1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências/Campus de Bauru Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais Marcelo Gomes Bacha Construção de um Interferômetro de Bath para análise da superfície de vidros usados na confecção de espelhos côncavos Bauru 2012 2 Marcelo Gomes Bacha Construção de um Interferômetro de Bath para análise do comportamento da superfície de vidros usados na confecção de espelhos côncavos Dissertação apresentada como requisito à obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – Programa de Pós- Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais, sob Orientação da Profª. Drª.Rosa Maria Fernandes Scalvi Bauru 2012 3 Bacha, Marcelo Gomes. Construção de um Interferômetro de Bath para análise da superfície de vidros usados na confecção de espelhos côncavos / Marcelo Gomes Bacha, 2012 113 f. Orientador: Rosa Maria Fernandes Scalvi Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade Ciências, Bauru, 2010 1 f ô d h 2 lh ô 4 5 Dedico esse trabalho aos meus pais que sempre me incentivaram e me deram suporte pra realizar meus sonhos. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço especialmente ao Sr. Lionel a sua esposa Cida, a sua irmã Luzia e a seu filho Anderson, que desde o início da minha jornada em Bauru, sempre me acolheram como um filho. Agradeço com todo carinho a Prof. Rosa, que durante seis anos foi mais do que professora e orientadora, mostrou o porque do seu apelido dado carinhosamente pelos alunos “mãe Rosa”. Agradeço também pela oportunidade de trabalhar durante 6 anos e principalmente por sua paciência ao orientar em um momento tão delicado de sua vida. Agradeço carinhosamente a minha vó, minha irmã e a todos os meus familiares (tios, tias, primos e primas) que sempre me incentivaram nessa árdua jornada. Agradeço a Larissa que durante o ultimo ano sempre me ajudou a enfrentar todos os desafios da vida, sempre tão amável e compreensiva. Agradeço também a seus pais por todo o carinho que recebi. Agradeço a Sandro Coletti pela ajuda mesmo que apenas por telefone na montagem do interferômetro, pelas discussões sobre o mesmo e auxilio na utilização dos softwares. Agradeço a todos os amigos e irmãos da família Filhos de Alborghetti, em especial ao Alysson por todas suas orações. Agradeço a equipe do Observatório Didático Lionel José Andriatto da UNESP Bauru, pela colaboração no trabalho. Agradeço ao Acácio pelo auxilio na compra dos equipamentos para montagem da mesa óptica, dos componentes do interferômetro e das suas palavras sábias. Agradeço a Bruno, Haylton e Edmilson pelos dados da estação meteorológica, calibragem do interferômetro, melhoria na captação de imagens e auxilio na interpretação das imagens captadas. 7 Agradeço a equipe de professores da Fundação CEU, que durante dois anos foram mais que parceiros em auxiliar e emprestar materiais para pesquisa, foram realmente amigos e irmãos. Agradeço a Ariadne, Larisa e Ziane que me ajudaram nas medidas de difração de Raio X. Agradeço a generosidade de Marcos Gibbim e o CETEV pela medida de Fluorescência de Raio X. A Fundação CEU por ceder o espelho do seu telescópio Newtoniano para análise. Agradeço aos professores Vicente, Paulo, Humberto e Thomaz que contribuíram com conselhos para a melhoria no trabalho. Agradeço a Mauro Akerman pelos materiais didáticos cedidos. 8 “Estrutura, Disciplina e Planejamento” 9 RESUMO Neste trabalho foi comparado o desempenho dos dois vidros mais utilizados na fabricação de espelhos côncavos de médio porte (até 25 cm de diâmetro). Os materiais analisados foram vidros nos sistema soda-cálcico e boro-silicato. Os espelhos foram comparados em relação a dilatação térmica e a sua rigidez elástica, tendo como principal objetivo avaliar qual vidro deformaria menos sua superfície mantendo sua qualidade óptica em relação a variação da temperatura e do seu próprio peso. Para tanto, a análise foi realizada através dos resultados captados pelo interferômetro de Bath, montado no Observatório Didático de Astronomia “Lionel José Andriatto”, da Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru. Como amostras para o trabalho, foram utilizados espelhos primários côncavos de telescópios Newtonianos construídos com os vidros analisados. As medidas foram inspiradas nas condições que os espelhos sofrem durante seu uso, ambientes com temperatura variável e efeitos causados pela gravidade quando os espelhos estão na posição vertical. Ainda para testar a rigidez elástica dos vidros, os espelhos foram apoiados apenas pelas bordas. Os parâmetros utilizados para verificar o desempenho da superfície dos espelhos, foram deformação na curvatura, somatória das deformações na frente de onda e fator Strehl. Utilizando as franjas de interferometrias que foram associadas aos polinômios de Zernike por análise computacional, foi possível realizar o levantamento dos defeitos na superfície com precisão de nanômetros. Através dos dados obtidos no trabalho foi possível confirmar o desempenho superior do espelho feito com vidro de boro-silicato, esse material se apresentou mais estável em todas as medidas realizadas, sofrendo deformações na superfície menores que o vidro soda- cálcico. Palavras Chave: Interferômetro de Bath, Polinômios de Zernike, espelhos de telescópio, vidro, efeitos de temperatura, rigidez elástica. 10 ABSTRACT This work aims to compare the performance of two types of glasses, which are the most used in the manufacture of medium sized concave mirrors (up to 25 cm of diameter). The investigated materials were soda-lime and borosilicate glasses. The mirrors were compared concerning their thermal expansion and their elastic rigidity, and the main goal was to find out which glass would have a less deformed surface, maintaining the optical quality, under temperature variation and the mirror weight itself. In order to accomplish that, an analysis was carried out based on data collected by the Bath interferometer, built in the Didactic Astronomy Observatory “Lionel José Andriatto”. As samples for this work, it was used concave primary mirrors of Newtonian telescopes built with these glasses. The measurements were based on conditions that mirrors are exposed during their regular use, such as variable temperature environments and gravity effects when the mirrors are kept upright. Besides, to test the rigidity, the glass mirrors were held only by the edges. To check the performance, the used parameters were deformation in curvature, the sum of the wavefront deformations and Strehl factor. Interferometer fringes were associated with Zernikes polynomials by computational analyses, making possible a survey of defects on the surface with nanometer accuracy. Using data obtained in this study, it was possible to confirm the superior performance of the mirror built with borosilicate glass, which was the most stable sample in all the measurements, presenting less surface deformations when compared with the soda- lime glass. Keywords: Bath Interferometer, Zernike polynomials, telescope mirrors, temperature effect, elastic rigidity. 11 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Diferença entre estrutura de um sólido cristalino (a) e amorfo (b).................. .....21 Figura 2 - Variação do volume de materiais cristalino e amorfo em função da temperatura 22 Figura 3 – Diagrama dos efeitos causados pela adição de óxidos no vidro, os óxidos em destaque são os óxidos utilizados na composição dos vidros analisados................................23 Figura 4 – Efeitos da diferença de dilatação térmica entre o vidro e o alumínio....................24 Figura 5 – Imagem do espelho analisado, na etapa de polimento, utilizando teste de Foucault...................................................................................................................................26 Figura 6 – Configuração do teste de fendas de Young.............................................................28 Figura 7 – Diferença entre caminhos ópticos percorridos pelas ondas r1 e r2.........................29 Figura 8 – Ponto focal gerado por uma lente perfeita através da óptica geométrica [4]........30 Figura 9 – Coordenadas polares na fenda de abertura circular...............................................31 Figura 10 – Intensidade luminosa devido a distância do disco central de Airy. Figura adaptada [4, 14].......................................................................................................................................33 Figura 11 – Defeito na superfície do espelho deformando a frente de onda [4].....................34 Figura 12 – Superfícies tridimensionais geradas pelos polinômios de Zernike [15]................37 Figura 13 – Formação do p causada por uma frente de onda esférica em um espelho parabólico. Figura adaptada [4]...............................................................................................40 Figura 14 – Representação da curvatura do espelho segundo o valor de b [4].......................41 Figura 15 – Configuração utilizada na ocular da webcam para captar imagens (Imagem adaptada) [4]............................................................................................................................43 Figura 16 – Interferômetro de Bath montado, sendo O o conjunto das lentes da ocular de 20 mm, C o cubo divisor de Feixe, LA o laser, W a webcam, L a lente biconvexa e EP o espelho plano........................................................................................................................................44 Figura 17 – Caminho do feixe de teste, sendo C o cubo divisor de Feixe, LA o laser, O ocular, W a webcam, L a lente biconvexa, ET o espelho testado e EP o espelho plano (imagem adaptada) [16]..........................................................................................................................46 Figura 18 – Caminho do feixede referência, sendo C o cubo divisor de Feixe, LA o laser, O ocular, W a webcam, L a lente biconvexa e EP o espelho plano (imagem adaptada) [16]......48 Figura 19 – Esquema representando os dos dois feixes juntos no interferômetro e as franjas formadas [16]...........................................................................................................................49 12 Figura 20 a – Imagem gerada por desalinhamento nas lentes da ocular. b - Franjas sem definição de imagem devido a grande distância entre as lentes oculares..............................50 Figura 21 – Apenas o feixe de teste captado na webcam devido ao desalinhamento no conjunto óptico........................................................................................................................51 Figura 22 – Alinhamento dos dois feixes gerados no cubo divisor de feixe, distância entre eles não deve ser maior que 6 mm..........................................................................................52 Figura 23 – Alinhamento da frente de onda esférica criada por L e o feixe de referência......52 Figura 24 – Feixes de teste e referência ao retornar a C.........................................................53 Figura 25 – Somatória dos feixes gerando as franjas de interferometria................................54 Figura 26 – Disco central de interferometria em sua máxima expansão entre o foco marginal e paraxial. ................................................................................................................................54 Figura 27 – Posição das franjas de interferometria devido ao deslocamento do interferômetro nos eixos YZ. Figura adaptada [17].................................................................55 Figura 28 – Deslocamento no eixo Y do interferômetro e comportamento das franjas de interferometria do espelho testado.........................................................................................55 Figura 29 – Centro de