ISSN 0102-5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Zetun CB. et al. Infecção por Trypanosoma cruzi em animais silvestres procedentes de zoológicos do Estado de São Paulo. Vet. e Zootec. 2014 mar.; 21(1): 139-147. 139 INFECÇÃO POR Trypanosoma cruzi EM ANIMAIS SILVESTRES PROCEDENTES DE ZOOLÓGICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO Carolina Ballarin Zetun1 Simone Baldini Lucheis2 Marcella Zampoli Troncarelli3 Helio Langoni4 RESUMO A doença de Chagas (ou Tripanossomíase Americana) é uma zoonose de caráter crônico, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi (T.cruzi). No ciclo silvestre, insetos triatomíneos são importantes vetores, podendo infectar roedores, marsupiais e outros animais silvestres, que constituem os reservatórios do parasito. Devido à intensa destruição do ambiente natural onde vivem os animais, estes estão sendo forçados a mudar de habitat. Os insetos vetores têm se adaptado a fontes alternativas de alimento, tanto no peridomicílio, como no intradomicílio, condições que podem determinar o aumento da incidência da doença em humanos. Considerando a importância dos animais silvestres como reservatórios de T.cruzi, o objetivo do presente estudo foi avaliar, por hemocultura e Reação em Cadeia pela Polimerase (PCR), a infecção natural em alguns animais silvestres de três zoológicos do Estado de São Paulo. Foram colhidas amostras de sangue de três cachorros-do-mato (Cerdocyon thous), de três quatis (Nasua nasua), de um gambá (Didelphis marsupialis), de uma jaguatirica (Felis pardalis), de um veado-catingueiro (Mazama gouazoubira), de cinco tatus-galinha (Dasypus novemcinctus), e de um tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla). Somente duas das três amostras de sangue dos cachorros-do-mato foram positivas pela hemocultura e pela PCR, entretanto uma das amostras que foi negativa na hemocultura foi positiva pela PCR. Estes resultados demonstram a importância do cachorro-do-mato como reservatório de T.cruzi, no ciclo epidemiológico da doença de Chagas. Palavras-chave: Trypanosoma cruzi, hemocultura, PCR, animais silvestres, zoológico Trypanosoma cruzi INFECTION IN ZOO WILD ANIMALS FROM SAO PAULO STATE, BRAZIL ABSTRACT Chagas disease (or American Trypanosomiasis) is an essentially chronic zoonosis caused by Trypanosoma cruzi (T. cruzi) protozoa. In the wild cycle, wild Triatominea insects are important vectors. They can transmit the protozoa to rodents, marsupials and to other wild animals, which are important reservoirs. Due the increasing destruction of the wild animals' natural environment, they are being forced to change its habitat. Moreover, the disease-vector insects can become adapted to different food alternatives in next-domiciliary and/or intra- domiciliary areas. All these conditions can determine the increase of human disease’s incidence. Considering the importance of wild animals as T.cruzi reservoirs, the objective of 1 Graduação em Medicina Veterinária, Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública, FMVZ, UNESP-Botucatu-SP. 2 Pesquisadora Científica da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios – APTA Centro-Oeste, Unidade de Pesquisa de Bauru 3 Pós-doutoranda em Saúde Animal, Saúde Pública e Segurança Alimentar, Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública, FMVZ, UNESP-Botucatu-SP. Contato para correspondência. 4 Professor Titular, Departamento de Higiene Veterinária e Saúde Pública, FMVZ, UNESP-Botucatu-SP ISSN 0102-5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Zetun CB. et al. Infecção por Trypanosoma cruzi em animais silvestres procedentes de zoológicos do Estado de São Paulo. Vet. e Zootec. 2014 mar.; 21(1): 139-147. 