UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO" INSTITUTO DE QUÍMICA DE ARARAQUARA - UNESP ESTUDO DA DEGRADAÇÃO DO HERBICIDA PROPANIL EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ Tese apresentada ao Instituto de Química, da Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara, para a obtenção do título de Doutor em Química. Doutoranda: Teresa Cristina Rodrigues dos Santos Orientador: Prof. Dr. Julio Cesar Rocha ARARAQUARA 1999 DADOS CURRICULARES TERESA CRISTINA RODRIGUES DOS SANTOS 1. DADOS PESSOAIS 1.1. Nascimento: 15.07.1963 1.2. Nacionalidade: Brasileira 1.3. Naturalidade: SÃO PAULO/SP 1.4. Estado Civil: solteira 1.5. Filiação: Pai: Oscar Barbosa dos Santos Mãe: Ilka Rodrigues dos Santos 1.6. Profissão: Química 1.7. Documento de Identidade: 103.777.098-3 1.8. Cadastro de Pessoa Física: CIC 248.661.643-87 1.9. Endereço: Conj. Leal, Qd-O, no.30 65.040 – 780 São Luís – Maranhão 1.10. Endereço Profissional: Depto. Tecnologia Química – UFMA Campus do Bacanga – Av. Portugueses, s/n° 65.000 São Luís - Maranhão 2. GRADUAÇÃO 2.1. Curso de Química Industrial, concluído em 14/01/1985, na Universidade Federal do Maranhão 2.2. Mestre em Química, Área de Concentração Química Analítica, concluído em 27/07/1989, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 2.3. Doutorado em Química, Área de Concentração Química Analítica, em andamento, no Instituto de Química de Araraquara - Universidade Estadual Paulista 3. TRABALHOS CIENTÍFICOS PUBLICADOS DURANTE O CURSO - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; BARCELÓ, D. Multiresidue analysis of pesticides used in rice cultures by on-line solid phase extraction followed by LC/DAD. Intern. J. Environ. Anal. Chem., v.70, p.19-28, 1998. - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; ALONSO, R.M.; MARTÍNEZ, E.; IBAÑEZ, C.; BARCELÓ, D. Rapid degradation of propanil in rice crop fields. Environ. Sci. Technol., v.32, p.3479-3484, 1998. 4. TRABALHOS CIENTÍFICOS SUBMETIDOS PARA PUBLICAÇÃO - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; BARCELÓ, D. Degradation and storage of rice pesticides. Enviado a Rev. Environ. Contam. Toxicol. - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; BARCELÓ, D. Determination of acidic and neutral herbicides and clofibric acid using on-line liquid-solid extraction followed by liquid chromatography with diode array and atmospheric pressure chemical ionization - mass spectrometric detectors. Enviado a J. Chromatogr. 5. TRABALHOS APRESENTADOS EM CONGRESSOS - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; BARCELÓ, D. Multiresidue rice pesticides analysis by on-line solid phase extraction followed by LC/DAD. Influence of humic and fulvic acids isolated from a Brazilian estuary. In: 6th Symposium on Chemistry and Fate of Modern Pesticides. Amsterdam, 1997. - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; ALONSO, R.M.; BARCELÓ, D. Rapid degradation of propanil and temephos from paddy waters. In: 8th Symposium on Handling of Environmental and Biological Samples in Chromatography, Almería, 1997. - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; ALONSO, R.M.; BARCELÓ, D. Identification of herbicides and their metabolites in rice paddy water by on-line LC/DAD/APCI-MS. In: XXVII Reunión Científica del grupo de Cromatografía y Técnicas Afines – Reunión Internacional, Lugo, 1998. - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; ALONSO, R.M.; BARCELÓ, D. Monitoramento de pesticidas utilizados em cultivos de arroz na região do Delta do Ebro – Espanha. In: XXXVIII Congresso Brasileiro de Química, São Luís, 1998. - SANTOS, T.C.R.; ROCHA, J.C.; BARCELÓ, D. Determinação de herbicidas aplicados em campos de arroz utilizando-se extração on-line e cromatografia líquida- espectrometria de massas (SPE/LC/APCI-MS). In: 22a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, Poços de Caldas, 1999. “Buscai, pois, em primeiro lugar o reino de Deus, e a sua justiça, e tudo vos será dado por acréscimo.” Lc 12, 31 A Deus, por sua infinita bondade A Oscar e Ilka Santos Pelo incentivo, e por me fazerem acreditar que tudo é possível para quem persevera em seus ideais AGRADECIMENTOS Reconhecer as inúmeras contribuições que várias pessoas deram ao longo ao trabalho não é uma tarefa fácil. Em primeiro lugar, porque um simples e singelo agradecimento não estará, de forma alguma, à altura das relevantes contribuições. Além disso, a falta de espaço restringirá a expressão do agradecimento. Gostaria de desculpar- me com as pessoas que não pude citar textualmente e agradecer, em particular: a todos os colegas do Departamento de Química Analítica, em especial ao Prof. Dr. Julio Cesar Rocha, por sua orientação, confiança e amizade; ao Dr. Damiá Barceló, pela oportunidade de desenvolver a maior parte do trabalho experimental no Centro de Investigação e Desenvolvimento – Conselho Superior de Investigação Científica - CID/CSIC – Barcelona, Espanha; aos funcionários da Seção de Pós-Graduação do Instituto de Química da UNESP: Izolina Aparecida Fachini, Sandra Regina Pavanelli e Vilma Aparecida Pestana, pelo simpático atendimento; aos funcionários do Departamento de Quimica Analítica do Instituto de Química da UNESP: Marie Isilda Aparecida Hogata e Rosemary Camargo Gabarron; aos funcionários da Biblioteca do Instituto de Química da UNESP, em especial à Srta. Valéria Aparecida Moreira Novelli, Sra. Priscila Carreira Bitencourt Vicentini e Fábio Luiz Alcedo, pela atenciosa orientação quanto à bibliografia e assuntos em informática, e aos funcionários da Seção de Fotocópias Reinaldo e Bira; às atenciosas e solícitas pessoas que tão bem me acolheram no Departamento de Química Ambiental do CID/CSIC, em especial meu reconhecimento pela amizade e colaboração das Sras. Rosa Maria Alonso e Roser Chaler Ferrer, técnicas responsáveis pelo Laboratório de Espectrometria de Massas e Cromatografia, e Srs. Juan Pablo Vigo e Rosa Maria Mass, por seu apoio e auxílio em assuntos do mundo da informática; aos queridos amigos da família Oller, em especial à Anna Oller Vilanova, por seu carinho e amizade durante os dois anos em Barcelona; aos amigos “brasileiros”, com os quais compartilhei a saudade do nosso país: Fátima Teresa Alves, Patrícia, Reinaldo e Daniel Marchetto, Diana Bahia, Gilvanda Nunes, Ilda Toscano, Regina Cicarelli, Irene Aleluia e Elba Santos; aos amigos de Araraquara, pela amizade e carinho: Ângela Regina Araújo, Henrique Celso, Júlia e Caio Trevisan, Cláudia Joseph Nheme, Lourdes Campanelli, André Luís Dessi e família; à CAPES-PICD e à Universidade Federal do Maranhão pelo apoio financeiro, sem o qual não teria sido possível a realização desse projeto. “Nunca considere seu estudo como uma obrigação, mas sim como a oportunidade indescritível de aprender sobre a influência libertadora da beleza no domínio do espírito, para seu prazer pessoal e para proveito da comunidade à qual pertencerá seu trabalho futuro.” Albert Einstein (1879-1955) SUMÁRIO RESUMO i ABSTRACT iii LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS iv LISTA DE FIGURAS vi LISTA DE TABELAS ix 1- DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 1.1- Introdução 1 1.2- Condições nos campos de arroz e processos de transformação dos pesticidas 2 1.3- Degradação de herbicidas 9 1.3.1- Molinato 10 1.3.2- Thiobencarb 13 1.3.3- Bensulfuron metílico 16 1.3.4- Herbicidas ácidos 18 1.4- Degradação de inseticidas 20 1.4.1- Carbofuran 21 1.4.2- Diazinon 24 1.4.3- Paration metílico 26 1.4.4- Fenitrotion 28 1.4.5- Temefós 31 2- O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 2.1- A tendência mundial no uso de herbicidas 35 2.2- O herbicida propanil 37 2.3- Degradação do propanil 39 2.4- Aspectos toxicológicos 43 2.5- Propostas desse trabalho 45 3- MATERIAIS E MÉTODOS 3.1- Coleta e extração das substâncias húmicas 47 3.2- Caracterização dos ácidos húmicos 50 3.3- Estudos de degradação do herbicida propanil 51 3.3.1- Localização da área utilizada no estudo 51 3.3.2- Coleta das amostras 53 3.3.3- Estudo de degradação do propanil em condições controladas no laboratório 54 3.3.4- Metodologia de análise 55 3.3.4.1- Solventes e padrões 55 3.3.4.2- Pré-concentração das amostras de água e extração das amostras de solo 56 3.3.4.3- Análise cromatográfica 59 4- RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1- Extração e purificação das substâncias húmicas 63 4.2- Caracterização dos ácidos húmicos 67 4.2.1- Análise elementar 67 4.2.2- Estudos espectroscópicos 69 4.3- Estudos de degradação do herbicida propanil 72 4.3.1- Pré-concentração das amostras de água 72 4.3.2- Análise cromatográfica 84 4.3.3- Detecção do propanil e 3,4-dicloroanilina por APCI-MS 89 4.3.4- Degradação do propanil nos campos de arroz 95 4.3.5- Estudos de degradação do propanil em laboratório 106 5- CONCLUSÕES 5.1- Método de pré-concentração e análise 113 5.2- Degradação do propanil nos campos de arroz e em condiçõescontroladas no laboratório 114 6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117 7- APÊNDICES 149 i RESUMO A aplicação de um pesticida sobre culturas agrícolas implica em processos de transformação do composto e no consequente aparecimento de produtos de degradação resultantes desses processos. Em campos de arroz onde, em geral, o cultivo é feito em solos alagados, as condições peculiares levam a processos característicos, predominando mecanismos diferentes daqueles observados nas culturas feitas em solos secos. Embora o herbicida propanil seja extensivamente utilizado em cultivos de arroz, poucos estudos têm tratado da degradação nas condições comumente encontradas nos campos. Propanil e seu produto de degradação majoritário, 3,4-dicloroanilina (DCA), foram monitorados em águas e solo de campos de arroz do Delta do Ebro (Espanha). A determinação em amostras de água foi feita por análise on-line SPE/LC/DAD/APCI-MS, utilizando como adsorvente estireno-divinilbenzeno (PLRP-S). Para amostras de solo, a extração foi feita com metanol (em sistema Soxhlet) e clean-up com Florisil. A análise por cromatografia líquida permitiu detecção sensível e reprodutiva por conjunto de diodos, bem como a confirmação inequívoca dos compostos por espectrometria de massas. As concentrações do herbicida nas águas dos campos de arroz variaram entre 1,89-71,07 ng/mL, enquanto maiores concentrações foram determinadas para DCA (18,54-469,97 ng/mL). Os tempos de meia-vida calculados para o herbicida e seu principal produto de degradação foram de 1,24-3,83 e 1,58-1,63 dias, respectivamente. Em solo, a transformação do propanil também foi rápida, com persistência do DCA até um mês após a aplicação do herbicida (concentração de 119,7 ± 22,1 ng/g). ii O estudo de degradação do propanil nas condições controladas em laboratório evidenciou a influência da matéria orgânica no processo de transformação do herbicida. A forte interação com ácidos húmicos extraídos de sedimento indicou que, além dos fatores biológicos, já citados na literatura, outros mecanismos também interferem na degradação do herbicida. iii ABSTRACT The aplication of pesticide over cultivated areas implies changes to the compound, resulting in degradation products. In general, rice is cultivated in swampy areas; therefore, these peculiar conditions result in specific processes differing from those observed on dry soils. Although the extensive usage of propanil herbicide around the world, few studies concerning degradation on paddy field conditions have been carried out. Propanil and its major degradation product, 3,4-dichloroaniline (DCA), were monitored in surface water and soil samples from the rice fields of the Ebro Delta area (Spain). The determination in water samples was made by on-line SPE/LC/DAD/APCI-MS, using styrene-divinylbenzene copolymer (PLRP-S) as a sorbent material. In soil samples, the extraction was made with methanol (using Soxhlet system) and then clean-up with Florisil. The liquid