LAVÍNIA DE AQUINO FRANCO ENDOMETRITE EQUINA: REVISÃO DE LITERATURA Botucatu 2023 LAVÍNIA DE AQUINO FRANCO ENDOMETRITE EQUINA: REVISÃO DE LITERATURA Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, SP, visando a obtenção do grau de médico veterinário Área de concentração: Reprodução Animal Preceptor: Prof. José Nicolau Prospero Puoli Filho Coordenador de estágios: Prof. José Paes de Oliveira Filho Botucatu 2023 Palavras-chave: Éguas; Endometrite; Inflamação ; Reprodução. Franco, Lavínia de Aquino. Endometrite equina : revisão de literatura / Lavínia de Aquino Franco. - Botucatu, 2023 Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Medicina Veterinária) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Orientador: José Nicolau Prospero Puoli Filho Capes: 50504002 1. Éguas. 2. Endometrite. 3. Inflamação. 4. Reprodução animal. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSANGELA APARECIDA LOBO-CRB 8/7500 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. FRANCO, LAVÍNIA DE AQUINO. Endometrite equina: revisão de literatura. Botucatu, 2023. 21p. Trabalho de conclusão de curso de graduação (Medicina Veterinária, Área de Concentração: Reprodução Animal) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. RESUMO Atualmente, a endometrite equina é responsável por prejudicar a saúde reprodutiva de matrizes, doadoras e receptoras, causando relevantes perdas embrionárias e retorno precoce ao cio. Ademais, é responsável por significativos gastos econômicos com diferentes exames, procedimentos terapêuticos e tentativas frustradas de reproduzir éguas que apresentam tal patologia. A identificação de animais problema, a compreensão dos processos patológicos, o manejo reprodutivo e os cuidados necessários em casos de endometrite também são grandes desafios para o médico veterinário de reprodução equina, especialmente no que diz respeito ao trabalha a campo, ressaltando ainda mais a importância de se atentar para essa condição. Sabe-se que, no geral, éguas apresentam uma inflamação fisiológica após cobertura ou inseminação artificial, porém, esse estado pode evoluir tornando-se patológico. Além do processo inflamatório, agentes infecciosos podem estar envolvidos, acarretando ainda mais adversidades ao se lidar com essa afecção. O presente trabalho realiza um levantamento bibliográfico com a finalidade de explorar a fisiopatologia da endometrite, suas principais causas e características, bem como processos diagnósticos e terapêuticos, sendo esse conhecimento a chave para enfrentar os desafios que envolvem tal doença na reprodução equina. Palavras-chave: Éguas. Endometrite. Inflamação. Reprodução. FRANCO, LAVÍNIA DE AQUINO. Endometrite equina: revisão de literatura. Botucatu, 2023. 21p. Trabalho de conclusão de curso de graduação (Medicina Veterinária, Área de Concentração: Reprodução Animal) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. ABSTRACT Currently, equine endometritis is responsible for harming the reproductive health of matrix mares, donors and recipients, causing significant embryonic losses and early return to estrus. Furthermore, it is responsible for significant economic expenses with different exams, therapeutic procedures and frustrated attempts to reproduce mares that present this pathology. The identification of problem animals, the understanding of the pathological processes, the reproductive management and the necessary care in cases of endometritis are also great challenges for the equine reproduction veterinarian, especially concerning the fieldwork, emphasizing even more the importance of a careful observation of this condition. It is known that, in general, mares present physiological inflammation after mating or artificial insemination, however, this state can evolve, becoming pathological. Besides the inflammatory process, infectious agents may be involved, causing even more adversity when dealing with this affection. The present work carries out a bibliographic survey in order to explore the pathophysiology of endometritis, its main causes and characteristics, as well as diagnostic and therapeutic processes, being this knowledge the key to face the challenges that involve this disease in equine reproduction. Keywords: Mares. Endometritis. Inflammation. Reproduction. