RAFAEL DE SOUZA ALVES NAÇÃO CRIOULA: estudo sobre a releitura da personagem Fradique Mendes ASSIS 2016 RAFAEL DE SOUZA ALVES NAÇÃO CRIOULA: estudo sobre a releitura da personagem Fradique Mendes Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestre em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e Vida Social) Orientador: Prof. Dr. Rubens Pereira dos Santos ASSIS 2016 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp A474n Alves, Rafael de Souza. Nação crioula: estudo sobre a releitura da personagem Fradique Mendes / Rafael de Souza Alves. Assis, 2016. 93 f. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista Orientador: Prof. Dr. Rubens Pereira dos Santos 1. Mendes, Carlos Fradique. 2. Literatura angolana (Português). 3. Agualusa, José Eduardo – 1960 – Nação crioula. I. Título. CDD 869.899 Com muito carinho aos meus pais, Sinézio e Rose, e à minha namorada Daniela, por todo apoio e incentivo. AGRADECIMENTOS Muitos foram aqueles que fizeram parte desta caminhada até aqui, durante estes anos, nos quais muitas pessoas passaram e, cada um a seu modo, muito contribuíram não apenas para o desenvolvimento de minha pesquisa, mas também para meu crescimento como ser humano. Pensando nisto, me esforçarei para tentar não deixar de citar todos aqueles que tiveram grande importância em minha vida, acadêmica ou não, durante este período que se iniciou na Graduação e se estende até o Mestrado. Primeiramente gostaria de agradecer a Deus, por tudo que me proporciona a cada dia, por ser meu pilar de sustentação a cada vez que o desânimo ou as dúvidas apareciam, e aparecem, sempre me trazendo paz e tranquilidade e me ajudando a superá-las. Em especial à minha namorada Daniela de Oliveira Lima que, presente durante todo este tempo, carinhosamente me apoiou, me aconselhou e me acolheu mesmo nos momentos mais complicados, sempre com uma palavra positiva e um lindo sorriso. Obrigado também por toda a disposição em ler, reler e revisar este trabalho. Ao meu orientador, Prof. Dr. Rubens Pereira dos Santos, por toda a disponibilidade, atenção e paciência sempre que precisei, pelas indicações, conversas e sugestões que foram de grande importância para o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço, também, por me apresentar o fascinante mundo das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Aos meus pais, Sinézio e Rosemary, que, apesar da distância, sempre me apoiaram, das mais diversas maneiras possíveis. Tudo que conquistei foi possível graças a vocês, que acreditaram e me incentivaram a sempre seguir adiante, apesar de todas as dificuldades. Vocês são meus exemplos. À minha irmã Marianne, sempre amiga, exemplo de dedicação e comprometimento, pelas longas conversas e momentos de descontração, mesmo estando distante. Muito obrigado, irmãzinha! Ao Prof. Dr. Márcio Roberto Pereira, pelas críticas, sugestões e indicações em relação a este trabalho durante o Exame de Qualificação, e aos professores Dr. Francisco Cláudio Alves Marques e Dr .a Susana Ramos Ventura pelas questões, observações e sugestões que foram de grande importância para seu melhor desenvolvimento. Aos amigos, Ana Maria Lange Gomes, Bruna Carolina de Almeida Pinto, Clauber Ribeiro Cruz e Wesley Dartagnan Salles pelo apoio e motivação, além das conversas, viagens e bons momentos, fossem estes de caráter acadêmico ou não. Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação e da Biblioteca “Acácio José Santa Rosa”, da UNESP / Assis, por toda a paciência, atenção e disposição. À CAPES, que me permitiu, através da bolsa de estudos, desenvolver a presente pesquisa. “Victorino não simpatizou com ele. Irritavam- no as opiniões definitivas de Fradique, o seu ceticismo, a facilidade com que, recém- desembarcado, já teorizava sobre todos os grandes problemas de Angola. Irritava-o ainda mais aquilo que ele próprio definia como “a encadernação”: a casaca perfeitamente ajustada ao tronco, a camisa sem mácula, a pérola no esplendor do peitilho. Quase se ofendeu quando lhe propus que o convidasse para cear em nossa casa: “Aquilo não é um homem”, murmurou, “é uma invenção literária”. Suspeito que sentia ciúmes.” (José Eduardo Agualusa) ALVES, Rafael de Souza. Nação Crioula: estudo sobre a releitura da personagem Fradique Mendes. 2016. 93f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”, Assis, 2016. RESUMO Fradique Mendes é uma personagem criada entre 1868 e 1869 por Antero de Quental, Jaime Batalha Reis e Eça de Queirós como poeta e que, alguns anos mais tarde, reaparece em A Correspondência de Fradique Mendes (1900), romance escrito por Eça de Queirós. Esta personagem é retomada por José Eduardo Agualusa, em Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes (1997), obra na qual o escritor apresenta, através da publicação de suas cartas, aquela que seria uma parte desconhecida da história de Fradique Mendes, sua viagem para a África. Esta dissertação tem como objeto de estudo o protagonista do romance angolano e para seu desenvolvimento optamos por sua divisão em três capítulos, nos quais discutiremos a releitura da personagem por José Eduardo Agualusa e sua inserção neste novo contexto, em contato com outras culturas, como a angolana e a brasileira. Pretendemos analisar as características, a maneira como se realiza sua adaptação, assim como a relação com temas como o tráfico de escravos entre África e Brasil. Esta pesquisa nos possibilita refletir sobre como o autor, por meio da retomada desta personagem, discute questões como a relação entre estes três países. Palavras-chave: Personagem. Fradique Mendes. Nação Crioula. Literatura Angolana. José Eduardo Agualusa. ALVES, Rafael de Souza. Nação Crioula: study about the re-reading of the character Fradique Mendes. 2016. 93f. Dissertation (Master in Letters) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”, Assis, 2016. ABSTRACT Fradique Mendes is a character created between 1868 and 1869 by Antero de Quental, Jaime Batalha Reis and Eça de Queirós as a poet and, a few years later, reappears in A Correspondência de Fradique Mendes (1900) novel written by Eça de Queirós. This character is resumed by José Eduardo Agualusa in Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes (1997), a work in which the writter presents, through the publication of his letters that would be an unknown part of the history of Fradique Mendes, his trip to África. This dissertation has as object of study the protagonist of the Angolan novel and for its development we chose to divide it in three chapters, in which we will discuss the re-reading of the character by José Eduardo Agualusa, the insertion in this new context, in contact with other cultures, such as Angolan and Brazilian. We intend to analyze the characteristics, the way how is realized its adaptation, as well as the relation with themes such as the slavery between Africa and Brazil. This research allow us to reflect how the author, through the resumption of this character, discuss questions as the relationship between these three countries. Key words: Character. Fradique Mendes. Nação Crioula. Angolan Literature. José Eduardo Agualusa. SUMÁRIO Considerações iniciais ............................................................................................................ 11 Capítulo 1 – Fradique Mendes : da poesia à luta antiescravista ........................................ 18 1.1 Fradique Mendes ............................................................................................................... 19 1.1.1 O poeta ............................................................................................................................. 19 1.1.2 Fradique Mendes e O Mistério da Estrada de Sintra ...................................................... 21 1.1.3 A Correspondência de Fradique Mendes ........................................................................ 23 1.2 Nação Crioula: a luta contra a escravidão ......................................................................... 25 1.2.1 A luta contra a escravidão ............................................................................................... 25 1.2.2 Romance epistolar ........................................................................................................... 26 1.2.3 A personagem .................................................................................................................. 32 Capítulo 2 – Fradique Mendes e suas relações com Angola, Brasil e Portugal ................ 39 2.1 Primeiras impressões ......................................................................................................... 42 2.2 Angola ................................................................................................................................ 43 2.3 Brasil ................................................................................................................................... 51 2.4 Portugal ............................................................................................................................... 56 2.5 Um português em trânsito .................................................................................................. 59 Capítulo 3 – Entre escravos e negreiros: a escravidão, o espaço e o trânsito em Nação Crioula ..................................................................................................................................... 64 3.1 A escravidão em Nação Crioula ........................................................................................ 67 3.2 Escravos e negreiros ........................................................................................................... 69 3.3 O espaço ............................................................................................................................. 77 3.4 Trânsitos ............................................................................................................................. 83 Considerações finais ............................................................................................................... 87 Referências ............................................................................................................................. 