiça de estudar. O que vemos, hoje no Brasil, é uma população de milhões de indivíduos que chegam todos os anos ao ensino fundamental sem nunca terem sido avaliados quanto a sua capacidade e integridade visual (4). A Or- ganização Mundial de Saúde publica periodicamente números surpreendentes de crianças na idade escolar que apresentam deficiência visual de algum tipo e que prejudica de alguma maneira o aprendizado destes menores, porém a grande maioria sem sintomas que possam ser reconhecidos pelos pais e professores; mui- tas vezes sem sintoma algum, quando então tais crian- ças são taxadas de preguiçosas ou portadoras de algum tipo de déficit do aprendizado (4,15). E sem qualquer sombra de dúvida, o erro refracional não corrigido é a causa mais freqüente de deficiência visual no Brasil. Números publicados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia apontam para percentuais em torno de 20% de escolares com proble- mas oftalmológicos. E cerca de 10% dos alunos necessi- tam de algum tipo de correção ótica (4). O estudo aqui apresentado tem como objetivo, primeiro traçar um perfil da realidade da saúde ocu- lar das crianças na faixa de zero a 15 anos, no municí- pio de Araçatuba, localizado no interior do estado de São Paulo, com uma população em torno de 180 mil habitantes, visando a colher dados que possam orien- tar a tomada de futuras decisões no sentido de implementar políticas de saúde que facilitem o aces- so desta população, em especial, ao serviço público, mostrando a importância desta ação de saúde, diag- nosticando precocemente possíveis erros refracionais e corrigindo-os a tempo e com isto, assegurando um bom desenvolvimento destas crianças. MÉTODOS Foram examinadas crianças, entre janeiro e de- zembro de 2001, triadas por professores da rede públi- ca do ensino fundamental, devidamente treinados du- rante o período que antecedeu o início das atividades escolares, com ênfase na tomada da acuidade visual e possíveis sintomas de desconforto visual. Foram exa- minadas também as crianças encaminhadas pelos am- Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 209-15 Castilho JHP 211 bulatórios de pediatria dos postos de saúde municipais com alguma queixa visual ou sintomas de possibilida- de de algum transtorno visual. Neste caso, não houve qualquer treinamento de pediatras, nem tomada pré- via da acuidade visual. A padronização da tomada da acuidade visual foi a mesma adotada durante a Campanha Nacional de Reabilitação Visual, Olho no Olho, ou seja, a tabela de Snellen colocada a 5 metros, a criança sentada, um olho de cada vez, tomando-se o cuidado de não pressionar o olho contralateral, ambiente tranqüilo, explicações de- talhadas e altura adequada da Tabela. (4). As crianças que apresentaram acuidade igual ou inferior a 0,7 em um dos olhos, mesmo após o reteste, usando ou não correção prévia; crianças com qualquer tipo de queixa ou desconforto visual; crianças com sus- peita de estrabismo de qualquer natureza foram todas agendadas para o exame oftalmológico (4).Todas as cri- anças foram examinadas pelo mesmo oftalmologista. A rotina do exame oftalmológico foi composta de cicloplegia, inspeção, refração objetiva e subjetiva (quan- do possível), fundoscopia e biomicroscopia. Em casos suspeitos de desequilíbrio oculomotor era agendada uma outra consulta 7 dias após. Determinados casos necessi- taram de auto-refração e topografia corneana. Foram examinadas 1345 crianças de ambos os sexos e com idade variando entre zero a 15 anos. RESULTADOS Foram examinadas 1345 crianças, destas 548 (40,74%) eram do sexo masculino e 797 (59,26%) do sexo feminino (Tabela 1). Com relação aos defeitos refracionais apresentados: 708 (52,64%) crianças foram consideradas emétropes e 637 (47,36%) crianças com algum tipo de ametropia (Tabela 2). Vale lembrar que foram considerados emétropes todos os casos compreen- Total de crianças examinadas 1345 Sexo masculino 548 40,74% Sexo feminino 797 59,26% Tabela 1 Distribuição das crianças por sexo Total de crianças examinadas 1345 Emétropes 708 52,64% Amétropes 637 47,36% Tabela 2 Crianças emétropes e amétropes Emétropes 708 Masculino 290 40,96% Feminino 418 59,04% Tabela 3 Emétropes por sexo Amétropes 637 Masculino 258 40,50% Feminino 379 59,50% Tabela 4 Amétropes por sexo 0 – 5 anos 6 – 10 anos 11 – 15 anos Total 158 11,75% 731 54,35% 456 33,90% Masculino 73 46,20% 299 40,90% 176 38,60% Feminino 85 53,80% 432 59,10% 280 61,40 Tabela 5 Distribuição por faixa etária Em Masc Fem Am Masc Fem 0 – 5 anos 67 33 34 91 40 51 (158) (42,40%) (49,25%) (50,75%) (57,61%) (43,95) (56,05%) 6 – 10 