Oecol. Bras., 13(4): 545-553, 2009 FOTOMETRIA PARA BIOLOGISTAS Victor José Mendes Cardoso1 1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Departamento de Botânica. Caixa Postal 199. Rio Claro, São Paulo (SP), Brasil. CEP: 13506-900. E-mail: victorjc@rc.unesp.br RESUMO É basicamente do Sol que provém a energia que sustenta a vida na Terra. Parte dessa energia é assimilada pelos vegetais que, por meio da fotossíntese, transformam energia luminosa em energia química. Muitos estudos científicos sobre plantas requerem uma correta descrição da quantidade e qualidade da luz incidente, mas, antes disso, faz-se necessário o uso de uma terminologia apropriada para descrever o ambiente luminoso do organismo ou população. Embora a literatura contenha inúmeras referências a respeito desse assunto, ainda é relativamente comum encontrar erros ou mal-entendidos – inclusive em manuscritos submetidos para publicação em revistas técnicas – envolvendo a aplicação de termos para se descrever a luz usada nos experimentos. Neste artigo, apresento e discuto vários desses termos, como ‘radiação’, ‘intensidade luminosa’ e ‘irradiância’, de modo a auxiliar o leitor a entendê-los e aplicá-los com propriedade em seus trabalhos. Palavras-chave: Luz, unidades, radiância, irradiância, fluência. ABSTRACT PHOTOMETRICS FOR BIOLOGISTS. Most life-sustaining energy on Earth comes from the Sun. Part of this energy is converted by plants via photosynthesis into chemical energy. Many scientific studies on photosynthesis by plants rely on an accurate description of the quantity and quality of incident light, which in turn depends on the use of proper terminology for describing the luminous nature of the organism or population in question. Although the scientific literature contains a number of references on this matter, it is still fairly common to find misinterpretations and errors involving the application of terms used for describing light in scientific experiments. I herein present and discuss much of this specialized terminology, such as the terms ‘radiation’, ‘luminous intensity’, ‘irradiance’. in order to assist readers who seek to understand and make use of this terminology properly. Key words: Light, units, irradiance, radiation, proficiency. RESUMEN FOTOMETRIA PARA BIOLOGOS. El sol provee la energía que sustenta la vida en la Tierra. Parte de esa energía es asimilada por los vegetales que, por medio de la fotosíntesis, transforman la energía lumínica en energía química. Numerosos estudios científicos sobre plantas requieren una correcta descripción de la cantidad y de la calidad de luz incidente, pero, antes que esto, es necesario el uso de una terminología apropiada para describir el ambiente luminoso del organismo o la población. Aunque la literatura contiene numerosas referencias con respecto a este asunto, aún es relativamente común encontrar errores o malos entendidos, inclusive en manuscritos enviados para su publicación en revistas técnicas, incluyendo la aplicación de términos para describir la luz utilizada en los experimentos. En este artículo, presento y discuto varios de estos términos, como radiación, intensidad lumínica e irradiancia, de manera que ayude al lector a comprenderlos y aplicarlos con propiedad en sus trabajos. Palabras-clave: Luz, unidades, radiación, irradiancia, fluencia Oecologia Brasiliensis 13(4): 545-553, Dezembro 2009 doi:10.4257/oeco.2009.1304.01 CARDOSO, V.J.M.546 Oecol. Bras., 13(4): 545-553, 2009 Figura 1. Esquema ilustrando a formação de uma onda eletromagnética a partir da oscilação de um di-polo (±). Adaptado de Clayton (1980). Figure 1. Schematic diagram of an electromagnetic wave resulting from the oscillation of a dipole (±). After Clayton (1980). Figura 2. Espectro eletromagnético ordenado em escala de freqüências (Hz) e comprimentos de onda (nm). As regiões espectrais do infravermelho (IV) e ultravioleta (UV) são apresentadas. Adaptado de http://www.sc.ehu.es/sbweb/fisica/cuantica/negro/espectro/espectro.htm (página acessada