interferometria de um espelho quase esférico antes do ponto focal, no ponto focal e após o ponto focal.............................................................................................56 Figura 30 – Franjas retas de um espelho esférico [12]............................................................57 Figura 31 a – Coma. b - Astigmatismo. c - Aberração esférica [13].........................................57 Figura 32 a- Coma e Aberração esférica.b - Astigmatismo e Coma. c – Astigmatismo e coma. d - Aberração esférica, coma e astigmatismo [13]...................................................................58 Figura 33 – Padrão das franjas de interferometria entre espelhos esféricos e parabólicos. Figura adaptada [17]................................................................................................................59 Figura 34 – Coordenadas tridimensionais do interferômetro de Bath [17].............................60 Figura 35 – Imagem computacional em 3D da superfície do espelho testado, gerada pelo programa.................................................................................................................................63 Figura 36 – Espelhos T1, M1 e P1 nos seus suportes planos na horizontal.............................65 Figura 37 – Variação de temperatura durante o dia 05/08/2011............................................66 Figura 38 - Variação de temperatura durante o dia 08/07/2011.............................................67 Figura 39 – Variação de temperatura durante os dias 26 e 27/07/2011.................................67 Figura 40 – Espelhos P1 e T1 com seus suportes na vertical...................................................68 13 Figura 41 – Espelhos apoiados apenas por dois pontos em sua borda, para determinar as deformações causadas pelo seu próprio peso.........................................................................69 Figura 42 – Excitação do nível eletrônico interno e possibilidades de preenchimento da vacância [23]............................................................................................................................71 Figura 43 - Difratograma de uma amostra de Quartzo alfa [24]..............................................72 Figura 44 – Difração de Raios X de uma estrutura amorfa......................................................73 Figura 45 – Mapa de relevo do espelho T1 para medidas em função da temperatura...........76 Figura 46 – Modificações na superfície do espelho P1 em diferentes temperaturas..............79 Figura 47 – Mapa de relevo do espelho comercial para a variação das medidas....................81 Figura 48 – Variação de temperatura externa ao laboratório durante o dia 28/08/2011.......83 Figura 49 – Representação da superfície 3D dos espelhos T1 e Comercial apoiados por dois pontos da borda durante 24 e 48 horas..................................................................................90 Figura 50 – Reprodução do espelho M1 em 3D.......................................................................91 Figura 51 – Imagem de interferometria do espelho M1..........................................................91 Figura 52 – Reprodução do espelho T1 em 3D........................................................................92 Figura 53 – Imagem de interferometria do espelho T1...........................................................92 Figura 54 – Reprodução do espelho P1 em 3D........................................................................93 Figura 55 – Imagem de interferometria do espelho P1...........................................................93 Figura 56 – Reprodução do espelho Comercial em 3D............................................................94 Figura 57 – Imagem de interferometria do espelho Comercial...............................................94 Figura 58 – A esquerda a máscara de A. Couder com cinco zonas e sua utilização no teste de Foucault a direita.....................................................................................................................95 14 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Composição química dos vidros em % de massa....................................................24 Tabela 2 – Índice de dilatação superficial................................................................................25 Tabela 3 – Intensidade Y do padrão de Airy em relação a distância X do disco central..........32 Tabela 4 – Os 36 polinômios de Zernike [18]...........................................................................36 Tabela 5 – Características gerais dos espelhos analisados......................................................64 Tabela 6 – Relação entre o raio de abertura e espessura dos espelhos..................................69 Tabela 7 – Parâmetros ideais de cada espelho gerado pelo programa OpenFringe a qualquer temperatura.............................................................................................................................74 Tabela 8 – Curvatura do espelho relacionada ao Fator b........................................................74 Tabela 9 – Comportamento do espelho T1 com a variação de temperatura..........................75 Tabela 10 – Comportamento do espelho P1 com a variação de temperatura........................78 Tabela 11 – Comportamento do espelho Comercial com a variação de temperatura............80 Tabela 12 – Comportamento do espelho M1 com a variação de temperatura.......................82 Tabela 13 - Comportamento dos espelhos M1 a temperatura fixa de 16°C............................83 Tabela 14 – Cone de luz formado pelos espelhos analisados..................................................84 Tabela 15 – Comportamento dos espelhos T1, P1 e Comercial a temperatura de 16°C.........85 Tabela 16 – Resultados de interferometria obtidos para os espelhos T1, P1 e Comercial mantidas na posição vertical por 24 e 48 horas a 16°C...........................................................87 Tabela 17 – Resultados obtidos para os espelhos T1 e Comercial, apoiados pelas bordas durante 24 e 48 horas..............................................................................................................89 Tabela 18 – Composição química em % de massa do vidro soda-cálcico do espelho T1 e vidro soda-cálcico obtido na literatura [1]........................................................................................96 15 LISTA DE SÍMBOLOS E ABREVIAÇÕES a - parâmetro de rede cristalina a’ - raio de abertura da fenda A0 - área inicial An, Bnm e Cnm - coeficientes individuais dos polinômios A’, B’ e C’ - anteparos b – Fator que define a curvatura do espelho C* - constante pré-integral C - Cubo divisor de Feixe d - Distância entre os feixes de luz d’ - distância entre as fendas dhkl - espaçamento interplanar D - distância entre os anteparos D’ - Diâmetro da lente ou espelho EP - Espelho plano E0 - campo elétrico inicial e’ - a espessura do espelho F - Ponto focal pela óptica geométrica F1, F2 e F3 - pontos focais do interferômetro h - Raio de abertura do espelho h, k e l – índices de Miller I0 - é a máxima intensidade dada no centro do disco do padrão de Airy J - função de Bessel K’ - número de ondas K, L e M - níveis de energia LA – Laser L - Lente biconvexa O - Conjunto das lentes da ocular de 20 mm P – Pico na superfície do espelho P( ) - energia incidente no padrão de Airy 16 Q - Polinômio de ordem r1 e r2 - caminhos percorridos pela frente de onda R - Raio do centro de curvatura S0, S1 e S2 - fendas onde ocorrem a difração t - tempo Tf - Temperatura de fusão Tg - Faixa de transição vítrea U (P) - difração sofrida por fenda circular V – vale na superfície do espelho W - webcam w - Frente de onda plana w’ - Frente de onda esférica XYZ - coordenadas em 3 dimensões - índice de dilatação superficial - Tamanho dos picos ou vales na superfície do espelho A - variação da área p – região focal de espelhos parabólicos refletindo frente de ondas esféricas T – variação de temperatura - média dos erros na frente de onda refletida pelo espelho - Ângulo entre as ondas - Comprimento da onda - qualidade da frente de onda - diferença de fase entre as ondas é o ângulo entre w e X - frequência angular de uma onda eletromagnética 17 SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO 18 2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 20 2.1 - Propriedades dos Vidros 20 2.2 - Evolução dos testes ópticos para espelhos de telescópios 26 2.3 -Difração e interferometria pela óptica geométrica 28 2.4 -Difração e interferometria em abertura circular pela óptica física 30 2.5 - Frente de Onda 34 2.6 - Polinômios de Zernike 35 2.7 - Fator Strehl 38 2.8 - Curvatura dos espelhos 39 3 - MATERIAIS E MÉTODOS 41 3.1 - Interferômetro de Bath 42 3.2 - Análise computacional 62 3.3 - Metodologia para análise da superfície 64 3.4 - Medidas de Interferometria 65 3.5 - Análise Química 70 3.6 - Análise Estrutural 71 4 - RESULTADOS E DISCUSSÕES 73 4.1 - Medidas de Interferometria em função da variação da temperatura 75 4.2 - Medidas de interferometria com estabilização da temperatura 85 4.3 - Medidas de interferometria para espelhos mantidos na posição vertical 86 4.4 – Deformações devido ao peso do espelho 88 4.5 - Composição Química e Estrutura 96 5 - CONCLUSÕES 97 6 - REFERÊNCIAS 99 Anexo 1 103 18 1. Introdução Os vidros são divididos em duas principais categorias: naturais e artificiais. Os naturais existem desde a consolidação da crosta terrestre e, com isso, o vidro não dá nome a nenhum período histórico, pois, existiu em todos eles [1]. A aparição dos primeiros objetos feitos de vidro artificial não pode ser situada geograficamente nem cronologicamente. O descobrimento e domínio do fogo deram ao homem acesso a altas temperaturas e com isso o desenvolvimento dos primeiros vidros artificiais. A fabricação dos primeiros vidros era realizada de maneira empírica, não existia um controle rigoroso em sua fabricação e nem conhecimento químico das suas reações, gerando primeiramente vidros coloridos e opacos. Os métodos para purificar vidros tiveram início aproximadamente em 1450 d.C. Ângelo Barovier retirando as impurezas da composição obteve o Cristalo [2]. Com a necessidade de diminuir a quantidade de madeira utilizada nos fornos de fabricação de vidro, foi adicionado chumbo para diminuir a temperatura de trabalho do vidro e, por consequência, gerou um vidro de maior brilho, conhecido como Cristais da Bohemia [1, 2]. A evolução da composição dos vidros no século XVII provocou também a evolução da ciência, uma vez que com vidros cada vez mais transparentes foi possível a invenção dos instrumentos ópticos [3]. Especificamente, para a construção de espelhos de telescópios dois tipos de vidros são mais utilizados [4]: o vidro Soda-Cálcico (Soda-Lime), largamente utilizado na América Latina, e o vidro Boro-silicato (Pirex), mais utilizado nos EUA. Como os dois vidros possuem diferentes composições químicas, suas propriedades físicas também são diferentes. Espelhos de alta precisão, como os usados em telescópios, sofrem diversos tipos de defeitos prejudicando as imagens geradas, alguns estão relacionados com o uso cotidiano, alguns devido ao efeito da gravidade e efeitos térmicos como a variação de temperatura durante o dia. Esses fenômenos físicos podem fazer com que a superfície do espelho deforme de maneira significativa, fazendo com que esse se transforme em um espelho com baixa qualidade óptica. 