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................... 6 2. REVISÃO DE LITERATURA ................................................................. 7 2.1. Anatomia e histologia do útero ..................................................... 7 2.2. Fisiopatologia da endometrite ...................................................... 8 2.3. Agentes etiológicos .................................................................... 10 2.4. Diagnóstico ................................................................................. 11 2.4.1. Histórico e sinais clínicos .................................................... 11 2.4.2. Ultrassonografia .................................................................. 11 2.4.3. Citologia e cultura uterina.................................................... 12 2.4.4. Biopsia uterina .................................................................... 13 2.5. Tratamento .................................................................................. 13 2.5.1. Ocitocina, prostaglandina e análogos ................................. 13 2.5.2. Lavagem e infusão intrauterinas ......................................... 14 2.5.3. Antimicrobianos intrauterinos e sistêmicos .......................... 16 2.5.4. Plasma rico em plaquetas ................................................... 17 2.5.5. Anti-inflamatórios................................................................. 17 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................. 18 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................... 19 6 1. INTRODUÇÃO Atualmente, o segmento equestre tem se demonstrado um importante setor do agronegócio nacional. Segundo pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que o rebanho nacional possua cerca de 5.962.126 cabeças. Em vista desse cenário, ressalta-se a importância do cuidado com a saúde desses animais, incluindo no que diz respeito a sua saúde reprodutiva. Para tanto, é imprescindível que médicos veterinários sejam capacitados para lidar com doenças que diminuam a produtividade do rebanho e levem a perdas econômicas consequentes, além de interferir no bem-estar dos animais. Uma das principais doenças reprodutivas é a endometrite. A endometrite é considerada uma das causas mais importantes de infertilidade e ineficiência reprodutiva em éguas (THOMASSIAN, 2005). Isso por causa da elevada mortalidade embrionária, decorrente de um ambiente uterino inadequado para a implantação, placentação e gestação (SANTOS & ALESSI, 2016), podendo causar luteólise precoce (PYCOCK, 2007). Estima-se que a prevalência dessa doença dentre as éguas com problemas de fertilidade é de 25 a 60% (ALEJANDRO et al., 2016). Em casos mais crônicos, dependendo da intensidade da fibrose instalada no endométrio, esse processo torna-se irreversível. Além disso, tal inflamação pode atingir camadas mais profundas do útero (SANTOS & ALESSI, 2016), fatores que ressaltam ainda mais a importância de se atentar para essa patologia. A presente revisão de literatura tem como objetivo englobar o tema da endometrite equina compreendendo suas principais características de maneira geral. O atual trabalho explora como e porque o processo inflamatório é instaurado no útero, quando passa a ser patológico e quais são os agentes mais comuns envolvidos, além de entender os métodos diagnósticos e alguns dos tratamentos mais utilizados na medicina veterinária. 