UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro USO DA TERMOCRONOLOGIA POR TRAÇOS DE FISSÃO EM APATITA NO RECONHECIMENTO DE ÁREAS DE RECARGA E ANÁLISES ISOTÓPICAS DE 234U/238U EM ÁGUAS SUBTERRÂNEAS DO AQUÍFERO ITARARÉ NO MUNICÍPIO DE AMERICANA (SP) CARLOS PINTO FRACALOSSI Orientador: Prof. Dr. Peter Christian Hackspacher Co-orientador: Prof. Dr. Daniel Marcos Bonotto Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geociências Área de Concentração em Geologia Regional para obtenção do título de Mestre em Geologia. Rio Claro (SP) 2007 ii Comissão Examinadora _____________________________________ Prof. Dr. Peter Christian Hackspacher (DPM/IGCE/UNESP) _____________________________________ Prof. Dr. Edson Gomes de Oliveira (DGA/IGCE/UNESP) _____________________________________ Prof. Dr. Julio Cesar Hadler Neto (DRCC/IFGW/UNICAMP) ______________________________________ Carlos Pinto Fracalossi Rio Claro, 02 de setembro de 2007 Resultado ___________________________________________________ iii AGRADECIMENTOS O autor deseja aqui expressar seus mais sinceros agradecimentos às inúmeras pessoas e instituições, pelo apoio recebido, tornando possível a realização deste trabalho. Primeiramente ao orientador Prof. Dr. Peter Christian Hackspacher, pelas inúmeras sugestões e críticas construtivas recebidas durante a execução deste trabalho. Sinceros agradecimentos tornam-se também externos ao co-orientador Prof. Dr. Daniel Marcos Bonotto, pela revisão do texto e sugestões recebidas. Ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) na pessoa do geólogo Otávio Galembeck pela disponibilização de dados e sugestões. Ao DPM/IGCE pela disponibilização dos laboratórios utilizados. À Vânia, Neuzinha, Júnior, Adílson, Wladmir. Aos amigos do grupo de pesquisa, em especial à Daniele, Ana e Daniel pelas sugestões e ajuda no desenvolvimento e conclusão do trabalho. A todos os colegas graduandos, pós-graduandos e professores pela saudável convivência nestes últimos dois anos, em especial aos professores Zaine e Saad, a galera das repúblicas Milharal e Caenga e os amigos Hélio Scalvi, Bruce, Bruno, Felds, Luah, Bairral, Resgate, Bichones, Onça, Érica, Foca... Agradecimento especial aos irmãos da república, Mala, Maíra e Gordinho pelo teste de convivência, amizade e companheirismo ao longo destes anos. Às demais pessoas que esqueci de mencionar e que direta ou indiretamente colaboraram para a realização deste trabalho. Finalmente, um agradecimento muito especial aos meus pais e a minha irmã pelo apoio nestes últimos anos. iv RESUMO Neste trabalho foram desenvolvidos estudos termocronológicos e hidroquímicos próximos às cidades de Limeira e Americana, centro do estado de São Paulo. A aplicação da análise dos isótopos de urânio nas águas subterrâneas do aqüífero Itararé permitiu o reconhecimento do aumento de 234U a partir das áreas topograficamente mais elevadas para áreas topograficamente mais baixas, ou seja, a razão de atividade 234U/238U aumentou a partir das áreas de recarga. O uso do método de análises de traços de fissão em apatita registrou através das histórias térmicas, um apagamento total dos traços de fissão com início de retenção dos traços a partir de 118 Ma para a amostra TF-856 e 97 Ma para a amostra TF-858. Estas idades registram o primeiro período de soerguimento da área com início de geração das paleoáreas de recarga. Posteriormente, entre o Cretáceo Superior e o Paleoceno, um período de aquecimento foi evidenciado e mais tarde, a partir do Eoceno até os dias atuais a área passa por uma nova fase de soerguimento. Este trabalho introduz a utilização do método de análise por traços de fissão no reconhecimento de altos estruturais para a caracterização de paleoáreas de recarga. Palavras-chave: termocronologia, razão isotópica, área de recarga. v ABSTRACT For this research were done thermochronological and hydrochemical studies close to Limeira and Americana cities, central region of São Paulo State. Using the U-isotopes analysis in groundwater from Itararé aquifer was identified a larger quantity of U234 from higher to lower topographic areas, which means that the 234U/238U activity rate got higher from recharge areas. The application of apatites fission-track analysis registered, through thermal histories, the total resetting of the fission-tracks from 118 Ma for the sample TF-856 and 97 Ma for the sample TF-858. These ages register the first uplift time of this area which caused the origin of the paleo-recharge areas. Between Upper Cretaceous and Paleocene a heating period was registered and afterwards, from Eocene to the present time, is evidenced that the area gets a new uplift phase. This work suggests the use of fission-tracks analysis for the recognition of structural height and its consequence to the paleo-recharge areas. Keywords: thermochronology, isotopic ratio, recharge area. vi SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO 1 2 - OBJETIVOS 2 3 – LOCALIZAÇÃO E VIAS DE ACESSO 3 4 - GEOLOGIA REGIONAL 4 5 - GEOLOGIA LOCAL 16 6 - METODOLOGIAS UTILIZADAS 26 7 - RESULTADOS 56 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 73 9 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75 vii ÍNDICE 1 - INTRODUÇÃO 1 2 - OBJETIVOS 2 3 – LOCALIZAÇÃO E VIAS DE ACESSO 3 4 - GEOLOGIA REGIONAL 4 4.1 - Introdução 4 4.2 - Embasamento 7 4.3 - Estratigrafia da Bacia do Paraná 8 4.4 - Evolução tectono-sedimentar 10 5 - GEOLOGIA LOCAL 16 5.1 - Subgrupo Itararé 19 5.1.1 - Paleogeografia do Subgrupo Itararé na área de estudo 20 5.2 - Formação Serra Geral 22 5.3 - Hidrogeologia 24 6 - METODOLOGIAS UTILIZADAS 26 6.1 - Metodologia dos traços de fissão 26 6.1.1 - Introdução 26 6.1.2 – Conceito dos traços de fissão 27 6.1.3 – Formação e densidade dos traços 27 6.1.4 – Revelação dos traços 30 6.1.4.1 – Revelação de traços em cristais 30 6.1.5 – Determinação da idade dos traços de fissão 32 6.1.5.1 - Equação fundamental da idade 32 6.1.5.2 – Equação prática da idade 34 6.1.6 – Apagamento termal (annealing) dos traços de fissão 35 6.1.7 – Correção da idade 37 6.1.8 - Aplicação geológica dos traços de fissão 37 6.1.9 – Sistemas de datação e suas calibrações 38 6.1.9.1 – Calibração absoluta 39 6.1.9.2 – Calibração por idade padrão: método ζζ (zeta) 40 6.1.10 – Procedimentos e técnicas de datação 41 6.1.11 – Preparação e irradiação das amostras 41 6.1.11.1 – Apatita 42 6.1.11.2 – Contagem e medidas dos traços 43 6.2 - Análise isotópica do urânio 44 6.2.1 – Introdução 44 6.2.2 – Conceito dos isótopos de urânio 44 6.2.3 - Fracionamento e desequilíbrio isotópico 45 6.2.4 - Evolução dos radionuclídeos e classificação de aqüífero 46 6.2.5 - Desequilíbrio no aqüífero e frentes geoquímicas 48 6.2.6 - Procedimentos da análise isotópica do urânio 49 viii 6.2.6.1 - Coleta, dissolução e adição de traçador 51 6.2.6.2 - Coprecipitação 51 6.2.6.3 - Extração de Fe3+ 51 6.2.6.4 - Troca iônica 52 6.2.6.5 - Eletrodeposição 53 6.2.6.6 - Espectrometria alfa 55 7 - RESULTADOS 56 7.1 - Teor de urânio e razão de atividade 234U/238U nas águas subterrâneas do aqüífero Itararé 58 7.2 - Traços de fissão em apatita 65 7.2.1 – Modelagem das Histórias Térmicas e correlação com os eventos geológicos 67 7.2.2 – Correlação com áreas de recarga 72 8 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 73 9 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75 ix ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1: Localização da área de estudo no estado de São Paulo representada pelo polígono laranja. ................................................................................................................................... 3 Figura 2: Mapa geológico simplificado da Bacia do Paraná, com o contorno estrutural do embasamento cristalino (MILANI, 2004). .............................................................................. 5 Figura 3: Diagrama crono-estratigráfico da Bacia do Paraná, construído com base fundamentalmente em informações de subsuperfície (modificado de MILANI et al., 1994. Adaptação para BIZZI et al., 2001). ....................................................................................... 6 Figura 4: Estrutura do embasamento da Bacia do Paraná. Setas indicam o movimento convergente entre o continente e a litosfera do Panthalassa (MILANI & RAMOS, 1998)....... 7 Figura 5: Arcabouço tectônico da Bacia do Paraná (MARQUES et al., 1993 apud MILANI, 2004), com ênfase para os elementos estruturais de orientação NE-SW. Destaque para o conjunto de altos e baixos estruturais que define a província denominada de “rifte central”.. 11 Figura 6: Diagrama esquemático ilustrando o controle tectônico sobre a sedimentação durante a acumulação do pacote ordovício-siluriano da Bacia do Paraná. Localização na figura 4 (MILANI & RAMOS, 1998)................................................................................... 12 Figura 7: Assinatura estratigráfica das supersequências Rio Ivaí e Paraná da Bacia do Paraná e seu relacionamento com os ciclos de subsidência do Gondwana sul-ocidental (modificado de MILANI & RAMOS, 1998). ........................................................................................... 13 Figura 8: Assinatura estratigráfica da supersequência Gondwana I da Bacia do Paraná e seu relacionamento com os ciclos de subsidência do Gondwana sul-ocidental (modificado de MILANI & RAMOS, 1998). ................................................................................................ 14 Figura 9: Mapa geomorfológico do Estado de São Paulo (adaptado de VILLA, 2002 in http://www.abagrp.cnpm.embrapa.br/areas/geomorfologia.htm ).......................................... 16 Figura 10: Mapa geológico simplificado da área de estudo (modificado de BIZZI et al., 2001). .................................................................................................................................. 18 Figura 11: Perfil litológico (DAEE, 1981b)......................................................................... 19 Figura 12: Paleogeografia durante o terceiro episódio deposicional. (A) Sistema deltaico Rodovia do açúcar e sistema supraglacial de base úmida de Monte Mor. (B) Sistema costeiro de Tupi (modificado de SOUZA FILHO et al, 1990)............................................................ 21 Figura 13: Mapa geológico da área investigada, correspondente às áreas de ocorrência dos sills, com a localização dos quatro grupos, sendo eles: Cajuru (GSC), Leme (GSL), Iracemápolis (GSI) e Paulínia (GSP) (MACHADO, 2005; simplificado de DNPM, 1978 e IPT, 1981). Legenda: (1) Derrames de lava – Formação Serra Geral; (2) Formações Botucatu / Pirambóia; (3) Grupo Passa Dois; (4) Supergrupo Tubarão; (5) Embasamento cristalino...... 23 x Figura 14: Representação da teoria de Explosão Iônica (modificado de GALLAGHER et al., 1998). .................................................................................................................................. 28 Figura 15: Dois tipos de traços são usados para estudos de comprimento de traços: traços confinados e traços de superfície ou semi-traços (modificado de WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). ................................................................................................................... 31 Figura 16: Representação esquemática das zonas de apagamento parcial e total para a apatita (modificado de GALLAGHER et al., 1998). ........................................................................ 36 Figura 17: Exemplo de história térmica de um resfriamento simples (A) com respectiva evolução do encurtamento de cada população de traços gerados (B) e histograma teórico resultante deste exemplo (C) (GODOY, 2005). .................................................................... 38 Figura 18: Representação gráfica de dados isotópicos de urânio de amostras de água em um diagrama de razão de atividade (234U/238U) contra o inverso da concentração de urânio promove o reconhecimento de relações de mistura. Por exemplo, as amostras A-C podem ser interpretadas como uma relação de mistura. Neste caso a amostra B pode ser uma mistura das amostras A e C, com proporções calculadas através da equação 11 (a,b). Entretanto é provável que A-C são misturas de C e quantidades variáveis de Z lixiviado. Similarmente, a água G poderia ser uma mistura da água B com uma água que não contenha urânio (diluição). Amostra B pode ter evolvido em vários caminhos: diluição da água D, mistura de A e C, lixiviação de Z por C, ou decaimento do excesso de 234U em E (modificado de IVANOVICH & HARMON, 1992.............................................................................................................. 