em 11 de maio de 2009). Figure 2. Electromagnetic spectrum in frequency range (Hz) and wavelength (nm). Spectral regions of the infrared (IV) and ultraviolet (UV) regions are given. Adapted from http://www.sc.ehu.es/sbweb/fisica/cuantica/negro/espectro/espectro.htm (accessed on May 11th, 2009). RADIAÇÃO E ENERGIA RADIANTE A energia oriunda do Sol propaga-se no espaço sob a forma de onda eletromagnética, também chamada energia radiante ou, simplesmente, radiação (unidade = Joule). Assim, radiação é o processo de emissão de ondas eletromagnéticas, as quais se originam da oscilação das partículas de qualquer objeto físico cuja temperatura esteja acima do zero absoluto (-273°C). Esse movimento gera um padrão oscilante de forças elétricas e magnéticas, chamada ‘onda eletromagnética’ (Clayton 1980), ilustrada na Figura 1 (apenas o componente elétrico é apresentado). A distância entre duas cristas de ondas sucessivas é chamada ‘comprimento de onda’ (λ), e a frequência (ν) é o número de vezes que cristas contíguas passam por um dado ponto. A distribuição da radiação eletromagnética em função das respectivas frequências (medida em ciclos/segundo ou Hertz) ou comprimentos de onda (usualmente medida em nanômetros, nm) é denominada ‘espectro eletromagnético’ (Figura 2). O produto da frequência pelo comprimento de onda dá a velocidade de propagação da radiação, que é a velocidade da luz (c). Assim, λ.ν = c, ou, ν = c / λ, significando que o comprimento de onda é inversamente proporcional à frequência. Com base na frequência e nos comprimentos de onda, o espetro eletromagnético tem sido dividido em regiões que vão desde radiações gama (λ ~10-3nm e ν ~1020Hz) até ondas de rádio (λ > 109nm e ν > 108Hz), passando pelo chamado ‘espectro visível’, situado aproximadamente entre os comprimentos de onda 380nm (violeta) e 770nm (vermelho extremo). O espectro visível, ou luz, é, portanto, aquela parte da radiação eletromagnética que o ser humano consegue ver. O termo ‘luz’, entretanto, muitas vezes é estendido para um intervalo maior de comprimentos de onda, gerando expressões como: ‘luz ultravioleta’, com referência a comprimentos de onda abaixo de 400nm; ‘luz infravermelha’, para comprimentos acima de 770nm; ou ‘luz visível’, para comprimentos situados dentro do espectro visível propriamente dito. O modelo de ondas eletromagnéticas explica a propagação da energia radiante no espaço, mas não os fenômenos relacionados à absorção da luz pela matéria. A absorção da luz é marcada pela excitação eletrônica do meio absorvente. Essa excitação refere- se basicamente a dois eventos: a) mudança de orbital de elétrons em relação ao núcleo atômico, isto é, o elétron que interage com a onda eletromagnética ‘salta’ de um espaço de probabilidades onde ele pode ser encontrado (orbital), para outro, mais energético; e b) aumento da energia cinética do elétron em seu orbital. Tais FOTOMETRIA PARA BIOLOGISTAS 547 Oecol. Bras., 13(4): 545-553, 2009 Tabela I. Termos e unidades de medida radiométricos e seus equivalentes fotométricos (Pedrotti & Pedrotti 1998). Table I. Units and terms used in radiometrics and their equivalent terms in photometrics. After Pedrotti & Pedrotti 1998. TERMOS RADIOMÉTRICOS TERMOS FOTOMÉTRICOS Termo Unidade Termo Unidade Energia radiante J Energia luminosa talbot (lúmem⋅s) Fluxo radiante J.s-1 ou W Potência luminosa lúmem Irradiância W.m-2 Iluminância lux (lúmem.m-2) Intensidade radiante W.sr-1 Intensidade luminosa candela (lúmem.sr-1) Radiância W.m-2.sr-1 Luminância lúmem.m-2.sr-1 mudanças de orbitais ou de velocidade, no entanto, não envolvem deslocamentos e/ou variações contínuas no espaço-tempo, mas restringem-se a determinados valores possíveis ou ‘permitidos’. Assim, um elétron só passa de um estado menos energético para o estado seguinte permitido se receber a quantidade certa de energia, correspondente à diferença entre os dois estados. Essa quantidade de energia, ou pacote, capaz de excitar o elétron, é o quantum (plural: quanta). Portanto, quando a luz é absorvida, seus efeitos só são explicáveis se ela for analisada como um conjunto de partículas, denominadas fótons. A energia (E) carregada por um fóton é o quantum, sendo representada pela fórmula E(λ) = h.