AS ILHAS DE CALOR URBANAS EM JUNDIAÍ-SP Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, FCT/UNESP, campus Presidente Prudente, como requisito para obtenção do título de doutora em Geografia. Área de concentração: Produção do Espaço Geográfico Profa. Dra. Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim Departamento de Geografia - Orientadora Larissa Piffer Dorigon Orientanda Presidente Prudente – SP 2019 FICHA CATALOGRÁFICA DEDICATÓRIA Aos meus pais, Fátima Regina Piffer Dorigon e Paulo Roberto Dorigon, meu porto seguro e maiores incentivadores. AGRADECIMENTOS Em 2008, ao iniciar a graduação em geografia, tinha planos de permanecer na Unesp de Presidente Prudente por somente 5 anos e, se possível reduzir para 4. Em 2019, 11 anos depois, estou defendendo minha tese de doutorado e tenho muito a agradecer. Inicio agradecendo à UNESP como um todo por me oferecer a estrutura necessária para a realização da pesquisa e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, pelo financiamento, estrutura, corpo docente e conjunto de funcionários capacitados para acrescentar cada vez mais na formação de profissionais da ciência geográfica. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Dedico um grande “muito obrigada por tudo” à professora e orientadora Margarete Amorim, que só fez crescer minha admiração ao longo destes anos de convivência. A sua capacidade de lidar com situações e principalmente, com pessoas é exemplar. Seu conhecimento técnico e científico é admirável. Agradeço imensamente pela confiança depositada em mim e por sempre mostrar “a luz no fim do túnel”. Margo, não consigo mensurar o quanto seus incentivos foram essenciais para finalização deste ciclo. Sua referência será constante em meu caminho. Agradeço aos Profs. Tadeu e João Lima pelas considerações na banca de qualificação e de defesa e por estarem nos bastidores da vida minha acadêmica. Sempre foram “figurinhas carimbadas” nas qualificações e agora, nas defesas. Agradeço as Prof. Ana Monteira e Cassia Ferreira pelas falas no momento da defesa. Todas as considerações são sempre muito pertinentes. Dedico um “muito obrigada” à Prof. Ana Monteiro por ter me recebido tão bem na Universidade do Porto. O compartilhar de informações, a possibilidade de acompanhar de perto sua paixão pela climatologia e a oportunidade de vivenciar outras realidades agregaram imensamente na pesquisa de doutorado e em minha vida pessoal e profissional. Agradeço também à Prof. Helena Madureira pela recepção, à Paula, ao Miguel e ao Luís pelas trocas de ideias e ajudas no Porto e, à Marcia, à Lidiana, à Luiza, à Livia, à Chai e à Fer pelas conversas, cafés e partilhas de risadas e preocupações. Faço um grande agradecimento aos amigos. Agradeço a parceria e a troca de conhecimentos ao longo desses anos com a Renata; a irmandade concretizada com a Priscila e os laços selados com a Liriane. Vocês foram e são essenciais para meu amadurecimento pessoal e intelectual e me ajudam a acalmar a mente e o coração nos momentos complicados. Não posso deixar de agradecer à Jana e à Dani pela troca constante de informação, pelas ajudas e pelas conversas e desabafos da vida de pós-graduação. Obrigada também aos companheiros de jornada acadêmica, pesquisadores sobre clima do grupo GAIA. Meu muito obrigada ao Paulo, Chico, Marco e Liri por me fazerem uma paulista muito maranhense nesse tempo de partilha de apartamento. Ainda em Prudente, agradeço à Carla, Maiara, Carlos Eduardo e Letícia pelos momentos de conversa e descontração. Agradeço também à Aninha e à Maryna e exponho minha felicidade de termos cruzados nossos caminhos novamente, vocês são especiais. Agradeço as pessoas de Jundiaí que disponibilizaram seus espaços para a instalação dos sensores fixos: Bete, Fernanda, Janaína, Andréia e Sônia, Tia Sandra, Simone e Seu Jovanil, Maziero, Secretaria de meio ambiente de Jundiaí que autorizou a instalação na Serra do Japi, Pe. Adeilson Rodrigues dos Santo que disponibilizou o espaço da igreja matriz para a instalação e seu José Antônio que possibilitou a instalação em sua empresa. Agradecimentos aos funcionários da prefeitura de Jundiaí, em especial aos da Secretaria de Desenvolvimento urbano e de Meio Ambiente, que me cederam importantes informações e documentações. Agradeço meu pai e minha mãe pela disponibilidade de realizar os transectos móveis todos os dias, à Adriana e sua gangue por também estarem dispostas a seguir sempre o mesmo percurso de janela aberta no inverno jundiaiense e a Le e a Edy, que também me auxiliam nessa árdua tarefa. Sou muito grata as amigas jundiaienses de longa data: Le, Edy, Fran, Dri e Mariana, sempre bom retornar e saber que tenho boas pessoas em volta. Enfim, esse caminho só foi possível ser percorrido com a ajuda de muitos, que colaboraram direta ou indiretamente para a concretização deste trabalho. Por isso deixo aqui, o meu MUITO OBRIGADA! EPÍGRAFE Não se quer entender a vocação do espaço e sim fazer a sua partilha, para fins de comercialização, como se fosse um caso simples de adaptação de modelos de loteamento e de partilha de espaços polivalentes. (Trecho transcrito do perecer pelo Tombamento da Serra do Japi publicado pelo Prof. Dr. Aziz Nacib Ab1Saber em 16 de novembro de 1982) Teremos coisas bonitas para contar E até lá, vamos viver Temos muito ainda por fazer Não olhe para trás Apenas começamos O mundo começa agora Apenas começamos (Legião Urbana, 1991) LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Gráfico da taxa de urbanização brasileira ................................................................ 16 Figura 2 - Localização do município de Jundiaí dentro do Estado de São Paulo..................... 17 Figura 3 - Contexto da região de Jundiaí/SP ............................................................................ 18 Figura 4 - Perfil geral típico de uma Ilha de Calor Urbana ...................................................... 30 Figura 5 - Representação esquemática da atmosfera urbana ilustrando a classificação das duas camadas de modificação térmica .............................................................................................. 38 Figura 6 - Regiões climáticas de Londres de acordo com a classificação de Chandler ........... 40 Figura 7 - Esquema da classificação Urban Climate Zones (UCZ) ......................................... 41 Figura 8 - Propriedades relevantes encontradas na superfície segundo Stewart e Oke (2009) 44 Figura 9 - As Zonas climáticas locais (LCZ) de Stewart (2011) .............................................. 45 Figura 10 - Possibilidade de subclassificação das LCZs .......................................................... 46 Figura 11 - Exemplo de folha síntese ....................................................................................... 47 Figura 12 - Exemplo de perguntas e exercícios cognitivos do novo guia da LCZ ................... 48 Figura 13 - Classes dos relevos locais junto as LCZs .............................................................. 49 Figura 14 - Etapas de procedimentos da pesquisa .................................................................... 51 Figura 15 - Estrutura da modelagem espacial da ilha de calor em Jundiaí/SP ......................... 52 Figura 16 - Abrigo meteorológico (tipo RS3 - Hobo) com registrador de temperatura e umidade com sonda externa - data logger U23-002 - Hobo ..................................................... 54 Figura 17 - Localização dos sensores fixos de temperatura e umidade instalados em Jundiaí/SP ................................................................................................................................. 55 Figura 18 - Sensor digital utilizado nos transectos móveis ...................................................... 56 Figura 19 - Percursos realizados durante os transectos móveis noturnos................................. 57 Figura 20 - Cartas geradas para elaboração da modelagem espacial da temperatura do ar em Jundiaí/SP ................................................................................................................................. 62 Figura 21 - Carta de hipsometria de Jundiaí/SP ....................................................................... 65 Figura 22 - Carta de orientação das vertentes de Jundiaí/SP .................................................... 66 Figura 23 - Climograma de Jundiaí (1994-2016) ..................................................................... 67 Figura 24 - Gráfico da evolução da população de Jundiaí/SP (1970-2010) ............................. 70 Figura 25 - Evolução da mancha urbana de Jundiaí/SP (1940-2012) ...................................... 71 Figura 26 - Conurbação entre as cidades de Jundiaí, Itupeva, Louveira, Várzea Paulista e Campo Limpo Paulista ............................................................................................................. 72 Figura 27 - Carta de temperatura da superfície do município de Jundiaí/SP ........................... 73 Figura 28 - Carta de NDVI do município de Jundiaí/SP .......................................................... 74 Figura 29 - Mapa das LCZs de Jundiaí e região de acordo com a ferramenta WUDAPT ....... 76 Figura 30 – Local de instalação dos pontos fixos em Jundiaí/SP ............................................. 77 Figura 31 - LCZ 9 em Jundiaí .................................................................................................. 78 Figura 32 - LCZ 7G em Jundiaí ................................................................................................ 79 Figura 33 - LCZ 3B em Jundiaí ................................................................................................. 80 Figura 34 - LCZ 8B em Jundiaí ................................................................................................. 81 Figura 35 - LCZ 34 em Jundiaí ................................................................................................. 82 Figura 36 - LCZ 6 em Jundiaí .................................................................................................. 83 Figura 37 - LCZ 3 em Jundiaí .................................................................................................. 84 Figura 38 - Percurso Leste-Oeste ............................................................................................. 85 Figura 39 - LCZs identificadas no percurso Leste-Oeste em Jundiaí....................................... 86 Figura 40 - Percurso Sul-Norte ................................................................................................. 88 Figura 41 - LCZs identificadas no percurso Sul-Norte em Jundiaí. ......................................... 89 Figura 42 - Localização do ponto 8 na malha urbana de Jundiaí ............................................. 96 Figura 43 - Variação espaço-temporal das intensidades (em relação ao ponto 0) da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Abril de 2017 .................................... 96 Figura 44 - Variação espaço-temporal das intensidades (em relação ao ponto 0) da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Maio de 2017 .................................... 97 Figura 45 - Variação espaço-temporal das intensidades (em relação ao ponto 0) da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Junho de 2017................................... 98 Figura 46 - Variação espaço-temporal das intensidades (em relação ao ponto 0) da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Julho de 2017 ................................... 99 Figura 47 - Variação espaço-temporal das diferenças da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Agosto de 2017 ............................................................................................ 100 Figura 48 - Variação espaço-temporal das intensidades (em relação ao ponto 0) da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Setembro de 2017 ........................... 