UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MATERIAIS CÂMPUS DE BAURU ALEX PIFER COLEONE REATIVIDADE LOCAL DE COMPOSTOS BIOATIVOS: ESTUDO DE ESTRUTURA ELETRÔNICA DE PEPTÍDEOS E ANTIVIRAIS Bauru 2024 ALEX PIFER COLEONE REATIVIDADE LOCAL DE COMPOSTOS BIOATIVOS: ESTUDO DE ESTRUTURA ELETRÔNICA DE PEPTÍDEOS E ANTIVIRAIS Tese apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ciências e Tecnologia de Materiais do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Materiais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP. Orientador: Prof. Dr. Augusto Batagin Neto Co-orientador: Prof. Dr. Filipe C. D. A. Lima Bauru 2024 C692r Coleone, Alex Reatividade local de compostos bioativos : estudo de estrutura eletrônica de peptídeos e antivirais / Alex Coleone / Alex Coleone. -- Bauru, 2024 127 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, Bauru Orientador: Augusto Batagin Neto Coorientador: Filipe Camargo Dalmatti Alves Lima 1. Peptídeos. 2. Estrutura Eletrônica. 3. Antivirais. 4. índices de Reatividade. 5. Viroses. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Bauru ATA DA DEFESA PÚBLICA DA TESE DE DOUTORADO DE ALEX PIFER COLEONE, DISCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE MATERIAIS, DA FACULDADE DE CIÊNCIAS - CÂMPUS DE BAURU. Aos 28 dias do mês de outubro do ano de 2024, às 9h, por meio de Videoconferência, realizou-se a defesa de TESE DE DOUTORADO de ALEX PIFER COLEONE, intitulada Reatividade local de compostos bioativos: estudo de estrutura eletrônica de peptídeos e antivirais. A Comissão Examinadora foi constituída pelos seguintes membros: Prof. Dr. AUGUSTO BATAGIN NETO (Participação Virtual) do(a) Departamento de Cie ̂ncias e Tecnologia / Instituto de Cie ̂ncias e Engenharia - Unesp/Ca ̂mpus de Itapeva, Prof. Dr. JOSÉ ROBERTO DE SOUZA DE ALMEIDA LEITE (Participação Virtual) do(a) Faculdade de Medicina / Universidade de Brasília, Profa. Dra. ALEXANDRA PATRÍCIA REGO PLÁCIDO DO NASCIMENTO (Participação Virtual) do(a) Departamento de Química e Bioquímica / Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Prof. Dr. DEUBER LINCON DA SILVA AGOSTINI (Participação Virtual) do(a) Departamento de Fi ́sica / Faculdade de Cie ̂ncias e Tecnologia - Unesp/Ca ̂mpus de Presidente Prudente, Prof. Dr. RAFAEL PLANA SIMÕES (Participação Virtual) do(a) Departamento de Bioprocessos e Biotecnologia / Faculdade de Cie ̂ncias Agrono ̂micas de Botucatu - Unesp. Após a exposição pelo doutorando e arguição pelos membros da Comissão Examinadora que participaram do ato, de forma presencial e/ou virtual, o discente recebeu o conceito final:_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ . Nada mais havendo, foi lavrada a presente ata, que após lida e aprovada, foi assinada pelo(a) Presidente(a) da Comissão Examinadora. Prof. Dr. AUGUSTO BATAGIN NETO Faculdade de Ciências - Câmpus de Bauru - Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, 17033360, Bauru - São Paulo http://www.fc.unesp.br/#!/posmatCNPJ: 48.031.918/0028-44. APROVADO Dedicatória Dedico este trabalho a todas as pessoas, que infelizmente, partiram tão cedo por causa da COVID-19. Que Deus, em sua infinita misericórdia, os receba em seus braços amorosos. Agradecimentos É difícil redigir esta seção porque os auxílios recebidos não restringem-se apenas a informações para complementar e enriquecer esse trabalho, mas também conselhos, incentivos e boa conversa, que fazem com que tenhamos inspiração e força para seguirmos em frente. Portanto se aqui deixei de agradecer alguém, peço desculpas antecipadas. Agradeço a Deus por tudo e por todas as bênçãos dadas que permitiram que eu sempre seguisse em frente. Agradeço aos meus professores espirituais Lord Bodhisattva Mei Ling e Grand Master Choa Kok Sui por suas técnicas, bênçãos e ensinamentos que têm feito toda a diferença ao longo desses últimos anos. Agradeço a meus pais Paulo e Zelinda por toda a ajuda ao longo dos anos. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Augusto Batagin Neto por toda a orientação deste trabalho e também pelas oportunidades. Agradeço aos Professores Andrei Zvelindovsky, Manuela Mura e Daniel Came pelo período de pesquisa e aprendizado na Universidade de Lincoln (UK). Agradeço ao Prof. Dr. José Roberto Leite (UnB) e a Drª. Alexandra Plácido (Bioprospectum) pelas oportunidades de pesquisa. Aos meus amigos Pedro Kuroda e Welken Charlois, agradeço pela amizade, bom convívio durante a graduação do curso de Física e por toda a ajuda que me deram, e, sempre que podem, continuam dando. À CAPES por todo o fomento do meu doutorado tanto no Brasil quanto no Reino Unido (Processo: 88887.508044/2020-00 e Processo: 88887.977401/2024-00 Print). A Todos vocês deixo aqui o meu humilde “Muito Obrigado”. “A mais bela experiência que podemos ter é a do mistério. É a emoção fundamental que está na origem da verdadeira arte e da verdadeira ciência. Quem não sabe disso e não consegue mais se surpreender, se maravilhar, está morto, e seus olhos se apagaram.” (Albert Einstein) “Uma pessoa inteligente não tem a mente fechada. Ela não age como um avestruz, enterrando a cabeça na terra para fugir de novas ideias e a um aperfeiçoamento maior. Uma pessoa inteligente não é crédula. Ela não aceita as ideias cegamente. Uma pessoa inteligente estuda e assimila as ideias totalmente para então avaliá-las à luz da razão. Ela testa essas novas ideias através da experimentação e de sua própria experiência. Uma pessoa inteligente estuda essas ideias com uma mente clara e objetiva.” (Grand Master Choa Kok Sui) Coleone, A. P. Reatividade local de compostos bioativos: estudo de estrutura eletrônica de peptídeos e antivirais. 2024. Tese (Doutorado em Ciência e Tecnologia de Materiais) - Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” - UNESP, Bauru/SP, 2024. Resumo Apesar da intensa e acelerada atividade da comunidade científica na busca por novos medicamentos para suprimir infecções virais como a COVID-19, o cenário futuro ainda é incerto. Dentre os diversos compostos a serem avaliados, certos antivirais e peptídeos bioativos definem-se como compostos promissores, podendo apresentar grande flexibilidade constitucional e diversificados mecanismos de ação. Contudo, a ausência de relações significativas de estrutura-atividade destes compostos faz com que a obtenção de compostos otimizados baseie-se em um grande número de atividades experimentais/exploratórias. No presente trabalho técnicas de modelagem molecular foram empregadas no estudo antivirais e peptídeos bioativos no sentido de se interpretar mecanismos de ação e estabelecer padrões de identificação de sítios ativos. Os resultados obtidos do estudo de antivirais sugerem que o mecanismo de ação de fármacos como o Remdesivir e Favipiravir pode ser compreendido em termos de sua similaridade química com elementos constituintes das bases nitrogenadas presentes no RNA viral, em especial tais análises definem uma metodologia de identificação de novos compostos antivirais promissores. Em relação aos peptídeos, baseado em estudos de orbitais de fronteiras de aminoácidos e sequências curtas, nossos resultados permitiram identificar que a dominância de determinados resíduos na reatividade de cadeias peptídicas pode ser prevista considerando-se apenas suas unidades constituintes e a posição relativa entre elas. Tal abordagem facilita a interpretação de dados teóricos e experimentais associados à prospecção de novos peptídeos com potencial aplicação antiviral, permitindo identificar, a priori, regiões bioativas nas cadeias e propor novas estruturas com padrão de reatividade específicos. Palavras-Chave: Cálculos de estrutura eletrônica, Peptídeos, Índices de reatividade, abordagem molecular. Abstract Despite the intense and accelerated efforts of the scientific community in the search for new drugs to suppress viral infections, such as COVID-19, the future outlook remains uncertain. Among the various compounds under evaluation, certain antivirals and bioactive peptides emerge as promising candidates, offering significant structural flexibility and diverse mechanisms of action. However, the absence of significant structure-activity relationships for these compounds means that the optimization of compounds relies on a large number of experimental/exploratory activities. In this study, molecular modeling techniques were employed to investigate antivirals and bioactive peptides, aiming to interpret mechanisms of action and establish patterns for identifying active sites. The results obtained from the antiviral study suggest that the mechanisms of action of drugs like Remdesivir and Favipiravir can be understood in terms of their chemical similarity to constituents of the nitrogenous bases found in viral RNA. These analyses, in particular, define a methodology for identifying new promising antiviral compounds. Regarding peptides, based on studies of frontier orbitals of amino acids and short sequences, our results allowed us to identify that the dominance of specific residues in the reactivity of peptide chains can be predicted by considering only their constituent units and their relative positions. This approach facilitates the interpretation of theoretical and experimental data associated with the exploration of new peptides with potential antiviral applications, enabling the identification of bioactive regions within the chains and the proposal of new structures with specific reactivity patterns. Keywords: Electronic structure calculations, Peptides, Reactivity indexes, molecular approach. Lista de Figuras Figura 1. Imagem Ilustrativa do Vírus Ebola no organismo de um hospedeiro..............21 Figura 2. Imagem Ilustrativa do Vírus da Febre Amarela...............................................22 Figura 3. Imagem Ilustrativa do Vírus da Influenza....................................................... 24 Figura 4. Imagem Ilustrativa do Vírus das hepatites a) A e b) C....................................25 Figura 5. Imagem Ilustrativa do Vírus do Sarampo........................................................ 27 Figura 6. Imagem Ilustrativa do Herpes Simplex Virus (HSV)........................................28 Figura 7. Imagem Ilustrativa do Papiloma vírus............................................................. 29 Figura 8. Imagem Ilustrativa do Vírus da Rubéola......................................................... 31 Figura 9. Imagem Ilustrativa do Vírus da Caxumba....................................................... 32 Figura 10. Imagem Ilustrativa do Vírus da dengue.........................................................34 Figura 11. Imagem Ilustrativa do Vírus HIV....................................................................35 Figura 12. Imagem Ilustrativa do Vírus SARS-CoV-2.....................................................37 Figura 13. Morcego-ferradura.........................................................................................40 Figura 14. Estrutura viral SARS-CoV-2......................................................................... 42 Figura 15. Ligações peptídicas.......................................................................................45 Figura 16. Ilustração de um peptídeo e de uma proteína...............................................46 Figura 17. Estrutura e nomenclatura dos aminoácidos.................................................. 47 Figura 18. Exemplos de peptídeos bioativos. a) peptídeo ɑ-helicoidal (PDB: 2MAG); b) peptídeo de folha β (PDB: 1ZMQ); c) peptídeo estendido (PDB: 1G8C); d) A mistura de peptídeos α-helicoidal e folha β (PDB: 1MM0); e) Mistura de α-helicoidal e peptídeo estendido (PDB: 5ID5). f) Mistura de folha β e peptídeo estendido (PDB: 5X04)...........49 Figura 19. Exemplificação de uma análise comparativa por DAM e classificação dos sistemas com base nos valores relativos obtidos........................................................... 59 Figura 20. Análise comparativa entre os graus de maciez química global dos antivirais Remdesivir e Favipiravir e nucleotídeos A, C, G, e U..................................................... 61 Figura 21. Mapas de cor de IFCAs obtidos para os antivirais Remdesivir e Favipiravir e nucleotídeos de RNA. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres..............................................................61 Figura 22. Análise comparativa do grau de química local dos antivirais Remdesivir e Favipiravir com nucleotídeos. P, S e B indicam átomos presentes nos grupos fosfato, açúcar e nucleobase, respectivamente...........................................................................63 Figura 23. Mapa Doador-Aceitador dos antivirais Remdesivir e Favipiravir com nucleotídeos.................................................................................................................... 64 Figura 24. a) Análise comparativa entre os graus de maciez química global do antiviral Favipiravir e aminoácidos de maior interação reportados em estudos de docking molecular da literatura. b) Docking Favipiravir com a proteína 6LU7..............................65 Figura 25. Análise comparativa entre a maciez química local dos átomos de Favipiravir e AA interagentes para diferentes combinações: a) S+/S- , b) S-/S+, c) S0/S0............. 66 Figura 26. Mapas de cor de IFCAs obtidos para o antiviral Favipiravir e AA interagentes. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres............................................................................ 67 Figura 27. a) Análise comparativa entre os graus de maciez química global do antiviral Remdesivir e aminoácidos de maior interação reportados em estudos de docking molecular da literatura. b) Docking Remdesivir com a proteína 6LU7............................ 68 Figura 28. Análise comparativa entre a maciez química local dos átomos de Remdesivir e AA interagentes para diferentes combinações: a) S+/S- , b) S-/S+, c) S0/S0...............................................................................................................................69 Figura 29. Mapas de cor de IFCAs obtidos para o antiviral Remdesivir e AA interagentes. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres............................................................................ 70 Figura 30. Mapa Doador-Aceitador dos antivirais Remdesivir (verde), Favipiravir (vermelho) e AA interagentes..........................................................................................71 Figura 31. Alinhamento de níveis de energia de fronteira dos AA: espécies não-zwitteriônicas (vermelho) e zwitteriônicas (azul)......................................................73 Figura 32. Mapas de cor de IFCAs obtidos para as sequências GFGWG, GGWFG, GWGFG. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres............................................................................ 74 Figura 33. Mapas de cor de IFCAs obtidos para as sequências FGGGW,GFGGW, GGFGW, GGGFW. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres..............................................................74 Figura 34. Mapas de cor de IFCAs obtidos para as sequências GGGWF, GGWGF, GWGGF, WGGGF. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres..............................................................75 Figura 35. Orbitais de fronteira das sequências peptídicas hipotéticas......................... 76 Figura 36. Variações dos orbitais de fronteira do triptofano em relação à configuração, se está carregado positivamente, negativamente ou neutro...........................................79 Figura 37. Evolução dos valores de EHOMO e ELUMO para cada aminoácido com base em suas posições em relação às terminações.......................................................80 Figura 38. a) IFCAs do peptídeo A (TWYFITPYIPDK); b) alinhamento relativo entre os AA constituintes (o efeito das terminações é também estimado)....................................82 Figura 39. IFCAs do peptídeo B (FLPGILAKGLL-NH2); b) alinhamento relativo entre os AA constituintes (o efeito da N-terminação carregada é também estimado).................. 83 Figura 40. IFCAs do peptídeo oPT2 (GVFDIIKDAGKQLVAHATGKIAEKV-NH2); b) alinhamento relativo entre os AA constituintes (o efeito da N-terminação carregada é também estimado)...........................................................................................................85 Figura 41. IFCAs do peptídeo oPT4 (GVFDIIKGAGKQLIAHAMGKIAEKV-NH2); b) alinhamento relativo entre os AA constituintes (o efeito da N-terminação carregada é também estimado)...........................................................................................................86 Figura 42. IFCA do peptídeo PLS-H5 (FLSLIPHAINAVSAIAKHF-NH2); b) alinhamento relativo entre os AA constituintes (o efeito da N-terminação carregada é também estimado).........................................................................................................................88 Figura 43. IFCA do peptídeo PLS-H6 (FLSLIPTAINAVSALAKHF-NH2); b) alinhamento relativo entre os AA constituintes (o efeito da N-terminação carregada é também estimado).........................................................................................................................89 Figura 44. Mapas de cor de IFCAs obtidos para as sequências DGGGF, GDGGF, GGDGF, GGGDF. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres..............................................................91 Figura 45. Mapas de cor de IFCAs obtidos para as sequências GGGFD, GGFGD, GFGGD, FGGGD. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres..............................................................91 Figura 46. Mapas de cor de IFCAs obtidos para as sequências GDGFG, GGFDG, GFGDG. Regiões em vermelho e azul indicam, respectivamente, a posição de sítios reativos e inertes. f +, f - e f 0 indicam a reatividade em relação a agentes externos nucleófilos, eletrófilos e radicais livres............................................................................ 92 Figura 47. IFCAs do peptídeo oPT2 (GVFDIIKDAGKQLVAHATGKIAEKV-NH2) gerado por homologia; b) alinhamento relativo entre os AA constituintes (o efeito da N-terminação carregada é também estimado)................................................................94 Figura 48. IFCAs do peptídeo oPT4 (GVFDIIKGAGKQLIAHAMGKIAEKV-NH2); b) alinhamento relativo entre os AA constituintes (o efeito da N-terminação carregada é também estimado)...........................................................................................................95 Lista de Tabelas Tabela 1. Materiais avaliados..........................................................................................54 Lista de símbolos A Adenina AA Aminoácidos ACE2 Enzima conversora de angiotensina 2 (do inglês angiotensin-converting enzyme 2) AE Afinidade eletrônica AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (do inglês acquired immunodeficiency syndrome) APN Enzima aminopeptidase N (do inglês aminopeptidase N) B Nucleobases B3LYP Funcional de troca híbrido de 3 parâmetros de Becke e de correlação de Lee-Yang-Parr C Citosina COVID-19 Doença causada por coronavírus 2019 (do inglês coronavirus disease 2019) COVs Coronavírus DFT Teoria do funcional da densidade (do inglês density functional theory) DPP4 Dipeptidil peptidase 4 (do inglês dipeptidyl peptidase-4) E Proteína do envelope EHOMO Energia do HOMO ELUMO Energia do LUMO FMO Orbitais moleculares de fronteira (do inglês frontier molecular orbitals) G Guanina HCoV Human Coronavirus (Coronavírus Humano) HF Hartree-Fock (abordagem) HIV Vírus da imunodeficiência humana (do inglês human immunodeficiency virus) HOMO Orbital molecular ocupado de maior energia (do inglês highest occupied molecular orbital) HPV Papilomavírus humano (do inglês human papiloma virus) HSV-x Vírus da herpes simplex tipo x (x = 1 ou 2) HXV Vírus da hepatite tipo X (sendo X = A, B, C, D e E) IFCA Índices de Fukui condensados sobre o átomo LUMO Orbital molecular desocupado de menor energia (do inglês lowest unoccupied molecular orbital) M Glicoproteína da membrana MERS Síndrome respiratória do Oriente Médio (do inglês Middle East respiratory syndrome) MERS-CoV Coronavírus responsável pela síndrome respiratória do oriente médio (do inglês Middle East respiratory syndrome coronavirus) N Proteína do nucleocapsídeo ORF Região de leitura aberta (do inglês open reading frame) P Fosfato (do inglês phosphate) PI Potencial de ionização PIB Produto interno bruto RBD Domínios de ligação ao receptor (do inglês receptor binding domains) RGB Escala de cor vermelho-verde-azul (do inglês red-green-blue) RNA Ácido ribonucleico (do inglês ribonucleic acid) S Açúcar (do inglês sugar) Sp Glicoproteína espicular SARS Síndrome respiratória aguda grave (do inglês severe acute respiratory syndrome) SARS-CoV Coronavírus responsável pela síndrome respiratória aguda grave (do inglês severe acute respiratory syndrome coronavirus) SARS-CoV-2 Coronavírus-2 responsável pela síndrome respiratória aguda grave (do inglês severe acute respiratory syndrome coronavirus 2) TARV Tratamento antirretroviral U Uracila YFV Vírus da febre amarela (do inglês yellow fever virus) PDB Protein Data Bank (Banco de Dados de Proteínas) Sumário 1. Introdução.................................................................................................................. 18 1.1. Motivação do estudo...........................................................................................18 1.2. Doenças antivirais...............................................................................................20 1.2.1. Ebola...........................................................................................................20 1.2.2. Febre Amarela............................................................................................21 1.2.3. Influenza..................................................................................................... 23 1.2.4. Hepatites Virais...........................................................................................24 1.2.5. Sarampo..................................................................................................... 26 1.2.6. Herpes........................................................................................................ 27 1.2.7. Papilomavírus.............................................................................................28 1.2.8. Rubéola...................................................................................................... 30 1.2.9. Caxumba.................................................................................................... 31 1.2.10. Dengue..................................................................................................... 32 1.2.11. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida................................................. 34 1.3. SARS-CoV-2....................................................................................................... 35 1.3.1. Introdução...................................................................................................35 1.3.2. Origem........................................................................................................37 1.3.3. Morcego-ferradura (Rhinolophus sinicus)...................................................38 1.3.4. Taxonomia do vírus.....................................................................................40 1.3.5. Constituição do vírus.................................................................................. 41 1.4. Peptídeos............................................................................................................43 1.4.1. Visão Geral................................................................................................. 43 1.4.2. Peptídeos bioativos.................................................................................... 47 1.5. Antivirais..............................................................................................................50 1.6. Cálculos de estrutura eletrônica e estudos de peptídeos bioativos....................51 2. Objetivos.................................................................................................................... 