ν = hc/λ, onde h é a constante de Planck (6,6256 x 10-27erg.s ou 6,626 x 10-34J.s). Essa fórmula indica que a energia de um fóton é diretamente proporcional à frequência e inversamente proporcional ao comprimento de onda. Fenômenos observados em uma superfície (como o efeito fotoelétrico) respondem à quantidade de energia do fóton recebido, e não à quantidade total de energia luminosa recebida. No caso do efeito fotoelétrico para o sódio, por exemplo, a ejeção de elétrons da superfície metálica só ocorre para λ = 683nm ou menores, não importando a quantidade de energia recebida em comprimentos de onda acima desse valor. Portanto, o quantum especifica a qualidade da radiação, enquanto que a energia luminosa total é um dado quantitativo, sem indicação do número ou distribuição de fótons realmente envolvidos no processo (Nobel 1974). UNIDADES DA LUz A radiação eletromagnética, além de sua caracterização em termos qualitativos (comprimentos de onda e frequências), pode ser descrita quantitativamente, ou seja, quanto à sua ‘intensidade’. Em muitos estudos científicos envolvendo plantas, é importante conhecer tanto a quantidade como a qualidade da luz incidente. A intensidade da radiação é descrita pelas ciências da fotometria e radiometria (Pedrotti & Pedrotti 1998). Assim, a quantidade de luz pode ser medida tanto em unidades fotométricas, que descrevem a radiação tal como ela é percebida pelo olho humano, e radiométricas, baseadas na energia total e potência da radiação, ou fluxo de fótons. A Tabela 1 apresenta a equivalência de algumas das principais unidades fotométricas e radiométricas usadas na descrição da radiação, cujos conceitos serão apresentados no texto. UNIDADES FOTOMÉTRICAS As unidades fotométricas referem-se ao espectro visível ou, simplesmente, ‘luz’. A energia luminosa corresponde, portanto, à energia radiante na região espectral visível, sendo representada pela unidade conhecida como talbot, que é a energia de um fluxo luminoso de 1lúmem (ver abaixo) em 1 segundo, ou lúmem-segundo. A avaliação fotométrica é feita por instrumentos denominados fotômetros ou medidores de luz, normalmente calibrados em lux (nesse caso, são chamados luxímetros), cujo pico de sensibilidade situa-se entre 530 e 580nm (verde-amarelo), que é a região espectral à qual o olho humano é mais sensível. Além disso, por definição, fotômetros apresentam sensibilidade relativamente baixa nas regiões do violeta-azul e vermelho, e praticamente nula no infravermelho e ultravioleta. Portanto, os fotômetros medem o ‘brilho’ ou a quantidade de luz da radiação, tomando-se por base a luz tal como ela é enxergada pelo ser humano. Essa quantidade de luz, também chamada intensidade luminosa, é normalmente medida numa unidade conhecida como candela (cd, às vezes chamada vela), definida como a luz emitida por uma fonte monocromática (555nm), CARDOSO, V.J.M.548 Oecol. Bras., 13(4): 545-553, 2009 Figura 3. Esquema ilustrando a emissão de um cone de luz de ângulo sólido ϖ e base de raio r, a partir de uma fonte situada no centro de uma esfera de raio R. Modificado de Oliveira-Filho & Saraiva (2007). Figure 3. Schematic illustration of the emission of a cone of light with a solid angle x and a base radius r from a source at the centre of a sphere of radius R. After Oliveira-Filho & Saraiva (2007). numa dada direção, a uma intensidade de 0,0184Watts (ver adiante). A candela serve de base para as demais grandezas fotométricas. O fluxo luminoso, medido em lúmen (lm), é igual a uma candela multiplicada pela unidade de ângulo sólido (o mesmo que o ângulo de um cone) dado em esterorradianos (sr) (Figura 2). Portanto, lm = cd.sr, ou seja, o lúmen é o fluxo luminoso dentro de um cone de 1sr, emitido por um ponto luminoso de 1cd situado no vértice do cone. A luz emitida por uma