anos 376 159 217 355 140 215 (731) (51,44%) (42,28%) (57,27%) (48,56%) (39,43%) (60,57%) 11-15anos 265 98 167 191 78 113 (456) (58,11%) (36,98%) (63,02%) (41,89%) (40,38%) (59,17%) Tabela 6 Distribuição por faixa etária e sexo dos números de ametropia e emetropia Em = emétrope; Am = amétrope; Masc = masculino; Fem = feminino Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 209-15 Prevalência dos vícios de refração em crianças da rede pública de ensino na cidade de Araçatuba – SP 212 didos entre - 0,50 e + 1,00 esférico e até 0,50 cilíndrico (4). Na população de 708 crianças emétropes, obser- vamos que 290 (40,96%) eram do sexo masculino e que 418 (59,04%) eram do sexo feminino (Tabela 3). Ao passo que entre as crianças consideradas portadoras de algum erro refracional tivemos 258 (40,50%) do sexo masculino e 379 (59,50) do sexo feminino (Tabela 4). As crianças foram distribuídas segundo a faixa etária em 3 grupos para facilitar as análises (Tabela 5). De acordo com a análise da prevalência de erros refracionais encontrados por faixa etária e por sexo, ob- tivemos o seguinte resultado. Na faixa etária que vai de zero a 5 anos, encontramos entre as 158 crianças exami- nadas um total de 67 (42,40%) emétropes e 91 (57,60%) amétropes. Na faixa etária de 6 aos 10 anos, num total de 731 crianças examinadas, obtivemos 376 (51,44%) cri- anças emétropes e 355 (48,56%) crianças amétropes. Já entre os 11 e 15 anos, num total de 456 crianças exami- nadas, observamos 265 (58,11%) crianças emétropes e 191 (41,89%) crianças amétropes. Estes resultados fo- ram distribuídos também de acordo com a prevalência masculina e feminina (Tabela 6). Ao se avaliar a presença dos tipos de erros AM HS HC MS MC 62 08 86 41 66 (23,57%) (3,04%) (32,69%) (15,59%) (25,11%) Tabela 8 Distribuição dos tipos de astigmatismo nos 263 casos AM - astigmata misto; HS - hipermetrópico simples; HC - hipermetrópico composto; MS - miópico simples; MC - miópico composto Total de pacientes amétropes 637 47,36% Total de pacientes com o mesmo erro AO 519 81,47% Total de pacientes míopes em AO 62 11,94% Total de pacientes hipermétropes em AO 194 37,38% Total de pacientes astigmatas em AO 263 50,68% Tabela 7 Erro refracional em ambos os olhos Erro refracional Faixa etária Número de casos Prescrição correção Miopia AO 0 – 5 anos 04 (6,46%) 02 (50%) 62 casos 6 – 10 anos 29 (46,77%) 29 (100%) 11-15 anos 29 (46,77%) 26 (89,65%) Hipermetropia AO 0 – 5 anos 29 (14,94%) 23 (79,31%) 194 casos 6 – 10 anos 118 (60,82%) 100 (84,74%) 11-15 anos 47 (24,24%) 40 (85,10%) Astigmatismo AO 0 – 5 anos 36 (13,68%) 33 (91,66%) 263 casos 6 – 10 anos 146 (55,51%) 129 (88,35%) 11 – 15 anos 81 (30,81%) 71 (87,65%) Tabela 9 Erro refracional por faixa etária e número de correção prescrita Total de crianças examinadas 1345 Total de crianças amétropes 637 47,36% Total de crianças com o mesmo defeito AO 519 81,47% Total de óculos prescritos 452 87,09% Tabela 10 Número de crianças examinadas, amétropes e correção prescrita refracionais, nos deparamos com várias possibilidades, como por exemplo: OD com miopia e OE com hipermetropia; OD astigmatismo e OE plano. Desta maneira, com o objetivo de uma análise mais simplificada da situação, levamos em consideração ape- nas as crianças que apresentavam um mesmo tipo de erro de refração para a elaboração da tabela abaixo. Assim, obtivemos 519 crianças que apresentavam mio- pia, ou hipermetropia ou astigmatismo na suas várias formas (Tabela 7). O comportamento do astigmatismo nos 263 casos em que se apresentava igual em ambos os olhos é de- monstrado na Tabela 8. Considerando-se então a parcela de crianças que Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 209-15 Castilho JHP 213 apresentam o mesmo erro refracional em ambos os olhos, podemos obter estes mesmos números por faixa etária e quantos necessitaram de correção ótica, como pode ser observado na Tabela 9. Na Tabela 10 está demonstrado o número total de casos de erro refracional por faixa etária e o percentual de correção ótica prescrita em cada faixa de idade, levando- se em consideração apenas os casos de defeitos iguais em ambos os olhos quanto ao tipo e não quanto à intensidade. DISCUSSÃO A importância deste estudo, se faz notar por vá- rios aspectos que devem ser enumerados, no sentido de se deixar claro os pontos abrangentes no momento e num futuro não muito distante. Inicialmente, devemos enaltecer a possibilidade de contarmos com uma insti- tuição municipal, que tem como objetivo maior e único promover a saúde da criança e do adolescente de uma maneira ampla e objetiva, permitindo uma maior