chromatographic analysis allowed a sensitive and reproductive detection by diode array, and also an unequivocal confirmation by using a mass spectrometric detector. Propanil’s concentration in water samples of the rice fields varied from 1.89- 71.07 ng/mL, while higher concentrations of DCA were determined (18.54-469.97 ng/mL). The herbicide and its degradation product exhibited half-lives of 1.24-3.83 and 1.58-1.63 days, respectively. In the paddy soil, propanil also transformed very quickly to DCA, with the evidence of this compound being persistant up to one month after herbicidal application (concentration of 119.7 ± 22.1 ng/g). Under controled conditions the laboratory studies demonstrated the influence of organic matter over the herbicide transformation. A strong interaction with humic acids extracted from sediments pointed out that, besides the biological factors already stated in literature, other mechanisms also influence the propanil degradation. iv LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS • AF: ácidos fúlvicos • AH: ácidos húmicos • APCI: ionização química em pressão atmosférica • DAD: detector de conjunto de diodos • DCA: 3,4-dicloroanilina • DOC: carbono orgânico dissolvido • EPA: “Environmental Protection Agency”; Agência de Proteção Ambiental • GC: cromatografia gasosa • ha: hectare (1 ha = 10.000 m2) • HPLC: “high performance liquid chromatography”; cromatografia líquida de alta eficiência • i.a.: ingrediente ativo • IR: infravermelho • LC: cromatografia líquida • LC50: concentração letal para metade dos organismos expostos ao pesticida • LD50: dose letal para metade dos organismos testados • LLE: extração em fase líquida • psi: “pounds per square inch”; libras por polegada ao quadrado (1 psi ≅ 6,89 x 103 Pa) • MATC: “maximum acceptable toxicant concentration”; máxima concentração entoxicante aceitável • MRM: método de análise multiresíduos • MS ou MSD: detector espectrométrico de massas v • NOEL: “no observable effect level”; dose máxima de pesticida, em estudo toxicológico, no qual nenhum efeito biologicamente adverso é observado • OSP: “organic sample preparator”; sistema de pré-concentração de compostos orgânicos • SAMOS: “system for the automated monitoring of organic pollutants in surface water”; sistema automatizado de medida de micropoluentes em águas superficiais • SH: substâncias húmicas • SIM: “selected ion monitoring”; monitoramento dos fragmentos (íons) selecionados • SPE: extração em fase sólida • t: tonelada (1 t = 1.000 kg) • t½: tempo de meia-vida • TCAB: 3,3’,4,4’-tetracloroazobenzeno • TCAOB: 3,3’,4,4’-tetracloroazoxybenzeno • UV-VIS: ultravioleta-visível • WHO: “World Health Organization”; Organização Mundial de Saúde vi LISTA DE FIGURAS Figura 1- Rotas de transformação do molinato em campos de arroz 13 Figura 2- Rotas de transformação do thiobencarb nos campos de arroz 15 Figura 3- Rotas de transformação do MCPA em campos de arroz 20 Figura 4- Rotas de transformação do carbofuran em campos de arroz 23 Figura 5- Rotas de transformação do paration metílico em campos de arroz 27 Figura 6- Rotas de degradação do fenitrotion em águas estuarinas 29 Figura 7- Rotas de degradação do temefós 32 Figura 8- Tendência mundial no uso de pesticidas 36 vii Figura 9- Distribuição mundial de pesticidas aplicados, baseada em valores de mercado, 1993 37 Figura 10- Rotas de degradação do propanil em água 40 Figura 11- Diagrama de extração e purificação das substâncias húmicas 48 Figura 12- Esquema de purificação dos ácidos húmicos com resinas de troca iônica 49 Figura 13- Localização do Delta do Ebro (Tarragona, Catalunya, Espanha) 51 Figura 14- Esquema do sistema on-line representando a etapa de pré- concentração da amostra via OSP-2, com programação em bomba L- 6200A (Val.1) e eluição simultânea com bomba LC (Val.2). 57 Figura 15- Esquema da interface de ionizaçao química em pressão atmosférica (APCI) do instrumento LC/MS, modelo HP 1100 60 viii Figura 16- Espectro de infravermelho obtido para amostra de ácidos húmicos extraídos do sedimento 71 Figura 17- Espectro de infravermelho dos ácidos fúlvicos extraídos do sedimento 72 Figura 18- Recuperações de propanil e 3,4-dicloroanilina em função do volume de amostra pré-concentrada no adsorvente PLRP-S 78 Figura 19- Efeito do pH da amostra na pré-concentração de água contendo 2 ng/mL de vários pesticidas e 10 mg/L de ácidos húmicos 81 Figura 20- Influência da concentração de ácidos húmicos na recupe- ração dos pesticidas para amostras de água em pH 3,0 e pH 7,0 83 Figura 21- Injeçao direta de 10 µL de solução 20 ng/mL e Pré-concen- tração de 75 mL de água Milli-Q fortificada com 2 ng/mL de cada pes- ticida usando sistema on-line 87 Figura 22- Espectros de UV-VIS obtidos para os pesticidas 90 ix Figura 23- Concentrações de propanil e 3,4-dicloroanilina obtidas em águas dos campos de arroz agroambiental e de controle do Delta do Ebro, Espanha 97 Figura 24- Produtos de degradação inicialmente formados a partir do propanil 100 Figura 25- Cromatograma obtido em análise on-line SPE/LC/DAD de 75 mL de amostra de água coletada do campo de controle (Delta do Ebro, Espanha) 101 Figura 26- Cromatogramas dos íons selecionados e íons totais (TIC) obtidos na análise on-line SPE/LC/APCI-MS (ionização em modo positivo) para água coletada do campo de controle (Delta do Ebro, Espanha) 102 Figura 27- Evolução dos níveis de propanil em águas dos campos de arroz agroambiental e de controle do Delta do Ebro, Espanha, e resultados de regressão linear obtidos para o campo de controle 103 Figura 28- 3,4-dicloroanilina e herbicidas derivados 105 x Figura 29- Percentagem de propanil recuperado em água Milli-Q fortificada com o herbicida (10 ng/mL) a 4 °C, a 20 °C, a 35 °C sob irradiação da lâmpada Suntest e com adição de 10 mg/L de AH; aparecimento de DCA a 20 °C e com adição de 10 mg/L de AH 109 Figura 30- Cromatogramas obtidos por análise on-line SPE/LC/DAD para a degradação de propanil em água Milli-Q fortificada (10 ng/mL), após 7 dias a 4 °C, a 20 °C, e a 20 °C contendo 10 mg/L de AH após 120 horas sob irradiação da lâmpada Suntest sem adição de AH e contendo 10 mg/L de AH 111 xi LISTA DE TABELAS Tabela 1- Perda do molinato em um campo de cultivo de arroz 11 Tabela 3- Programação on-line de condicionamento, pré-concentração, clean-up e eluição das amostras de água em pré-colunas contendo PLRP-S 58 Tabela 4- Resultados da análise elementar obtidos para os ácidos húmicos extraídos do sedimento. Comparação com valores citados na literatura 68 Tabela 5- Mecanismos de separação envolvidos, condições de eluição e principais compostos retidos nos diversos adsorventes utilizados em SPE 75 Tabela 6- Recuperação dos pesticidas extraídos em pré-colunas contendo PLRP-S. Valores calculados por comparação com injeção direta das mesmas quantidades de cada pesticida (200 ng) 77 Tabela 7- Avaliação do método SPE on-line. Comparação dos resultados obtidos por injeção direta e com pré-concentração 79 xii Tabela 8- Dados de calibração para a pré-concentração de 75 mL de água Milli-Q em pré-coluna contendo PLRP-S 88 Tabela 9- Fragmentação e abundância relativa obtidas por LC/APCI-MS para propanil e 3,4-dicloroanilina em modo de ionização positiva (PI) e negativa (NI) 94 Tabela 10- Tempos de meia-vida do propanil em diferentes condições 112 DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 1 1.1- Introdução O arroz é uma importante fonte de nutrientes e, como tal, faz parte da alimentação diária de povos das mais variadas culturas. Em todo o mundo, cerca de 145,1 milhões de hectares são utilizados para cultivo desse cereal (KUWATSUKA, 1983). Só no Brasil, a área utilizada no período 1997/98 foi de 3,204 milhões de hectares, com produção total de 8,511 milhões de toneladas, segundo dados fornecidos pelo Instituto de Economia Agrícola (CHABARIBERY & MARTINS, 1998). Em geral, o ciclo do arroz dura de quatro a cinco meses, iniciando no final da primavera e começo do verão. Em países tropicais pode ocorrer mais de um ciclo anual, nos períodos úmido e de seca (LOAICIGA & ROBINSON, 1995). O cultivo do arroz pode ser feito em condições de sequeiro mas, na maioria das vezes, é feito em solos alagados. As condições ambientais durante o cultivo incluem temperatura e umidade relativamente elevadas, tornando a cultura particularmente suscetível a uma grande variedade de pragas (SETHUNATHAN et al., 1975). Para garantir boas safras são necessários, portanto, diferentes tipos e classes de pesticidas. Nos Estados Unidos, onde a área cultivada é de 3,87 milhões de hectares, são aplicados anualmente 8,19 mil toneladas de ingredientes ativos de diversos pesticidas, de acordo com dados obtidos pela United States Geological Survey (USGS, 1998). Os tipos de pesticidas, as quantidades e o número de aplicações feitas podem variar em função das necessidades encontradas durante o cultivo do cereal. No entanto, elevadas quantidades são frequentemente aplicadas, tornando o cultivo de arroz uma fonte em potencial de contaminação de solos e águas. Os pesticidas presentes na água podem ser transportados através da drenagem dos campos, contaminando locais DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 2 bem distantes das áreas de cultivo (GINN & FISCHER, 1974; GOODRICH et al., 1991; IWAKUMA et al., 1993; PEREIRA & HOSTETTLER, 1993; TEJADA, 1995; WAUCHOPE, 1978). Em regiões tropicais o problema da contaminação pode agravar devido às doses extras de pesticidas geralmente aplicadas sobre as culturas (ABDULAH et al., 1997; AMBRIDGE, 1991). Apesar da aplicação rotineira de grandes quantidades de pesticidas, existem poucas referências bibliográficas a respeito dos processos de transformação dessas substâncias orgânicas. De fato, as condições encontradas em solos alagados diferem consideravelmente daquelas observadas nos plantios feitos em solos secos. As características do solo alagado também não podem ser comparadas àquelas encontradas em ambientes aquáticos. O estudo da degradação do pesticida deve considerar as reais condições nos campos de arroz, pois a persistência e transformação dos pesticidas nesses ecossistemas têm características bastante peculiares. 