19 O trabalho desenvolvido visa a comparação entre os dois materiais e avaliar o desempenho de ambos com situações de uso semelhantes as sofridas durante sua utilização. Para realizar este estudo foi montado um interferômetro de Bath, com posterior análise de resultados obtidos com a utilização do mesmo, relacionando as franjas de interferência com os polinômios de Zernike, utilizando programas computacionais. No capítulo 2 é realizada uma introdução e revisão bibliográfica sobre os principais conceitos envolvidos na técnica de avaliação e análise das amostras utilizadas neste trabalho. São mostradas as principais características dos materiais vítreos como estrutura, transição vítrea, composição química, dilatação térmica e elasticidade dos vidros. Os princípios de interferometria, a evolução dos estudos e sua utilização para correção de defeitos em instrumentos astronômicos, a evolução dos testes com a invenção do laser e a popularização dos interferômetros também são abordados. São apresentados os polinômios de Zernike utilizados para interpretação da frente de onda gerada com a utilização do interferômetro e sua associação com as aberrações nos espelhos primários de telescópios. Completando o capítulo, os fatores que determinam a qualidade óptica dos espelhos como deformações na frente de onda, Fator Strehl baseado na distorção da frente de onda e curvatura dos espelhos são abordados. No capítulo 3 é discutido o modelo utilizado para a construção do interferômetro de Bath, como é realizado seu alinhamento, quais são os possíveis defeitos que o interferômetro pode apresentar devido a falta de alinhamento dos componentes ópticos e quais são as soluções encontradas para os problemas enfrentados em sua montagem. Mostramos também como são utilizadas as franjas de interferometria captadas e como realizar a comparação com franjas padrões para identificação de defeitos na frente de onda, calculando o astigmatismo gerado pela própria montagem do interferômetro. A utilização de software para interpretação das franjas de interferometria, criação das imagens 3D e o mapa de relevo das superfícies dos espelhos analisados serão apresentados neste capítulo. Apresentamos também as condições que foram realizadas as medidas dos três espelhos primários de telescópios newtonianos, sendo dois artesanais e um fabricado por empresa especializada. Os resultados são apresentados no capítulo 4, onde são discutidos o comportamento dos espelhos com a variação da temperatura no ambiente do laboratório, com a 20 temperatura fixa (estável) e com diferentes tempos de exposição a temperatura de 16°C. Investigamos ainda os efeitos causados nos espelhos quando apoiados na vertical com seu eixo óptico na horizontal e quando os espelhos sofrem a ação de seu próprio peso quando apoiados apenas por dois pontos da sua borda. As conclusões obtidas são apresentadas no capítulo 5. O objetivo principal do trabalho é gerar estudos para a obtenção de novos equipamentos de interferometria de baixo custo para os laboratórios da UNESP campus de Bauru. O trabalho também tem como objetivo contribuir para a pesquisa em materiais comparando o desempenho dos principais materiais vítreos utilizados na construção de espelhos primários de telescópios e quais seus comportamentos diante de situações cotidianas que podem gerar defeitos na curvatura de sua superfície e consequentemente afetar a qualidade óptica. 2. Revisão Bibliográfica Este capítulo apresenta os principais conceitos sobre vidros, suas propriedades estruturais e mecânicas. São também abordados conceitos de óptica como frente de onda, interferometria e a evolução dos métodos de medidas e qualidade óptica. 2.1 Propriedades dos Vidros O vidro vem sendo utilizado como base para a superfície refletora de telescópios desde que Jean Bernard Léon Foucault (1819-1868) conseguiu realizar o processo de prateamento com qualidade óptica, resolvendo um dos maiores problemas na construção 21 dos equipamentos: o constante polimento devido a oxidação do speculum, liga metálica feita com 66% de cobre e 34% de uma liga de estanho branco, muito utilizado na construção dos primeiros telescópios [3]. O vidro foi utilizado como base para espelhos de telescópios devido as suas propriedades físicas, por possuir uma boa estabilidade química, resistência a impactos, menor densidade e menor índice de dilatação comparado aos metais, o que proporciona uma boa estabilidade térmica. Os vidros possuem um comportamento bem diferente dos materiais cristalinos, abrangendo algumas propriedades de líquidos, como possuir estrutura amorfa, como mostra a figura 1. Figura 1 – Diferença esquemática entre estrutura de um sólido cristalino (a) e amorfo (b) [5]. Entretanto, apresenta dureza e viscosidade semelhantes aos sólidos. A discrepância entre a estrutura semelhante à de líquidos e as propriedades semelhantes aos sólidos, é devido a um comportamento bem particular de alguns materiais, a transição vítrea. Para demonstrar o que é a transição vítrea, é utilizado um gráfico na figura 2 de volume versus temperatura e comparada a diferença entre o comportamento de materiais cristalinos e materiais que possuem transição vítrea. 22 Figura 2 - Variação do volume de materiais cristalino e amorfo em função da temperatura [5]. Quando o material estiver no ponto A, está no estado líquido; à medida que é resfriado e segue em direção ao ponto B, seguindo o caminho B-C, com temperatura constante e volume cada vez menor, a agitação dos átomos será menor. A temperatura estabiliza ocorrendo um aumento de densidade e os átomos que antes estavam livres, passam a ocupar posições fixas, ou seja, ordenam-se formando uma estrutura cristalina (arranjos ordenados de átomos que se repetem regularmente). Com o término da cristalização da estrutura do material no ponto C, ele volta a se resfriar seguindo o caminho C-D. A inclinação dessa reta é menor do que a A-B devido ao grau de liberdade de movimentação na estrutura cristalina ser menor do que no estado líquido, portando o coeficiente de expansão térmico é menor. Se o resfriamento do líquido estável for feito rapidamente, não havendo tempo para que os átomos formem uma estrutura cristalina (caminho B-E), o material se encontrará no estado de um líquido superesfriado, onde a redução de volume ocorre apenas devido a diminuição da movimentação térmica das moléculas; entretanto, à medida que o material é resfriado sua viscosidade aumenta, dificultando ainda mais a movimentação das moléculas e a partir do ponto E, a viscosidade é tão alta a ponto de impossibilitar o processo de 23 cristalização da estrutura. Com o resfriamento do material a partir de E, embora o vidro continue com as características de um líquido, com seus átomos sem arranjo estrutural definido, seu comportamento passa a ser semelhante ao dos sólidos cristalinos, tais como rigidez, dureza, dilatação térmica, entre outros. A região próxima a E é chamada de faixa de transição vítrea (Tg), e pode assumir vários valores dependendo da velocidade de resfriamento, cada composição de química de vidro possui uma diferente faixa de transição vítrea. Ela separa o comportamento do material entre líquido e sólido, porém sem haver a cristalização na estrutura do material [5]. As diversas propriedades físicas dos vidros vêm de suas diferentes composições químicas e a figura 3 exemplifica de maneira qualitativa o comportamento do vidro dependendo dos óxidos que são adicionados em sua composição. Devido a essa diferença química na estrutura dos vidros, os espelhos formados com Boro-silicatos e Soda-Cálcicos, possuem diferentes comportamentos aos efeitos físicos, como temperatura e a ao efeito da gravidade. Figura 3 – Diagrama dos efeitos causados pela adição de óxidos no vidro, os óxidos em destaque são os óxidos utilizados na composição dos vidros analisados. Figura adaptada [5]. 24 Na literatura a diferença da composição química dos vidros Sodo – Cálcicos e Boro- Silicatos são resumidas na tabela 1, sendo que a composição pode sofrer uma pequena variação dependendo do fabricante. Tabela 1 – Composição química dos vidros em % de massa [1,2 e 5] Em função da maior quantidade de formadores de rede (SiO2 e B2O3) e menor quantidade de óxidos modificadores de rede (Na2O, K2O, CaO e MgO), os vidros Boro-silicato possuem uma boa resistência ao choque térmico, menor índice de dilatação e resistência ao ataque químico [1]. Em função disso, é considerado melhor vidro para construção artesanal de espelhos côncavos de precisão com médio porte (até 25 cm de diâmetro). Entretanto, mesmo sendo mais estável, o boro-silicato sofre deformações na superfície devido a dilatação térmica, que pode ser acentuada devido à camada refletora de alumínio depositada na superfície do vidro através da vaporização [6], como a alumínio possui um índice de dilatação superficial acima do vidro a somatória da dilatação das superfícies pode forçar uma deformação como exemplificado na figura 4. Figura 4 – Efeitos da diferença de dilatação térmica entre o vidro e o alumínio Onde T0 é a temperatura de aluminização do vidro. A dilatação da área da superfície [7, 8, 9] do espelho é dada pela relação 1: Vidros (nomes comerciais) SiO2 Al2O3 B2O3 Na2O K2O CaO MgO Sodo-cálcicos Plano 71,0% 1,0% - 13,5% 0,5% 10,0% 4,0% Boro-silicato Pyrex 79,5% 2,0% 13,0% 5,5% - - - 25 Onde A é a variação da área, A0 é a área inicial, é o índice de dilatação superficial e T é a variação de temperatura [7,8, 9]. A tabela 2 mostra os índices de dilatação linear do vidro Boro-silicato, Soda-cálcico e do alumínio. Tabela 2 – Índice de dilatação superficial [7]. Materiais Índice de dilatação superficial Vidro Boro-silicato 64 x 10-7 oC-1 Vidro Sodo-cálcico 170 x 10-7 oC-1 Alumínio 460 x 10-7 oC-1 Como a variação da temperatura ocasiona em deformação mecânica da superfície do vidro a dureza dos materiais vitreos podem amenizar essas deformações, como a dureza do sistema boro-silicato (~5,7 Mohs) e do sistema soda-cálcico (~6 Mohs) são maiores que do alumínio (~2.75 Mohs), mesmo com a grande diferença entre os indices de dilatação dos materiais, as deformaçoes podem ser amenizadas [1]. Outro fator que pode influenciar na deformação da superfície do espelho, em ambiente com variação de temperatura é o gradiente de temperatura do vidro, devido a sua espessura, como o vidro é um isolante termico, a temperatura interna do espelho e superfícial são diferentes, forçando a superfície do vidro e provocando deformações. Devido a esses comportamentos, o ambiente onde o espelho permanece deve possuir uma temperatura estável, até mesmo a variação da temperatura durante o dia faz com que a superfície do espelho sofra gramdes deformações, transformando um telescópio com boa qualidade optica em um equipamento inutilizável. A gravidade também pode influenciar no aparecimento de deformações devido a deformação elástica do vidro [4]. Essa deformação sofrida pelos espelhos foi aferida apenas com a deformação na frente de onda relfetida pelo espelho, captada no interferômetro construido no trabalho. 