91 11 CONSIDERAÇÔES INICIAIS Em literatura nos deparamos, algumas vezes, com personagens que transpõem as obras das quais se originaram, tornando-se conhecidas mesmo por aqueles que nunca tiveram contato com os livros das quais participam, casos como os de Dom Quixote ou Sherlock Holmes, por exemplo. Há também a possibilidade de nos depararmos com uma personagem transitando entre obras, sejam estas do mesmo autor ou até mesmo de diferentes escritores, inseridas em outros contextos ou mesmo propondo uma releitura. Temos, neste caso, o romance Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes, escrito por José Eduardo Agualusa e publicado em 1997. Nesta obra Fradique Mendes é retomado pelo autor angolano para protagonizar sua história, apresentada através do gênero epistolar. Carlos Fradique Mendes foi criado no final da década de 1860, em Portugal, por um grupo de amigos que "tinha o ideal comum de tirar o seu país do obscurantismo, do atraso intelectual e das amarras da religião" (THIMÓTEO, 2001, p.24). A “Geração de 70” consistia em um grupo de jovens intelectuais de diversas áreas, liderados por Antero de Quental e que contava ainda com nomes como Eça de Queirós, Teófilo Braga, Oliveira Martins e Jaime Batalha Reis, entre outros. Segundo Massaud Moisés (1994), esta geração “empenhada em mudar os padrões políticos, econômicos, sociais, religiosos, culturais e estéticos de sua época, encontravam na Arte um eficaz meio para expressar suas ideias.” (p.139). O grupo estivera ligado à Questão Coimbrã, ocorrida entre os anos de 1865 e 1866, considerada o marco inicial do Realismo em Portugal. Em relação a este desentendimento entre os dois grupos, de um lado liderado por Antônio Feliciano de Castilho e de outro por Antero de Quental, Benjamin Abdala Júnior afirma A polêmica envolveu partidários dos dois lados e assinala o triunfo de uma nova camada de intelectuais, mais atualizada e dinâmica, sobre o provincianismo dos ultra-românticos portugueses. Mais do que isso: assinala o triunfo de uma concepção de literatura que tinha como objetivo central a intervenção do escritor no sentido de diagnosticar os problemas sociais do país. Pretendiam uma revolução no pensamento e na sociedade, como ocorria na Europa. (1982, p.101). Os partidários do Realismo haviam saído vitoriosos e, em 1868, se reuniram novamente e formaram o Cenáculo, em Lisboa, assim como decidiram por organizar as Conferências do Cassino, iniciando suas apresentações em 1871. Tais reuniões tinham como objetivo, segundo Massaud Moisés, “conscientizar a Nação, acordando-a para as 12 transformações sócio-político-econômicas por que atravessava o resto da Europa (1994, p.102). Totalizavam, conforme o programa, dez conferências, das quais Antero de Quental encarregou-se da abertura, em 22 de maio daquele ano, intitulada “O espírito das conferências”, na qual apresenta sua proposta, de “inserir Portugal no contexto europeu, fazendo-o acompanhar as novas tendências culturais do século” (MOISÉS, 1994, p.102). A segunda, sob as “Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos”, também foi proferida por Antero. Na sequência, Augusto Soromenho discutia “A literatura portuguesa”. A quarta conferência foi apresentada por Eça de Queirós com o título de “A literatura nova (o Realismo como nova expressão da arte)”, em que defendia o Realismo como “a expressão artística mais consentânea com os novos tempos” (MOISÉS, 1994, p.103). Adolfo Coelho apresentou “O ensino”, que acabou sendo a última a se realizar. As conferências seguintes, “Os historiadores críticos de Jesus”, por Salomão Sáraga, “O socialismo”, de Jaime Batalha Reis, “A república”, de Antero de Quental, “A instrução primária”, de Adolfo Coelho, e “A dedução positiva da ideia democrática”, de Augusto Fuchini, foram proibidas por meio de portaria, de autoria do Marquês d’Ávila e de Bolama, que alegava que estas conferências ofendiam as leis do reino, e “propunham sustentar doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas do Estado” (MOISÉS, 1994, p.103). A suspensão das Conferências do Cassino Lisboense causou polêmica e gerou protestos, mas elas acabaram por não se realizar. A personagem surgiria em meio a este grupo, pelas mãos de três de seus integrantes, Antero de Quental, Jaime Batalha Reis e Eça de Queirós. Fradique Mendes apareceria pela primeira vez com a publicação de algumas poesias, ainda em 1869. Mas sua “existência” não se resumiria ao poeta. Eça de Queirós, dentre os três idealizadores da personagem, foi aquele que deu continuidade à sua existência fictícia. Escreveu, junto de Ramalho Ortigão, o romance epistolar O Mistério da Estrada de Sintra, antes de se dedicar, em 1888, à publicação em formato de folhetim das cartas de Fradique Mendes que, anos mais tarde, comporiam o livro A Correspondência de Fradique Mendes (1900). O autor nasceu em 25 de novembro de 1845, em Póvoa do Varzim e faleceu em Paris, em 16 de Agosto de 1900. Formou-se em Direito, em 1866, em Coimbra, cidade onde tivera contato com outros jovens intelectuais que fariam parte, junto dele, da conhecida Geração de 70 e do Cenáculo. Apesar de se tornar um dos mais importantes nomes deste período, não havia participado diretamente da Questão Coimbrã, em 1865. Após se formar, exerce a profissão primeiramente em Évora e, depois, Lisboa. Algum tempo depois se torna Consul, o que lhe propicia uma vida de contato 13 com a realidade de outros países. Primeiro atuou na América Central, na cidade de Havana, em Cuba, entre 1872 e 1873. Esta sua primeira experiência durou pouco tempo, pois meses depois é chamado para voltar a Lisboa. É enviado à Inglaterra, primeiro para Newcastle, em 1874, e depois para Bristol, em 1878. Por fim, ainda em 1878, é enviado para Paris, onde viveria o restante de sua vida. Em relação à sua obra, alguns estudiosos optam por dividi-la em três fases, de acordo com a predominância do estilo usado pelo autor. Para Maria Aparecida Ribeiro, estas fases se definem por uma inicial, de predominância do espírito romântico, seguida por outra de olhar realista-naturalista, tendo, por fim, uma de “modos que marcam sua superação” (REIS, 2000, p.183): [...] pode-se falar em três fases na obra de Eça de Queirós: a que vai dos seus primeiros escritos na Gazeta de Portugal (Mar. 1866-Dez. 1867), postumamente reunidos sob o título Prosas Bárbaras, até a publicação d’O Mistério da Estrada de Sintra (1870); a que se inicia com a participação nas Conferências do Cassino e a colaboração n’As Farpas (1871-1872), da qual O Crime do Padre Amaro (1880) e O Primo Basílio (1878) são romances exemplares; e, finalmente, a que se anuncia com a carta-prefácio de O Mandarim (1884) (...) para mostrar-se em pleno n’A Correspondência de Fradique Mendes (1888, ed. em livro: 1900), n’A Ilustre Casa de Ramires (1900) e n’A Cidade e as Serras (1901) (2000, p.183-184) Massaud Moisés define estes três momentos sendo o primeiro como de inspiração romântica e pouca preocupação formal, entre 1886 e 1874, o segundo mais realista, abrangendo O crime do padre Amaro, O primo Basílio, A relíquia e Os Maias. O último apresentaria outras fontes de inspiração e maior preocupação estilística, onde estariam A ilustre casa de Ramires, A cidade e as serras e Últimas páginas. (1994, p.140-141). Alguns aspectos a se notar na produção de Eça de Queirós são o emprego da ironia e as constantes revisões a que o autor submetia sua obra. No primeiro caso, torna-se uma característica da linguagem do autor, mais presente na segunda fase, mas que acaba por ser menos utilizada em seu último período, quando se volta para as questões espirituais. No que se refere às revisões, Massaud Moisés afirma: Eça torna-se ao longo de sua vida um artífice da língua. Escreve e reescreve cada página, num incansável trabalho estilístico, documentado pelas edições de seus romances, sempre emendados e melhorados a cada revisão: é o inigualável burilador do discurso [...] (1994, p.141). Maria Aparecida Ribeiro afirma que isso se deve à reflexão constante, por parte do autor, unida à preocupação realista da busca da verdade. (2000, p.182). Temos, como 14 exemplo, as revisões em O Crime do Padre Amaro, em O Primo Basílio, além de O Mistério da Estrada de Sintra, O Mandarim, A Ilustre Casa de Ramires e Os Maias. Segundo Maria Nazareth Soares (2001), Fradique Mendes é considerado, por alguns leitores e críticos, como alter-ego de Eça de Queirós. Podemos notar em comum, por exemplo, a ironia presente nas cartas de Fradique Mendes e a visão crítica em relação à sua pátria, Portugal. A personagem, embora Eça de Queirós tenha falecido em 1900, ainda é revisitada por escritores contemporâneos com alguma frequência. Em Nação Crioula, por exemplo, acompanhamos outra parte da história do dândi português, desta vez através da narrativa composta por um escritor angolano. José Eduardo Agualusa Alves da Cunha 1 nasceu em Angola, na cidade de Huambo, em 1960 e estudou Silvicultura e Agronomia em Lisboa, Portugal. Como escritor, se beneficiou de três bolsas de criação literária, sendo a primeira em 1997, pelo Centro Nacional de Cultura, para escrever Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes, objeto de nosso estudo, a segunda em 2000, pela Fundação Oriente, quando escreveu Um estranho em Goa, e a terceira em 2001, quando escreveu O ano em que Zumbi tomou o Rio, cedida pela instituição Deutscher Akademischer Austauschidienst, da Alemanha. É autor de peças de teatro, algumas junto de Mia Couto, como A caixa preta e Chovem amores na Rua do Matador, além de poesias, romances, contos e crônicas. O autor escreve crônicas para o portal Rede Angola, para a revista Ler, de Portugal, e o jornal O Globo, do Brasil. Apresenta um programa de música e literaturas africanas para a RDP África, chamado A hora das cigarras. Também é membro da União dos Escritores Angolanos. Suas obras são traduzidas e publicadas em vários países, sendo um dos escritores angolanos contemporâneos mais lidos no Brasil, juntamente com Mia Couto. Entre estas obras podemos citar A Conjura (1989), A Estação das Chuvas (1996), Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes (1997), Um Estranho em Goa (2000), O Ano em que Zumbi tomou o Rio (2002), O Vendedor de Passados (2004), Barroco Tropical (2009), Teoria Geral do Esquecimento (2012) e A Rainha Ginga e de como os africanos inventaram o mundo (2014). 1 Os dados referentes à biografia do autor foram consultados nos sites www.agualusa.pt (acesso em 10/12/2015) e http://www.ueangola.com/bio-quem/item/832-jos%C3%A9-eduardo-agualusa (acesso 12/12/2015). http://www.agualusa.pt/ http://www.ueangola.com/bio-quem/item/832-jos%C3%A9-eduardo-agualusa 15 Entre as premiações que recebeu, podemos citar o prêmio Sonangol de Literatura por A Conjura, em 1989, Grande Prêmio de Literatura da RTP, por Nação Crioula, em 1997, Prêmio independente de Ficção Estrangeira, pelo diário britânico The Independent, em 2007 por O Vendedor de Passados, entre outros. O autor faz parte de uma nova geração de escritores angolanos que, segundo Márcia Valéria Zamboni Gobbi, “se seguiu à dos já aclamados José Luandino Vieira e Pepetela, cuja produção literária está marcadamente ligada à guerra colonial e às lutas pela independência” (2012, p.135). A autora ainda observa que: A geração a que Agualusa pertence, pós-revolucionária, não deixa de estar atenta ao passado de lutas da Nação, mas sua literatura parece adquirir traços menos testemunhais, abrindo-se, em grande medida, a uma realidade que ultrapassa questões mais afeitas à construção de uma identidade própria, autônoma, nacional – à busca, enfim, de um sentido de angolanidade. Nela ecoa, por isso, certa necessidade de diálogo com uma tradição cultural e linguística que, parece-lhes hoje, não pode ser negada, ainda que necessite ser redimensionada. (GOBBI, 2012, p.135). Em algumas de suas obras podemos detectar este caráter de diálogo entre culturas, especialmente a angolana, brasileira e portuguesa, tais como o livro de contos Manual Prático de Levitação (2005), composto por vinte contos que se dividem em três partes (Angola, Brasil e Outros lugares de errância) e o próprio romance Nação Crioula (1997), no qual o protagonista viaja entre estes três países, entrando em contato com diferentes culturas, seus costumes e tradições. Em Nação Crioula José Eduardo Agualusa retoma a personagem e narra, através de suas cartas, a história de seu envolvimento com a jovem angolana Ana Olímpia, ex-escrava e uma das mais ricas pessoas do país, durante a segunda metade do século XIX, colocando-o frente ao problema do tráfico de escravos entre África e América. E Fradique Mendes, europeu, “representação do homem livre, salvo da tirania das ideias feitas, liberto do modelo de educação servil e livresca que embota o espírito e amortece a curiosidade” (FONSECA, 2001, p.255) entrará em contato com culturas distintas, em terras angolanas e brasileiras, com seu olhar interessado, afeito a aquisição de conhecimento através da inserção em meio a outras sociedades, descreverá suas observações, opiniões e críticas em sua correspondência, enviada à Madame de Jouarre, Ana Olímpia ou Eça de Queirós. O autor se utiliza, para constituir a narrativa, da epistolografia, usada pelo escritor português na segunda parte de A Correspondência de Fradique Mendes. E, mesmo se tratando de uma retomada da 16 personagem, a obra angolana dialoga com o texto queirosiano, recuperando algumas de suas passagens e personagens, como Madame de Jouarre. A proposta desta pesquisa é o estudo do protagonista de Nação Crioula, Fradique Mendes, recuperado por José Eduardo Agualusa quase um século após