7 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Anatomia e histologia do útero O útero de equinos é constituído de cérvix ou colo, corpo e dois cornos, apresentando variações morfológicas conforme idade e estado fisiológico (KÖNIG, H. E. & LIEBICH, H, 2016). Anatomicamente, a parede do útero é composta por três camadas: a camada mucosa, denominada de endométrio; a camada intermediária, o miométrio, formado por musculatura lisa; e a camada serosa, formada por mesotélio e tecido conjuntivo, o perimétrio (KÖNIG, H. E. & LIEBICH, H, 2016 e JUNQUEIRA L. C. & CARNEIRO J, 2018). Histologicamente, o endométrio é formado por um epitélio ciliado secretor, composto por três estratos: compacto, esponjoso e basal; e uma lâmina própria. Seu tecido epitelial é simples colunar, contudo, dependendo do período do ciclo estral, podem ocorrer alterações em sua histologia (JUNQUEIRA L. C. & CARNEIRO J, 2018). O primeiro mecanismo de defesa uterina contra a infecção são as barreiras físicas, constituídas por vulva, esfíncter vaginovestibular e cérvix, as quais contribuem para impedir a entrada de microrganismos, sujidades ou ar. A orientação correta da vulva no períneo impede que o material fecal, ao ser expelido, caia diretamente nela (CAUSAY, 2007). Enquanto a boa coaptação dos lábios vulvares mantem o selamento vulvar prevenindo a entrada de ar na vagina (VILHENA, 2020 e CAUSAY, 2007). Por sua vez, a cérvix, quando aberta, permite entrada de sêmen e drenagem de líquido uterino, e, quando fechada, dificulta a entrada de microrganismos e a saída do embrião do ambiente uterino (CAUSAY, 2007). Todas essas barreiras físicas, quando comprometidas por quaisquer procedimentos intrauterinos, acionam mecanismos celulares para combater os irritantes. A primeira linha de defesa é composta por anticorpos, neutrófilos e plasmócitos que chegam ao lúmen uterino, causando uma resposta imunológica aguda. Enquanto isso, o fluido inflamatório é eliminado através da cérvix por auxílio de contrações da musculatura. A 8 drenagem linfática e a depuração realizada pelo epitélio mucociliar também possuem papel relevante na defesa do interior do útero (CAUSAY, 2007). Vale ressaltar que a capacidade de eliminar o processo inflamatório e infeccioso é maior durante o estro, fase em que ocorrem contrações ativas do miométrio, maior grau de fagocitose por células de defesa e a cérvix está aberta. Como, na fase de diestro, a progesterona é o hormônio predominante, os mecanismos de defesa citados não funcionam com a mesma eficiência (CAUSAY, 2007). 2.2. Fisiopatologia da endometrite A endometrite é o processo inflamatório agudo ou crônico que ocorre no endométrio (PYCOCK, 2007), que pode acarretar um processo degenerativo e irreversível denominado de endometrose, cujo prognóstico é desfavorável para a reprodução (SANTOS & ALESSI, 2016). Pode ser induzida por doenças sexualmente transmissíveis, por persistência da inflamação uterina pós-cobertura ou após a inseminação artificial (VILHENA, 2020), estando ou não associada à infecção microbiana. Pycock (2007) propõe que a endometrite persistente induzida pela presença do sêmen pode ser uma causa mais comum de infertilidade em éguas suscetíveis do que processos infecciosos. Embora microrganismos presentes nas sujidades do ejaculado, do pênis e da vulva contribuam para desencadear a endometrite durante a cópula (PYCOCK, 2007), atualmente acredita-se que os próprios espermatozoides sejam os maiores responsáveis (SANTOS & ALESSI, 2016). Isso porque a ejaculação estimula a infiltração de leucócitos polimorfonucleares (PMNs), causando um processo inflamatório fisiológico, além de acionar as contrações uterinas pela liberação de ocitocina e de PGF2α (SANTOS & ALESSI, 2016). Tal processo ocorre a fim de expulsar espermatozoides, plasma seminal e agentes contaminantes no ambiente uterino, preparando-o para a gestação (VILHENA, 2020). 