26 2.2 Evolução dos testes ópticos para espelhos de telescópios Desde a criação do primeiro telescópio refletor em 1663, obtido por James Gregory (1638-1675), diversas tentativas foram realizadas para analisar a qualidade óptica dos equipamentos [3]. Entretanto, apenas em 1721, John Hadley (1682-1744), utilizando uma fonte de luz no centro de curvatura do espelho, conseguiu realizar o primeiro teste óptico para telescópios com êxito. Esse método foi posteriormente aperfeiçoado por Jean-Bernard- Léon Foucault, e ficou conhecido como teste de Foucault (detalhes sobre o teste de Foucault no Anexo 1) [4, 10]. Através desse teste é possível a visualização do relevo da superfície e análise da qualidade óptica da mesma, como pode ser visto na figura 5, com o teste realizado durante o polimento para obtenção do espelho. Figura 5 – Imagem do espelho analisado, na etapa de polimento, utilizando teste de Foucault. Embora o teste de Foucault tenha um bom resultado para análise da superfície de espelhos, com identificação de defeitos na superfície de até 10 nanômetros, para chegar a essa precisão na interpretação é necessário anos de experiência. A difícil interpretação de pequenos defeitos na superfície para iniciantes e a detecção apenas dos principais defeitos ópticos como rugosidade da superfície, astigmatismo, coma, aberração esférica, entre 27 outros, o transforma em um teste difícil de ser utilizado no trabalho, justificando a construção do interferômetro de Bath, sendo um equipamento mais simples na interpretação dos resultados gerados nas medidas. Com apresentação da teoria ondulatória para a luz feita por Christian Huygens (1629 – 1695) em 1678 e provada experimentalmente em 1801 por Thomaz Young (1773 – 1829) pelo experimento das fendas de Young, discutida com detalhes no capítulo 2.3, tornou-se possível calcular o comprimento de onda da luz através da interferometria [11, 12, 13]. Isso permitiu que George Biddell Airy (1801-1892), analisasse e discutisse o fenômeno de difração em fendas circulares através da teoria ondulatória, posteriormente denominada como padrão de Airy, que será discutida com detalhes no capítulo 2.4 [4]. Entretanto, o experimento que alavancou essa nova frente de estudos foi o Interferômetro de Michelson- Morley [14] que, devido a sua grande sensibilidade, tornou possível aumentar a precisão da determinação dos caminhos ópticos da interferometria. Com a construção do primeiro laser [15] em 1960 por Theodore Harold Maiman (1927–2007), os métodos de medidas de precisão avançaram abruptamente, abrindo uma ampla utilização de interferômetros na indústria, para analisar sensibilidade de equipamentos, vibrações e determinar formas das superfícies, entre outras aplicações. Entre essas aplicações foram encontrados diversos métodos para aferir com precisão a superfície de equipamentos ópticos. Um desses métodos com alto desempenho e baixo custo é o interferômetro de Bath, criado em 1973 por Karl-Ludwing Bath [16], analisando a curvatura de espelhos côncavos com precisão de nanômetros. Outro grande avanço que deixou mais acessível à construção de interferômetros foi a criação de lasers mais acessíveis com menor custo, para a interpretação das franjas de interferometria foram utilizados softwares que ajudam a calcular a frente de onda através dos polinômios de Zernike e transformar em superfícies 3D conforme será discutido no capítulo 3. 28 2.3 Difração e interferometria pela óptica geométrica A difração ocorre quando uma onda encontra um obstáculo com uma fenda, de abertura comparável ao comprimento de onda. A onda passa pelo orifício e é difratada, quanto menor a fenda maior é o efeito de difração observado. Esse fenômeno ocorre seguindo o principio de Huygens-Fresnel [11,12, 13]. Em 1801 através do experimento de fendas de Young foi possível provar que a luz é uma onda e calcular o comprimento de onda média solar em 570 nm, através do experimento de difração em fendas duplas esquematizado na figura 6. Figura 6 – Configuração do teste de fendas de Young [11]. A frente de onda incide no anteparo A’ e é difratada pela fenda S0, posteriormente encontrando as fendas S1 e S2 no anteparo B’, uma nova difração ocorre, as duas frentes de ondas criadas interagem através da interferometria, como pode ser observado no anteparo C’, sendo as regiões em amarelo com interferência construtiva e em azul destrutiva [11]. 29 As franjas de interferometria destrutiva são formadas devido à somatória de duas ondas que não estão em fase por meio comprimento de onda, têm a mínima intensidade luminosa e formam franjas escuras de interferometria. Quando as ondas estão em fase, sua interferência é construtiva e apresenta o máximo de intensidade. Para determinar se em um ponto específico P ocorrerá interferência construtiva ou destrutiva, é necessário determinar a diferença de fase entre as duas ondas r1 e r2, devido a diferença de caminho percorrido pelas ondas, exemplificado na figura 7. Figura 7 – Diferença entre caminhos ópticos percorridos pelas ondas r1 e r2 [11]. Para determinar a intensidade luminosa no ponto P, primeiramente devemos determinar o campo elétrico de cada onda r1 e r2 sendo dada pelas relações 2 e 3 [11, 12, 13]. Onde é a frequência angular, diferença de fase e E0 campo elétrico inicial, sendo o mesmo para as duas ondas e t o tempo. Através da soma vetorial de fasores na equação 2 e 3 obtemos a relação 4, sendo a amplitude do campo elétrico no ponto P [11]. 30 Como a intensidade é dada por I = E2 elevando os dois lados da equação 4 ao quadrado obtemos. Onde é a intensidade luminosa inicial [11], e é dado pela relação 6. Onde d é a distância entre as fendas, é o comprimento da onda utilizada e o ângulo entre as ondas, sendo 0° quando as ondas estiverem em fase e 180° quando elas estiverem com interferência destrutiva, fora de fase em meio comprimento de onda [12]. 2.4 Difração e interferometria em abertura circular Através da óptica geométrica uma lente perfeita, faz com que uma frente de onda plana, se transforme em uma frente de onda esférica com um ponto focal perfeito em F [11,12,13] como mostra a figura 8. Figura 8 – Ponto focal gerado por uma lente perfeita através da óptica geométrica [4]. 31 Entretanto, isso não acontece na prática, uma vez que pela óptica física é formado um disco central luminoso e em torno dele anéis de menor brilho denominado como padrão de Airy [17]. Esse comportamento pode ser explicado através da teoria de difração feita por Joseph von Fraunhofer (1787 - 1826), aplicada para fenda circular [17]. Através das coordenadas polares ( , ), é possivel determinar a difração sofrida em um ponto P da frente de onda por uma fenda circular [17], através da relação 7. (7) Onde C é a constante pré-integral, a’ é o raio de abertura da fenda, k’ = 2 sendo o numero de ondas e é o ângulo entre w e X, como pode ser visto na figura 9. Figura 9 – Coordenadas polares na fenda de abertura circular. Através da função de Bessel (J0) [17] a relação 7 reduz-se a (8) Resolvendo a integral da relação 8 e elevando os dois lados ao quadrado, é determinada a relação de intensidade dada por. 32 (9) Onde I0 é a máxima intensidade dada no centro do disco do padrão de Airy, J1 é a função de Bessel de primeira ordem. Para determinar a intensidade na proximidade do disco de Airy [17], podemos simplificar a relação igualando (k’ a w) = x, quando x = 0, estamos no centro do disco de Airy, que possui a maior intensidade luminosa, com y = 1, na relação 10. Derivando a relação em função de x e igualando a zero é possível determinar as regiões de máximos e mínimos [17], dados na tabela 3. Tabela 3 – Intensidade Y do padrão de Airy em relação a distância X do disco central [17]. X Y Relação de máximo ou minimo 0 1 Máximo 1,22 0 Mínimo 1,635 0,0175 Máximo 2,233 0 Mínimo 2,679 0,0042 Máximo 3,238 0 Mínimo 3,699 0,0016 Máximo Através desse resultado é possível esboçar o gráfico de intensidade luminosa, que oscila entre máximos e mínimos e perde gradualmente sua amplitude como mostra a figura 10. 33 Figura 10 – Intensidade luminosa devido a distância do disco central de Airy. Figura adaptada [4, 17]. Fazendo a integral da relação 9, é obtida a relação total de energia incidente no padrão de Airy [17], dada pela relação 11. (11) Onde P0 é o total de energia incidente no centro do padrão de Airy. Através dessa relação Lord Rayleigh (1842-1919) estabeleceu um critério de qualidade, utilizado até hoje na construção de espelhos para telescópios, determinando que o máximo de energia incidente no disco central, que poderia ser perdido em um telescópio com boa qualidade óptica, seria de 20% [17]. Para que ocorra essa perda de energia, são necessários defeitos na frente de onda refletida pelo espelho de 0,144 μm. Um defeito na superfície do espelho gera um erro duas 2 vezes maior na frente de onda, como pode ser visto na figura 11. 34 Figura 11 – Defeito na superfície do espelho deformando a frente de onda [4]. Como o defeito na frente de onda não pode ser maior que 0,144 μm, o defeito na superfície do espelho não pode ser maior que 0,072 μm ou 1/8 para luz amarela (0,576 μm), como é mais conhecido por construtores amadores de telescópio, sendo estabelecido como critério de qualidade Lord Rayleigh [4, 10], a somatória de todos esses erros locais na superfície do espelho é gerada a frente de onda. 2.5 Frente de Onda Frente de onda é a superfície imaginária que possui a mesma fase em toda a extensão da onda, podendo ser plana ou esférica [12]. Huygens propôs que cada ponto da frente de onda comporta-se como fonte puntiforme, gerando ondas secundárias (ondas esféricas). Para analisar a superfície de um espelho analisaremos as deformações na frente de onda refletida por sua superfície e através dessas deformações determinar os defeitos na superfície do espelho. Essas deformações são geradas por buracos ou morros na superfície do espelhos e são determinados como picos ou vales (P-V) a figura 11 esquematiza um vale. O fator que mede a somatória de todos os erros criados por P-V na frente de onda refletida pelo espelho é o . Esse fator é dado pela média de todos os erros de picos e vales ( ) na frente de onda [18] e é representado pela equação 12: 35 (12) Sendo a média dos desvios de frente de onda ao quadrado menos o quadrado do desvio da frente de onda média. O é mais utilizado para especificar a qualidade de frente de onda e seu valor é dado em unidades de comprimento de onda (650 nm). Os desvios na frente de onda são detectados através das distorções nas franjas de interferometria, que são formadas devido aos erros na superfície dos espelhos e associando aos polinômios de Zernike é possível mensurar essas aberrações. 2.6 Polinômios de Zernike Os polinômios de Zernike geram imagens em três dimensões a partir da frente de onda gerada pelos equipamentos ópticos (neste trabalho pelo espelho primário do telescópio) e são amplamente utilizados em óptica para descrever aberrações, conforme desenvolvido por Frits Zernike (1888 – 1966) em 1934. Eles podem ser expressos tanto em coordenadas cartesianas como em coordenadas ortogonais. Como coordenadas ortogonais podem ser expressos em um polinômio radial e ser combinado com uma distribuição de senos e cossenos [18]. A frente de onda gerada pelo espelho é dada pela relação 13. (13) Onde é a média das deformações da frente de onda, An, Bnm e Cnm são coeficientes individuais dos polinômios (Z) [18], Q é um polinômio de ordem que podem ser escritos de forma geral como: (14) 36 Os 36 primeiros polinômios estão expressos na tabela 4. Tabela 4 – Os 36 polinômios de Zernike [18]. 37 A reprodução em 3D dos 18 primeiros polinômios é mostrada na figura 12. Figura 12 – Superfícies tridimensionais geradas pelos polinômios de Zernike [19]. 38 Associando as franjas de interferometria geradas pela frente de onda com os polinômios de Zernike conseguimos calcular defeitos nanométricos na superfície do espelho. Entretanto, é preciso ter muito cuidado com a sua utilização, pois os polinômios de Zernike não diferenciam os defeitos na frente de onda causados pela atmosfera e os causados pela superfície do espelho. 2.7 Fator Strehl Desenvolvido por Karl Strehl [18] no final do século 19, o fator Strehl é o mais utilizado para definir a qualidade óptica de espelhos de telescópios profissionais. Esse fator é definido entre 0 e 1, com 1 sendo associado a um telescópio perfeito. O fator Strehl 1 é impossível de ser alcançado devido à difração e obstrução causada por outros componentes do telescópio, entretanto é possível chegar bem próximo a 1 [20]. O fator é baseado no padrão de Airy, relacionando a intensidade luminosa do disco central com a deformação da frente de onda [18], sendo dado por: (15) Onde W é média da aberração na frente de onda visto na seção 2.5. A equação de ex pode ser escrita como uma série infinita [18] da seguinte forma: (16) 39 Quando as aberrações forem pequenas, o fator de Strehl [18] pode ser dado pela aproximação. (17) Com a intensidade do Fator Strehl determinada, para avaliar se o espelho possui qualidade óptica ou não, para o espelho ser considerado com pouca deformações na superfície e com uma boa qualidade óptica, o fator Strehl deve ser maior ou igual a 0.8, o que corresponde a um erro de 2.8 Curvatura dos espelhos Apesar do espelho primário do telescópio ser côncavo nem sempre a sua curva é esférica. Quando a luz proveniente de um objeto muito distante com a frente de onda plana incidir no espelho, se o mesmo possuir curvatura esférica, ele criará aberração esférica na imagem. Para formar uma imagem sem aberração esférica o espelho deverá ter a curvatura próxima à parabólica. Para determinar essa curvatura dos espelhos, coloca-se se uma fonte de luz no centro de curvatura do mesmo, com a frente de onda esférica, a reflexão do espelho esférico possuirá um ponto focal enquanto o espelho parabólico apresentará uma região focal no eixo x denominada como p, como mostra a figura 13. 