53 2.1. Objetivos gerais.................................................................................................. 53 2.2. Objetivos específicos.......................................................................................... 53 3. Materiais e Metodologia............................................................................................54 3.1. Materiais..............................................................................................................54 3.2. Otimização das estruturas.................................................................................. 55 3.3. Estudos de reatividade........................................................................................56 3.4. Maciez Química.................................................................................................. 57 3.5. Mapa doador-aceitador (DAM)............................................................................58 4. Resultados................................................................................................................. 60 4.1. Antivirais..............................................................................................................60 4.2. Peptídeos............................................................................................................72 4.2.1. Aminoácidos isolados e sequências curtas................................................72 4.2.2. Peptídeos reportados na literatura e com atividade antiviral promissora...81 5. Conclusões................................................................................................................ 96 Referências Bibliográficas........................................................................................... 99 Apêndice A...................................................................................................................124 Apêndice B...................................................................................................................125 18 1. Introdução 1.1. Motivação do estudo SARS-CoV-2, também popularmente conhecido como o novo coronavírus, foi identificado pela primeira vez no final do ano de 2019 na cidade de Wuhan, na China. Tal vírus compartilha cerca de 80% de sua identidade genômica com SARS-CoV, que surgiu em 2002-2003 [1], sendo o causador da doença de acrônimo COVID-19. Por ser altamente contagioso em humanos, o SARS-CoV-2 levou a uma pandemia de COVID-19, resultando em um número expressivo de mortes ao redor de todo o mundo. Além das vítimas fatais da pandemia, houve alarmantes problemas econômicos a nível global [2]. O contato social entre as pessoas foi afetado severamente, reduzindo a produção industrial e o consumo de produtos/serviços pela população, levando a um aumento dos preços e redução do produto interno bruto (PIB) dos países. Embora atualmente existam vacinas para combater a COVID-19, ainda persiste o problema da disseminação do vírus e da falta de vacinas em algumas partes do planeta [3] e problemas de re-infecção. Assim, há ainda uma grande necessidade de se produzir medicamentos antivirais eficazes para ajudar a conter a progressão desta doença e de outras similares [3,4]. Dentre os potenciais compostos com ação antiviral, destacam-se os compostos peptídicos. De forma geral, peptídeos são sequências relativamente curtas de resíduos de aminoácidos (compostos quaternários cuja estrutura básica envolve um grupo amina e um grupo carboxilo) conectados via ligações peptídicas. O termo proteína aplica-se quando centenas ou milhares de resíduos de aminoácidos estão presentes na composição de um polipeptídeo [5,6]. Os peptídeos são utilizados como fármacos desde 1920, quando a insulina purificada do pâncreas canino e bovino foi incorporada no mercado farmacêutico [7]. Com a síntese de peptídeos em fase sólida, novas drogas se tornaram disponíveis, contudo, sua aplicação foi historicamente limitada. Atualmente, no entanto, o emprego de drogas peptídicas está sendo reconsiderado [7,8]. 19 Em especial, compostos peptídicos têm sido apontados como potenciais agentes antivirais com variados mecanismos de ação, como: i) desestabilização direta de envelopes virais [9-12]; ii) inibição do complexo fusional viral [13-15]; iii) ligação a glicoproteínas e/ou carboidratos [16] (bloqueio de interação com proteínas do hospedeiro); e iv) imunomodulação da célula hospedeira [17,18]; o que evidencia a sua potencialidade como compostos bioativos contra o SARS-CoV-2. Dada a ampla gama de mecanismos de ação possíveis, drogas peptídicas podem ainda ser utilizadas em conjunção com outros antivirais, podendo atuar como agentes retardantes. O surgimento do coronavírus trouxe à tona a necessidade premente de se desenvolver novos estudos e abordagens para se viabilizar uma preparação antecipada para o enfrentamento de infecções. De fato, a pandemia de COVID-19 evidenciou algumas lacunas no conhecimento científico e na capacidade de resposta a novos patógenos. Uma das lições é a importância da vigilância contínua e da pesquisa ativa em relação a vírus e outros microrganismos potencialmente patogênicos. Neste contexto, é necessário o monitoramento constante dos padrões epidemiológicos, identificando novos vírus ou variações genéticas que possam surgir e compreendendo sua capacidade de causar doenças e se disseminar entre as populações [17-19]. Outro aspecto crucial é o investimento em pesquisa de vacinas e terapias antivirais. A pandemia mostrou o poder das vacinas na prevenção de doenças e na redução da gravidade das infecções. No entanto, é importante o contínuo desenvolvimento de tecnologias mais avançadas e rápidas a fim de se criar vacinas adaptadas a novos patógenos. Além disso, terapias antivirais específicas podem ser vitais para tratar indivíduos que já foram infectados. A colaboração global também se destacou como uma necessidade fundamental. O compartilhamento de informações entre países e organizações é vital para detectar, monitorar e responder a surtos de doenças. Neste sentido, coletar dados de diferentes partes do mundo pode ajudar a entender melhor a disseminação de infecções e a desenvolver estratégias de contenção mais eficazes [20,21]. 20 O presente trabalho consiste na investigação das propriedades eletrônicas, conformacionais e de reatividade de sequências peptídicas, que apresentam potencial antiviral, por meio de técnicas de modelagem molecular. Foram avaliadas sequências já experimentalmente isoladas e caracterizadas por parceiros experimentais via bioprospecção, no sentido de se identificar padrões que permitam melhor compreender a bioatividade destas sequências, guiar/viabilizar experimentos in vitro (e in vivo) e identificar/propor sequências otimizadas para serem usadas como possíveis antivirais. Esta tese se encontra dividida da seguinte forma: inicialmente é apresentada uma breve introdução acerca de diversas doenças de origem viral; em seguida discute-se os objetivos do trabalho, os materiais avaliados e a metodologia empregada. Na Seção 4 são apresentados e discutidos os principais resultados obtidos, divididos no estudo de compostos antivirais e peptídeos, sendo, por fim, apresentadas as conclusões e perspectivas futuras. 1.2. Doenças antivirais 1.2.1. Ebola O Ebola é uma doença viral grave e muitas vezes fatal que afeta humanos e primatas não humanos. Foi identificada pela primeira vez em 1976, em surtos simultâneos no Sudão e na República Democrática do Congo. O vírus Ebola pertence à família Filoviridae e é dividido em cinco espécies: Zaire ebolavirus, Sudan ebolavirus, Taï Forest ebolavirus, Bundibugyo ebolavirus e Reston ebolavirus [22-24]. A transmissão do Ebola ocorre através do contato direto com fluidos corporais de pessoas infectadas ou animais infectados [25,26]. Os sintomas iniciais incluem febre, fadiga, dores musculares, dor de cabeça e dor de garganta, seguidos por vômitos, diarreia, erupções cutâneas, comprometimento renal e hepático e, em casos graves, hemorragia interna e externa [27-29]. Durante os surtos de Ebola, medidas rigorosas de controle de infecções são necessárias para evitar a propagação do vírus. Isso inclui o isolamento de pacientes 21 infectados, o uso de equipamentos de proteção individual adequados por profissionais de saúde, a desinfecção rigorosa de superfícies contaminadas e a prática de enterros seguros para evitar a exposição a fluidos corporais [30-32]. Não há tratamento específico para o Ebola, mas o tratamento de suporte pode melhorar as chances de sobrevivência. Isso inclui a administração de fluidos intravenosos e eletrólitos, o controle da pressão arterial, o tratamento de infecções secundárias e a reposição de coagulantes sanguíneos em caso de hemorragia [33-35]. Vacinas experimentais contra o Ebola têm sido desenvolvidas e mostraram eficácia em ensaios clínicos. A vacinação em massa durante surtos recentes tem ajudado a controlar a disseminação da doença. É importante destacar que o Ebola é uma doença rara e que os surtos são geralmente limitados a áreas específicas. No entanto, devido à sua alta letalidade e ao potencial de rápida disseminação, o Ebola continua sendo uma preocupação em termos de saúde pública e requer vigilância contínua [36-38]. Figura 1. Imagem Ilustrativa do Vírus Ebola em um Hospedeiro Fonte: https://exame.com/ciencia/o-surto-do-ebola-esta-de-volta-mas-nao-deve-ganhar-o-mundo/ 1.2.2. Febre Amarela A febre amarela é uma doença viral aguda transmitida principalmente por mosquitos infectados, sendo causada pelo vírus da febre amarela (YFV, na sigla em inglês, yellow fever virus), que pertence à família Flaviviridae. A doença é endêmica em algumas áreas da África e da América do Sul, e pode ser dividida em duas formas: febre amarela urbana e febre amarela silvestre [39-42]. A febre amarela urbana é transmitida principalmente pelo mosquito Aedes aegypti, que também é vetor de doenças como dengue e zika. A febre amarela silvestre é transmitida pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes, que são encontrados em áreas 22 rurais e de floresta. Os macacos são os principais hospedeiros do vírus da febre amarela silvestre, e os humanos são considerados hospedeiros acidentais [43-46]. Os sintomas iniciais da febre amarela podem ser semelhantes aos de uma infecção viral comum e incluem febre, calafrios, dor de cabeça intensa, dores musculares, náuseas e vômitos. Em casos mais graves, pode ocorrer icterícia (coloração amarelada da pele e dos olhos), hemorragias, comprometimento renal e hepático, e até mesmo a morte [47-50]. O diagnóstico da febre amarela é realizado por meio de exames laboratoriais, como a detecção do vírus ou de anticorpos específicos no sangue. Não existe tratamento específico para a febre amarela, e o tratamento é geralmente direcionado para aliviar os sintomas e fornecer cuidados de suporte ao paciente [51-54]. A prevenção da febre amarela é fundamental e pode ser alcançada principalmente através da vacinação. A vacina contra a febre amarela é altamente eficaz e segura, conferindo imunidade duradoura. Além da vacinação, outras medidas de prevenção incluem o controle de mosquitos, uso de repelentes, uso de roupas que cubram a maior parte do corpo, especialmente em áreas de risco, e evitar áreas com surtos da doença. A febre amarela é uma doença de notificação obrigatória em muitos países, e a detecção precoce de casos e a implementação rápida de medidas de controle são fundamentais para evitar a disseminação da doença [55-59]. Figura 2. Imagem Ilustrativa do Vírus da Febre Amarela Fonte: www.dw.com/pt-br/minist%C3%A9rio-da-sa%C3%BAde-confirma-25-mortes-por-febre -amarela/a-37218966 23 1.2.3. Influenza A Influenza, comumente conhecida como gripe, é uma infecção viral respiratória aguda causada pelos vírus da influenza. Existem três tipos principais de vírus da influenza: A, B e C. Os vírus da influenza A e B são os responsáveis pelas epidemias sazonais de gripe em humanos [60-62]. A gripe apresenta uma ampla variedade de sintomas, que podem variar de leves a graves. Os sintomas comuns incluem febre, calafrios, dores musculares, dor de garganta, tosse, fadiga, dor de cabeça e congestão nasal. Em alguns casos, podem ocorrer complicações graves, como pneumonia, infecções secundárias, desidratação e exacerbação de condições médicas preexistentes [63-67]. A transmissão do vírus da gripe ocorre principalmente pelo contato direto com gotículas respiratórias de pessoas infectadas, por meio de tosse, espirro ou contato próximo. Também é possível a transmissão indireta por meio do contato com superfícies contaminadas pelo vírus [68-71]. A gripe pode afetar pessoas de todas as idades, mas crianças pequenas, idosos, gestantes e pessoas com condições médicas crônicas têm maior risco de desenvolver complicações graves. Portanto, a vacinação anual contra a gripe é recomendada como a melhor medida de prevenção. A vacina é projetada para proteger contra as cepas mais comuns do vírus da gripe em uma determinada temporada [72-75]. O tratamento da gripe geralmente envolve cuidados de suporte, como repouso, hidratação adequada e alívio dos sintomas com medicamentos para reduzir a febre e tratar dores. Em alguns casos, medicamentos antivirais específicos podem ser prescritos para reduzir a gravidade e a duração da doença, especialmente em pessoas com alto risco de complicações [76-78]. Além da vacinação, medidas preventivas incluem a adoção de boa higiene das mãos, cobrir a boca e o nariz ao tossir ou espirrar com um lenço descartável ou com a parte interna do cotovelo, evitar o contato próximo com pessoas doentes e ficar em casa quando estiver com sintomas de gripe para evitar a propagação do vírus [79-81]. 