101 Figura 49 - Variação espaço-temporal das intensidades (em relação ao ponto 0) da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Outubro de 2017 ............................. 102 Figura 50 - Variação espaço-temporal das intensidades (em relação ao ponto 0) da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Novembro de 2017 ......................... 103 Figura 51 - Variação espaço-temporal das intensidades (em relação ao ponto 0) da temperatura em Jundiaí em relação ao ambiente rural - Dezembro de 2017 ......................... 104 Figura 52 - Mapa de orientação das vertentes com aproximação nos dois pontos identificados como LCZ 3 ............................................................................................................................ 107 Figura 53 - Frequência da intensidade da temperatura do ar às 0h, 3h, 6h, 9h, 12h, 15h, 18h, 21h .......................................................................................................................................... 109 Figura 54 - Espacialização das temperaturas medidas nos transectos móveis em Jundiaí (agosto e setembro de 2017 às 21h) ....................................................................................... 115 Figura 55 - Temperaturas medidas nos transectos em relação a altitude e as LCZs .............. 116 Figura 56 - Identificação das ilhas de calor urbanas e as áreas redutoras de temperatura (Percurso Leste-Oeste) ........................................................................................................... 117 Figura 57 - Identificação das ilhas de calor urbanas e as áreas redutoras de temperatura ..... 119 Figura 58 - Etapas e procedimentos aplicados na modelagem espacial das ilhas de calor urbanas em Jundiaí/SP ............................................................................................................ 123 Figura 59 - Modelagem espacial das ilhas de calor em Jundiaí no período seco (abril a agosto) de 2017 ................................................................................................................................... 125 Figura 60 - Gráfico dos resíduos da modelagem espacial da ilha de calor urbana em Jundiaí/SP ............................................................................................................................... 126 Figura 61 - Intensidade das ilhas de calor obtidas através da modelagem espacial em Jundiaí no período seco (abril a agosto) de 2017 ................................................................................ 127 Figura 62 - Mapa térmico síntese de Jundiaí/SP .................................................................... 129 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Características urbanas e suburbanas importantes para a formação de ilhas de calor e seus efeitos no balanço de energia sobre a superfície terrestre.............................................. 31 Tabela 2 - Propriedades radiativas de materiais urbanos ......................................................... 34 Tabela 3 - Propriedades radiativas de materiais rurais ............................................................. 35 Tabela 4 - Coeficiente de determinação de cada variável inserida na modelagem espacial da ilha de calor urbana em Jundiaí/SP........................................................................................... 63 Tabela 5 - Intensidade horária média da ilha de calor em Jundiaí - abril a dezembro de 2017 91 Tabela 6 - Datas das realizações dos transectos móveis e sistemas atuantes ......................... 110 Tabela 7 - Diferenças térmicas máximas e mínimas dos 10 episódios de transecto móveis .. 111 Tabela 8 - Síntese das informações de ICUs e ARTs identificadas no percurso Leste-Oeste 118 Tabela 9 - Síntese das informações de ICUs e ARTs identificadas no percurso Sul-Norte ... 120 Tabela 10 - Resultados obtidos nas análises dos resíduos da modelagem espacial das ilhas de calor urbanas em Jundiaí/SP para o período seco de 2017 ..................................................... 126 Tabela 11 - Descrição das áreas delimitadas no mapa térmico síntese de Jundiaí/SP ........... 130 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 15 2 O CLIMA DAS CIDADES .............................................................................................................. 20 2.1 Os estudos sobre os climas das cidades: dos clássicos aos atuais ............................................... 24 2.2 As Ilhas de Calor Urbanas ........................................................................................................... 28 2. 3 A classificação dos climas das cidades ...................................................................................... 39 2.3.1 As Zonas Climáticas Locais (Local Climates Zones - LCZ) ................................................ 43 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E TÉCNICAS DA PESQUISA ............................. 50 3.1 Registro e tratamento dos dados de temperatura do ar para a identificação das ilhas de calor ... 53 3.1.1 Pontos fixos .......................................................................................................................... 54 3.1.2 Transectos móveis ................................................................................................................ 56 3.2 Identificação das Zonas Climáticas Locais ................................................................................. 58 3.3 A modelagem espacial das ilhas de calor urbanas ...................................................................... 59 4 O UNIVERSO DE ESTUDO ........................................................................................................... 64 5 AS ZONAS CLIMÁTICAS LOCAIS (DETALHAMENTO DOS PONTOS DE COLETA DE DADOS) ............................................................................................................................................... 75 5.1 As LCZs através do WUDAPT ................................................................................................... 75 5.1 As LCZs dos pontos fixos de registros das temperaturas ............................................................ 77 5.2 As LCZs dos transectos móveis .................................................................................................. 85 6 AS ILHAS DE CALOR EM JUNDIAÍ ATRAVÉS DOS PONTOS FIXOS .............................. 91 6.1 Intensidades das ilhas de calor a partir dos pontos fixos ............................................................. 92 6.2 Frequência das intensidades das ilhas de calor ......................................................................... 105 7 AS DIFERENÇAS TÉRMICAS A PARTIR DAS MEDIDAS ITINERANTES ...................... 110 7.1 Identificação das Ilhas de Calor Urbanas e das Áreas Redutoras de Temperatura através das medidas itinerantes .......................................................................................................................... 117 8 O ZONEAMENTO TÉRMICO EM JUNDIAÍ ........................................................................... 122 8.1 A modelagem espacial das ilhas de calor em Jundiaí/SP .......................................................... 123 8.2 Síntese do zoneamento térmico de Jundiaí-SP .......................................................................... 128 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 133 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 137 RESUMO Nesta pesquisa levantou-se a hipótese de que conhecer o campo térmico de Jundiaí e saber a forma e intensidade das ilhas de calor urbanas resulta em informações relevantes a serem inseridas nas ações de planejamento. Acredita-se ainda, que a utilização da metodologia das Zonas Climáticas Locais (LCZs) facilita a comparação dos resultados obtidos em Jundiaí com outras áreas urbanas, uma vez que esta proporciona a uniformização e padronização de terminologias referentes aos usos e ocupações da terra. Para tanto, o objetivo principal foi diagnosticar o campo térmico da cidade de Jundiaí/SP e elaborar uma análise síntese, apresentando as intensidades de ilhas de calor em relação às características de superfície. Para atingir os objetivos propostos as pesquisas de campo ocorreram através da instalação de 10 sensores fixos que registraram dados horários de temperatura entre abril e dezembro de 2017 e realizados 10 episódios de levantamento com medidas itinerantes em agosto e setembro do mesmo ano. Os dados fixos identificaram que a maior expressão das ilhas de calor esteve conectada com uma sequência de estabilidade atmosférica. As maiores intensidades das ilhas de calor foram registradas, predominantemente, nos meses com as menores precipitações totais (junho, julho, agosto e setembro), enquanto no ciclo diário, as maiores intensidades foram noturnas. Notou-se também que, predominantemente, as maiores intensidades estiveram relacionadas com LCZs características de áreas urbana, LCZ 3, LCZ 3B, LCZ 34 e LCZ 7, todas compactas e com pouca ou nenhuma presença de vegetação. Já as menores intensidades foram detectadas nas LCZ 9, relativa à área rural e LCZ 6, com construções espaçadas e vegetação arbórea e rasteira. Os dados obtidos com os transectos possibilitaram identificar e delimitar áreas em que ocorreram as ilhas de calor urbanas (ICU) e áreas consideradas como redutoras de temperatura (ART). As ICUs se apresentaram, majoritariamente, em áreas com alto grau de adensamento construtivo, ao passo que as ARTs estiveram conectadas à presença de vegetação, água e declividade de relevo. Por fim, através da modelagem espacial da ilha de calor urbana integrou-se as LCZs, o relevo, a vegetação e as temperaturas medidas, a fim de propor um mapa síntese para futuro planejamento. Este mapeamento reforçou o padrão diagnosticado nas análises dos painéis espaço-temporais e dos perfis de transectos (ICUs e ARTs) com maiores intensidades relacionadas com LCZs características de áreas urbana, LCZ 3, LCZ 3B, LCZ 34 e LCZ 7, enquanto que as menores foram detectadas em LCZs rurais ou com menor grau de edificação, como: LCZ 9, LCZ 6, LCZ B e LCZ D. Neste sentido, mesmo sendo uma abordagem descritivo-analítica das ilhas de calor urbanas, o modelo resultou em um documento síntese das temperaturas intraurbanas de Jundiaí, objetivo principal da tese, que poderá ser utilizado pelo poder público em políticas de gestão e planejamento e auxiliar no processo de expansão territorial urbana de Jundiaí. Palavras-chave: Clima urbano. Ilhas de calor urbanas. Zonas Climáticas Locais. Jundiaí/SP. ABSTRACT In this research it was hypothesized that knowing the thermal field of Jundiaí and knowing the distribution and intensity of urban heat islands results in relevant information to be included in the planning actions. It is also believed that the use of the Local Climate Zones (LCZs) methodology facilitates the comparison of the results obtained in Jundiaí with other urban areas, since it provides the standardization and standardization of land use and occupation terminology. Therefore, the main objective was to diagnose the thermal field of the city of Jundiaí/SP and to elaborate a synthesis analysis, presenting the urban heat island intensities in relation to the surface characteristics. In order to achieve the proposed objectives, the field research was carried out by installing 10 fixed sensors that recorded hourly temperature data between April and December 2017 and carried out 10 episodes of itinerant survey in August and September of the same year. Data from fixed sensors identified that the highest expression of heat islands was connected with an atmospheric stability sequence. The highest intensities of the urban heat islands were predominantly recorded in the months with the lowest total of rainfall (June, July, August and September), while in the