UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CAMPUS DE ILHA SOLTEIRA JANICLEI DE FÁTIMA ARONE AMARAL PRÁTICAS DE PROFESSORAS DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NO ENSINO DAS OPERAÇÕES BÁSICAS COM NÚMEROS NATURAIS Ilha Solteira - SP 2024 JANICLEI DE FÁTIMA ARONE AMARAL PRÁTICAS DE PROFESSORAS DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL NO ENSINO DAS OPERAÇÕES BÁSICAS COM NÚMEROS NATURAIS Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ensino e Processos Formativos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino e Processos Formativos, Interunidades Ilha Solteira – Jaboticabal – São José do Rio Preto, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Ilha Solteira. Orientador: Prof. Dr. Inocêncio Fernandes Balieiro Filho Ilha Solteira - SP 2024 Arone AmaralPráticas de professoras das séries iniciais do ensino fundamental no ensino das operações básicas com números naturaisIlha Solteira2024 98 Sim Dissertação (mestrado)Outros cursosEnsino e Processos FormativosSim . . FICHA CATALOGRÁFICA Desenvolvida pela Diretoria Técnica de Biblioteca e Documentação Amaral, Janiclei de Fátima Arone. Práticas de professoras das séries iniciais do ensino fundamental no ensino das operações básicas com números naturais / Janiclei de Fátima Arone Amaral. -- Ilha Solteira: [s.n.], 2024 81 f. : il. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira. Área de conhecimento: Ensino e Processos Formativos, 2024 Orientador: Inocêncio Fernandes Balieiro Filho Inclui bibliografia 1. Ensino de matemática. 2. Operações. 3. Formação inicial. 4. Formação continuada. 5. Experiência docente. A485p Elaborada por Raiane da Silva Santos - CRB-8/9999 DEDICATÓRIA Aos meus pais, Antonia e Laercio, por sempre acreditarem em mim e por terem abdicado de suas vidas em prol das realizações e da felicidade de seus filhos. AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida e pelas professoras da escola em que trabalho. Elas que foram essenciais para o desenvolvimento de minha pesquisa. Ao Prof. Inocêncio, pela orientação, competência, profissionalismo e dedicação tão importantes. Obrigada por acreditar em mim e pelas devolutivas pontuais. Tenho consciência que não chegaria neste ponto sem o seu apoio. Você foi e está sendo muito mais que orientador para mim e será sempre mestre e amigo. Aos membros da banca examinadora, Prof. Dr. Thiago Donda Rodrigues e Prof. Dr. Ernandes Rocha de Oliveira, que tão gentilmente aceitaram participar e colaborar com esta dissertação. Agradeço ainda pelas discussões e análises de minha dissertação. Todos os comentários foram importantíssimos. “É de fundamental importância que os profissionais envolvidos com a formação de professores compreendam a docência cada vez mais como um processo complexo, marcado por diferentes momentos.” (Maévi Anabel Nono) RESUMO Quando nos referimos aos professores que ensinam Matemática nos anos iniciais, estamos considerando, quase sempre, professores formados no Curso de Pedagogia e que ministram aulas, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, que envolvem conteúdos do conhecimento matemático. A formação inicial dos pedagogos, muitas vezes, não contempla os saberes necessários para que os professores possam ministrar as aulas de Matemática. Diante desse panorama, os saberes experienciais, que segundo Tardif (2002) são produzidos pelos docentes por meio da vivência de situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações estabelecidas com alunos e colegas de profissão, assumem relevância ao buscarmos compreender as práticas docentes. Com essa perspectiva, a presente pesquisa tem como objetivo estabelecer uma discussão sobre as práticas das docentes das séries iniciais do Ensino Fundamental no processo de ensino e aprendizagem das operações fundamentais com números naturais. A pesquisa segue uma abordagem qualitativa. A coleta de dados foi realizada por meio de observação em espaços de trabalho coletivo, um questionário respondido por 11 professoras e que teve como objetivo compreender a aprendizagem dos professores e a sua relação com a Matemática, tanto em sua vivência como discente, quanto em sua docência em sala de aula, e entrevistas do tipo semiestruturado com três professoras. Os resultados obtidos indicam que a maioria das docentes tem a percepção de que a sua formação inicial não foi suficiente para suprir as demandas diárias em sala de aula. Há professoras que, em sua formação inicial, não tiveram qualquer carga horária destinada a conteúdos de Matemática e de Metodologia do Ensino de Matemática. A formação continuada e a troca de experiências com outros docentes tiveram impacto significativo no desenvolvimento profissional das professoras. Em sua prática, as professoras fazem uso das novas tecnologias, utilizando recursos disponíveis na internet, como jogos, vídeos e sites de ensino. As professoras utilizam materiais concretos como o material dourado