140 this study was to evaluate by hemoculture and PCR, the Trypanosoma natural infection in some wild animals collected from three zoos in Sao Paulo state. It was collected blood samples from three Crab-eating Fox (Cerdocyon thous), three Coati (Nasua nasua), one Opossum (Didelphis marsupialis), one Ocelot (Felis pardalis), one Grey-Brocket Deer (Mazama gouazoubira), five Nine-Banded Armadillo (Dasypus novemcinctus), and one wild- life Giant Anteater (Myrmecophaga tridactyla). Two of three blood samples of Crab-eating fox were both positive by hemoculture and PCR. However, one negative sample by hemoculture was positive by PCR. Results show the importance of the Crab-eating fox as T.cruzi reservoir and its epidemiological importance in the Chagas' disease cycle. Keywords: Trypanosoma cruzi, hemoculture, PCR, wild animals, zoo INFECCION POR Trypanosoma cruzi EN ANIMALES SILVESTRES DE ZOOLOGICOS DE SAO PAULO, BRASIL RESUMEN La enfermedad de Chagas (o Tripanossomiasis Americana) es una zoonosis de carácter crónico, causada por el protozoário Trypanosoma cruzi (T.cruzi). En el ciclo silvestre, los insectos triatomíneos son importantes vectores, y pueden infectar roedores, marsupiales y otros animales silvestres, que constituyen los reservórios del parásito. Debido a la intensa destrucción del ambiente natural donde viven los animales, estos están siendo forzados a cambiar de hábitat. Los insectos vectores han se adaptado a fuentes alternativas de alimento, tanto en el peridomicílio, como en el intradomicílio, condiciones que pueden determinar el aumento de la incidencia de la enfermedad en humanos. Considerando la importancia de los animales silvestres como reservórios de T.cruzi, el objetivo del presente estudio fue evaluar, por hemocultura y Reación en Cadena por la Polimerase (PCR), la infección natural en algunos animales silvestres de tres zoológicos del Estado de Sao Paulo. Fueron colectadas muestras de sangre de tres grisons (Cerdocyon thous), tres coatis (Nasua nasua), un gamba (Didelphis marsupialis), una jaguatirica (Felis pardalis), un ciervo (Mazama gouazoubira), cinco tatús (Dasypus novemcinctus), y un oso hormiguero (Myrmecophaga tridactyla). Solamente dos de las tres muestras de sangre de los grisons fueron positivas por la hemocultura y por la PCR, entretanto una de las muestras que fue negativa en la hemocultura fue positiva por la PCR. Estos resultados muestran la importancia del grison como reservório de T.cruzi, en el ciclo epidemiológico de la enfermedad de Chagas. Palabras clave: Trypanosoma cruzi, hemocultura, PCR, animales silvestres, zoológico INTRODUÇÃO A doença de Chagas, ou Tripanossomíase Americana é uma zoonose de caráter crônico, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi (T.cruzi). Apresenta grande importância em saúde pública pela sua elevada freqüência e ampla distribuição na América Latina, com diferentes padrões de morbi-mortalidade (1). A população em risco de contrair esta enfermidade nas Américas é superior a 100 milhões de habitantes, dos quais fundamentalmente habitam áreas rurais e suburbanas, desenvolvendo atividades agrícolas ou pecuárias, na maioria dos casos, com grandes restrições econômicas (2). Além das mortes precoces em populações adultas, gera perdas na produtividade pelo absenteísmo, resultando em custo médico-social elevado, representado por tratamentos, internações hospitalares, cirurgias corretivas, utilização de marcapassos, entre outros. ISSN 0102-5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Zetun CB. et al. Infecção por Trypanosoma cruzi em animais silvestres procedentes de zoológicos do Estado de São Paulo. Vet. e Zootec. 2014 mar.; 21(1): 139-147. 141 A transmissão de T. cruzi usualmente envolve contato com as fezes de um inseto vetor (normalmente do Gênero Triatoma) ou sangue contendo parasitos viáveis (transmissão natural), e ainda por transfusões sanguíneas, transmissão congênita, transplante de órgãos, auto-inoculação em atividades laboratoriais, via oral (amamentação, alimentos contaminados com fezes ou urina de triatomíneos infectados; ou ingestão de triatomíneos infectados e canibalismo entre diferentes espécies animais) (3). Há três ciclos de transmissão vetorial do T. cruzi, sendo o de maior importância epidemiológica o ciclo doméstico, entre seres humanos, que constituem os principais reservatórios do parasita, além dos cães, gatos e, em alguns países, as cobaias. No ciclo silvestre, intervêm os triatomíneos que podem transmitir o parasito a roedores, marsupiais e outros animais silvestres. O terceiro ciclo é o peridoméstico, que envolve mamíferos (roedores