daily cycle the highest intensities were nocturnal. It was also noted that, predominantly, the highest intensities were related to LCZs characteristic of urban areas, LCZ 3, LCZ 3B, LCZ 34 and LCZ 7, all compact and with little or no vegetation. The lowest intensities were detected in LCZ 9, relative to the rural area and LCZ 6, with spaced constructions and tree with undergrowth. The data obtained with the transects made it possible to identify and delimit areas where urban heat islands (ICU) occurred and areas considered as temperature reducers (ART). Most of the ICUs were presented in areas with a high degree of constructive densification, while the ARTs were connected to the presence of vegetation and water and relief slope. Finally, through the spatial modeling of the urban heat island, the LCZs, relief, vegetation and measured temperatures were integrated in order to propose a synthesis map for future planning. This mapping reinforced the pattern diagnosed in the analysis of spatiotemporal panels and transects profiles (ICUs and ARTs) with higher intensities related to LCZs characteristic of urban areas, LCZ 3, LCZ 3B, LCZ 34 and LCZ 7, while the smaller ones were detected in rural or less building LCZs such as: LCZ 9, LCZ 6, LCZ B and LCZ D. In this sense, even though it is a descriptive-analytical approach to urban heat islands, the model resulted in a document summarizing the Jundiaí intraurban temperatures, the main objective of the thesis, which can be used by the public authorities in management and planning policies and to assist in process of urban territorial expansion of Jundiaí. Keywords: Urban climate. Urban heat islands. Local Climate Zones. Jundiaí/SP. 15 1 INTRODUÇÃO A preocupação com o entendimento das questões relacionadas ao clima e, principalmente ao regime climático, foi e é uma constante na sobrevivência humana e faz parte do planejamento, tanto no âmbito rural (direcionado à agropecuária) como no urbano (focado na organização do espaço urbano, principalmente no que se refere ao ordenamento de uso e ocupação da terra). Neste sentido, o clima tem sido objeto de estudo do Homem através dos tempos. A alteração climática em ambientes urbanos está posta desde o século XIX com o estudo realizado por Howard (1833) sobre o clima de Londres. Deste modo, os estudos sobre clima urbano são muito importantes na medida em que cada vez mais as pessoas estão vivendo nas cidades. Em escala planetária mais da metade da população habita em áreas urbanas. O aumento da urbanização não é uma tendência nova, em 1990, 43% (2,3 bilhões) da população mundial vivia em áreas urbanas e em 2015 o número cresceu para 54% (4 bilhões) (ONU-HABITAT, 2016)1. A previsão é de que até 2030 esse número atinja, aproximadamente, 5 bilhões de pessoas, ou seja, 60% da humanidade (UNFPA, 2015). No Brasil, a partir dos anos 1940-1950, a industrialização foi a grande impulsionadora do aumento da população urbana. Santos (1993) salienta que o termo industrialização não se aplica em seu sentido estrito, mas sim deve ser entendido como um processo social complexo que estimula não somente a “fabricação”, mas sim o consumo e a formação de um mercado nacional e integrado, incentivando as relações comerciais e a própria urbanização. Neste sentido, a industrialização fortaleceu a mecanização da agricultura, a monocultura e as cidades, através, principalmente, das oportunidades de consumo, passaram a ser os grandes polos receptores da população nacional. Com base em Santos (1993) verifica-se que de 1960 a 1980 as cidades brasileiras ganharam em torno de cinquenta milhões de novos habitantes, ou seja, um número quase igual à população total em 1950. Interessante destacar que entre 1980 e 1990 a população do país se elevou 26%, enquanto a população urbana aumentou mais de 40%, ou seja, desde 1960 o Brasil passa por um processo de urbanização (Figura 1) atingindo em 2010, a taxa 84,4%. Deste modo, verifica-se que o crescimento da população urbana no Brasil foi 50,1% em 60 anos. 1 Relatório Mundial das Cidades 2016: Urbanização e Desenvolvimento: Futuros Emergentes. Disponível em: , acesso em: 20 out. 17. 16 Figura 1 - Gráfico da taxa de urbanização brasileira Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2000; Censo Demográfico 2010 Sendo assim, a acelerada urbanização a partir dos anos de 1960 deixou marcas ambientais e sociais nas cidades, nas quais muitas vezes são evidentes a falta de planejamento e a expansão territorial de forma inadequada, afetando diretamente o cotidiano dos citadinos. Muitos são os indicadores considerados quando se busca avaliar a qualidade ambiental urbana, sendo um deles, a geração de um clima diferenciado nas cidades, mais especificamente a distribuição das temperaturas nos diferentes espaços intraurbanos em relação ao rural próximo. A importância do estudo desta temática está relacionada com o conforto/desconforto térmico, problemas relacionados à saúde, além de ser entendido como um indicador de exclusão social e espacial (AMORIM, DUBREUIL, QUENOL, SANT´ANNA NETO, 2009). Aspectos como a rugosidade, a retirada de vegetação arbórea, a densidade de construções e edificações e a geometria do traçado urbano, além das funções econômicas e sociais desenvolvidas no local, podem ser fatores determinantes na geração do clima urbano, uma vez que modificam o equilíbrio entre a superfície e a atmosfera, afetando assim, o funcionamento dos componentes climáticos (ARNFIELD, 2003; AMORIM, 2000, 2010; MENDONÇA e DUBREUIL, 2005). Destaca-se que tanto a transformação da paisagem quanto as atividades associadas às zonas urbanas têm alterado a atmosfera na escala local, especialmente o clima abaixo dos edifícios (canopy layer) e também na camada acima do dossel urbano (boundary layer) (OKE, 1978). Monteiro (1976, p. 95) conceituou o clima urbano como sendo “um sistema que abrange o clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização”, esclarecendo que este será diferenciado 26% 36% 45% 56% 68% 77% 81% 84% 73% 64% 55% 44% 32% 23% 19% 16% 0% 20% 40% 60% 80% 100% 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 Taxa de Urbanização brasileira Urbano Rural 17 para cada ambiente urbanizado, visto que as cidades, ou até mesmo seus espaços intraurbanos, são distintos em suas características naturais (relevo, vegetação, etc.) e urbanas (material construtivo, densidade de construções, verticalização, entre outros). Os materiais utilizados nas construções e a cobertura vegetal, especialmente a arbórea, são considerados fatores essenciais na identificação das temperaturas das cidades. De acordo com Grimmond (2007), as propriedades radiativas, térmicas e hidráulicas dos materiais de construção se diferem daquelas encontradas no solo, na vegetação e na água, como por exemplos os materiais dos telhados: amianto, cerâmicas, palha, ardósia e aço/ferro ondulado, que possuem diferentes propriedades radiativas (albedo, emissividade) e condutoras (admitância térmica, condutividade), que interferem no processo de absorção e liberação de energia e, diferenciam a intensidade do aquecimento/arrefecimento. Segundo Mendonça (2003), uma etapa que pode ser considerada basilar na abordagem do clima urbano é a divisão da cidade em partes relativamente homogêneas, ou seja, que contenham características minimamente parecidas. Neste sentido, um procedimento que vem sendo utilizado nos estudos de clima urbano é a classificação de unidades climáticas. Os princípios de classificação são diversos, porém para esta pesquisa optou-se por adotar a metodologia elaborada por Stewart e Oke (2009), Zonas Climáticas Locais (Local Climate Zones), na qual cada classe é definida segundo a cobertura de superfície e a estrutura urbana. Nesta pesquisa, tal procedimento foi aplicado em Jundiaí, localizada na região sudeste do estado de São Paulo (Figura 2). Figura 2 - Localização do município de Jundiaí dentro do Estado de São Paulo 18 O município conta com uma localização geográfica estratégica (Figura 3), entre os dois principais centros consumidores do Estado de São Paulo (Campinas e São Paulo) e possui uma infraestrutura de transportes, principalmente as rodovias Anhanguera e Bandeirantes, que facilita o movimento entre as cidades e reflete no crescimento urbano constante desde 1970. A descentralização industrial da Região Metropolitana de São Paulo foi um processo que colaborou com o crescimento populacional de Jundiaí, e atualmente, a lógica dos enclaves fechados e da segregação espacial é altamente reconhecida, devido às suas vantagens logísticas, à qualidade de vida oferecida e aos preços de imóveis e terrenos (estima-se que 15-20% mais baixos que os similares em São Paulo) (GOULART e BENTO, 2011). Figura 3 - Contexto da região de Jundiaí/SP Fonte: Imagem Landsat 8 (https://earthexplorer.usgs.gov/). Elaboração: DORIGON, L.P. (2018) Assim, o aumento populacional e a expansão territorial urbana em Jundiaí apesar de contar com medidas de planejamento urbano e ambiental estruturadas, como, por exemplo, o zoneamento territorial, a delimitação de remanescentes de vegetação nativa, o mapeamento dos https://earthexplorer.usgs.gov/ 19 corpos hídricos e das nascentes, ainda não possui levantamentos quanto às características das temperaturas e da geração de seu clima urbano, por isso o interesse em aprofundar o conhecimento sobre essa temática, além de gerar informações relevantes para o poder público local, o qual apresenta-se bastante interessado em receber conhecimentos acadêmicos aplicáveis. Somado a isso, tem-se a vivência da pesquisadora que é moradora da cidade e acompanhou parte de processo de crescimento, enquanto citadina, e consegue criar proximidade com o que Monteiro (1976) apontou como elemento basilar dos estudos de clima urbano, o “adentrar a cidade” e conhecê-la de forma aprofundada e detalhada. Neste sentido, levantou-se a hipótese de que conhecer o campo térmico de Jundiaí e saber a forma e intensidade das ilhas de calor urbana resulta em informações relevantes a serem inseridas nas ações de planejamento. Acredita-se ainda, que a utilização da metodologia das LCZs facilita a comparação dos resultados obtidos em Jundiaí com outras áreas urbanas na busca de propostas mitigadoras, uma vez que esta proporciona a uniformização e padronização de terminologias referentes aos usos e ocupações da terra. Para tanto, o objetivo principal desta pesquisa foi diagnosticar o campo térmico da cidade de Jundiaí/SP e elaborar uma análise síntese, apresentando as intensidades de ilhas de calor em relação as características de superfície. Como objetivos específicos, tem-se: a. Analisar a influência dos elementos físicos e urbanos, que formam as diferentes paisagens da cidade, em relação as ilhas de calor; b. Compreender o padrão de intensidade e espacialização das ilhas de calor em Jundiaí/SP. c. Contribuir para a discussão sobre a classificação climática urbana, em especial a metodologia das Zonas Climáticas Locais; d. Integrar as informações obtidas através da correlação entre as LCZs e as temperaturas medidas, a fim de propor um mapa síntese para futuro planejamento. Sendo assim, a tese foi estruturada e organizada em 9 capítulos, iniciando com a apresentação da hipótese e dos objetivos, passando pelo referencial teórico que embasou a discussão, apresentou-se também as ferramentas e técnicas para atingir os objetivos, na sequência abordou-se os resultados obtidos e por fim, foram tecidas considerações sobre as análises realizadas e o padrão identificado. 