40 Figura 13 – Formação do p causada por uma frente de onda esférica em um espelho parabólico. Figura adaptada [4]. Na figura 13, h é o raio do espelho, R é o raio do centro de curvatura e p é zona focal criada pelo espelho parabólico devido a frente de onda esférica. Essa zona entre o foco paraxial e marginal, gerada pelo espelho não esférico refletindo a frente de onda esférica gerada no centro de curvatura do espelho, pode ser medida através do teste de Foucault, obtendo o valor de p, através da relação 18 é determinada a curvatura que o espelho possui [4]. (18) Sendo que b define qual a curvatura do espelho: se b < -1 o espelho é hiperbólico, b=- 1 parabólico, -1 < b < 0 elíptico, b=0 esférico e 0 < b < 1 elíptico. São duas condições para o elíptico devido suas duas diferentes curvaturas formadas pelos seus eixos. O fator b será utilizado nas tabelas de análise no capítulo 4. A figura 14 exemplifica a diferença entre as curvaturas no espelho, entretanto, essa diferença na superfície é muito sutil vista apenas na bancada no teste de Foucault. 41 Figura 14 – Representação da curvatura do espelho segundo o valor de b [4]. Com algumas exceções os espelhos podem ser esféricos sem que sua qualidade óptica seja prejudicada, sendo necessário que a distância focal obedeça à relação 19 [4]. f³ , D’4 (19) Onde f é a distância focal do espelho em centímetros e D’ é seu diâmetro de abertura em centímetros. Se o espelho do telescópio ficar acima dessa relação, a curvatura do espelho poderá ser esférica e ficar dentro dos padrões de qualidade de Lord Raleigh [4]. O teste de Foucault associado a outros métodos para verificação da curvatura e defeitos na superfície podem ser vistos no Anexo 1. 3 Materiais e métodos Neste trabalho para realizar as medidas das superfícies dos espelhos foi construído um interferômetro de Bath de ângulo reto. O interferômetro é utilizado no final do 42 polimento de correção dos espelhos, onde os defeitos na superfície são mais difíceis de serem identificados no teste de Foucault. Como no inicio das correções do espelho, seus defeitos de picos e vales são grandes e facilmente identificados, o interferômetro de Bath não substitui o teste de Foucault e sim complementa com maior detalhe as medidas e análises realizadas. As correções dos espelhos são realizadas através de novas sessões de polimento em regiões específicas, entretanto, dependendo do método utilizado a correção por regiões pode ocasionar defeitos de ondulações na superfície. O teste de Foucault e outras técnicas utilizadas para análise da superfície do espelho utilizando a bancada de Foucault são mostrados no Anexo 1. Através das franjas de interferometria, a interpretação de defeitos na superfície do espelho se torna mais simples; com auxilio de softwares que associam as franjas de interferometria geradas pela superfície dos espelhos aos polinômios de Zernike, é possível encontrar os mínimos defeitos do mesmo e mensurar seus erros, recursos difíceis de serem encontrados para utilização no teste de Foucault. 3.1 Interferômetro de Bath Quando se estiver realizando medidas com o interferômetro de Bath, todos seus componentes devem se manter fixos como um corpo rígido, para que seu conjunto óptico não seja desalinhado. Devido a essa exigência seus componentes foram montados em uma chapa de alumínio com 4 mm de espessura. Entretanto, todo o conjunto óptico deve possuir movimento nos eixos XYZ e para isso foi montado um suporte de madeira com três plataformas, em que cada plataforma possui movimentos de avanço e recuo em um determinado eixo. Apesar da madeira não ser o material ideal devido ao seu comportamento em relação a umidade, temperatura e outros fatores; fazendo com que a chapa de alumínio não fique perfeitamente imóvel, como é visto no desalinhamento do interferômetro com o 43 tempo, é um material barato e facilmente manuseável, para que esse comportamento não interfira nas medidas o interferômetro deve ser alinhado 30 minutos antes do inicio do trabalho e seu alinhamento verificado antes do inicio das medidas. A chapa de alumínio tem dimensões 4 x 125 x 220 mm e foi utilizada como base para os componentes ópticos, onde foram montados e alinhados o cubo divisor de feixe (50% de reflexão 50% transmissão, do fabricante Edmund Optics), a lente biconvexa (diâmetro de 6 mm e distância focal de 10 mm), o laser e o espelho plano (espelho plano óptico). Para captação das imagens foi utilizada uma Webcam da marca Philips modelo SPC 900 NC PC Câmera. Devido a falta de espaço na chapa de alumínio foi construído um suporte de madeira para a webcam. O laser utilizado como fonte luminosa possui o comprimento de onda de 650 nm informado pelo fabricante e para a intensidade luminosa do laser não ultrapassar o limite de sensibilidade da webcam, tornando as imagens borradas, foi ligado em série ao circuito elétrico do laser um potenciômetro (resistência variável), para que a intensidade de luz pudesse ser reduzida e captada pela webcam sem que a imagem fosse saturada. Para captação da imagem pela webcam foi retirada sua lente original e adicionada duas lentes de uma ocular Plössl 20 mm, separadas 0,5 cm, conforme ilustrada no esquema da figura 15. Essa configuração de lentes foi utilizada para que a imagem inteira da interferometria ficasse com tamanho possível de ser captado pela CCD da webcam evitando a captação de apenas partes das franjas. Figura 15 – Configuração utilizada na ocular da webcam para captar imagens (Imagem adaptada) [4]. Para edição de imagens e vídeos foi utilizado o programa Philips VLounge encontrando gratuitamente no site http://philips-vlounge.software.informer.com/. Através desse programa é possível modificar o brilho, contraste, gama, saturação, ganho de luz e 44 quantidade de frames captados por segundo; esses parâmetros auxiliam na melhoria das imagens captadas. Para interpretação das franjas de interferência foi utilizado o programa OpenFringe encontrado no site http://sourceforge.net/projects/openfringe/ . O programa associa os erros das franjas de interferometria com os polinômios de Zernike, através desse processo é possível construir a imagem do espelho em 3D, com seus parâmetros de qualidade óptica calculados com defeitos da ordem de nanômetros. Foi utilizada a montagem do equipamento seguindo o modelo proposto por Karl L. Bath em 1973 [16], com pequenas modificações, como utilizar um cubo divisor de feixe ao invés de dois perpendicular ao laser, como mostra a figura 16. Figura 16 – Interferômetro de Bath montado, sendo O o conjunto das lentes da ocular de 20 mm, C o cubo divisor de Feixe, LA o laser, W a webcam, L a lente biconvexa e EP o espelho plano. As figuras 17, 18 e 19 ilustram o funcionamento do interferômetro: o feixe de laser é dividido em C em dois diferentes feixes com mesma intensidade luminosa. O transmitido será chamado de feixe de teste e o refletido será chamado de feixe de referência. Para 45 facilitar a interpretação dos caminhos ópticos cada feixe será representado separadamente nas figuras 17 e 18. A figura 17 representa o caminho óptico do feixe de teste, ou seja, 50% do feixe do laser é transmitido, passa por C é refratado por L, formando uma frente de onda esférica e um primeiro ponto focal F1. Parte dessa frente de onda é refletida pelo espelho testado (ET), formando um segundo ponto focal F2 próximo a EP que reflete o feixe para C, onde o feixe novamente é dividido com 50% sendo transmitido e 50% refratado. O refletido segue em direção de LA e não é captado para medidas, seu caminho óptico não foi representado na figura 17. A parte analisada é a transmitida que passa por O e é captada pela webcam. Para que isso aconteça o interferômetro deve estar posicionado próximo do centro de curvatura do espelho ao dobro da distância focal do espelho. 46 Figura 17 – Caminho do feixe de teste, sendo C o cubo divisor de Feixe, LA o laser, O ocular, W a webcam, L a lente biconvexa, ET o espelho testado e EP o espelho plano [21]. 47 Na figura 18, o feixe de referência é refletido por C e por EP em direção ao espelho de teste, sendo refletido e passando por L, onde é refratado formando uma frente de onda esférica e um ponto focal em F3, passando por C novamente metade dessa frente de onda é refletida e metade é transmitida. A parte transmitida é descartada, enquanto a parte refletida por C passa por O e é captada pela webcam. Segundo o modelo proposto por Bath o feixe de referência é refletido pelo espelho de teste, sem sofrer deformações significativas, devido à pequena área usada na reflexão. 48 Figura 18 – Caminho do feixede referência, sendo C o cubo divisor de Feixe, LA o laser, O ocular, W a webcam, L a lente biconvexa e EP o espelho plano (imagem adaptada) [21]. 49 A somatória desses dois feixes geram as franjas de interferência captadas pela webcam, como ilustrado na figura 19. Figura 19 – Esquema representa a somatória dos feixes no interferômetro formando as franjas de interferometria que são analisadas [21]. 50 As primeiras imagens captadas no interferômetro construído no trabalho mostraram alguns defeitos, criados pela falta de alinhamento de alguns componentes devido a utilização de materiais como fita isolante e madeira. Se apenas parte do espelho estiver com nitidez de imagem, como mostra a figura 20 a, aparecendo apenas uma parte do espelho na imagem, o desalinhamento está nas lentes do conjunto da ocular. Outro problema comumente encontrado é a distância entre as lentes oculares, sendo que elas podem estar muito próximas ou afastadas, formando assim imagens sem nitidez como pode ser observado na figura 20 b. Essas são as primeiras fotos tiradas pelo interferômetro montado neste trabalho. As soluções podem ser: alinhar novamente as lentes, modificar a distância entre elas ou trocar as lentes por outras com outras relações de distâncias focais. Figura 20 a – Imagem gerada por desalinhamento nas lentes da ocular. b - Franjas sem definição de imagem devido a grande distância entre as lentes oculares. Outro problema que pode ser facilmente encontrado devido a utilização da madeira é a falta de alinhamento do conjunto óptico, se os componentes não estiverem alinhados, os feixes não permanecerão paralelos, sendo afastados um do outro, quando isso ocorre é captada apenas a imagem de um feixe. A figura 21 captada pelo interferômetro montado e utilizado no trabalho exemplifica a captação de apenas um feixe pela webcam. Para que esse problema não afete as medidas do trabalho, o interferômetro deve ser alinhado e seu alinhamento verificado duas vezes, com intervalos de dez minutos entres as verificações antes do início das medidas. 