9 Em reprodutoras saudáveis, a inflamação normal possui pico de 12 horas após cópula ou inseminação e diminui significativamente em 24 horas. Dessa forma, o processo inflamatório é eliminado naturalmente dentro de 24 a 72 horas (PYCOCK, 2007), com uma média de 48 horas (VILHENA, 2020 e MORRIS et al., 2020), permitindo a chegada do embrião ao útero cinco dias e meio após a fertilização (PYCOCK, 2007). Ao contrário, éguas suscetíveis apresentam incompetência na limpeza fisiológica do ambiente intrauterino (VILHENA, 2020). Consequentemente, o prolongamento da endometrite pós-coito além de 4 dias pode acarretar infertilidade (SANTOS & ALESSI, 2016) e causar luteólise prematura por liberação de PGF2α, diminuindo significativamente a progesterona e levando ao retorno do cio (PYCOCK, 2007). Portanto, a inflamação passa a ser patológica (VILHENA, 2020) e, segundo Santos & Alessi (2016), éguas suscetíveis apresentam três vezes mais risco de mortalidade embrionária em comparação com as resistentes. Pycock (2007) sugere que a deficiência na contratilidade do miométrio é a principal característica relacionada à suscetibilidade em éguas, entretanto, sua causa ainda é desconhecida. Vilhena (2020) destaca um acúmulo anormal de líquido intrauterino por alterações na vascularização do endométrio decorrente de processos degenerativos. Fatores que prejudicam a drenagem linfática, como angiose ou linfangiectasia endometrial, também contribuem para a persistência da inflamação (PYCOCK, 2007 e VILHENA, 2020). A predisposição à endometrite também pode estar relacionada a alterações anatômicas do períneo (SANTOS & ALESSI, 2016). Em éguas submetidas à intensa atividade física, a diminuição da gordura perineal pode deslocar o reto cranialmente e acarretar pneumovagina (ALEJANDRO et al., 2016). Em contrapartida, éguas mais velhas tendem a apresentar cérvix mais fibrosa em estro, aumentando o acúmulo de líquido intrauterino (ALEJANDRO et al., 2016 e PYCOCK, 2007). 10 2.3. Agentes etiológicos Os agentes etiológicos mais comuns da endometrite equina são bactérias e fungos, os quais, no geral, atingem o útero por via ascendente (SANTOS & ALESSI, 2016), principalmente em momentos em que a cérvix se encontra relaxada (DÍAZ‐BERTRANA et al., 2021). Na maioria dos casos, a endometrite é uma patologia que envolve agentes oportunistas e inespecíficos (SANTOS & ALESSI, 2016). Streptococcus equi subespécie zooepidemicus é considerada uma das bactérias mais comuns (DÍAZ‐BERTRANA et al., 2021). Escherichia coli (SANTOS & ALESSI, 2016; DÍAZ‐BERTRANA et al., 2021 e CAUSAY, 2007), Klebsiella pneumoniae (DÍAZ‐BERTRANA et al., 2021 e CAUSAY, 2007) e Pseudomonas aeruginosa (CAUSAY, 2007 e THOMASSIAN, 2005) também são frequentemente isoladas e estão fortemente associadas a produção de biofilme (CARNEIRO, 2023). Mesmo sendo significativamente menos comuns do que bactérias, agentes fúngicos apresentam-se mais desafiadores quanto ao tratamento e o prognóstico é mais reservado quanto à vida reprodutiva das éguas (BELTAIRE et al., 2012 e DASCANIO, 2007), além de serem infecções geralmente recorrentes (MORRIS et al., 2020). Essas dificuldades ocorrem devido à falta de estudos que proponham tratamentos específicos e eficientes (BELTAIRE et al., 2012 e DASCANIO, 2007). Além disso, fungos necessitam de meios de cultivo específicos e de um tempo de incubação prolongado (BELTAIRE et al., 2012), cerca de 3 a 4 semanas (MORRIS et al., 2020). Fatores como imunossupressão, traumas teciduais, pneumovagina, uso de corticosteroides e tratamento prolongado com antibióticos predispõem à infecção fúngica (DASCANIO, 2007), acometendo principalmente éguas mais velhas. No geral, Candida spp. e Aspergillus spp. são os principais responsáveis pela endometrite fúngica (THOMASSIAN, 2005; DASCANIO, 2007 e MORRIS et al., 2020) e são 11 inclusive produtores de biofilme (CARNEIRO, 2023), seguidos de Mucor spp. (MORRIS et al., 2020). 