47 Figura 19: Diagrama esquemático de como uma solução de urânio em um aqüífero confinado (inferior) varia relativamente à frente de redox (topo) e como a razão de atividade varia com a distância (meio) (modificado de IVANOVICH et al., 1991). ................................................ 49 Figura 20: Diagrama geral do procedimento de extração de urânio (BONOTTO, 1996). ..... 50 Figura 21: Célula de eletrodeposição de urânio (BONOTTO, 1996).................................... 54 Figura 22: Mapa de pontos ilustrando os locais de coleta das amostras de água e de rocha (modificado de BIZZI et al., 2001)...........................................................................................57 Figura 23: Mapa de localização dos perfis litológicos construídos....................................... 58 Figura 24: Perfil A-A’......................................................................................................... 59 Figura 25: Perfil B-B’. ........................................................................................................ 60 Figura 26: Perfil C-C'...............................................................................................................61 Figura 27: Modelo digital de relevo com a localização dos pontos. Valores de altitude em metros.................................................................................................................................. 62 Figura 28: Mapa representando os valores da razão de atividade 234U/238U nos pontos de coleta. Valores de altitude em metros. .................................................................................. 63 xi Figura 29: Mudanças relativas na concentração de urânio dissolvido e razão de atividade 234U/238U (R.A.) durante o fluxo de águas subterrâneas (modificado de OSMOND et al., 1983). .................................................................................................................................. 64 Figura 30: Histogramas com idades corrigidas grão a grão de cada amostra. As barras azuis indicam a idade estratigráfica da unidade amostrada. ........................................................... 67 Figura 31: Comparação entre as histórias térmicas da região estudada (amostras TF-856 e TF-858) com história térmica da região do Domo de Pitanga (amostra TF-888). A última foi retirada de Godoy et al. (2006). ............................................................................................ 69 Figura 32: Representação dos intervalos de tempo de resfriamento (quadros azuis), aquecimento (quadros vermelhos) definidos com base nas histórias térmicas. As idades corrigidas das amostras também estão representadas na figura pelas linhas roxas. Os valores de temperatura destacados representam a temperatura no momento de inflexão das curvas de história térmica. ................................................................................................................... 70 Figura 33: Comparação entre os eventos térmicos ocorridos na área de estudo (TF-856 e TF- 858) com os eventos térmicos descritos por Godoy (2005) para sedimentos do Subgrupo Itararé na região do Domo de Pitanga................................................................................... 71 xii ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1: Razão de atividade 234U/238U e concentração de urânio nas águas subterrâneas do aqüífero Itararé..................................................................................................................... 62 Tabela 2: Amostras de rocha analisadas. As amostras em negrito correspondem àquelas com grãos de apatita onde foram realizadas as análises de traço de fissão. ................................... 65 Tabela 3: Dados experimentais das amostras: número total de grãos analisados (N), teste de probabilidade de “qui” quadrado (P(χ2)), somatória de traços fósseis (ρs), somatória de traços induzidos (ρi), comprimento médio dos traços confinados em μm (L), idade aparente, idade corrigida e fluência de nêutrons............................................................................................ 66 ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1: Especificações de vidros dopados utilizados para dosimetria de nêutrons térmicos na datação por traço de fissão. (*HURFORD & GREEN, 1983; **HURFORD, 1990; ***DE CORTE et al., 1998; **** IUNES, 1999)............................................................................. 39 1 1 - INTRODUÇÃO O elevado uso das águas subterrâneas na área de estudo e as incertezas quanto à distribuição das diferentes características hidroquímicas e hidráulicas do aqüífero Itararé, motivaram a escolha deste sistema aquífero para o desenvolvimento do presente trabalho. O melhor conhecimento hidrogeológico deste aqüífero é de suma importância, uma vez que suas reservas de água subterrânea são amplamente utilizadas tanto para o abastecimento público como para fins industriais e agrícolas. Nas últimas duas décadas, em razão da complexidade deste aquífero, a incorporação de outras áreas de conhecimento tem sido utilizada na tentativa de se obter uma análise mais completa. Para isto foram utilizados métodos geofísicos e geoquímicos em trabalhos como DAEE (1981), Maniakas (1986) e Sepe (1990). O presente trabalho propõe a incorporação da metodologia traço de fissão no estudo hidrogeológico como ferramenta auxiliar na análise da tectônica que atuou na bacia. A tectônica registrada nos traços de fissão pode ser a responsável pelas áreas de recarga atuais, pela geração de estruturas e pela compartimentação da bacia e conseqüentemente do aqüífero. Análises isotópicas de 234U e 238U foram realizadas nas águas subterrâneas com o intuito de se observar as variações isotópicas em áreas de recarga e áreas de acúmulo. 2 2 - OBJETIVOS Os trabalhos desenvolvidos através da análise de traços de fissão em apatita e análises isotópicas do 234U/238U tiveram dois objetivos centrais: 1- reconhecimento das paleoáreas de recarga; e 2- reconhecimento do comportamento da razão de atividade 234U/238U no aqüífero. 3 3 – LOCALIZAÇÃO E VIAS DE ACESSO A área de estudo localiza-se na região central do Estado de São Paulo e abrange os municípios de Limeira, Americana, Santa Bárbara d’Oeste e Nova Odessa, estando compreendida entre as coordenadas 22º30’ e 22º45’ de latitude S e 47º15’ e 47º30’ de longitude W (Figura 1). As principais vias de acesso saindo de São Paulo para Americana (127 km) ou Limeira (151 Km) são as rodovias SP-348 (Rodovia dos Bandeirantes) e SP-330 (Via Anhanguera). Figura 1: Localização da área de estudo no estado de São Paulo representada pelo polígono laranja. 4 4 - GEOLOGIA REGIONAL 4.1 - Introdução A Bacia do Paraná é uma bacia intracratônica encontrando-se totalmente sobre a crosta continental da plataforma sul-americana. É uma seqüência sedimentar-magmática com idades entre o Neo-Ordoviciano e o Neocretáceo. A bacia abrange uma área superior a 1.500.000 km2, estendendo-se pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (Figura 2). A sucessão de rochas sedimentares e magmáticas que constituem a bacia representa segundo Milani (1997), sucessivos episódios de sedimentação em uma bacia de registro policíclico. Esta ciclicidade, relacionadas ou não, com as orogenias ocorridas na porção oeste do supercontinente Pangea, deram origem à divisão da bacia em seis superseqüências (MILANI op. cit.), como veremos adiante (Figura 3). 5 Figura 2: Mapa geológico simplificado da Bacia do Paraná, com o contorno estrutural do embasamento cristalino (MILANI, 2004). 6 Figura 3: Diagrama crono-estratigráfico da Bacia do Paraná, construído com base fundamentalmente em informações de subsuperfície (modificado de MILANI et al., 1994. Adaptação para BIZZI et al., 2001). 7 4.2 - Embasamento O embasamento da Bacia do Paraná é constituído por um núcleo cratônico (Rio de La Plata/Luiz Alves) rodeado por cinturões móveis e por maciços remobilizados de rochas cristalinas do Arqueano (Figura 4). Todos estes terrenos foram agrupados durante o ciclo Brasiliano levando à formação do continente Gondwana. Figura 4: Estrutura do embasamento da Bacia do Paraná. Setas indicam o movimento convergente entre o continente e a litosfera do Panthalassa (MILANI & RAMOS, 1998). As linhas de fraqueza as quais cruzam o embasamento, partindo-o em centenas de blocos constituíram os elementos mais importantes na evolução da bacia. Alguns autores afirmam que as maiores influências no desenvolvimento de uma bacia sedimentar, em seu 8 aspecto estrutural, são as forças residuais preexistentes e as zonas de fraqueza do seu embasamento (FROST et al., 1981 apud FULFARO et al., 1982) Zalán (1991) obteve um histograma de lineamentos, através de estudos aeromagnetométricos, o qual indicava uma distribuição bimodal das zonas de fraqueza. Para este autor os lineamentos NE-SW estariam relacionados aos cinturões móveis brasilianos localizados a leste e sudeste da bacia. O conhecimento do embasamento é de extrema importância, pois se tratando de uma bacia intraplaca, onde os eventos tectônicos marginais não são capazes de criar grandes diastrofismos, a atividade tectônica principal dentro da bacia está sujeita à herança estrutural do seu embasamento, prevalecendo movimentações verticais e horizontais dos blocos limitados por falhas. 4.3 - Estratigrafia da Bacia do Paraná Seis seqüências aloestratigráficas ou superseqüências constituem o arcabouço estratigráfico da Bacia do Paraná (Figura 3) (MILANI, 1997). O registro completo de sedimentação inicia-se no Neo-Ordoviciano seguindo até o Mesozóico com intervalos de erosão e não-deposição, acumulando um período de sedimentação da ordem de 400 Ma. As superseqüências Rio Ivaí (Caradociano-Landoveriano), Paraná (Lockoviano-Frasniano) e Gondwana I (Westfaliano-Scythiano) caracterizam depósitos paleozóicos com ciclos transgressivo-regressivos, enquanto que as superseqüências Gondwana II (Anisiano-Noriano), Gondwana III (Neojurássico-Berriasiano) e Bauru (Aptiano-Maastrichtiano) caracterizam sedimentos continentais e rochas ígneas associadas. A Superseqüência Rio Ivaí, compreedendo o pacote de rochas mais antigo da Bacia do Paraná, tem como maior distribuição geográfica um trend NE-SW que parte do Paraguai e se estende até a porção nordeste do estado de São Paulo. O registro sedimentar desta seqüência inclui conglomerados e arenitos (Formação Alto Garças), diamictitos (Formação Iapó) e folhelhos fossilíferos (Formação Vila Maria) (MILANI & RAMOS, 1998). Os folhelhos registram o período de máxima inundação do ciclo ordovício-siluriano e apresentam idade mínima deposicional, por meio de datação Rb/Sr, de 435,9 ± 7,8 Ma (MIZUSAKI et al., 2002). Nesta superseqüência há registros de rochas ígneas (basalto Três Lagoas) associadas 9 com os sedimentos sugerindo uma tectônica sinsedimentar associada à algum rifteamento responsável pela implantação da Bacia do Paraná (MILANI & RAMOS, op cit.). York (2003) apud Milani (2004) datou este basalto com o uso da técnica Ar/Ar e obteve idade de 443 ± 10 Ma em plagioclásios. A Superseqüência Paraná assenta-se sobre uma superfície discordante que erodiu o topo do pacote ordovício-siluriano, apoiando-se nas unidades sedimentares precedentes ou diretamente sobre o embasamento. Esta seqüência, de idade devoniana, marca um ciclo transgressivo-regressivo que se inicia com os depósitos areno-conglomeráticos continentais a transicionais eodevonianos da Formação Furnas, recobertos em transição por sedimentos marinhos pelíticos da Formação Ponta Grossa, datados do Emsiano ao Frasniano (MILANI & RAMOS, 1998). O limite superior do pacote devoniano é também marcado por uma discordância em ampla escala. Esta discordância denominada de “discordância Itararé” ou discordância infra- Pensilvaniano (MILANI, 1997) corresponde a uma lacuna de sedimentação de cerca de 50 Ma. Fatores climáticos e tectônicos inibiram a sedimentação nesta área. A glaciação gondwânica, decorrente deste período, contribuiu para a erosão e tornou-se um obstáculo para o transporte e acumulação de sedimentos (MILANI & RAMOS, 1998). Após o ápice da glaciação e início do degelo no Westphaliano (MILANI et al., 1994), implanta-se na bacia novo período deposicional, constituindo a Superseqüência Gondwana. Esta superseqüência é o pacote sedimentar mais volumoso da Bacia do Paraná, com espessuras que alcançam um máximo de 2500 m (MILANI & THOMAZ FILHO, 2000). A seqüência carbonífera-eotriássica inicia-se com o pacote sedimentar, diretamente associado à fase de degelo da calota gondwânica, conhecido como Grupo Itararé (Formação Aquidauana na porção norte da bacia). As rochas deste grupo são compostas de diamictitos, turbiditos, conglomerados, varvitos e tilitos (FRANÇA & POTTER, 1988). Sobre o Grupo Guatá assenta-se o Grupo Passa Dois, representado pelos folhelhos betuminosos da Formação Irati e siltitos arroxeados da Formação Corumbataí e correspondentes. No Neotriássico os depósitos da bacia assumiram um caráter continental constituindo as unidades estratigráficas Pirambóia e Sanga do Cabral, compostas por arenito avermelhado e esbranquiçado, com estratificação cruzada acanalada e planar, acumulado por sistemas flúvio-eólicos (MILANI et al., 1994). Camadas vermelhas lacustrinas de ocorrência local e depósitos fluviais e eólicos associados constituem a Formação Santa Maria e a Superseqüência Gondwana II (MILANI & THOMAZ FILHO, 2000). 