fonte de 1cd situada no centro de uma esfera oca irá produzir um fluxo luminoso para toda a superfície interna da esfera equivalente a 4pi lúmens. A iluminância, ou densidade de fluxo luminoso, é o fluxo luminoso por unidade de área, cuja unidade é lux (lx), ou seja, lx = lm.m-2. No exemplo da esfera, a quantidade de luz incidente na sua superfície interna, considerando-se um raio de 1m, seria 1lux. Desse modo, quando medimos a quantidade de luz no interior de um cômodo usando um luxímetro, estamos medindo a iluminância. Luxímetros podem apresentar variações de leitura da ordem de 50%, dependendo da fonte de luz, sendo que medidas baseadas em lux são atualmente inaceitáveis em pesquisa (Pearcy 1989). UNIDADES RADIOMÉTRICAS A radiação também pode ser descrita com base no seu conteúdo de energia, usando-se equipamentos denominados radiômetros, que devem responder à energia radiante ao longo de todo o espectro eletromagnético, sendo normalmente calibrados em Watt.m-2. Solarímetros ou piranômetros são radiômetros que medem a radiação solar total (direta + difusa). Radiômetros tendem a apresentar uma sensibilidade relativa maior a comprimentos menores (maior energia por fóton), como o ultravioleta (Nobel 1999). As unidades radiométricas (Joule, Watt, Erg, caloria) são as mais aceitas em estudos que envolvem processos biológicos, considerando-se que os dispositivos que medem radiação e operam em escala radiométrica são sensíveis a um espectro mais amplo do que sensores fotométricos, abrangendo regiões que são importantes para processos fisiológicos, como a fotossíntese, cujos picos de eficiência ocorrem no azul e vermelho. Além disso, a resposta de sensores radiométricos é bem menos dependente da fonte de luz do que a de sensores fotométricos. A quantidade ou fluxo de energia radiante recebida, emitida ou transmitida por unidade de tempo define o chamado fluxo radiante (φ) ou potência, cuja unidade é Joule.s-1 (J.s-1), ou simplesmente Watt (W), que é uma unidade de potência no sistema radiométrico. A intensidade radiante ou intensidade de radiação (I), equivalente à intensidade luminosa na escala fotométrica, representa a energia emitida a partir de uma fonte pontual através de um cone de luz de ângulo sólido ϖ, sendo expressa em W.sr-1. Considerando-se que W = J.s-1, a intensidade de radiação pode ser expressa pela fórmula I = J.s-1.sr-1, onde sr representa o tamanho do cone de radiação projetado na superfície de uma esfera virtual, a partir de uma fonte localizada no centro dessa esfera (Figura 3). Em outras palavras, a intensidade radiante é a potência (W) de uma fonte que se propaga numa dada direção através de um cone de ϖ esterorradianos. No caso de um cone estreito, o ângulo sólido (ϖ) pode ser representado pela fórmula ϖ = π.(r2/R2), que nada mais é do que a área circular iluminada na superfície da esfera dividida pelo raio da esfera (R). Assim, a intensidade radiante de uma fonte esférica que irradia certa potência (φ) uniformemente em todas as direções é φ/(4π), onde 4π é o ângulo sólido da esfera. Por exemplo, se a potência da fonte é 40W, I será 40/(4π) ≅ 3,18W.sr-1. A mesma potência irradiada de uma fonte hemisférica seria 40/(2π) ≅ 6,36W.sr-1 (Pedrotti & Pedrotti 1998). O termo intensidade aplica-se à fonte de luz, ou seja, é determinada pela potência radiativa da fonte. Assim, I não muda durante a propagação da radiação através de qualquer meio não absorvente, de modo que a intensidade da radiação que deixa o Sol, por exemplo, é a mesma que chega à superfície da Terra. Outro exemplo de ausência de variação da Intensidade FOTOMETRIA PARA BIOLOGISTAS 549 Oecol. Bras., 13(4): 545-553, 2009 Figura 4. O fluxo radiante no orifício do anteparo 1 é menor do que no anteparo 2, mas a intensidade luminosa que passa pelos orifícios dos dois anteparos é a mesma, já que o ângulo sólido muda na mesma proporção do aumento da distância do anteparo em relação à fonte. Adaptado de Ksenzhek & Volkov (1998). Figure 4. The flow of radiation through the