pre- servação das condições de saúde e bem-estar destes menores e ao mesmo tempo proporcionando condições no âmbito da educação e cultura de requisitos indis- pensáveis a um maior aproveitamento escolar visando a maiores oportunidades na vida adulta. Um estudo como este que foca unicamente um dos aspectos da in- tegridade da saúde destes indivíduos, no sentido de po- der assegurar a eles uma qualidade de vida e uma qua- lidade de aprendizado que seria muito difícil sem um programa de fomento da saúde ocular abordado no âmbito de um serviço público preocupado com esta possibilidade. Por outro lado, trás à luz da realidade do dia a dia, tudo aquilo que se faz e o que se pode fazer no sentido de aprimorar este trabalho tendo como objeti- vo maior a facilitação da inclusão deste indivíduo em situação de igualdade, assegurando-lhe ao menos uma visão ou qualidade de visão que não seja mais um em- pecilho no seu desenvolvimento sócio-cultural. Não podemos deixar de ressaltar que mesmo sendo o pri- meiro trabalho de análise realizado nesta área dentro desta instituição, obtivemos muitas informações que podem nos ajudar a orientar o governo municipal na tomada de condutas e atitudes que possam vir a melho- rar ainda mais as possibilidades desta parcela da popu- lação, ou seja, crianças de zero a 15 anos, que por terem características mais peculiares de abordagem médica, muitas vezes se encaixam dentro de um hiato desprotegido das ações integradas de saúde. Tivemos para a realização deste trabalho, prati- camente crianças em sua maioria triadas dentro da rede pública de ensino fundamental, e algumas outras enca- minhadas pela rede pública de postos de saúde espalha- dos pela cidade, mais precisamente pelos serviços de pediatria.Assim, foram encaminhadas ao serviço de of- talmologia do município, que funciona dentro desta ins- tituição voltada para a criança e para o adolescente (Cen- tro Integral de Assistência à Criança e ao Adolescente – Caica), o número de 1345 crianças, como já foi dito, e que inicialmente foram triadas nos bancos escolares medi- ante treinamentos fornecido pelo autor, de acordo com as instruções do Programa Veja Bem Brasil (4). Desta maneira, os professores incumbidos de realizarem os tes- tes e retestes obtiveram num primeiro momento total supervisão e depois puderam dar prosseguimento ao tra- balho, aí já de acordo com a nossa avaliação, totalmente desacompanhados. Foram encaminhadas um total de 1345 crianças com suspeita de visão ruim, ou seja, inferior ou igual a 0,7. Deve-se salientar que em todos os casos era a pri- meira vez que a criança era examinada por um profissi- onal oftalmologista, ou seja, nunca antes havia feito um exame de vista. Deste total, tivemos 548 (40,74%) cri- anças do sexo masculino e 797 (59,26%) crianças do sexo feminino (Tabela 1). Assim como em outros traba- lhos com objetivos semelhantes, houve uma predomi- nância de crianças do sexo feminino (10). Do total de cri- anças submetidas ao exame oftalmológico completo, 52,64% foram consideradas emétropes e 47,36% porta- dores de algum erro refracional de acordo com o que apregoa o Manual do Programa Veja Bem Brasil (Tabe- la 2) (4). Lopes et al. em seu trabalho “Prevalência de acuidade visual reduzida nos alunos da primeira série do ensino fundamental das redes públicas estadual e pri- vada de Londrina – PR, no ano de 2000”, publicado em 2002, encontra uma prevalência de 37,6% de erros refracionais em crianças da rede pública e 44% em cri- anças da rede privada (9).Albuquerque et al., em Recife, encontraram mais da metade das crianças encaminha- das com erros refracionais, algo em torno de 65,1% (7). Já entre as crianças consideradas amétropes, mais uma vez encontramos uma prevalência do sexo femini- no, ou seja, 59,50% das crianças amétropes eram do sexo feminino contra 40,50% do sexo masculino (Tabela 4). A análise do número de crianças por faixa etária mostra que entre 6 e 10 anos, tivemos o maior número de indivíduos representando 54,35% do total de crianças examinadas, justamente aquelas que estão na fase inici- al da alfabetização, o mesmo visto no trabalho de Granzoto et al., seguida pela faixa de 11 a 15 anos, com 33,90% e finalmente a faixa de 0 a 5 anos, com 11,75%.