24 Figura 3. Imagem Ilustrativa do Vírus da Influenza Fonte: https://www.climep.com.br/vacina-universal-contra-gripe-esta-mais-perto-de-ser-desenvolvida/ 1.2.4. Hepatites Virais As hepatites virais são infecções que afetam o fígado e são causadas por diferentes vírus, incluindo os vírus das hepatites A, B, C, D e E. Essas infecções podem variar em gravidade, desde doenças agudas e autolimitadas até formas crônicas e potencialmente graves [82,83]. ● Hepatite A: É transmitida principalmente pela ingestão de alimentos ou água contaminados com fezes de uma pessoa infectada. A hepatite A geralmente causa uma doença aguda e autolimitada, caracterizada por sintomas como fadiga, náuseas, vômitos, dor abdominal, icterícia e urina escura. A imunização com a vacina contra hepatite A é eficaz na prevenção da infecção [84-86]. ● Hepatite B: É transmitida através do contato com sangue ou fluidos corporais infectados, como relação sexual desprotegida, compartilhamento de agulhas contaminadas ou de mãe para filho durante o parto. A hepatite B pode levar a uma infecção aguda ou crônica. A vacinação contra hepatite B é uma medida eficaz para prevenir a infecção [87,88]. ● Hepatite C: É transmitida principalmente por meio do contato direto com sangue contaminado, como o compartilhamento de agulhas entre usuários de drogas injetáveis. A hepatite C pode levar a uma infecção crônica que 25 pode causar danos progressivos ao fígado. Novos tratamentos antivirais de ação direta (DAAs) estão disponíveis e são altamente eficazes na cura da hepatite C [89-91]. ● Hepatite D: É uma infecção que ocorre apenas em indivíduos já infectados pelo vírus da hepatite B. A hepatite D é transmitida através do contato com sangue ou fluidos corporais infectados. A infecção simultânea com hepatite B e D pode resultar em uma doença mais grave e um maior risco de complicações hepáticas [92,93]. ● Hepatite E: É transmitida principalmente através da ingestão de água ou alimentos contaminados. A hepatite E geralmente causa uma infecção aguda e autolimitada, mas pode levar a complicações graves em mulheres grávidas. Não há vacina disponível para hepatite E [94,95]. O diagnóstico das hepatites virais envolve a realização de testes sorológicos e moleculares para detectar a presença dos vírus e avaliar a função hepática. O tratamento varia dependendo do tipo de hepatite viral, mas pode incluir cuidados de suporte, monitoramento da função hepática, terapias antivirais e, em casos graves, transplante de fígado [96,97]. Figura 4. Imagens Ilustrativas dos Vírus das hepatites a) A e b) C a) b) Fonte: https://dreduardoramos.com.br/especialidades/figado/doencas-hepaticas/hepatites/hepatite-a-2/ e https://saude.ig.com.br/2018-07-06/eliminar-a-hepatite-c-ate-2030.html. 26 1.2.5. Sarampo O sarampo é uma doença viral altamente contagiosa que afeta principalmente crianças, embora possa ocorrer em qualquer idade. É causado pelo vírus do sarampo, que é transmitido através do contato direto com secreções nasais ou da garganta de pessoas infectadas. O vírus pode se espalhar rapidamente através do ar quando uma pessoa infectada tem tosse ou espirra [98,99]. Os sintomas iniciais do sarampo são semelhantes aos de um resfriado comum, incluindo febre, tosse, coriza e olhos avermelhados. Após alguns dias, surgem manchas vermelhas na pele, que começam no rosto e se espalham para o restante do corpo. Além disso, os pacientes podem apresentar outros sintomas, como dor de garganta, dor de cabeça e sensibilidade à luz [100-102]. Embora a maioria das pessoas se recupere completamente do sarampo, a doença pode levar a complicações graves, especialmente em crianças pequenas e pessoas com sistema imunológico enfraquecido. Essas complicações podem incluir infecções no ouvido, pneumonia, encefalite (inflamação do cérebro) e, em casos raros, podem até ser fatais [103,104]. A melhor forma de prevenir o sarampo é através da vacinação. A vacina contra o sarampo é geralmente administrada em combinação com as vacinas contra a caxumba e a rubéola, na forma da vacina tríplice viral. A vacina é altamente eficaz e tem ajudado a reduzir significativamente a incidência de sarampo em muitos países [105-107]. É importante que a vacinação seja realizada de acordo com o calendário recomendado pelas autoridades de saúde, geralmente na infância. A imunização em massa é fundamental para a prevenção do sarampo, pois ajuda a criar uma proteção coletiva, reduzindo a circulação do vírus na comunidade e protegendo aqueles que não podem ser vacinados por motivos médicos. Além da vacinação, medidas de higiene, como lavar as mãos regularmente, cobrir a boca e o nariz ao tossir ou espirrar, e evitar o contato próximo com pessoas infectadas, também são importantes para prevenir a propagação do vírus do sarampo [108,109]. 27 Figura 5. Inagem Ilustrativa do Vírus do Sarampo Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-50258441 1.2.6. Herpes A herpes é uma doença viral causada pelos vírus herpes simplex tipo 1 (HSV-1) e tipo 2 (HSV-2). O HSV-1 é geralmente associado ao herpes labial, que causa o surgimento de lesões dolorosas na região dos lábios e da boca. Já o HSV-2 está mais relacionado ao herpes genital, que causa lesões semelhantes nos genitais e áreas adjacentes [110,111]. A infecção pelo vírus herpes ocorre através do contato direto com uma pessoa infectada. Isso pode acontecer por meio de beijos, contato íntimo, compartilhamento de objetos contaminados, como utensílios de alimentação ou toalhas, ou durante o parto, no caso do herpes genital [112-114] Após a infecção inicial, o vírus herpes permanece no corpo e pode ficar inativo por longos períodos de tempo, sem causar sintomas. No entanto, fatores como estresse, fadiga, exposição solar intensa, febre ou baixa imunidade podem reativar o vírus e desencadear surtos de herpes recorrente [115]. Os sintomas do herpes geralmente incluem formação de bolhas ou feridas dolorosas na pele ou nas membranas mucosas. Essas lesões podem ser acompanhadas de coceira, formigamento ou sensação de queimação. Os surtos de herpes tendem a durar cerca de uma semana e, em seguida, as lesões cicatrizam gradualmente [116,117]. 28 Embora não haja cura definitiva para o herpes, existem tratamentos disponíveis para aliviar os sintomas e reduzir a frequência e a gravidade dos surtos. Medicamentos antivirais podem ser prescritos para ajudar a controlar os sintomas durante os surtos agudos e também para suprimir a recorrência do herpes. Além disso, medidas preventivas podem ajudar a reduzir a transmissão do vírus. Evitar o contato direto com as lesões ativas, praticar uma boa higiene, como lavar as mãos regularmente, e evitar o compartilhamento de objetos pessoais podem ajudar a diminuir o risco de propagação da infecção [118,119]. É importante notar que o herpes pode ter um impacto emocional significativo nas pessoas afetadas. O estigma associado à doença e o desconforto físico dos surtos podem causar angústia. Nestes casos, o suporte emocional e o aconselhamento podem ser benéficos para lidar com o aspecto psicológico do herpes [120-122]. Figura 6. Imagem Ilustrativa do Herpes Simplex Virus (HSV) Fonte: https://www.microbiologiaitalia.it/virologia/herpes-simplex-virus-hsv/ 1.2.7. Papilomavírus O papilomavírus humano (HPV) é um vírus que infecta a pele e as mucosas, podendo causar lesões e verrugas. Existem mais de 200 tipos diferentes de HPV, dos quais cerca de 40 podem infectar a área genital. O HPV é uma das infecções sexualmente transmissíveis mais comuns em todo o mundo [123,124]. O HPV é transmitido principalmente por contato direto com a pele infectada ou por relações sexuais, incluindo vaginal, anal e oral [125]. Pode ser transmitido mesmo 29 na ausência de sintomas visíveis, uma vez que o vírus pode estar presente em áreas não cobertas por preservativos [126]. A maioria das infecções por HPV é assintomática e desaparece espontaneamente ao longo do tempo [127]. No entanto, algumas infecções persistentes podem levar ao desenvolvimento de verrugas genitais, lesões pré-cancerosas e câncer, principalmente do colo do útero em mulheres [128]. O HPV também pode causar câncer de vulva, vagina, ânus, pênis e orofaringe (parte posterior da garganta, incluindo a base da língua e amígdalas) [129]. A vacinação é uma medida importante para prevenir a infecção pelo HPV. As vacinas contra o HPV estão disponíveis e são recomendadas para adolescentes, antes do início da atividade sexual. Elas são altamente eficazes na prevenção de infecções pelos tipos de HPV mais comuns que causam câncer. Além da vacinação, outras medidas de prevenção incluem o uso de preservativos em todas as relações sexuais e a realização regular de exames de Papanicolau para detectar precocemente lesões pré-cancerosas ou cancerosas do colo do útero [130,131]. Não há cura para a infecção pelo HPV, mas a maioria das infecções desaparece espontaneamente ao longo do tempo. O tratamento é direcionado para o controle dos sintomas, como verrugas genitais. As verrugas podem ser removidas por diversos métodos, incluindo medicamentos tópicos, crioterapia (congelamento), cauterização ou remoção cirúrgica. É importante ressaltar que, mesmo após o tratamento, o HPV pode persistir no organismo e a recorrência das lesões é possível [129]. Figura 7. Imagem Ilustrativa do Papiloma vírus Fonte: https://drauziovarella.uol.com.br/mulher/hpv-papilomavirus-humano/ 30 1.2.8. Rubéola A rubéola, também conhecida como sarampo alemão, é uma doença viral altamente contagiosa causada pelo vírus da rubéola. É mais comum em crianças e adultos jovens e é transmitida principalmente por meio do contato com gotículas respiratórias de uma pessoa infectada. A rubéola é conhecida por ser uma doença relativamente branda em crianças e adultos, mas pode ter sérias consequências quando ocorre em mulheres grávidas, especialmente no primeiro trimestre [132,133]. Os sintomas da rubéola geralmente são leves e duram cerca de 2 a 3 dias. Uma erupção cutânea característica é um dos sinais mais visíveis da doença. A erupção começa no rosto e depois se espalha para o restante do corpo, consistindo em manchas pequenas e de cor rosa claro. Além da erupção, outros sintomas comuns incluem febre baixa a moderada e linfonodos inchados, especialmente na região do pescoço e atrás das orelhas. Alguns pacientes podem apresentar sintomas respiratórios leves, como nariz entupido, dor de garganta ou tosse [134,135]. Embora a rubéola seja geralmente uma doença benigna em crianças