51 Figura 21 – Apenas o feixe de teste captado na webcam devido ao desalinhamento no conjunto óptico. Para realizar o alinhamento do interferômetro, é necessário seguir alguns passos que serão exemplificados através de fotos obtidas durante o alinhamento do interferômetro: 1) Alinhar os dois feixes que saem de C. Para realizar esse alinhamento existem três componentes que podem se mover: o laser, C ou EP; os dois feixes devem sair paralelos e com uma distância entre eles menor que 8 mm (distâncias maiores inserem grandes quantidades de astigmatismo nas medidas), no interferômetro construído a distância entre os feixes é de 6mm como pode ser visto na figura 22. Essa inclusão de erro na medida será discutida posteriormente. Para verificar o alinhamento é necessário medir a distância entres os feixes a diversas distâncias do interferômetro, de preferência na saída do interferômetro e posteriormente a cada metro. Essa separação entre os feixes devem ter a mesma distância em todas as medidas. Realizado esse passo, L é colocado na frente do feixe de teste. 52 Figura 22 – Alinhamento dos dois feixes gerados no cubo divisor de feixe, distância entre eles não deve ser maior que 6 mm. 2) Para realizar o alinhamento de L, o feixe de referência (ponto brilhante a esquerda) deve sempre permanecer na mesma distância do centro do feixe de teste (ponto vermelho no centro da imagem), agora como uma frente de onda esférica (representada pelo círculo), como mostra a figura 23. Como feito anteriormente, é preciso verificar essa distância do feixe de referência ao centro do feixe de teste em diversas posições. Entretanto, como a frente de onda é pouco visível a longas distâncias não é possível verificar o alinhamento dos feixes a distâncias superiores a 1 metro do interferômetro. Figura 23 – Alinhamento da frente de onda esférica criada por L e o feixe de referência. 53 Nessa etapa deve-se mirar o feixe de referência, para o centro do espelho, que irá refletir os feixes. Se colocarmos um anteparo no centro de curvatura do espelho será visto dois pontos brilhantes que são os dois feixes refletidos pelo espelho. Ao movimentarmos o anteparo para frente ou para trás veremos um desses pontos se expandindo e contraindo, esse feixe é o de teste. É preciso posicioná-lo próximo ao EP, e fazer com que o feixe de referência passe por L. Ao retornarem a C os feixes serão agora duas frentes de onda esférica, representados pelos dois círculos, sendo o maior o feixe de referência e o menor o feixe de teste. Como apenas parte do feixe de teste foi refletido pelo espelho, o formato circular do feixe de teste na verdade é o formato do espelho que está sendo testado. Portanto, a imagem captada do feixe de referência já é a imagem da superfície do espelho que será analisada, como mostra a figura 24. Figura 24 – Feixes de teste e referência ao retornar a C. 3) O último passo é alinhar os dois círculos e procurar pelas franjas de interferência, como mostra a figura 25. A medida que o círculo menor (representado pelo círculo vermelho na imagem) se movimenta dentro do maior, as franjas vão alterando o seu formato. Se as franjas não forem detectadas deve se movimentar a bancada nos eixos XYZ até que isso ocorra. 54 Figura 25 – Somatória dos feixes gerando as franjas de interferometria. Para um bom controle do interferômetro, deve-se encontrar o centro de interferometria, obtido quando o disco central está na sua máxima expansão. O número de franjas em volta do disco central varia dependendo da curvatura do espelho. Na figura 26, é possível ver apenas uma franja em torno do disco bem próxima a borda com disco central cobrindo grande parte do espelho. Figura 26 – Disco central de interferometria em sua máxima expansão entre o foco marginal e paraxial. Todas as franjas de interferometria são concêntricas, para achar o centro da interferometria é necessário fazer com que o sistema óptico do interferômetro caminhe 55 para o centro das franjas, a figura 27 demonstra algumas posições das franjas de interferometria dependendo da posição do interferômetro. Figura 27 – Posição das franjas de interferometria devido ao deslocamento do interferômetro nos eixos YZ. Figura adaptada [22]. À medida que o interferômetro desloca para fora do centro de interferometria, o número de franjas aumenta, e quanto mais afastados do centro de interferometria mais finas são as franjas. É possível ver esse movimento das franjas através da figura 28, com o interferômetro sendo deslocado do centro de curvatura do espelho testado no eixo Y. Figura 28 – Deslocamento no eixo Y do interferômetro e comportamento das franjas de interferometria do espelho testado. Entretanto quando é encontrado o disco com as franjas circulares em torno, não necessariamente foi encontrado o centro de interferometria. Para posicionar o interferômetro no centro de interferometria, em torno do disco deve possuir o menor número de franja possível, para que isso aconteça o conjunto óptico deve avançar ou recuar 56 no eixo X (aproximando ou afastando do espelho). Quando o interferômetro estiver posicionado no centro de interferometria e avançamos o conjunto óptico em direção ao espelho, as franjas começam a diminuir sua espessura e aumentar o seu número. O mesmo acontece quando a bancada é recuada do centro de interferometria. A figura 29 mostra como as franjas ficam quando o interferômetro é posicionado antes do centro de interferometria, no centro e depois do centro de interferometria. Figura 29 – Centro de interferometria de um espelho quase esférico antes do ponto focal, no ponto focal e após o ponto focal. Esse procedimento é recomendado para verificar possíveis erros na montagem do interferômetro, como desalinhamento dos componentes ópticos e calibração do equipamento; verificar estabilidade e rigidez da plataforma em que os componentes foram montados; ou até mesmo verificar problemas no ambiente de trabalho, como instabilidade do laboratório devido a vibrações ou correntes de ar, entre outros. Quando os componentes ópticos estiverem desalinhados não será possível verificar as franjas de interferometria e o disco central de interferência. Se a plataforma em que o interferômetro foi montado não possui rigidez e estabilidade as franjas se deslocarão sem o equipamento ter sido movimentado. Quando o ambiente possui vibrações haverá um alto nível de vibração nas franjas e correntes de ar são detectadas através da distorção e movimentação das franjas. Com o interferômetro devidamente posicionado e alinhado, é possível a partir das franjas realizar uma análise dos defeitos. Quando o espelho possui uma boa qualidade óptica, as franjas de interferometria seguem uma regularidade, como mostra a figura 30. 57 Figura 30 – Franjas retas de um espelho esférico [16]. A figura 28 pode ser associada à primeira imagem da figura 12 dos polinômios de Zernike, demonstrando que o sistema está levemente inclinado e fora do centro de interferometria. O espelho da figura 30 possui qualidade óptica devido a sua regularidade nas franjas, portanto, não é possível ver grandes deformações nas franjas de interferometria, entretanto, outros erros podem ser associados a figura 12 e são fáceis de serem identificados. Se o espelho tiver grandes defeitos suas franjas possuirão grandes deformações como mostra as figuras 31 e 32. Figura 31 a) Coma b) Astigmatismo c) Aberração esférica [16]. A maior dificuldade encontrada na análise é quando ocorre a somatória de defeitos, como mostram as figuras 32 a, b, c e d. 58 Figura 32 a) Coma e Aberração esférica b) Astigmatismo e Coma c) Astigmatismo e coma d) Aberração esférica, coma e astigmatismo [16]. Apesar de ser possível ver deformações nas franjas de interferometria, nem todas franjas distorcidas, como visto anteriormente, indicam defeitos nos espelho. Na verdade, o espelho de telescópio, para possuir uma boa qualidade óptica deve possuir a curvatura parabólica, entretanto, quando um espelho parabólico reflete uma frente de onda esférica vinda do seu centro de curvatura, acaba criando aberração esférica na medida. Essa aberração é dada devido as diferentes distâncias percorridas pela frente de onda. Devido a isso nem toda franja de interferometria com curva acentuada indica um espelho ruim, a figura 33 possui exemplos de espelhos, sendo o primeiro esférico, o segundo com uma curvatura intermediária entre a esfera e parábola e o terceiro um espelho parabólico. 59 Figura 33 – Padrão das franjas de interferometria entre espelhos esféricos e parabólicos [22]. As diferentes franjas de interferometria são devido as diferentes posições em que o interferômetro se encontra na zona focal p do espelho, visto anteriormente. Além do erro de esfericidade, o interferômetro de Bath insere erro de astigmatismo na medida, como o feixe de teste possui dois focos F1 e F2 como mostrado na figura 19. A distância entre esses dois pontos focais gera um erro de astigmatismo e para calcular a influência desse erro nas medidas deve-se considerar o centro de curvatura do espelho como sendo a origem do sistema de coordenadas. Com isso a distância lateral de cada foco à origem é b, e a distância longitudinal a partir da origem é f [23], como representado na figura 34. 60 Figura 34 – Coordenadas tridimensionais do interferômetro de Bath [23]. Considerando um ponto qualquer (x,y,z) na superfície do espelho, a distância de F1 até o ponto (x,y,z) é I1, e a distância de F2 ao ponto é I2. O caminho percorrido pela luz nesse sistema será I1+I2. Considerando R o raio de curvatura do espelho, a coordenada z da superfície do espelho [23] é dada por: A distância dos dois focos ao espelho é dada por: Essa equação pode ser escrita como: 61 Onde: Usando a expansão em série de Taylor da raiz quadrada de quarta ordem temos: A diferença de caminho é dada por: Expandindo os termos da equação 28: Entretanto, apenas o primeiro termo é significativo para calcular o astigmatismo induzido pela geometria do interferômetro de Bath. A diferença de caminho (optical path length difference = OPD) [23] dada pelo centro do espelho (x=0) e pela borda (x=D’/2) é: Onde D’ é o diâmetro do espelho, d a separação entre os feixes e R o raio do centro de curvatura do espelho. Para interpretar as franjas com mais precisão é necessária a utilização de softwares computacionais, que auxiliam a interpretação dos polinômios de Zernike para gerar superfícies em 3D. 62 3.2 Análise computacional Para análise computacional foi utilizado o programa OpenFringe, inserindo dados dos espelhos como diâmetro (D’), raio de curvatura (R) e obstrução causada pelo espelho secundário (Obstruction). Com esses dados o programa gera uma superfície ideal e uma frente de onda perfeita dessa superfície que são utilizadas como padrões. Ao analisarmos a frente de onda gerada pelo espelho testado, através das franjas de interferometria, o programa compara as diferenças entre a frente de onda gerada pelo espelho e a gerada pelo programa e através dos polinômios de Zernike, determina os defeitos na superfície do espelho e seus respectivos tamanhos. O programa também retira algumas aberrações causadas pelas medidas, como a aberração esférica, gerada pela medida no centro de curvatura, denominada como anulamento artificial da esfericidade. Na análise computacional é definido como Artificial Null, e determinada através do oitavo polinômio de Zernike dado pela relação. Onde D’ é o diâmetro do espelho, o comprimento de onda utilizado e R o raio do centro de curvatura. Como o espelho parabólico possuí vários raios de curvatura, quando a frente de onda esférica for refletida por ele, ocorrerá uma defasagem na mesma, devido as diferentes caminhos ópticos percorridos por ela. Essa defasagem na frente de onda é conhecida como aberração esférica. O programa também calcula e retira o erro de astigmatismo gerado pelo interferômetro, apenas informado o Raio do centro de curvatura do espelho, o diâmetro do espelho e a separação entre os feixes de referência e de teste através da relação 30. Através das características do espelho e das franjas de interferometria o programa gera a superfície do espelho em 3D com seus respectivos Fator Strehl, (wavefront que será analisado nas tabelas posteriores como frente de onda) e Best Conic (sendo a curvatura dos 63 espelhos e apresentada nas tabelas posteriores como b, conforme definido na seção 2.8). A imagem da superfície gerada em 3D é mostrada na figura 35. Figura 35 – Imagem computacional em 3D da superfície do espelho testado, gerada pelo programa. Através das imagens geradas conseguimos identificar defeitos na superfície do espelho, para corrigir esses defeitos captados é realizada uma nova sessão de polimento localizado. Na figura 35 é possível verificar que a região vermelha entre o centro e a borda do espelho está elevada em relação a curvatura ideal, ela possui um pico. Através de uma nova sessão de polimento localizada nessa região conseguimos abaixar seu nível e deixá-lo mais próximo da curvatura ideal. Entretanto, numa região com o nível abaixo da curvatura ideal, com um vale, não é possível adicionar material para que essa região se aproxime da curvatura, é então necessário rebaixar toda a superfície do espelho. 