para o desenvolvimento da aprendizagem das operações, em especial, da adição e da subtração. No caso da multiplicação e da divisão, nos discursos de algumas professoras ainda é presente a valorização da tabuada decorada. As professoras afirmaram que, ainda que os alunos tenham dificuldades, o cálculo mental é trabalhado nas práticas, apesar de prevalecer uma visão do cálculo mental como aplicação de algoritmos sem usar o registro escrito. As professoras têm autonomia na escolha do material didático adotado, o que as leva a pesquisar e selecionar livros e outros textos para que possam desenvolver os conteúdos previstos no Currículo. Palavras-chave: Ensino de Matemática; operações; formação inicial; formação continuada; experiência docente. ABSTRACT When we talk about teachers who teach mathematics in the early years, we are almost always talking about teachers who have a degree in education and who teach classes with mathematical content in the early years of primary school. The initial training of pedagogues often does not include the knowledge that teachers need to be able to teach mathematics. In this context, experiential knowledge, which according to Tardif (2002) is produced by teachers through the experience of specific situations related to the school space and the relationships established with students and professional colleagues, is relevant when we seek to understand teaching practices. In this sense, the aim of this research is to discuss the practices of teachers in the early years of primary school in the process of teaching and learning basic operations with natural numbers. The research follows a qualitative approach. Data collection was carried out through observation in common workrooms, a questionnaire answered by 11 teachers to understand the teachers' learning and their relationship with mathematics, both in their experience as students and in their teaching in the classroom, and semi- structured interviews with three teachers. The results indicate that the majority of teachers feel that their initial training was not enough to meet the daily demands of the classroom. There are teachers who, in their initial training, did not have any time allocated to Maths content or Maths Teaching Methodology. Ongoing training and the exchange of experiences with other teachers have had a significant impact on their professional development. In their practice, the teachers make use of new technologies, using resources available on the internet, such as games, videos and teaching websites. The teachers use concrete materials such as the golden material to develop the learning of operations, especially addition and subtraction. In the case of multiplication and division, the discourse of some teachers still emphasizes the value of the memorized multiplication table. The teachers said that even if the students have difficulties, mental calculation is practiced. The teachers have autonomy in choosing the teaching materials they use, which leads them to research and select books and other texts so that they can develop the content set out in the curriculum. Keywords: Maths teaching; operations; initial training; continuing training; teaching experience. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 12 2 PRÁTICA DOCENTE E ENSINO DE MATEMÁTICA .................................... 18 2.1 SOBRE O ENSINO DE NÚMEROS E OPERAÇÕES..................................... 18 2.2 SOBRE A PRÁTICA DOCENTE NO ENSINO DE MATEMÁTICA ................. 23 2.3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DAS SÉRIES INICIAIS ............................. 30 3 A PRÁTICA DOCENTE NO ENSINO DE NÚMEROS E OPERAÇÕES ........ 35 3.1 PERCURSO METODOLÓGICO ..................................................................... 35 3.2 SOBRE A ESCOLA ........................................................................................ 37 3.3 DADOS OBTIDOS POR MEIO DO QUESTIONÁRIO ..................................... 44 3.4 ENTREVISTAS ............................................................................................... 52 4 UMA ANÁLISE: BUSCANDO RESPOSTAS PARA AS QUESTÕES DA PESQUISA ..................................................................................................... 61 4.1 QUAIS AS PRÁTICAS ADOTADAS PELOS PROFESSORES DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PARA O ENSINO DAS OPERAÇÕES FUNDAMENTAIS COM NÚMEROS NATURAIS? .......................................... 62 4.2 QUAIS FATORES CONTRIBUEM PARA A CONSTITUIÇÃO DAS PRÁTICAS ADOTADAS PELOS PROFESSORES? ......................................................... 