a publicação do romance queirosiano. A personagem da obra angolana mantém algumas características do dândi d’A Correspondência de Fradique Mendes, assim como outras lhe são conferidas. Seu contato com o sistema escravista e, principalmente, sua relação com Ana Olímpia o forçarão a assumir outra postura, revelando-se, segundo Silvio Renato Jorge, “profundamente questionador acerca de suas próprias raízes” (2001, p.364), olhando de maneira diferente para as relações entre Angola, Brasil e Portugal. Para o desenvolvimento da dissertação, optamos por dividi-la em três capítulos. No primeiro nos dedicamos ao estudo da personagem, iniciando com uma retomada acerca da criação de Fradique Mendes, desde seu aparecimento como poeta satânico até a publicação de A Correspondência de Fradique Mendes para, então, passarmos ao estudo do protagonista de Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes. Achamos interessante, entretanto, discorrer brevemente acerca da forma escolhida por José Eduardo Agualusa para compor a narrativa, em formato de romance epistolar, uma vez que acompanhamos a história por meio das cartas da personagem, onde são expressas suas impressões e opiniões. Cabe ressaltar que há pesquisas sobre este tema, como a dissertação A proximidade discursiva nas cartas dos romances A Correspondência de Fradique Mendes, de Eça de Queiroz e Nação Crioula: a Correspondência secreta de Fradique Mendes, de José Eduardo Agualusa (2015), de Daniela de Oliveira Lima, que desenvolve um estudo comparativo entre as duas obras. Em seguida, atentamos para a questão da personagem, sua adaptação a outro contexto e suas características. Neste capítulo nos apoiamos em teorias de Antonio Candido, Beth Brait, Roland Bourneuf e Réal Ouellet, E. M. Forster, Donaldo Schüler, Maria Nazareth Soares Fonseca, Isabel Pires de Lima, entre outros, para o desenvolvimento da analise da personagem. O segundo capítulo foi dedicado à questão das relações da personagem com Angola, Brasil e Portugal. Destacamos suas impressões referentes aos locais em que se encontra, suas culturas, costumes e tradições, observando como a carga de preconceitos que carregava vai se diluindo conforme se insere nestas sociedades e com elas interage. Observamos também suas características, em que medida estas o diferenciam do Fradique Mendes de Eça de Queirós, 17 assim como as que José Eduardo Agualusa opta por manter em seu protagonista. Por fim, abordamos seu posicionamento frente a estas diferentes culturas, uma vez que a personagem representa a figura do português em passagem por uma colônia e uma ex-colônia de Portugal. Para este capítulo recorremos a teóricos como Tânia Macedo, Francisco Salinas Portugal, Albert Memmi, Boaventura Sousa Santos, entre outros. No último capítulo deste trabalho, optamos por abordar a relação da personagem com a escravidão e do tráfico de escravos, como o português se posiciona frente a esta realidade, através de sua correspondência. Também discutimos a questão do espaço e do trânsito 2 em Nação Crioula. No que se refere ao espaço, analisamos sua importância, assim como a maneira como afeta as personagens. Por fim, abordamos como o protagonista observava este constante tráfico de pessoas, em sua grande maioria escravos, entre África e América e qual sua contribuição no desenvolvimento do Brasil. Para o desenvolvimento deste capítulo final, recorremos a teóricos como Osman Lins, Antônio Dimas e Roland Bourneuf e Réal Ouellet, que foram de grande auxílio para a compreensão dos aspectos referentes ao estudo do espaço, além de Alberto da Costa e Silva e Tania Macêdo. Desta forma, esta dissertação tem como objetivo o estudo da personagem Carlos Fradique Mendes, protagonista do romance Nação Crioula. O autor se utiliza de uma passagem da obra de Eça de Queirós, referente a uma viagem à África, para apresentar sua correspondência secreta que continha parte desconhecida de sua vida. E através desta viagem, narrando a história do amor entre o português e a jovem angolana Ana Olímpia, discute questões relacionadas ao tráfico de escravos e ao colonialismo da segunda metade do século XIX entre Angola, Brasil e Portugal, adaptando a personagem a outro contexto. Buscamos, neste trabalho, discutir questões relacionadas a releitura desta personagem por José Eduardo Agualusa, que confere a Fradique Mendes um olhar crítico acerca das relações entre estes três países, suas características e seu posicionamento frente a estas novas situações. 2 Optamos pela utilização do termo “trânsito” para tratar da constante movimentação de pessoas e mercadorias entre os continentes, como é o caso de Fradique Mendes, por exemplo, que viaja entre África, América do Sul e Europa durante a narrativa, não apenas do tráfico de escravos. 18 CAPÍTULO I FRADIQUE MENDES – DA POESIA À LUTA ANTIESCRAVISTA No final dos anos de 1860, em Portugal, surgia das ideias de um grupo de jovens escritores uma das personagens que marcaria presença em diversas obras, não apenas do período em que compreende sua criação, o final do século XIX, mas também em obras produzidas mais de um século depois: Carlos Fradique Mendes. Inicialmente um poeta satânico, a personagem foi criada por Antero de Quental, Eça de Queirós e Jaime Batalha Reis como autor de duas coleções de poesias publicadas em jornais e, mais tarde, figuraria em mais dois romances de autoria de Eça de Queirós. De acordo com Antônio Campos Matos (1993), três são as personagens que poderiam se considerar: “A 1. a que é um heterônimo coletivo criado entre 1868 e 1869 por Jaime Batalha Reis, Antero de Quental e Eça, nos tempos do Cenáculo de Lisboa; A 2. a que surge episodicamente n’O Mistério da Estrada de Sintra, em 1870, e finalmente a que Eça retoma individualmente com a publicação da Correspondência de Fradique Mendes em 1888-1900” (p.436) O romance A Correspondência de Fradique Mendes marcou a última aparição da personagem pelas mãos de Eça de Queirós, sendo o único de sua exclusiva autoria. Mas Fradique Mendes sobreviveria à morte de seu criador, em 1900, e apareceria em outros romances muitos anos depois da publicação do romance queirosiano. Exemplo disto é Nação Crioula, escrito por José Eduardo Agualusa, quase cem anos após a publicação da biografia e das cartas da personagem, e objeto de estudo da presente pesquisa. Fradique Mendes foi criado com ares de realidade e, durante algum tempo, sua figura foi tratada por muitas pessoas como real. Beth Brait (2006) observa o fato de, muitas vezes, o leitor acreditar na existência das personagens de um romance e se utiliza do exemplo dos livros de Sherlock Holmes para exemplificar este tipo de acontecimento. Segundo a autora há quem destine “um espaço de sua viagem turística à visita a Baker Street, número 221, na esperança de encontrar o laboratório e os velhos livros” (p.8). Assim ocorreu também com o aventureiro português, muito devido às estratégias utilizadas em sua construção e em sua apresentação, desde a publicação de suas poesias até a recolha de sua correspondência, aspectos que serão discutidos a seguir. 19 Iniciaremos este capítulo com uma breve apresentação dos três Fradique Mendes elencados por Antonio Campos Matos para, então, nos dedicarmos ao estudo do romance Nação Crioula, de José Eduardo Agualusa, e, em especial, de seu protagonista, objeto principal desta pesquisa, recuperado pelo escritor angolano e levado a novas aventuras, através de Angola e Brasil, das quais tomamos conhecimento através da leitura de sua correspondência. 1.1 – FRADIQUE MENDES: 1.1.1 – O poeta O Cenáculo foi criado em 1868, em Lisboa, e acabou sendo instalado na residência de Jaime Batalha Reis. Porém, foi alguns anos antes, em 1866, que Jaime teve o primeiro contato com um dos intelectuais que, junto dele, fariam parte da conhecida Geração de 70 e que se tornaria um de seus grandes companheiros, Eça de Queirós. Após a conclusão de seu curso de Agronomia e Engenharia Florestal conhece Eça de Queirós que, após sua formatura no curso de Direito, em Coimbra, havia se mudado para Lisboa, onde iria viver com seus pais. Este encontro ocorreu na sede da Gazeta de Portugal. De acordo com Joel Serrão, Jaime Batalha Reis era “leitor entusiasta das prosas (mais tarde apelidadas de “bárbaras”)” (1985, p.193) de autoria do futuro romancista. Foi através desta amizade que, em 1868, conheceu outro dos intelectuais daquela geração, o poeta Antero de Quental, com quem desenvolveria, também, grande amizade. As reuniões do Cenáculo propiciaram, através de Antero de Quental, Jaime Batalha Reis e Eça de Queirós, a criação do poeta satânico Carlos Fradique Mendes, entre os anos de 1868 e 1869. Luís Viana Filho afirma que a melhor definição desta personagem, nesta que seria sua primeira fase, é de Jaime Batalha Reis: Um dia, pensando na riqueza imensa do moderno movimento de ideias, cuja existência parecia ser tão absolutamente desconhecida em Portugal, pensando na apatia chinesa dos lisboetas, imobilizados, durante anos, na contemplação e no cinzelar de meia ideia, velha, indecisa, em segunda mão, 20 e em mau uso, - pensamos em suprir uma das muitas lacunas lamentáveis criando ao menos um poeta satânico. Foi assim que apareceu Carlos Fradique Mendes. O nosso plano era considerável e terrível: tratava-se de criar uma filosofia cujos ideais fossem diametralmente opostos aos ideais geralmente aceitos... Dessa filosofia saía naturalmente uma poesia, toda uma literatura especial, que o Antero de Quental, o Eça de Queiroz e eu nos propúnhamos a construir a frio... (2008, p.259) Assim nasceria Fradique Mendes, poeta satânico que, durante algum tempo, se acreditou que fosse real. Sua primeira aparição ocorreu com a publicação de quatro poemas, no jornal A Revolução de Setembro, em Agosto de 1869. Joel Serrão afirma que, dentre estes poemas, dois são de autoria de Antero de Quental, um de Eça de Queirós e outro de Jaime Batalha Reis. (1985, p.204). Em Dezembro do mesmo ano, foram publicados no jornal O Primeiro de Janeiro mais quatro poemas de autoria atribuída a Fradique Mendes, sob o título de Poemas de Macadam. Anexo aos poemas encontravam-se, nas duas ocasiões, de acordo com Carlos Reis, alguns “parágrafos de apresentação” (1999, p.137), com informações biográficas acerca do personagem, por se tratar de uma “personalidade desconhecida do grande público” (1999, p.137). Fradique aparecia, então, descrito como tendo conhecido pessoalmente os poetas da nova geração francesa, tais como Baudelaire, Leconte de Lisle e Banville. (SERRÃO, 1985, p.257). No texto que antecederia a segunda publicação de seus poemas, é descrito como “um dos poetas mais bem dotados da nova geração”, pertencente a uma nova escola que tenderia a “em parte opor-se à escola romântica” (SERRÂO, p.265-266). Segundo Roland Bourneuf e Réal Ouellet (1976), haveria quatro maneiras de se apresentar a personagem do romance, que os autores dividem em “por ela própria”, “por uma outra personagem”, “por um narrador heterodiegético” e “por ela própria, pelas outras personagens e pelo narrador” (p.243). Neste caso específico, quando de sua primeira aparição, a personagem é apresentado através das notas que antecipavam a obra propriamente dita. Junto das primeiras poesias publicadas complementava a publicação uma nota com informações acerca do suposto poeta, ainda desconhecido do público leitor, que aludiam à sua amizade com outros intelectuais, à sua obra, que abrangia “três grandes coleções de poesia” (SERRÃO, 1985, p.257), seguido de algumas observações relativas ao estilo literário. O mesmo ocorre quando da publicação dos Poemas do Macadam, poucos meses depois. Cabe ressaltar, relativo a esta segunda coletânea, que aquele que apresenta Fradique Mendes se declara seu amigo e crítico, destaca suas qualidades estéticas e seu estilo original, mas se reserva o direito de “protestar amigavelmente, mas energicamente, contra a ideia mãe de sua 21 poesia” (SERRÃO, 1985, p.265). Ele, portanto, elogiava sua criação, mas ao mesmo tempo criticava seu conteúdo, suas ideias. O personagem, entretanto, não se resumiria apenas ao poeta satânico, resultado de trabalho coletivo dos três intelectuais da Geração de 70. Joel Serrão afirma que mesmo desenvolvido em um “breve lapso de tempo” (1985, p.201), Fradique havia definido seu perfil e deixado uma obra relativamente abundante. 