1.2- Condições nos campos de arroz e processos de transformação dos pesticidas O comportamento do pesticida é influenciado por diversos fatores, quais sejam: (1) método de aplicação, (2) propriedades do solo, (3) propriedades do pesticida e (4) condições ambientais. O método utilizado para aplicação do pesticida influi diretamente nos processos de transformação e na persistência da substância no ambiente. Boa parte dos pesticidas utilizados no cultivo de arroz são aplicados por pulverização manual ou aérea, embora em alguns casos o produto seja aplicado na forma granular, misturado com as sementes, como o dimipiperate e o carbofuran. Quanto maior o DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 3 tempo de contato do pesticida com a atmosfera e, de acordo com as propriedades físico-químicas da substância (em especial, sua pressão de vapor e a constante da Lei de Henry), maior será a probabilidade de que uma fração considerável da substância seja volatilizada antes de atingir diretamente a cultura. O produto comercial aplicado muitas vezes contem substâncias denominadas coadjuvantes (p. ex: agentes molhantes e espalhantes, emulsionantes ou adesivos) os quais influenciam na solubilidade e dispersão dos pesticidas. Estes fatores, associados às condições climáticas, influem na volatilização da substância ainda na atmosfera (GERSTL, 1991). No momento que o pesticida atinge os campos, a molécula da substância poderá ser retida pelas partículas sólidas presentes na água ou por constituintes do solo (adsorção/desorção), poderá ser transportada através do solo (lixívia) ou volatilizada para a atmosfera ou ainda sofrer degradação biótica (biodegradação) ou abiótica (fotodegradação, hidrólise). A intensidade que o pesticida sofrerá tais processos dependerá das propriedades físico-químicas da substância, das propriedades do solo alagado e das condições ambientais. O solo dos campos de arroz apresenta propriedades físicas, químicas e biológicas próprias. Em geral o cultivo é feito em solos próximos a fontes de águas naturais, tais como rios, deltas de rios ou estuários, devido à necessidade de grandes volumes de água na manutenção das extensas áreas alagadas (SETHUNATHAN et al., 1991). A preparação do solo para o cultivo inclui nivelamento da terra e construção de pequenos diques para manter a água nos campos. Após o solo ser arado os campos são alagados e, durante os 4-5 meses de cultivo, uma camada de água de 5-10 cm é, em geral, mantida sobre o solo. Os campos costumam ser drenados quarenta dias antes da colheita ou eventualmente DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 4 antes da aplicação de alguns herbicidas. Nos intervalos entre os cultivos o solo é também regularmente alagado. Durante os longos períodos que o solo permanece submerso, o oxigênio dissolvido na água ou retido no solo é consumido, e o solo vai-se tornando predominantemente reduzido, adquirindo uma coloração cinza escura. Os íons ferro e manganês presentes no solo são reduzidos, podendo movimentar-se por difusão, atingindo a camada oxigenada na superfície do solo, onde são oxidados e precipitados juntamente com sílica e fosfato. Dessa forma, a superfície do solo apresenta uma camada oxidada mais superficial, uma zona onde estão as raízes das plantas de arroz e logo a zona em que ferro e manganês estão oxidados. Em alguns tipos de solo, a perda de íons ferro da superfície causa o deslocamento de cátions para fora da zona reduzida (processo denominado “ferrólise”). Quando o solo é drenado e seco, o ferro reduzido é reoxidado e novamente precipitado. Nestas condições, o íon predominante é o H+, resultando na acidificação do solo e na desintegração da argila (PONNAMPERUMA, 1972). O alagamento do solo causa a inatividade dos microorganismos aeróbicos e a proliferação de microorganismos facultativos e anaeróbicos os quais causarão a redução das espécies orgânicas e inorgânicas presentes. Os microorganismos anaeróbicos atuam em menores níveis de energia e, portanto, a biodegradação da matéria orgânica nestas condições tende a ser mais lenta. Assim, os herbicidas molinato, tebufenocide e oxifluorfen tendem a ser mais persistentes em solos anaeróbicos (TOMLIN, 1995), enquanto o inseticida diazinon tem degradação mais rápida (SETHUNATHAN, 1972). No caso diazinon, a biodegradação anaeróbica resulta no acúmulo de 2-isopropil-6-metil-4-pirimidina, e a completa mineralização do inseticida não é observada nestas condições (PONNAMPERUMA, 1972). A redução DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 5 em solos alagados depende de vários fatores, tais como conteúdo de matéria orgânica disponível, temperatura e pH do solo (WALKER, 1988). A aplicação de fertilizantes contendo N, P e K em solos deficientes desses nutrientes poderá acelerar a redução nos solos alagados (PONNAMPERUMA, 1972). Alterações eletroquímicas também ocorrem nos solos alagados. Dentre as várias alterações cita-se o decréscimo no potencial redox, aumento do pH para solos ácidos e decréscimo do pH para solos alcalinos, variações na força iônica e na condutância, mudanças no equilíbrio mineral e reações de troca de cátions. Logo após o alagamento, o pH decresce devido ao acúmulo de CO2 produzido pela respiração das bactérias aeróbicas mas, em seguida, volta a subir devido a redução do solo. Essas variações do pH durante o alagamento podem alterar a rota de degradação do pesticida. Embora a persistência de um pesticida sofra pouca influência do pH do solo, sabe-se que alguns organofosforados hidrolizam rapidamente em pH elevado. Também as mudanças no potencial redox após o alagamento de solos contendo alto teor de matéria orgânica podem causar a alteração das rotas de degradação do pesticida (CROSBY, 1983; SETHUNATHAN et al., 1991). O alagamento do solo permite a fácil lixiviação de pesticidas solúveis em água. O apêndice 1 apresenta uma lista dos pesticidas utilizados em campos de cultivo de arroz e suas principais propriedades físico-químicas. Embora as aplicações sejam características de cada cultura, de acordo com as necessidades específicas, o apêndice mostra dados compilados para pesticidas atualmente em uso nos campos de cultivo de arroz. Ainda que os parâmetros físico-químicos tenham sido, em geral, obtidos em condições controladas no laboratório, dados de solubilidade em água, pressão de vapor, e coeficientes de distribuição no sistema, DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 6 entre outros, podem fornecer indicativo da tendência de disseminação do pesticida nos campos de arroz. As propriedades físico-químicas do pesticida e as características do solo alagado influenciarão diretamente na mobilidade através do solo. A mobilidade do pesticida está inversamente relacionada com os processos de adsorção da molécula. Em geral pode-se afirmar que um aumento no conteúdo de água e na temperatura reduz a adsorção e aumenta a mobilidade através do solo. Entretanto, um aumento no conteúdo de argila e matéria orgânica, assim como a presença de plantas, aumenta a adsorção e, consequentemente, reduz a mobilidade. A interação entre a matéria orgânica e as moléculas dos pesticidas tem sido extensivamente indicada como um dos principais mecanismos de adsorção (BARCELÓ & HENNION, 1997b; GERSTL, 1991; SCHWARZENBACH et al., 1993). O coeficiente de adsorção do carbono orgânico do solo, Koc, é um importante parâmetro físico-químico do pesticida, sendo obtido a partir da razão entre a concentração do pesticida adsorvido e sua concentração na solução do solo (coeficiente de adsorção, Kd), considerando-se o conteúdo de matéria orgânica. O valor de Koc do pesticida fornece um bom indicativo da sua mobilidade. Pesticidas com Koc inferior a 50 cm3 g-1 são considerados muito móveis, aqueles com Koc entre 150 e 500 cm3 g-1 são de mobilidade moderada e pesticidas com Koc superior a 2000 apresentam pouca mobilidade através do solo. Um parâmetro mais abrangente na determinação da tendência de lixívia do pesticida é o índice GUS (Ground Ubiquity Score), o qual considera a persistência do pesticida no solo, ou seja, o tempo de meia-vida, t½. Segundo a equação: GUS = log t½(4 – log Koc), substâncias com índice superior a 2,8 são facilmente lixiviadas e podem contaminar fontes de águas subterrâneas, enquanto pesticidas com menores DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 7 índices tendem a passar por outros processos de transformação e, por conseguinte, dificilmente contaminarão as águas subterrâneas (GUSTAFSON, 1989). Para a maioria dos pesticidas utilizados em cultivos de arroz a lixívia através do solo não é significativa e a fração adsorvida no solo se mantém nas camadas mais superficiais (JONHSON & LAVY, 1994). Desta forma, a contaminação de águas subterrâneas não é muito freqüente, mas sim a contaminação das águas superficiais devido ao escoamento da água dos campos de arroz. No caso de herbicidas ácidos ou dos organofosforados a mobilidade é diretamente influenciada pelo pH, e em solos com pH elevado essas substâncias podem ser mais facilmente lixiviadas. Entretanto, estudos feitos com os herbicidas ácidos 2,4-D e MCPA e com os pesticidas carbofuran, triclopyr, benomil e thiobencarb indicaram que estas substâncias são rapidamente transformadas e, portanto, não contaminam águas subterrâneas (JONHSON et al., 1995). As diversas classes de pesticidas atualmente utilizadas no plantio do arroz são suficientemente solúveis, permanecendo dissolvidos na água dos campos. A rasa camada de água e as elevadas temperaturas observadas durante o cultivo facilitam a volatilização de uma fração do pesticida. A volatilização em solos alagados é bem maior que em solos secos, pois em solos secos outros processos, tais como forte adsorção no solo, irão competir com a volatilização (GERSTL, 1991). A solubilidade do pesticida em água e sua pressão de vapor, além das condições ambientais nos campos, influenciarão diretamente a tendência de co- evaporação juntamente com a água dos campos. Outro parâmetro físico-químico que melhor indica a tendência de volatilização é a constante da Lei de Henry, H, que relaciona a concentração do substância no ar e sua concentração em água, no equilíbrio. A constante da Lei de Henry, estimada a partir dos valores experimentais DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 8 de solubilidade em água e pressão de vapor, está diretamente relacionada com a tendência de volatilização do pesticida. Desta forma, pesticidas como diclorvos, clorpirifos e bifenox, com elevados valores de H, tendem a ser facilmente volatilizados nos campos de arroz (BARCELÓ & HENNION, 1997b). Vários herbicidas, em especial molinato e thiobencarb, também sofrem intensa volatilização (KUWATSUKA, 1983; SEIBER et al., 1986). Fotodegradação é outra via de transformação para os pesticidas dissolvidos na água dos campos de arroz. A intensa radiação solar e as elevadas temperaturas fornecem a energia necessária para as transformações das moléculas do pesticida no meio aquoso. Thiobencarb, por exemplo, é intensamente fotodegradado, embora não absorva radiação ultravioleta em soluções aquosas, (CROSBY, 1983; GEVER et al., 1996). Os pesticidas dissolvidos na água dos campos podem também ser bioconcentrados em plantas e organismos vivos do ecossistema. A bioconcentração está diretamente relacionada com a lipofilicidade do pesticida, expressa pelo coeficiente de partição n-octanol-água, Kow, o qual é a razão entre as concentrações nas fases n-octanol e água, no equilíbrio, ou está relacionada com o fator de bioconcentração da substância (BCF). Pesticidas com valores de log Kow superior a 4-5 são caracterizados como apolares. Dentre as várias classes de pesticidas utilizados em cultivo de arroz, alguns organofosforados (p. ex: clorpirifos, fention, pirimifos etílico e temefós) e o herbicida ácido bentazon apresentam log Kow superior a 4,5 e, portanto, podem ser facilmente acumulados nos organismos aquáticos presentes nos campos de arroz (BARCELÓ & HENNION, 1997b; MABURY et al., 1996). DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 9 Em síntese, as condições nos campos de arroz fazem com que estes funcionem como verdadeiros reatores químicos, com a energia necessária para as transformações sendo fornecida pelas elevadas temperaturas e pela intensa radiação solar. A presença de diversos reativos em meio aquoso, tais como íons hidroxila, amônia, amina e sulfetos, oxigênio dissolvido e outros agentes oxidantes ou redutores, uma variedade de microorganismos aeróbicos e, predominantemente, anaeróbicos, além das variações no pH e no potencial de oxi-redução, também favorecem as transformações dos pesticidas nesses ecossistemas. Dessa forma, a persistência dos pesticidas nos campos de arroz tende a ser diferente daquela observada em outros tipos de cultivos, resultando em alterações nas principais vias de transformação e na possível formação de distintos produtos de degradação. 