(Tabela 5) (10). A distribuição por faixa etária e sexo mostrou Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 209-15 Prevalência dos vícios de refração em crianças da rede pública de ensino na cidade de Araçatuba – SP 214 mais uma vez a total predominância do sexo feminino, a despeito da faixa etária tanto entre emétropes como amétropes (Tabela 6). Para se avaliar a prevalência dos diversos tipos de erros de refração, foi necessário levar em conta para uma maior compreensão dos dados e facilidade de apreciação dos resultados, considerar apenas os casos em que o mesmo erro refracional se apresenta- va em ambos os olhos. Desta forma, das 637 crianças consideradas portadoras de algum vício de refração, 519 (81,47%) apresentavam o mesmo problema em ambos os olhos. Destas, 11,94% eram portadoras de miopia; 37,38% portadoras de hipermetropia e 50,68% portadora de um dos diversos tipos de astigmatismo (Tabela 7). Neste caso, os nossos números diferem dos encontrados por Albuquerque RC e col. como tam- bém de Moore BD (7-16). O estudo destas crianças (50,68%) com algum tipo de astigmatismo que corresponde a 263 indivíduos, mostra uma prevalência do astigmatismo hipermetrópico composto com 32,69% ou 86 crianças (Tabela 8). Assim, das 1345 crianças examinadas, 637 (47,36%) foram consideradas portadoras de algum tipo de ametropia. Destas, 519 (81,47%) apresentavam o mesmo tipo de defeito em ambos os olhos e foram pres- critas 452 (87,09%) correções óticas (Tabela 10). CONCLUSÃO O perfil da saúde ocular das crianças com ida- des variando de zero a 15 anos na cidade de Araçatuba – SP, demonstrado através destas 1345 crianças exa- minadas num serviço de oftalmologia, mantido pela administração pública municipal, nos leva a conclu- são de que este tipo de acompanhamento deve ser aperfeiçoado cada vez mais, e atitudes diretas e con- cretas que atendam às necessidades desta parte da população, sejam implementadas no sentido de se res- guardar tanto quanto possível um bom desempenho nos bancos escolares , preparando-os para um futuro de possibilidades de desenvolvimento pessoal e cul- tural, visando sempre e cada vez mais uma melhor qualidade de vida e de progresso individual, quanto ao cidadão atuante dentro desta nossa sociedade. Num percentual de 47,36% (637 crianças) desta população foram identificados algum tipo de dificuldade visual que atingia um ou ambos os olhos de maneira seme- lhante ou distinta, fazendo-nos prescrever correção ótica em 539 crianças (40,07%). Destas 519 crianças apresentavam o mesmo problema em ambos os olhos com um total de 452 prescrições de óculos. Em se tra- tando de uma primeira amostragem desta natureza neste município, concluímos sem sombra de dúvida, que este trabalho de promoção e prevenção da saúde ocular neste segmento de nossa sociedade deve ser mantido e aprimorado no sentido de se assegurar sem- pre uma melhor qualidade visual destas crianças. SUMMARY Purpose: To establish a survey about the refraction’ error in children who are attending in a public entity in Araçatuba city – SP. Methods : a complete ophthalmologic exam was done in 1345 children referred by a municipal public schools after had been submitted a screening visual done by training teachers. Results: Of 1345 children referred and examined by an ophthalmologist, only 637 were considered with some refractive error. Of those, 539 received glasses. There were found 519 (38,58%) children that had the same kind of defect in both eyes; 62 (11,94%) myopia, 194 (37,38%) hyperopia and 263 (50,68%) astigmatism. Of those with the same problem in both eyes, 453 (87,28 %) children received optical correction. Conclusion: The study showed the presence of refraction’ errors in almost half of the children referred, without a big prevalence of age range and some prevalence in feminine sex. Showing a big value of periodical ophthalmic examination on schools with training teachers and also the indispensable presence of an ophthalmology public service to detection and correction of the diagnosed visual problem. Keywords: Triage; School health; Visual acuity; Refractive errors; Prevalence; Visual disorders; Regio- nal medical programs REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. 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Este trabalho se propõe a determinar as cau- sas de baixa visão no estado de Santa Catarina que foram encaminhados para avalia- ção e tratamento na Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), localizada no município de Florianópolis e que é o centro de referência para todo o estado, nos anos de 2003 e 2004. Métodos: Estudo retrospectivo a partir dos dados epidemiológicos armazenados na (FCEE), observando-se as causas de baixa visão. Resultados: Nos anos de 2003 e 2004, foram submetidos a exame oftalmológico 603 pacientes na FCEE. A principal causa de baixa visão nos atendimentos foi a toxoplasmose, correspondendo a 22,81%, no ano de 2003 e a 27,35%, em 2004. Outras