1.1.2 – Fradique Mendes e O mistério da estrada de Sintra Publicado entre 23 de Junho e 27 de Setembro de 1870 no jornal Diário de Notícias, o romance O mistério da Estrada de Sintra se inicia apresentando a história de um médico e seu amigo, identificado apenas como “F”, sendo sequestrados quando retornavam, a cavalo, de Sintra. Durante o caminho encontram uma carruagem parada, parecendo estar com problemas, e três homens a examiná-la, enquanto o quarto, mais distante, parecia procurar algo que pudesse calça-la. Ao passar por ela, o doutor é atacado por um dos homens que derruba seu cavalo. Ele nota, então, que os indivíduos tinham o rosto coberto por uma “máscara de cetim preto” (QUEIROZ, 1972, p.13). Os dois são então levados a algum lugar desconhecido, apenas informados da necessidade dos conhecimentos do doutor para “prestar auxílio a uma pessoa que precisa dele” (QUEIROZ, 1972, p.22) e acabam por se tornar testemunhas de um crime. A obra foi escrita conjuntamente por Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, em gênero epistolar, sendo as cartas todas publicadas no Diário de Notícias. Segundo João Gaspar Simões (1978), a surpresa gerada foi grande e o público, ao menos inicialmente, acreditou na história como sendo real, até que os autores confessassem a autoria da narrativa, em correspondência intitulada “A última carta”. A iniciativa em desenvolver o romance foi, conforme afirma o autor, de Eça de Queirós, assim como foi também ele o responsável pela maior parte dos capítulos. Fradique Mendes reaparece em breve participação, em O mistério da Estrada de Sintra. No sétimo capítulo, em carta, “A confissão dela”, temos a descrição do personagem, durante uma reunião na casa da Condessa de W: 22 Mas ao pé de mim, sentado num sofá com um abandono asiático, estava um homem verdadeiramente original e superior, um nome conhecido – Carlos Fradique Mendes. Passava por ser apenas um excêntrico, mas era realmente um grande espírito. Eu estimava-o, pelo seu caráter impecável, e pela feição violenta, quase cruel, do talento. Fora amigo de Carlos Baudelaire e tinha como ele o olhar frio, felino, magnético, inquisitorial. Como Baudelaire, usava a cara toda rapada; e a sua maneira de vestir, de uma frescura e de uma graça singular, era como a do poeta seu amigo, quase uma obra de arte, ao mesmo tempo exótica e correta. (QUEIROZ, 1972, p.268). Segundo Carlos Reis, os traços que caracterizam Fradique em O mistério da estrada de Sintra ainda eram parecidos com os do poeta, autor dos Poemas de Macadam: “a amizade com Baudelaire, um certo toque de exotismo e dandismo, uma nítida propensão satânica.” (1999, p.138). O que o diferenciava, agora, era o fato de sua expressão não se dar através do verso, da poesia, mas sim de relatos sobre ele, em prosa. No final do romance, ainda há uma última passagem onde a figura de Fradique aparece: F... e Carlos Fradique Mendes achavam-se há dias em uma quinta dos subúrbios de Lisboa escrevendo, debaixo das árvores e de bruços na relva, um livro que estão fazendo de colaboração, e no qual – prometem-no eles à natureza-mãe que viceja a seus olhos – levarão a pontapés ao extermínio todos os trambolhos a que as escolas literárias dominantes em Portugal têm querido sujeitar as invioláveis liberdades do espírito. (QUEIROZ, 1972, p.312) O personagem é, então, retratado elaborando uma obra, juntamente com F..., com a intenção de criticar o movimento literário a que se opunha, o Romantismo. Neste romance, quando a personagem reaparece, novamente temos o ponto de vista de outra pessoa sobre o antes poeta satânico. Mesmo não sendo o protagonista, tendo uma pequena participação e aparecendo apenas na parte final da obra, Fradique Mendes é citado em uma das cartas enviadas à redação do jornal, de autoria da Condessa de W., na qual descreve brevemente algumas de suas características, ressaltando o fato de se tratar de “um grande espírito” (QUEIRÓS, 1972, p.268), além de destacar a “amizade elevada e sincera” que ele a dedicava. Podemos acompanhar a personagem através do olhar de outra personagem, que lhe define as características e traça um breve perfil. 23 1.1.3 – A correspondência de Fradique Mendes Após a publicação de O mistério da estrada de Sintra, Fradique Mendes acaba por ficar esquecido durante algum tempo. Apenas em 1885, Eça de Queirós entra em contato com Oliveira Martins, companheiro de Cenáculo, revelando a ideia de retomar o personagem, o “homem distinto, poeta, viajante, filósofo nas horas vagas, diletante e voluptuoso” (VIANA FILHO, 2008, p.260) agora com a publicação de A correspondência de Fradique Mendes. Entretanto, isto só iria ocorrer alguns anos mais tarde, em 1888. Inicialmente sua publicação se daria em formato de folhetim, ocorrendo simultaneamente no jornal O Repórter, de Lisboa, e no Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, sendo a versão em formato de livro publicada apenas em 1900. Em carta enviada a Oliveira Martins, Eça de Queirós apresentava um novo personagem: Se bem te recordas dele, Fradique, no nosso tempo, era um pouco cômico. Este novo Fradique que eu revelo é diferente – verdadeiro grande homem, pensador original, temperamento inclinado às fortes ações, alma requintada e sensível... Enfim, o diabo! (VIANA FILHO, 2008, p.260) O romance apresentava uma recolha de cartas escritas por Fradique Mendes, enviadas a vários destinatários, sendo alguns fictícios, como Madame de Jouarre e Clara, a mulher por quem se apaixonara, e outras personalidades que realmente existiram, tais como o próprio Oliveira Martins, Guerra Junqueiro ou Ramalho Ortigão. Mas, anterior às cartas, foi escrito uma apresentação do personagem, dividida em oito capítulos. Através do olhar de um narrador que revelava sua admiração por Fradique e afirmava ter alguma intimidade com ele, conhecemos melhor a personalidade daquele que se afastava do antigo poeta satânico do final da década de 1860. Era descrito por Ramalho Ortigão como o mais completo, mais acabado produto da civilização em que me tem sido dado embeber os olhos. Ninguém está mais superiormente apetrechado a triunfar na Arte e na Vida. A rosa de sua botoadeira é sempre mais fresca, como a ideia do seu espírito é sempre a mais original (QUEIRÓS, 2013, p.53) As suas poesias, publicadas no jornal A Revolução de Setembro, com o título de Lapidárias, foram o motivo de interesse deste narrador pela figura do poeta. Haviam iniciado uma amizade em Paris, em 1880, após o retorno de Fradique Mendes da viagem que havia 24 feito pela África, apresentados por outro personagem, Marcos Vidigal, que se dizia primo do protagonista. Como forma de apresentar a personalidade daquele que tanto admirava e que se havia se tornado seu amigo, o narrador decide publicar as cartas escritas por Fradique, para que, como ele “os homens alguma coisa pudessem aprender e amar naquela inteligência que eu tão estreitamente amara e seguira” (QUEIRÓS, 2013, p.97). Ele justifica esta escolha ao relembrar a opinião de seu amigo em relação ao assunto, quando discutiam sobre a leitura de um livro, A Correspondência de Doudan, que havia encantado o narrador e que Fradique também havia lido: Eis aí uma maneira de perpetuar as ideias de um homem que eu afoitamente aprovo – publicar-lhe a Correspondência! Há desde logo esta imensa vantagem: que o valor das ideias (e portanto as escolhas das que devem ficar) não é decidido por aquele que as concebeu, mas por um grupo de amigos e de críticos, tanto mais livres e mais exigentes no seu julgamento quando estão julgando um morto que só desejam mostrar ao mundo pelos seus lados superiores e luminosos. Além disso, uma Correspondência revela melhor que uma obra a individualidade, o homem; e isto é inestimável para aqueles que na Terra valeram mais pelo caráter do que pelo talento. (QUEIRÓS, 2013, p.96) Ainda em 1888, quando se iniciou a publicação de A Correspondência de Fradique Mendes em formato de folhetim, se acreditava na existência de Fradique Mendes. Segundo Luís Viana Filho, “o personagem era vivo, palpitante, original, e não faltara sequer quem imaginasse não se tratar de simples ficção, mas de alguém que houvesse existido” (2008, p.260). O autor afirma que o próprio Eça de Queirós, em carta à esposa Emília, descrevia a popularidade alcançada pela personagem: As senhoras de Lisboa – dizia o criador falando da criatura – estão encantadas com Fradique. De fato Fradique é um sucesso, e ocupa parte de todas as conversações em Lisboa, a ponto de se ouvir esse grande nome por cafés, lojas de moda, peristilos de teatros, esquinas de ruas. O pior é que se crê geralmente que Fradique existiu, e é ele, não eu, que recebe estas simpatias gerais. (2008, p.267). Diferentemente do romance anterior, em A Correspondência de Fradique Mendes, Eça de Queirós revive a personagem e a faz protagonista de uma obra que se divide em duas partes. Neste caso, na primeira temos um narrador que nos conta a forma como conheceu o ilustre português, fala de sua amizade e seu relacionamento com Fradique Mendes. Este narrador conta sua história e, através dela, vamos conhecendo mais sobre a vida da personagem, nos são apresentados detalhes sobre seus gostos, suas características físicas e 25 psicológicas, sua personalidade. Na segunda parte entramos em contato com sua correspondência e acompanhamos traços da personagem, seus pensamentos, suas opiniões acerca de diversos assuntos. Neste caso, diferente da primeira parte, é a voz da própria personagem que aparece. Há de se considerar que a recolha destas missivas havia sido feita pelo amigo-narrador que tanto o admirava e que nos detalha algumas singularidades de suas cartas, tais como o fato do português não data-las, o que impedia de organizar sua cronologia, além de indicar a não publicação completa da correspondência. Mas, apesar de ter sido organizada por outra pessoa, ainda assim é a voz de Fradique Mendes que acompanhamos. 1.2 – NAÇÃO CRIOULA: A LUTA CONTRA A ESCRAVIDÃO Após esta breve apresentação acerca do contexto de criação da personagem, como poeta que tinha por objetivo chocar a sociedade e fazer uma crítica ao Romantismo, assim como sua breve participação em O Mistério da Estrada de Sintra antes de aparecer como personagem principal em A Correspondência de Fradique Mendes, passaremos ao estudo de Nação Crioula e da maneira como o autor retoma Fradique Mendes. 1.2.1 – A luta contra a escravidão Em Nação Crioula: a correspondência secreta de Fradique Mendes, escrito pelo angolano José Eduardo Agualusa e publicado em 1997, encontramos novamente o personagem, desta vez em uma parte de sua história que era, até então, desconhecida. Fradique Mendes se encontra em viagem pela África, jornada que o escritor angolano certamente se aproveitou, por meio das lacunas deixadas por Eça de Queirós em A correspondência de Fradique Mendes, para construir seu romance. No romance queirosiano, o narrador propõe a Fradique Mendes, durante uma conversa cujo assunto se referia à África e suas religiões, que escrevesse um livro sobre o tempo em que passou viajando pelo continente africano, fato rapidamente desconsiderado pelo português, “- Para quê?... não vi nada na África que os outros não tivessem já visto.” 