2.4. Diagnóstico Conhecer o histórico e sinais clínicos do indivíduo ou do rebanho, bem como realizar exames complementares é crucial para o diagnóstico precoce da endometrite e para instituição do tratamento de maneira mais assertiva (DÍAZ‐BERTRANA et al., 2021). 2.4.1. Histórico e sinais clínicos A endometrite em éguas apresenta grande variedade de sinais clínicos, que podem ou não se manifestar, incluindo secreção vulvar (THOMASSIAN, 2005 e MORRIS et al., 2020), congestão vascular (THOMASSIAN, 2005 e CAUSAY, 2007) vaginal e cervical e descarga vaginal (MORRIS et al., 2020 e CAUSAY, 2007) visualizados pelo espéculo. Relatos de infertilidade, baixas taxas reprodutivas (THOMASSIAN, 2005) e retorno ao cio, dentre outras falhas reprodutivas, devem ser considerados para se avaliar a suspeita de endometrite, seja qual for sua causa. 2.4.2. Ultrassonografia A ultrassonografia é um exame primordial para identificação de inflamação e infecção uterina, sendo a presença de líquido no lúmen uterino seu principal sinal (CAUSAY, 2007), especialmente quando visualizado em diestro (PYCOCK, 2007). Além de identificar presença e ausência, é possível caracterizar a natureza do líquido, se este parece ser mais límpido ou com maior quantidade de debris celulares (CAUSAY, 2007). Contudo, a avaliação ultrassonográfica é apenas sugestiva, de forma que nem sempre a imagem revela o caráter real do líquido (PYCOCK, 2007), necessitando de cautela em sua interpretação. Não apenas como diagnóstico, a ultrassonografia auxilia também durante o tratamento da endometrite, permitindo o acompanhamento do ciclo estral, do líquido intrauterino e a definição da janela de tratamento (CAUSAY, 2007). 12 Éguas normais acumulam apenas um pouco ou nenhum líquido durante o estro, sendo capazes de eliminá-lo sozinhas (CAUSAY, 2007). A visualização de um acúmulo anormal de 2 cm ou mais de profundidade de fluido, em estro (PYCOCK, 2007) ou diestro (MORRIS et al., 2020), pode ser associada à suscetibilidade à endometrite persistente. Ademais, a imagem ultrassonográfica também detecta a presença de ar intrauterino, podendo indicar uma falha dos mecanismos de barreira externa da égua (CAUSAY, 2007). 2.4.3. Citologia e cultura uterina A citologia uterina detecta as células polimorfonucleadas, majoritariamente neutrófilos, que se direcionam ao endométrio após estímulo inflamatório (ALEJANDRO et al., 2016). A cultura uterina geralmente é realizada pela utilização de swab ou pela técnica de lavagem de baixo volume (CAUSAY, 2007), sendo esta considerada mais sensível para diagnosticar endometrite bacteriana (MORRIS et al., 2020). É importante que ambos os exames sejam avaliados em conjunto, aumentando sua sensibilidade diagnóstica (ALEJANDRO et al., 2016). Dessa forma, uma cultura positiva com um exame citológico negativo indica fortemente uma contaminação, por outro lado, se ambos forem positivos, é sinal de que há crescimento bacteriano significativo (CAUSAY, 2007). Caso a citologia seja positiva e a cultura negativa, significa que a causa pode estar associada a outro fator (DÍAZ‐BERTRANA et al., 2021 e CAUSAY, 2007), como presença de outros microrganismos, ar ou urina. No entanto, é imprescindível ter em mente a possibilidade de resultado falso negativo, especialmente em se tratando de microrganismos produtores de biofilme. (CARNEIRO, 2023). Associado a cultura, idealmente, testes de sensibilidades a antibióticos antibacterianos e antifúngicos (DASCANIO, 2007) devem ser realizados, a fim de auxiliar na escolha do tratamento mais adequado (CAUSAY, 2007). 