10 A seqüência Neojurássica/Eocretácea é constituída pelos depósitos de dunas eólicas que cobriram completamente a bacia (Formação Botucatu) e pelas rochas magmáticas da Formação Serra Geral, o mais volumoso episódio de extravasamento intracontinental de lavas do planeta. Turner et al. (1994) apud Milani (2004) posiciona o magmatismo Serra Geral, com base em datação pela técnica Ar/Ar, entre 137 e 127 Ma. O conjunto das formações Botucatu e Serra Geral compõem o Grupo São Bento e a Superseqüência Gondwana III da Bacia do Paraná. A sexta e última superseqüência é a Superseqüência Bauru depositada no Cretáceo superior. O pacote sedimentar assenta-se em discordância erosiva sobre os basaltos Serra Geral, mostrando uma espessura máxima da ordem de 300 metros (MILANI et al., 1994; MILANI, 2004). Trata-se de um pacote arenoso, relacionado a processos alúvio-fluviais (Grupo Bauru) e eólicos (Grupo Caiuá) (MILANI, 2004). 4.4 - Evolução tectono-sedimentar A origem da Bacia do Paraná ainda é incerta. Alguns autores atribuem o início da sedimentação a calhas aulacogênicas herdadas do embasamento (FULFARO et al., 1982). Para Zalán (1991) a origem da bacia poderia estar ligada ao Ciclo Brasiliano, que após intensa deformação e granitogênese, a litosfera teria sido espessada e aquecida. O resfriamento deste ciclo teria dado início à subsidência que criou a depressão inicial da Bacia do Paraná. Outra hipótese aventada por Zalán (op cit.) é de que um período de estiramento crustal seria responsável pelo mecanismo inicial de subsidência da bacia. Para Soares (1991) apud Milani (2004), não há explicação de uma grande rifte precursor que explicasse a origem da bacia por estiramento litosférico. 11 Figura 5: Arcabouço tectônico da Bacia do Paraná (MARQUES et al., 1993 apud MILANI, 2004), com ênfase para os elementos estruturais de orientação NE-SW. Destaque para o conjunto de altos e baixos estruturais que define a província denominada de “rifte central”. Segundo Milani (2004) a existência de um rifte central precursor da bacia ainda não pode ser afirmada com precisão devido à precária visualização do arcabouço profundo na região da denominada calha central. Entretanto o autor cita que dados geofísicos (gravimétricos, magnetométricos e sísmica de reflexão) obtidos por Marques et al. (1993) e contidos em relatório interno da Petrobrás, dão maior confiabilidade à existência deste rifte, como uma proeminente depressão pré-devoniana (Figura 5), demarcada pelo eixo da bacia de drenagem do Rio Paraná. Ainda para o mesmo autor, a subsidência inicial da Bacia do Paraná, que acolheu as seqüências ordovício-siluriana e devoniana, seria de natureza transtensiva, sendo os grábens originados orientados segundo trama brasiliana NE-SW. 12 De comum acordo entre os autores que estudam a Bacia do Paraná é o fato de que o desenvolvimento desta foi fortemente influenciado pela geodinâmica do Gondwana sul- ocidental, ficando assim evidente que a evolução tectono-sedimentar da bacia deve ser entendida dentro do contexto global da tectônica de placas. Quando se compara cronologicamente os principais eventos de subsidência associados às supersequências estratigráficas de Milani (1997), fica mais fácil o entendimento desta afirmativa. Figura 6: Diagrama esquemático ilustrando o controle tectônico sobre a sedimentação durante a acumulação do pacote ordovício-siluriano da Bacia do Paraná. Localização na figura 4 (MILANI & RAMOS, 1998). Segundo Milani & Ramos (1998), a colisão do terreno Precordilheira contra o Gondwana no Meso a Neo-Ordoviciano, seria responsável pela acomodação de esforços da Orogenia Oclóyica. Estes esforços acumulados induziram a subsidência inicial da bacia, na forma de depocentros transtensivos alongados na direção NE-SW (Figura 6). Ainda segundo estes autores, a intercalação dos sedimentos da Supersequência Rio Ivaí com o basalto Três Lagoas, sugere reativação das zonas de fraqueza do embasamento e implantação de algum tipo de rifteamento como mecanismo inicial de subsidência da bacia. Segundo Assine (1996), a subsidência causada pela Orogenia Oclóyica tem estreita relação temporal com a deposição da Supersequência Rio Ivaí, estando o período de máxima inundação desta seqüência, no Landoveriano, muito próximo em tempo ao clímax da orogenia. No Siluriano, em tempos pós-landoverianos, registra-se na bacia a queda nas taxas de subsidência, ausência de depósitos preservados do Siluriano Médio e Superior e formação da discordância neo- siluriana que peneplanizou o relevo. 13 Este período de peneplanização em um ambiente estável foi quebrado no Devoniano por um ciclo de subsidência acelerada durante o Praguiano-Emsiano, resultado de outra fase de deformação na margem ocidental gondwânica, a Orogenia Precordilheirana (Figura 7). Figura 7: Assinatura estratigráfica das supersequências Rio Ivaí e Paraná da Bacia do Paraná e seu relacionamento com os ciclos de subsidência do Gondwana sul-ocidental (modificado de MILANI & RAMOS, 1998). Como conseqüência desta rápida subsidência, os depósitos de sistemas transicionais da Formação Furnas foram afogados, durante o Emsiano, implantando-se o sistema marinho com deposição de material pelítico da Formação Ponta Grossa. Da mesma maneira que a Supersequência Rio Ivaí, a Supersequência Paraná teve em seu período de máxima inundação, correlação temporal com as maiores taxas de subsidência, relacionadas agora com o clímax da Orogenia Precordilheirana (MILANI & RAMOS, 1998) (Figura 7). Segundo estes autores, os gráficos de subsidência permitem a interpretação de que as condições de máxima inundação no Devoniano são resposta ao aprofundamento rápido do substrato e não a uma subida do nível do mar. De acordo com Milani (2004), a Bacia do Paraná, desde seu início no Neo- Ordoviciano até o final da acumulação do pacote devoniano, configurou-se em golfo e manteve uma efetiva conexão com as áreas deposicionais do atual Chaco argentino- paraguaio-boliviano, com as quais compartilhou as incursões de águas oceânicas do Panthalassa. No Eocarbonífero, a Orogenia Chanica induziu um ciclo de subsidência nos terrenos do antepaís não sendo este registrado na Bacia do Paraná. No Neocarbonífero (Westfaliano), após um hiato deposicional de cerca de 50 Ma, mudanças tectônicas e climáticas conduzem o 14 início da sedimentação da Supersequência Gondwana I. A deglaciação das geleiras favoreceu processos deposicionais de intenso fluxo de massa, com escorregamentos e turbiditos, correspondentes aos sedimentos do Grupo Itararé e Formação Aquidauana, acumulados ainda sob marcante influência do clima glacial. Subsidência no Neocarbonífero na porção norte da bacia foi também importante para a sedimentação do Grupo Itararé e Formação Aquidauana registrando espessuras de até 1500 m. Este ciclo de subsidência perdurou até o final do Permiano avançando paulatinamente para o sul (MILANI et al., 1994). Ao final do Eopermiano, a mudança no sentido de onlap sedimentar-estratigráfico, coincide em tempo, segundo Milani & Ramos (1998), com o clímax da Orogenia Sanrafaélica (Figura 8). Segundo Milani (1997; 2004), as reativações ocorridas no Neopermiano da Bacia do Paraná estariam relacionadas aos processos geotectônicos desta orogênese, e o arco magmático de Choiyoi, então implementado na calha de antepaís, foi importante elemento de restrição à comunicação do interior continental com o Panthalassa. A partir daí a Bacia do Paraná vai gradativamente assumindo um caráter deposicional continental. Figura 8: Assinatura estratigráfica da supersequência Gondwana I da Bacia do Paraná e seu relacionamento com os ciclos de subsidência do Gondwana sul-ocidental (modificado de MILANI & RAMOS, 1998). Percebe-se que a evolução tectono-sedimentar da Bacia do Paraná teve estrita correlação com o regime tectônico atuante no Gondwana durante o Paleozóico. Milani & Ramos (op cit.) afirmam que a amplitude temporal das supersequências da bacia está claramente confinada aos limites temporais dos diferentes ciclos de subsidência patrocinados pelas orogenias paleozóicas da margem do Gondwana. 15 No Mesozóico da Bacia do Paraná instala-se um sistema deposicional flúvio-eólico decorrente do processo de desertificação que vinha ocorrendo na bacia. São depositados os sedimentos das formações Pirambóia e Sanga do Cabral, pertencentes a Supersequência Gondwana I e de idade Eotriássica. No Mesotriássico, um sistema distensivo localizado de subsidência deu origem à calha deposicional onde se acomodaram os sedimentos flúvio- lacustres da Formação Santa Maria, de idade Meso a Neotriássica, pertencentes à Supersequência Gondwana II. No Neojurássico, um extenso campo de dunas cobriu inteiramente a Bacia do Paraná, constituindo a Formação Botucatu e a base da Supersequência Gondwana III. Seguiu-se no Eocretáceo, o extravasamento de grande volume de rochas ígneas da Formação Serra Geral, decorrentes da ruptura do Gondwana e abertura do Atlântico Sul. O rifteamento sul- atlantiano, envolveu, segundo Milani (2004), o embasamento da bacia, reativando suturas antigas em movimentações diversas, criando novos conjuntos de falhas e fraturas e propiciando a injeção e extravasamento das rochas ígneas. Esta reativação das antigas zonas de fraqueza foi denominada por Almeida (1967) apud Milani (2004) de Reativação Wealdeniana. Sobrepondo-se aos basaltos Serra Geral em discordância erosiva estão os sedimentos da última das seis supersequências de Milani (1997), a Supersequência Bauru. Milani (2004) afirma que soerguimentos marginais nas bordas da Bacia do Paraná teriam originado a depressão denominada Bacia Bauru. 16 5 - GEOLOGIA LOCAL A área de estudo situa-se geologicamente na borda leste da Bacia do Paraná, estando geomorfologicamente inserida dentro da Depressão Periférica do Estado de São Paulo (Figura 9). Figura 9: Mapa geomorfológico do Estado de São Paulo (Adaptado de VILLA, 2002 in http://www.abagrp.cnpm.embrapa.br/areas/geomorfologia.htm). 17 A Depressão Periférica (MONBEIG, 1949; AB’SABER, 1956; ALMEIDA, 1964 apud DAEE, 2005), com altitudes médias de 600 a 650 m, estende-se ao longo de uma faixa de 80 a 100 km de largura e corresponde à área de ocorrência das rochas sedimentares paleozóicas e mesozóicas da Bacia do Paraná. Limita-se a leste pelo Planalto Atlântico constituído por rochas do embasamento cristalino, principalmente por granitos e gnaisses que podem atingir até 2000 m de altitude, e a oeste pelas cuestas basálticas com altitudes médias de 800 a 900 m que formam, juntamente com as unidades do Grupo Bauru, o Planalto Ocidental. O Subgrupo Itararé predominante em toda a área é limitado a noroeste pela Formação Tatuí. Apresenta-se em grande parte encoberto por sedimentos cenozóicos inconsolidados e intrudido por grande quantidade de sills e diques de diabásio, da Formação Serra Geral (Figura 10). As camadas apresentam mergulho regional para oeste com cerca de 1º (SOUZA FILHO, 1983). A amostragem para análise dos traços de fissão em apatita foi realizada nos sedimentos do Subgrupo Itararé. Estas rochas são predominantes na área e no caso dos diabásios, estes apresentam maior importância tectônica, responsáveis por um provável soerguimento da área. Desta forma, serão aqui descritos somente as rochas do Subgrupo Itararé e Formação Serra Geral. 