1.3- Degradação de herbicidas Dentre os diferentes tipos de pesticidas aplicados em cultivo de arroz os herbicidas são os mais amplamente utilizados devido a proliferação de ervas nas condições alagadas dos campos. As classes de herbicidas atualmente aplicadas incluem tiocarbamatos (ex: molinato e thiobencarb), anilidas (ex: propanil e butacloro), éteres difenílicos (ex: clornitrofen e bifenox) e herbicidas ácidos (ex: bentazon) ou fenoxiacéticos (ex: MCPA e 2,4-D), dentre outras. Em certas circunstâncias, uma forma de evitar o uso excessivo dos herbicidas é elevar o nível de água nos campos, embora na maioria das vezes o uso seja inevitável. Os herbicidas utilizados em cultivo de arroz são, em geral, pré-emergentes, ou seja, são aplicados antes do aparecimento da planta do arroz ou ainda quando surgem nesta as primeiras folhas. Outros herbicidas são pós-emergentes como, no caso, os DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 10 fenoxiacéticos. Algumas vezes, a aplicação do herbicida pode ser feita concomitantemente com a utilização de fertilizantes. A maioria dos herbicidas utilizados em cultivos de arroz têm em comum a seletividade, ou seja, atuam especificamente em determinados tipos de ervas. Além disso são sistêmicos, sendo absorvidos e translocados através das folhas e raiz (exceto thiobencarb). Herbicidas sistêmicos deverão, portanto, agir efetivamente no controle das ervas e, em princípio, causar menores alterações no ecossistema. 1.3.1- Molinato O molinato é, provavelmente, um dos herbicidas mais extensivamente utilizados em cultivos de arroz em todo o mundo, em termos de freqüência e quantidades aplicadas. Nos Estados Unidos, 40% dos cultivos feitos na região da Califórnia (área de cultivo com cerca de 220.000 ha) utilizam molinato, em quantidades anuais de 697 toneladas de ingrediente ativo. Similares quantidades de molinato são também aplicadas na área do Delta do Ebro (sudeste da Espanha), onde 18.000 ha são utilizados para cultivo de arroz, com aplicação anual do herbicida em torno de 68 toneladas de ingrediente ativo. (BARCELÓ et al., 1996; MABURY et al., 1996; THURMAN & MEYER, 1996). No Brasil, o herbicida também consta como um dos mais utilizados em cultivo de arroz. O molinato é um herbicida sistêmico e seletivo, pertencente à classe dos tiocarbamatos, sendo usado para controle das ervas de água em cultivos de arroz, mais especificamente no controle da Echinochloa spp, por inibição da germinação. O herbicida é aplicado antes ou imediatamente após a semeadura do arroz, em quantidades típicas próximas a 5,6 kg i.a./ha (JOHNSON & LAVY, 1995). DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 11 Molinato tem solubilidade média em água (88 mg/L, a 20 °C) e distribui-se rapidamente sobre os campos de arroz. A maior parte do que atinge os campos está predominantemente dissolvida na camada de água, com uma pequena fração fracamente associada aos constituintes do solo. SEIBER et al. (1986) observaram que 87% do molinato está presente nas águas do campos 24 horas após a aplicação do herbicida. No entanto, vários estudos têm demonstrado que a principal rota de transformação nos campos de arroz é através da volatilização. SODERQUIST et al. (1977) mostraram que, durante a aplicação aérea de molinato sobre os campos previamente alagados, a maior parte do herbicida foi volatilizado (75 a 85%). O herbicida é relativamente estável sob radiação UV e a fotodegradação nos campos não é significativa (Tabela 1). Tabela 1- Perda do molinato em um campo de cultivo de arroz*. Processo Perda estimada (%) Adsorção no solo e metabolismo < 10 Tomada pelas plantas e metabolismo < 5 Metabolismo de microorganismos em água < 1 Hidrólise < 1 Fotólise 5 – 10 Volatilização para a atmosfera 75 - 85 *Adaptada de SODERQUIST et al. (1977) O desaparecimento do molinato nos campos de arroz segue uma relação exponencial, com rápida transformação em uma primeira fase seguida de lenta disseminação (CARRASCO et al., 1992; CROSBY, 1983; JOHNSON & LAVY, 1995; MABURY et al., 1996). A persistência nos campos geralmente depende da taxa de DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 12 aplicação e, em solos tratados com quantidade excessiva do herbicida, tempos de meia-vida maiores foram observados (DEUEL et al., 1978). THOMAS & HOLT (1980) observaram que a persistência do molinato no solo depende basicamente das condições de aplicação. Em solos alagados a transformação do herbicida é lenta, com tempo de meia-vida de 10 semanas e um lento decréscimo nas concentrações residuais. Entretanto, em solos não-alagados a transformação é bem mais rápida (t½ = 3 semanas). A transformação do molinato em solos alagados ou mesmo estéreis é bem mais lenta, sugerindo uma degradação ocorrendo preferencialmente através da ação de microorganismos aeróbicos. Vários produtos de degradação do molinato são observados no solo, de acordo com as condições encontradas nos campos (Figura 1). Uma primeira rota de transformação é através da oxidação do enxofre, com formação do molinato sulfóxido e molinato sulfona, posteriormente hidrolisado e transformado em hexametileno imina. Em solos secos observa-se oxidação do anel na posição 2 e 4, originando 2-oxo e 4-oxo-molinato, bem como os derivados 2- hidroxi e 4-hidroxi-molinato. Estas substâncias foram identificadas em solos secos, supondo-se ser esta a rota predominante nas referidas condições. Em condições alagadas observa-se a oxidação do grupo etílico da molécula, com a formação de molinato-álcool e molinato óxido. No entanto, os estudos de degradação do molinato no solo demonstraram que nenhum dos produtos de degradação persiste por longo tempo no ambiente (IMAI & KUWATSUKA, 1982; KUWATSUKA, 1983; THOMAS & HOLT, 1980). Devido a rápida transformação observada nos campos de arroz, o molinato não é considerado um contaminante em potencial nesses ambientes, principalmente se os campos não forem drenados na primeira semana após a aplicação do DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 13 herbicida. Apesar disso, molinato e 4-ceto-molinato têm sido detectados em águas drenadas dos campos de arroz e em rios próximos às lavouras (BARCELÓ, 1994; DEUEL JR, 1975; JIMÉNEZ et al., 1995; PEREIRA & HOSTETTLER, 1993; READMAN et al., 1993). Figura 1- Rotas de transformação do molinato em campos de arroz. (A) água dos campos, em presença da luz solar; (P) plantas; (S) sedimento; (Ar) atmosfera. Adaptada de MABURY et al. (1996). 1.3.2- Thiobencarb Thiobencarb é outro herbicida da classe dos tiocarbamatos, usado com bastante freqüência nos campos de cultivo de arroz. O herbicida é pré-emergente, DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 14 podendo ser também aplicado durante o aparecimento das primeiras folhas da planta, para controle de ervas monocotiledôneas, tais como Echinochloa crusgalli e Cyperus spp. Taxas de aplicação típicas do herbicida variam de 3 a 6 kg i.a./ha (HILL et al., 1990). A maior parte do thiobencarb aplicado sobre os campos se encontra distribuída no solo (43%), conforme previsto por seu elevado valor de Koc (Koc = 900 cm3 g-1). Outra parte se distribui nas águas dos campos (34%) e, em menor extensão, no ar e na vegetação (menos de 1%) (ROSS & SAVA, 1986). Na água e solo, a maior parte do thiobencarb estará concentrada nas camadas mais superficiais (GEVER et al., 1996; JOHNSON & LAVY, 1994). Tal como o molinato, a transformação do thiobencarb em solos alagados é mais lenta que em solos não- alagados, pois nesses ambientes as condições oxidantes podem favorecer a decomposição do herbicida. Ainda assim, a transformação do thiobencarb em solos é mais lenta que a observada em água dos campos. Embora o herbicida seja estável em solução aquosa e não absorva radiação UV, a rápida fotodegradação é observada nos campos de arroz, indiretamente mediada pela presença de radicais hidroxila (CROSBY, 1983; DRAPER & CROSBY, 1981). Degradação fotoquímica e microbiológica são indicadas como as principais vias de transformação do thiobencarb, com volatilização da substância ocorrendo em menor escala. SEIBER et al. (1986) observaram menor volatilização do herbicida nos campos, se comparado com o molinato, embora ainda seja mais volátil que o MCPA. Tal tendência de volatilização do thiobencarb em relação ao MCPA pode ser confirmada pelo valor da constante de Henry (H = 1,7 x 10-7 atm m3 mol-1), apesar de ambos herbicidas apresentarem pressões de vapores similares (ROSS & SAVA, 1986). DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 15 Figura 2- Rotas de transformação do thiobencarb nos campos de arroz. (A) água dos campos, em presença de luz solar; (P) plantas; (S) sedimento. Adaptada de MABURY et al. (1996). A degradação do thiobencarb em solos dos campos de arroz ocorre através da desetilação da molécula do herbicida, produzindo 4-clorobenzilmercaptana, posteriormente transformado em álcool p-clorobenzílico e ácido p-clorobenzílico (Figura 2). Derivados hidroxilados do thiobencarb também foram detectados nestas condições (BRAVERMAN et al., 1990; ISHIKAWA et al., 1976). Em águas dos campos de arroz o tempo de meia-vida do thiobencarb é de cerca de 6 horas. Para experimentos feitos em laboratório observou-se que a temperatura acelerou a DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 16 degradação do herbicida, com tempo de meia-vida variando de 8 a 2 dias em função do aumento de temperatura, de 25 a 30 °C (CROSBY, 1983). Devido a rápida degradação do thiobencarb, o herbicida é considerado um contaminante em potencial, em função da freqüente necessidade de aplicação de doses adicionais, de modo a manter a atividade residual no solo dos campos durante o tempo necessário para atuação do herbicida. Neste sentido, foram desenvolvidos formulados especiais capazes de liberar gradativamente o ingrediente ativo, apresentando maior tempo de persistência no ambiente e, desta forma, evitando problemas de contaminação (GAN et al., 1994). 1.3.3- Bensulfuron metílico Bensulfuron metílico é um herbicida da classe das sulfonilureas, utilizado para controle de ervas anuais ou perenes, agindo através da inibição da biossíntese de aminoácidos essenciais e, consequentemente, impedindo a divisão celular e o crescimento das ervas (TOMLIN, 1995). O herbicida é usado em culturas de arroz diretamente plantadas ou transplantadas, com taxas típicas de aplicação variando entre 70 e 100 g i.a./ha (HILL et al., 1990; YUYAMA et al. 1987a). Em alguns casos a aplicação de bensulfuron metílico junto com outros herbicidas, tais como molinato ou thiobencarb, favorece a ação herbicida. Entretanto, a mistura pode resultar em toxicidade para a planta do arroz devendo ser, na medida do possível, evitada. Uma das vantagens no uso do bensulfuron metílico é que, enquanto outros herbicidas necessitam do contato foliar e, consequentemente, da drenagem dos campos antes da aplicação do herbicida, no caso do bensulfuron metílico a aplicação pode ser feita diretamente sobre os campos alagados. Dessa forma, o risco de contaminação de águas superficiais é reduzido pois, nesse caso, os campos DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 17 não necessitam de drenagem, como frequentemente feito para bentazon e propanil, entre outros (CASTIN et al., 1992; HILL et al., 1990). Existem poucos dados na literatura a respeito da degradação do bensulfuron metílico em campos de arroz. NICOSIA et al. (1991a) observaram a rápida degradação do herbicida (t½ = 2 dias), com declínio exponencial nas concentrações detectadas em águas dos campos de arroz. YUYAMA et al. (1987b) mostraram que bensulfuron metílico foi rapidamente transformado em água dos campos nos 3-4 dias após a aplicação do herbicida mas, em seguida, um lento decréscimo nas concentrações foi caracterizado. Em solos, a persistência do herbicida é maior e, 5 dias após a aplicação sobre os campos, 100% da substância ainda estava presente. O decréscimo na concentração do herbicida nas águas dos campos ocorre com o aumento concomitante das concentrações observadas no solo (YUYAMA et al., 1987a). Bensulfuron metílico é um ácido fraco (pKa = 5,2) e, portanto, sua distribuição no solo e em águas dos campos de arroz está diretamente relacionada com o pH e com as propriedades do solo. O pH do solo parece influenciar pouco na capacidade de interação do herbicida com constituintes do solo. No entanto, em solos contendo altos teores de matéria orgânica e com elevada capacidade de troca catiônica a interação é significativa (YUYAMA et al., 1987b). A degradação do bensulfuron metílico em campos de arroz provavelmente segue rotas de transformação