64 3.3 Metodologia para análise da superfície Os materiais analisados fazem parte dos componentes ópticos de telescópios do tipo newtoniano [24] em uso no Observatório Didático de Astronomia “Lionel José Andriatto” da UNESP Campus de Bauru, sendo que um deles foi gentilmente cedido pelo Centro de Estudos do Universo (Fundação CEU), localizado na cidade de Brotas-SP, cuja principal proposta é atuar como um centro de divulgação e ensino de ciências astronômicas, assim como o Observatório da UNESP, em Bauru. Os três espelhos analisados, dos telescópios do Observatório da UNESP, foram obtidos de maneira totalmente artesanal, através do esmerilhamento e polimento de blocos de vidro Soda-Cálcicos, com 19 mm de espessura [25, 26]. O quarto espelho analisado, com 35 mm de espessura, é composto por vidro Boro- Silicato e foi obtido comercialmente pela Fundação CEU através de importação dos Estados Unidos, do fabricante especializado Meade [27]. Os telescópios Newtonianos são constituídos por dois espelhos: um chamado de espelho primário, cuja superfície é côncava, e que será analisado nesse trabalho; e um espelho plano denominado secundário que, por estar localizado na frente do espelho primário causa uma pequena obstrução da luz, formando uma sombra circular no centro do espelho primário [20]. As denominações para cada espelho e suas principais características como diâmetro (diâmetro de abertura do equipamento), raio do centro de curvatura (R), obstrução causada pelo espelho secundário e matéria prima utilizada estão listados na tabela 5. Tabela 5 – Características gerais dos espelhos analisados. Espelho Diâmetro (mm) R (mm) Obstrução (mm) Matéria Prima M1 190 3860 40 Soda-Cálcico T1 190 2820 40 Soda-Cálcico P1 230 2340 60 Soda-Cálcico Comercial 200 2470 45 Boro-Silicato 65 A superfície refletora do espelho é obtida através do processo de aluminização da superfície curva, por vaporização de alumínio a vácuo. Nesse processo, o alumínio é fixado a um filamento que o aquece com um fluxo de corrente de alta voltagem, fazendo com que o alumínio se vaporize e fixe sobre a superfície do vidro formando uma fina camada de alumínio [6]. 3.4 Medidas de Interferometria As medidas foram realizadas em diferentes temperaturas, com o intuito de verificar se a variação de temperatura causa alguma deformação mensurável no interferômetro. Essa é uma análise importante para avaliar a superfície dos espelhos, uma vez que deformações na superfície podem causar aberrações que comprometem a qualidade óptica dos espelhos e, consequentemente, sua utilização nos telescópios. Para realizar essas medidas os espelhos foram apoiados em seus próprios suportes e mantidos na horizontal como mostra a figura 36, as presilhas de fixação dos suportes foram soltas para não influenciar na dilatação dos espelhos. As temperaturas de medidas foram 12°C, 15°C, 20°C e 25°C. Figura 36 – Espelhos T1, M1 e P1 nos seus suportes planos na horizontal. 66 Os gráficos apresentados nas figuras 37, 38 e 39 demonstram a variação da temperatura durante o dia, obtida através dos dados captados pela estação meteorológica do Instituto de Pesquisas Meteorológicas da UNESP (IPMet), Campus de Bauru. A estação encontra-se situada a aproximadamente 80 metros do laboratório onde se encontra instalado o interferômetro, sendo que a diferença máxima verificada entre a temperatura externa (na estação) e a interna (no laboratório) foi de 3°C. As setas indicam a hora em que as medidas de interferometria foram realizadas e a temperatura interna do laboratório enquanto a linha indica a variação de temperatura externa ao laboratório durante o dia. Figura 37 – Variação de temperatura durante o dia 05/08/2011. 67 Figura 38 - Variação de temperatura durante o dia 08/07/2011. Figura 39 – Variação de temperatura durante os dias 26 e 27/07/2011. Com o término das medidas com a variação de temperatura, com o laboratório a temperatura de 20°C, o mesmo foi fechado e o sistema de refrigeração foi ligado, a temperatura do laboratório foi estabilizada em 16°C. Após 20 horas com o ambiente fechado a 16°C foram realizadas as primeiras medidas de interferometria com temperatura estável 68 do laboratório, após 28 horas de ambiente fechado, foram realizadas novas medidas. Para realização dessas medidas o aparelho condicionador de ar foi desligado e aguardou-se três minutos para que as correntes de ar criadas no laboratório fossem estabilizadas, antes da captação das imagens de interferometria. Esse processo foi mantido em todas as medidas a 16 oC, devido ao condicionador de ar criar correntes de ar dentro da sala e a mínima movimentação de ar, ser observada no interferômetro através da movimentação e deformação nas franjas de interferometria, atrapalhando a captação e análise das imagens no interferômetro. Esse fenômeno de movimentação de ar no laboratório foi detectado na análise do espelho M1, nas medidas a temperatura variável de 12, 15 e 20°C, e na temperatura estável do laboratório em 16°C após 28 horas com o ambiente fechado. Outro efeito de interesse investigado é o da gravidade sobre os próprios espelhos. Para isso, com a temperatura do laboratório estabilizada em 16°C, os espelhos foram colocados na vertical como mostra a figura 40. Figura 40 – Espelhos P1 e T1 com seus suportes na vertical. Os espelhos foram mantidos nessa posição durante 24 e 48 horas respectivamente, sendo apoiados apenas pelos ganchos dos suportes, como visto na figura 40. A investigação do efeito da gravidade na formação de possíveis defeitos na superfície dos espelhos leva em conta a lei de A. Couder [4, 10], que diz que quando o espelho não possui a espessura 69 mínima fornecida pela relação abaixo, o mesmo terá sua superfície deformada e, consequentemente a frente de onda. onde h é o raio de abertura do espelho e e’ a espessura, sendo a relação dada em centímetros, a relação de cada espelho pode ser observada na tabela 6. Tabela 6 – Relação entre o raio de abertura e espessura dos espelhos Espelho Relação de A. Couder M1 2256 T1 2256 P1 4845 Comercial 816 O espelho comercial é o único a respeitar a relação de A. Couder, com a relação entre o raio de abertura do espelho e sua espessura abaixo de 1000. Outro método empregado para avaliar os espelhos, foi retirá-los de seus suportes e apoiá-los apenas pela borda, distanciados com os apoios a 180°, como mostra a figura 41. Esse procedimento foi realizado para dois espelhos e teve como objetivo verificar a deformação elástica sofrida na superfície do mesmo, sobre o efeito do seu próprio peso, investigando a deformação causada em sua curvatura como consequência disso. Figura 41 – Espelhos apoiados apenas por dois pontos em sua borda, para determinar as deformações causadas pelo seu próprio peso. 70 Os espelhos permaneceram suspensos durante 24 horas, posteriormente foram girados em 90° nos seus apoios e permaneceram por mais 24 horas, ao realizar esse giro nos apoios os espelhos foram apoiados por suas bordas que apresentavam o erro local de borda caída. A cada teste em que os espelhos foram submetidos, foram retiradas aproximadamente 60 fotos de cada espelho, sendo retiradas ao todo aproximadamente 5.000 fotos em todo o trabalho, sendo de calibração do interferômetro e análise dos espelhos. Para obtenção dos resultados apresentados no capítulo 4, foram realizadas análises de três fotos de cada espelho no teste, sendo escolhidas de maneira aleatória, e através dessas fotos feito uma média dos resultados obtidos. 3.5 Análise Química A composição química do vidro utilizado para obter o espelho T1 foi determinada através da técnica de Espectrometria de Fluorescência de Raios-X, realizada pela equipe do Centro Técnico de Elaboração de Vidro (CETEV), na fábrica de vidros Saint Gobain, localizada na cidade de São Paulo. Quando os átomos de uma amostra são atingidos por Raios X, eles ejetam elétrons das camadas mais próximas ao núcleo, essa vacância criada é preenchida por elétrons das camadas mais externas [28] como mostra a figura 42. 71 Figura 42 – Excitação do nível eletrônico interno e possibilidades de preenchimento da vacância [28]. Esse processo faz com que ocorra a emissão de Raios X característicos dos elementos presentes no material. A energia liberada nessas emissões corresponde a diferença entre os níveis que ocorrem as transições [28]. Cada átomo possui um espectro de Raios X característico onde é possível identificar a composição química da amostra. Entretanto, para ocorrer esse processo é necessário que os Raios-X sejam operados em condições que supere a energia crítica de excitação do nível K dos elementos a serem identificados; se essa energia não superar a energia de excitação do nível K, ocorrerá difração dos Raios X [28]. 3.6 Análise Estrutural Para realizar as medidas de difração de Raios X, foi utilizado um difratômetro da marca Rigaku modelo D/MAX-2100PC, com radiação CuK ( = 1,5405Å) e filtro de Ni para eliminação da radiação K , com fenda de abertura com 10 mm, corrente de 20mA e potencial de 40kV, com varredura do detector feita de 5 a 90° em noventa minutos [29]. Os Raios X são radiações eletromagnéticas de alta energia e pequenos comprimentos de onda [30]. Quando esse feixe incide em um material sólido uma parte dessa radiação é 72 difratada, quando esse obstáculo possuir uma regularidade entre suas distâncias atômicas interplanares. As ondas difratadas pelos diferentes planos passam a percorrer diferentes distâncias e quando essa diferença de percurso corresponde a um número inteiro de comprimento de onda cria uma interferência construtiva. Essa interferometria causada pela difração pode ser vista em diferentes ângulos e é determinado pela lei de Bragg [25] dada pela relação: Onde n é o número de comprimentos de onda, o comprimento de onda dos Raios X, o ângulo em que ocorre a difração e dhkl é o espaçamento interplanar de cristais cúbicos [30] dado através da relação: (34) onde a representa o parâmetro de rede cristalina, h, k e l sendo os índices de Miller utilizados para descrever os conjuntos dos planos cristalinos. Nas medidas de Difração de Raios X utilizada a amostra é pulverizada e colocada no difratometro. Com as partículas de pó distribuídas de maneira aleatória, o difratometro determina os ângulos de difração no material de maneira experimental. Os ângulos onde os picos são gerados ocorrem onde a condição de difração de Bragg determina. Esses picos estão identificados de acordo com os planos que deram origem aos mesmos. A figura 43 mostra o espectro de difração de raios X da estrutura cristalina de Quartzo alfa. Figura 43 - Difratograma de uma amostra de Quartzo alfa [31]. 73 A medida foi realizada para acompanhar as propriedades estruturais do material estudado, como sendo uma estrutura amorfa. Como a estrutura amorfa não possui distância regular entre seus planos, não ocorrem picos característicos na difração de Raios X como acontece no exemplo acima [32], o gráfico mostra apenas um largo pico como mostra a figura 44. Figura 44 – Difração de Raios X de uma estrutura amorfa. Através do formato bem característico da difração de Raios X de estruturas amorfas, não apresentando picos característicos como os das estruturas cristalinas, conseguimos verificar que material é amorfo [32]. 