orifice of screen 1 is smaller than through the orifice of screen 2, but the light intensity going through both orifices is the same, as the solid angle is proportional to the distance of the screen from the source. Adapted from Ksenzhek & Volkov (1998). Figura 5. O fluxo radiante a partir de uma superfície plana (representada pela barra horizontal preta) é recebido por um sensor Aθ situado num ângulo θ em relação à normal (A) à superfície radiante (modificado de Pedrotti & Pedrotti 1998). Figure 5. The flow of radiation from an horizontal surface (represented by a black horizontal bar) is received by a sensor Aθ at angle θ in relation to normal (A) to the irradiating surface. Adapted from Pedrotti & Pedrotti 1998. pode ser observado na Figura 4. Nesse caso, o fluxo radiante (potência, W) que incide na abertura circular no centro do anteparo 2 é menor do que no círculo de mesma área situado no anteparo 1. Entretanto, como o cone de radiação que atinge o círculo 2 também apresenta um ângulo sólido (ϖ) proporcionalmente menor, a intensidade radiante (W.sr-1) em ambas as superfícies é a mesma (Ksenzhek & Volkov 1998). O termo radiância (L) aplica-se à intensidade radiante (I) por unidade de área (A) projetada da fonte, perpendicular à direção do facho, sendo representada pela unidade W.sr-1.m-2. Conforme indicado na Figura 5, a intensidade radiante recebida por um receptor ou observador na posição Oθ situado num ângulo θ em relação à perpendicular à superfície emissora, pode ser representada pela equação: I(θ) = I(0). cosθ, onde I(θ) é a intensidade radiante no receptor Oθ e I(0) a intensidade – máxima – medida em relação à posição O, normal ou perpendicular à superfície da fonte. Portanto, conforme o receptor se movimenta ao longo de um círculo de raio R, variando o ângulo θ, a seção transversal da radiação apresentada pela superfície decrescerá por um fator correspondente ao cosθ, de acordo com a Lei dos Cossenos de Lambert. Sendo a radiância, L, em relação ao observador Oθ, = Iθ/(A.cosθ) = (I0.cosθ)/(A.cosθ), logo: L = I(0)/A, ou seja, a radiância (L) permanece constante, já que a intensidade deve ser dividia pela área projetada A.cosθ, conforme ilustrado na Figura 5 (Pedrotti & Pedrotti 1998). Portanto, quando uma superfície radiante ou refletora apresenta a mesma radiância independentemente do ângulo de visão, diz que tal superfície é ‘Lambertiana’ ou perfeitamente difusa (Pedrotti & Pedrotti 1998). No exemplo apresentado na Figura 4, a radiância nos círculos situados em cada anteparo será a mesma, já que ambos têm a mesma área e estão alinhados em relação à fonte. O fluxo radiante vindo de todas as direções e incidindo sobre uma unidade de superfície plana é chamado ‘densidade de fluxo de energia radiante’ ou irradiância (E). A irradiância, cujo equivalente fotométrico é a iluminância (Tabela 1), descreve o fluxo de energia radiante vinda de um hemisfério de direções através de uma unidade de área de uma superfície (real ou imaginária). Em termos matemáticos, diz-se que a irradiância em uma superfície qualquer é a integral da radiância em um hemisfério abaixo ou acima da superfície, o que seria algo como a soma de todos os cones de luz contidos em um hemisfério virtual sobre um ponto na superfície do receptor. Se multiplicarmos a radiância (W.sr-1. m-2) pelo ângulo sólido (sr) total nesse hemisfério, obteremos a grandeza W.m-2 (=J.m-2.s-1) que é a unidade da irradiância. Caso a energia por comprimento de onda seja especificada (medindo- se a luz com um espectrorradiômetro, por exemplo), temos a irradiância espectral, na unidade W.m-2.nm. A irradiância de uma fonte pontual, situada no centro de uma esfera, sobre a superfície interna dessa esfera será: E = I/r2, onde I é a intensidade radiante e r o raio CARDOSO, V.J.M.550 Oecol. Bras., 13(4): 545-553, 2009 Figura 7. Facho de luz de uma lâmpada atinge uma superfície circular sobre um anteparo. Modificado de Jacques & Prahl (1998). Figure 7. A ray of light from a lamp hits a circular surface