18 Figura 10: Mapa geológico simplificado da área de estudo (modificado de BIZZI et al., 2001). 19 5.1 - Subgrupo Itararé A subdivisão do Subgrupo Itararé no Estado de São Paulo em unidades com características próprias que permitam seu reconhecimento no campo ou em subsuperfície, ainda hoje é matéria de grande debate, sendo inúmeras as proposições apresentadas e seguidamente rejeitadas. De qualquer modo, tentativas de associações litológicas, de âmbito regional ou local, foram sugeridas conforme inúmeros trabalhos (BARBOSA & ALMEIDA, 1949; ALMEIDA & BARBOSA, 1953; SAAD, 1977; PETRI, 1992; ROSADA JR., 1999, 2003; entre outros). Dentre todas as definições estratigráficas propostas, a estratigrafia definida pelo projeto DAEE-UNESP (1979) revela-se de grande utilidade, pois subdivide o Subgrupo Itararé segundo associações litofaciológicas. Assim, o Subgrupo Itararé foi subdividido nas unidades Inferior, Médio e Superior (Figura 11), as quais regionalmente apresentam variações faciológicas laterais. Figura 11: Perfil litológico (DAEE, 1981b). Na área de estudo, encontram-se somente as unidades Média, composta de lamitos e lamitos arenosos, siltitos a arenitos finos, e Superior, com duas associações litológicas mapeadas: uma com lamitos conglomeráticos e arenitos conglomeráticos, e outra, de arenitos finos a médios com intercalações de ritmitos e lamitos. 20 5.1.1 - Paleogeografia do Subgrupo Itararé na área de estudo Souza Filho et al. (1990) reconheceram seis associações faciológicas para o Subgrupo Itararé nas regiões de Campinas, Indaiatuba, Capivari e Limeira e posicionou-as em três episódios deposicionais. Na região de Limeira, foi reconhecido o terceiro e último episódio deposicional, marcado pela progradação rápida de lobos deltaicos desenvolvidos sob grande influência de ondas e marés e seqüências de prodelta/plataforma na região de Santa Bárbara do Oeste e que constituem o conjunto litológico mais expressivo do Subgrupo Itararé na área. Tais lobos deltaicos teriam sido alimentados por correntes de degelo distais e proximais que fluiriam para o quadrante W, com linha de costa disposta de SSE a NNW. A evidência indireta da contribuição glacial está registrada nas fácies baciais, de prodelta e frente deltaica sob a forma de seixos pingados e diamictitos subaquosos, enquanto que o registro direto é marcado por seqüências glacígenas cortando fácies de planície deltaica (sistema supraglacial de base úmida de Monte Mor). O encerramento da sedimentação é marcado por condições fisiográficas com lobos deltaicos retrabalhados por ondas e marés que caracterizam o sistema costeiro de Tupi. A paleogeografia é marcada por uma linha de costa disposta a N na região de Limeira, onde os lobos desenvolveram-se no sentido WNW e a NE em Capivari, com aporte sedimentar para W (SOUZA FILHO et al, 1990) (Figura 12). 21 Figura 12: Paleogeografia durante o terceiro episódio deposicional. (A) Sistema deltaico Rodovia do açúcar e sistema supraglacial de base úmida de Monte Mor. (B) Sistema costeiro de Tupi (modificado de SOUZA FILHO et al, 1990). 22 5.2 - Formação Serra Geral Constituem-se principalmente de lavas basálticas de composição toleítica e coloração cinza-preta. As rochas intrusivas são encontradas com maior freqüência, associadas a falhamentos, apresentando-se na forma de diques, todavia podem ser encontradas dispondo-se paralelas ao acamamento sedimentar das rochas hospedeiras, na forma de sills. A maior parte dos sills aflorantes na região estão encaixados nos siltitos, diamictitos e arenitos do Subgrupo Itararé. A espessura média dos sills desta região, com dados obtidos através de métodos geofísicos mostram valores da ordem de 80 m em Iracemápolis e 230 m em Cosmópolis (SOARES, 1985). Quanto aos diques, estes ocorrem preferencialmente à norte da área de estudo, inseridos ou próximos aos domos de Pitanga e Anhembi, onde a ocorrência de alinhamentos estruturais e falhas geológicas geradas próximas aos horsts e domos, parecem ter exercido certo controle na penetração do magma durante o início do Cretáceo (RICCOMINI, 1997). Datações do tipo 40Ar/39Ar, e dados paleomagnéticos, indicam que a atividade vulcânica que deu origem aos derrames de lava ocorreram principalmente entre 133 e 132 Ma (MULLER et al. 1993; RENNE et al., 1992, 1996; ERNESTO et al., 1999). Machado (2005) subdividiu corpos intrusivos da Formação Serra Geral na região em quatro grupos de ocorrência, tendo como critério suas distribuições geográficas, sendo denominadas de grupo de sills de Cajuru (GSC), Leme (GSL), Iracemápolis (GSI) e Paulínia (GSP) como mostra a figura 13. As rochas basálticas da área de estudo estão inseridas no Grupo de sills de Iracemápolis (GSI) cujos corpos ígneos estão alojados principalmente na porção superior do Subgrupo Itararé e Formação Tatuí e envolvem as cidades de Americana, Nova Odessa, Cosmópolis, Limeira, Piracicaba, Tanquinho, Iracemápolis, Ipeúna, Rio Claro e Araras. De maneira geral, a mineralogia destas rochas é composta essencialmente por plagioclásio, piroxênio (augita e pigeonita), minerais opacos (magnetita e ilmenita) e mesóstase (vítrea ou microgranular). Em quantidades subordinadas é comum a presença de olivina (frequentemente como pseudomorfos) e apatita (MACHADO, 2005). 23 Figura 13: Mapa geológico da área investigada, correspondente às áreas de ocorrência dos sills, com a localização dos quatro grupos, sendo eles: Cajuru (GSC), Leme (GSL), Iracemápolis (GSI) e Paulínia (GSP) (MACHADO, 2005; simplificado de DNPM, 1978 e IPT, 1981). Legenda: (1) Derrames de lava – Formação Serra Geral; (2) Formações Botucatu / Pirambóia; (3) Grupo Passa Dois; (4) Supergrupo Tubarão; (5) Embasamento cristalino. 24 5.3 - Hidrogeologia A pesquisa e explotação de água subterrânea em aqüíferos do Subgrupo Itararé no Estado de São Paulo é extremamente difícil dado o caráter errático das características litológicas, estratigráficas e estruturais de seus sedimentos. Sondagens elétrico verticais nas áreas de locação dos poços e levantamentos de fraturas por meio de fotografias aéreas são o que vem sendo feito no âmbito de planejamento exploracional. Agravando a situação, a região de Limeira e Americana, onde afloram os sedimentos do Subgrupo Itararé, está sendo densamente ocupada em decorrência da expansão industrial desta região, aumentando sensivelmente a demanda de recursos hídricos subterrâneos. A preocupação de um planejamento que inclua a determinação de áreas de recarga e o eventual fluxo do aqüífero subterrâneo faz o tema do presente trabalho. De modo geral, o aqüífero Itararé encontra-se cortado em diversos pontos por intrusões de diabásio, que localmente interrompem sua continuidade, sendo ainda recoberto em áreas próximas aos lineamentos de drenagem por camadas de sedimentos cenozóicos. O armazenamento e a circulação da água no aqüífero Itararé ocorre através dos interstícios dos sedimentos clásticos grosseiros (arenitos, conglomerados, diamictitos), que estão intercalados com camadas de sedimentos finos (lamitos, siltitos, folhelhos) o que dificulta o escoamento da água subterrânea no sentido vertical e caracteriza uma situação de anisotropia com permeabilidade vertical inferior à horizontal. Há alternância em superfície de sedimentos grosseiros e finos com espessuras variadas, acentuando a heterogeneidade das propriedades deste aqüífero. O aqüífero Itararé constitui um sistema aqüífero de baixa condutividade hidráulica e com um fraco potencial produtivo. Regionalmente apresenta-se livre podendo ser localmente encontrado sobre situações de semi-confinamento ou confinamento pelos sedimentos do Grupo Passa Dois à medida que avança para a porção noroeste da área. De acordo com DAEE (2005) a capacidade específica do aqüífero Tubarão, constituído por rochas do Subgrupo Itararé e Formação Tatuí, oscila entre 0,002 e 4,67 m3/h/m. Estes valores são concordantes com DAEE (1981, 1982), Diogo et al. (1981), IG (1993, 1995), e Oda (1998) apud DAEE (2005). A compartimentação deste sistema aqüífero pode ser indicada através da presença de áreas pontuais com elevada produtividade (2,2 a 4,6 m3/h/m), próximas a áreas de baixa e média produtividade. Exemplos disto são observados 25 em poços perfurados pelo IG nas cidades de Tietê, Rafard e Capivari, com boa produtividade, e Cerquilho, com baixa produtividade. Nas regiões com baixa densidade de poços observa-se a predominância de extensas áreas com valores médios (0,49 a 0,87 m3/h/m) e baixos (0,002 a 0,21 m³/h/m) de capacidade específica. De acordo com DAEE (1981, 1982) apud DAEE (2005), a transmissividade do aqüífero Tubarão está entre 0,3 e 40 m²/dia, podendo alcançar até 150 m²/dia e os valores da mediana para o nível estático, espessura saturada e profundidade são de 18 m, 134 m e 152 m, respectivamente. Quanto a vazão explorável, o aqüífero apresenta faixas de 0 a 40 m3/h, com predominância de 0 a 10 m3/h. Áreas de maior vazão podem ser causadas por vários fatores tais como a ocorrência de camadas confinantes ou presença de fraturas mais permeáveis. A influência das fraturas sobre a produção do aqüífero Tubarão é demonstrada por Fernandes (1997) e Fernandes & Rudolph (2001) para a região de Campinas. Nesta área a mediana de capacidade específica é de 0,13 m³/h/m, para um universo de 134 poços. Quimicamente as águas do aqüífero Tubarão são fracamente salinas, bicarbonatadas sódicas e secundariamente bicarbonatadas cálcicas ou mistas (DAEE, 1981; 1982 apud DAEE, 2005). O pH varia de 4,8 a 8,9 e o resíduo seco de 21 a 421 mg/L, sendo adequadas ao abastecimento público e uso geral. 26 6 - METODOLOGIAS UTILIZADAS O presente estudo utilizou duas metodologias sendo elas: metodologia de traços de fissão em apatita, e análises isotópicas de urânio em águas subterrâneas. A primeira visou o registro da tectônica que atuou na área de estudo, e a segunda teve como objetivo reconhecer as variações na razão de atividade (234U/238U) das águas subterrâneas do aqüífero Itararé. Sabendo-se que os diferentes tipos hidroquímicos e que as diferentes propriedades de fluxo são reflexo das diferenciações estruturais ou litológicas do arcabouço rochoso, busca-se através deste estudo, a incorporação da metodologia de análises de traços de fissão, em áreas que sofreram influência tectônica, como ferramenta auxiliar para o estudo hidrogeológico como indicadora de zonalidades regionais dentro de um aqüífero. 6.1 - Metodologia dos traços de fissão 6.1.1 - Introdução A metodologia de análises de traços de fissão baseia-se no decaimento natural por fissão espontânea do 238U, o qual gera um defeito no retículo cristalino de alguns minerais. Estes defeitos foram denominados de traços de fissão e a contagem destes, após um prévio 27 ataque químico, necessário para que os traços sejam alargados e tornem-se visíveis, pode ser feita em um microscópio ótico (PRICE & WALKER, 1962 a, b). Atualmente um grande aumento no número de pesquisas com traços de fissão vem sendo notado, principalmente devido à sua grande aplicação na área geológica. Revelação de histórias térmicas de bacias sedimentares e episódios de denudação/exumação nos continentes são alguns exemplos de aplicação desta metodologia. 6.1.2 – Conceito dos traços de fissão Traço nuclear é um defeito causado por uma partícula eletricamente carregada que quando atravessa um sólido, cria um defeito ao longo de sua trajetória e este corresponde a uma zona de átomos deslocados. O sólido no qual os traços são registrados é denominado de detector. A composição deste detector (vidro, mineral, plástico) juntamente com a carga e energia da partícula são parâmetros que definem o comprimento dos traços, tendo estes um range de menos de 1μm a vários mm e espessura na ordem de poucos nm (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). O defeito no sólido é um local preferencial para o ataque de reagentes químicos, utilizados para aumentar os traços tornando-os visíveis sob um microscópio ótico (PRICE e WALKER, 1962 c, d). Traços de fissão latentes (não atacados) são observados com um microscópio de transmissão eletrônica e geralmente apresentam largura de 3 a 14 nm. Entretanto o processo de ataque químico abre os traços e os tornam visíveis oticamente (GALLAGHER, et al., 1998). 