26 (QUEIRÓS, 2013, p.93). Diante da insistência do amigo, que alegava a possibilidade de uma observação “diferente e superior” por parte de alguém tão erudito quanto ele, o personagem complementa - Não! Não tenho sobre a África, nem sobre coisa alguma neste mundo, conclusões que por alterarem o curso do pensar contemporâneo valesse a pena registrar... Só podia apresentar uma série de impressões, de paisagens. E então pior! Porque o verbo humano, tal como falamos, é ainda impotente para encarnar a menor impressão intelectual ou reproduzir a simples forma de um arbusto... (QUEIRÓS, 2013, p.93-94) Seria, portanto, a partir desta negação de Fradique Mendes em revelar o que havia vivenciado durante sua passagem pelo continente africano que José Eduardo Agualusa se utiliza para desenvolver uma nova história, quase cem anos após a publicação, em livro, de A Correspondência de Fradique Mendes, e apresentar um conjunto de cartas escritas pelo português entre os anos de 1868, data da carta inicial do romance, e 1888. No romance, composto pelas cartas escritas pelo personagem, acompanhamos suas observações acerca das sociedades angolana e brasileira, assim como da situação do tráfico de escravos e os problemas que enfrenta ao decidir lutar contra este sistema. O autor retoma e adapta Fradique Mendes a outra realidade, a do colonialismo português. A história de Fradique Mendes e Ana Olímpia nos permite pensar acerca do regime escravista e das relações entre Portugal, Angola e Brasil. A personagem, após fugir com a angolana para o Brasil, opta por expor e enfrentar esta realidade, se aproximando de personalidades importantes na causa abolicionista. 1.2.2 – Romance epistolar Composto por vinte e cinco cartas escritas por Fradique Mendes, Nação Crioula nos apresenta sua história através da visão de seu protagonista, por meio de sua interação com os demais personagens, neste caso a angolana Ana Olímpia, Madame de Jouarre, e o escritor Eça de Queirós, transformado por José Eduardo Agualusa em personagem e destinatário de algumas cartas. A única exceção se faz em relação à última carta do romance, escrita por Ana Olímpia. 27 Sobre a opção pela forma epistolar do romance, segundo o próprio autor, em entrevista, afirma: “Primeiro, era um desafio grande, achava à partida muito difícil. Depois, a lógica interna de um romance assim construído faz com que o leitor, à medida que vai lendo, sabe tanto como o narrador.” (LEME, 2009) Em relação a esta escolha, cabe observar que a obra é narrada em primeira pessoa, através do olhar de Fradique Mendes. Segundo Donaldo Schüller, em relação à voz, o narrador pode eleger a primeira ou terceira pessoas. Ao optar pela primeira, afirma que o narrador está “limitado. Falta-lhe a mobilidade anônima. Não lhe é dado antecipar o futuro.” (1989, p.28). Em Nação Crioula sabemos exatamente o mesmo que o protagonista, acompanhamos o desenrolar da trama conforme as cartas são escritas e enviadas, a personagem expressa o que vivencia e presencia naquele momento, como afirma o autor, não lhe é possível antecipar os fatos. Exemplo disto temos quando Fradique Mendes escreve à Ana Olímpia, ao descobrir sobre sua situação naquele momento, ao ser entregue como escrava por Jesuíno à Gabriela Santamarinha (Carta de Lisboa, julho de 1868): Recebi esta manhã uma carta do velho Arcénio de Carpo expondo a terrível situação em que te encontras. A carta, infelizmente, chegou-me às mãos muito atrasada, pois Smith remeteu-a inicialmente para Coimbra, onde estive alguns dias restaurando afetos e raízes; quando chegou já eu tinha partido, e os correios devolveram-na à procedência. Assim, não sei onde te encontras nem o teu estado, mas se estás a ler este bilhete, que enviei ao cuidado do jovem Arcénio, é porque alguma coisa pode ainda ser feita. (AGUALUSA, 2011, p.55) Ainda outra passagem, em outra carta, desta vez escrita para Madame de Jouarre (Carta para Madame de Jouarre, Lisboa, agosto de 1868), confirma este aspecto: Pouco mais sei a não ser que a minha amiga permanece em Luanda, ou pelo menos ali se encontrava ainda dois meses atrás, aparentemente encarcerada na sua própria casa. Parto sem um plano definido, movido mais pela revolta do que pela razão [...] (AGUALUSA, 2011, p.59) Fradique Mendes expressa o que sente, o que vivencia naquele momento. Beth Brait afirma que, optar pela primeira pessoa “implica, necessariamente, a sua condição de personagem envolvida com os “acontecimentos” que estão sendo narrados” (2011, p.60), “Vemos tudo através da perspectiva da personagem, que, arcando com a tarefa de “conhecer- se” e expressar esse conhecimento, conduz os traços que a presentificam e presentificam as demais personagens” (2011, p.60-61). Acompanhamos a história por meio da perspectiva do protagonista, da narração dos fatos com os quais está envolvido. 28 A autora observa que, quando há a expressão da personagem por ela mesma, o romance epistolar pode ser uma das formas assumidas pela narrativa, além do monólogo interior, das memórias e do diário íntimo (BRAIT, 2011, p.61). Da mesma forma, Donaldo Schüller o faz, ao afirmar que “os romances em primeira pessoa podem assumir forma epistolar” (1989, p.31), como podemos acompanhar em Nação Crioula. José Eduardo Agualusa cria um narrador em primeira pessoa para nos apresentar sua história, através de uma seleção de cartas de sua autoria, com o objetivo de se fazer conhecer aquela que pode ser chamada, conforme diz o próprio subtítulo do romance, de correspondência secreta. Como uma das características deste gênero, o epistolar, Beth Brait observa a presença de um “receptor em mira” (2011, p.62), outro personagem a quem aquele que compõe a carta pretende alcançar. Em Nação Crioula três são os destinatários do protagonista: Madame de Jouarre, a quem trata por madrinha, recuperada, assim como ele, do romance queirosiano A correspondência de Fradique Mendes, Ana Olímpia, jovem angolana que se tornaria sua paixão, criação de José Eduardo Agualusa, e o próprio escritor Eça de Queirós, um dos criadores de Fradique Mendes, transformado também em personagem pelas mãos do escritor angolano. Madame de Jouarre é a principal destinatária das cartas do português, que lhe dedica dez das vinte e cinco que envia durante o romance. Outras nove tem Ana Olímpia como destinatária, enquanto as seis restantes são enviadas ao amigo Eça de Queirós. Assim como faz Beth Brait, Donaldo Schüller chama a atenção para a questão do receptor, ao afirmar Através da carta, o narrador se dirige a um destinatário distante, o que lhe impõe um comportamento peculiar: controle dos sentimentos, dosagem das informações, declarações sem resposta imediata, observação dos efeitos a provocar [...] (1989, p.31) O autor observa o posicionamento daquele que confecciona a carta e seu comportamento em relação ao seu conteúdo, tendo em vista aquele que a irá receber. A correspondência, portanto, não explicita aquilo que quem a escreve não pretende revelar, uma vez que o autor seleciona as informações que serão repassadas de acordo com seu destinatário. Um exemplo encontrado em Nação Crioula pode ser observado nas cartas enviadas a Eça de Queirós, cujo conteúdo, em sua maioria, está diretamente ligado à observações críticas ao sistema escravista. Em relação à composição desta correspondência, Carlos Reis afirma que o ato de escrever uma carta no contexto do romance epistolar 29 [...] institui um narrador [...] que se coloca numa posição temporal peculiar: no que ao mesmo tempo da narração diz respeito [...], a situação típica no romance epistolar é a narração intercalada [...] pelo facto de esse narrador de circunstância ser normalmente também uma personagem que relata a outra personagem acontecimentos que algum tempo antes viveu; muitas vezes acontece que os papéis se invertem e a personagem que foi destinatário [...] volve-se em narrador, relatando então experiências que entretanto conheceu também. Por isso se diz que a narração (no essencial coincidindo com a escrita da carta) decorre num tempo intercalado entre os episódios vividos por cada personagem-narrador. (2000, p.367). Em Nação Crioula não temos acesso às cartas contendo respostas que Fradique Mendes porventura tenha recebido, acompanhamos a história apenas pelo ponto de vista do protagonista. A questão da narração intercalada, discutida por Carlos Reis, pode ser observada, portanto, através das datas das missivas, considerando-se o período de tempo que há entre seu envio, assumindo, então, ter havido uma resposta durante o período. Tomamos como exemplo o período existente entre duas cartas endereçadas à Ana Olímpia, enviadas em Dezembro de 1872 e Janeiro de 1873, ambas de Paris e com aproximadamente um mês entre elas. Durante este intervalo conseguimos confirmar a presença deste “intercalamento” atentando para o início da segunda carta escolhida, na qual podemos ler: “Enquanto lia tua carta pensava que a podia ter escrito eu próprio há alguns anos atrás, quando era ainda muito jovem e acreditava conhecer tudo sobre as paixões da alma” (AGUALUSA, 2011, p.53). Fradique Mendes afirma, ao responder as questões de Ana Olímpia, a leitura da missiva e, portanto, o seu recebimento. Por outro lado, em relação à questão tratada por Carlos Reis acerca da inversão de papéis, na qual o destinatário torna-se o narrador, temos, como exemplo, a carta que encerra o romance, escrita por Ana Olímpia. É interessante ressaltar que esta resposta não tem como destinatário Fradique Mendes que segundo nota presente no romance, havia morrido “no inverno de 1888,” (AGUALUSA, 2011, p.167). Enviada de Luanda, é datada de agosto de 1900 e endereçada a Eça de Queirós, tratando da questão da publicação da correspondência do protagonista. A maneira como se dá esta narração intercalada permite que aquele que a recebeu tenha tempo suficiente para refletir acerca de determinado assunto e elaborar uma resposta. É o que acontece na carta anteriormente citada, de Ana Olímpia para Eça de Queirós. A angolana responde ao pedido do português sobre a possibilidade de publicar a correspondência de Fradique Mendes como forma de homenageá-lo, mas o faz mais de uma década depois (1888 – 1900). Ana Olímpia afirma que, na época, não concordava com tal 30 proposta, que lhe parecia desrespeito, mas ao reler a correspondência, anos mais tarde, achou acertada a opção do escritor português, enviando mais algumas para juntar à coleção. O personagem Eça de Queirós certamente não teve como acompanhar a reação da angolana naquele momento, mas ela, por outro lado, utilizou um longo tempo para refletir antes de responder. O autor da carta, portanto, nem sempre receberá uma resposta imediata, como exemplificado anteriormente, uma vez que o destinatário pode se utilizar do tempo necessário para preparar sua resposta, de acordo com as reações que a missiva recebida lhe possam ter causado, como ocorre à Ana Olímpia Passaram-se os anos, envelheci, voltei a ler aqueles jornais antigos, reli as cartas que Carlos me escreveu, e pouco a pouco comecei a compreender que v. tinha razão. Fradique não nos pertence, a nós que o amámos, da mesma forma que o céu não pertence às aves. (AGUALUSA, 2011, p.170) Nádia Battella Gotlib (2003) observa, acerca da prática da correspondência, comum no período ao qual se situa o romance, o século XIX, a questão do tempo da resposta, muito diferente dos tempos atuais, onde havia Uma enorme distância igualmente de tempo, separando a carta da sua resposta, tendo em vista os meios de comunicação da época: o paquete, que navegava alimentando também a expectativa das pessoas envolvidas na correspondência, entre a sua partida e a sua chegada, em que levava ou trazia uma nova mensagem ( p.114) Temos, portanto, além do tempo utilizado para elaborar a resposta por parte de quem recebeu a carta, o tempo de deslocamento dos meios que, naquele período, transportavam as correspondências, como em Nação Crioula, através do Oceano que liga os três continentes, exemplificado na carta que o protagonista envia à Madame de Jouarre (Olinda, dezembro de 1876) Presumo que tenha recebido a carta que lhe enviei de Novo Redondo, e assim já sabe por que me encontro aqui. Sentado nesta mesa vejo o casario muito branco, os palacetes coloniais, as igrejas barrocas e as palmeiras altas ondular pelos morros em direção