causas prevalentes foram DMRI e catarata congênita. Conclusão: As causas mais prevalentes de visão subnormal em Santa Catarina são toxoplasmose ocular, catarata congênita, glaucoma e DMRI. Descritores: Baixa visão/etiologia; Deficiências do desenvolvimento/epidemiologia; Transtornos da visão/epidemiologia, Prevalência; Cegueira 1 Preceptor do Departamento de estrabismo e visão subnormal do serviço de oftalmologia do Hospital Regional de São José “Homero de Miranda Gomes” – São José (SC) – Brasil; 2 Residente de Oftalmologia do Hospital Regional de São José “Homero de Miranda Gomes” – São José (SC) – Brasil. Serviço de Oftalmologia do Hospital Regional de São José “Homero de Miranda Gomes” HRSJ – HMG – São José (SC) – Brasil; Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) – Florianópolis (SC) – Brasil. Recebido para publicação em: 01/08/05 - Aceito para publicação em 22/12/05 ARTIGO ORIGINAL 217 INTRODUÇÃO A baixa visão é um importante problema de saú- de pública em países em desenvolvimento, apesar da maioria das causas poderem ser evi- tadas com medidas simples de higiene e tratamento médico (1-2) . A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê o acelerado crescimento da cegueira de um a dois mi- lhões de casos por ano, provavelmente dobrando o nú- mero total de casos ao redor do ano 2020, a não ser que sejam disponibilizados recursos suficientes para a pre- venção(2). Como a população mundial cresce e uma pro- porção cada vez maior sobrevive até idades mais avan- çadas, o número de pessoas com deficiência visual só irá aumentar (2), além disso, muitas patologias que desenvol- vem baixa visão podem evoluir para cegueira se não tratadas. A definição de cegueira e baixa visão pela Orga- nização Mundial de Saúde é dada pela acuidade visual (AV) melhor corrigida > 1.3 logMAR ou um campo vi- sual menor que 10 graus ao redor da fixação central, e AV melhor corrigida >0.5-1.3 logMAR ou campo visual menor que 20 graus ao redor da fixação central(3), ou, simplesmente, AV no melhor olho pior que 20/60 e cam- po visual < 10 graus. Nos EUA, comumente se adota como AV pior que 20/40, mas melhor que 20/200 no melhor olho(4). Este trabalho se propõe a determinar as causas de baixa visão no estado de Santa Catarina que foram encaminhados para avaliação e tratamento na Funda- ção Catarinense de Educação Especial (FCEE) locali- zada no município de Florianópolis e que é o centro de referência para todo o Estado, nos anos de 2003 e 2004. MÉTODOS Foi realizado um estudo retrospectivo a partir dos dados epidemiológicos de todos os atendimentos no ser- viço de visão subnormal armazenados em prontuários médicos na Fundação Catarinense de Educação Especi- al (FCEE), observando-se as causas de baixa visão no estado de Santa Catarina nos anos de 2003 e 2004. RESULTADOS Nos anos de 2003 e 2004, foram submetidos a exa- me oftalmológico 603 pacientes na Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE). No ano de 2003, foram atendidos 263 pacientes na FCEE.A principal causa de baixa visão nos atendimentos da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) foi a toxoplasmose (Tabela 1), correspondendo a 22,81%. Tabela 1 Causas de baixa visão e número respectivo de pacientes encaminhados à Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) no ano de 2003 Causa da baixa visão Total de pacientes Toxoplasmose 60 Degeneração macular relacionada à idade 23 Catarata congênita 20 Hemianopsia (trauma, tumores e outras lesões neurológicas) 20 Retinopatia da prematuridade 17 Atrofia do nervo óptico 15 Nistagmo congênito 13 Retinose Pigmentar 11 Glaucoma Congênito 08 Distrofia de cones 07 Miopia 07 Doença de Stargadt 06 Albinismo 05 Diabetes Mellitus 05 Glaucoma 04 Microftalmia 04 Estrabismo divergente 04 Amaurose congênita de Leber 03 Descolamento de retina 02 Ceratocone 02 Estrias angióides 02 Leucoma 02 Aniridia 02 Degeneração retiniana 02 Síndrome de Marfan 02 Coloboma de retina 02 Morning Glory 01 Coriorretinite por Citomegalovírus 01 Rubéola 01 Sífilis 01 Neuropatia óptica isquêmica anterior 01 Acromatopsia 01 Buraco macular 01 Phitisis bulbi 01 Coriorretinopatia serosa central 01 Oftalmia simpática 01 Uveíte posterior 01 Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 216-9 Causas de baixa visão na Fundação Catarinense de Educação Especial 218 No ano de 2004, foram atendidos 340 pacientes na Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE). O principal diagnóstico encontrado no ano de 2004 foi a toxoplasmose (27,35%). Tabela 2 Causas de baixa visão e número respectivo de pacientes encaminhados à Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) no ano de 2004 Causa da baixa visão Total de pacientes Toxoplasmose 93 Atrofia óptica 33 Catarata congênita 26 Trauma, tumores e outras lesões neurológicas 23 Miopia patológica 23 Degeneração Macular relacionada à idade 17 Glaucoma congênito 12 Retinopatia diabética 11 Nistagmo congênito 10 Retinopatia da prematuridade 10 Doença de Stargadt 09 Retinose pigmentar 08 Coloboma 07 Albinismo 05 Descolamento de retina 04 Distrofia de cones 04 Neuropatia óptica isquêmica anterior 04 Ambliopia 03 Ceratocone 03 Aniridia 03 Rubéola congênita 03 Estrabismo 03 Alta hipermetropia 03 Leucoma 03 Distrofia retiniana 03 Trauma ocular 02 Amaurose 02 Oclusão de veia central da retina 02 Estrias angióides 02 Glaucoma 01 Morning Glory 01 Microftalmia 01 Catarata senil 01 Vogt-Harada 01 Leber 01 Acromatopsia 01 Coriorretinopatia serosa central 01 HIV (necrose retiniana aguda) 01 DISCUSSÃO Nos últimos 25 anos, o Programa de Prevenção à Cegueira e à Surdez tem mantido um banco de dados em baixa visão com o propósito de armazenar dados epidemiológicos disponíveis sobre cegueira e baixa visão(5). 208 estudos populacionais em baixa visão de 68 países fo- ram descritos detalhadamente, proporcionando um con- junto atual e compreensivo de informação disponível em deficiência visual e suas causas(5). Mas, sabe-se que os dados epidemiológicos existentes sobre cegueira e baixa visão entre adultos de 20 a 59 anos são insuficientes(6). Na região de Santa Catarina não havia dados epidemiológicos sobre baixa visão, justificando a reali- zação deste trabalho. As principais causas de baixa visão em uma poli- clínica no município de Lisa, em Cuba, são glaucoma (16%), miopia degenerativa (14,8%) e outras doenças retinianas(7). As causas mais prevalentes de baixa visão no Instituto dos Cegos do Paraná, em Curitiba foram malformação ocular congênita múltipla, processo infla- matório ou infeccioso intra-ocular, atrofia óptica, complicaçöes pós-cirurgia de catarata, trauma, retinose pigmentar, opacidades corneanas, tumores, catarata con- gênita, fibroplasia retrolental, descolamento de retina e anoftalmia, além da causa desconhecida(8). Em um estudo transversal, realizado pela Universi- dade de São Paulo, que analisou pacientes acima de 60 anos de idade, a principal causa de baixa visão encontrada foi a degeneração macular relacionada à idade (44%)(9). Em um estudo de coorte, realizado na Itália com pessoas acima de 40 anos, ao longo de um período de 12 anos, significativa parcela dos indivíduos “saudá- veis” tiveram que procurar o serviço médico(3).A baixa visão foi causada principalmente, por catarata não tra- tada, glaucoma, miopia, e degeneração macular relaci- onada à idade (3). Em um trabalho conduzido durante dois anos, com 229 pacientes portadores de visão subnormal, apenas onze (5,4%) tiveram como diagnóstico etiológico a coriorretinite por toxoplasmose (10). Foram estudados 50 casos de visão subnormal em crianças atendidas no ambulatório de estimulação visual precoce da Escola Paulista de Medicina, onde foram cons- tatados 42% de casos com etiologia infecciosa e 36% de casos com etiologia hereditária, sendo a principal causa a toxoplasmose ocular (11). O trabalho da Escola Paulista está em acordo com este trabalho de Santa Catarina, demons- trando que a principal causa de visão subnormal ainda é uma doença infecciosa, evitável e tratável e que acomete os indivíduos já numa fase precoce da vida. Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 216-9 Santos EM, Vegini F 219 Sabe-se que o diagnóstico e tratamento preco- ces reduzem o risco de deficiência visual na toxoplasmose congênita, cuja manifestação mais fre- quente é a retinocoroidite(12). A toxoplasmose pode ter sua prevalência dimi- nuída através de um controle mais rigoroso das doenças infecciosas no pré-natal, controlar hábitos alimentares e higiênicos. A catarata congênita, assim como o glaucoma congênito, podem ter seus efeitos deletérios sobre a vi- são minimizados com o diagnóstico e o tratamento pre- coces. No caso da DMRI, principal causa quando correlacionada com indivíduos idosos, existe o alto custo do tratamento, ainda uma barreira importante em paí- ses em desenvolvimento, como o Brasil. CONCLUSÃO As causas mais comuns de visão subnormal em Santa Catarina são toxoplasmose ocular, catarata con- gênita, glaucoma e DMRI (degeneração macular rela- cionada à idade). SUMMARY Objective: Low vision is an important publical health problem in developping countries, besides most of the causes could be avoided with simple higien and medical treatment. This study