6.1.3 – Formação e densidade dos traços Na década de 1960, várias teorias foram formuladas na tentativa de explicar a formação de traços nucleares em sólidos. O termo spike foi usado para descrever um intenso e curto evento que acontece quando uma partícula energizada atravessa um sólido. Mais tarde Fleischer et al. (1975), criaram uma teoria denominada de Ion explosion spike. De acordo com 28 esta teoria a formação do traço pode ser dividida em três passos: (1) a partícula carregada induz uma explosão de ionização através de interações eletrônicas e cria uma trilha de íons positivos na rede do sólido; (2) ocorre uma repulsão nos íons adjacentes dentro da posição intersticial e, ao mesmo tempo, uma série de vacâncias é formada; (3) o stress local na rede é espalhado mais amplamente por relaxação elástica (Figura 14). O último passo permite que traços latentes sejam diretamente observados com um microscópio eletrônico. Figura 14: Representação da teoria de Explosão Iônica (modificado de GALLAGHER et al., 1998). A fissão nuclear, geradora da partícula que provoca o defeito no sólido, é um dos vários modos de desintegração que ocorre entre nuclídeos pesados e instáveis (radioativos). Na reação de fissão, os núcleos instáveis dividem-se em dois nuclídeos filhos de tamanhos diferentes. Reações de fissão podem ocorrer tanto espontaneamente como artificialmente por bombardeamento com nêutrons, prótons ou outras partículas, assim como por irradiação de raios-γ (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). Como exemplos de reação de fissão temos: 235U + n 236U 90Kr + 143Ba + 3n + Q (fissão induzida) 238U 90Kr + 143Ba + 2n + Q (fissão espontânea) 29 Cada reação de fissão libera grande quantidade de energia Q (210 MeV), sendo a maior parte liberada na forma de energia cinética (170 MeV) dos dois fragmentos de fissão que viajam a altas velocidades e em direções opostas. Estes fragmentos, com massas atômicas diferentes (reação de fissão assimétrica), criam um rastro de defeito em sua trajetória denominado de traço de fissão latente. A fissão espontânea somente ocorre com nuclídeos pesados de número atômico Z ≥ 90 e massa atômica A ≥ 230 pertencentes à série dos actinídeos (Th, Pa, U, Np, Pu, etc.). Dois isótopos de U (235U e 238 U) comumente ocorrem em concentrações mensuráveis como constituintes primários em substâncias naturais (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). Em aplicações tais como datação por traço de fissão ou análise quantitativa de urânio, faz-se necessário uma determinação acurada do número de átomos de 238U e do número de traços de fissão espontâneos por unidade de volume. O número de traços por unidade de volume (densidade de traço espacial) tem que ser derivada do número de traços contados por unidade de área na superfície observada (densidade de traço planar ou superficial) (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). A relação teórica entre a densidade de traço espacial (volume) e superficial (área) pode ser derivada a partir das seguintes simplificações: - os átomos fissionados são homogeneamente distribuídos através do volume do sólido; - todos os traços no sólido são de igual comprimento l e o início da fissão é o centro de cada traço; - os traços tem orientações isotropicamente distribuídas, significando que elas não exibem direção preferencial, sendo a probabilidade de formação do traço no detector, a mesma em todas as direções. As densidades e comprimentos dos traços de fissão que são observados sob microscópio ótico são, fortemente dependentes do processo de ataque químico o qual é usado para revelação dos traços latentes, e que será discutido adiante. 30 6.1.4 – Revelação dos traços A fim de o defeito no sólido tornar-se visível sob um microscópio ótico, várias técnicas de aumento de traço, também chamadas de técnicas de visualização ou revelação, foram desenvolvidas. A técnica de ataque químico é um método destrutivo que usa o defeito ao longo dos traços como local preferencial de ataque e remoção do material detector. O ataque químico resulta de uma simples imersão do mineral ou vidro, no caso do presente estudo o mineral apatita, em um reagente químico apropriado, um reagente que causa um ataque preferencial dos traços tornando-os maiores. Para o mineral apatita foi utilizado o reagente HNO3. Faz-se necessário ter um bom controle na concentração e temperatura do reagente, assim como no tempo de ataque (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). 6.1.4.1 – Revelação de traços em cristais Em cristais, traços de fissão atacados tem formas complexas as quais, juntamente com outros parâmetros tais como eficiência do ataque, podem ser descritas em termos da razão VT/VB, onde: VT = Velocidade de ataque ao longo do traço VB = Velocidade de ataque no material Em sólidos cristalinos, a intensidade de ataque é altamente variável. Cada plano cristalográfico exibe sua própria razão de ataque em relação a um dado reagente. No processo de ataque somente parte dos traços que cortam a superfície do cristal são efetivamente revelados. Portanto, a eficiência do ataque em minerais tem sido abordada em termos da razão VT/VB e um correspondente ângulo crítico de incidência θc. Devido ambos VT e VB serem variáveis em cristais, o valor de θc dependerá, entretanto, da orientação cristalográfica da superfície atacada e, para uma dada superfície, da orientação do traço. Em outras palavras a eficiência do ataque pode variar de um plano do cristal para outro e também 31 dentro de uma mesma superfície atacada de uma direção para outra (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). A evolução da densidade do traço com o tempo de ataque pode ser dividida segundo Wagner & Van Den Haute (1992) dentro de três grandes fases: (1) uma fase inicial de densidade zero durante a qual os traços ainda estão sob o limite de visibilidade, (2) uma fase de rápido aumento durante a qual os traços são essencialmente desenvolvidos na superfície atacada ou pré-atacada, e (3) uma fase final na qual a densidade de traços é muito pouco acrescida pela adição de traços confinados dentro do cristal e revelados pela remoção gradual da superfície do cristal (isto é, traços que se iniciam no término da superfície h – fase de super-ataque). A forte variabilidade na forma dos traços e outros fatores relacionados à anisotropia do cristal tendem a complicar esta simples evolução. Quanto ao comprimento, dois tipos de traços atacados podem ser considerados. O primeiro tipo é representado pelos traços de superfície os quais cortam a superfície do mineral e que também são contados na determinação da idade; o segundo tipo são os traços confinados que estão inteiramente localizados no interior do cristal, mas são revelados pelo ataque devido a estes intersectarem uma superfície de um traço ou um plano de fratura/clivagem que emerge na superfície (Figura 15). Figura 15: Dois tipos de traços são usados para estudos de comprimento de traços: traços confinados e traços de superfície ou semi-traços (modificado de WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). Na datação por traço de fissão ambos os traços são usados como fonte de informação. Os traços que cortam a superfície do mineral são utilizados na contagem da densidade de 32 traços e os traços confinados (paralelos à superfície) são utilizados para medida de comprimento. 6.1.5 – Determinação da idade dos traços de fissão 6.1.5.1 - Equação fundamental da idade O método de datação por traços de fissão baseia-se nos mesmos princípios de outros métodos de datação isotópicos, ou seja, no decaimento de um átomo radioativo pai para um átomo estável filho. Este decaimento ocorre a uma razão proporcional ao número de átomos pais (Np) que permanecem no tempo: dNp/dt = -λNp, (1) onde λ é chamado de constante de decaimento e é expressa em a-1. Integrando esta equação tem-se: Np = (Np)0e-λt, (2) que é a clássica equação que descreve a variação do número de átomos pais com o tempo. Para determinar-se a idade de uma amostra é necessário conhecer a quantidade presente de átomos pais Np e átomos filhos Nf. Nf = (Np)0 – Np Nf = Np(eλt – 1) (3) No método de datação por traço de fissão, é o traço de fissão espontâneo em vez dos isótopos filhos que são medidos como produto do decaimento do 238U. Em outros métodos isotópicos de datação o que se mede é a emissão alfa. 33 De acordo com a última equação, o número total de átomos de 238U decaídos depois de um tempo t é dado por 238N (eλt – 1), onde 238N representa o presente número de átomos de 238U. O número de decaimentos devido à fissão espontânea mantém-se em proporção fixa (λf / λd) ao número total de decaimentos do 238U. Daí, o número de traços espontâneos Ns que terá acumulado (por unidade de volume) é dado por: Ns = (λf / λd)238N (eλt – 1) (4) Assumindo que λd = λαpassamos a equação acima para: t = (1 / λα) ln [( λα / λf )( Ns / 238N ) + 1] (5) Em princípio, o cálculo da idade de traço de fissão é baseado na determinação do número de traços de fissão espontâneos e na determinação do número de átomos de 238U por unidade de volume na amostra. Para se determinar o número de 238N é necessário que a amostra seja irradiada por uma fluência de nêutrons térmicos (φ) em um reator nuclear, assim a fissão é induzida em átomos de 235U e o número de tais fissões Ni é dado por: Ni = 235N σ φ (6) Assumindo que a razão de 235U/238U é constante e chamada de I temos: Ni = 235N I σ φ (7) Combinando a equação (5) com a (7) finalmente temos que: t = (1 / λα) ln [( λα / λf )( Ns / Ni ) I σ φ + 1], (8) que é a equação fundamental da idade do método de traço de fissão. Os dados descritos neste item e no item que segue-se abaixo foram compilados de Wagner & Van Den Haute (1992). 34 6.1.5.2 – Equação prática da idade Na equação (8) Ns e Ni são expressos como números de traços por unidade de volume (densidade de traços espacial). Na prática os traços contados são aqueles que cruzam a superfície da amostra analisada. Usando a relação teórica entre a densidade espacial e a densidade superficial, e levando-se em conta os efeitos dos fatores de ataque e observação dos traços pode-se escrever: ρs = gsNsRsηsf(t)sqs, (9a) ρi = giNiRiηif(t)iqi, onde (9b) g = fator de geometria R = número de eventos de fissão por átomo alvo no material investigado η = fator de eficiência do ataque químico f (t) = fator de tempo de ataque q = fator de observação O fator de geometria g refere-se à geometria inicial da superfície da amostra pré- atacada, a qual, por definição, é constante e = 1 para uma superfície interna e = 0.5 para uma superfície externa. Substituindo as equações (9a e 9b) na equação (8) temos: t = (1 / λα ) ln [( λα / λf )( ρs / ρi )(QGI σ φ) + 1], (10) Esta é a equação prática da idade onde a densidade de traços espacial foi substituída pela densidade de traços superficial. Nesta equação: G = gi/gs e Q = ηif(t)iqi/ηsf(t)sqs Um fator de relevante importância na equação da idade de traço de fissão é a constante de decaimento da fissão espontânea do 238U. Este fator possui, descrito na literatura, diversos valores obtidos por diferentes autores e técnicas. Guedes et al. (2003a) identificou erros sistemáticos que afetavam os resultados apresentados na literatura, tais como erros na dosimetria de nêutrons, sendo estes corrigidos com a utilização de filmes finos calibrados por 35 Iunes (1999), Guedes et al. (2003a) obtendo um valor para λf = (8,37 ± 0,17) x 10 -17 a –1. Este valor é o que foi utilizado no presente trabalho. 