química e biológica, conforme o observado para outros herbicidas do grupo das sulfonilureas. A transformação ocorre, possivelmente, através da quebra do grupo orto-carbometoxi, hidrólise da sulfonilurea ou oxidação do grupo metoxila, formando o álcool correspondente (MABURY et al., 1996). DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 18 1.3.4- Herbicidas ácidos Vários são os herbicidas ácidos utilizados em cultivo de arroz, dentre os quais pode-se citar os herbicidas fenoxiacéticos (ou ácidos ariloxialcanóicos) 2,4-D (ácido 2,4-diclorofenoxiacético), MCPA (ácido 4-cloro-2-metilfenoxiacético), MCPB (ácido 4-(4-cloro-o-toliloxi)butírico), MCPP (mecoprop), triclopyr e bentazon. Estes herbicidas ácidos caracterizam-se por serem seletivos, sistêmicos, agindo por inibição no crescimento das ervas ou na fotossíntese. Em geral são pós-emergentes, podendo ser aplicados na forma do sal correspondente, ou como misturas para aumentar o número de espécies atingidas durante o tratamento. Os herbicidas ácidos têm elevada solubilidade e, nas condições típicas dos campos de arroz, os ácidos fracos são desprotonados, sendo pouco retidos e facilmente lixiviados, principalmente em solos contendo altos teores de argila. Em geral, apresentam elevada persistência no solo, e vários estudos têm demonstrado a presença dessas substâncias e seus produtos de degradação em águas superficiais e subterrâneas (BARCELÓ, 1994; BARCELÓ et al., 1996; CHIRON et al., 1995a; GOODRICH et al., 1991; WAUCHOPE, 1978). A persistência dos herbicidas ácidos está diretamente relacionada com a quantidade aplicada da substância. Geralmente a transformação é mais rápida em água do que em solo, onde pode persistir por vários meses (SATAR & PAASIVIRTA, 1980). Por exemplo, para MCPA mais de 80% foi detectado cerca de 70 semanas após a aplicação do herbicida (HELWEG, 1987). Entretanto, em solos úmidos a degradação pode ser acelerada e os produtos de degradação originários podem também apresentar menor persistência (MABURY et al., 1996). Apesar dos herbicidas ácidos sofrerem, em geral, rápida transformação nas condições encontradas nos campos de arroz, em alguns casos eles podem persistir DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 19 por longo tempo, dependendo das condições nos campos. Um dos fatores importantes na transformação é o pH. Em solos ácidos a transformação de herbicidas ácidos é lenta, sendo mais rápida em solos neutros. Para MCPA observou-se que, enquanto em solos ácidos a transformação do herbicida ocorria entre 5 e 9 semanas, em solos neutros a degradação ocorreu em uma semana (SATTAR & PAASIVIRTA, 1980). Para 2,4-D e triclopyr a disseminação no solo dos campos de arroz é lenta, levando 15 e 20 dias para decomposição de 95% dos herbicidas, respectivamente (JOHNSON et al., 1995). A repetida aplicação dos herbicidas fenoxiacéticos sobre os campos de arroz parece acelerar a degradação destas substâncias no solo. Em um estudo feito por SOLAS et al. (1983), os autores observaram que 2,4-D e MCPA degradaram mais rapidamente após tratamentos preliminares com 2,4-D. Entretanto, para MCPA o tratamento preliminar com o mesmo herbicida só foi capaz de acelerar a degradação do 2,4-D (OH et al., 1995). Estes estudos contradizem o observado por TORSTENSSON et al. (1975), os quais demonstraram redução no tempo de degradação do 2,4-D e do MCPA, após sucessivos anos de tratamento do solo com os referidos herbicidas. Uma das principais rotas de transformação dos herbicidas ácidos nos campos de arroz é através da fotodegradação, ocorrendo hidrólise e quebra da ligação éter, com posterior oxidação do grupo metila e substituição do cloro por íons hidroxila. A Figura 3 mostra os possíveis produtos de degradação do MCPA, originando 4-cloro-2-metilfenol, 4-cloro-2-formilfenol e o-cresol. Em campos de arroz estes produtos não foram encontrados com freqüência, possivelmente devido sua rápida disseminação. Outra importante via de transformação dos herbicidas ácidos é através da ação de microorganismos. A volatilização de herbicidas ácidos nos DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 20 campos de arroz é, no entanto, pouco significativa (CROSBY, 1983; KUWATSUKA, 1983; MABURY et al., 1996). Figura 3- Rotas de transformação do MCPA em campos de arroz. (A) água dos campos, em presença de luz solar; (P) plantas; (S) sedimento. Adaptada de MABURY et al. (1996). 1.4-Degradação de inseticidas Os inseticidas são, depois dos herbicidas, os pesticidas mais utilizados em cultivo de arroz, no período do plantio e também durante o armazenamento dos grãos. O arroz cultivado em regiões tropicais é particularmente suscetível a uma grande variedade de pragas devido às elevadas temperaturas e umidades encontradas nesses ambientes. As práticas agrícolas modernas e o desenvolvimento de espécies modificadas do arroz também favorecem a DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 21 proliferação de insetos pertencentes às diversas classes, tais como Lepidoptera (p. ex: “lagartas dos arrozais”), Coleoptera (besouros, ou gorgulhos aquáticos), Diptera (moscas e mosquitos), Hymenoptera (p. ex: “saúva de vidro”) e Hemiptera (p. ex: “percevejo castanho”). Embora em alguns cultivos ainda sejam também utilizados hexaclorados (DAS et al., 1995; XU et al., 1994), o alto potencial tóxico desses produtos e seu elevado nível de bioconcentração têm resultado na substituição desses inseticidas por outros menos persistentes no ambiente. Inseticidas das classes dos carbamatos (p. ex: carbofuran, metomil e propoxur) e organofosforados (p. ex: azimfos-etílico e metílico, diazinon, fenitrotion e temefós) são os mais comumente aplicados atualmente em cultivos de arroz. 1.4.1- Carbofuran O carbofuran é um inseticida da classe dos N-metilcarbamatos, sistêmico e de contato (TOMLIN, 1995), usado efetivamente no controle de vários insetos que atacam a cultura do arroz, dentre os quais os gorgulhos aquáticos e os percevejos castanhos (LALAH & WANDIGA,1996; BAHADIR & PFISTER, 1987). A aplicação do inseticida é feita na forma granular, sendo espalhado manualmente sobre os campos, ou ainda misturado com as sementes do arroz, com taxas de aplicação variando entre 0,5 e 4 kg i.a./ha (SEIBER et al., 1978; DEUEL et al., 1979). Mesmo em diferentes tipos de solo, a disseminação do carbofuran é rápida, com tempos de meia-vida de 7 a 14 dias, em profundidades que variam de 2 a 20 cm. Entretanto, em maiores profundidades a persistência é maior (JOHNSON & LAVY, 1994; LALAH & WANDIGA, 1996), com as condições do solo influindo diretamente na persistência do inseticida. Em solos previamente tratados com DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 22 adubo, o aumento no teor de matéria orgânica resultou em aumento de persistência do carbofuran (SOMASUNDARAM et al., 1987). Provavelmente, isso ocorreu devido ao decréscimo de pH causado pelo aumento de matéria orgânica no solo, ou pela maior interação entre a matéria orgânica e a molécula do inseticida, resultando em menor disponibilidade da substância no ambiente e, portanto, menor transformação. Entretanto, o tratamento prévio do solo com carbofuran fenol, produto de hidrólise do inseticida, acelerou a degradação da substância (RAJAGOPAL et al., 1986). A hidrólise é uma das principais rotas de transformação do carbofuran, sendo favorecida pelo aumento de pH e com persistência variando significativamente em função do pH. Observou-se, por exemplo, que em água a pH 7,0 o tempo de meia-vida do inseticida foi mais de 200 vezes superior ao observado em pH 10,0. Como o pH em água dos campos pode variar de 7,5 até 10,0 de acordo com o período do dia, tais variações influenciarão diretamente na persistência do inseticida nesses ambientes (SEIBER et al., 1978). O carbofuran, ao contrário do observado para o molinato e thiobencarb, apresenta acelerada degradação em solos alagados. Quando o inseticida é incorporado no solo dos campos alagados, a persistência é maior em solo do que nas águas dos campos (JOHNSON & LAVY, 1995). NICOSIA et al. (1991a) observaram que as máximas concentrações do carbofuran em água ocorreram 12 horas após a aplicação do produto granular e, após 36 horas, a concentração residual foi de 30%. Os autores também observaram que as máximas concentrações do inseticida em águas escoadas dos campos ocorreu com 26 dias de alagamento dos campos, com cerca de 6% do inseticida sendo eliminado nas águas escoadas dos campos, no intervalo de 80 dias. Devido a maior persistência do carbofuran no solo e sua gradativa liberação para a água dos campos de arroz, foi sugerido que as DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 23 águas ficassem mantidas nos campos durante um tempo superior a 12 dias após a aplicação do inseticida. Figura 4- Rotas de transformação do carbofuran em campos de arroz. (A) águas dos campos, em presença da luz solar; (P) plantas; (S) sedimento. Adaptada de MABURY et al. (1996). Em estudo feito nos campos de arroz das Filipinas (SEIBER et al., 1978), onde a taxa aplicada foi de 2 kg i.a./ha, as máximas concentrações de carbofuran ocorreram um dia após o tratamento, e 50% foi transformado em 67 horas. Além das condições levemente alcalinas, o aumento da temperatura deve ter favorecido a transformação do inseticida. O carbofuran distribuído nos campos de arroz encontra-se predominantemente no solo, depois em água (onde degrada rapidamente), em plantas e organismos vivos e, por último, no ar. As perdas causadas por degradação microbiológica, oxidação e volatilização não são significativas (DEUEL et al., 1979), exceto em pH neutro, onde a degradação biológica é uma possível via de transformação (SINGH et al., 1990). DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 24 A fotodegradação também ocorre nos campos de arroz, sendo uma importante rota de transformação. A hidrólise do carbofuran, nas condições encontradas nos campos, resulta na formação do carbofuran fenol, 3-hidroxi- carbofuran e 3-ceto-carbofuran (Figura 4). No entanto, nenhum destes produtos de degradação persiste por longo tempo (MABURY et al., 1996; MILES et al., 1981; MOHAMAD et al., 1990). 1.4.2- Diazinon Diazinon pertence à classe dos organofosforados que, em comum, têm a característica de serem forte ou moderadamente absorvidos no solo, conforme previsto por seus elevados valores de Koc. Diazinon é não-sistêmico, agindo através da inibição da enzima colinesterase (TOMLIN, 1995). O tipo de solo e as condições de aplicação do inseticida influenciarão diretamente na proporção da substância retida no solo. Por exemplo, no estudo feito em estufas a degradação dos organofosforados diazinon, paration, tetraclorvinfos e triazofos seguiu cinética de primeira ordem. Para diazinon, o tempo de meia-vida observado a 20 °C foi de 38 dias, enquanto que paration apresentou diferentes persistências, em função do tipo de solo e das temperaturas. Dos organofosforados incluídos no trabalho de LEISTRA et al. (1984), triazofos apresentou maior persistência e diazinon foi um dos menos adsorvidos em solos contendo quantidades similares de matéria orgânica. A degradação do diazinon em solos alagados é mais rápida que a observada em solos não-alagados. O tratamento prévio dos campos com o inseticida pode também acelerar a transformação. SETHUNATHAN (1972) observou transformação DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 25 bem mais rápida em solos previamente tratados com diazinon, se comparados com aqueles onde o inseticida não havia sido anteriormente utilizado. As bactérias isoladas de um campo tratado com diazinon rapidamente se multiplicam e são capazes de degradar o inseticida, na presença ou ausência de fontes adicionais de carbono orgânico (SETHUNATHAN & PATHAK, 1971; SETHUNATHAN et al., 1991). Em estudos de laboratório feitos com solos autoclavados a degradação do diazinon também ocorreu (t½ = 33,8 dias), embora a persistência tenha sido superior a observada em solos não-autoclavados (t½ = 8,8 dias), sugerindo transformação do inseticida também através da volatilização e degradação química. A degradação hidrolítica, possivelmente acelerada pela ação de microorganismos, resulta na formação de 2-isopropil-6-metil-4-hidroxi pirimidina, com a hidrólise ocorrendo através da ligação P-O-pirimidina. A mineralização do diazinon ocorre quer os campos estejam alagados ou não. Entretanto, em solos não-alagados esse processo é mais rápido, pois a oxidação de produto de hidrólise é retardada em solos alagados. A presença do produto de degradação do diazinon é observada até 75 dias após a aplicação do inseticida nos campos de arroz, desaparecendo após este tempo. A degradação do diazinon em águas é também mais intensa se os campos recebem prévio tratamento com o inseticida (SETHUNATHAN, 1972). Em campos tratados com 2 kg i.a./ha a cada 20 dias observou-se a rápida absorção do inseticida pelas plantas de arroz, assim como considerável perda da substância por volatilização (SETHUNATHAN et al., 1971). Em estudo feito com vários organofosforados, onde foram comparadas toxicidade e persistência em água, diazinon foi o que apresentou menor efeito letal DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 26 para insetos, embora fosse mais tóxico para aves e, por esta razão, foi sugerida a substituição por malation e triclorfon (STEVENS, 1991). 