e adultos, ela é particularmente preocupante para mulheres grávidas. Se uma mulher grávida for infectada pelo vírus da rubéola durante os primeiros meses de gravidez, há um risco significativo de complicações graves para o feto. Isso é conhecido como síndrome da rubéola congênita e pode resultar em defeitos congênitos, como problemas cardíacos, auditivos, oculares e neurológicos. Por esse motivo, a prevenção é essencial [136,137]. A melhor maneira de prevenir a rubéola é por meio da vacinação. A vacina contra a rubéola faz parte da vacina tríplice viral, que também protege contra o sarampo e a caxumba. A imunização geralmente é administrada na infância, seguindo o calendário de vacinação recomendado. A vacinação em massa contra a rubéola foi eficaz na redução significativa dos casos e ajudou a controlar a disseminação da doença em muitas partes do mundo. Não há um tratamento específico para a rubéola. O tratamento visa aliviar os sintomas e é baseado em medidas de suporte, como 31 repouso, hidratação adequada e medicamentos para reduzir a febre e aliviar a dor, conforme indicado pelo médico [138,139]. Figura 8. Imagem Ilustrativa do Vírus da Rubéola Fonte: http://enfermagemesaude.com.br/noticias/13322/rubeola-e-erradicada-no-continente-americano 1.2.9. Caxumba A caxumba é uma doença viral contagiosa causada pelo vírus da caxumba. Ela afeta principalmente as glândulas salivares, que são responsáveis pela produção de saliva. A transmissão ocorre através do contato direto com as gotículas respiratórias de uma pessoa infectada, seja por meio de espirros, tosse ou compartilhamento de objetos pessoais [140-141]. Os sintomas da caxumba geralmente aparecem cerca de duas a três semanas após a exposição ao vírus. Um dos sinais mais característicos é o inchaço das glândulas salivares, que se localizam nas laterais do rosto, abaixo das orelhas. Esse inchaço pode causar desconforto e dor, especialmente ao mastigar ou engolir alimentos. Além disso, também pode haver febre, dor de cabeça, fadiga e perda de apetite [142]. Embora a inflamação das glândulas salivares seja o sintoma mais comum, a caxumba também pode causar complicações em outros órgãos, como os testículos em homens (orquite) e os ovários em mulheres (ooforite). A orquite pode resultar em inchaço e dor testicular, enquanto a ooforite pode levar a dor abdominal e febre. 32 Raramente, a caxumba pode causar inflamação do cérebro (encefalite), o que pode resultar em complicações graves [143-145]. A prevenção da caxumba é feita principalmente por meio da vacinação. A vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, é amplamente utilizada em muitos países [146]. Ela é geralmente administrada na infância, com uma segunda dose de reforço na adolescência. A imunização adequada é essencial para prevenir a propagação do vírus e reduzir o risco de complicações. Não há um tratamento específico para a caxumba. O tratamento visa aliviar os sintomas e é baseado em repouso, hidratação adequada, uso de analgésicos e anti-inflamatórios para aliviar a dor e a febre, além de compressas frias para reduzir o inchaço das glândulas salivares. É recomendado que a pessoa infectada evite o contato próximo com outras pessoas para evitar a disseminação do vírus [147]. Figura 9. Imagem Ilustrativa do Vírus da Caxumba Fonte: https://www.ativosaude.com/saude/como-se-pega-caxumba/ 1.2.10. Dengue A dengue é uma doença viral transmitida principalmente por mosquitos infectados do gênero Aedes, especialmente o Aedes aegypti. É uma doença endêmica em várias regiões tropicais e subtropicais ao redor do mundo. A transmissão ocorre quando uma fêmea infectada do mosquito Aedes pica uma pessoa saudável, transmitindo o vírus [148-150]. 33 Os sintomas da dengue variam de leves a graves e podem incluir febre alta, dores no corpo e nas articulações, dor de cabeça, erupção cutânea e fadiga. Em casos mais graves, a dengue pode levar à dengue grave ou hemorrágica, que é uma forma potencialmente fatal da doença. Os sinais de dengue grave incluem sangramento, insuficiência de órgãos e baixa contagem de plaquetas [151,152]. A prevenção da dengue envolve medidas de controle de vetores, como eliminar criadouros de mosquitos, usar repelentes de insetos, roupas de proteção e telas em portas e janelas para evitar a picada de mosquitos. Além disso, é essencial evitar o acúmulo de água parada em recipientes, pois são locais ideais para a reprodução dos mosquitos Aedes [153,154]. Atualmente, não existe um tratamento específico para a dengue. O tratamento é baseado no alívio dos sintomas e no cuidado com o paciente. Recomenda-se repouso adequado, ingestão de líquidos para prevenir a desidratação e medicamentos para reduzir a febre e aliviar a dor, como o paracetamol. No entanto, o uso de medicamentos à base de ácido acetilsalicílico (aspirina) deve ser evitado, pois pode aumentar o risco de sangramento em casos de dengue hemorrágica [155,156] . A conscientização da população sobre a dengue e sua prevenção é fundamental para controlar a propagação da doença. Os esforços para eliminar os criadouros de mosquitos, como recipientes com água parada, são essenciais na redução da transmissão. Além disso, é importante procurar atendimento médico imediatamente caso apresente sintomas de dengue, especialmente se houver sinais de gravidade [157,158]. 34 Figura 10. Imagem Ilustrativa do Vírus da dengue Fonte: https://www.biomedicinapadrao.com.br/2018/01/7-fatos-sobre-trombocitopenia-na-dengue_23.html 1.2.11. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) é uma doença causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). O HIV ataca o sistema imunológico do corpo, enfraquecendo sua capacidade de combater infecções e doenças. A transmissão do HIV ocorre por meio de fluidos corporais infectados, como sangue, sêmen, secreções vaginais e leite materno, principalmente durante relações sexuais desprotegidas, compartilhamento de seringas contaminadas ou de mãe para filho durante a gravidez, parto ou amamentação. [159,160] A AIDS é uma doença crônica e progressiva. No entanto, nem todas as pessoas infectadas pelo HIV desenvolvem AIDS. O período entre a infecção pelo HIV e o desenvolvimento da AIDS varia de pessoa para pessoa e pode levar vários anos. Durante esse período, o vírus continua a se replicar no organismo e destruir as células do sistema imunológico [161,162]. Os sintomas da AIDS variam dependendo do estágio da doença. Na fase inicial, após a infecção, alguns pacientes podem apresentar sintomas semelhantes aos da gripe, como febre, fadiga, dores musculares e de garganta, além de erupções cutâneas. À medida que a doença progride e o sistema imunológico fica cada vez mais comprometido, podem ocorrer infecções oportunistas graves, como pneumonia, tuberculose, infecções fúngicas e cânceres relacionados ao HIV [163-165]. 35 Não há cura para a AIDS, mas o tratamento antirretroviral (TARV) é fundamental para o controle da doença. A TARV envolve a combinação de medicamentos que inibem a replicação do HIV, reduzem a carga viral no corpo e ajudam a preservar a função imunológica. Com o uso adequado do tratamento, as pessoas vivendo com HIV podem levar vidas saudáveis e prolongadas, com uma expectativa de vida semelhante à população em geral [166-168]. A prevenção é uma parte crucial do combate à AIDS. Medidas preventivas incluem o uso de preservativos em todas as relações sexuais, a realização de testes regulares para o HIV, o compartilhamento seguro de agulhas e seringas, além da profilaxia pré-exposição para pessoas em risco elevado de infecção pelo HIV. A educação sobre o HIV/AIDS, a redução do estigma e a promoção do acesso a serviços de saúde adequados são fundamentais na prevenção e no cuidado com as pessoas vivendo com HIV/AIDS [169,170]. Figura 11. Imagem Ilustrativa do Vírus HIV Fonte: https://www.minhavida.com.br/saude/temas/hiv 1.3. SARS-CoV-2 1.3.1. Introdução As zoonoses são infecções que ocorrem naturalmente e são transmitidas entre animais vertebrados e seres humanos. Essas infecções surgem devido ao contato mútuo entre as espécies e estão limitadas aos agentes infecciosos capazes de se 36 reproduzir nos animais hospedeiros. Essa definição permanece válida mesmo quando o agente infeccioso tem a capacidade de se espalhar dentro das populações humanas sem a exposição direta a animais. Um exemplo disso são os coronavírus associados à síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV), à síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e ao SARS-CoV-2, que demonstram essa capacidade de transmissão entre humanos [171]. Um número significativo de doenças que afetam atualmente os seres humanos tem sua origem em ciclos de transmissão em ambientes silvestres, sendo impulsionado pela capacidade dos vírus de sofrerem mutações rápidas e se adaptarem a novas espécies, especialmente no caso dos vírus de ácido ribonucleicos (RNA). Nas zoonoses, a proximidade física e espacial entre espécies selvagens ou domesticadas cria um cenário propício para que os vírus ultrapassem a barreira das espécies, resultando no surgimento de doenças emergentes. Ao longo dos séculos, atividades humanas como agricultura, desmatamento e urbanização têm desempenhado um papel crucial no surgimento dessas zoonoses. Compreender como os vírus zoonóticos se tornam patógenos para os seres humanos é uma das principais áreas de foco da virologia no século XXI [171-173]. O surgimento da síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2003, uma doença provocada por um coronavírus conhecido como SARS-CoV (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus), surpreendeu a comunidade global ao se propagar rapidamente entre diferentes continentes, resultando em mais de 8.000 infecções e uma taxa de mortalidade aproximada de 10%. Esse surto teve um impacto devastador nas economias de diversos países e foi considerado a primeira pandemia do século XXI. Por outro lado, a COVID-19, que foi oficialmente declarada como uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020, registrou aproximadamente 100.000 mortes apenas um mês após o anúncio. Essa doença apresentou uma quantidade de casos dez vezes maior que a associada a SARS, em um período de tempo muito mais curto. É possível que os coronavírus já identificados 37 sejam apenas a “ponta do iceberg”, indicando a existência de eventos zoonóticos potencialmente mais recentes e graves que ainda serão revelados [171,174,175]. 1.3.2. Origem Os dois grandes surtos de doenças infecciosas causadas por coronavírus provenientes de morcegos, como a SARS e a COVID-19, surgiram na China. Vários fatores contribuíram para o surgimento dessas doenças no país: a vasta extensão territorial combinada com uma ampla diversidade climática resulta em uma rica biodiversidade, incluindo uma grande variedade de morcegos e vírus. A China é o local onde a maioria dos coronavírus pode ser encontrada, e mais de 50% das espécies de coronavírus identificadas (22/38) foram nomeadas por cientistas chineses que estudam morcegos locais ou outros mamíferos. Figura 12. Imagem Ilustrativa do Vírus SARS-CoV-2 Fonte: www.cnnbrasil.com.br/saude/coronavirus-infecta-penis-testiculos-e-prostata-de-macacos-em -estudo-dos-eua/ Além disso, muitos morcegos que são hospedeiros de coronavírus na China habitam áreas próximas a assentamentos humanos, aumentando o potencial de transmissão viral para humanos e animais criados em cativeiro. É importante destacar que a cultura alimentar chinesa inclui a crença de que animais recém-abatidos são mais nutritivos, o que pode aumentar o risco de transmissão viral. Esse último fator já havia sido identificado há mais de uma década como um alerta significativo: a relação entre morcegos-ferradura, reservatórios do vírus SARS-CoV, e a prática de consumo de 38 mamíferos exóticos no sul da China representava uma ameaça para o ressurgimento da SARS e a potencial emergência de novos vírus de origem animal ou laboratorial [171,174,175]. 