6.1.6 – Apagamento termal (annealing) dos traços de fissão O fenômeno conhecido como apagamento é capaz de reordenar a estrutura do sólido que foi desordenada pela passagem de um fragmento de fissão. A perda dos traços de fissão resultante deste processo tende a gerar uma idade aparente de traços de fissão mais jovem do que a real. O apagamento dos traços qualifica o método dos traços de fissão como uma ferramenta capaz de decifrar a termocronologia das rochas. As causas geológicas capazes de influenciar a estabilidade dos traços de fissão latentes nos minerais têm como candidatos: tempo, temperatura, pressão, soluções intergranulares e radiações ionizantes (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). Fleischer et al. (1965b) estabeleceu que a temperatura é de longe o parâmetro mais dominante, observando que os traços foram tornando-se gradualmente menos numerosos e mais curtos com o aumento da temperatura e duração do apagamento. O termo apagamento se refere aos efeitos de ambos, temperatura e tempo na estabilidade do traço. O grau de apagamento é comumente expresso pela redução da densidade do traço ρ ou tamanho do traço l – normalizado para o valor original ρ0 ou l0 antes do apagamento – sobre várias condições de tempo e temperatura (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). O fenômeno de redução do comprimento dos traços durante o apagamento é de fundamental importância na datação de traço de fissão porque serve de uma base para a reconstrução do padrão Tempo-temperatura das amostras (histórias térmicas). As medidas do comprimento dos traços são freqüentemente apresentadas como histogramas que são especificados pelo valor médio e desvio padrão (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). A zona de temperatura onde há redução tanto no comprimento dos traços de fissão como na idade é denominada de zona de apagamento parcial (ZAP) (Figura 16). A temperatura de entrada dentro desta zona é denominada de temperatura de fechamento ou temperatura de retenção efetiva (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). De acordo com o 36 modelo de Dodson (1973), a temperatura de fechamento está relacionada à temperatura na qual 50% dos traços de fissão são retidos. Além da zona de apagamento parcial há ainda a zona de apagamento total ou zona de instabilidade (Figura 16), que devido às altas temperaturas os traços de fissão latentes são apagados imediatamente após sua formação. Não há acumulação de traços na amostra que reside nesta zona. A zona mais superficial é denominada de zona de estabilidade e os traços encontram-se estáveis sob baixas temperaturas. Figura 16: Representação esquemática das zonas de apagamento parcial e total para a apatita (modificado de GALLAGHER et al., 1998). A zona de apagamento parcial da apatita alcança um range que vai de ~110°C a ~60°C com uma incerteza ao redor de 10°C. Estes valores foram conseqüência de dados laboratoriais extrapolados para o tempo geológico por estudos de Laslett et al. (1987). 37 6.1.7 – Correção da idade Como visto no item acima, o apagamento sofrido pelos minerais causa um encurtamento nos traços de fissão. Esta diminuição no comprimento e na densidade superficial dos traços gera um cálculo subestimado da idade aparente da amostra, ou seja, o que se estará contando corresponde à um valor inferior do total de traços gerados inicialmente. Baseando-se em modelos de apagamento, autores como Tello (1994) e Hadler Neto et al. (2001) propuseram a seguinte equação para a idade corrigida: onde C é um fator de correção que expressa a redução da razão da densidade de traços fósseis pelos traços induzidos. 6.1.8 - Aplicação geológica dos traços de fissão Uma grande variedade de aplicações existe para análise dos traços de fissão. Segundo Gallagher et al. (1998) quatro aplicações básicas são consideradas: estudos de proveniência, história térmica em bacias sedimentares, evolução de cinturões orogênicos e aplicações em cenários não orogênicos. O presente trabalho utiliza a análise de histórias térmicas em rochas da Bacia do Paraná com o intuito de verificar o registro de atividade tectônica através dos traços de fissão em apatita. A construção de histórias térmicas baseia-se no histograma de comprimentos de traços confinados (aqueles paralelos à seção de polimento na apatita). Este histograma, com a distribuição de comprimento de traços contem informações sobre a evolução térmica à qual a amostra esteve submetida. Devido aos traços estarem sendo formados continuamente no tempo geológico, cada traço marca uma proporção diferente da história térmica total e por essa razão contem diferentes informações. A figura 17 ilustra os parâmetros dos traços de 38 fissão em apatita (distribuição da idade e comprimento). Na prática, uma história térmica relativamente detalhada pode ser construída a partir de uma simples análise dos traços de fissão, isto é, da idade de um grão e de dados de comprimento de traço. Figura 17: Exemplo de história térmica de um resfriamento simples (A) com respectiva evolução do encurtamento de cada população de traços gerados (B) e histograma teórico resultante deste exemplo (C) (GODOY, 2005). 6.1.9 – Sistemas de datação e suas calibrações Dois sistemas de calibração do cálculo das idades são utilizados. O primeiro é conhecido como absoluto (calibração absoluta) e leva em consideração a determinação da fluência (φ). O outro sistema desenvolvido evita a determinação da fluência e trabalha com uma análise comparativa de idades padrão. Tempo (Ma) 39 6.1.9.1 – Calibração absoluta Na calibração absoluta a principal preocupação é conseguir uma determinação exata da fração de 235U que efetivamente fissionou durante a irradiação da amostra, isto é, a quantidade 235N σ φ. Para tal determinação podem ser utilizados monitores de metais ativados chamados de padrões de captura de nêutrons (Au, Co e Mn) e monitores tipo vidros dopados de urânio natural. Os últimos são os mais utilizados na medida de nêutrons induzidos, registrando os traços em detectores externos adjacentes, com o intuito de preservar o vidro para uso posterior e fornecer valores sobre a eficiência da detecção e ataque. O quadro 1 mostra os vidros usados na datação por traços de fissão neste trabalho e suas principais características. Quadro 1: Especificações de vidros dopados utilizados para dosimetria de nêutrons térmicos na datação por traço de fissão (*HURFORD & GREEN, 1983; **HURFORD, 1990; ***DE CORTE et al., 1998; **** IUNES, 1999). Devido tanto os dosímetros como as condições experimentais serem constantes, a fração de eventos de fissão por núcleo alvo de urânio (fluência de nêutrons) RU pode ser determinada através da equação obtida por Iunes et al. (2002): 40 onde N é o número de átomos de urânio (U) por unidade de volume do vidro (V), εV é a razão entre a densidade de traços por área observado na superfície da mica e ρ a densidade de traços induzidos a partir de um vidro dopado de urânio. Cada tipo de vidro possui valores de NεV calibrados segundo Iunes et al. (2002). 6.1.9.2 – Calibração por idade padrão: método ζ (zeta) Na década de 1970, devido ao não estabelecimento de um valor ideal para λf, um sistema de datação foi proposto onde a idade da amostra era determinada através de uma análise comparativa com uma ou mais idades padrão obtidas por outras técnicas de datação (FLEISCHER et al., 1975). A calibração ζ (zeta) desenvolvida por Hurford & Green (1982, 1983) representa segundo Wagner & Van Den Haute (1992) uma calibração alternativa mais prática e elaborada e consiste na irradiação da amostra que contenha grãos com idade conhecida (idade-padrão) juntamente com os monitores de vidro a fim de se estabelecer um fator de calibração ζ. Obtido o fator ζ uma equação simplificada da aproximação de idades pela calibração ζ pode ser escrita: tu = (1 / λα ) ln [(λα)(ρs/ρi)u (ρmGζ )+ 1] Neste trabalho foi utilizada a calibração absoluta por se acreditar que esta é mais confiável, uma vez que a calibração zeta necessita de uma amostra padrão, cujos eventos geológicos sofridos podem não ser bem conhecidos além de não levar em consideração os problemas de concentração de urânio, λf e aquecimento. 41 6.1.10 – Procedimentos e técnicas de datação Para a determinação da idade de traço de fissão dois procedimentos podem ser utilizados. A distinção entre eles é essencialmente baseada na estratégia seguida para a análise dos traços induzidos. Se nesta análise se optar por utilizar os mesmos grãos para as análises tanto de traços induzidos como de traços espontâneos, então a técnica utilizada é a chamada grão-por-grão. Caso a análise dos traços de fissão induzidos use diferentes grãos, estaremos trabalhando com o procedimento denominado grão-população (WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992). No presente trabalho, devido à área de trabalho ser uma bacia sedimentar onde as fontes dos sedimentos são diversas, e os grãos minerais podem apresentar idades variadas, optou-se pelo uso do procedimento grão-por-grão (método do detector externo), pois este permite que sejam determinadas idades individuais para cada grão. No método do detector externo (EDM), um detector externo é acoplado às resinas que já contém os grãos de apatita atacados quimicamente. O conjunto resina + detector (mica muscovita) é irradiado com nêutrons térmicos. Durante a irradiação são registrados os traços induzidos no detector. Neste método como regra, Q ≠ 1 (Q = fator de procedimento) porque traços espontâneos e induzidos são revelados e observados em materiais diferentes. 6.1.11 – Preparação e irradiação das amostras Após a coleta em campo das amostras, estas foram submetidas a britagem mecânica passando por três britadores, sendo dois britadores de mandíbula e um de rolo. Após esta britagem as amostras foram reduzidas a uma fração que varia de areia grossa (1,0 a 0,50 mm de diâmetro) a argila (diâmetro menor que 0,004 mm). A etapa seguinte foi a passagem por peneiras de 80 Mesh (0,177 mm) para a separação da fração fina. O material composto de areia fina a argila, separado após o peneiramento, foi bateado e o material mais pesado foi seco. Em seguida, este material passou pelo Separador Isodinâmico Frantz® resultando na concentração de minerais magnéticos e não-magnéticos. Os minerais não-magnéticos foram levados para a separação química por líquidos densos utilizando-se o líquido Bromofórmio e 42 obtendo-se um concentrado de apatita. Após a concentração dos minerais pesados a etapa seguinte consistiu na separação manual dos cristais, realizada sob uma lupa da marca Leica, de aumento de 4.6x no Laboratório de Separação Mineral do Departamento de Petrologia e Metalogenia (DPM) do IGCE – UNESP/Rio Claro. 6.1.11.1 – Apatita Os grãos de apatita encontrados de cada amostra foram montados em uma resina epóxi transparente e misturadas com um endurecedor ou catalisador, com uma espera de, no mínimo 8 horas para secagem. O passo seguinte foi o polimento destas resinas no Laboratório de Preparação de Amostras Geológicas e Pedológicas do DPM/IGCE – UNESP/Rio Claro. Primeiramente o lado oposto aos grãos é polido manualmente até a resina atingir uma espessura de cerca de 2 ou 3mm. Após isto o lado dos grãos é polido em uma lixa n°1000 até que os grãos fiquem expostos para a partir daí receberem um polimento mecânico. Na politriz a amostra é polida em três etapas, sendo que em cada uma é utilizado um pano de polimento com uma pasta diamantada. Para cada etapa, são utilizadas pastas com granulometria diferente, em uma seqüência decrescente. Nas três etapas são utilizados uma rotação de 150 rpm e tempos de 5, 3 e 3 minutos respectivamente. Após o polimento, a amostra segue então para o ataque químico para revelação dos traços fósseis. Este ataque é feito com uma solução de HNO3 (6M) a 10%, sob temperatura controlada de 20°C em um equipamento de banho termostático. Cada amostra é deixada sob ataque durante 60 segundos, e em seguida a amostra é neutralizada em uma solução saturada de bicarbonato de sódio para a interrupção do ataque. Paralelamente a este processo, as lâminas de mica (detectores) já cortadas na dimensão das resinas, são atacadas com ácido HF concentrado (40%), sob temperatura de 30°C durante 1 hora para o ataque de possíveis traços fósseis da mica. Estas micas são montadas sobre as resinas já atacadas e certificadas de conterem cristais de apatita, com auxílio de filme de PVC para que as micas fiquem totalmente em contato com a resina. Finalmente as amostras já estão prontas para a montagem com os vidros dosímetros para serem enviadas ao reator nuclear do IPEN/CNEM (São Paulo-SP) a fim de se induzir a fissão do 235U contido na amostra através 43 do bombardeamento por nêutrons térmicos. Nas irradiações os vidros utilizados (CN 1 e IRMM-540, justapostos a lamínulas de muscovita) também foram irradiados, com a finalidade de se efetuar a determinação (absoluta) da fluência de nêutrons. 