20 2 O CLIMA DAS CIDADES Atualmente a urbanização tem desempenhado um papel importante no desenvolvimento e modernização dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, sendo que muitas vezes a expansão territorial urbana é entendida como sinônimo de desenvolvimento ou de progresso do mundo moderno, opondo-se ao “retrocesso” ou ao “atraso” representado pelo ambiente rural (CUI e SHI, 2012; FIALHO, 2012). Apesar de, aparentemente, a urbanização ter acelerado o desenvolvimento econômico, social e tecnológico, junto a ela criou-se também inúmeras questões e/ou problemas ambientais. A modificação gradual da estrutura física das cidades, associada ao crescimento populacional e as atividades desenvolvidas, afetam as condições naturais, como a água, o solo e o ar (REN at al., 2007; FIALHO, 2012). O clima é uma variável dessa teia de relações que afeta o rearranjo do ambiente urbano, ou seja, considera-se o clima urbano como um conjunto complexo construído a partir da inter- relação entre as atividades naturais e os fenômenos urbanos (HACK, 2002). Compreende-se então, que a produção do clima das cidades é derivada da reorganização da paisagem natural, em que há a substituição por um ambiente construído, palco de intensas atividades humanas. As principais especificidades urbanas que são responsáveis pela geração de um clima diferenciado nas cidades são as construções, os tipos de materiais, o traçado das ruas, a circulação de veículos, as indústrias e as atividades humanas. Importante destacar que o ambiente rural também sofreu transformações e substituições de superfícies ao longo dos anos, porém nas cidades os efeitos do ar comprometidos são sentidos de maneira mais intensa (AMORIM, 2000). Chandler (1965) expõe que o clima urbano é consequência da substituição dos materiais rurais (campo, fazendas e florestas) por materiais urbanos (tijolo, concreto e vidro). Segundo o autor, ao fazer essa modificação da paisagem, o homem afeta a troca aerodinâmica, térmica e hidrológica local, e consequentemente altera profundamente as propriedades meteorológicas dentro e acima das áreas urbanas. Sendo o clima urbano resultado da relação entre o clima regional e a urbanização local, este será específico para cada ambiente urbanizado, uma vez que as cidades se diferem de acordo com suas características naturais, (geomorfologia, direção predominante dos ventos, etc.) e suas características urbanas, (tipo e cor dos materiais utilizados nas edificações, densidades de construções, pavimentação, verticalização, presença de áreas verdes e arborização nas calçadas e fundos de quintais, etc.). Quanto a sua classificação, o clima urbano 21 é concebido por Monteiro como um mesoclima inserido no macroclima regional, e que sofre influências microclimáticas provenientes das características superficiais dos espaços urbanos. Sant’Anna Neto (2013), transpôs as escalas climáticas para uma abordagem geográfica e, a fim de facilitar o entendimento, formulou três níveis de análises espaciais: global ou zonal, regional e local. No conjunto das escalas inferiores, o qual se aborda nesta pesquisa, encontram- os climas locais, subdividido em mesoclima, topoclima e microclima. Segundo Sant’Anna Neto (2013), esta dimensão escalar (local), ao longo do tempo, tem se tornado cada vez mais complexa, porque na medida em que os espaços naturais são transformados ou produzidos, as características climáticas têm sua dinâmica e seus ciclos ocorrendo em velocidades variadas. Ou seja, nesta escala com dimensão espacial reduzida, são encontrados maiores números de elementos, fatores, dinâmicas e processos envolvidos. O autor ainda acrescenta que “os fatores geográficos do clima assumem, nesta escala, uma importância crescente, uma vez que a rugosidade do relevo, a existência (ou não) de corpos de água e de vegetação é suficientemente latente para exercer influencias nas características das células locais dos climas regionais” (SANT’ANNA NETO, 2013, p. 86). Resumidamente, considera-se que o clima urbano é resultado das modificações da superfície das cidades, ou seja, os materiais e as atividades das áreas urbanas provocam alterações no balanço energético local (LANDSBERG, 1981; OKE, 1987 e ARNFIELD, 2003). O clima urbano também é considerado um sistema complexo, singular à cada localidade, abrangendo profundas alterações nos parâmetros atmosféricos de circulação, turbulência e dispersão do ar, mudanças de temperatura, albedo e armazenamento de calor, além de influenciar a evapotranspiração e o balanço de energia na superfície (MONTEIRO, 1976; TAHA, 1997; KANDA, 2006). Landsberg (1981) sistematizou os mais importantes componentes e condições climáticas que são modificados no ambiente urbano: 1. A radiação solar global nas cidades é reduzida de 15 a 20% e os raios ultravioletas de 5 a 30%. Também a radiação solar direta é inferior se comparada à área rural; 2. A temperatura média anual e a temperatura mínima de inverno são superiores à área rural cerca de 0,5ºC a 1,0ºC e 1,0ºC a 2,0ºC, respectivamente; 3. O fluxo de calor latente (através da evapotranspiração) é maior na área rural, enquanto na cidade o calor sensível é o predominante devido ao calor antropogênico e a maior participação da superfície urbana nos processos de ondas longas, diminuindo o processo de evapotranspiração; 22 4. A maior concentração de aerossóis nas cidades aumenta em torno de 50 vezes o total de núcleos de condensação, elevando assim a nebulosidade urbana em relação à área rural e natural; 5. A precipitação urbana é relativamente superior (5 a 10%) às das áreas rurais, enquanto a umidade relativa se comporta de maneira inversa (média anual é inferior a 6%); 6. A estrutura e morfologia urbana condicionam a movimentação do ar direcionando e reduzindo (de 10 a 30%) a velocidade do vento; 7. O albedo médio das cidades é de 0,15, enquanto nas áreas rurais é de 0,18 a 0,25 e superior nas áreas. García (1990), assim como Landsberg, também apontou algumas alterações climáticas produzidas pela urbanização: a. A substituição do ambiente natural por diversos tipos de pavimentos, como os sistemas de drenagem urbanos, que permitem um escoamento rápido, provoca uma redução da evaporação e da umidade da superfície e do ar; b. As propriedades físicas existentes nos materiais de construção urbanos, que apresenta menores albedos, maior capacidade calorífica e uma boa condutividade térmica, modificam o balanço de radiação urbana e influência a temperatura do ar e; c. O calor produzido pelas atividades humanas na cidade é um fator importante na modificação do balanço de energia. Neste sentido, embasado na Teoria Geral dos Sistemas de Bertalanffy (1973) e na concepção holística de Arthur Koestler, Monteiro (1976), elaborou a proposição teórico- metodológica do Sistema Clima Urbano (SCU), com o objetivo de nortear a elaboração de diagnósticos ambientais/climáticos e para a proposição de ações para a solução dos problemas. De acordo com Zavattini (2013) após os estudos de Monteiro as pesquisas em climatologia geográfica ganharam dinamicidade e passaram a agregar técnicas que partem do princípio de que o clima de um lugar é fruto das interações estabelecidas entre os elementos climáticos e destes com o meio geográfico, buscando explicações a partir da gênese dos fenômenos climáticos e analisando as consequências de seus impactos sobre o ambiente. A proposta do SCU é amplamente utiliza por geógrafos nas investigações sobre o clima urbano das cidades brasileiras, [...] no Brasil, de maneira geral, os estudos do clima nas cidades têm se pautado em adaptações da proposta teórico-metodológica de Monteiro (1976), que considera a inter-relação dos elementos da natureza e da sociedade na perspectiva do Sistema Clima Urbano. Segundo essa concepção, a estrutura interna do Sistema Clima Urbano 23 não pode ser definida pela superposição ou adição de suas partes (compartimentação ecológica, morfológica, ou funcional urbana), mas por meio da conexão entre elas (AMORIM, 2010, p. 71). Monteiro classificou sua teoria, o SCU, como um sistema complexo, aberto e adaptativo, que ao receber energia do ambiente (energia solar) a transforma, gerando uma produção excedente que é exportada e retorna ao ambiente local. Lima (2012) destacou que o S.C.U. não pode ser entendido pela sobreposição de suas partes - elementos geoecológicos e geourbanos – mas deve sim ser lido pela conexão delas. De acordo com o SCU a atmosfera é o operador do sistema, enquanto o homem é o operando, ou seja, não somente os fatores externos são geradores de energia, mas também o homem e a dinâmica criada no espaço urbano são fatores a serem considerados, tornando assim, o Sistema Clima Urbano passível de auto regulação. O Sistema Clima Urbano possui uma resultante que pressupõe elementos que caracterizam a participação urbana no desenvolvimento do sistema. De acordo com a percepção humana e a avaliação social e coletiva, Monteiro propôs três canais de percepção humana. Estes canais são: Conforto Térmico, Qualidade do Ar e Impacto Meteórico, cada um deles ligado a um subsistema do SCU, Termodinâmico, Físico-Químico, e Hidrometeórico, respectivamente. Sinteticamente, o primeiro canal I (Conforto Térmico) compreende os distúrbios ligados ao conforto/desconforto térmico, que estão diretamente relacionados à temperatura, umidade, precipitação e ventilação intraurbana. O canal II (Qualidade do ar) considera as investigações sobre as condições de qualidade do ar presente na atmosfera urbana e o canal III (Impacto Meteórico), tem foco nas manifestações do impacto meteórico na superfície urbana, ou seja, como a precipitação afeta as condições de vida dos citadinos. Nesta tese, que tem como objetivo maior analisar a geração das ilhas de calor urbanas em Jundiaí, o enfoque é o Subsistema Termodinâmico, Canal do Conforto. Segundo Monteiro (1976, p. 126), Dentro do esquema do S.C.U., esse canal atravessa toda a estrutura, pois que o insumo básico, é transformado na cidade e pressupõe uma produção fundamental no balanço de energia líquida no sistema. O uso do solo, a morfologia urbana, bem como as funções estão intimamente implicados no processo de transformação e produção. Neste sentido, a proposta de Monteiro afirma que a fonte do subsistema termodinâmico é a radiação solar que ao sofrer transformações constantes no sistema gera produtos, como as ilhas de calor, que provocam efeitos diretos no desconforto térmico. 24 Cabe apresentar aqui, brevemente, as premissas dos estudos sobre clima urbano e como estes foram iniciados e mostrar alguns exemplos de como se encontram nas últimas décadas. 