13 2.4.4. Biópsia uterina A biópsia uterina possui bom valor tanto diagnóstico quanto prognóstico, pois sua amostragem é representativa de todo endométrio (SANTOS & ALESSI, 2016), no entanto, em alguns casos, é necessária a coleta de mais de uma amostra (RECHESTEINER, 2021). A biopsia seguida de histopatológico avalia mudanças do ciclo estral, integridade estrutural do endométrio quando há inflamação, dilatação de vasos linfáticos e glândulas ou fibrose (ALEJANDRO et al., 2016). Contudo, deve ser evitada durante a infecção ativa, visto que pode favorecer a fixação bacteriana no local lesado ou permitir a exposição sistêmica às bactérias presentes no útero (CAUSAY, 2007). 2.5. Tratamento O tratamento é importante para que as éguas estejam livres da endometrite antes de reproduzir, além de controlar a inflamação pós acasalamento o mais rápido possível. Idealmente, a égua deve se encontrar em estro para realizar o tratamento. Caso a égua esteja em diestro, pode ser realizada aplicação de prostaglandina objetivando o retorno ao cio pelo processo de luteólise (CAUSAY, 2007). 2.5.1. Ocitocina, prostaglandina e análogos A ocitocina é o hormônio naturalmente responsável por estimular contrações uterinas durante o ciclo estral, em éguas prenhas e no pós- parto. Ela age diretamente na contração miometrial e indiretamente na liberação de prostaglandinas, não interferindo na ovulação ou na função do corpo lúteo (PYCOCK, 2007). É indicada na presença de fluido intrauterino, antes ou após a reprodução, sendo mais eficaz durante o estro (CAUSAY, 2007), período de maior expressão de receptores para o hormônio no miométrio (MORRIS et al., 2020). A prostaglandina auxilia na depuração uterina e, apesar de produzir contrações miometriais mais fracas em relação à ocitocina (CAUSAY, 14 2007), possui ação mais duradoura (TROEDSSON & NIELSEN, 2018 e PYCOCK, 2007). Contudo, ainda faltam estudos para estabelecer uma dose adequada para o tratamento com prostaglandina e seus análogos (TROEDSSON & NIELSEN, 2018). Ademais, é importante se atentar às contraindicações do uso de prostaglandinas logo após a ovulação (TROEDSSON & NIELSEN, 2018 e PYCOCK, 2007 e MORRIS et al., 2020), pois interferem na formação do corpo lúteo funcional (TROEDSSON & NIELSEN, 2018) e diminuem os níveis de progesterona necessários para a manutenção da gestação (MORRIS et al., 2020). 2.5.2. Lavagem e infusão intrauterinas A lavagem uterina com solução salina fisiológica ou solução de ringer com lactato é muito útil para auxiliar a remoção mecânica do conteúdo uterino (MORRIS et al., 2020 e CAUSAY, 2007). Tal procedimento estimula a contratilidade uterina; aumenta a resposta imune fagocitária do útero; e auxilia na remoção de detritos inflamatórios e contaminantes uterinos (CAUSAY, 2007 e PYCOCK, 2007). Deve-se infundir um litro de solução por vez, sempre avaliando as características do líquido retirado do útero e repetindo as infusões até que seja recuperado um fluido límpido (CAUSAY, 2007). É importante também que se remova todo o líquido infundido, visto que se trata de uma paciente com dificuldade na depuração uterina. Por isso, Causay (2007) aconselha que a lavagem uterina venha sempre seguida de aplicação de ocitocina, aumentando a eficácia de eliminação do conteúdo. Para que não haja prejuízo aos espermatozoides ou às taxas de prenhez, Pycock (2007) sugere que a lavagem uterina seja realizada somente 4 horas após cobertura ou inseminação artificial, e não antes disso. A infusão de soluções antissépticas por via intrauterina deve ser efetuada com cautela, uma vez que, dependendo da solução escolhida, pode-se induzir maior inflamação, necrose, hemorragias e fibrose. Por isso, é importante conhecer as soluções e seus efeitos, evitando seu uso 15 indiscriminado e considerando a resposta individual de cada animal. Das múltiplas opções de substâncias, soluções de iodo, N-acetilcisteína e TrisEDTA podem ser utilizadas como auxiliares do tratamento, apresentando boa ação em casos de endometrite com infecções bacterianas. Causay (2007) cita que, em resultados de biopsia, a solução diluída de iodopovidona não induziu inflamação e não