6.1.11.2 – Contagem e medidas dos traços As amostras de apatita foram analisadas no Laboratório de Cronologia e Cronometria do DPM/IGCE – UNESP/Rio Claro utilizando-se os microscópios ZEISS AXIOSKOP 2 IMAGING e ZEISS AXIO IMAGER. M1 em conjunto com o programa TrackScan®. A resina contendo os grãos e a respectiva mica da amostra a ser analisada é disposta sob um microscópio com um aparelho acoplado, o qual é composto por uma platina automática ligada a um controlador, que por sua vez é ligado a um microcomputador. Basicamente este aparelho tem a função de controlar o movimento da platina nos três eixos de direção, coordenado por um software que permite definir pontos de referência entre a resina e a mica, possibilitando o mapeamento dos grãos. Com isso o aparelho é capaz, para cada grão mapeado, focar a sua imagem na mica. Segundo alguns autores (GALBRAITH, 1984; GALBRAITH & LASLETT, 1985; WAGNER & VAN DEN HAUTE, 1992) no método do detector externo é de maior importância que a contagem dos traços induzidos realizada na imagem do detector, seja feita exatamente na área que corresponde ao grão dos traços espontâneos. A identificação dos traços de fissão em apatitas foi baseada em critérios sugeridos por diversos pesquisadores, tais como Fleischer et al. (1975) e Wagner & Van Den Haute (1992). São eles: - traços de fissão são geralmente menores que 20 μm; - traços de fissão são defeitos lineares, ou seja, não possuem formas curvas; - traços de fissão não possuem direção preferencial; - traços de fissão confinados dever ter o comprimento medido (ou traços com até ~ 15º de inclinação com a superfície horizontal); - traços confinados são facilmente identificados, devido à sua distinta aparência à luz refletida, quanto aos traços não-confinados; 44 - traços confinados, ao aproximar paralelamente ao plano de observação, tendem a ser homogêneos no foco ao longo de todo seu comprimento. 6.2 - Análise isotópica do urânio 6.2.1 – Introdução A preparação das amostras para análise do urânio, baseou-se na metodologia descrita por Bonotto (1986). Para a determinação dos isótopos de urânio foi efetuada a técnica de espectrometria alfa, que requer a utilização de fontes delgadas contendo o material extraído, preparadas a partir da deposição uniforme desse elemento (Bonotto, 1996). O uso dos isótopos de urânio (234U e 238U) em estudos de águas subterrâneas é bem documentado e discutido na literatura (OSMOND & COWART, 1976, 1992; BONOTTO & SILVEIRA, 2006; SUKSI et al., 2006). Variações isotópicas do 234U/ 238U no reconhecimento de áreas de recarga e áreas de acúmulo e a utilização destes isótopos no estudo da relação de mistura entre águas diversas dentro de um aqüífero são exemplos de aplicação desta metodologia. 6.2.2 – Conceito dos isótopos de urânio A abundância crustal média do urânio corresponde a 2,5 μg/g, possuindo esse elemento dois isótopos primários, o 238U e o 235U, os quais ocorrem atualmente na proporção de 99,3% de 238U para 0,7% de 235U. Tanto o 238U como o 235U são geradores de séries de decaimento radioativo, possuindo o 238U um número maior de produtos de decaimento, muitos dos quais de longa meia-vida (BONOTTO, 1996). O presente trabalho utilizou-se do 238U e de seu isótopo filho 234U para a determinação das variações na razão de atividade das águas subterrâneas do aqüífero Itararé na área de estudo. 45 Presente em traços ou em pequenas quantidades em todas as águas subterrâneas o conteúdo de urânio geralmente varia de 0.05 a 10.0 partes por bilhão (ppb). Em situações onde águas subterrâneas se movimentam através de rochas ricas em urânio este valor aumenta, ultrapassando 200 ppb (DAVIS & DE WIEST, 1991). Assim como muitos outros elementos encontrados em pequenas quantidades, concentrações de urânio podem variar dentro de um mesmo aqüífero como resposta à mudanças locais no pH, Eh, temperatura e concentração de urânio nas rochas. 6.2.3 - Fracionamento e desequilíbrio isotópico Lixiviação seletiva é um processo comum de diferenciação envolvendo águas subterrâneas quando estas percolam através de grãos minerais em um aqüífero ou solo. Alguns isótopos filhos são mais solúveis do que outros, sobre dadas condições de Eh, pH. O resultado é uma fase líquida com excesso dos isótopos filhos solúveis, e uma fase sólida com deficiência nestes isótopos. Precipitação torna-se então um processo responsável pela criação do desequilíbrio radioativo (IVANOVICH & HARMOM, 1992). Outro mecanismo que pode produzir desequilíbrio é o recuo do isótopo filho durante o processo de decaimento alfa. Minerais geralmente têm uma concentração muito maior em urânio do que águas, então a transferência de radionuclídeos filhos de uma fase sólida para uma fase líquida excederá a transferência reversa. Se somente se considerar o recuo alfa, a atividade relativa dos isótopos filhos no sólido (próximo à interface água/rocha) irá diminuir, enquanto que a atividade relativa no líquido aumentará. É o recuo alfa que explica as baixas razões de atividade 234U/238U em rochas e sedimentos finos e em algumas acumulações secundárias altamente solúveis. Razões de atividade elevadas correspondentes ao recuo alfa são mais comuns em águas subterrâneas (IVANOVICH & HARMOM, 1992). Além da precipitação e do recuo alfa, outro importante determinante do nível de abundância de um dado radionuclídeo em solução é sua meia-vida. No caso de espécies dissolvidas, radionuclídeos com curta meia-vida decairão enquanto que seus irmãos com meia-vida mais longa permanecerão estáveis. Mesmo que dois radionuclídeos tenham propriedades químicas similares, a espécie com curto tempo de meia-vida será rara a menos 46 que haja um fornecimento contínuo deste elemento vindo das rochas do aqüífero para a água. Isto coloca o tempo de meia-vida como controlador da mobilidade dos radionuclídeos. Outro caminho que o tempo de meia-vida exerce no controle da quantidade de radionuclídeo na solução é o oposto do primeiro. Quando um radionuclídeo dissolvido é fornecido pelo decaimento de um nuclídeo pai nas rochas do aqüífero, o grau de suprimento é limitado pela curva de crescimento do filho, ou seja, quanto menor a quantidade de nuclídeos pais, menor o suprimento de nuclídeos filhos. Quanto ao equilíbrio isotópico diz-se que quando uma série de decaimento radioativo está em equilíbrio secular, as atividades de todos nuclídeos membros das séries, estão iguais àquelas do isótopo pai. Por exemplo, os isótopos 238U e 234U estão em equilíbrio secular se a razão de atividade 234U/238U é igual a 1, e por analogia, eles estão em desequilíbrio radioativo se a razão de atividade for maior ou menor que 1. 6.2.4 - Evolução dos radionuclídeos e classificação de aqüífero A variação na abundância de dois isótopos de urânio, 238U e 234U, tem sido utilizada na caracterização de águas subterrâneas (OSMOND & COWART, 1976a; IVANOVICH & HARMON, 1992). Um método comum de análise é a representação em gráfico da razão de atividade 234U/238U pelo inverso da concentração de urânio. O gráfico resultante permite o reconhecimento de um sistema de mistura e interações entre águas no aqüífero. A figura 18 mostra alguns dos padrões interpretativos que tem uso comprovado. Um padrão óbvio seria a mistura de uma água com conteúdo de urânio e uma água livre em urânio, onde ocorreria o processo de diluição. Isto resultaria no movimento de um ponto representado à direita; o inverso da concentração de urânio aumenta sem necessariamente afetar a razão de atividade. A indicação usual do processo de diluição é uma linha horizontal no gráfico (IVANOVICH & HARMON, 1992). 47 Figura 18: Representação gráfica de dados isotópicos de urânio de amostras de água em um diagrama de razão de atividade (234U/238U) contra o inverso da concentração de urânio promove o reconhecimento de relações de mistura. Por exemplo, as amostras A-C podem ser interpretadas como uma relação de mistura. Neste caso a amostra B pode ser uma mistura das amostras A e C, com proporções calculadas através da equação 11 (a,b). Entretanto é provável que A-C são misturas de C e quantidades variáveis de Z lixiviado. Similarmente, a água G poderia ser uma mistura da água B com uma água que não contenha urânio (diluição). Amostra B pode ter evolvido em vários caminhos: diluição da água D, mistura de A e C, lixiviação de Z por C, ou decaimento do excesso de 234U em E (modificado de IVANOVICH & HARMON, 1992). Outro padrão comumente observado neste tipo de gráfico é uma linha originada na parte inferior esquerda indo até a parte superior direita do gráfico. Este padrão linear pode ser interpretado como uma linha de mistura entre os dois membros finais, um dos quais tem uma elevada concentração de urânio e baixa razão de atividade, e o outro apresentando baixa concentração de urânio e elevada razão de atividade. Esta mesma exibição, entretanto, pode indicar um padrão evolucionário da interação água-rocha. A interceptação do eixo y é o componente de lixiviação do aqüífero, tendo uma concentração infinita e a razão de atividade do urânio existindo à superfície das rochas. A inclinação da linha tem a dimensão de 234U por unidade de volume, e pode ser interpretada como excesso de 234U, ou seja, [(234U/238U) – 1] na água do aqüífero, a qual está misturada com o urânio lixiviado (IVANOVICH & HARMON, 1992). 48 Para calcular-se o volume relativo de cada fonte na água resultante de uma mistura de duas fontes distintas, Osmond et al. (1974) desenvolveram a seguinte equação: V1/Vr = (S1/Sr) [(A2 – Ar) / (A2 – A1)] (11a) ou V1/Vr = (S1/Sr) [(S2 - Sr) / (S2 – S1)] (11b) onde: V = volume A = razão de atividade, 234U/238U S = inverso da concentrção de urânio, 1/C r = mistura resultante 6.2.5 - Desequilíbrio no aqüífero e frentes geoquímicas Em um sistema relativamente estável, com pouca mobilização, elevadas concentrações de urânio são raramente encontradas. Isto significa que, uma vez precipitado em uma frente de redox (barreira geoquímica) de um aqüífero permanente, o 238U permanece no lugar em estado sólido por um longo período de tempo. O mesmo não ocorre para o 234U. Se as condições desta frente estiverem próximas do equilíbrio químico, os efeitos de decaimento e recuo podem ser suficientes para causar mobilização preferencial do nuclídeo filho. Desta forma, não é surpreendente que na vizinhança destas frentes estáveis, elevadas razões de atividade sejam encontradas nas águas subterrâneas e possivelmente nos fluxos de água conduzidos para a porção inferior do aqüífero (IVANOVICH & HARMON, 1992). Mudanças na concentração de urânio e na razão de atividade dentro do aqüífero com uma frente de redox podem ser vistas na figura 19. A figura mostra as variações isotópicas do urânio esperadas nas águas próximas a uma frente estável. 49 Figura 19: Diagrama esquemático de como uma solução de urânio em um aqüífero confinado (inferior) varia relativamente à frente de redox (topo) e como a razão de atividade varia com a distância (meio) (modificado de IVANOVICH et al., 1991). 6.2.6 - Procedimentos da análise isotópica do urânio Para a caracterização da concentração dos isótopos de urânio (238U e 234U) nas amostras analisadas utilizou-se a técnica de espectrometria alfa. As amostras passaram por diversas etapas de separação de elementos até chegarem na preparação de discos de aço 50 inoxidável contendo o urânio extraído. Na figura 20 estão ilustradas as etapas envolvidas. Maiores detalhes na descrição das etapas estão contidos em Bonotto (1996). Figura 20: Diagrama geral do procedimento de extração de urânio (BONOTTO, 1996). 51 6.2.6.1 - Coleta, dissolução e adição de traçador As amostras de água foram coletadas em vasilhame de polietileno. Antes da coleta cada vasilhame foi numerado e enxaguado com a água a ser amostrada. Após a coleta as amostras foram acidificadas até um pH < 2,5 a fim de evitar a precipitação de Fe3+ no recipiente. Para isto utilizou-se de HCl 6M em uma quantidade de cerca de 25 ml para 25 litros de amostra. Em seguida, adicionou-se cloreto férrico e o traçador artificial às amostras acidificadas (232U). 6.2.6.2 - Coprecipitação A coprecipitação de urânio foi realizada considerando as variáveis pH, tempo de repouso e volume da solução. Assim, para cada amostra acidificada adicionou-se hidróxido de amônia a fim de elevar o pH da solução até 7 ou 8. Nesse pH o hidróxido férrico precipita de acordo com a reação: FeCl3 + 3NH4OH → Fe (OH)3 + 3NH4Cl O hidróxido férrico flocula e arrasta consigo o urânio em sua precipitação. Para as amostras de água analisadas, com um volume de cerca de 20 a 25 litros aguardou-se um período de 72-96 horas para que o precipitado assentasse, retirando-se, então, o sobrenadante. Após a recuperação do precipitado, efetuou-se sua dissolução em HCl 6M, condição que propicia a formação de cloreto de uranila. 