2.1 Os estudos sobre os climas das cidades: dos clássicos aos atuais Desde o século XIX as preocupações com a atmosfera nos ambientes urbanos são objetos de pesquisas acadêmicas e científicas. O primeiro estudo mais sistematizado foi elaborado pelo químico Howard que discutiu sobre o clima gerado na cidade de Londres em 1833. Neste estudo foram analisados os contrastes meteorológicos entre a metrópole e vários lugares em torno dela. As alterações encontradas foram atribuídas à poluição produzida pela queima de carvão, o que provocava o aumento na temperatura da cidade (MONTEIRO, 1976). Segundo Monteiro (1976, p. 54), “daí para cá as preocupações e os estudos se multiplicaram, a princípio nas cidades industrializadas da Europa ocidental, passando depois para a América do Norte”, uma vez que o crescimento populacional foi acelerado nas metrópoles, e a atmosfera, [...] passou a ser reconhecida como um recurso vital básico e o clima, pela própria dinâmica de sua essência física, como um insumidor energético ativando o ambiente por suas variações temporais, através de suas associações com os demais componentes naturais, ajudando a definir a estrutura do espaço ambiente e sua organização funcional (MONTEIRO, 1976, p.10). Dentre os estudos clássicos internacionais sobre esse tema, cabe ressaltar os realizados por Chandler (1965) e Landsberg (1981). Chandler (1975) realizou um novo estudo em Londres, mais especificamente em seu espaço intraurbano. A conclusão encontrada foi que a cidade modifica o clima devido às alterações na superfície, através do aumento na temperatura, aumento na quantidade de precipitação e mudanças na ventilação e na umidade. Landsberg (1981) analisou as alterações na temperatura, umidade relativa, precipitação e o contato do vento com a área urbana. O autor esclareceu que as cidades agregam modificações climáticas suficientes para gerar um clima local, no entanto não conseguiu estabelecer, naquele momento, o ponto de concentração populacional ou densidade de edificações em que essas transformações climáticas ocorreriam. Praticamente 10 anos após o trabalho de Landsberg, Oke (1978) apresentou sua importante obra Boundary Layer climates que, atualmente ainda é referência nos estudos sobre clima urbano. O autor, neste livro, apresenta os processos ocorridos na atmosfera próxima à 25 superfície a partir de uma abordagem física da atmosfera superior e apresenta os ambientes urbanos com base nas propriedades físicas de radiação, umidade e aerodinâmica. É nesta obra que o autor destaca as duas camadas que se formam sobre as cidades, urban boundary layer e urban canopy-layer, amplamente utilizadas e que serão abordadas detalhadamente nos próximos tópicos. Mais recentemente, a partir da década de 2000 o destaque está sendo dado para trabalhos produzidos através de SIGs e sensoriamento remoto, principalmente na Europa, Estados Unidos, Canadá e Ásia (com destaque para a China). O foco destas pesquisas são as informações obtidas com as bandas dos sensores termais em relação à cobertura da superfície (WENG, 2003; VOOGT e OKE, 2003; CHEN et al., 2006). No Brasil as discussões sobre clima urbano iniciaram-se com Monteiro (1976), quando a sua preocupação com a qualidade ambiental brasileira e a ação antrópica negativa sobre o ambiente climático fizeram com que ele criasse uma nova abordagem metodológica para os estudos de clima urbano, gerando assim, a sua obra Teoria e Clima Urbano. Diante das muitas pesquisas desenvolvidas após a proposta teórica de Monteiro, cabe destacar três obras específicas, devido a suas características inovadoras e a importância no campo da climatologia urbana, no que diz respeito às diferenças de temperatura e umidade nas cidades, visto que este é o foco desta pesquisa. A primeira foi o trabalho de Lombardo (1985) que tendo como área de estudo a cidade de São Paulo, analisou a ilha de calor através do sensoriamento remoto e de medidas da atmosfera. A autora se utilizou de satélites meteorológicos como NOAA e TIROS-N, além do Landsat 3 e 5 para o mapeamento da ilha de calor urbana relacionando a temperatura com o uso do solo e foi a pioneira neste tipo de estudo no Brasil. Outra pesquisa também bastante importante foi a de Mendonça (1994) que realizou o estudo do clima urbano da cidade de Londrina e, de forma geral, propôs uma metodologia para os estudos do campo termo-higrométrico para cidades de pequeno e médio porte. Amorim (2000, 2017), ainda discorrendo sobre cidades de médio porte, demonstrou a existência de um clima específico na cidade de Presidente Prudente, sendo que o tipo de ocupação do solo associado à densidade de arborização, altitude e exposição de vertentes, revelaram-se como fatores explicativos para a compreensão das anomalias da temperatura e umidade relativa encontradas. Diversas produções acadêmicas e científicas em nível de mestrado e doutorado foram realizadas na FCT/Unesp sobre o clima das cidades de pequeno e médio porte. Já foram 26 concluídos trabalhos sobre Nova Andradina (LIMA, 2011); Penápolis (UGEDA Jr., 2012; MOREIRA, 2016), Araçatuba (MINAKI, 2014); Presidente Prudente (CARDOSO, 2015); São Carlos e Marília (RAMPAZZO, 2015); Rancharia (TEIXEIRA, 2015); Assis, Cândido Mota, Maracaí e Tarumã (PORANGABA, 2015); Paranavaí (DORIGON, 2015); Londrina (MENDONÇA, 2015), além de outros que estão em andamento. Dumke (2007) realizou um estudo no qual analisou o clima e o conforto térmico em relação às desigualdades socioespaciais encontradas no Aglomerado Urbano da Região Metropolitana de Curitiba. A partir da cartografia dos elementos do sítio, dos usos e ocupações da terra, da distribuição socioespacial das habitações, além da coleta de valores de temperatura e umidade relativa do ar e da termografia da superfície, identificou-se a existência de um desconforto térmico para o frio nos espaços em que as parcelas de população menos favorecidas se estabeleceram. Fialho (2009) elencou três escalas para observação e mensuração do clima urbano em Viçosa, através de transectos móveis. No primeiro nível de análise, 1:100.000, o autor buscou levantar as diferenças existentes entre o urbano e o rural, abordando assim, a dinâmica de perda de temperatura do campo e da cidade ao longo da noite e da madrugada. No segundo nível escalar, que se refere ao meio intraurbano (1:15000), foi investigado a interferência dos diferentes tipos de uso da terra e da topografia sobre o campo térmico da cidade. Já o terceiro e último plano escalar, se refere ao nível da área central (1:10000), objetivou identificar se existia ou não correspondência entre a localização dos núcleos de calor e as atividades humanas (comerciais e locais de pico de trânsito). Como resultado principal de sua tese, Fialho (2009) conclui que em Viçosa foi possível identificar ilhas de calor, principalmente no período noturno. Nota-se então, que muito vem sendo produzido sobre este tema, tendo em âmbito internacional uma revista especializada na temática, a Urban Climate2 com 4 publicações anuais desde 2012, num total de 26 volumes. Também tem destaque a Conferência Internacional de Clima Urbano (International Conference on Urban Climate), que teve sua 10ª edição realizada em Nova Iorque em 2018 e contemplou apresentações de trabalhos em formato de painel e oral, além de palestras de renomados pesquisadores, demonstrando assim, a importância que a temática vem recebendo no âmbito acadêmico. 2 Além desta especializada, muitas outras também publicam artigos relacionados a temáticas, periódicos focados em geografia, climatologia, arquitetura, sensoriamento remoto, entre outros. 27 No Brasil dá-se destaque a Revista Brasileira de Climatologia e ao Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica, como sendo os dois meios mais especializados de divulgação de pesquisas em clima urbano, no entanto, muitos outros também apresentam especial atenção à temática. Ao analisar as publicações realizadas nestes dois meios, é notório que o clima urbano tem ganhado espaço no meio científico brasileiro, especialmente as pesquisas sobre ilhas de calor urbanas, dentro do canal de percepção do Conforto Térmico, porém ainda são poucos os trabalhos brasileiros que buscam fazer essa análise através da classificação dos climas das cidades, como se propõe nesta pesquisa. Até a XII edição do SBCG, nenhum trabalho teve esse enfoque e somente 3 artigos publicados na Revista Brasileira de Climatologia abordaram esse tema. Collischonn e Mattos (2011) publicaram o artigo “Classificação de ambientes termicamente homogêneos para estudos de clima na camada do dossel urbano –metodologia e aplicação à cidade de Pelotas/RS”. A proposta do trabalho foi realizar uma revisão de literatura sobre as classificações de unidades climáticas urbanas, em especial sobre a proposta de Stewart e Oke (2009) – Zonas climáticas locais (Local Climate Zones – LCZ) - e então, foram feitas adaptações para se realizar a classificação para o perímetro urbano de Pelotas. A partir de imagens Ikonos II –PSM de alta resolução foi elaborado um mapa com as Potenciais Unidades Climáticas (baseadas nas Local Climate Zones) e pode-se tecer considerações a respeito das ilhas de calor ali detectadas. Machado e Assis (2017) publicaram um artigo no qual apresentaram uma proposta metodológica de mapeamento de unidades topoclimáticas. Estas unidades foram delimitadas através de análise multicritérios em ambiente SIG a partir das relações existentes entre as características geoecológicas e o comportamento atmosférico local. As variáveis utilizadas foram radiação solar, temperatura do ar, uso e ocupação do solo, umidade relativa do ar e altimetria. Ao final foram determinadas sete unidades topoclimáticas e uma topoclima de transição. Assis e Ferreira (2018) elaboraram um estudo sobre o zoneamento térmico relacionado aos padrões de uso e ocupação da terra e a temperatura na região central de Juiz de Fora/MG. O resultado do cruzamento entre as variáveis hipsometria, albedo, edificação, vegetação, hidrografia, temperatura e sensação térmica resultaram em dois mapas com classes distintas, um referente ao conforto térmico durante o dia e outro durante a noite. 28 Vale destacar que fora desses meios de divulgação, Cardoso (2015) e Anjos (2017) elaboraram seus trabalhos de conclusão de mestrado e doutorado, respectivamente a partir das LCZs. Cardoso (2015) apresentou um mapa de Potenciais Unidades Climáticas de Presidente Prudente que foi elaborado segundo a proposta de Stewart e Oke (2009) e teceu considerações sobre as ilhas de calor na cidade. Anjos (2017) defendeu sua tese de doutoramento pela Universidade de Lisboa e elaborou propostas de planejamento climático para a cidade de Aracajú, utilizando as LCZs como base para a caracterização de uso e ocupação da terra. Na literatura internacional a utilização das LCZs é bastante difundida em trabalhos que buscam compreender as ilhas de calor de urbanas. Seja através da correlação entre os as características de uso e ocupação da terra e as temperaturas locais (do ar ou superficiais) (MIDDEL et al., 2014; NG, 2015; ZHONGLI e HANQIU, 2016; KOTHARKAR e BAGADE, 2018; MADUREIRA et al, 2018; MONTEIRO et al, 2018), seja pela elaboração de modelos para a compreensão do fenômeno (FOISSARD, 2015), além do desenvolvimento de novas tecnologias e a utilização de imagens de satélite para o aprimoramento da identificação das LCZs (BECHTEL, 2011; BECHTEL et al., 2016; XU, 2017; WANG et al., 2018). Estes trabalhos abordam diferentes áreas urbanas em contextos climáticos variados ao redor do mundo, como, por exemplo, o estudo de Stevan et al. (2013), na cidade de Novi Sad/Servia; Perera et al. (2012) em Colombo/Sri Lanka; Ng (2015) em Singapura; muitos elaborados para cidades europeias, por exemplo: Geletič (2016); Houeta e Pigeonb (2011); Lehnert et al. (2015); Monteiro e Velho (2014); Madureira et al. (2017), além dos estudos realizados na América do Norte (MIDDEL et al., 2014; STEWART e OKE (2014) e na Ásia, especialmente na China (WANG, 2008; ZHONGLI e HANQIU, 2016; CAI et al., 2018). Neste sentido, nota-se que internacionalmente as LCZs já são bastante difundidas e utilizadas, porém em âmbito nacional poucas são as pesquisas que empregam a metodologia, buscando compreender a formação das ilhas de calor através de uma padronização de classificação de usos e coberturas da terra. 2.2 As Ilhas de Calor Urbanas Atualmente a resposta climática mais reconhecida causada pelo desenvolvimento /crescimento urbano é o fenômeno das ilhas de calor, ou seja, o calor característico de um determinado local em comparação com o seu entorno próximo (MONTEIRO, 1976; AMORIM, 2000 e 2017; LIN AND YU, 2005; REN et al., 2007; YAN et al., 2010; REN e ZHOU, 2014). 