apresentou diminuição da taxa de prenhez em reprodutoras sadias. Morris et al. (2020) relata estudos em que lavagem uterina com solução de iodopovidona a 0,05% não produziu inflamação, porém, a mesma substância a 1% produziu inflamação significativa. N-acetilcisteína (NAC) é um mucolítico com propriedades anti- inflamatória, antioxidante (MORRIS et al., 2020) e antibacteriana (TROEDSSON & NIELSEN, 2018), capaz de diminuir biofilme e a quantidade de bactérias presentes em biofilmes de E. coli (TROEDSSON & NIELSEN, 2018 e MORRIS et al., 2020). É útil para aumentar a eficácia de beta lactâmicos, mas diminui a ação de aminoglicosídeos, eritromicina e fluorquinolonas (TROEDSSON & NIELSEN, 2018). Seu uso é considerado seguro e sugerido para auxiliar no aumento das taxas de prenhez. O Tris-EDTA, por sua vez, é um quelante de cálcio e magnésio presentes na parede celular bacteriana, e possui ação contra o biofilme bacteriano (MORRIS et al., 2020), potencializando o efeito de antimicrobianos (TROEDSSON & NIELSEN, 2018). Atua como um adjuvante seguro que se demonstrou eficiente contra Pseudomonas aeruginosa em estudos in vitro (CAUSAY, 2007). Contudo, seu efeito contra o biofilme de bactérias gram negativas ainda não foi esclarecido. Além disso, devido à precipitação da solução, a adição de EDTA-tris a antimicrobianos como ceftiofur, timentin e penicilina é desaconselhável (TROEDSSON & NIELSEN, 2018). 16 2.5.3. Antimicrobianos intrauterinos e sistêmicos Devido às atuais preocupações com aumento de resistência microbiológica e uso indiscriminado de antibióticos, estes devem ser prescritos e manejados com cautela, avaliando a real necessidade e viabilidade de sua utilização (PYCOCK, 2007). Seu uso é recomendado somente em casos de cultivo bacteriano ou fúngico positivo (DÍAZ‐ BERTRANA et al., 2021 e MORRIS et al., 2020). Pycock (2007) propõe esse tratamento em casos de infecções crônicas ou persistentes, em éguas que não respondem à lavagem uterina e à ocitocina ou que apresentam isolamento da mesma bactéria em estros diferentes. O mesmo autor relata estudos que demonstram que ocitocina e antimicrobianos intrauterinos, apesar de possuírem ações distintas, podem ser associadas para tratar infecções com mais eficiência. Vale ressaltar que os antibióticos intrauterinos não devem ser irritantes nem prejudiciais para o endométrio (DÍAZ‐BERTRANA et al., 2021). Por um lado, a infusão intrauterina de antibióticos é preferível por não causar efeitos colaterais como os sistêmicos (MORRIS et al., 2020). Em contrapartida, alguns fatores diminuem sua eficácia, como presença de biofilme e detritos inflamatórios no útero. Por sua vez, a via sistêmica não apresenta risco de contaminação iatrogênica do útero, além de poder ser usada durante o diestro. Essa também é a melhor alternativa em casos em que a via intrauterina é inviável, como em éguas indóceis, éguas submetidas a cirurgias ou que passaram por traumas no trato urogenital recentes (CAUSAY, 2007). Contudo, antibióticos sistêmicos demoram mais tempo para atingir a concentração inibitória mínima e são, muitas vezes, a opção mais cara. Dentre os fármacos antibacterianos utilizados no tratamento da endometrite destacam-se gentamicina, amicacina (CAUSAY, 2007, DÍAZBERTRANA et al., 2021 e MORRIS et al., 2020), sulfa com trimetoprim (CAUSAY, 2007 e MORRIS et al., 2020), ceftiofur e ciprofloxacino (CAUSAY, 2007). 17 Segundo MORRIS et al. (2020), leveduras e fungos filamentosos apresentam maior suscetibilidade a antifúngicos poliênicos, e suscetibilidade variada aos derivados de azol. A via oral pode ser utilizada visando uma ação antimicótica prolongada, sendo fluconazol e itraconazol os mais recomendados (MORRIS et al., 2020) Porém, há questionamentos quanto a eficiência de sua absorção gastrintestinal, além de ser uma opção com custo elevado em equinos (DASCANIO, 2007). A aplicação de antifúngicos tópicos também é aconselhável, visto que vagina e clitóris podem funcionar como áreas de reservatório de fungos (DASCANIO, 2007 e MORRIS et al., 2020). 