1.3.3. Morcego-ferradura (Rhinolophus sinicus) Os morcegos são o grupo de mamíferos que abriga a maior diversidade de coronavírus (CoVs). Muitos outros CoVs de animais têm uma ancestralidade ligada aos CoVs encontrados em morcegos. Os animais domésticos ou domesticados desempenham um papel crucial como hospedeiros intermediários, permitindo a transmissão do vírus dos hospedeiros naturais para os seres humanos. No caso do SARS-CoV, os morcegos são considerados os hospedeiros naturais do vírus, enquanto as civetas (Paguma larvata) atuaram como hospedeiros intermediários. Em relação ao MERS-CoV, os dromedários foram identificados como hospedeiros intermediários. Durante as epidemias de coronavírus causadas pelo SARS-CoV e pelo MERS-CoV, acredita-se que os vírus tenham surgido inicialmente em morcegos da espécie Rhinolophus sinicus e, posteriormente, tenham se propagado para outros mamíferos hospedeiros amplificadores, como as civetas mascaradas (Paguma larvata) no caso do SARS e os dromedários (Camelus dromedarius) no caso do MERS, antes de cruzarem a barreira de espécies e infectarem os seres humanos [171]. Com base na análise genômica de 339 espécies de vírus relacionados ao SARS-CoV, sugere-se que o SARS-CoV-2 também possa ter tido origem em morcegos. No entanto, ainda não é possível determinar se há algum outro hospedeiro animal intermediário ou amplificador infectado por esse vírus que esteja associado à COVID-19 [171-176]. Embora seja possível que o SARS-CoV-2 tenha sido transmitido aos humanos por meio de um hospedeiro intermediário, existem poucos vírus semelhantes a ele descritos em mamíferos que não sejam morcegos e humanos. Ainda há uma escassez de amostras de vírus estreitamente relacionados ao SARS-CoV-2 em mamíferos, 39 incluindo morcegos, para se chegar a uma conclusão definitiva. No entanto, a descoberta de dois grupos distintos de vírus em pangolins (Manis sp.) indica que os vírus relacionados ao SARS-CoV-2 podem estar mais amplamente distribuídos em mamíferos selvagens do que se pensava [171,177,178]. A notável semelhança entre os domínios de ligação ao receptor (RBD) dos coronavírus encontrados em pangolins de Guangdong e o SARS-CoV-2 desperta preocupações de que esses vírus possam ser facilmente transmitidos às populações humanas. É crucial realizar mais pesquisas para explorar a patogenicidade e a diversidade dos coronavírus em pangolins. No entanto, devido ao status de ameaça dos pangolins e ao risco de desencadear futuros surtos de coronavírus, é fundamental proibir estritamente a caça, o manuseio e o tráfico desses animais. Reforçar a vigilância dos vírus relacionados ao SARS-CoV-2 em mamíferos pode ajudar a elucidar a origem desse vírus e a implementar medidas preventivas adequadas [171,179]. Existem evidências que sugerem o pangolim-malaio (Manis javanica) como a provável origem do SARS-CoV-2, o vírus responsável pelo surto de COVID-19. Durante o surto, foram realizadas análises em amostras pulmonares de dois pangolins-malaios que apresentavam sintomas como líquido espumante nos pulmões e fibrose pulmonar. Essas análises identificaram um coronavírus denominado Pangolin-CoV, que apresentava um alto grau de similaridade genômica com o SARS-CoV-2 (91,02%) e com o BatCoV RATG13, um coronavírus de morcegos (90,55% de similaridade genômica). O Pangolin-CoV é o coronavírus mais estreitamente relacionado ao SARS-CoV-2 já descrito. Essa descoberta é significativa, uma vez que os SARS-CoVs são amplamente disseminados em reservatórios naturais, como morcegos, camelos e pangolins, e pode contribuir para os esforços de bloquear a transmissão viral entre espécies e entender melhor a origem do SARS-CoV-2 [171,180]. A estreita relação filogenética com o BatCoV RaTG13 fornece evidências de que o SARS-CoV-2 pode ter se originado em morcegos. Assim como ocorreu em 2002, quando as civetas foram identificadas como hospedeiros intermediários na transmissão 40 do SARS-CoV para humanos, é possível que esses animais também tenham desempenhado um papel semelhante na transmissão do SARS-CoV-2 [171,181,182]. Figura 13. Morcego-ferradura Fonte: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/06/05/estudo -aponta-relacao-de-962-entre-novo-coronavirus-e-morcego-ferradura.htm 1.3.4. Taxonomia do vírus Do ponto de vista filogenético, a família Coronaviridae está classificada na ordem Nidovirales, grupo IV, apresentando um genoma de RNA de sentido positivo. Essa família abrange duas subfamílias, cinco gêneros, 26 subgêneros e 46 espécies de vírus [171,183]. Os coronavírus fazem parte do gênero Beta-coronavirus, especificamente do subgênero Sarbecovirus. O SARS-CoV-2 recebe essa denominação por ser classificado como um coronavírus relacionado à síndrome respiratória aguda. Vale ressaltar que o SARS-CoV-2 é o sétimo coronavírus identificado como causa de doença em humanos, e entre eles estão incluídos o SARS-CoV e o MERS-CoV [171,184]. As sequências de aminoácidos de sete domínios conservados na replicase presentes na ORF1ab (maior gene da SARS-CoV-2, codificado pela poliproteína PP1ab), que são utilizados para classificar as espécies de coronavírus, revelaram uma semelhança de 94,4% entre o SARS-CoV-2 e o SARS-CoV. Essa alta identidade sugere que ambos os vírus pertencem à mesma espécie, conhecida como SARS-CoV [171,185]. 41 Estudos filogenéticos que analisaram as sequências genômicas do SARS-CoV-2 mostraram que ele apresenta similaridades com as sequências do SARS-CoV encontrado em morcegos, colocando-os na mesma linhagem (B) dos Betacoronavirus. Os vírus beta HCoV-HKU1 e HCoV-OC43 são agrupados na linhagem A, enquanto o MERS-CoV pertence à linhagem C, que também inclui o MERS-CoV encontrado em camelos. A linhagem C também abrange os vírus encontrados em morcegos e mamíferos, como ouriços. Por fim, a linhagem D é composta por espécies virais que infectam exclusivamente morcegos [171,186]. 1.3.5. Constituição do vírus Os coronavírus são vírus possuem uma camada lipídica (envelope) e têm uma forma aproximadamente esférica, embora também possam variar em forma. Os vírus têm um diâmetro médio de 80 a 120 nanômetros. Seu genoma consiste em uma molécula de RNA não segmentada, de cadeia simples, com sentido positivo. Essa molécula de RNA possui uma estrutura especial na extremidade 5' chamada de "cap" e uma cauda de poliadenina na extremidade 3'. Surpreendentemente, o genoma dos coronavírus é relativamente grande, variando de 27 a 32 quilobases [171,187,188]. O genoma do SARS-CoV-2 é composto por seis grandes regiões de leitura aberta (ORFs) que são comuns a todos os coronavírus, além de vários outros genes acessórios. Uma característica dos coronavírus é sua capacidade de transcrever RNA mensageiro para cada proteína que produzem. Isso permite que o vírus controle a taxa de síntese de proteínas de acordo com suas necessidades e as do hospedeiro. O ciclo de replicação do SARS-CoV-2 envolve várias etapas, incluindo adesão do vírus à célula hospedeira, entrada na célula, tradução da replicase viral (uma enzima envolvida na replicação do genoma viral), transcrição e replicação do genoma viral, tradução de proteínas estruturais, montagem dos componentes virais e, por fim, liberação dos novos vírions [171,189,190]. Os CoVs possuem a capacidade de codificar quatro proteínas principais: a glicoproteína espicular (Sp), a proteína do envelope (E), a glicoproteína da membrana 42 (M) e a proteína do nucleocapsídeo (N). Estudos que investigaram a infectividade do vírus em células HeLa modificadas, que expressam diferentes receptores da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) de diferentes espécies (humano, morcego-ferradura chinês, porco e civeta), demonstraram que o SARS-CoV-2 interage com esses receptores específicos, mas não com os receptores da enzima aminopeptidase N (APN) e dipeptidil peptidase 4 (DPP4). Isso fortalece a ideia de que o receptor celular utilizado pelo vírus para entrar nas células humanas é o ACE2 [171]. A proteína Sp é particularmente importante para os coronavírus, pois desempenha diversas funções, como a neutralização por anticorpos, a ligação aos receptores celulares e a fusão com a membrana da célula hospedeira para permitir a entrada do vírus. Ela é composta por duas subunidades, a S1 e a S2, que são responsáveis pela adsorção do vírus à célula hospedeira e pela fusão com a membrana, respectivamente [171]. A glicoproteína Sp tipo I é uma característica proeminente na superfície do vírus e tem recebido grande atenção devido ao seu papel na ligação ao receptor das células hospedeiras. Essa proteína parece ser o principal determinante para o sucesso dos eventos iniciais de infecção entre diferentes espécies [171]. Figura 14. Estrutura viral SARS-CoV-2 Fonte: Lima et al. (2020) 43 A compreensão dos principais componentes estruturais e moleculares do SARS-CoV-2 é fundamental para o desenvolvimento de terapias eficazes contra a COVID-19. Dado que, até o momento, não há um tratamento farmacológico específico disponível para essa doença e considerando sua gravidade, existe uma necessidade urgente de encontrar opções terapêuticas que possam complementar os protocolos existentes. Essas opções terapêuticas visam ajudar na prevenção, tratamento, controle dos sintomas e redução da gravidade das infecções causadas pelo SARS-CoV-2 [171]. 1.4. Peptídeos 1.4.1. Visão Geral Os peptídeos têm despertado um interesse crescente na área da biologia e da medicina devido às suas propriedades versáteis e potenciais aplicações. Essas moléculas, compostas por sequências de aminoácidos interligados, desempenham papéis fundamentais em diversos processos biológicos, como a comunicação celular, o sistema imunológico e a regulação hormonal. Além disso, os peptídeos podem ser produzidos naturalmente no organismo ou sintetizados em laboratório, oferecendo um amplo leque de possibilidades para pesquisas e aplicações terapêuticas [191,192]. Os aminoácidos (AA) são as unidades básicas que compõem as proteínas e desempenham um papel fundamental na estrutura e função do corpo. Eles são moléculas orgânicas compostas por um grupo amina (-NH2), um grupo carboxila (-COOH) e uma cadeia lateral, que é única para cada tipo de AA, conhecida como grupo R. Existem 20 AA padrão, ilustrados na Figura 17, que ocorrem naturalmente e são usados na síntese de proteínas. A variação nas cadeias laterais (grupos R) é o que confere a cada aminoácido suas características únicas, como polaridade, carga elétrica, tamanho e capacidade de formar ligações químicas específicas. Isso é fundamental para a estrutura e função das proteínas, uma vez que determina como elas se dobram, interagem com outras moléculas e desempenham suas funções biológicas [191,193,194]. 