over a screen. Adapted from Jacques & Prahl (1998). Figura 6. A radiação emitida a partir de uma fonte pontual distribui- se sobre superfícies A1, A2 e A3) cada vez maiores à medida que o raio (r) aumenta, produzindo irradiâncias inversamente proporcionais ao quadrado de r (Pedrotti & Pedrotti 1998). Figure 6. Radiance emitted from a point source is distributed to the surfaces A1, A2, and A3 of increasing radii (r), producing irradiances inversely proportional to the squared r (Pedrotti & Pedrotti 1998). da esfera. Assim, conforme ilustrado na Figura 6, a irradiância numa dada superfície decresce de maneira inversamente proporcional ao quadrado da distância da superfície em relação à fonte. Para uma fonte contínua, uma potência φ distribuída sobre uma área A irá produzir uma irradiância E na superfície iluminada. Por exemplo, uma lâmpada 3volts e 0,5ampere, com bulbo esférico de 1cm de diâmetro irradiando igualmente em todas as direções, projeta um feixe de luz numa área circular de 10cm de diâmetro (0,5cm de raio) situada a 25cm da lâmpada (Figura 7). Nesse caso, o fluxo radiante (potência) será: φ = 3V x 0,5ampere = 1,5W. A intensidade radiante (I) total da lâmpada será: I = 1,5W/(4π)sr ≅ 0,119W.sr-1. A radiância (L) da lâmpada é definida pela equação: L = φ/(A.4π), onde A representa a área da superfície da lâmpada (4πr2); portanto, no exemplo, L = 1,5W/39,48cm2.sr = 0,038W.cm-2.sr-1. Ainda no exemplo, para se calcular a irradiância (E) na superfície circular, primeiramente deve determinar o ângulo sólido (ϖ) do cone virtual situado entre a lâmpada e a superfície; para isso, dividimos a área (A) do sensor pelo quadrado da distância (R) entre a lâmpada e a superfície, ou seja, ϖ = A/R2 = (π.r2)/R2 = (π.0,52)/252 = 0,785/625 ≅ 0,00126sr. Para se achar a intensidade radiante nesse cone (Ic), considerando- se que a lâmpada tem uma intensidade radiante total de 0,119W.sr-1, multiplica-se esse valor por ϖ, ou seja, Ic = I.ϖ = 0,119Wsr-1.0,00126sr ≅ 1,5.10-4W. Finalmente, para se achar E, divide-se Ic (intensidade radiante acima da superfície receptora) pela área (A) da superfície, isto é, E = 1,5.10-4W/0,785cm2 ≅ 1,9.10-4 W.cm2. Irradiância é a grandeza estimada pela maioria dos radiômetros, onde a área da superfície iluminada corresponde à área do sensor (Bell & Rose 1981). Considerando-se que E depende da área da seção transversal perpendicular à direção do facho de luz, os instrumentos devem seguir a Lei dos Cossenos de Lambert, corrigindo o ângulo de incidência, quando esse for o caso. Assim, E = E(0).cos α, onde α é o ângulo da radiação incidente em relação ao zênite, e E(0) é a irradiância sobre o plano perpendicular à direção do facho ou dos raios (Coombs et al. 1985). Deve-se finalmente enfatizar que, enquanto a intensidade luminosa ou intensidade radiante refere- se basicamente à fonte da radiação – pode-se dizer, por exemplo, que uma lâmpada tem essa ou aquela intensidade – a irradiância descreve a radiação incidente sobre uma superfície plana (uma folha, por exemplo). Uma radiação de alta intensidade pode dar origem a irradiâncias extremamente baixas, dependendo do ângulo sólido. Assim, embora a intensidade da radiação da estrela mais brilhante do céu possa eventualmente ser maior do que a do Sol (se essa estrela for mais quente do que o Sol), a irradiância dessa estrela sobre a superfície da Terra pode ser bilhões de vezes menor, já que o cone de luz (ângulo sólido) através do qual essa estrela é vista da Terra, também é bilhões de vezes menor do que o do Sol (Ksenzhek & Volkov 1998). A irradiância numa superfície também pode ser expressa em número de fótons por unidade de área. Fenômenos biológicos importantes, como a fotossíntese, respondem à taxa de absorção de fótons e não à de absorção de energia, daí a importância de FOTOMETRIA PARA BIOLOGISTAS 551 Oecol. Bras., 13(4): 545-553, 2009 se saber a taxa de incidência de fótons. A expressão densidade de fluxo de fótons ou, mais propriamente, irradiância de fótons, com a unidade