1.4.3- Paration metílico Paration metílico, tal como paration (etílico), é um inseticida não-sistêmico, inibidor da colinesterase, muito utilizado no controle de uma variedade de insetos os quais atacam diversas culturas e causam problemas a saúde pública (TOMLIN, 1995). Na Índia, onde é usado em larga escala, as taxas de aplicação são cerca de 0,4%, sendo aplicado na forma de aerosol sobre as plantações de arroz. O inseticida é quimicamente mais estável em baixos valores de pH (SETHUNATHAN et al., 1975). Em ambientes aquáticos o paration metílico é pouco persistente, embora tempos de meia-vida de até 30 dias tenham sido observados em água e nenhuma degradação significativa tenha ocorrido em água do mar (PRITCHARD et al., 1987). Paration metílico tem volatilização desprezível e pouca degradação por fotólise é observada. Uma das principais vias de transformação do inseticida é através da degradação biológica. No entanto, em solos esterilizados a hidrólise é a principal via de transformação, mecanismo bastante comum em inseticidas organofosforados. A hidrólise do paration metílico é uma importante rota de transformação em solos não-alagados, de acordo com o tipo de solo e as condições ambientais. Em solos com elevado conteúdo de matéria orgânica a adsorção do inseticida é intensa (KISHK et al., 1979), tendo sido caracterizada a forte interação entre ácido húmico e a molécula do inseticida (ADHIKARI et al., 1986). Para solos alagados, SHARMILA et al. (1989) observaram a degradação ocorrendo essencialmente através da DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 27 redução do grupo nitro, embora a quebra da molécula por hidrólise também tenha ocorrido. Figura 5- Rotas de transformação do paration metílico em campos de arroz. (A) águas dos campos, em presença da luz solar; (S) sedimento; (Ar) atmosfera. Adaptada de MABURY et al. (1996). As rotas de degradação do paration metílico dependem diretamente da temperatura (Figura 5). Observou-se, por exemplo, que a 25 °C a degradação em solos aluviais alagados ocorre preferencialmente através da redução do grupo nitro, enquanto a 35 °C a quebra por hidrólise predominou, com a redução do grupo nitro ocorrendo em menor extensão (SHARMILA et al., 1988). Ainda em solos alagados, as condições predominantemente anaeróbicas facilitam preferencialmente a redução do grupo nitro ocorra, muito embora em solos DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 28 com baixo conteúdo de matéria orgânica a transformação ocorra exclusivamente através da hidrólise (SHARMILA et al., 1989). Aplicações sucessivas de paration metílico também fazem da hidrólise o principal mecanismo de degradação. A degradação é acelerada em solos contendo o inseticida ou seu principal produto de hidrólise, p-nitro-fenol (SETHUNATHAN et al., 1991). O tipo de solo e as condições encontradas nos campos também definem a natureza e quantidade dos produtos de degradação a serem formados nos campos de arroz. Independentemente do tipo de solo, observou-se longa persistência do paration metílico em solos não-alagados. No entanto, em condições alagadas os derivados amino formados parecem interagir prontamente com os constituintes do solo, portanto desaparecendo mais rapidamente. 1.4.4- Fenitrotion Fenitrotion é outro inseticida não-sistêmico, inibidor da colinesterase, bastante utilizado em campos de arroz do Delta do Ebro, Espanha, com taxas típicas de aplicação cerca de 2 L/ha. Apesar das quantidades e freqüências de aplicação (próximas a 16 t i.a./ano), baixas concentrações do inseticida foram encontradas em solos e águas dos referidos campos de arroz (BARCELÓ et al., 1991; BARCELÓ, 1994; LACORTE & BARCELÓ, 1994; OUBIÑA et al., 1996). Fenitrotion degrada rapidamente em campos de arroz e, devido sua relativa instabilidade, a U.S.EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) retirou essa substância da lista de pesticidas frequentemente monitorados no ambiente (LACORTE et al., 1995). Estudos comparativos dos tempos de meia-vida, obtidos em diferentes condições, têm demonstrado que a fotólise é uma das principais rotas de DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 29 transformação do inseticida. Em águas estuarinas, fenitrotion foi rapidamente hidrolisado e transformado em 3-metil-4-nitro-fenol (Figura 6). Para águas dos campos de arroz, o tempo de meia-vida variou de 11 a 19,3 horas. Entretanto, nas primeiras duas horas após aplicação do inseticida, um significativo decréscimo na concentração foi observado (OUBIÑA et al., 1996). Figura 6- Rotas de degradação do fenitrotion em águas estuarinas. Adaptada de OUBIÑA et al. (1996). Assim como paration metílico, o grupo nitro do fenitrotion sofre redução, originando p-nitrofenol, possivelmente um dos mais importantes produtos de degradação encontrado em condições alagadas (SETHUNATHAN et al., 1991). Em DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 30 águas dos campos de arroz os principais produtos de degradação observados foram 3-metil-4-nitrofenol e fenitrooxon (LACORTE & BARCELÓ, 1994; OUBIÑA et al., 1996). Os estudos feitos com fenitrotion indicam a volatilização como uma das principais rotas de transformação do inseticida, conforme previsto pelo elevada constante da lei de Henry (0,0036 Pa m3/mol). Outra rota de transformação que provavelmente também tem importância em campos de arroz é a degradação microbiológica. Nos estudos feitos em laboratório, observou-se que 58% do fenitrotion foi transformado em um mês, com perdas atribuídas à ação de microorganismos e também à fotodegradação (BARCELÓ, 1994; MIKAMI et al., 1985). Assim como paration metílico e carbofuran, fenitrotion pode sofrer intensa hidrólise em meio alcalino. No entanto, em solos com pH próximo a 7,0 a transformação é essencialmente biológica. Se o solo tem elevado teor de matéria orgânica, boa parte do inseticida pode ser adsorvido pelo solo e, dessa forma, fica menos disponível para sofrer degradação biológica. Comparando os valores de Kow do paration metílico, carbofuran e fenitrotion, o último citado é o que apresenta maior valor e, portanto, tem forte tendência para adsorção no solo (SINGH et al., 1990). ZHONGLIANG et al. (1994) também observaram que as concentrações residuais de fenitrotion, assim como a quantidade de inseticida extraída do solo eram relativamente baixas em um sistema próximo às condições encontradas nos campos de arroz. De acordo com o previsto pelo fator de bioacumulação do fenitrotion (BFC = 2,33), concentrações do inseticida têm sido detectadas em organismos aquáticos dos campos de arroz (BARCELÓ et al., 1991; PORTE et al., 1992; ZHONGLIANG et al. 1994). DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 31 1.4.5- Temefós O inseticida temefós é outro organofosforado, não-sistêmico, inibidor da acetilcolinesterase. Devido a baixa toxicidade em humanos, temefós é utilizado no controle de mosquitos em saúde pública e também em vários cultivos como, por exemplo, em arroz (TOMLIN, 1995; HUGHES et al., 1980). Nestes cultivos, as taxas típicas aplicadas sobre as águas dos campos ficam em torno de 125 a 170 g i.a./ha. Temefós é muito pouco solúvel em água e, apesar de apresentar baixa pressão de vapor, o valor da constante da Lei de Henry, que considera os dois parâmetros (H = 0,0058 Pa m3 mol-1, supondo solubilidade em água de 0,03 mg/L), indica forte tendência da substância ser volatilizada nas condições encontradas nos campos de arroz (BARCELÓ & HENNION, 1997b; LACORTE et al., 1996). Ao ser aplicado, temefós forma uma fina película sobre a água dos campos de arroz, ficando exposto a intensa fotodegradação, favorecida pelo elevado rendimento quântico da molécula e pelas condições dos campos. Nas condições controladas em laboratório, temefós apresentou tempo de meia-vida de 5 dias em águas estuarinas (LACORTE et al., 1995). No entanto, quando o inseticida foi aplicado em poços, a persistência foi bem menor, com tempos de meia-vida variando entre 6 e 8 horas (LORES et al., 1985). Em estudo feito nos campos de arroz do Delta do Ebro (Espanha), vários produtos de degradação do temefós foram observados logo em seguida ao tratamento com o inseticida. O isômero do temefós, temefós oxon, o isômero do temefós oxon e temefós sulfóxido foram detectados imediatamente após a aplicação do inseticida, indicando oxidação e isomerização como importantes rotas de transformação para o temefós, iniciadas antes da aplicação do inseticida e aceleradas pelas condições encontradas nos campos de arroz (Figura 7). DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 32 Figura 7- Rotas de degradação do temefós. (T) diluição do inseticida nos tanques de aplicação; (C) campos de arroz. Adaptada de LACORTE et al. (1996). Temefós oxon e temefós sulfóxido também apresentam elevada atividade inibidora sobre a enzima acetilcolinesterase, portanto devendo ser igualmente monitorados. No caso do isômero do temefós sulfóxido, o aparecimento ocorreu uma hora após a aplicação do inseticida, apresentando um pequeno aumento em função do tempo. Temefós sulfóxido e seu isômero persistiram por mais tempo nos campos, com o aumento da concentração do isômero ocorrendo concomitantemente com o DEGRADAÇÃO DE PESTICIDAS UTILIZADOS EM CAMPOS DE CULTIVO DE ARROZ 33 decréscimo na concentração do temefós sulfóxido. Em amostras coletadas 11 horas após a aplicação do inseticida a substância originalmente aplicada não foi detectada. No entanto, todos os outros produtos de degradação foram observados até 72 horas após a aplicação do inseticida (LACORTE et al., 1996). Apesar do temefós apresentar valores de Koc e Kow relativamente elevados (Koc entre 200 e 500 cm3 g-1 e log Kow = 3,9), o estudo feito por LACORTE et al. (1996) mostrou que o inseticida não é fortemente adsorvido pelos constituintes do solo, nem acumulado nos organismos aquáticos presentes nos campos de arroz. O modo como o inseticida foi aplicado e as baixas concentrações devem ter contribuído para os resultados observados nos campos. O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 35 2.1- A tendência mundial no uso de herbicidas Desde a década de 30, quando os primeiros pesticidas sintéticos começaram a ser utilizados no controle de pragas, o uso, a variedade e a quantidade desses compostos, muitas vezes considerados “defensivos agrícolas”, em outras denominados “agroquímicos” ou “agrotóxicos”, tem aumentado consideravelmente. Somente nas últimas três décadas, o consumo mundial