aims to determine the causes of low vision in Santa Catarina State that were evaluated and treated by Fundação Catarinense de Educação Es- pecial (FCEE) at Florianópolis, which is the reference center in the state, in 2003 and 2004. Methods: Retrospective study using epidemiological data from FCEE, looking for low vision causes.Results: In 2003 and 2004, 603 patients were submitted to an ophthalmological exam at FCEE. The major cause of low vision in the attendances was toxoplasmosis, corresponding to 22,81%, in 2003 and to 27,35%, in 2004. Other prevalent causes were ARMD and congenital cataract.Conclusion: The most prevalent low vision causes in Santa Catarina are ocular toxoplasmosis, congenital cataract, glaucoma and ARMD. Keywords: Vision, low/epidemiology; Developmental disabilities/epidemiology ,Vision disorders/epidemiology; Prevalence; Blindness REFERÊNCIAS 1. Schemann JF, Leplege A, Keita T, Resnikoff S. From visual function deficiency to handicap: measuring visual handicap in Mali. Ophthalmic Epidemiol. 2002; 9(2):133-48. 2. West S, Sommer A. Prevention of blindness and priorities for the future. Bull World Health Organ. 2001; 79(3):244-8. Review. 3. 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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: FRANCIELE VEGINI RUA MAX COLIN, 239 APTO 801 - CENTRO CEP 89204-040 - JOINVILLE - SC Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 216-9 Causas de baixa visão na Fundação Catarinense de Educação Especial 220 Prevalência de tracoma cicatricial em Botucatu - estado de São Paulo Prevalence of trachoma in Botucatu city - Sao Paulo State Silvana Artioli Schellini1, Dalton Kitakawa2, Eliana Onishi2, Érika Hoyama3, Carlos Roberto Padovani4 RESUMO Objetivo: Usando amostragem populacional, avaliar a prevalência de tracoma cicatricial em Botucatu, São Paulo. Métodos: No ano de 2004, foi feito um estudo de prevalência de alterações oftalmológicas na cidade de Botucatu-SP, por amostragem domiciliar aleatória, tendo sido avaliados 2554 pacientes (85,1% da amostra pretendi- da).Todos os participantes do estudo foram submetidos a exame oftalmológico com- pleto. Da amostra estudada, 2339 pessoas apresentavam idade superior a 10 anos. Re- sultados: Foram identificados 3 portadores de tracoma cicatricial na amostra estudada. A prevalência do tracoma cicatricial na cidade de Botucatu é de 0.13%, ocorrendo em indivíduos maiores de 40 anos e sendo a triquíase a alteração palpebral mais importan- te. Conclusão: A prevalência de tracoma cicatricial em Botucatu é baixa. Entretanto, é importante tratar a triquíase para prevenir a cegueira pelo tracoma cicatricial. Descritores: Tracoma/diagnóstico; Prevalência; Levantamentos epidemiológicos 1 Livre-docente do Departamento de OFT/ORL/CCP, Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP), Brasil; 2 Residente do Departamento de OFT/ORL/CCP, Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil; 3 Oftalmologista do Hospital Oftalmológico de Londrina – (PR) – Brasil; 4 Professor Titular do Departamento de Bioestatística, Instituto de Biociências, Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil. Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual “Júlio Mesquita Filho” – UNESP – Botucatu (SP) – Brasil. Recebido para publicação em: 10/03/06 - Aceito para publicação em 16/06/06 ARTIGO ORIGINAL Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 220-3 221 INTRODUÇÃO É estimado que 146 milhões de pessoas no mun- do possuam tracoma inflamatório e aproxima- damente 6 milhões são acometidas por ceguei- ra irreversível devido a complicações associadas a in- fecções de repetição, como conjuntivite folicular crôni- ca e subseqüente leucoma corneano. (1-2) O tracoma é uma ceratoconjuntivite crônica recidivante que pode cursar com cicatrizes na conjuntiva tarsal, em decorrência das infecções repetidas. (3) Nos casos mais graves as cicatrizes podem confluir, levando à triquíase e entrópio, produzindo mecanicamente lesões corneanas, seguidas de opacificação e, com o tempo, perda da visão (4). O programa “Vision 2020”, da Organização Mun- dial da Saúde e da Agência Internacional para a Pre- venção da Cegueira, tem como objetivo a eliminação da cegueira prevenível até o ano de 2020 e coloca o tracoma no topo da lista de doenças a serem prevenidas nos paí- ses em desenvolvimento. Educação da população sobre higiene pessoal, melhora das condições de moradia, água potável disponível, diagnóstico e tratamento precoce do tracoma inflamatório e controle das complicações do tracoma, como obstrução das vias lacrimais, olho seco, entrópio e triquíase, podem ter grande impacto redução da cegueira por tracoma.