44 Dentro da estrutura dos peptídeos, os AA são unidos por ligações peptídicas.Tal tipo ligação, como ilustrado na Figura 15, ocorre entre o grupo amina de um aminoácido e o grupo carboxila de outro aminoácido adjacente. É formada por uma reação de condensação, na qual uma molécula de água é liberada como subproduto. A ligação peptídica resultante liga o carbono alfa de um aminoácido ao nitrogênio do grupo amina do aminoácido subsequente [191,192]. A Figura 18 ilustra alguns exemplos de estruturas secundárias peptídicas, definidas de acordo com a distribuição espacial relativa entre os seus AA constituintes. Os peptídeos podem adotar diferentes arranjos estruturais, como os alfa-hélices, as folhas beta e as conformações estendidas. Em peptídeos alfa helicoidais, a cadeia polipeptídica se enrola formando uma hélice, onde ligações de hidrogênio são estabelecidas entre grupos amida e carbonila próximos, conferindo estabilidade à estrutura. As folhas beta são compostas por segmentos da cadeia polipeptídica que se estendem lado a lado, mantendo ligações de hidrogênio entre grupos amida e carbonila de diferentes segmentos. Já em peptídeos com conformação estendida, a cadeia não adota uma estrutura regular, permitindo uma disposição mais flexível. A forma como os peptídeos se organizam nessas estruturas influencia suas propriedades e interações, desempenhando um papel crucial em diversas funções biológicas [191-195]. Os peptídeos variam em tamanho, podendo ser tão curtos quanto dois aminoácidos ou tão longos quanto várias centenas deles. Sua estrutura é fundamental para sua função biológica, uma vez que determina suas interações moleculares e suas propriedades físico-químicas. A diversidade estrutural dos peptídeos permite que eles desempenhem funções específicas em diferentes contextos fisiológicos [191,192]. Uma das aplicações mais promissoras dos peptídeos é na área da medicina, especialmente no desenvolvimento de fármacos. Devido à sua alta seletividade e afinidade por alvos específicos, os peptídeos podem ser utilizados para modular atividades biológicas, como inibir enzimas, regular a expressão gênica ou atuar como agonistas ou antagonistas de receptores celulares. Além disso, peptídeos podem ser 45 modificados quimicamente para aumentar sua estabilidade no organismo, prolongando sua ação terapêutica [193,194]. Outra área de pesquisa em ascensão é a utilização de peptídeos na engenharia de materiais. Devido às suas propriedades únicas, como a capacidade de se auto organizar e formar estruturas tridimensionais, os peptídeos têm sido explorados no desenvolvimento de biomateriais, como hidrogéis, nanofibras e superfícies funcionais. Esses materiais têm aplicações potenciais em áreas como medicina regenerativa, liberação controlada de fármacos e biotecnologia [195-197]. Figura 15. Ligações peptídicas Fonte: https://www.infoescola.com/bioquimica/ligacao-peptidica/ Outra aplicação emergente dos peptídeos é na agricultura e na produção de alimentos. Certos peptídeos podem atuar como bioestimulantes vegetais, promovendo o crescimento e a resistência das plantas a estresses ambientais, como doenças, pragas e condições adversas de cultivo. Além disso, os peptídeos podem ser usados como conservantes naturais de alimentos, ajudando a prolongar a vida útil dos produtos alimentícios sem a necessidade de aditivos químicos. Essas aplicações sustentáveis dos peptídeos têm despertado o interesse da indústria agrícola e alimentícia [198-200]. 46 Na pesquisa científica, os peptídeos desempenham um papel fundamental como ferramentas experimentais. Por meio da síntese de peptídeos específicos, os cientistas podem investigar a estrutura e função de proteínas específicas, identificar locais de ligação a receptores e estudar interações moleculares complexas. Além disso, os peptídeos têm sido utilizados na síntese de vacinas e no desenvolvimento de testes diagnósticos, permitindo a detecção precoce de doenças e a monitoração de biomarcadores [201,202]. No entanto, apesar de todo o potencial dos peptídeos, existem desafios a serem superados. A estabilidade dos peptídeos em ambientes biológicos, por exemplo, pode ser um problema, limitando sua eficácia terapêutica. Além disso, a síntese e a produção em grande escala de peptídeos podem ser complexas e dispendiosas. No entanto, avanços contínuos em tecnologias de síntese e formulação estão ajudando a superar esses obstáculos e a abrir novas possibilidades para a pesquisa e aplicação de peptídeos [203,204]. Figura 16. Ilustração de um peptídeo e de uma proteína Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/biologia/peptideos.htm 47 Figura 17. Estrutura e nomenclatura dos aminoácidos Fonte: (OLIVEIRA, 2021) 1.4.2. Peptídeos bioativos Dentre as diferentes potenciais aplicações dos peptídeos, o estudo de compostos bioativos têm se tornado uma área de intensa pesquisa e interesse na indústria farmacêutica e de saúde. Essas moléculas, compostas por sequências de aminoácidos, possuem propriedades biológicas específicas que podem influenciar processos fisiológicos e desempenhar um papel fundamental na promoção da saúde e no tratamento de doenças. Os peptídeos bioativos são capazes de interagir com 48 receptores celulares, enzimas e outras moléculas, desencadeando uma série de respostas biológicas [205-207]. Uma característica importante dos peptídeos bioativos é sua capacidade de modular processos biológicos, como a regulação do sistema imunológico, a modulação do metabolismo, a promoção do crescimento celular e a inibição de enzimas específicas. Essas propriedades biológicas podem ter aplicações terapêuticas significativas, abrangendo uma ampla gama de condições de saúde, desde doenças crônicas até distúrbios agudos. Além disso, os peptídeos bioativos também podem desempenhar um papel na prevenção de doenças, fornecendo benefícios à saúde quando incorporados em dietas e suplementos nutricionais [208,209]. A origem dos peptídeos bioativos é diversa. Eles podem ser obtidos a partir de fontes naturais, como plantas, animais marinhos, microorganismos e até mesmo de tecidos humanos. Além disso, a síntese de peptídeos em laboratório permite a criação de moléculas personalizadas e otimizadas para fins específicos. Essa diversidade de origens e modos de produção expande as oportunidades de descoberta e desenvolvimento de novos peptídeos bioativos com potenciais aplicações terapêuticas [210,211]. Os peptídeos bioativos têm demonstrado eficácia em diversas áreas da saúde. Por exemplo, eles podem atuar como antimicrobianos, combatendo bactérias, vírus e fungos resistentes a medicamentos tradicionais. Além disso, alguns peptídeos têm propriedades anticancerígenas, inibindo o crescimento e a proliferação de células cancerígenas. Outros peptídeos têm sido estudados no contexto de doenças cardiovasculares, distúrbios metabólicos, doenças neurodegenerativas e inflamatórias, entre outras condições [212-214]. 49 Figura 18. Exemplos de peptídeos bioativos. a) peptídeo ɑ-helicoidal (PDB: 2MAG); b) peptídeo de folha β (PDB: 1ZMQ); c) peptídeo estendido (PDB: 1G8C); d) A mistura de peptídeos α-helicoidal e folha β (PDB: 1MM0); e) Mistura de α-helicoidal e peptídeo estendido (PDB: 5ID5). f) Mistura de folha β e peptídeo estendido (PDB: 5X04) Fonte: (CHEN, 2023) É importante ressaltar que a pesquisa em peptídeos bioativos está em constante evolução. Novos avanços na tecnologia de síntese, caracterização e estudos clínicos estão impulsionando a descoberta de novos peptídeos com potencial terapêutico e melhorando nossa compreensão de como essas moléculas interagem com o organismo. Além disso, a combinação de peptídeos bioativos com outras terapias, como fármacos convencionais ou terapias genéticas, abre novas possibilidades para abordagens terapêuticas combinadas e personalizadas [215]. Os peptídeos bioativos também desempenham um papel importante na área da nutrição e alimentação. Eles podem ser encontrados naturalmente em alimentos, como carne, peixe, leite e leguminosas, e são conhecidos por seus efeitos benéficos à saúde. Alguns peptídeos bioativos presentes em alimentos foram identificados como tendo propriedades antioxidantes, anti-hipertensivas, anti-inflamatórias e imunomoduladoras. Esses peptídeos podem ajudar a melhorar a saúde cardiovascular, fortalecer o sistema imunológico, regular a pressão arterial e promover o bem-estar geral. Portanto, a incorporação de alimentos ricos em peptídeos bioativos na dieta pode contribuir para uma alimentação saudável e prevenção de doenças [216,217]. 50 Outra aplicação em destaque dos peptídeos bioativos é na indústria cosmética e de cuidados com a pele. Devido às suas propriedades regenerativas, hidratantes e antioxidantes, os peptídeos têm sido amplamente utilizados em produtos de cuidados com a pele e cosméticos. Eles podem ajudar a estimular a produção de colágeno, melhorar a elasticidade da pele, reduzir rugas e linhas finas, e proteger contra danos causados por radicais livres. Além disso, os peptídeos bioativos podem ajudar a acelerar a cicatrização de feridas e promover a regeneração tecidual, tornando-os valiosos na indústria de produtos para cuidados com a pele [218,219]. No campo da medicina regenerativa, os peptídeos bioativos têm um potencial significativo. Eles podem ser usados para estimular o crescimento e a diferenciação de células-tronco, promovendo a regeneração de tecidos danificados ou perdidos devido a lesões ou doenças. Além disso, os peptídeos podem ser projetados para fornecer suporte estrutural temporário, auxiliando na reparação de tecidos e órgãos. Essas aplicações têm implicações importantes para o desenvolvimento de terapias regenerativas inovadoras, com o potencial de revolucionar o tratamento de condições como lesões na medula espinhal, doenças cardíacas e degeneração articular [220]. 1.5. Antivirais Antivirais são medicamentos projetados para inibir ou suprimir a replicação e propagação de vírus dentro do corpo humano ou animal. Eles são utilizados para prevenir a disseminação de infecções virais, aliviar os sintomas das doenças causadas por estes agentes e reduzir a gravidade das complicações associadas a essas infecções. Existem diversos tipos de antivirais, cada um com um mecanismo de ação específico, voltado para interferir em etapas distintas do ciclo de vida viral [221,222]. Uma classe comum de antivirais são os inibidores de enzimas virais, que atuam bloqueando as atividades enzimáticas essenciais para a replicação do vírus. Por exemplo, inibidores de protease, transcriptase reversa e integrase são usados no tratamento do HIV. Além disso, certos antivirais impedem a entrada do vírus nas células hospedeiras, bloqueando interações entre o vírus e os receptores celulares [223,224]. 51 Outra estratégia inclui antivirais que estimulam o sistema imunológico a combater a infecção. Embora não ataquem diretamente o vírus, esses medicamentos podem aumentar a resposta do sistema imune e ajudar na eliminação do vírus. Além disso, antivirais que se assemelham a blocos de construção de DNA ou RNA enganam as enzimas virais, levando a erros durante a replicação do material genético do vírus. Isso é frequentemente usado no tratamento de infecções por herpes, HIV e hepatite B [225]. Outro desenvolvimento importante são os antivirais de amplo espectro, que possuem eficácia contra diversos tipos de vírus. Um exemplo é o Remdesivir, que mostrou atividade contra vários vírus de RNA, incluindo o vírus SARS-CoV-2 responsável pela COVID-19 [226]. 1.6. Cálculos de estrutura eletrônica e estudos de peptídeos bioativos Os cálculos de estrutura eletrônica desempenham um papel fundamental na compreensão e caracterização dos peptídeos bioativos. Essas técnicas computacionais avançadas permitem investigar as propriedades eletrônicas e estruturais dos peptídeos em nível molecular, fornecendo informações valiosas sobre suas interações químicas, conformações tridimensionais e atividades biológicas. O estudo da estrutura eletrônica dos peptídeos bioativos é essencial para a compreensão dos mecanismos de ação dessas moléculas e para o desenvolvimento de novos fármacos e terapias baseadas em peptídeos [227,228]. Os cálculos de estrutura eletrônica são realizados por meio de métodos teóricos envolvendo a solução da equação de Schroedinger e conceitos de química quântica. Neste contexto, distintos níveis de aproximação são empregados levando a diferentes abordagens, dentre as quais merece destaque a teoria do funcional da densidade (DFT). Essas abordagens permitem modelar as interações entre os átomos dos peptídeos, calcular a energia eletrônica e prever propriedades como a carga, a polaridade e a reatividade. Com essas informações, pode-se obter insights relevantes acerca da estabilidade estrutural dos compostos, identificar sítios de ligação com outros componentes celulares e explorar as relações estrutura-atividade [229,230]. 