29 Para elucidar o que são as ilhas de calor urbanas deve-se compreender que as propriedades das pavimentações e dos materiais de construções utilizados nas edificações urbanas tendem a reter calor durante o dia, e liberá-lo mais lentamente no decorrer do período noturno, contribuindo para o rápido aumento da temperatura diurna e a lenta redução térmica noturna. Esse fenômeno é denominado ilhas de calor e sua formação é típica de áreas de concentração de atividades humanas com grande liberação de energia, como as indústrias potencialmente poluidoras (ARNFIELD, 2003; OKE, 1978; VOOGT e OKE, 2003). La isla de calor o isla térmica urbana consiste en que las ciudades suelem ser, especialmente de noche, más cálidas que el medio rural o menos urbanizado que las rodea. Singularmente, el área urbana que presenta temperaturas más elevadas suele coincidir con el centro de las ciudades, allí donde las construcciones y edificios forman un conjunto denso y compacto (...) (GARCÍA, 1991, p.47). As ilhas de calor alteram o ambiente físico, por exemplo, a produção primária líquida de energia, a biodiversidade, a qualidade da água e do ar, além de afetar o clima local (ARNFIELD, 2003; DIXON e MOTE, 2003; SHEPHERD, 2005) e a saúde humana com o aumento da morbidade, mortalidade, e desconforto térmico (ZHOU et al., 2014). Essa anomalia térmica tem sido observada desde o século XX, sendo um dos fenômenos climatológicos urbanos mais estudados. Como aponta Polizel (2009), as ilhas de calor podem ser observadas em várias escalas, desde áreas pequenas (nos arredores de um edifício, no meio de uma avenida) passando por áreas maiores (em um bairro), podendo ser notadas também em escalas regionais (vários bairros ou zonas) ou até mesmo na cidade como um todo. Neste sentido é que Oke (1982) afirma que mesmo em localidades muito pequenas o fenômeno ilha de calor urbana está passivo de ocorrer. García (1991) expõe que não existe uma causa única para a formação da ilha de calor, este fenômeno é resultante de um conjunto de processos, a) un mayor almacenamiento de calor durante el día en la ciudade, gracias a las propriedades térmicas y caloríficas de los materiales de construccíon urbanos, y su devolucíon a la atmosfera durante la noche; b) la produccíon de calor antropogénico (calefación, industria, transporte, alumbrado, etc.); c) la disminuición de la evaporación, debido a la sustitución de la supefície originaria por un suelo pavimentado y a la eficacia de los sistemas de drenaje urbanos (alcantarillado, ect.); d) una menor pérdida de calor sensible, debido a la reducción de la velocidad del viento originada por los edificios; e) un aumento de la absorción de radiación solar, debido a la captura que produce la singular geometría de calles y edifícios, que contribuye a un albedo relativamente bajo; f) una disminución de la pérdida de calor durante la noche por irradiación, debido también a las características geométricas de calles e edifícios que reducen el factor de 30 visión del cielo (SVF) y g) un aumento de la radiación de onda larga que es absorbida y reemitida hacia el suelo por la contaminada atmósfera urbana (GARCÍA, 1991, p.47). Oke (1978) destacou que a característica mais marcante das ilhas de calor é a sua intensidade, medida através da diferença entre a temperatura máxima presente na área urbana e a mínima da área rural. Este mesmo autor elaborou um perfil, atualmente considerado como clássico, a fim de representar uma ilha de calor típica. No esquema cartesiano ilustrado na Figura 4, observa-se o aumento da intensidade da ilha de calor na medida em que ocorre o deslocamento da área rural para a urbana. Na transição entre o ambiente rural e o suburbano, encontra-se o Cliff (ladeira), quando a diferença de temperatura se eleva de forma abrupta. Toda a zona suburbana apresenta temperatura constante sem muitas variações formando o chamado Plateau. Já na zona urbana, com maior densidade construtiva, as diferenças se elevam, atingindo o Peak, o pico da ilha de calor, onde são registradas as maiores temperaturas. Figura 4 - Perfil geral típico de uma Ilha de Calor Urbana Fonte: Oke (1978) As ilhas de calor são anomalias térmicas com dimensões horizontais, verticais e temporais que podem ser observadas na maioria das cidades, sejam grandes ou pequenas. Suas características estão relacionadas tanto à natureza física das cidades (por exemplo, clima, topografia, vegetação etc.), bem como a influências construídas (como tamanho, densidade do edifício e distribuição do uso da terra) (OKE, 1982). Gartland (2010) elaborou um quadro síntese (Tabela 1) das características urbanas e suburbanas importantes para a formação de ilhas de calor e seus efeitos no balanço de energia. 31 Tabela 1 - Características urbanas e suburbanas importantes para a formação de ilhas de calor e seus efeitos no balanço de energia sobre a superfície terrestre. Características que contribuem para a formação de ilhas de calor Efeitos sobre o balanço de energia Falta de vegetação Reduz evapotranspiração/transpiração Utilização difundida de superfícies impermeáveis Reduz evaporação Maior difusividade térmica dos materiais urbanos Aumenta o armazenamento de calor Baixa refletância solar dos materiais urbanos Aumenta saldo de radiação Geometrias urbanas que aprisionam o calor Aumenta saldo de radiação Geometrias urbanas que diminuem as velocidades dos ventos Reduz convecção/aumenta turbulência Aumento dos níveis de poluição Aumenta saldo de radiação Aumento da utilização de energia Aumenta calor antropogênico Fonte: Adaptado de Gartland (2010, p. 26) Normalmente as ilhas de calor, em sua maioria, principalmente em ambientes tropicais, são fenômenos noturnos, porém também ocorrem durante o dia com um padrão espacial e temporal fortemente controlado pelas diferentes características de cada área urbana (ESCOURROU, 1991; ELIASSON, 1996; AMORIM, 2000 e 2017). Os impactos da manifestação das ilhas de calor nos ambientes urbanos são diversos e, especialmente nas cidades tropicais, implicam em efeitos negativos durante todo o ano, já que naturalmente o clima proporciona condições de temperaturas altas constantes. Interessante destacar que as temperaturas urbanas mais elevadas facilitam o aumento da poluição atmosférica, uma vez que as taxas de reações fotoquímicas que produzem poluentes, são otimizadas. A associação do aumento de temperatura com a poluição atmosférica proporciona problemas que são sentidos pelos citadinos de diferentes maneiras, iniciando por um leve desconforto térmico até mesmo problemas de saúde (exaustão térmica, dificuldades respiratórias e mesmo, falhas cardiovasculares). Ademais, temperaturas urbanas mais elevadas criam condições preferenciais para o espalhamento de doenças transmitidas por vetores (VOOGT, 2002c). Em condições sinóticas ideais, com céu claro e vento calmo, ocorre a máxima intensidade da ilha de calor (SANTAMOURIS et al., 2007; AMORIM et al., 2016). Em locais com relevo pouco acidentado, as temperaturas ficam condicionadas a densidade de construção 32 e arborização, ou seja, temperaturas mais elevadas são encontradas em áreas mais densamente construídas e com pouca vegetação arbórea, ou seja, “horizontalmente há diminuição da temperatura à medida que há a aproximação da zona rural, caracterizada por um gradiente horizontal mais brando, este esquema geral é interrompido por locais quentes e frios associados com densidades de prédios altos e baixos” (AMORIM, 2000, p. 29). A formação das ilhas de calor é resultado do balanço de energia, que está diretamente relacionado com os aspectos naturais e urbanos. Amorim (2017) elencou três fatores naturais relevantes neste processo, sendo estes: os tipos de tempo, o relevo e a presença de superfícies com vegetação, além de dois outros urbanos: as características dos espaços construídos e as atividades humanas. ✓ Os tipos de tempo Como destacado anteriormente, em condições sinóticas ideais, com céu claro e vento calmo, ocorre a máxima intensidade da ilha de calor. Sendo assim, é notável o desenvolvimento máximo das diferenças térmicas entre o campo e cidade sob efeito dos sistemas atmosféricos estáveis atuantes no Brasil (Tropical Atlântica (Ta), Tropical Continental (Tc), Polar Atlântica (Pa), Polar Tropicalizada (Pt)), enquanto que em condições instáveis (Frente Polar Atlântica, Frente Quente, ZCOU (Zona de Convergência de Umidade), ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul) e IT (Instabilidade Tropical)), com a presença de vento e/ou precipitação, as características da temperatura tendem a se homogeneizar, impossibilitando a formação das ilhas de calor (AMORIM 2000 e 2017, SANTAMOURIS et al., 2007; DORIGON, 2015; CARDOSO et al., 2016; AMORIM et al., 2016). ✓ Relevo No que se refere ao relevo, dois aspectos são principais: a altitude e a orientação das vertentes. Como observado em Amorim (2005) e Dorigon (2015), áreas mais baixas possibilitam situações de inversão térmica, detectadas principalmente no período noturno, quando o ar mais frio se concentra nos fundos de vale e o mais quente em região com maiores altitudes. No estudo realizado em Paranavaí, Dorigon (2015), detectou a diminuição da temperatura em fundos de vale. Destaca-se que esta pode não ser uma verdade para todos os ambientes urbanos, pois cada sítio possui suas próprias características. Estudos mostram que áreas densamente construídas onde seria esperado temperaturas maiores do que o entorno, muitas vezes, são amenizadas devido as diferenças hipsométricas (AMORIM, 2000). 33 Para se entender a influência que a orientação das vertentes tem no aquecimento diferenciado de determinado local é necessário compreender que nas áreas subtropicais do hemisfério sul os raios solares atingem a superfície terrestre em um ângulo sempre menor que 90º e que, de acordo com o movimento aparente do sol, as vertentes orientadas para o quadrante norte e oeste recebem intensa insolação a partir do meio dia até metade do período da tarde, momento em que as temperaturas são mais elevadas, por isso, as vertentes norte, nordeste, oeste e noroeste são sempre mais quentes quando comparadas as de outras orientações (DORIGON, 2015). ✓ Vegetação A vegetação desempenha papel importante no clima urbano. Landsberg (1981) em sua "cidade utópica meteorologicamente planejada", Metutopia, identificou a vegetação como o principal e primeiro fator de planejamento. De acordo com o autor, a vegetação original deve ser preservada o máximo possível e quando não for, o plantio e a revegetação é obrigatório quando se pretende estruturar uma cidade aos padrões meteorológicos locais. Segundo Amorim (2005), a cobertura de vegetação arbórea e de outros portes auxilia na melhoria da qualidade da atmosfera por meio da fotossíntese, visto que absorve o dióxido de carbono do ar, armazenando-o para o seu crescimento e lança oxigênio para a atmosfera. Além disso, remove poluentes do ar, tais como, óxido de nitrogênio, óxidos de enxofre e as partículas sólidas em suspensão. No que concerne ao balanço climático, Carvalho (2001) expõe que a vegetação arbórea é considerada como um dos elementos mais relevantes na morfologia das cidades, devido aos seus efeitos benéficos para o meio ambiente urbano. Ainda segundo a autora, as árvores desempenham importante papel para a manutenção do equilíbrio climático, uma vez que, além de proporcionarem efeito de sombra, também funcionam como filtro quando retiram do ambiente grande quantidade de radiação solar, através da transpiração das folhas, ou seja, quando realizam a evapotranspiração. A vegetação distribuída nas cidades (jardins, parques urbanos, canteiros de ruas, calçadas, telhados, entre outros) tem a capacidade de reduzir a temperatura do ar através da evapotranspiração, na qual o calor sensível é dissipado na forma de calor latente. Sendo assim, a presença de vegetação em ambientes urbanos é uma estratégia fundamental na mitigação das ilhas de calor e na criação do efeito “oásis” (CHEN e WONG, 2006). 