domésticos, marsupiais, gatos e cães) que têm livre acesso às residências; além de triatomíneos silvestres, que são atraídos às casas, pela luz e alimento. Este ciclo atua como um elo entre os ciclos doméstico e silvestre (4). No início da década de 90, intervenções de controle tiveram sucesso na maior parte da América Latina, conseguindo reduzir a incidência da doença de Chagas em 60% no Paraguai e em mais de 99% no Uruguai e Chile (4-6). No entanto, com o controle químico do Triatoma infestans presume-se o surgimento de um novo cenário de epidemiologia endêmica da doença de Chagas, causado pela crescente taxa de domiciliação de espécies silvestres e peridomésticas (7, 8). Desde 1924, quando Chagas (9) confirmou a identificação do parasito encontrado em 1922 por Aben-Athar (10) em mico-de-cheiro (Saimiri scuireus), no estado do Pará, como sendo T.cruzi, algumas espécies de mamíferos selvagens, incluindo marsupiais, quirópteros, roedores e primatas nativos da Amazônia, têm sido descritos por vários autores como carreadores deste parasito; parasitos similares ao T. cruzi ou parasitos do “tipo cruzi” (11-13). Mais de 200 espécies de mamíferos silvestres estão envolvidas no ciclo epidemiológico da doença, dentre elas Cerdocion thous (cachorro-do-mato), e também gambás do Gênero Didelphis (14). No âmbito silvestre, numerosas espécies de mamíferos terrestres e arborícolas têm sido encontradas naturalmente infectadas pelo T.cruzi em todas as áreas endêmicas. Esta é uma relação aparentemente muito antiga que proporciona equilíbrio entre parasita e hospedeiro, sem dano para nenhuma espécie. Atenção especial é conferida aos reservatórios silvestres capazes de aproximarem-se do ser humano, especialmente alguns marsupiais (gambás, em geral) além de reservatórios sinantrópicos, tais como os roedores (15). A proximidade com o ciclo doméstico é facilitada pela grande mobilidade desses animais, sobretudo em condições resultantes da própria ação do homem, ao retirar-lhes a comida e o abrigo (ações extensivas sobre o meio natural, tais como arações, reflorestamentos e barragens) ou quando lhes proporciona comida e abrigo (coleta e armazenamento de grãos, criação de aves, construções rústicas, etc) (16-19). Esses animais não apenas levam o parasito para as cercanias do homem, mas também ajudam na dispersão dos triatomíneos que, freqüentemente, carreiam em sua pelagem (20, 21). Há um aumento progressivo na transmissão de doenças entre animais selvagens e domésticos e humanos. Mudanças ambientais influenciando essa transmissão podem ser de origem natural ou antropogênica, incluindo atividades de expansão, fragmentação de habitat, desmatamento, aquecimento climático e poluição. A emergência de doenças também envolve perda de biodiversidade e aumento na incidência de zoonoses (22, 23). Os principais fatores responsáveis pelo aumento da abrangência de áreas endêmicas são: 1) O desmatamento incontrolado e colonização, alterando o balanço ecológico entre hospedeiros reservatórios e vetores selvagens; 2) A adaptação de hospedeiros reservatórios de T. cruzi e vetores selvagens em áreas periféricas e intra-domiciliares, como a única alternativa ISSN 0102-5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Zetun CB. et al. Infecção por Trypanosoma cruzi em animais silvestres procedentes de zoológicos do Estado de São Paulo. Vet. e Zootec. 2014 mar.; 21(1): 139-147. 142 de alimentação; 3) A migração de populações humanas infectadas a partir de áreas endêmicas, acompanhadas de hospedeiros e reservatórios domésticos (cães e gatos), assim como o carregamento acidental na bagagem de vetores já adaptados ao habitat doméstico. Considerando a possibilidade da atuação de animais silvestres como reservatórios de T.cruzi, o objetivo do presente estudo foi avaliar, por hemocultura e Reação em Cadeia pela Polimerase (PCR), a infecção natural pelo parasito em animais silvestres de três zoológicos do estado de São Paulo. MATERIAL E MÉTODOS Animais Foram examinadas, durante o período de agosto de 2004 a agosto de 2005, três amostras de sangue de cachorros-do-mato (Cerdocyon thous); três amostras de sangue de quatis (Nasua nasua) e