52 Ao estudar a estrutura eletrônica dos peptídeos bioativos, os pesquisadores podem analisar a estabilidade conformacional destes compostos em diferentes ambientes, como solução aquosa ou membranas celulares. Essa análise pode revelar informações cruciais sobre a estrutura tridimensional dos peptídeos e suas conformações preferenciais, o que é essencial para entender como eles interagem com os seus alvos biológicos. Além disso, os cálculos de estrutura eletrônica podem ajudar a prever propriedades físico-químicas dos peptídeos, como solubilidade, permeabilidade celular e meia-vida no organismo [231]. A compreensão da estrutura eletrônica dos peptídeos bioativos também é essencial para o design racional de peptídeos modificados ou análogos. Os cálculos podem auxiliar na identificação de grupos funcionais específicos que afetam a atividade biológica dos peptídeos, permitindo a otimização da atividade e a redução de efeitos colaterais indesejados. Além disso, a modelagem de interações peptídeo-receptor pode ser usada para prever e avaliar a afinidade e a seletividade de peptídeos por seus alvos biológicos, auxiliando no desenvolvimento de fármacos mais eficazes e específicos [232,233]. Os avanços na capacidade computacional e nas técnicas de cálculo têm impulsionado o uso dos cálculos de estrutura eletrônica no estudo de peptídeos bioativos. A combinação de abordagens teóricas com experimentos laboratoriais permite uma compreensão abrangente das propriedades estruturais e funcionais dessas moléculas complexas. À medida que as técnicas de cálculo continuam a evoluir, espera-se que elas contribuam para a descoberta de novos peptídeos bioativos, o design de terapias mais eficientes e a compreensão aprofundada de suas interações com sistemas biológicos [234,235]. 53 2. Objetivos 2.1. Objetivos gerais O principal objetivo do presente trabalho é avaliar dados de estrutura eletrônica e reatividade de fármacos e peptídeos com potencial aplicação como antivirais. 2.2. Objetivos específicos O presente estudo é composto de diferentes etapas, as quais possuem os seguintes objetivos específicos: ● Análise comparativa de dureza química de compostos com sítios de docking de estruturas virais para o desenvolvimento de peptídeos bioativos e fármacos. ● Análise de mapas doador-aceitador visando averiguar a capacidade das moléculas estudadas em doar e receber elétrons. ● Análise de orbitais de fronteira de aminoácidos: Analisar os orbitais de fronteiras dos aminoácidos para entender os mecanismos de ação de reatividades em cadeias peptídicas. ● Proposição de sequências peptídicas: Propor sequências hipotéticas de peptídeos para entender os mecanismos que influenciam as reatividades nesses compostos. ● Estudo de reatividades de peptídeos: Averiguar as reatividades dos peptídeos propostos. Observar e entender em qual(is) aminoácido(s) se localizam as regiões reativas. 54 3. Materiais e Metodologia 3.1. Materiais Buscou-se avaliar neste trabalho três sistemas de interesse, sumarizados na Tabela 1: i) antivirais típicos, como o Remdesivir e Favipiravir, também utilizados no tratamento da COVID-19 [236], e suas similaridades químicas com bases nitrogenadas contidas no RNA: adenina, citosina, guanina e uracila; ii) propriedades eletrônicas e dados de reatividade de aminoácidos essenciais: Arginina (R ou Arg), Asparagina (N ou Ang), Ácido Aspártico (D ou Asp), Alanina (A ou Ala), Fenilalanina (F ou Phe), Cisteína (C ou Cys), Glutamina (Q ou Gln), Histidina (H ou His), Lisina (K ou Lys), Tirosina (Y ou Tyr), Ácido Glutâmico (E ou Glu), Isoleucina (I ou Ile), Metionina (M ou Met), Treonina (T ou Thr), Glicina (G ou Gly), Leucina (L ou Leu), Prolina (P ou Pro), Serina (S ou Ser), Triptofano (W ou Trp) e Valina (V ou Val) e sequências peptídicas curtas; Tais estruturas foram calculadas no formato zwitteriônico, já que essa forma confere aos aminoácidos uma alta solubilidade em água devido à presença de grupos carregados positiva e negativamente, que interagem com as moléculas de água por meio de ligações de hidrogênio e forças eletrostáticas. iii) propriedades eletrônicas e dados de reatividade de peptídeos experimentalmente avaliados por grupos parceiros. Tabela 1. Materiais avaliados Grupo Composto Fórmula Molecular ou Sequência Antivirais Favipiravir C5H4FN3O2 Remdesivir C27H35N6O8P Bases nitrogenadas Adenina C5H5N5 Citosina C4H5N3O Guanina C5H5N5O Uracila C4H4N2O2 Aminoácidos RL = R, N, D, A, F, C, Q, H, K, NH2-CH-RL-COOH ou NH3 +-CH-RL-COO- 55 essenciais Y, E, I, M, T, G, L, P, S, W, V Sequências Curtas Combinações baseadas em W, G e F FGGGW, GFGGW, GFGWG, GGFGW, GGGFW, GGGWF, GGWFG, GGWGF, GWGFG, GWGGF e WGGGF. Peptídeos bioativos A TWYFITPYIPDK B FLPGILAKGLL-NH2 oPT2 GVFDIIKDAGKQLVAHATGKIAEKV-NH2 oPT4 GVFDIIKGAGKQLIAHAMGKIAEKV-NH2 PLS-H5 FLSLIPHAINAVSAIAKHF-NH2 PLS-H6 FLSLIPTAINAVSALAKHF-NH2 Fonte: Autoria própria Os compostos peptídicos usados totalizam seis: oPT2, oPT4, PLS-H5 e PLS-H6, TWYFITPYIPDK (A) e FLPGILAKGL (B) disponíveis na literatura [237,238]. Foram criados 11 peptídeos hipotéticos para terem suas propriedades de reatividade averiguadas para se propor um modelo de padrão de reatividade: FGGGW, GFGGW, GFGWG, GGFGW, GGGFW, GGGWF, GGWFG, GGWGF, GWGFG, GWGGF e WGGGF. Para estes 11 compostos hipotéticos e também para o composto A , foi adotada a configuração zwitteriônica (NH3 + na terminação N e COO- na terminação C. Já para o restante dos peptídeos, todos estavam amidados na terminação C. 3.2. Otimização das estruturas Em cálculos de estrutura eletrônica é necessário descrever satisfatoriamente as características estruturais, pois as propriedades eletrônicas obtidas dependem parametricamente das posições nucleares consideradas, e também porque essas característica, por si só, muitas vezes permitem compreender/prever fenômenos físicos associados ao sistema de interesse, em especial no caso de peptídeos. Neste sentido, uma varredura da hiper-superfície potencial, associada às diversas conformações que a estrutura em estudo pode apresentar foi inicialmente realizada no estudo de geometria dos peptídeos. Para desenhar as estruturas peptídicas e os aminoácidos, foi utilizado o pacote computacional Discovery Studio 56 [239] e para as moléculas dos fármacos e as bases nitrogenadas o pacote computacional Molden [240]. Dado o tamanho relativo dos peptídeos, a análise conformacional foi realizada de forma amostral, gerando-se diferentes estruturas iniciais para posterior otimização. Para tanto, cálculos de dinâmica molecular (DM) em uma temperatura de 1000K foram empregados com um campo de força AMBER 99 [241], gerando confôrmeros a cada 1ps de simulação. Tal procedimento resultou em 20 estruturas iniciais (confôrmeros) para cada peptídeo para posterior otimização via cálculos de estrutura eletrônica. Para tanto foi empregado o pacote computacional Gabedit [242]. Após a obtenção das estruturas iniciais, pré-otimizações foram realizadas empregando-se uma abordagem Hartree-Fock (HF) e métodos semi-empíricos [243], implementados no pacote computacional MOPAC [244]. Posteriormente as estruturas foram totalmente otimizadas dentro da abordagem da teoria do funcional da densidade (DFT) com funcional de correlação e troca B3LYP e função de base 6-31G(d). Tais cálculos foram feitos com o auxílio do pacote computacional Gaussian 09 [245]. No estudo dos aminoácidos isolados, sequências curtas, fármacos e as bases nitrogenadas, a otimização das geometrias foram feitas de forma direta sem a geração de estruturas aleatórias. 3.3. Estudos de reatividade O estudo de reatividade dos compostos foi realizado por meio da análise de Índices de Fukui Condensados sobre os átomos (IFCA), os quais permitem avaliar quais regiões da molécula são mais propensas à entrada ou retirada de elétrons [246]. De forma geral os IFCA são definidos de acordo com o tipo de reação a ser observada, sendo expressos por: = (N+1) - (N) (1)𝑓 𝐾 + 𝑞 𝐾 𝑞 𝐾 = (N) - (N -1) (2)𝑓 𝐾 − 𝑞 𝐾 𝑞 𝐾 = [ (N+1) - (N-1)] (3)𝑓 𝐾 0 1 2 𝑞 𝐾 𝑞 𝐾 57 sendo M o sistema em estudo, (N+1), (N) e (N-1) representam, respectivamente,𝑞 𝐾 𝑞 𝐾 𝑞 𝐾 as populações eletrônicas sobre o k-ésimo átomo das espécies M-, M e M+. Os índices , e são empregados para a análise de reações envolvendo𝑓 𝐾 + 𝑓 𝐾 − 𝑓 𝐾 0 agentes externos nucleofílicos, eletrofílicos ou radicais livres sobre o k-ésimo átomo de da molécula M, respectivamente. Os IFCA foram estimados para todas as estruturas estudadas, através de uma abordagem DFT/B3LYP/6-31G(d), empregados na otimização de geometria. Empregou-se o método de partição de carga de Hirshfeld para se estimar as populações eletrônicas, visando evitar valores negativos dos IFCA [247]. 3.4. Maciez Química A maciez química é um conceito importante na química teórica e computacional, que descreve a resposta de uma molécula ou átomo a uma mudança infinitesimal em seu potencial de energia ou carga. Ela está relacionada à dureza química, que é a resistência de um sistema a uma mudança na sua densidade eletrônica. A maciez química global e local são duas abordagens para medir essa propriedade [248]. A maciez química global indica a capacidade geral de uma molécula de se adaptar a mudanças na densidade eletrônica. Moléculas com maior maciez são mais reativas, uma vez que são mais propensas a doar ou receber elétrons para atingir um estado de menor energia. A maciez química local revela a reatividade relativa dos átomos em uma molécula. Átomos com maior maciez são aqueles que mais prontamente participarão de reações químicas, uma vez que são mais dispostos a mudar sua densidade eletrônica [249]. A maciez química global pode ser estimada por meio da Equação 4 [250]: S = (4) 1 𝑃𝐼−𝐴𝐸 onde PI representa valores de energia de ionização e AE a afinidade eletrônica, estimados por: PI = E(N-1) - E(N) (5) 58 AE = E(N) - E(N+1) (6) sendo que E(N) representa a energia total do sistema com N elétrons, obtida através do funcional e da base adotados nos cálculos de otimização de geometria. Para a obtenção da maciez química local, usa-se a maciez química global multiplicada pelos índices de Fukui: = S. (7)𝑠 𝑘 𝑛 𝑓 𝑘 𝑛 para n = (+), (-) ou (0). 3.5. Mapa doador-aceitador (DAM) Com o intuito de averiguar a capacidade de doação e aceitação de elétrons dos compostos avaliados, mapas doador-aceitador foram confeccionados. Tal representação bidimensional é obtida levando-se em consideração os índices de aceitação (Ra) e doação (Rd) de elétrons dos sistemas estudados. A bioatividade de compostos está muitas vezes associada à capacidade de transferência de carga (doação ou aceitação) com agentes externos, levando, por exemplo, à inativação e/ou formação de complexos, protegendo o organismo da ação deletéria destes agentes. Por exemplo, a atividade antioxidante de compostos pode ser compreendida por meio da análise da propensão destes compostos em doarem ou receberem elétrons de agentes externos diversos. Em termos de estrutura eletrônica, tal propriedade pode ser avaliada através das seguintes das potências eletrodoadoras (ω-) e eletroaceitadoras (ω+) destes materiais, as quais podem ser estimadas por [251]: = (8)ω− (3𝑃𝐼+𝐴𝐸)2 16(𝑃𝐼−𝐴𝐸) = (9)ω+ (𝑃𝐼+3𝐴𝐸)2 16(𝑃𝐼−𝐴𝐸) onde PI representa valores de energia de ionização e AE a afinidade eletrônica. A capacidade eletroaceitadora e eletrodoadora dos compostos podem ser expressas através dos índices Ra (aceitador) e Rd (doador). Estes são calculados 59 através da comparação com os índices dos átomos de Flúor (F) e Sódio (Na) através das seguintes equações : = (10)𝑅 𝑎 ω 𝐿 + ω 𝐹 + = (11)𝑅 𝑑 ω 𝐿 − ω 𝑁𝑎 − Tipicamente são empregados os valores de = 3,46 e = 3,40 [251]. A Figuraω 𝑁𝑎 − ω 𝐹 + 19 ilustra como o DAM pode ser utilizado na análise comparativa entre as capacidades aceitadora/doadora de elétrons e da atividade antioxidante dos compostos. Figura 19. Exemplificação de uma análise comparativa por DAM e classificação dos sistemas com base nos valores relativos obtidos Fonte: Autoria própria 60 4. Resultados 4.1. Antivirais Remdesivir e Favipiravir são análogos de nucleotídeos com amplo espectro de atividades antivirais contra vários vírus de RNA, incluindo SARS-CoV-2 [252,253]. Estudos recentes indicam que o mecanismo de inibição de tais compostos está associado a efeitos de terminação de cadeia retardada devido à sua incorporação na sequência de RNA, o que é semelhante aos relatados para o vírus Ebola e síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) [254]. Nesse sentido, é essencial investigar a similaridade química de tais compostos em relação aos nucleotídeos naturais: Adenina (A), Citosina (C), Guanina (G) e Uracila (U) a fim de se identificar características relevantes para sua incorporação efetiva em cadeias de RNA. A Figura 20 ilustra a maciez química global dos antivirais e nucleotídeos. Observe que todos os nucleotídeos apresentam valores numéricos de maciez química muito semelhantes entre si, mais próximos do Remdesivir do que do Favipiravir, indicando que o primeiro