34 ✓ Espaços construídos e as atividades humanas De acordo com Stewart (2011), a estrutura urbana é complexa, com superfícies horizontas e verticais que possuem diferentes capacidades de absorção de radiação solar, influenciando no albedo, no fluxo de ar e no armazenamento de calor. Tais características, principalmente estruturas como asfalto e concreto, armazenam calor durante o dia e liberam lentamente a noite. Em comparação, o ambiente rural tem taxa de resfriamento mais rápida, ou seja, momentos após ao pôr do sol encontra-se mais ameno do que o ambiente urbano. O albedo é compreendido como a capacidade de reflexão da radiação solar por determinada superfície, ou seja, é a razão entre a radiação refletida pela superfície e a radiação incidente sobre ela. Este é um número adimensional que varia de 0 (nada é refletido) e 1 (tudo é refletido). Assim, uma superfície de albedo 0,5 indica que é capaz de refletir metade da energia solar que incide sobre ela, ou seja, quanto maior o albedo, menor será a temperatura da superfície, devido à reduzida quantidade de energia disponível para gerar calor. Na cidade, “a mudança na condutividade, na capacidade calorífica e na área superficial são marcantes, de maneira que os materiais armazenam mais energia que o solo natural, agindo como reservatórios de radiação” (BARBIRATO, 2007, p. 76). As tabelas 2 e 3 apresentam as propriedades de albedo e emissividade das principais coberturas encontradas nos ambientes urbanos e rurais, comprovando assim, as mudanças sofridas pela atmosfera próxima à superfície nas cidades. Tabela 2 - Propriedades radiativas de materiais urbanos SUPERFÍCIE ALBEDO EMISSIVIDADE 1. Ruas com asfalto 0.05 – 0.20 0.95 2. Paredes Concreto Tijolos Pedras Madeiras 0.10 – 0.35 0.20 - 0.40 0.20 – 0.35 0.71 – 0.90 0.90 – 0.92 0.85 – 0.95 0.90 3. Telhados Piche e Cascalho Telhas Ardósia Sapé – Folhagem Chapa Ondulada 0.08 – 0.18 0.10 – 0.35 0.10 0.15 – 0.20 0.10 – 0.16 0.92 0.90 0.90 0.13 – 0.28 4. Janelas Vidros claros: zênite Ângulo menor 40o Ângulo de 40 a 80o 0.8 0.09 – 0.52 0.87 – 0.94 0.87 – 0.92 5. Pinturas Brancas, Caiadas Vermelha, Marrom, Verde 0.50 – 0.90 0.20 – 0.35 0.85 – 0.95 0.85 – 0.95 35 Preta 0.02 – 0.15 0.90 – 0.98 6. Áreas Urbanas Variações Médias 0.10 – 0.27 0.15 0.85 – 0.96 0.95 Fonte: Oke (1978) Tabela 3 - Propriedades radiativas de materiais rurais SUPERFÍCIE ALBEDO EMISSIVIDADE 1. Solos Escuro, Úmido Claro, Seco 0.05 0.04 0.90 0.90 2. Desertos 0.20 – 0.25 0.84 – 0.9 3. Grama Alta (1m) Baixa (0.02m) 0.16 0.26 0.90 0.95 4. Cultivos, Tundra 0.18 – 0.25 0.90 – 0.99 5. Pomares 0.15 – 0.20 6. Florestas Decíduas Solo nu Abandonadas 0.15 0.20 0.97 0.98 7. Coníferas 0.05 – 0.15 0.97 – 0.99 8. Água Pequeno ângulo Zênite Grande ângulo Zênite 0.03 – 0.10 0.10 – 1.00 0.92 – 0.97 0.92 – 0.97 Fonte: Oke (1978) Superfícies que possuem menores valores de albedo e emissividade são as que mais absorvem calor e aquecem o entorno. Já os maiores albedos e emissividades, possibilitam a emissão térmica, diminuindo o calor do entorno (FERREIRA e PRADO, 2003; SANT’ANNA NETO, 2011). A troca de energia supracitada corresponde ao balanço de energia e, como destacou Amorim (2017), este é característico de cada cidade, visto que depende de uma série de fatores e elementos encontrados na superfície: cor e materiais das edificações, verticalização, densidade construtiva, morfologia urbana, pavimentação, presença de vegetação e/ou corpos hídricos, circulação de veículo e pessoas e indústrias. Oke (1978) sistematiza o balanço energético superficial através da seguinte equação: Q* = Qh + Qe + Qg (1) Onde, 36 Q* = Balanço de energia da superfície; QH = Fluxo de calor sensível; QE = Fluxo de calor latente; QG = Fluxo de calor no solo. De forma resumida e didática, entende-se que o calor sensível é a energia dispersa no aquecimento ou resfriamento do ar e é transferido através de fluxos convectivos. Já o calor latente refere-se à energia que é usada na troca, entre a atmosfera e a superfície, para a mudança de estado da água, também transferido por convecção e por fim, o fluxo de calor no solo é identificado como a energia que vai aquecer ou resfriar o solo através de um fluxo condutivo e é dependente das propriedades térmicas dos materiais. No entanto, esta fórmula é uma estimativa para as superfícies homogêneas e por isso, como a realidade dentro das cidades é completamente diferente, o autor afirma ser necessário acrescentar o armazenamento distinto da energia (ΔQs) na equação. Esse termo surge por causa da absorção ou liberação de energia e isto significa que a entrada e/ou saída de pelo menos um dos elementos individuais (Qh, Qe e Qg), não estão equilibradas. Q* = Qh + Qe + Qg +ΔQs (2) Gartland (2010) expõe esta mesma ideia, porém em outras palavras: Convecção + Evaporação + Armazenamento de calor = calor Antropogênico + Saldo de radiação Neste caso, a Convecção é a energia transferida da superfície terrestre para o ar acima dela, ou seja, o calor sensível. Já a Evaporação é o calor latente, explicitado pela energia transmitida a partir da superfície terrestre em forma de vapor d’água. O Armazenamento de calor é o fluxo de calor no solo que depende de duas propriedades físicas dos materiais, a condutividade térmica e a capacidade calorífica, sendo que materiais com maior capacidade de condutividade térmica conduzem o calor para seu interior com maior facilidade, enquanto materiais com alta capacidade calorífica são aptos a armazenar mais calor em suas massas. Do outro lado da equação, Gartland além do Saldo de radiação acrescenta o Calor antropogênico, referente ao armazenamento distinto da energia. Este calor é “produzido pelo homem”, gerado pelos edifícios, indústrias, equipamentos ou pessoas e é, geralmente, concentrado nas áreas densamente urbanizadas, podendo ser a influência mais significativa do desequilíbrio da equação. 37 Apesar de ser compreendida como uma forma de expressar o desequilíbrio energético da superfície, acrescentar o calor Antropogênico na segunda parte da fórmula não condiz com a representatividade matemática comum, uma vez que a soma dos fluxos de calor resulta no saldo de radiação e o acréscimo do calor antropogênico, que também é uma forma de fluxo de calor, desequilibra o resultado final. Por isso, propõe-se representa essa fórmula da seguinte maneira: Convecção + Evaporação + Armazenamento de calor + calor Antropogênico = Saldo de radiação Uma aplicação prática no entendimento de como essa equação é alterada de acordo com a artificialização da paisagem urbana, refere-se à diminuição de áreas vegetadas nas cidades, uma vez que o calor latente, ou seja, a energia da evaporação, não tem seu escape imediato, armazenando-se durante todo o dia. No entanto, durante a noite essa energia acumulada é liberada de volta à atmosfera, sobretudo, por meio de emissões radiantes aumentadas e uma menor parte, por meio da convecção aumentada, ou seja, de calor sensível, sendo um dos causadores das Ilhas de Calor noturnas (GARTLAND, 2010). Assim sendo, o processo de urbanização, que resulta em superfícies rugosas, conduz a modificações dos elementos climáticos, como a temperatura, a umidade relativa do ar e a direção e velocidade dos ventos. Neste sentido, os arranjos paisagísticos decorrentes das alterações nas cidades interferem sobre o clima de cada localidade, particularmente na geração das ilhas de calor. Em geral, a literatura reconhece três tipos de ilha de calor, entendidas como atmosféricas (duas primeiras) e superficiais (terceira): (1) a ilha de calor da camada de dossel urbano (urban canopy layer); (2) a ilha de calor da camada limite (urban boundary layer) (OKE, 1978) e (3) a ilha de calor superficial. Segundo Oke (1978) a primeira camada, do dossel urbano (Figura 5), consiste no ar contido entre as rugosidades urbanas (principalmente os edifícios). Nesta camada, o clima é determinado pelas características da superfície (especialmente os materiais construtivos, a forma urbana local e a vegetação). Aplicada à realidade, em locais densamente construídos, esta camada pode ser identificada ao nível do telhado ou logo abaixo dele, assim como em grandes áreas abertas, a camada do dossel pode estar totalmente ausente. É nesta perspectiva que se encontra esta pesquisa, visto que buscou-se compreender a influência urbana na temperatura e umidade relativa do ar em Jundiaí a partir, principalmente, das diferentes formas urbanas e 38 materiais encontrados na cidade, além da comparação com o ambiente rural, ou seja, grandes espaços abertos, nos quais o ar tem menores índices de comprometimento. Figura 5 - Representação esquemática da atmosfera urbana ilustrando a classificação das duas camadas de modificação térmica Fonte: Oke, 1978 Já a segunda camada (camada limite), situada acima da primeira, pode ser entendida na mesoescala, e se estende do nível médio dos telhados até a área de influência da cidade na atmosfera. O fenômeno ilha de calor é apreendido na distribuição espacial da temperatura e por ser muito oneroso o monitoramento de sua extensão in situ (instalação de equipamentos medidores), as técnicas de sensoriamento remoto por infravermelho térmico têm sido utilizadas para avaliar a distribuição das ilhas de calor. Segundo Hu e Brunsell (2013, p. 162, tradução nossa) “O sensoriamento remoto por satélite supera alguns problemas de medições in situ geralmente com fontes e coberturas mais amplas e periodicidade estável”. Os sensores remotos medem a temperatura da superfície, ou seja, a temperatura dos elementos dispostos na superfície (vegetação, telhado, árvores, pavimentação, concreto, etc), ou seja, o sensoriamento remoto térmico é utilizado para observar as ilhas de calor de superfície. Somente os dados obtidos remotamente fornecem uma visão contínua e simultânea de toda a cidade, o que é de suma importância para a investigação detalhada do clima da superfície urbana. Assim como para as ilhas de calor atmosféricas, a sua intensidade também é definida como a diferença entre as temperaturas superficiais urbanas e rurais (VOOGT e OKE, 2003; LISETTE et al., 2012). Sendo assim, nota-se que é possível fazer aquisição de dados sobre ilhas de calor de diversas maneiras e que o estudo das intensidades do fenômeno requer a relação entre os dados climáticos e as características da superfície. Por isso, a classificação dos usos e ocupações da terra de acordo com os atributos que influenciam diferenças de temperaturas nas cidades é uma 39 metodologia que vem sendo desenvolvida há algum tempo. A seguir discorre-se sobre a classificação dos climas das cidades. 2. 3 A classificação dos climas das cidades Sabendo que as ilhas de calor, em sua maioria, são aferidas com medições que comparam o ambiente urbano e o rural e a diferença encontrada é considerada a sua intensidade, muitas vezes o fenômeno acaba sendo demasiadamente simplificado, não respondendo a real característica paisagística dos diferentes ambientes urbanos e rurais. Stewart (2011), elaborou uma proposta de classificação de uso e ocupação da terra, denominado de Local Climate Zones (LCZ) ou Zonas Climáticas Locais, no qual cada zona climática é detalhada de acordo com as propriedades encontradas na superfície (altura da rugosidade superficial, fração de superfície impermeável, desempenho térmico, entre outros) e possibilita ultrapassar a dicotomia “rural x urbano” devido a descrição especifica de cada LCZ. Nesta tese optou-se pela a adoção desta metodologia principalmente pela possibilidade de padronização de estudos sobre o clima urbano, fato que futuramente facilitará o intercâmbio acadêmico dos resultados obtidos. As classificações de clima urbano se iniciaram em 1965, quando Chandler classificou a área de Londres em regiões de acordo com as alturas, densidades e materiais dos edifícios, além da distribuição de vegetação arbórea, parques e espaços abertos (Figura 6). Assim, o autor conseguiu sintetizar quatro regiões nas quais as paisagens urbanas eram similares: I – Central; II – Suburbanas Internas; III – Suburbanas Externas e; IV – Altas do Norte (STEWART, 2011). 