(5) Em estudos realizados na cidade de Botucatu, no ano de 1992, a prevalência do tracoma inflamatório foi de 11,9%, entre 1393 crianças examinadas. Todos os ca- sos foram tratados com tetraciclina tópica e tiveram acompanhamento periódico, mas o índice de perda de seguimento foi alto a partir do segundo retorno (62,4%), questionando-se a necessidade de pesquisar o impacto e eficácia do tratamento nos programas de controle (6). Além deste fato, a presença constante de porta- dores de tracoma cicatricial nos ambulatórios de Oftal- mologia da Faculdade de Medicina de Botucatu nos es- timulou a realizar este estudo, que foi desenvolvido com o objetivo de avaliar a prevalência do tracoma cicatricial no nosso meio. MÉTODOS Este foi um estudo transversal, de base populacional, realizado na cidade de Botucatu, São Pau- lo, como parte do Projeto de Prevenção da Cegueira da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. A cidade de Botucatu possui cerca de 120.000 habitantes, tendo sido a amostra estimada em 3000 par- ticipantes. Foram avaliados 2554 indivíduos, correspondendo a 85.1% do total da amostra. Destes, 2339 pessoas apresentavam idade superior a 10 anos. A amostra foi domiciliar, aleatória, entre pessoas residentes na cidade de Botucatu. Foram considerados elegíveis para participar do estudo os indivíduos que residissem no Município, no período de coleta dos dados, que ocorreu de agosto a dezembro de 2004. O critério de seleção do domicílio foi feito a partir de dados do último censo demográfico do IBGE, selecio- nando-se a primeira casa dos setores censitários e siste- maticamente a sexta casa a partir daquela, tendo sido escolhido por sorteio o lado direito da rua. Caso a sexta casa estivesse desabitada, a primeira a direita era esco- lhida. Se novamente a pesquisa resultasse negativa, a pri- meira casa da esquerda seria a escolhida e assim sucessi- vamente. Todos os habitantes do domicilio eram conside- rados elegíveis e eram convidados a participar da pesqui- sa por meio de uma carta que explicava porque seria im- portante participar do estudo. Se houvesse concordância na participação, deveria ser feito um contato telefônico para o agendamento do atendimento oftalmológico. Todos os participantes foram submetidos a exa- me oftalmológico completo, feito por oftalmologistas ou residentes de Oftalmologia, no ambulatório da Facul- dade de Medicina de Botucatu, e constou de: exame ex- terno, acuidade visual, refratometria, biomicroscopia, fundoscopia e tonometria de aplanação. Após a realização do exame oftalmológico com- pleto, os portadores de tracoma cicatricial identificados foram separados para estudo da prevalência do tracoma cicatricial na população avaliada. RESULTADOS Dentre os 2339 indivíduos, com idade superior a 10 anos, que foram examinados, detectou-se tracoma cicatricial em 3 deles, relatados a seguir: Caso 1: LCC, sexo masculino, 36 anos, auxiliar de lavanderia, portador de Espondilite Anquilosante, com queixa de baixa acuidade visual (BAV) no olho direito (OD). Ao exame apresentava: AV: OD=1,0; OE (olho esquerdo)=0,7 parcial. Leucoma em setor nasal inferior, associado a Dellen local. Na conjuntiva tarsal superior evidenciou-se cicatrizes lineares brancas e conjuntivalização da margem palpebral. Não havia triquíase. Pressão ocular (PIO)= 7mmHg AO. Fundoscopia normal AO. Caso 2: JTR, sexo masculino, 56 anos, portador de paralisia infantil, com queixa de BAV em ambos os olhos (AO), de longa data. Havia feito cirurgia de catarata no Rev Bras Oftalmol. 2006; 65 (4): 220-3 Prevalência de tracoma cicatricial em Botucatu - estado de São Paulo 222 OE e referia descolamento de retina no pós-operatório. Ao exame apresentava AV: OD = conta-dedos a 3 metros; OE = percepção de luz negativa.Triquíase de pálpebras superiores em AO, blefarite AO, cicatrizes no tarso supe- rior bilateral, além de catarata nuclear no OD. PIO =15 AO. Fundoscopia impossibilitada no OD e ausência de reflexo-vermelho no OE. Caso 3: JLL, sexo masculino, 74 anos, aposentado, com antecedente de cirurgia de catarata em AO, quei- xando-se de sensação de corpo estranho em AO. Ao exa- me apresentava AV: OD = 0,2; OE = conta-dedos a 1 metro. Cicatrizes na conjuntiva tarsal superior AO, triquíase em pálpebras inferiores e superiores AO, meibomite AO, fossetas de Herbert no limbo corneano superior, além de pseudofacia. PIO = 10mmHg AO. Fundoscopia revelava alterações pigmentares na área macular e ausência do brilho foveal em AO. Desta forma, constatou-se que a prevalência de tracoma cic