passou de 580 milhões para 25,3 bilhões de dólares (BARCELÓ & HENNION, 1997b). Dentre os vários tipos de pesticidas utilizados, os herbicidas vêm se destacando em termos de quantidades aplicadas e importância econômica. Mais de 80% dos herbicidas atualmente usados em todo o mundo se concentram em regiões onde a agricultura está mais desenvolvida, ou seja, na América do Norte, Leste Asiático e Europa Ocidental, enquanto que cerca de 50% dos inseticidas são aplicados em países em desenvolvimento, especialmente em regiões tropicais, conforme ilustrado na Figura 8. Embora as aplicações ocorram em função das necessidades locais, incluindo condições climáticas, uma forte tendência no uso de herbicidas tem sido observada devido não somente à utilização desses pesticidas em áreas agrícolas, mas também ao uso na manutenção de áreas verdes, tais como jardins, campos de futebol, parques, cemitérios, margens de estradas e ferrovias. O uso crescente de herbicidas tem resultado em freqüentes problemas de contaminação ambiental. Embora ainda sejam necessários maiores conhecimentos a respeito do comportamento dos pesticidas, o desenvolvimento de técnicas analíticas mais sensíveis e seletivas tem permitido identificar esses compostos antropogênicos e seus produtos de degradação no ambiente. O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 36 Figura 8- Distribuição mundial de pesticidas aplicados, baseada em valores de mercado, 1993. Adaptada de CARVALHO et al. (1995). Diversas classes de pesticidas são atualmente utilizadas, dentre as quais estão as hidroxibenzonitrilas (p. ex: bromoxinil e ionixil), amidas (p. ex: isoxaben e tebutam), ácidos ariloxialcanóicos (p. ex: 2,4-D, MCPA, MCPB e mecoprop), triazinas (p. ex: atrazina, simazina e propazina), uréias (p. ex: diuron e daimuron), aminas quaternárias (p. ex. paraquat e diquat) e as anilidas (p. ex: pentanoclor e propanil) (TOMLIN, 1995). O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 37 1960 Herbicidas Inseticidas Fungicidas Outros 1970 Herbicidas Inseticidas Fungicidas Outros 1980 Herbicidas Inseticidas Fungicidas Outros 1993 Herbicidas Inseticidas Fungicidas Outros Figura 9- Tendência mundial no uso de pesticidas. Adaptada de BARCELÓ & HENNION (1997b). 2.2- O herbicida propanil Dentre os 10 herbicidas mais utilizados em todo o mundo o propanil se destaca, principalmente nas regiões onde o arroz é um importante cultivo agrícola (BARCELÓ & HENNION, 1997b). Embora o herbicida seja também utilizado em culturas de batata e tomate, a aplicação em arroz é feita em massa (DAHCHOUR et al., 1986; MOORE & FARRIS, 1997). Nos Estados Unidos, por exemplo, 76% dos solos utilizados em cultivo de arroz utilizam propanil, principalmente na região de Arkansas, Louisiana e Mississipi, onde cerca de 4 mil toneladas são anualmente aplicadas (CAREY et al., 1980; HOAGLAND & ZABLOTOWICZ, 1995; THURMAN & O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 38 MEYER, 1996). Propanil vem sendo utilizado desde a década de 60 e, somente na Itália, 500 toneladas do herbicida foram utilizadas em 1989, com 70% do total sendo aplicado em cultivos feitos na planície do rio Pó (TREVISAN et al., 1991). Na antiga União Soviética, o propanil também foi citado como um dos herbicidas mais aplicados em cultivos de arroz (STEEN et al., 1986). O Brasil não possue atualmente uma autonomia, em termos de produção e consumo de arroz, sendo necessário importar, via de regra, de países do Mercosul, tais como Argentina e Uruguai. Entretanto, no cultivo de arroz irrigado, feito nas regiões do Rio Grande do Sul, Maranhão e Mato Grosso (as três principais regiões de cultivo, na ordem citada), propanil é usado com bastante freqüência (CHABARIBERY & MARTINS,1998; EMBRAPA, 1999). Propanil (3’,4’-dicloropropionanilida) é classificado como acilanilida, ou mais especificamente fenilamida, sendo aplicado nos primeiros estágios de desenvolvimento do cultivo ou em tratamentos de pós-emergência. Em geral, a aplicação é feita cerca de 15–20 dias após a semeadura do arroz, sobre campos previamente secos, em taxas que variam de 1,2 a 11,2 kg/ha. Propanil atua no combate de plantas daninhas, tais como capim-arroz, barbudinho, inço do arroz, capituva, canevão, capim-macho, capim de burro, grama-são-paulo, marmelada, pé- de-galinha, milhã, erva de bicho, beldroega, gervão e acácia, dentres outras. Em geral, a formulação comercial apresenta-se como um líquido emulsionável, solúvel em água, contendo 35% (m/v) do ingrediente ativo (SAAD, 1981). Os nomes comerciais comumente encontrados para o herbicida são: Stam (Rohm & Haas, KenoGard), Riselect (Enichem, Isagro), Propagrex 35 (Sadisa), Surcupur (Bayer), Ertan (Rioagro), Propanex (Crystal) e DCPA (KUWATSUKA, 1983; TOMLIN, 1995). O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 39 Propanil é um herbicida de contato, bem absorvido por via foliar, sendo facilmente translocado até as raízes. A ação ocorre por retenção do crescimento radicular, necrose das folhas das plantas daninhas e inibição da função clorofílica. Um dos principais atrativos no uso freqüente do propanil é a sua seletividade. Por ser um herbicida acilamida, a alta atividade da enzima aril acilamidase nas plantas do arroz é responsável pela resistência da planta à ação herbicida, enquanto que outras plantas, carentes dessa enzima, são facilmente suscetíveis (HIRASE & MATSUNAKA, 1991). As principais propriedades físico-químicas do propanil são: massa molecular 218,1; ponto de ebulição 92-93 °C; pressão de vapor 0,062 mPa (a 25 °C); solubilidade 130 mg/L (em água, a 25 °C), > 200 g/L (em diclorometano, a 20 °C) e < 1 g/L (em hexano, a 20 °C); log Kow 3,3 ( a 20-30 °C) e Koc 149 cm3xg-1. Soluções do herbicida são estáveis ao abrigo da luz e em pH neutro. No entanto, em meios fortemente ácidos ou alcalinos o composto é facilmente hidrolisado, sendo também fotodegradado em presença da luz solar (BARCELÓ & HENNION, 1997b; KUWATSUKA, 1983; LEKEVICIUS et al., 1992; SENSEMAN et al., 1995; TOMLIN, 1995). 2.3- Degradação do propanil A transformação do propanil, em presença de água e luz solar, costuma ser rápida. Três mecanismos são possíveis (Figura 10): (1) substituição do cloreto por íons hidroxila, com posterior oxidação e formação de quinona imida, sofrendo rápida hidrólise; (2) substituição do cloreto por hidrogênio, com formação das anilinas correspondentes e (3) rápida hidrólise, com formação de 3,4-dicloroanilina (DCA), O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 40 parcialmente transformada em 3,3’,4,4’-tetracloroazobenzeno (TCAB) (CROSBY, 1983). Figura 10- Rotas de degradação do propanil em água. Adaptada de CROSBY (1983). A reação de substituição fotonucleofílica, com deslocamento do cloreto da posição para, é indicada como importante rota de fotodegradação do propanil em água. No entanto, na presença de organismos que possuam a enzima aril O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 41 acilamidase, a rápida transformação em DCA é observada. A clivagem enzimática do propanil tem sido observada em plantas, culturas de microorganismos, águas de campos de arroz, solos e fígado de animais mamíferos (CORREA & STEEN, 1995; POTHULURI et al., 1991). A degradação do propanil pela ação de microorganismos tem sido extensivamente demonstrada na literatura (DAHCHOUR et al., 1986; STEEN et al., 1986). CORREA & STEEN (1995), utilizando água de lago, enriquecida com 5 culturas distintas de báctérias (Aerobacter aerogenes, Aeromonas hydrophila, Acinetobacter calcoaceticus, Proteus mirabilis e Aeromonas salmonicida), observaram a completa transformação do propanil em 6 dias, após um período inicial de retraso. A fortificação repetida das amostras com o herbicida acelerou a degradação (transformação 75 vezes mais rápida), sem o período de retraso inicialmente observado, e com lento desaparecimento da DCA formada. No entanto, a microflora comumente presente em águas naturais pode ser incapaz de degradar propanil. Em estudo feito com vários herbicidas pertencentes à classe das fenilamidas, incluindo o propanil, a degradação em água de rio, previamente fortificada com os herbicidas, não foi observada. No entanto, em presença de bactérias gram-positivas Bacillus cereus, propanil foi rapidamente transformado em DCA, a qual foi gradativamente acumulada em função da baixa taxa de utilização pelos microorganismos (EL-DIB & ALY, 1976). Várias bactérias presentes no solo foram também capazes de degradar o propanil, em alguns casos induzindo a ação enzimática (HIRASE & MATSUNAKA, 1991; REICHEL et al., 1991). Bactérias extraídas das raízes da planta do arroz, caracterizadas como Pseudomonas fluorescens e Pseudomonas não-fluorescentes, apresentaram elevada atividade enzimática, sendo capazes de degradar 50% do propanil em 9 O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 42 horas, sem indução, com 60% do herbicida sendo acumulado como DCA (HAMMOND et al., 1983; HOAGLAND & ZABLOTOWICZ, 1995). Embora a transformação do propanil por microorganismos seja rápida em ambientes naturais, o mesmo não é observado para DCA. Em geral, a taxa de biodegradação é baixa, possivelmente devido a alta toxicidade do metabólito e sua reduzida capacidade na indução da atividade enzimática (REBER et al., 1979). Outros mecanismos são, portanto, responsáveis pela transformação da DCA. No solo, a maior parte de DCA liberada na transformação do propanil tende a interagir fortemente com a matéria orgânica, formando resíduos ligados que, dessa forma, ficam gradativamente não disponíveis a futuros processos de transformação. Se a concentração de DCA é suficientemente elevada a condensação pode ocorrer, originando 3,3’,4,4’-tetracloroazobenzeno, composto de toxicidade bastante elevada (HSU & BARTHA, 1976; SCHEUNERT et al., 1991; VÖLKEL et al., 1994). A fotodegradação e volatilização do propanil em ambientes naturais não é significativa, se comparada aos processos de degradação biológica a que estão sujeitos o herbicida e seu principal produto de degradação, DCA. Em plantas de arroz, propanil é hidrolisado a DCA e outros compostos contendo DCA complexado, entre esses um complexo metabólico com lignina. No entanto, tais compostos são posteriormente mineralizados pela ação da enzima aril acilamidase (CROSBY, 1983; DEUEL et al., 1977; POTHULURI et al., 1991). 