2.5.4. Plasma rico em plaquetas O plasma autólogo ou heterólogo tem sido proposto com objetivo de aumentar as defesas imunes do útero (TROEDSSON & NIELSEN, 2018). Recentemente, foi sugerida a ação de imunomodulação do plasma rico em plaquetas (PRP), diminuindo a resposta inflamatória uterina ao sêmen (TROEDSSON & NIELSEN, 2018 e MORRIS et al., 2020). Tal tratamento apresenta a vantagem de ser uma opção “natural” em comparação à utilização de antimicrobianos (THOMASSIAN, 2005), contudo sua eficácia ainda é questionável (CAUSAY, 2007). Enquanto alguns sugerem melhores taxas de prenhez associadas ao uso do plasma (TROEDSSON & NIELSEN, 2018; THOMASSIAN, 2005; CAUSAY, 2007 e MORRIS et al., 2020), ainda existem muitas divergências sobre seu uso. Portanto, tal decisão deve levar em consideração todos os procedimentos necessários para sua utilização e deve ser individual do médico veterinário (CAUSAY, 2007). 2.5.5. Anti-inflamatórios Drogas anti-inflamatórias podem auxiliar na redução da inflamação uterina e consequentemente na melhora da fertilidade. Enquanto corticosteroides, como dexametasona e prednisolona, agem alterando a expressão genética de componentes pró-inflamatórios; AINES, como 18 vedaprofeno e cetoprofeno, inibem a síntese de prostaglandinas resultantes do processo inflamatório (MORRIS et al., 2020). Entretanto, devido à inibição da liberação de prostaglandinas, AINES podem prejudicar a ovulação (FRISO, 2016) e reduzir as contrações miometrais necessárias para expulsão do líquido intrauterino (MORRIS et al., 2020). Por isso, é recomendada sua associação com drogas ecbólicas, como ocitocina, visando minimizar esse efeito durante o tratamento (TROEDSSON & NIELSEN, 2018 e MORRIS et al., 2020). Atualmente, o firocoxib tem se destacado como AINE por ser altamente seletivo para COX-2, enzima expressa por células envolvidas diretamente na inflamação (FRISO, 2016). Além de não interferir na via fisiológica, apresenta meia vida longa e não possui efeitos colaterais segundo Friso (2016), sendo, portanto, uma escolha segura para auxílio no tratamento da endometrite. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dada a importância da endometrite em éguas para o mercado equino, é imprescindível o preparo do médico veterinário para lidar com essa afecção com viabilidade e eficiência. Muito ainda pode ser explorado sobre o assunto, como novas técnicas diagnósticas e diferentes avanços no tratamento, inclusive no que diz respeito a tratamentos alternativos. Contudo, o presente trabalho permitiu uma breve exposição da endometrite e de seus conceitos básicos, compreendendo a doença e seus principais desafios. Por essa razão, é sempre importante que o profissional se mantenha atualizado nos conhecimentos da reprodução equina, a fim de obter sucesso frente à doença, especialmente em se tratando do trabalho a campo. 19 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEJANDRO, M. et al. Métodos diagnósticos de endometrite em éguas. Publicação em Medicina Veterinária e Zootecnia, p. 895–908, 2016. BELTAIRE, K. A.; CHEONG, S. H.; COUTINHO DA SILVA, M. A. Retrospective study on equine uterine fungal isolates and antifungal susceptibility patterns (1999-2011). Equine Veterinary Journal, v. 44, n. SUPPL. 43, p. 84–87, dez. 2012. CARNEIRO, G. F. Endometrite em éguas: diagnósticos e tratamentos convencionais e/ou alternativos. Ciência Animal, [S. l.], v. 30, n. 4, p. 113–122, 2023. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/cienciaanimal/article/view/9837. Acesso em: 23 jan. 2023. CAUSAY, R. C. Terapia Uterina para Éguas com Infecções Bacterianas. Terapia Atual na Reprodução Equina, p. 105–115, 2007. 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