6.2.6.3 - Extração de Fe3+ 52 O Fe3+ adicionado à amostra foi separado do urânio através de extração com solvente orgânico, adicionado em quantidade igual ao volume de solução existente. A extração foi efetuada em funil de separação, onde o solvente entra em contato com a fase inorgânica e o ferro transfere-se para a fase orgânica após vigorosa agitação. A extração do ferro foi realizada com diluição em HCl 8M com éter (di) isopropílico (DIPE). A camada ácida contendo urânio foi evaporada até secagem e dissolvida em HCl 8M, permanecendo o urânio na forma dos íons complexos (UO2Cl4)2- e (UO2Cl3)- e o ferro residual na forma de íons FeCl4-. Para separar o urânio do ferro residual, do tório e de outros elementos, efetuou-se a passagem da solução ácida em resina de troca iônica. 6.2.6.4 - Troca iônica A reação de troca iônica ocorre em virtude da propriedade de alguns materiais sólidos (trocadores iônicos) permutarem íons de mesma carga presentes na fase líquida. Para esta reação utilizou-se a resina Rexyn 201 da Fischer Scientific Company com porosidade variando entre 50 e 100 Mesh, capacidade total de troca de 1,4 mEq/ml estando sob a forma iônica OH-. Nesta etapa o urânio está sob a forma dos íons complexos (UO2Cl4)2- e (UO2Cl3)- em uma solução de HCl 8M. Quando se passa a solução através da coluna contendo resina previamente acidificada com HCl 8M, a seguinte reação de troca iônica ocorre: 2 R+ - OH- + (UO2Cl4)-2 → R2UO2Cl4 + 2OH- R+ - OH- + (UO2Cl3)- → RUO2Cl3 + OH- A resina retém também o Fe3+ que está na forma dos íons complexos FeCl4-, mas deixa passar os elementos alcalino-terrosos e o tório. O Fe3+ pode ser eluído com HNO3 7M, o qual deixa o urânio retido na resina. Os íons de cloreto de uranila não são estáveis em soluções muito diluídas de ácido clorídrico, sendo eluidos da coluna com HCl 0,1M, solução que é evaporada até secagem. As colunas utilizadas possuem diâmetro ao redor de 12 mm e, para um volume de 20 ml de resina, empregou-se uma velocidade de escoamento da solução da ordem de 0,1 cm/minuto (20 gotas/minuto). 53 6.2.6.5 - Eletrodeposição O procedimento de eletrodeposição das amostras começa com a adição de 2,5 ml de H2SO4 2M ao resíduo seco obtido após a troca iônica e evaporação quase até secagem, adicionando-se então, 10 ml do eletrólito (NH4)2SO4 2M. A solução é transferida para a célula de eletrodeposição (Figura 21) e seu pH é ajustado para 2,4 através de H2SO4 ou NH4OH e a distância ânodo-cátodo para 1 cm. Conduziu-se a eletrólise numa corrente constante de 300 mA, aplicada por uma fonte DC. A tensão na célula de eletrodeposição é de cerca de 5 V, sendo o tempo de eletrodeposição correspondente a 3 horas. Em seguida, remove-se o ânodo, lava-se o disco de aço inoxidável, onde se depositou o urânio, com água destilada e efetua-se sua secagem sob lâmpada infra-vermelho. 54 Figura 21: Célula de eletrodeposição de urânio (BONOTTO, 1996). 55 6.2.6.6 - Espectrometria alfa A espectrometria alfa dos discos preparados foi realizada no Labidro – Isótopos e Hidroquímica do DPM/UNESP – Rio Claro, empregando-se detector semicondutor constituído por um cristal de silício do tipo N e criando-se nas vizinhanças da superfície do cristal uma barreira de superfície. O detector de Si (Au) utilizado foi da marca ORTEC Mod. A-025-200-100 o qual possui 200 mm2 de área ativa, 100 μm de profundidade de depleção, 25 KeV de resolução no pico de 5,48 MeV do 241Am, sendo polarizado reversamente por 50 V. Aspectos fundamentais da espectrometria alfa tais como etapas de calibração, aquisição e tratamento dos dados podem ser encontrados em Bonotto (1982, 1986). 56 7 - RESULTADOS Neste capítulo serão apresentados e discutidos os resultados das análises de traços de fissão nas amostras de rocha coletadas e as relações isotópicas do 234U/238U, nas águas subterrâneas do aquífero Itararé, amostradas na região do município de Americana-SP. No total foram coletadas 11 amostras de rocha, sendo 7 constituídas por arenitos e siltitos provenientes do Subgrupo Itararé e 4 dos diabásios da Formação Serra Geral (Figura 22). Deste total, somente foi obtido boa quantidade de grãos de apatita em 2 amostras, evidenciando um empobrecimento destas rochas no mineral apatita. Tal fato pode estar relacionado com a dissolução das apatitas pela percolação de água de superfície ou à falta de apatitas nas rochas-fonte e ou dissolução durante o processo de deposição do Subgrupo Itararé. Para os basaltos, a pouca quantidade de apatitas relaciona-se com sua gênese. Quanto às amostras de água, foram coletadas 16 amostras de águas de poços tubulares explorados no aqüífero Itararé (Figura 22). 57 Fi gu ra 22 : M ap a ge ol óg ic o si m pl ifi ca do e de po nt os am os tra do s co m os lo ca is de co le ta da s am os tra s de ág ua e de ro ch a (m od ifi ca do de BI ZZ Ie ta l., 20 01 ). 58 7.1 - Teor de urânio e razão de atividade 234U/238U nas águas subterrâneas do aqüífero Itararé A profundidade dos poços amostrados variou de 150 m nos poços 3 e 4 a 340 m no poço E, tendo média de 240 m. Quanto aos perfis litológicos nos poços, estes variam de folhelho a areia grossa, sendo que os poços 5, E e G são cortados por diabásios e ou basaltos da Formação Serra Geral. Três perfis de direção E-W foram construídos através de dados de poços da área disponibilizados pelo DAEE (Figuras 23, 24, 25 e 26). As médias para o nível estático (N.E.) e nível dinâmico (N.D.) tiveram profundidades de 75 m e 154 m respectivamente (Tabela 1). A vazão média foi de 9 m3/h. Figura 23: Mapa de localização dos perfis litológicos construídos. De acordo com Bonotto & Silveira (2006), nas rochas sedimentares, os arenitos destacam-se como os que apresentam maiores concentrações de urânio enquanto que os folhelhos mostram-se por vezes enriquecidos em elementos calcófilos geralmente precipitados como sulfetos pelo H2S, sendo o urânio encontrado muitas vezes adsorvido pelas partículas coloidais. 59 Figura 24: Perfil A-A’. 60 Figura 25: Perfil B-B’. 61 Figura 26: Perfil C-C’. 62 Os dados obtidos da análise de cada uma das amostras de água são: concentração de urânio, em μg/L (microgramas por litro) que é equivalente a ppb (partes por bilhão), e razão de atividade (R.A.) 234U/238U. Os resultados estão descritos na Tabela 1 e a razão de atividade 234U/238U está ilustrada no mapa altimétrico representado na figura 28. Figura 27: Modelo digital de relevo com a localização dos pontos. Valores de altitude em metros. Tabela 1: Razão de atividade 234U/238U e concentração de urânio nas águas subterrâneas do aqüífero Itararé. AMOSTRA UTM X UTM Y R.A. 234U/238U U(μg/l) S (1/U) COTA TOPOGRÁFICA N.E. N.D. Q m3/h DATA DE COLETA 1 258776 7484158 2,42 0,04 25 596 m 116 m 145 m 4,8 22/08/05 2 265820 7486260 7,70 0,02 50 580 m 63 m 144 m 6,3 30/11/05 3 257029 7486844 3,22 0,07 14,28 552 m 10 m 91 m 9,0 22/08/05 4 257566 7483588 13,38 0,01 100 618 m 28 m 82 m 9,0 22/08/05 5 261520 7481410 1,82 0,02 50 570 m 60 m 198 m 8,0 30/11/05 7A 251560 7484451 4,00 0,04 25 584 m 96 m 150 m 0,6 22/08/05 7B 251792 7484484 1,19 0,67 1,50 587 m -- -- -- 22/08/05 8 256347 7479412 1,61 0,01 100 612 m 55 m 138 m 9,9 22/08/05 9 257940 7481530 2,60 0,02 50 615 m 63 m 85 m 18,0 30/11/05 10 263623 7483804 2,38 0,05 2 549 m 40 m 134 m 8,6 22/08/05 A 260075 7483279 0,94 0,003 333 525 m 132 m 174 m 2,4 22/08/05 B 265559 7483928 4,97 0,02 50 553 m -- -- -- 22/08/05 C 263350 7479650 3,38 0,01 100 575 m 174 m 281 m 4,0 30/11/05 E 254388 7480969 2,86 0,005 200 595 m 117 m 206 m 21,4 22/08/05 G 261260 7486710 4,63 0,005 200 540 m 27 m 178 m 15,2 30/11/05 G1 261260 7486710 4,81 0,01 100 538 m -- -- -- 30/11/05 (--) dados indisponibilizados 63 O teor de urânio dissolvido nas águas do aqüífero Itararé variou entre 0,005 e 0,67 ppb, com a maior parte dos valores variando entre 0,01 e 0,02 ppb. Já a razão de atividade 234U/238U variou entre 1,19 e 13,38, caracterizando-se na maioria dos casos o estado de desequilíbrio que enriqueceu em solução o 234U em relação ao 238U. Os dados das amostras A e 7b foram descartados. O teor de urânio da amostra A apresentou-se abaixo do limite de detecção da técnica empregada (0,005 ppb) e o teor de urânio da amostra 7b apresentou um valor anômalo, muito maior do que os resultados obtidos para as demais amostras. Figura 28: Mapa representando os valores da razão de atividade 234U/238U nos pontos de coleta. Valores de altitude em metros. Os resultados das amostras 1 e 4 podem indicar uma zona de mudanças geoquímicas segundo o modelo da figura 29. As amostras apresentam respectivamente valores de R.A. igual a 2,42 e 13,38 e 0,04 e 0,01 ppb de urânio, ou seja, um aumento na razão de atividade das águas acompanhado por um decréscimo na concentração de urânio. Segundo Osmond et al. (1983), este fato é um indicativo de que as águas estão passando por uma zona de acumulação deste elemento. O setor II é caracterizado pelo aumento na concentração de urânio dissolvido com baixa razão de atividade, enquanto que o setor IV é caracterizado pela baixa concentração de urânio e elevadas razões de atividade. O setor III é transicional e pode expor elevadas ou baixas concentrações e razões de atividade, dependendo da história geral do sistema água-rocha. 64 Figura 29: Mudanças relativas na concentração de urânio dissolvido e razão de atividade 234U/238U (R.A.) durante o fluxo de águas subterrâneas (modificado de OSMOND et al., 1983). As demais amostras apresentaram, em geral, aumento na razão de atividade partindo de áreas topograficamente mais elevadas para áreas topograficamente mais baixas. Um bom exemplo é a amostra 10 com valor de R.A. igual a 2,38 enquanto que as amostras B e 2 apresentaram valores de R.A. iguais a 4,97 e 7,70 respectivamente. O mesmo caso pode ser citado para as amostras 5 e C, onde a primeira, mais elevada, possui valor de R.A. igual a 1,82 enquanto que a segunda apresenta R.A. igual a 3,38. As amostras G, G1 e 3 apresentaram valores de R.A. iguais a 4,63, 4,81 e 3,22, que são superiores quando comparados com os valores obtidos para as amostras topograficamente mais elevadas como a amostra 10. A amostra 7a também se encontra em uma área de acúmulo e valor maior de R.A. em relação á áreas mais elevadas foram encontrados para a amostra 7a. A tendência de aumento na R.A. a partir de áreas de recarga foi também observada por Warkshal & Yaron (1974) em águas subterrâneas no norte de Israel e por Cowart & Osmond (1974) em águas subterrâneas no Texas (EUA). Estes autores notaram um aumento na R.A. radialmente às áreas de recarga. Quanto à heterogeneidade litológica e a compartimentação tectônica do aqüífero Itararé, estas se mostraram parâmetros complicadores na interpretação dos resultados alusivos aos isótopos de urânio nas águas subterrâneas e dificultaram o traçado de um trend principal para o fluxo. 65 7.2 - Traços de fissão em apatita Neste item serão descritos os resultados obtidos através da análise de traços de fissão das amostras de rochas coletadas. Como descrito anteriormente do total de 11 amostras coletadas somente 2 delas continham grãos de apatita, sendo elas TF-856 e TF-858 (Tabela 2). Tabela 2: Amostras de rocha analisadas. As amostras em negrito correspondem àquelas com grãos de apatita onde foram realizadas as análises de traço de fissão. AMOSTRA UTM X UTM Y UNIDADE ESTRATIGRÁFICA LITOLOGIA TF-853 248859 7507050 Fm. Serra Geral Diabásio/Basalto TF-854 245507 7507094 Fm. Serra Geral Diabásio/Basalto TF-855 256590 7499797 Subgrupo Itararé Arenito TF-856 256590 7499797 Subgrupo Itararé Conglomerado TF-857 252823 7480426 Fm. Serra Geral Diabásio/Basalto TF-858 247971 7483346 Subgrupo Itararé Siltito TF-859 247712 7505585 Fm. Serra Geral Diabásio/Basalto F-1 266745 7485049 Subgrupo Itararé Siltito F-2 266238 7484956 Subgrupo Itararé Arenito F-3 261704 7487363 Subgrupo Itararé Arenito F-4 251747 7480388 Subgrupo Itararé Arenito O fato de as amostras bem sucedidas estarem abaixo do ideal, teve como conseqüência a maior parte das áreas descobertas de resultados. Para obtenção das idades corrigidas calculou-se inicialmente uma idade para cada grão. Posteriormente estas idades foram reunida