2.4- Aspectos toxicológicos De acordo com a EPA (Environmental Protection Agency) e a WHO (World Health Organization), propanil é considerado como pesticida de classe III, ou seja, O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 43 de baixa a moderada toxicidade (TOMLIN, 1995). Em ratos e cachorros, os valores de LD50 são de 1384 e 1217 mg/kg, e valores de NOEL (nível máximo em que não são observados efeitos tóxicos), durante 2 anos de doses acrescentadas na dieta, são de 400 e 600 mg/kg, respectivamente. Os efeitos tóxicos observados nesses animais incluem depressão do sistema nervoso central, após 12 horas de intubação gástrica. Em ratos albinos, inicialmente foi observado um curto período de excitação, seguido de prolongada depressão, efeitos de relaxação, completa paralisia e morte em até 48 horas, após uma única dose oral de 500 a 700 mg/kg. Em pássaros e aves aquáticas valores de LC50, durante oito horas de exposição, variam de 2861 a 5627 mg/L (POTHULURI et al., 1991; TOMLIN, 1995). Embora propanil não apresente elevada toxicidade para mamíferos e aves, a alta capacidade de inibição da fotossíntese apresentada pelo herbicida resulta em sérios problemas para organismos aquáticos. Concentrações de propanil entre 24 e 54 µg/L podem causar redução de 25% do oxigênio produzido em ambientes aquáticos, comprometendo a fotossíntese pelo fitoplâncton (TUCKER, 1987). O crescimento de peixes em tanques contendo propanil também é consideravelmente menor e, após longos períodos de contato com o herbicida, as propriedades físicas e morfológicas desses organismos ficam bastante alteradas. Durante os primeiros estágios de crescimento, a exposição a concentrações de propanil de apenas 3,8 µg/L causaram significativa redução na quantidade de ovos gerados e deformidade nos peixes recém-nascidos. Nos peixes sobreviventes, a exposição a concentrações de propanil entre 23,3 e 51,1 µg/L resultaram na intumescência dos corpos e no aparecimento de regiões avermelhadas ao longo da massa visceral. Portanto, devido aos efeitos tóxicos que propanil causa nos primeiros estágios de vida dos peixes, as concentrações máximas permitidas para o herbicida não devem ultrapassar 0,4 a 0,6 O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 44 µg/L, com taxas máximas de exposição em torno de 0,6 e 1,2 µg/L (CALL et al., 1983). Propanil produz metemoglobinemia em animais e, em pessoas que trabalham diretamente na produção do herbicida, casos de cianose devido a formação de metemoglobina têm sido documentados. Cloracne, um tipo de dermatose folicular observada em pessoas expostas a compostos aromáticos halogenados, também tem sido reportada (POTHULURI et al., 1991). Propanil é obtido a partir da 3,4-dicloroanilina e, nas condições utilizadas para síntese do herbicida, o aquecimento e a lenta oxidação de DCA podem favorecer a condensação da molécula, originando TCAB e 3,3’,4,4’- tetracloroazoxybenzeno (TCAOB). Ao contrário do propanil, DCA, TCAB e TCAOB são altamente tóxicos, sendo reconhecidamente embrioletais, genotóxicos e teratogênicos, causando sérias mudanças degenerativas em organismos vivos. Devido a elevada toxicidade de DCA que, nos peixes, pode resultar em efeitos crônicos irreversíveis nas células, a máxima concentração entoxicante aceitável (MATC) para este composto não deve ultrapassar 5,10 a 7,10 µg/L. Os azocompostos TCAB e TCAOB, por sua vez, têm estrutura análoga ao do 2,3,7,8- tetraclorodibenzo-p-dioxina (TCDD), uma das mais potentes toxinas, de elevado efeito teratogênico. A teratogenicidade destes compostos parece estar ligada ao receptor Ah, interagindo diretamente com as células embrionárias, e agindo como indutores em potencial da enzima hepática aril hidrocarboneto hidroxilase (MUCCIO et al., 1984; POTHULURI et al., 1991; SUNDSTRÖM, 1982). Baseado nos vários estudos toxicológicos encontrados na literatura é possível concluir que, se por um lado a toxicidade do propanil é moderada, por outro os efeitos indiretos causados pela inibição da fotossíntese do plâncton, bem como O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 45 os efeitos oncogênicos causados por seus metabólitos, fazem com que o monitoramento do herbicida nos ambientes naturais seja de fundamental importância. 2.5- Propostas desse trabalho A degradação biológica do propanil tem sido demonstrada na literatura (CORREA & STEEN, 1995; DAHCHOUR et al., 1986; EL-DIB & ALY, 1976; HIRASE & MATSUNAKA, 1991; HOAGLAND & ZABLOTOWICZ, 1995; REICHEL et al., 1991; STEEN et al., 1986). No entanto, a influência de outros fatores abióticos é pouco conhecida (DEUEL et al., 1977; CROSBY, 1983). Para DCA, por exemplo, existem estudos demonstrando a forte interação desse composto com material orgânico, todos feitos em condições controladas de laboratório (HSU & BARTHA, 1976; VÖLKEL et al.,1994). No entanto, para propanil, estudos de interação com a matéria orgânica não foram encontrados na literatura. Os estudos citados nesse trabalho tiveram como principal objetivo investigar a transformação de propanil em campos de cultivo de arroz, monitorando a presença e concentração dos possíveis produtos de degradação formados. O estudo foi feito nas condições reais em que o herbicida foi aplicado e, nessas condições, os tempos de meia-vida do herbicida e seu principal metabólito foram determinados. Para determinação de quais outros fatores, além da degradação biológica, poderiam influir na transformação do herbicida, estudos em laboratório foram feitos em distintas condições. Em especial, a interação do propanil com a matéria húmica foi avaliada. Para a análise do herbicida e DCA, métodos de elevada sensibilidade e O HERBICIDA PROPANIL E PROPOSTAS DO TRABALHO 46 seletividade foram investigados, e as condições adequadas para a análise foram determinadas. MATERIAIS E MÉTODOS 47 3.1- Coleta e extração das substâncias húmicas As etapas de extração e purificação das substâncias húmicas foram feitas nos laboratórios do Instituto de Química da UNESP/Araraquara. Todos os reagentes utilizados foram de pureza analítica. A água utilizada para preparo das soluções foi destilada e, em seguida, deionizada em sistema deionizador de água Millipore, modelo Milli-Qplus, até apresentar resistividade igual ou inferior a 18 Ω cm a 25 °C. Para a purificação dos ácidos húmicos foram usadas resinas de troca iônica Amberlite IRA-400 (aniônica) e Dowex 50W-X8 (catiônica), obtidas da Merck. As resinas foram repetidamente utilizadas, após prévio condicionamento em solução de KOH 0,5 mol/L, a 70°C, adição de H2O2 30% (5 mL), agitação durante 30 minutos e, após resfriamento, lavagem com água deionizada. As resinas foram armazenadas em solução de HCl 0,5 mol/L (catiônica) ou NH4OH 2 mol/L (aniônica), sendo lavadas com água deionizada antes do uso. As substâncias húmicas foram extraídas de sedimento coletado em uma região estuarina, localizada nas proximidades da ilha Comprida (litoral sul do estado de São Paulo), sendo armazenado em frascos de vidro. Depois de seca ao ar, a amostra foi triturada em almofariz e passada em peneira ABNT-70 (0,210mm). O procedimento utilizado para a extração das substâncias húmicas foi o recomendado pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (HAYES, 1985), conforme diagrama da Figura 11. Foram transferidos para um erlenmeyer 20 g de sedimento seco, reidratados com 10 mL de água deionizada, e mantido em pH ácido pela adição de HCl 0,5 mol/L. Em pH ácido, os carbonatos e íons metálicos fracamente ligados são solubilizados. Em seguida a suspensão foi centrifugada a MATERIAIS E MÉTODOS 48 2750 g por 30 minutos a solução sobrenadante foi descartada. O precipitado foi lavado com água deionizada até pH próximo a 7,0. Acidificação com HCl 0,5 mol/L Centrifugação ssosobr Extração com NaOH 0,5 mol/L sob atmosfera de N2 Acidificação com HCl 6 mol/L até pH 2,0 Ajuste em pH 7,0 com NH4OH 2 mol/L Solubilização em NH4OH 0,5 mol/L Eluição em resina aniônica Eluição em resina aniônica Amberlite IRA-400 e catiônica Amberlite IRA-400 e catiônica Dowex 50W-X8 Dowex 50W-X8 Concentração em evaporador rotativo Concentração em evaporador rotatório Liofilização Liofilização Figura 11- Diagrama de extração e purificação das substâncias húmicas. A extração das substâncias húmicas foi efetuada com adição de solução de NaOH 0,5 mol/L, na razão líquido:sólido 10:1, com 4 horas de agitação mecânica, e Sedimento Seco Material inorgânico Material húmico Substâncias húmicas Humina Ácidos fúlvicos Ácidos húmicos Ác. fúlvicos purificados Ác. húmicos MATERIAIS E MÉTODOS 49 sob atmosfera de nitrogênio para evitar oxidação. O material não-húmico foi separado por centrifugação a 5500 g por 10 minutos. A separação dos ácidos húmicos foi efetuada por acidificação do extrato alcalino sobrenadante, com adição de solução de HCl 6 mol/L até pH 2,0. Após decantação por 12 horas, os ácidos fúlvicos foram separados dos ácidos húmicos por centrifugação a 5500 g, durante 15 minutos. Os ácidos húmicos precipitados foram solubilizados em solução diluída de NH4OH até pH próximo de 7,0. Figura 12- Esquema de purificação dos ácidos húmicos com resinas de troca iônica. A solução contendo os ácidos húmicos foi passada repetidamente através de duas colunas de vidro empacotadas com as resinas, colocadas em série, com leito trocador de 17 cm (aniônica) e 23 cm de altura (catiônica), diâmetro interno de MATERIAIS E MÉTODOS 50 2,5 cm, sob fluxo de 1 mL/min (Figura 12). Após purificação, a solução contendo os ácidos húmicos foi concentrada em evaporador rotatório e posteriormente liofilizada. 3.2- Caracterização dos ácidos húmicos Para avaliação do grau de pureza obtido para os ácidos húmicos após a eluição por resinas de troca iônica, foi determinado o teor de cinzas, em mufla EDGON 5P, FV-2, equipada com circulador de ar. Uma alíquota de 0,030 g dos ácidos húmicos foi colocada em cadinho de porcelana, previamente condicionado, a 800 °C durante 1 hora (HUFFMAN & STUBER, 1985). Os espectros de ultra-violeta/visível (UV-VIS) foram feitos em espectrofotômetro de duplo feixe Hitachi, modelo U-2000, com células de quartzo de 1,0 cm de percurso ótico e largura da banda de 2 nm. Para obtenção da relação E4/E6 (razão entre as absorbâncias a 465 e 665nm, respectivamente) foram registrados espectros na região entre 190 e 750 nm, com dissolução de 1 mg dos ácidos húmicos liofilizados em 5 mL de solução de NaHCO3 0,05 mol/L (GRIFFITH & SCHNITZER, 1975). Para obtenção dos espectros de infra-vermelho foi utilizado o espectrofotômetro FTIR Nicolet, modelo Impact 400. As pastilhas foram preparadas com 400 mg de KBr, previamente seco a 100 °C, e 3 mg dos ácidos húmicos liofilizados. Os espectros foram registrados na região entre 4000 e 400 cm-1 e as bandas identificadas utilizando o programa OMNIC (MARTIN-NETO et al., 1994). A análise elementar dos ácidos húmicos foi feita em analisador elementar Carlo Erba Intruments, modelo EA 1108. Foram determinadas as concentrações de carbono, hidrogênio, nitrogênio e enxofre. MATERIAIS E MÉTODOS 51 3.3- Estudos de degradação do herbicida propanil 3.3.1- Localização da área utilizada no estudo Os estudos de degradação em condições reais dos campos de arroz foram feitos na região do Delta do Ebro (Tarragona, Catalunya), localizado a nordeste da Espanha (Figura 13). Figura 13- Localização do Delta do Ebro (Tarragona, Catalunya, Espanha). O Delta do Ebro tem uma área de 320 km2 de superfície, onde está o rio Ebro, o terceiro maior rio a desaguar no mar Mediterrâneo. Na região localiza-se o Parque Natural do Delta do Ebro, com 7.736 ha, importante área de preservação do MATERIAIS E MÉTODOS 52 Mediterrâneo ocidental, depois do Camarga (Parque Regional Francês) e do Parque Nacional de Doñana (Espanha). A região do Delta do Ebro é importante no contexto internacional por ser o habitat natural de várias espécies aquáticas, de 8 espécies de plantas e 69 espécies de fauna vertebrada. A maioria das aves utilizam esta área para procriação, repouso ou alimentação durante os períodos migratórios. O Delta do Ebro tem também importância agrícola, com 18.000 ha de área utilizada para cultivo de arroz em condições alagadas (BARCELÓ et al., 1996; LACORTE et al., 1996). Vários são os pesticidas aplicados sobre os campos de arroz do Delta do Ebro. As aplicações são feitas principalmente durante os meses de cultivo do cereal, ou seja, de maio a agosto. A Tabela 2 apresenta os principais pesticidas e quantidades aplicadas na região. Tabela 2- Principais pesticidas e quantidades anuais aplicadas sobre os campos de arroz do Delta do Ebro. Pesticidas Quantidades aplicadas (t i.a./ano) Molinato 70 Propanil 50 Fenitrotion 22 Temefos n.d. Bentazon 7 MCPA 1,5 n.d.: Não disponível MATERIAIS E MÉTODOS 53 3.3.2- Coleta das amostras O estudo de degradação do propanil em campos de arroz foi feito entre os meses de maio e agosto de 1997. As amostras foram coletadas nos campos designados agroambiental e de controle, localizados na área do Delta del Ebro. Também foram coletadas amostras no campo ecológico, onde não havia sido feito tratamento com propanil, e nos canais de irrigação. As águas dos canais de irrigação foram usadas nas fortificações, feitas com os compostos a serem determinados, sendo posteriormente utilizadas na construção de gráficos de calibração (cinco níveis de fortificação, com n=2). Durante os períodos de amostragem não ocorreram precipitações. Os parâmetros físico-químicos observados para as amostras de água coletadas dos campos foram: tem