uma amostra de sangue de gambá (Didelphis marsupialis), todos procedentes do Parque Zoológico Municipal Quinzinho de Barros, em Sorocaba-SP; uma amostra de sangue de jaguatirica (Felis pardalis) e uma amostra de sangue de veado catingueiro (Mazama gouazoubira), procedente do Zoológico do Município de São Bernardo do Campo; cinco amostras de sangue de tatus-galinha (Dasypus novemcinctus), procedentes do Instituto Lauro de Souza Lima, em Bauru-SP, e uma amostra sanguínea de um tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) de vida livre. Os animais foram quimicamente contidos, com a administração de quetamina, xilasina ou tiletamina, de acordo com a dosagem recomendada para cada espécie animal. Foram colhidos 5 mL de sangue, por punção veno-jugular, utilizando-se tubos vacutainer contendo EDTA. As amostras foram imediatamente armazenadas sob refrigeração, em caixas de isopor, e transportadas ao laboratório para processamento. Hemocultura Para a realização da hemocultura, foram separados três tubos contendo 5mL de meio LIT (Liver Infusion Tryptose) estéril. A manipulação das amostras de sangue foi realizada em capela de fluxo laminar, previamente desinfetada com álcool 70° e mantida sob a ação de luz ultravioleta, durante pelo menos 15 minutos. Com uma seringa estéril de 1mL, retirou-se a porção plasmática e transferiu-se lentamente para o primeiro tubo. Este procedimento foi repetido para a porção leucocitária (localizada entre o plasma e o sedimento de hemácias), a qual foi transferida para o segundo tubo e, igualmente para o sedimento de hemácias, o qual foi transferido para o terceiro tubo. As culturas foram mantidas em estufa a 28-30ºC, por um período de até quatro meses após a inoculação, quando então foram submetidas à técnica de Reação em Cadeia pela Polimerase (PCR) para pesquisa do DNA de T.cruzi. Leitura das hemoculturas Após dez dias de incubação, realizou-se a primeira leitura, em capela de fluxo laminar. Para tanto, retirou-se, com seringa e agulha estéreis, 5 mL do conteúdo de cada tubo de cultura inoculado, colocando-se entre lâmina e lamínula. Realizou-se a leitura de pelo menos cinco lâminas por tubo. A observação foi realizada em microscópio óptico, em aumento de 1000X, com óleo de imersão. As culturas foram observadas quinzenalmente, durante quatro meses. As culturas positivas foram imediatamente processadas para a extração do DNA parasitário. Após o término dos quatro meses de acompanhamento das leituras, as culturas negativas também foram processadas para PCR. ISSN 0102-5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Zetun CB. et al. Infecção por Trypanosoma cruzi em animais silvestres procedentes de zoológicos do Estado de São Paulo. Vet. e Zootec. 2014 mar.; 21(1): 139-147. 143 Extração do DNA de Trypanosoma cruzi Tanto as culturas positivas quanto as negativas foram lavadas em Solução Salina Tamponada (PBS) estéril (pH 7,2) e centrifugadas a 1000 rpm por 10 minutos. O sedimento foi armazenado em microtubos estéreis, livres de DNAses e RNAses, sob congelamento (a - 20°C), até o momento da extração do DNA (24). Os procedimentos de extração de DNA e PCR foram realizados no Laboratório de Biologia Molecular Aplicado ao Diagnóstico de Zoonoses, da FMVZ-UNESP/Botucatu-SP. As amostras foram descongeladas à temperatura ambiente e após, homogeneizadas em vórtex durante 20 segundos. A suspensão foi centrifugada a 3000 rpm por dez minutos. O sobrenadante de cada amostra foi utilizado para a extração do DNA, em volume de 250µL. Homogeneizou-se vigorosamente em vórtex com 250µL de solução tampão de extração (200mmol de cloreto de sódio, 20mmol de Tris, 50mmol de EDTA), 1mg/mL de proteinase K e 2% de sódio-dodecil-sulfato (SDS), em microtubo de 1,5mL. Em seguida, os microtubos foram incubados a 56oC por uma hora e homogeneizados de 15 em 15 minutos. Foram adicionados 500µL de fenol, homogeneizando-se vigorosamente em vórtex, centrifugando-se a 13.000g por três minutos. A seguir, 300µL da fase aquosa foram cuidadosamente transferidos para novo microtubo de 1,5 mL. Foram adicionados 150µL de fenol:clorofórmio:álcool isoamílico, centrifugando-se a 13.000g por três