ao abismo. Novo Redondo fica do outro lado dessa vasta escuridão, a vinte e cinco dias de barco, três mil e quinhentas milhas, quase no mesmo paralelo em que o fidalgo português Duarte Coelho mandou erguer Olinda três séculos atrás. (AGUALUSA, 2011, p.81-82) A correspondência, comum no século XIX, tinha grande importância para alguns povos em especial, como é o caso dos portugueses. Conforme observa Andreé Crabbé Rocha (1965) [...] “Povo de descobridores e, mais tarde, de emigrantes, a ausência prolongada 31 determina nele um largo uso da forma epistolar, e dilata substancialmente a matéria sobre a qual pode especular por escrito [...] (p.15). Usava-se a carta como meio de manter contato com aqueles que se encontravam distantes, como é o caso de Fradique Mendes que, no romance, se mantinha em constante trânsito entre África, Europa e América do Sul. Como observa Michael Foucault, “a carta faz o escritor “presente” àquele a quem se dirige” (2000, p.149). É desta forma que o protagonista se aproxima, se faz presente, ou, como em carta enviada a Ana Olímpia (Benguela, maio de 1872) quando conta sobre a doença que enfrentava e seu encontro com o amigo, o médico Luís Gonzaga, na qual afirma que apenas as palavras da angolana o fariam bem: “Escreva, diga-me que sim, na certeza de só as suas palavras me reanimarão [...] (AGUALUSA, 2011, p.32). A presença da amada se realizaria por meio de sua carta, que teria um efeito amenizador de sua enfermidade. Assim também o faz, em carta à Madame de Jouarre, (Olinda, fevereiro de 1877), ao pedir que ela o mantenha informado sobre a metrópole e os amigos que havia deixado [...] Entretanto escreva, vá-me enviando notícias dessa metrópole maligna, os ecos todos das guerras todas, os murmúrios e rumores. Não esqueça as intrigas da corte, incluindo as mais torpes, as polémicas literárias, o vociferar dos políticos, o relato ruidoso dos últimos crimes. Diga-me igualmente o que é feito dos amigos que deixei, vencidos pela vida, nas mesas tristes do Café da Paz. (AGUALUSA, 2011, p.99) Segundo Michael Foucault, “escrever é pois “mostrar-se”, dar-se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro (2000, p.150). E é o que acompanhamos através da correspondência de Fradique Mendes. Por meio dela ele se mostra, se aproxima de seus destinatários, assim como espera que eles o façam. Paula Renata Moreira observa (2010), ainda em relação ao Romance Epistolar, que Se cartas, muitas vezes, são tomadas como fontes históricas, a feitura e um romance de maneira epistolar brinca com o estatuto de verdade desse tipo de suporte, ao mesmo tempo em que dialoga com a tradição literária portuguesa, que conheceu Fradique Mendes por meio de uma dita publicação de suas epístolas por Eça de Queiroz. ( p.81). A opção pelo formato epistolar permite tal diálogo com a obra queirosiana, especialmente com A correspondência de Fradique Mendes, uma vez que, publicada inicialmente em formato de romance de folhetim, Fradique Mendes fora apresentado por meio da publicação de uma coletânea de suas cartas, através das quais suas opiniões, pensamentos e observações foram expressos. 32 1.2.3 – A personagem Um dos elementos que compõe a narrativa, a personagem desempenha um papel de grande importância em uma obra, seja ela um romance ou conto. Segundo Antonio Candido, “o enredo existe através das personagens; as personagens vivem no enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam.” (2009, p.53-54). Ela atuaria, portanto, em conjunto com os demais elementos constitutivos do texto, como meio de expressão da mensagem que se pretende passar. Para o autor, as ideias completam, juntamente com enredo e personagem, o conjunto dos elementos centrais do desenvolvimento novelístico. Dentre eles, este elemento, em especial, é quem possibilita a adesão intelectual e afetiva por parte do leitor, por meio de alguns mecanismos de identificações, projeção e transferência (2009, p.54). Seria, portanto, por meio dela que os outros dois elementos ganhariam vida, uma vez que é ela quem faz a ligação e, portanto, expressão das ideias presentes na obra em relação ao leitor. Em Nação Crioula a personagem Fradique Mendes, voz ativa do romance, por meio de suas cartas, é quem possibilita este pacto com o leitor, intelectual e afetivamente. É ele quem dá vida à narrativa, através de sua história, de suas aventuras vividas em suas viagens intercontinentais. Embora possa parecer “o que há de mais vivo no romance; e que a leitura deste dependa basicamente da aceitação da verdade da personagem por parte do leitor” (CANDIDO, 2009, p.54), esta não existe sem os demais elementos que constituem a obra. Ela seria, portanto, “o elemento mais atuante, mais comunicativo da arte novelística moderna, como se configurou nos séculos XVIII, XIX e começo do XX; mas que só adquire pleno significado no contexto, e que, portanto, no fim das contas a construção estrutural é o maior responsável pelo força e eficácia do romance. (CANDIDO, 2009, p.54-55). Portanto, mesmo considerando sua devida importância dentro da narrativa, não seria apenas a sua presença a garantir a qualidade da obra, mas sim o conjunto de todos os elementos que a constituem, a forma como são arranjados dentro dela, sua estrutura. Fradique Mendes só “existe” no romance angolano se considerado dentro do todo que o constitui, personagem, enredo e ideias, que garantem sua “vida” e possibilitam que suas verdades, sua existência (fictícia), sejam aceitas pelos leitores. A opção de José Eduardo Agualusa por narrar a parte “desconhecida” da história da personagem, embora “anunciada” no romance queirosiano A correspondência de Fradique Mendes: “A minha intimidade com Fradique Mendes começou 33 em 1880, em Paris, pela Páscoa – justamente na semana em que ele regressara da sua viagem à África austral” (QUEIRÓS, 2013, p.15), a sua escolha em construir a narrativa através de um conjunto de cartas de autoria atribuída ao dândi português, mantendo a mesma estrutura da segunda parte da obra de Eça de Queirós, na qual a voz do protagonista aparece para nos apresentar suas opiniões, seus ideais; juntamente do enredo do romance angolano, que faz referências à obra publicada no final do século XIX, permitem a “existência” desta personagem, adaptada a uma outra realidade. Beth Brait (2006) também faz considerações acerca da construção da personagem, comparando o trabalho de criação do escritor ao do bruxo que, utilizando-se de suas poções e seu caldeirão as dosa enquanto as mistura. O autor utiliza seus próprios elementos, que irão constituir o texto, para dar vida às suas personagens: “a materialidade desses seres só pode ser atingida através de um jogo de linguagem que torne tangível a sua presença e sensíveis seus movimentos.” (p.52). Sendo, portanto o texto o produto final deste processo, a autora observa que é ele quem pode fornecer dados para que a personagem seja consistente, sendo possível “detectar numa narrativa as formas encontradas pelo escritor para dar forma, para caracterizar as personagens, sejam elas encaradas como pura construção linguístico-literária ou espelho do ser humano” (BRAIT, 2006, p.52). Assim como Antonio Candido, Beth Brait afirma que a personagem necessita dos demais elementos compositores do texto para alcançar seu objetivo, de conquistar a afetividade do leitor e que, somente por meio do texto, do seu todo, teremos a possibilidade de acompanhar o processo utilizado pelo autor para compor suas personagens, que poderiam ser desenvolvidas tendo um ser humano como modelo ou mesmo como objeto de uma construção linguística e literária. O Fradique Mendes de José Eduardo Agualusa, por exemplo, tem como base a personagem queirosiana do final da década de 1880, da qual o escritor se aproveitou para criar uma nova história, mantendo algumas características e lhe inserindo outras, que irão se desenvolver durante a narrativa. Ainda sobre a relação da personagem com os demais elementos da narrativa, há de se observar as demais relações a que ela está condicionada. De acordo com Roland Bourneuf e Réal Ouellet (1976) a personagem do romance é “indissociável do universo fictício a que pertence: homens e coisas” (p.199). Ela estaria, portanto, ligada às demais personagens do romance, juntamente com os objetos e os lugares, elementos indispensáveis, também, para sua 34 existência. De acordo com o autor, “as personagens de romance agem umas sobre as outras e revelam-se umas às outras” (p.200). Através do contato com as demais personagens do romance ela demonstra suas características, faz transparecer os traços que a constituem, “levando as outras a revelar uma parte de si mesmas até aí desconhecida, descobrirá a cada uma um aspecto do seu ser que só o contacto numa dada situação podia pôr em relevo” (p.200). Fradique Mendes nos deixa conhecer algumas de suas características, em Nação Crioula, através de seu relacionamento com Ana Olímpia, Madame de Jouarre ou Eça de Queirós, por meio de sua correspondência: “Embarco dentro de duas semanas para Luanda, e vou preparado para tudo” (2011, p.55) (Carta a Ana Olímpia – Lisboa, julho de 1876), nos apresenta uma outra face do viajante português que, neste caso, havia decidido tomar uma atitude em relação à situação enfrentada pela mulher amada. Acompanhamos, por exemplo, sua visão crítica em relação ao sistema escravista quando em contato com as cartas enviadas a Eça de Queirós, ou seu caráter observador e detalhista quando lemos as cartas enviadas à Madame de Jouarre. O estudioso E. M. Forster, em sua obra Aspectos do Romance (1969), dedica dois capítulos ao estudo da personagem, neste caso o protagonista, a quem opta por denominar como “pessoas”, uma vez que, segundo ele, embora hajam histórias protagonizadas por animais, pouco se sabe acerca de sua psicologia (p.33). Afirma que há certa afinidade entre o escritor e sua criação, a personagem, o que pode não ocorrer em outras formas de arte, tais como a pintura e a escultura (nestes dois casos, segundo E. M. Forster, os artistas não necessitam representar seres humanos caso assim desejem). Para moldar suas criaturas, segundo ele o romancista, ao contrário de seus colegas, arranja uma porção de massas verbais, descrevendo a grosso modo a si mesmo (a grosso modo, as sutilezas virão mais tarde), dá-lhes nomes e sexos, determina-lhes gestos plausíveis e as faz falar por meio de aspas e talvez comportarem-se consistentemente. Essas massas verbais são as suas personagens (p.34). A partir desta afirmação o autor discorre acerca da relação das personagens com a vida real. O que poderia diferenciá-las seria o fato de que não temos conhecimento completo das outras pessoas, compreendemos apenas “sinais exteriores”, enquanto a personagem, se assim seu criador desejar, pode ter sua vida, interior e exterior, exposta, permitindo ao leitor compreendê-las completamente. (FORSTER, 1969, p.36). Fradique Mendes tem sua história, ao menos a dita “secreta”, exposta em Nação Crioula, suas cartas nos revelam detalhes sobre sua vida e sua personalidade, diferentemente do que acontece quando em relação à outra 35 pessoa, uma vez que dessa apenas conseguimos perceber traços de sua existência, de sua personalidade, mas nunca em sua totalidade, como ocorre em relação à personagem que, neste caso, é a figura do português. A opção por retomar Fradique Mendes e contar uma nova história sobre os acontecimentos de parte de sua vida que eram desconhecidos até pelo próprio autor de A Correspondência de Fradique Mendes, se deve, segundo José Eduardo Agualusa em entrevista, à necessidade de uma personagem como ele para desenvolver sua narrativa: Eu precisava, para escrever, “Nação Crioula” de alguém como Fradique! Que fosse, e ele é, um europeu – com toda a carga de preconceitos que tem – e, simultaneamente, um homem aberto ao outro. [...] O Fradique é muito mais aberto do que o Eça de Queirós! É um tipo que se interessa por viajar, por outros horizontes – e um