4 Resultados e Discussões Para os espelhos serem avaliados com boa qualidade óptica, devem possuir o fator Strehl próximo de 1, que indica um espelho sem defeitos na superfície, e sua frente de onda deve possuir a menor distorção possível. Essa distorção é dada em comprimento de onda sendo o comprimento de onda 550 nm. O espelho deve ainda possuir a curvatura ideal, podendo ser parabólico, hiperbólico, elíptico ou esférico como já mencionado. Nas tabelas 74 seguintes essa curvatura será denominada como b, enquanto que no programa OpenFringe essa variável é denominada como Best Conic. Uma superfície ideal e os valores considerados padrões ideais para cada espelho especificadamente são gerados pelo programa e são utilizados como parâmetros para comparação com os espelhos a serem analisados. Os parâmetros de referência são mostrados na tabela 7. Os padrões dos espelhos ideais não variam em diferentes temperaturas. Tabela 7 – Parâmetros ideais de cada espelho gerado pelo programa OpenFringe a qualquer temperatura. Espelho ideal Fator Strehl ( ) b Espelho T1 0.999 0.004 -0.965 Espelho P1 0.990 0.016 -0.965 Espelho M1 0.999 0.004 0 Espelho Comercial 0.998 0.008 -0.965 Sendo o fator Strehl o que define a qualidade óptica do espelho, temos 1 o espelho perfeito e 0 um espelho sem condições de uso. O valor de é dado pela somatória média de todos os erros de picos e vales (P-V) na frente de onda e b é o fator que define a curvatura do espelho, visto na tabela 8. Tabela 8 – Curvatura do espelho relacionada ao Fator b. Curvatura b Elipse 0 < b <1 Circunferência b = 1 Elipse -1 < b <0 Parábola b = -1 Hipérbole b < -1 Através das características de cada espelho visto anteriormente na tabela 5 o programa gera superfícies ideais e a frente de onda ideal de cada espelho. Realizando a medida no interferômetro da frente de onda de cada espelho analisado o programa faz a 75 comparação entre essas duas frentes de onda (ideal e gerada no interferômetro), calculando através dos polinômios de Zernike, os defeitos na superfície do espelho. 4.1. Medidas de Interferometria em função da variação da temperatura A primeira medida foi realizada em função da temperatura do ambiente. Para analisar o comportamento dos espelhos, cada um deles tem seus resultados apresentados em uma tabela de variação de temperatura. A tabela 9 possui os resultados do espelho T1 em função da variação da temperatura do laboratório com seus respectivos desvios padrão, sendo dados pela raiz quadrada da soma dos quadrados dos devidos dividido pelo numero de fotos analisadas. Tabela 9 – Comportamento do espelho T1 com a variação de temperatura. Temperatura Fator Strehl ( ) b 12°C 0.229 ± 0.057 0.192 ± 0.011 -1.052 ± 0.044 15°C 0.683 ± 0.034 0.098 ± 0.016 -1.049 ± 0.033 20°C 0.343 ± 0.013 0.163 ± 0.032 -1.072 ± 0.062 25°C 0.698 ± 0.042 0.095 ± 0.027 -1.083 ± 0.064 A somatória da distorção causada pelos diferentes índices de dilatação entre o vidro e o alumínio, associado a maior condutividade térmica do alumínio, faz com que a superfície do espelhada se resfrie mais rápido que o centro do vidro, criando um gradiente de temperatura entre a superfície e o centro, deformando a superfície do espelho. Em menores temperaturas apesar da curvatura ficar mais próxima da ideal (b = - 0,965 na tabela 7), como vemos na temperatura de 12°C, em que b = -1.052, enquanto a 76 25°C b = -1.083, a qualidade óptica do espelho não melhorou. Na verdade ressaltou alguns de seus defeitos locais na superfície, como pode ser visto através do aumento da somatória dos erros da superfície dado por de 0.192 . Esse efeito pode ser observado na figura 42. Essa queda na qualidade óptica pode ser notada também na tabela 9, com a mudança no fator Strehl em que a temperatura a 12°C esse fator diminui para 0.229, enquanto a 25°C estava em 0.698, e seu de 0.095 . Figura 45 – Mapa de relevo do espelho T1 para medidas em função da temperatura. Os defeitos locais são vistos na figura 45 através das diferentes cores, onde, as regiões em azul escuro são as regiões mais baixas (vales) do espelho e as roxas mais altas (picos). É possível verificar que a temperatura de 12°C, a diferença entre os picos e vales são maiores do que em outras temperaturas, sendo a diferença entre as regiões PV (Pico-Vale) de 1.7 ( = 550 nm). Como o é calculado a partir de todos os defeitos da superfície, conseguimos verificar que seu valor fica acima das demais temperaturas sendo de 0.192 . 77 Assim, como o fator Strehl é calculado através do , sua qualidade óptica pode ser considerada baixa. A temperatura de 25°C, a superfície do espelho também possui grandes diferenças entre seus picos e vales, de 1.251 , fazendo com que a frente de onda tenha uma deformação de 2.502 . Entretanto, a somatória de todos os defeitos não é grande como pode ser analisado através do valor de de 0.095 . Isto ocorre devido a área ocupada pelos defeitos ser pequena, menor do que nas demais temperaturas. Como a frente de onda é pouco deformada, isso faz com que seu fator Strehl fique em 0.698. A temperatura de 15°C, apesar dos defeitos ocuparem uma grande área da superfície como mostra a figura 45, a diferença entre seus picos e vales é a menor de todas as temperaturas, sendo de apenas 0.586 , fazendo com que a somatória de todos os seus erros fique em 0.098 . Consequentemente, seu fator Strehl tem um o valor de 0.683, como mostra a tabela 8. Nessa temperatura, 15°C, a análise da superfície teve um comportamento diferente das demais temperaturas, como a medida a 15°C foi realizada em um dia que a temperatura estava diminuindo, diferente dos demais dias como visto nas figuras 37, 38 e 39, o espelho estava em contração térmica e esse processo de contração pode ser o responsável pela menor valor de b = -1.049, visto na tabela 9, a curvatura é mais próxima de uma curva parabólica do que à temperatura de 12°C. O responsável por esse comportamento pode ser a camada de alumínio, que deve possui uma condutividade térmica maior e resfria a superfície aluminizada mais rápido que o corpo do vidro, fazendo com que sua contração seja maior como foi observado. Os valores do Fator Strehl e do espelho T1 tiveram uma grande variação entre as diversas temperaturas, esse comportamento pode ser gerado pelo apoio do espelho, que pode não possuir a superfície totalmente plana, como os apoios dos telescópios são feitos de madeira, e desde que esse telescópio foi confeccionado em 2006 não recebeu nenhuma manutenção preventiva, com o tempo o suporte pode ter empenado devido a humidade ou variação de temperatura, fazendo com que sua superfície tenha problemas de picos e vales e forcem o vidro, como o vidro possui um comportamento elástico, o apoio pode deformar o espelho. Como os espelhos não tinha uma posição definida para ser colocado no suporte, 78 cada hora uma região poderia ser pressionada pelo suporte, fazendo com que os erros na superfície do mesmo possam variar de medida para medida. Para que o espelho fique fixo no suporte, são colocadas 3 presilhas que prendem os espelhos pro três regiões em sua bordas, as presilhas seguram a borda do espelho e podem forçar essas regiões do espelho para baixo, fazendo com que a borda do espelho nessa região seja rebaixada e apresente o defeito de vale, esse problema é possível ser visto através das regiões das bordas em azul na figura 45. Outro problema que pode ter somado para a aparição das deformações na superfície do espelho, é o gradiente de composição no vidro, como o vidro é de baixa qualidade, em sua extensão pode haver diferentes composições, e como cada uma possui um diferente comportamento, com a variação da temperatura, pode ter ocorrido essas modificações não uniforme na superfície. A tabela 10 apresenta os parâmetros obtidos através da variação de temperatura para o espelho P1. Tabela 10 – Comportamento do espelho P1 com a variação de temperatura. Temperatura Fator Strehl ( ) b 12°C 0.698 ± 0.005 0.095 ± 0.002 -0.897 ± 0.011 15°C 0.514 ± 0.019 0.129 ± 0.015 -0.830 ± 0.026 20°C 0.593 ± 0.014 0.114 ± 0.018 -0.925 ± 0.044 25°C 0.468 ± 0.011 0.138 ± 0.021 -1.055 ± 0.068 O espelho P1 também segue a mesma tendência do espelho T1, de modificar a curvatura (vista na mudança do fator b, na tabela 10), à medida que a temperatura do ambiente de medida diminui, quando o fator b também diminui. Analisando a tabela 10, conseguimos ver que com a diminuição da temperatura, o espelho se afasta da curvatura ideal, identificada pelo fator b. A 20°C o espelho se encontra muito próximo da curvatura ideal com b = -0.925 (Ideal = -0.965). Entretanto, não é a temperatura em que o espelho possui a melhor qualidade óptica, pois mesmo com b = - 0.897 mais afastado da curvatura ideal, seu melhor desempenho foi visto na temperatura de 12 °C, onde seu fator Strehl é de 0.698, como pode ser visto na tabela 9. Na figura 46 é 79 possível verificar as modificações que ocorreram na superfície do espelho em função da temperatura. Figura 46 – Modificações na superfície do espelho P1 em diferentes temperaturas. Através da figura 46 é possível verificar que mesmo sendo a diferença entre os picos e vales da temperatura de 12°C (0.673 ) maior do que a 20°C (0.664 ), em 12°C, o espelho possui a qualidade óptica superior, devido a uniformidade nos defeitos, fazendo com que a somatória de todos os defeitos da sua superfície seja menor que a 20°C. Isso pode ser visto na tabela 9, através do , que a 12°C é 0.095 e a 20°C é de 0.115 . Como a frente de onda possui menores deformações, o fator Strehl aumenta. A deformação sofrida pelo espelho a temperatura de 25 °C fez com que a diferença entre seus picos e vales fosse de 1.236 . Mesmo com a diferença entre o P-V seja semelhante ao do espelho T1, o espelho P1 possui qualidade óptica superior, detectado na figura 46. Os defeitos nesse espelho estão concentrados em uma região pequena da sua 80 borda e, além disso, o valor de ( 0.138 ), é superior ao do espelho T1 a 20°C ( 0.164 ) ou ainda através do seu fator Strehl. A temperatura de 15°C, o espelho P1 teve o mesmo comportamento do espelho T1, se contraindo mais do que o esperado para essa temperatura, com b a 15°C menor que a 12°C. Isso pode evidenciar que a camada de alumínio pode influenciar nas medidas, pois como o alumínio condutividade térmica maior com o ambiente que o vidro, a superfície refletora se contrai antes que o vidro, não tendo tempo para o centro do vidro se resfrie e se contraia junto com a superfície. Para analisar o comportamento do espelho comercial com a variação da temperatura de medida, a tabela 11 é analisada. Tabela 11 – Comportamento do espelho Comercial com a variação de temperatura. Temperatura Fator Strehl ( ) b 12°C 0.598 ± 0.008 0.114 ± 0.002 -1.312 ± 0.059 20°C 0.592 ± 0.011 0.114 ± 0.009 -1.385 ± 0.074 25°C 0.491 ± 0.005 0.135 ± 0.003 -1.481 ± 0.021 O mesmo comportamento observado nos vidros Soda-Cálcicos ocorre no espelho a base de Boro-silicato, que também teve sua curvatura modificada deixando de ser hiperbólico e ficando mais próximo da curvatura parabólica como pode ser visto na tabela 11. Observamos a mudança de b, que a temperatura de 25°C é de -1.481 e a 12°C de -1.312. A figura 47 ilustra as deformações na superfície do espelho. 81 Figura 47 – Mapa de relevo do espelho comercial para a variação das medidas. Mesmo com o espelho sofrendo uma variação de temperatura semelhante aos demais espelhos, seu comportamento foi muito distinto dos demais. Esse fato é observado nos valores de , onde os valores não sofrem grandes alterações, como ocorreu com os espelhos de base soda-cálcicos. Como não houve grandes vari