minutos. Em seguida, foram transferidos 200µL da fase aquosa para novo microtubo de 1,5mL, adicionando-se então 36µL de acetato de sódio 2M e 472µL de etanol absoluto gelado, mantendo-se os microtubos a -80oC por duas horas. Após esse período, as amostras foram centrifugadas a 13.000g durante 10 minutos, vertendo-se o etanol cuidadosamente e adicionando-se 470µL de etanol 70%. Os microtubos foram homogeneizados cuidadosamente e centrifugados a 13.000g durante 10 minutos, retirando-se o etanol. A seguir, os microtubos permaneceram abertos à temperatura ambiente para secagem. As amostras de DNA foram ressuspendidas em 50µL de água ultra pura e armazenadas a -20oC até a realização da PCR. PCR para pesquisa do DNA de T.cruzi Cada tubo de reação de 0,2mL recebeu 5µL de tampão de PCR (50mmol KCl, 10mmol de Tris-HCl), 1,5 U de Taq-polimerase, 10pmol de cada oligonucleotídeo, 10µL da amostra a ser testada e 15,2µL de água ultra pura (MIX-PCR). Portando, cada tubo continha 40µL do MIX-PCR e 10µL da amostra de DNA. As condições de amplificação em termociclador (GeneAmp PCR System 9600) foram: um ciclo para desnaturação inicial a 96◦C por 2 minutos; desnaturação, anexação dos iniciadores e alongamento em 30 ciclos por um minuto cada a 94◦C, 60◦C e 72◦C, respectivamente; e um ciclo de 72◦C por dez minutos. Para amplificação dos fragmentos de minicírculos de kDNA, foram utilizados os iniciadores P35 (5’ AAATAATGTACGGGGGAGATGCATGA 3’) e P36 (5’ GGGTTCGATTGGGGTTGGTGT 3’) (25). Nesta reação, os produtos resultantes apresentam 330 pares de base (pb) de comprimento, correspondendo à amplificação do fragmento contendo uma região específica do minicírculo de kDNA do T.cruzi (26). A cepa Y do T.cruzi foi utilizada como controle positivo da reação, enquanto o TNE (Tris-NaCl-EDTA) e o MIX-PCR foram utilizados como controles negativos. Os produtos amplificados foram visualizados após a eletroforese em gel de agarose a 1,5%, corado com brometo de etídeo. ISSN 0102-5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Zetun CB. et al. Infecção por Trypanosoma cruzi em animais silvestres procedentes de zoológicos do Estado de São Paulo. Vet. e Zootec. 2014 mar.; 21(1): 139-147. 144 RESULTADOS E DISCUSSÃO Duas das três amostras de sangue de cachorros-do-mato foram positivas à hemocultura, revelando formas epimastigotas ativas. Estas amostras foram também positivas pela PCR para T. cruzi. A outra amostra de sangue de cachorro-do-mato, que havia sido negativa à hemocultura, foi positiva pela PCR, sugerindo resultado falso-negativo pela hemocultura. Como não havia dados disponíveis sobre a procedência destes animais (se capturados ou nascidos no zoológico), não foi possível estabelecer a origem da infecção. No entanto, estes resultados sugerem que os cachorros-do-mato, mesmo em cativeiro, podem estar suscetíveis à infecção por T.cruzi. Em estudos realizados em parques nacionais, os três principais fatores que estão modulando o ciclo de transmissão do T.cruzi entre pequenos mamíferos, são: I) perda de biodiversidade; II) aumento da abundância de marsupiais; III) variação sazonal. Sugere-se que estes mesmos fatores devam influenciar a infecção pelo parasito em mamíferos de médio porte (como o cachorro-do-mato) e os de grande porte, em outras regiões do país (27). No presente estudo, as amostras de sangue das demais espécies animais avaliadas foram negativas, tanto pela hemocultura, quanto pela PCR para T.cruzi. Estes resultados diferem dos verificados por Lainson et al. (12), que avaliaram 1.197 animais silvestres do Estado do Pará, para pesquisa de hemoflagelados. Parasitos semelhantes ao T. cruzi foram encontrados em 13 diferentes espécies, e foram particularmente comuns em uma variedade de marsupiais (Didelphinae), porcos-espinhos (Coendou spp), tatus (Dasypus novemcinctus) e quatis (Nasua nasua). Em outro estudo, realizado na Carolina do Norte, EUA, T.cruzi foi isolado em 1/12 (8,3%) gambás (Didelphinae) e 3/20 (15%) “raccons” (Procyon lotor) (28). Por outro lado, a ausência de infecção em alguns animais silvestres também foi verificada por xenodiagnóstico em um total de 74 mamíferos selvagens pertencentes a onze espécies (29). Apesar da infecção pelo parasito ter sido detectada em 10/28 (35,7%) gambás (Didelphis albiventris), nenhum dos 46 mamíferos restantes (seis Conepatus chinga, um Monodelphis dimidiata, oito Chaetophractus vellerosus, três Tolypeutes matacus, sete Oligoryzomys spp., dois Akodon spp., dois Callomys venustus, um Felis geoffroyi e quinze Desmodus rotundus) estavam infectados. A baixa taxa de infecção dos hospedeiros reservatórios colhidos pode ser um reflexo de uma reduzida densidade de triatomíneos nos locais de procedência dos animais, ou sugere que a infecção seja principalmente transmitida por canibalismo ou necrofagia. De toda maneira, devido ao reduzido número das demais espécies silvestres avaliadas, não foi possível descartar a possibilidade destas como possíveis reservatórios do parasito. Em um estudo com 141 animais do Parque Ecológico de “El Zapotal” no México, sendo 118 roedores (83,7% do total da amostra); 19 gambás (13,5%), e quatro morcegos (2,8%) (30), a infecção por T.cruzi, foi detectada por microscopia direta do sangue, xenodiagnóstico, hemocultura e exames histopatológicos. Treze animais foram positivos, representados por apenas três espécies: dois roedores, Peromyscus mexicanus (5/80, 6,3%) e Heteromys desmaretianus (6/34, 17,6%) e um gambá, Didelphis virginiana (2/12, 6,3%). Apesar do relato da presença de alguns triatomíneos, por moradores do parque, nenhum espécime foi encontrado na área. Na Mata Atlântica Costeira verificou-se um distinto cenário enzoótico, em que o mico- leão-dourado (Leontopithecus rosalia) foi a espécie mais infectada (52%), em comparação com marsupiais (5,3%) e roedores (18%) (31). Todas as infecções em L. rosalia eram pela linhagem 1, enquanto os isolados de outros mamíferos pertenciam à linhagem 2, sugerindo que a dispersão de T. cruzi no ambiente silvestre pode ocorrer simultaneamente por ciclos de transmissão distintos e independentes, os quais estariam regulados por fatores ainda desconhecidos, que não incluem estrato florestal. Provavelmente, o ciclo de transmissão silvestre é muito mais complexo do que o assumido até o momento. Alguns ISSN 0102-5716 ISSN Eletrônico 2178-3764 Veterinária e Zootecnia Zetun CB. et al. Infecção por Trypanosoma cruzi em animais silvestres procedentes de zoológicos do Estado de São Paulo. Vet. e Zootec. 2014 mar.; 21(1): 139-147. 145 tripanosomatídeos de mamíferos infectam inúmeros hospedeiros vertebrados e invertebrados, circulando, portanto, por dezenas de diferentes espécies de insetos e mamíferos em ecótopos distintos. Conseqüentemente, os surtos da doença são influenciados por diversos fatores, tais como a presença de carreadores, reservatórios silvestres, concentração de animais, vetores infectados e reprodução dos triatomíneos, condições que sofrem a influência de características ambientais. Especial atenção deve ser conferida a profissionais que mantêm contato frequente com animais silvestres, como médicos veterinários, biólogos, tratadores, entre outros, cujas atividades se concentram em locais como zoológicos e criatórios, onde há possibilidade de ocorrência de vetores da tripanossomíase. CONCLUSÃO A espécie Cerdocyoun thous (cachorro-do-mato), mesmo em cativeiro, está suscetível à infecção por T.cruzi, podendo desempenhar importante papel no ciclo epidemiológico da doença de Chagas. AGRADECIMENTOS Às direções e aos funcionários do Parque Zoológico Municipal Quinzinho de Barros (Sorocaba-SP), do Zoológico do Município de São Bernardo do Campo-SP, e do Instituto Lauro de Souza Lima (Bauru-SP), pela autorização e auxílio na colheita de sangue dos animais. REFERÊNCIAS 1. De Lima H, Carrero J, Rodriguez A, De Guglielmo Z, Rodríguez N. Trypanosomatidae de importancia en salud pública en animales silvestres y sinantrópicos en un area rural del município Tovar del estado Mérida, Venezuela. Biomédica. 2006;26:42-50. 2. World Health Organization. Second report of the WHO Expert Committee, Control of Chagas’ disease. Geneve: WHO; 2002. p.55-63. Technical report series, 905. 3. Navin TR, Roberto RR, Juranek DD, Limpakarnjanarat K, Mortenson W, Clover JR, et al. 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