homem adiantado para seu tempo... (LEME, 2009). A personagem, embora europeu, como no caso de Fradique Mendes, um português viajando pelas colônias, diferia dos demais. Apesar de sua carga de preconceitos ele se insere no cotidiano local, passa a vivenciar esta realidade, muito pelo envolvimento com Ana Olímpia, que permite esta aproximação com a cultura angolana, especialmente de Luanda da segunda metade do século XIX. E é também através desta relação que, durante o decorrer da narrativa, acompanhamos a diluição de seus preconceitos, como discutiremos nos dois próximos capítulos. Sobre este Fradique Mendes, recuperado por José Eduardo Agualusa, Isabel Pires de Lima comenta sua proximidade com o protagonista do romance queirosiano [...] o Fradique Mendes desta nova correspondência secreta que Agualusa traz a público tem um perfil humano, social e ideológico que só ganhou espessura naquele último título queirosiano, visto que o autor das cartas de Nação Crioula, mais do que o poeta escandalosamente moderno dos poemas publicados no jornal A Revolução de Setembro, no fim dos anos 1860, é o diletante e o dândi que já deixa de sí “brotar, tépida e generosamente, o leite da bondade humana”, de que fala Eça de Queirós n’A Correspondência de Fradique Mendes [...] (2000, p.83) A personagem mantém alguma proximidade com o Fradique Mendes de A Correspondência de Fradique Mendes, se afastando do primeiro, o poeta do final da década de 1860. É o viajante interessado, em busca de conhecimento, do contato com outras culturas, assim como também é aquele que demonstra seu lado mais humano, que no romance Nação Crioula se mostra mais claramente em relação à sua luta contra o sistema escravista. Deslocado da metrópole para a colônia é colocado frente a uma diferente realidade, a 36 diferentes culturas e costumes, e sua vivência frente a estes novos fatos empreende a possibilidade de uma mudança de comportamento, de atitudes, da maneira de compreender o outro, a sociedade angolana, assim como a brasileira, e as relações que se dão entre elas, como observa Maria Nazareth Soares, “o humanismo tão louvado da personagem queirosiana vai ser colocado à prova e a militância reprovada, no texto de Eça, torna-se a mola que impulsiona o traçado de outras rotas, ligando Portugal, África e Brasil” (2001, p.257). A passividade do protagonista queirosiano é superada no romance angolano, no qual há um engajamento, por sua parte, na luta antiescravista, muito devido a seu relacionamento com Ana Olímpia. Por outro lado, este deslocamento da personagem também se dá, de certa maneira, temporalmente, uma vez que Nação Crioula é publicado em 1997, enquanto o Fradique Mendes de Eça de Queirós tem sua correspondência publicada inicialmente em 1888. Passados, portanto, mais de cem anos de sua aparição a personagem retorna para discutir a questão do colonialismo português. De acordo com Maria Nazareth Soares, Fica muito claro, entretanto, que o olhar que observa a sociedade angolana, no final do século XIX é produzido fora deste tempo, pois que a visão crítica com que muitos fatos são descritos exibe um descompasso entre os fatos relatados e a interpretação deles feita pela personagem. A proximidade entre o pensamento do escritor e a visão da personagem sobressai, por isso, em muitas das cartas (2001, p.258). A personagem de Eça de Queirós foi criada e tem sua obra situada na segunda metade do século XIX. Por outro lado, em Nação Crioula, embora a história também se passe durante o século XIX, a obra é escrita no século XX. Isso possibilita que a personagem tenha maior compreensão da estrutura colonial e acerca do comércio de escravos entre Angola e Brasil. A percepção da realidade, suas opiniões e observações nos são apresentadas através da publicação de suas correspondências, que compõe ambas as obras. Temos, portanto, no romance de Eça de Queirós a visão de alguém típico daquela época, que vivenciava tais acontecimentos, enquanto em Nação Crioula, embora se situe temporalmente no mesmo período de A Correspondência de Fradique Mendes, a percepção acerca da realidade seja outra, uma vez que seu autor a escreveu em outro período, após muitos anos. E tal diferença infere na personagem um outro olhar sobre os acontecimentos, uma vez que, suas cartas, de certa forma, carregam um pouco de cada autor, aproximando-os dos protagonistas. Lucette Petit observa, em relação ao Fradique Mendes do romance de Eça de Queirós, que o autor, de certa maneira, “entra na pele de seu personagem” (p.118) em algumas de suas 37 correspondências, “nas numerosas crônicas em que a ironia mais mordaz rivaliza com as críticas mais acerbas, nas cartas rebeldes que arremessa como flechas contra instituições ou práticas deletérias” (p.118). O escritor português utilizaria da personagem para, através de suas cartas, expressar suas opiniões. Maria Nazareth Soares ainda afirma que alguns leitores e críticos consideram Fradique Mendes como alter-ego do autor, “tamanhas são as afinidades podem ser encontradas entre o pensamento de Eça e as reflexões elaboradas com o fino humor que caracteriza sua personagem” (2001, p.254). Outro aspecto a se observar, em Nação Crioula, é a última carta do romance, escrita por Ana Olímpia, pois, através dela somos apresentados a uma visão externa acerca da personagem. A carta (Luanda, agosto de 1900) é enviada a Eça de Queirós e adota um tom mais formal, visto que a angolana não dispunha de intimidade com o português, como podemos notar mesmo em seu início: “Carta da senhora Ana Olímpia, comerciante em Angola, ao escritor português Eça de Queirós” (AGUALUSA, 2011, p.169). Nesta missiva, Ana Olímpia relata sua história e expõe sua visão acerca dos acontecimentos, assim como também escreve sobre Fradique, sobre como o conheceu e seu relacionamento com ele: “Vi Carlos Fradique Mendes, pela primeira vez, numa tarde sombria de maio, em 1868, no cais de Luanda. Eu completava havia pouco dezoito anos e só conhecia o mundo pelos livros” (AGUALUSA, 2011, p.170). Acerca deste primeiro encontro, Ana Olímpia faz uma breve descrição de Fradique Mendes, que havia chegado de viagem à Lisboa no mesmo navio que seu marido, Victorino Vaz de Caminha [...] de repente chamou-me a atenção a figura de um velho de cabeleira branca, rosto muito vermelho, enfiado num casaco de abas curtas, com umas calças de xadrez verde e preto e sapatos de verniz. Ao lado dele estava um homem alto, elegante, de bigode curvo, vestido inteiramente de linho branco. [...] (AGUALUSA, 2011, p.171). O primeiro contato entre ambos se deu na ocasião do Baile do Governador, quando o jovem Arcénio, a pedido da própria angolana, a apresenta Fradique Mendes, logo após este ter conhecido Gabriela Santamarinha: “Vi Fradique tão assustado que tive pena dele. Sorri-lhe e ele sorriu para mim” (AGUALUSA, 2011, p.172). O português havia sido convencido pelo companheiro que conhecer a senhora de escravos era algo próximo a uma iniciação, da qual muitos que lá estavam acreditavam que ele desistiria. 38 Em outros momentos, a angolana tece comentários acerca da personalidade de Fradique, como quando este, novamente a seu pedido e mesmo contra a vontade de Victorino, é convidado a jantar em sua casa. Em conversa na qual um dos temas era a escravidão, afirma que o português não conseguia compreender como Victorino “podia defender ao mesmo tempo os ideais libertários e o tráfico negreiro” (AGUALUSA, 2011, p.175). O português, segundo ela, irritava seu marido devido à facilidade e propriedade de discutir a realidade de Angola, mesmo estando lá há pouco tempo: “Irritavam-no as opiniões definitivas de Fradique, o seu ceticismo, a facilidade com que, recém-desembarcado, já teorizava sobre todos os grandes problemas de Angola” (AGUALUSA, 2011, p.173). Assim como observa a facilidade com que Fradique Mendes debatia sobre os mais diversos assuntos, Ana Olímpia também comenta sobre outras de suas características, tais como o espírito aventureiro e a busca por conhecimento. Duas vezes ele a havia procurado com o intuito de conseguir informações que o ajudassem em sua empreitada, sendo a primeira quando pretendia visitar as ruínas de São Salvador, em busca da arquitetura local e, anos mais tarde, em busca da resolução de um enigma, que havia despertado seu interesse após tomar conhecimento das anotações do diário de viagem do italiano Carlo Esmeraldi. Esta carta da angolana, além de confessar para Eça de Queirós, seu destinatário, que após longos anos havia compreendido o motivo que o levou a publicar a correspondência de Fradique, tomando-a, então, por uma decisão correta do escritor, embora isso inicialmente a tenha causado irritação, demonstra outro olhar sobre a personagem, o olhar daquela que foi o amor do português e que havia com ele convivido após a fuga para o Brasil. 39 CAPÍTULO II FRADIQUE MENDES E SUAS RELAÇÕES COM ANGOLA, BRASIL E PORTUGAL. Nação Crioula nos apresenta às constantes viagens do personagem Carlos Fradique Mendes entre Angola, Brasil e Europa. A personagem inicia sua viagem pelo continente africano ao desembarcar em Luanda, capital angolana, além de algumas passagens por Benguela e Novo Redondo, ponto de partida de sua fuga, junto de Ana Olímpia, para o Brasil, onde transita entre Pernambuco e Bahia, local em que acaba por adquirir uma fazenda com o intuito de se estabelecer, além do Rio de Janeiro. Não deixa também de voltar algumas vezes à Europa, tendo como destinos a França e Portugal. O romance situa-se na segunda metade do século XIX, com a chegada de Fradique em Angola, em Maio de 1868. A última carta escrita pelo protagonista é datada de Outubro de 1888, remetida a Eça de Queirós, de Paris. Este foi um período de grandes mudanças para estes três países, Angola, Brasil e Portugal. Portugal vivia uma situação periférica em relação aos demais países do continente europeu. O período conhecido como Regeneração teve início em 1851. Durante ele surgiram, então, dois novos partidos, o Partido Histórico, dos liberais, e o Partido Regenerador, dos conservadores, em um período de estabilidade política, acordados em um sistema de rodízio por eles combinado, o rotativismo (SCOTT, 2010, p.288). Em relação a este sistema, Benjamin Abdala Junior explica que Nas situações de crise, substituía-se o partido majoritário e se convocava novas eleições, que seriam totalmente manipuladas pelo novo partido escolhido pelo rei. Os responsáveis pelas crises serão sempre os partidos e não o rei; por outro lado, o novo partido indicado para governar vai ganhar sempre. (1982, p.98). Ana Sílvia Scott (2010) afirma, em relação à situação em que se encontrava Portugal durante o período O século XIX reforçou a situação periférica de Portugal, e da península ibérica como um todo. Mesmo tendo conseguido contornar várias das dificuldades que marcaram a primeira metade dos anos oitocentos e proporcionando alguma estabilidade a partir dos anos de 1850, as reformas propostas pelos governos de Regeneração não lograram eliminar o atraso de Portugal em relação ao restante da Europa. Os portugueses continuavam 40 vivendo em um país agrário, com um processo de industrialização tímido, dominado pelos interesses dos grupos dos grandes proprietários e aos valores da Igreja. (p.288-290) Tais condições levaram Portugal a um atraso em relação aos demais países europeus. Claro exemplo disto, segundo Rui Ramos, é que “o primeiro troço de via-férrea, de Lisboa ao Carregado, foi inaugurado a 28 de Outubro de 1856” (2012, p.524). Até então, a mula era o meio utilizado para transporte de carga. Mas, mesmo alcançando certo nível de desenvolvimento, Portugal não havia chegado ao mesmo nível dos países europeus mais prósperos. Portugal também havia perdido sua principal colônia, o Brasil, que havia se tornado independente em 1822. No período em que se situa o romance, o país se encontrava no Segundo Reinado, iniciado em 1840, quando Dom Pedro II assumiu o trono, aos quatorze anos, após o