40 Figura 6 - Regiões climáticas de Londres de acordo com a classificação de Chandler Fonte: Chandler (1965, p. 243) Auer (1978), propôs um sistema de classificação utilizando critérios de uso da terra e cobertura vegetal e realizou essa classificação para a cidade de St. Louis, nos Estados Unidos. O autor propôs 12 classes na área Metropolitana de St. Louis, das quais 2 (I1 e I2) correspondem ao uso industrial, 1 (C1) ao comércio, 4 (R1, R2, R3 e R4) ao uso residencial e 5 (A1, A2, A3, A4 e A5) a áreas pouco construídas e/ou naturais. Sendo assim, o autor conseguiu, naquele momento, relacionar as anomalias termodinâmicas, cinemáticas e radiativas com as características da superfície de uma forma mais detalhada e específica do que vinha sendo utilizado (centro urbano, comercial, residente). Já na década de 1990, Ellefsen (1990 e 1991) elaborou um sistema denominado Urban Terrain Zone (UTZ) para aplicação na escala do bairro. O autor, baseado nas características da morfologia das construções, na configuração das ruas e nos materiais utilizados, forneceu um inventário completo com esboços da planta e do perfil de cada zona (apud STEWART, 2011). Aprimorando e incorporando novas informações ao sistema proposto por Ellefsen (1990 e 1991), Oke (2006) sistematizou um novo modelo denominado Urban Climate Zones (UCZ) ou zonas climáticas urbanas, na qual é avaliada a capacidade urbana de influenciar o clima local. O grande avanço desta classificação foi a inserção do parâmetro “superfícies impermeáveis”, sendo assim, o autor numerou as zonas a partir da UCZ1 (intensamente urbanizada) até UCZ7 (semi-rural) (Figura 7). 41 Figura 7 - Esquema da classificação Urban Climate Zones (UCZ) Fonte: Oke (2006) Ao analisar criticamente estes sistemas de classificações, Stewart (2011) destaca que apesar das muitas vantagens existentes, todos carregam limitações chaves que dificultam a sua utilização. O autor levanta especificamente 4 questões: (1) relevância climática, (2) a representação urbana e rural, (3) nomenclatura, e (4) origem e escopo. Ou seja, somente a classificação de Oke (2006) possui todos os elementos de superfície que influenciam as temperaturas e umidades e resultam em diferenças térmicas. Nenhum dos esquemas possui equilíbrio na representação dos ambientes urbanos e rurais e todas as paisagens rurais não são, ou são pouco elaboradas; os diferentes sistemas utilizam-se de diferentes nomenclaturas, ou seja, não há padronização nos termos, abrindo possibilidades de variações em cada cidade estudada e, por fim, Stewart (2011) afirma que dentre as classificações analisadas nenhuma possui caráter global, mesmo sendo a de Oke (2006) mais abrangente é incerto seu uso em diferentes realidades culturais e econômicas, como, por exemplo, em países subdesenvolvidos, uma vez que bairros e loteamento populares não possuem uma classe especifica dentro da UCZ. Em âmbito nacional são poucas as classificações das cidades voltadas ao clima encontradas na literatura. Podem ser destacados os trabalhos de Brandão e Tarifa (1995), para a cidade do Rio de Janeiro; Tarifa e Armani (2001), na cidade de São Paulo; Jardim (2007), 42 para áreas urbanas da Bacia Hidrográfica do Rio Aricanduva em São Paulo, além de Fialho (2010), que estudou a Ilha do Governador-RJ. O trabalho de Brandão e Tarifa (1995) objetivou estabelecer relações entre os aspectos geoecológicos do sítio da cidade do Rio de Janeiro e o uso do solo com as ilhas de calor detectadas. A partir de transectos móveis foram levantados dados de temperatura do ar e a partir de interpretação aerofotogramétrica, foram definidos os diferentes tipos de uso do solo, os quais, para facilidade de representação, foram reagrupados em dez classes e calculados os percentuais de participação de cada tipo de uso para todas as áreas amostradas. E então, realizou-se a correlação entre uso e ocupação da terra e intensidades das ilhas de calor. Tarifa e Armani (2001), como parte do Atlas Ambiental do Município de São Paulo, elaboraram a classificação das unidades climáticas locais naturais e urbanas do município. As unidades naturais foram classificadas de acordo com os principais controles climáticos naturais da região, o Oceano Atlântico, a altitude e o relevo, de acordo com forma e orientação. Sendo assim, foram identificados cinco climas locais naturais, sendo subdivididos de acordo com a necessidade encontrada pelos autores. No que concerne às unidades climáticas locais urbanas, os autores correlacionaram os controles climáticos urbanos (uso do solo, fluxo de veículos, densidade populacional, densidade das edificações, orientação e altura das edificações, áreas verdes, represas, parques e emissão de poluentes) e os elementos climáticos (temperatura da superfície, do ar, umidade, insolação, radiação solar, qualidade do ar, pluviosidade, ventilação). Foram criadas quatro macro unidades climáticas urbanas com unidades marginais e periféricas de acordo com as diferentes estruturas urbanas encontradas. Jardim (2007), em sua tese de doutorado, buscou identificar a influência dos fatores geográficos de superfície no padrão da temperatura e umidade relativa do ar em áreas urbanas da Bacia Hidrográfica do Rio Aricanduva em São Paulo. As cartas síntese, com as classificações climáticas, foram elaboradas em associação ao sistema atmosférico atuante, ou seja, além da correlação entre os dados climáticos mensurados e as características da superfície, as cartas também consideram os tipos de tempo. Sendo assim, foram definidas três unidades climáticas: (I) Unidade Climática Urbana do Baixo Vale, (II) Unidade Climática Urbana do Alto Vale e (III) Unidade Climática Urbana do Fundo de Vale (unidade de transição), com as seguintes subdivisões: (Ia) Unidade Climática de Fundo de Vale e (IIa) Unidade Climática de Topos e Encostas. 43 Fialho (2010) sistematizou unidades climáticas urbanas da Ilha do Governador (RJ) a partir das orientações propostas nos trabalhos anteriormente apresentados por Brandão (1996) e Tarifa e Armani (2001). Com dados obtidos através de transectos móveis o autor elaborou uma carta de unidades topoclimáticas urbanas, a qual integrou as informações climáticas (temperatura, umidade relativa do ar e direção e velocidade do vento) aos fatores geoecológicos (posição geográfica, orientação de vertentes e altitude). Os trabalhos até aqui apresentados partiram da aglutinação dos fatores urbanos e físicos dos sítios das cidades e as informações climáticas para, então, definirem as classes específicas de cada realidade intraurbana, ou seja, não se apresentou um padrão único de análise e classificação da paisagem, tanto urbana quanto rural. Deste modo, não teve uma abordagem completa ou detalhada e isso gera a dificuldade de aplicabilidade em diferentes lugares. Para fornecer um sistema de classificação mais completo e abrangente com padronização de nomenclatura e definições, Stewart (2011) estabeleceu um sistema denominado de Local Climate Zones (LCZ) ou Zonas Climáticas Locais, o qual será apresentado a seguir. 2.3.1 As Zonas Climáticas Locais (Local Climates Zones - LCZ) Como dito anteriormente, o propósito do sistema LCZ é melhorar a comunicação entre os investigadores das ilhas de calor, através de um conjunto de classes que descreva as áreas urbanas e rurais de todo o mundo. Sendo assim, tomando o conceito mais prático de paisagem, definida como uma unidade visível, indicada por fatores naturais, sociais e culturais, Stewart e Oke (2009) criaram uma classificação climática urbana centrada nas propriedades que influenciam o campo térmico do dossel urbano, a Local Climates Zones (LCZ) ou Zonas Climáticas Locais. Os autores distinguem as diferentes paisagens de acordo, inicialmente, com o grau de modificação da superfície, ou seja, o aspecto técnico-cultural se sobrepondo à superfície físico- natural (COLLISCHONN; MATTOS, 2011). Partindo deste princípio e baseados nas duas principais características que influenciam o clima das cidades, morfologia da superfície e cobertura do solo, Stewart e Oke (2009), levantaram quatro propriedades de superfície que são relevantes para os estudos de clima urbano: 1. Altura dos elementos de rugosidade; 2. distribuição dos elementos de rugosidade; 3. cobertura do solo ao redor dos elementos de rugosidade; 4. inércia térmica dos materiais construtivos (Figura 8). 44 Figura 8 - Propriedades relevantes encontradas na superfície segundo Stewart e Oke (2009) Fonte: Stewart e Oke (2009) adaptado por Dorigon (2018) A partir de então, os autores elaboraram, ao todo, 17 zonas LCZs. Interessante destacar que essa denominação foi utilizada pelo autor, pois elas são (L) locais na escala, (C) climáticas na distinção das propriedades e (Z) zonais na representação espacial. Durante 5 anos, de 2005 a 2010, o autor aperfeiçoou o sistema de classificação através da aplicação em Uppsala (Suécia), Nagano (Japão) e Vancouver (Canadá), onde temperaturas do ar foram observadas e simuladas através de modelos atmosféricos de mesoescala. O resultado, apresentado na tese de doutorado de Stewart (2011), sistematizou, como dito anteriormente, 17 LCZs, das quais 10 são relacionadas aos tipos de construções (1 – 10) e 7 referentes aos tipos de cobertura da terra (A – G). Além dessas categorias, o autor enumerou uma classe para o uso industrial e 4 subdivisões que podem ser usadas para caracterizar propriedades sazonais de cobertura da terra (Figura 9). 45 Figura 9 - As Zonas climáticas locais (LCZ) de Stewart (2011) Fonte: Stewart (2011, p. 196). Os tipos 1 a 10, que correspondem intimamente às Zonas Climáticas Urbanas de Oke (2006), são ordenados de formas densas/altas para formas abertas/baixas. Os tipos de cobertura da terra A – G são naturais com pouca cobertura (ou nenhuma) de estradas ou edifícios e sem emissões antropogênicas de calor. Estes são ordenados de acordo com a aerodinâmica, ou seja, de rugosos a lisos e podem ser subclassificados em propriedades sazonais (isto é, vegetação com/sem folhas, solo seco/úmido, solo coberto de neve) (STEWART, 2011). Segundo o autor, a uniformidade retratada em cada LCZ é improvável de ser encontrada em paisagens do mundo real, exceto em locais planejados ou monitorados (por exemplo, parques, áreas agricultáveis ou conjuntos urbanos planejados). No entanto, os 17 padrões de 46 LCZs devem ser familiares para os pesquisadores das ilhas de calor na maioria das cidades, e devem ser adaptáveis ao caráter local da maioria dos locais. Para melhorar sua flexibilidade, o sistema LCZ foi construído com partes componentes que são facilmente combinadas em subclasses, uma vez que a relação econômica e cultural pode ser distinta para cada cidade do planeta e, portanto, formando-se assim, diferentes arranjos urbanos (Figura 10). De acordo com ele, Se necessário, combine classes de LCZ o mostre como o local se difere de seu equivalente mais próximo no conjunto padrão. Considere os tipos de construção, propriedades especiais de construção, tipos de cobertura da terra e propriedades de cobertura sazonal (STEWART, 2011, p. 254, tradução nossa). Figura 10 - Possibilidade de subclassificação das LCZs Fonte: Stewart, 2011, p. 254 Após a classificação feita, Stewart (2011) mostrou que a elaboração de folhas sínteses é uma maneira eficaz de apresentar os resultados, além de promover a comunicação padronizada entre os pesquisadores do tema. Estas folhas são utilizadas para representação visual de todas as informações contidas nas diferentes classes, traçando assim, o perfil individual de cada uma e devem conter as seguintes informações: identificação (nome da classe e o código), definição (características morfológicas da superfície, cobertura da terra e fluxo antropogênico), função (comercial, residencial e agrícola); localização (cidade, campo, centro e periurbano), ilustração (desenhos e fotografias) e propriedades da superfície (altura da rugosidade superficial, fração de superfície impermeável, características térmicas). Na sequência apresenta-se a folha síntese elaborada por Stewart (2011) e disponibilizada em sua tese para ser utilizada como modelo nos trabalhos a serem desenvolvidos (Figura 11). 47 Figura 11 - Exemplo de folha síntese Fonte: Stewart (2011, p. 335) Desde 2011 e, principalmente, após a publicação do artigo Local Climate Zones for Urban Temperature Studies (STEWART e OKE, 2012), muitas pesquisas vêm sendo publicadas e desenvolvidas utilizando esta metodologia, sendo que atualmente existe uma ferramenta online a fim de reunir um censo das cidades (os estudos elaborados baseados nas LCZs) em uma única plataforma de acesso. De acordo com o próprio site (http://www.wudapt.org/) o projeto WUDAPT (The World Urban Database and Access Portal Tools) busca alimentar um banco de dad