mol.m-2.s-1, refere-se ao número de fótons incidentes numa superfície plana (uma folha, por exemplo) por unidade de área por unidade de tempo (Bell & Rose 1981). A densidade de fluxo de fótons é medida por radiômetros normalmente calibrados em µmol.m- 2.s-1, em geral sensíveis a fótons circunscritos à região espectral que vai de 400 a 700nm, que é a região ‘útil’ para a fotossíntese. Tais sensores medem a chamada densidade de fluxo de fótons fotossintéticos ou simplesmente fluxo de fótons fotossintéticos (Nobel 1999). A conversão de fótons em unidades de energia depende do comprimento de onda (λ). No caso da luz azul (λ = 400nm = 4.10- 7m), uma irradiância de 3µmol.m-2.s-1, por exemplo, corresponde a cerca de 0,94J.m-2.s-1 (= 0,94W.m-2). Para efetuar essa conversão, basta calcular o número de fótons correspondente a 3µmol (18,06 x 1017 fótons, lembrando que 1mol = 6,02 x 1023 fótons) e multiplicar o resultado pela energia (E) de cada fóton, que no caso da luz azul (400nm) será: E(400) = hc/λ = [6,988.10-34.2,998.108]/(4.10-7) = 5,24.10-19. A irradiância descreve a energia radiante sobre uma superfície plana, como a folha de uma planta, sendo que os sensores que medem a irradiância, na maioria dos casos, são planos e sua calibração é feita posicionando-se a superfície do sensor perpendicularmente ao feixe colimado de calibração. Entretanto, em biologia é comum a situação em que um objeto tridimensional é exposto à radiação direta e/ou difusa vinda de todas as direções como, por exemplo, dentro de um tecido ou sobre o plâncton no mar (Sliney 2007). Além disso, plantas e animais apresentam em geral estrutura tri-dimensional, e a análise da luz incidente sobre tais objetos demanda sensores de radiação esféricos e sensíveis à luz vinda de todas as direções (Bjorn & Vogelmann 1994). Em tais casos, a radiação incidente sobre o objeto tem sido descrita em termos de fluência e taxa de fluência, obtidas por intermédio de sensores esféricos. A taxa de fluência (ou taxa de fluência de energia) representa o fluxo radiante (potência) ou quantidade de fótons incidente sobre uma esfera por unidade de seção transversal da esfera, sendo expressa em W.m-2 ou mol.m-2 .s-1 (Tabela 2). O termo fluência refere-se à taxa de fluência integrada ao longo do tempo, na unidade J.m-2 ou mol.m-2 (Bjorn & Vogelmann 1994). Assim, o conceito de fluência traz embutido um tempo arbitrário, indicando a energia radiante sobre uma superfície num intervalo de tempo qualquer. Pelo fato de incluir a radiação difusa, resultado do padrão randômico de colisões dos raios com partículas, a fluência é uma grandeza particularmente útil em cálculos que envolvem o efeito de diferentes “doses” de radiação em processos fotoquímicos celulares, os quais são amplificados em decorrência de eventos relacionados à dispersão da radiação no tecido (Sliney 2007). A taxa de fluência também tem sido designada por outras expressões, tais como irradiância esférica ou irradiância escalar. Conforme destaca Sliney (2007), a existência de dois termos (irradiância e taxa de fluência) com a mesma unidade radiométrica (W.m-2) tem gerado certa confusão entre muitos pesquisadores, que os utilizam de forma algumas vezes equivocada. Conforme mencionado, a grandeza irradiância descreve a radiação sobre uma superfície exposta, medida por sensores que obedecem à Lei dos Cossenos de Lambert, ao passo que a grandeza taxa de fluência é estimada por sensores esféricos igualmente sensíveis à energia radiante vinda de todas as direções. Assim, a taxa de fluência é equivalente à irradiância apenas Sensor Valores instantâneos Valores integrados no tempo Unidade energia (W.m-2) Unidade fótons (mol.m-2.s-1) Unidade energia (J.m-2) Unidade fótons (mol.m-2) plano irradiância irradiância de fótons densidade de fluxo de fótons irradiância irradiância de fótons esférico taxa de fluência taxa de fluência de fótons fluência fluência de fótons Tabela II. Quantificação da luz baseada em unidades de energia e de fluxo de fótons, medidas por diferentes