Período Regencial, e que se estenderia até 1889, ano da Proclamação da República. O tráfico de escravos vindos da África era um meio de manter a produção agrícola brasileira, que estava substituindo a cana-de-açúcar pelo café como principal produto de exportação. Por outro lado, Angola, como os demais territórios portugueses na África, durante muito tempo não recebeu a mesma atenção da metrópole quanto a antiga colônia da América do Sul. Inicialmente o país tinha como principal função o fornecimento de mão-de-obra escrava para o Brasil, o que desestimulava, segundo a autora, o investimento em outros setores, tais como a colonização, devido ao fato de ser muito lucrativo (p.292). Esta situação mudaria apenas após a Independência do Brasil, quando os portugueses direcionaram, então, sua atenção para o continente africano. Segundo Valentim Alexandre (2000) O reforço da presença de Portugal em África importava numa verdadeira tarefa de recolonização. As primeiras tentativas de fomentar as relações entre metrópole e as colônias do continente negro surgem nos anos vinte; mas é preciso esperar pelo fim do conflito entre liberais e absolutistas, com a vitória dos primeiros, em 1834, para vermos formular o primeiro projeto global que tem os territórios africanos como centro: trata-se do muito conhecido plano de Sá da Bandeira, expresso já num relatório de Fevereiro de 1836 e prosseguido num conjunto de medidas promulgadas nos anos seguintes. (p.233) Ao retomar Fradique Mendes e inseri-lo neste novo contexto, segundo Maria Nazareth Soares Fonseca, o romance Nação Crioula “ao exibir um processo de invenção tão válido quanto o texto de que se apropria, é também testemunho de outros modos de se registrar o mundo e é com a intenção evidente de brincar com a história e com a literatura de feição 41 nacionalista que o romance coloca-se no limite entre isenção e registro. (p.254). O autor se refere a fatos históricos, relacionados aos três países, para desenvolver sua narrativa, assim como também o faz ao transformar pessoas em personagens, como é o caso do próprio Eça de Queirós. O protagonista viajará pela colônia portuguesa na África, conhecerá a realidade do tráfico de escravos, atravessará o Oceano Atlântico a bordo de um navio negreiro para, em terras brasileiras, optar pela luta antiescravagista. Antonio Candido, em Literatura e Sociedade, observa esta relação entre Arte e realidade, a transposição de real para o imaginário A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal, que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando uma atitude de gratuidade. Gratuidade tanto do criador, no momento de conceber e executar, quanto do receptor, no momento de sentir e apreciar. (2011, p.63). Esta transposição, em Nação Crioula, se daria através da utilização deste aspecto histórico, no qual fatos relativos à segunda metade do século XIX, ocorridos nestes três países, Angola, Brasil e Portugal, são revisitados por José Eduardo Agualusa. E o autor o faz por meio da história do protagonista, das cartas que envia, durante este seu trânsito intercontinental, de seu relacionamento com a angolana Ana Olímpia, como meio para se discutir questões relativas à escravidão e ao colonialismo português. Interessante observar, acerca deste Fradique Mendes, retomado por José Eduardo Agualusa, seu caráter cosmopolita. O termo, segundo Jorge Schwarz, “começa a ser usado no século XVI, já com um sentido de cidadania universal, e com ênfase em relação ao estrangeiro” (1983, p.5). Atualmente, ainda segundo o autor, o significado se mantém próximo ao do século XIX, como o “cidadão capaz de adotar qualquer pátria (...) que, em consequência da multinacionalidade, é capaz de falar várias línguas e transportar-se de um país para outro sem maiores dificuldades” (1983, p.6). É esta personagem que viaja por todo o mundo, que se adapta a novas culturas, como quando está em Angola ou Brasil, ao mesmo tempo em que se encontra em Paris ou Lisboa. 42 2.1 - Primeiras impressões Em Nação Crioula Luanda, capital angolana, foi como poderemos ver, o local do primeiro contato de Carlos Fradique Mendes com o continente africano e seus habitantes. É também nesta cidade que o português passa a maior parte de seu tempo enquanto permanece em Angola, onde observa e, através de suas cartas, faz comentários acerca de sua sociedade e do tráfico de escravos. A cidade, ponto inicial desta suposta história do protagonista, foi de grande importância para o Império português na África, e servia de ponto de partida para as regiões interioranas. Mas sua importância não se resumiu apenas ao acesso a outras partes do país, em busca de mercadorias. Além do comércio, segundo Douglas Wheeler (2012), “no século XIX e inícios do século XX, Luanda tornou-se a única cidade angolana com condições mínimas de conforto e, ao mesmo tempo, no berço de uma cultura crioula única.” (p.113). Para o autor, não era algo simples tentar proporcionar um estilo de vida de acordo com as comodidades encontradas no continente europeu, principalmente se tratando de uma colônia sem muitos recursos e povoada, em grande parte, por condenados. (p.114). Ainda assim, a cidade se diferenciava das demais. “Devido ao seu tamanho, comodidades e importância enquanto sede do governo colonial, Luanda tornou-se o centro cultural, político e econômico da colônia.” (p.114) A importância adquirida devido a estes fatores políticos, culturais e econômicos, por outro lado também trouxe algumas marcas para a cidade, conforme observa Tania Macêdo (2008) Sendo a primeira cidade capital europeia ao Sul do Saara, ela é a única, entre as cidades de língua portuguesa, que ostenta o status de capital administrativa desde a sua ascensão à então sede do Reino de Angola. Todas as atuais capitais dos países africanos de língua oficial portuguesa – Bissau (Guiné-Bissau), Maputo (Moçambique), Praia (Cabo Verde), São Tomé (São Tomé e Príncipe), - adquiriram esse status no século XIX. Destarte, Luanda traz inscrita no traçado de suas ruas, nos edifícios mais antigos e na forma de ocupação do espaço urbano, a história do colonialismo português na África. É, portanto, cidade emblemática que permite pensar também o Império colonial português. (MACEDO, 2008, p.14-15). Ainda de acordo com a autora, há de se considerar que grande parte da história de Luanda foi “alheia ao seu povo” (MACEDO, 2008, p.12), uma vez que a história do 43 colonizador continua, ainda hoje, presente no cotidiano de seus habitantes, através de marcas em suas ruas e edifícios, por exemplo. É neste espaço que, durante o tempo em que lá permanece, Fradique Mendes irá entrar em contato com a situação do tráfico de escravos, seja através de personagens como os negreiros Arcénio de Carpo 3 e Victorino Vaz de Caminha, de donos de escravos como Gabriela Santamarinha, ou da angolana Ana Olímpia. É também em Luanda que, após conhecer Ana Olímpia, a angolana por quem se apaixona, e esta ser entregue como escrava após a morte de seu marido inicia a galgar os primeiros passos relacionados ao que mais adiante, já no Brasil, se tornaria um de seus ideais, a luta antiescravagista. Este período em que a personagem permanece em Angola é marcado por doze cartas, escritas entre os anos de 1868 e 1876. Dentre elas, oito são enviadas a seus destinatários de Angola, entre suas passagens por Luanda, Benguela e Novo Redondo, e as outras quatro enviadas da Europa, duas remetidas de Paris e outras duas de Lisboa. Em sua maioria, são nas cartas enviadas a Madame de Jouarre que Fradique expõe grande parte de suas impressões e opiniões, nas quais observamos as descrições dos locais por onde passa e da população que lá habita. É também a destinatária da maior quantidade de cartas enviadas por ele no romance. 2.2 – Angola Datada de Maio de 1868, a primeira carta do romance tem como destinatário Madame de Jouarre, personagem também recuperada da obra de Eça de Queirós, descrita por Fradique Mendes como “Minha querida madrinha”. A correspondência nos apresenta as primeiras impressões do português após sua chegada em Luanda, sobre o continente e a cidade Desembarquei ontem em Luanda às costas de dois marinheiros cabindanos. Atirado para a praia, molhado e humilhado, logo ali me assaltou o sentimento de que havia deixado para trás o próprio mundo. Respirei o ar 3 Arcênio de Carpo – (1792 – 1885) – Envolvido muito cedo em política. [...] Acusado de participação de revolução separatista é degredado para Angola. Ladrilhador em Portugal. Taberneiro em Angola. Também comerciante de maior envergadura. Devido a problemas pessoais, instala-se no Brasil. Depois tem de partir para os EUA. [...] Regressa de vez para Angola (1837), rico, importante, elemento influente da Maçonaria. Fundador do jornal O Futuro de Angola. Poeta. (GOMES, 1997, p.63) 44 quente e húmido, cheirando frutas e a cana-de-açúcar, e pouco a pouco comecei a perceber outro odor, mais sutil, melancólico, como o de um corpo em decomposição. É a este cheiro, creio, que todos os viajantes se referem quando falam de África. (AGUALUSA, 2011, p.11). O português faz transparecer, nesta primeira passagem, seu sentimento de ter se afastado da civilização. Ironicamente, ao afirmar que não deveria ter trazido Smith, o escocês que o acompanha – personagem que também está presente em A correspondência de Fradique Mendes – exclama: “- Bem-vindo a Portugal!” (AGUALUSA, 2011, p.12). Fradique Mendes também descreve o cenário que encontra ao desembarcar, rodeado por uma multidão que ria e gritava, carregando fardos e arrastando animais, em ruas “tortas e mal-empedradas” (AGUALUSA, 2011, p.12) onde os nativos conversavam ou mesmo dormiam à sombra dos muros e pelas quais seguiram caminho até serem recebidos por Arcénio de Carpo, que os hospedaria em seu solar colonial. Arcénio de Carpo é a primeira figura com quem Fradique Mendes tem contato em Luanda. Descrito como filho de um casal de atores ambulantes e nascido na Madeira, havia sido degredado para Angola por crime comum, de acordo com seus inimigos, embora afirmasse que o caso haveria ocorrido por crime de pensamento. Dono do solar onde o português e seu criado Smith ficam hospedados era uma das figuras mais poderosas da cidade, onde “até o sol lhe obedece” (AGUALUSA, 2011, p.12). É através de Arcénio que o Fradique tem seu primeiro contato com a escravidão. Nesta primeira carta, podemos notar o aspecto observador de Fradique, que detalhava, assim como não deixava de exprimir sua opinião. Luanda é descrita, após o primeiro contato, através de seu cheiro, do barulho produzido pela população no porto, nas particularidades das ruas e das construções. E este momento inicial o leva a afirmar a distância que se encontra do mundo civilizado. É também por meio dela que podemos acompanhar certa carga de preconceito do protagonista em relação ao seu primeiro contato com a capital da colônia portuguesa. Fradique Mendes certamente o faz tendo como ponto de referência as grandes cidades a que acostumava visitar ou viver, como Paris ou Londres. Mas, durante o romance, o protagonista, em contato com a sociedade angolana especialmente com Ana Olímpia, vai alterando seu olhar e seu sentimento. Também podemos observar sua ironia, característica presente em ambos personagens, o queirosiano e o de José Eduardo Agualusa. 45 A questão do desembarque, ao chegar a Luanda, quando Fradique Mendes se diz “atirado para a praia, molhado e humilhado”, acompanhado de Smith, é representativo no sentido da afirmação de afastamento do mundo civilizado, é como se, ao se molhar e sujar, a personagem dele se despedisse para entrar em outro, desconhecido e diferente, sobretudo diante ao seu olhar, de um europeu ao chegar à colônia. Na carta seguinte (Luanda, junho de 1888), a segunda do romance, também endereçada à Madame de Jouarre, o protagonista reafirma o sentimento de estar distante do restante mundo, enquanto Smith o deixa ciente das notícias da capital da colônia, retiradas