tipos de sensor (Bjorn & Vogelmann 1994). Table II. Quantification of light based on energy units and photon flow, measured by different types of sensors (Bjorn & Vogelmann 1994). CARDOSO, V.J.M.552 Oecol. Bras., 13(4): 545-553, 2009 no caso de medidas unidirecionais, ou seja, para a energia radiante colimada (raios paralelos) vinda de uma única direção (Salisbury & Ross 1992). Para luz colimada incidindo num ângulo α à normal ao plano de referência, a luz interceptada pela superfície plana será menor do que a interceptada pela esfera de mesma seção transversal, já que a irradiância (medida pelo sensor plano) será igual à taxa de fluência (sensor esférico) multiplicada pelo cosseno de α, que é menor do que 1. No caso da luz difusa (isotrópica), cujos raios cruzam aleatoriamente o espaço, a taxa de fluência e a irradiância podem exibir valores totalmente diferentes um do outro, como no caso da radiação isotrópica vindo de todas as direções do espaço; nessa situação, a irradiância é ¼ da fluência, lembrando que a área de um círculo é ¼ da área de uma esfera de mesmo raio (Figura 8) (Bjorn & Vogelmann 1994). Desse modo, tanto a geometria do receptor como o ambiente luminoso devem ser levados em conta no momento de discriminar entre irradiância e taxa de fluência. A Tabela 2 compara os termos e unidades de quantificação da luz por intermédio de sensores planos e esféricos. Figura 8. Comparação entre sensor de taxa de fluência, esférico (círculos) e sensor de irradiância, plano (barras horizontais), de mesma secção transversal (a). Em (A) e (E), a luz colimada atinge os sensores perpendicularmente, produzindo leituras iguais de irradiância e fluência. Quando a direção da radiação muda num ângulo α à normal, a leitura do sensor esférico (B) não muda, enquanto que o sensor plano (F) registra uma irradiância igual à taxa de fluência multiplicada por cos(α), ou seja, a irradiância é menor do que a taxa de fluência. Se ambos os sensores receberem luz difusa (isotrópica) vinda apenas de cima, a irradiância (G) é metade de taxa de fluência (C). Em (D) e (H) a luz isotrópica vem de todas as direções, e a irradiância é um quarto da taxa de fluência (Adaptado de Bjorn & Vogelmann 1994). Figure 8. Comparisons between a spherical light sensor (circles) and a flat sensor (horizontal bars) with the same transverse section a. In A and E the incident light hits the sensors at a perpendicular angle, producing equivalent readings of irradiance and flow. When the angle of light incidence changes by α in relation to normal, the readings of the spherical sensor B do not change, while readings of flat sensor F register irradiance equivalent to the flow rate as multiplied by cos(α), i.e. irradiance smaller than the flow rate. If both sensors receive diffuse (isotropic) light from above, irradiance G corresponds to half of the flow rate C. In D and H the isotropic light comes from all directions, and the irradiance corresponds to a quarter of the flow rate. Adapted from Bjorn & Vogelmann 1994. AGRADECIMENTOS: V.J.M.C agradece ao CNPq pela bolsa de produtividade em pesquisa, e ao biólogo Felipe A.P.L. Costa, pelos comentários. REFERÊNCIAS BELL, C.J. & ROSE, D.A. 1981. Light measurement and the terminology of flow. Plant Cell and Environment, 4: 89-96. BJORN, L.O. & VOGELMANN, T.C. 1994. Quantification of light. In: R.E. Kendrick & G.H.M. Kronenberg (eds). Photomor- phogenesis in Plants, 2 ed. Kluwer Academic Publishers, Dor- drecht, 828p. CLAYTON, R.K. 1980. Photosynthesis: Physical Mechanisms and Chemical Patterns. Cambridge University Press, New York. 281p. COOMBS, J.; HALL, D.O.; LONG, S.P. & SCURLOCK, J.M.O. 1985. Techniques in Bioproductivity and Photosynthesis, 2 ed. Pergamon Press, Oxford. 298p. JACQUES, S.L & PRAHL, S.A. 1998. Radiometry: ECE532. Biomedical Optics. Oregon Graduate Institute http://omlc.ogi.edu/ classroom/ece532/class1/index.html (acesso em 12/11/2008). FOTOMETRIA PARA BIOLOGISTAS 553 Oecol. 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