66 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 71 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 74 ANEXO A - PARECER DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA...............77 ANEXO B - MODELO DE QUESTIONÁRIO RESPONDIDO PELOS PROFESSORES..............................................................................................78 ANEXO C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE................................................................................................................80 12 1 INTRODUÇÃO A prática docente é um foco importante das pesquisas em Educação e é debatida com bastante consistência nos últimos anos, já que uma aula significativa requer uma troca dotada de sentido tanto para o professor quanto para o aluno e a prática docente é uma dimensão central desse processo. Com a pandemia da COVID19, ocorreram muitas mudanças no processo de aprender e ensinar: Nunca esteve tão presente o uso das mídias no trabalho docente, indo das aulas oferecidas aos alunos às reuniões que os professores tiveram de participar, tanto com a gestão escolar quanto com os pais. Foi um trabalho intenso que impactou parte significativa dos docentes. Porém, foi um empecilho para muitos alunos do país que não tinham acesso à internet. Alguns professores se mobilizaram para entregar o material trabalhado nas aulas até nas casas dos alunos, muitas vezes, com acesso difícil, tendo de usar até barcos. A escola, muitas vezes, possui um currículo preparatório para o mercado de trabalho, se esquecendo de contribuir para a criatividade do aluno. Essa prática perpassa por todo o Ensino Básico e se estende para os bancos universitários. Sobre o ensino superior, Alencar e Fleith (2004) afirmam que críticas foram feitas por Paulovich (1993), nos Estados Unidos, Tolliver (1985) no Canadá, Cropley (1997) na Alemanha e Castanho (2000) e Rosas (1985), no Brasil, pelas possibilidades limitadas e/ou falta de incentivo à criatividade. Como se vê, alguns pesquisadores de países considerados desenvolvidos compartilham do mesmo ponto de vista de pesquisadores de países em desenvolvimento. Muitas vezes, a escola e a própria universidade tem um conteúdo próprio a ser cumprido, desprezando assim os conhecimentos prévios que os alunos trazem. Levando em consideração a visão de Castanho (2000 apud Alencar; Fleith, 2004), pode-se afirmar que a criatividade parece ser simples, porém existe toda uma complexidade. Desde que a criança nasce ela está em formação e, desse modo, ela chega à escola com conhecimentos que lhe foram apresentados, a partir da vivência que teve com a família, com a sociedade, enfim, com todas as pessoas com quem ela teve contato, mesmo longe dos bancos escolares. A prática docente é entendida como parte dos saberes docentes que são desenvolvidos no exercício da docência e compõem a sua formação profissional. No 13 caso dos professores das séries iniciais, as práticas docentes no processo de ensino e aprendizagem da Matemática estão inseridas em um processo que conta com certas especificidades, ao considerarmos a formação polivalente desses docentes. O pedagogo ministra todas as disciplinas que integram o currículo das séries iniciais e, esse aspecto, demanda que o professor determine prioridades no ensino, em especial, quando nos referimos à aprendizagem da Matemática. A formação inicial dos pedagogos, muitas vezes, não contempla os saberes necessários para que os professores possam ministrar as aulas de Matemática, e a isso se soma às dificuldades dos alunos, que acabam considerando a Matemática como algo “difícil” de ser aprendida (Souza; Nehring, 2024). Diante desse panorama, os saberes experienciais, que segundo Tardif (2002) são produzidos pelos docentes mediante a vivência de situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações estabelecidas com alunos e colegas de profissão, assumem relevância ao buscarmos compreender as práticas docentes, já que tais saberes englobam conhecimentos, habilidades (ou aptidões), competências e atitudes, sendo plurais e heterogêneos, formados de diversos saberes provenientes das instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana. Durante minha formação acadêmica, na graduação em Pedagogia, conheci diversos autores que discutem a prática do professor. Entre eles, destaco Maurice Tardif, que muito me inspirou na realização da presente pesquisa. Os estudos obtidos na licenciatura em Pedagogia, as leituras diárias de livros e artigos relacionados ao tema e a Pós-Graduação em Psicopedagogia também contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa aqui relatada. Como estudante, tive uma formação bem diversificada. Recordo-me que não quis frequentar a pré-escola, etapa que antecede o 1º ano do Ensino Fundamental. O fato de não querer frequentar essa etapa escolar estava relacionado à imagem da professora, que se apresentou de forma muito enérgica. Lembro que na porta da sala de aula me escondi atrás das pernas da minha mãe. A professora tinha uma voz alta e aparentava ser muito brava, e isso me assustou. A professora falava que se eu não ficasse na escola, eu teria de ir para a roça com a minha mãe. E essa foi a minha escolha: ir para a roça com a minha mãe. Na época, os meus pais trabalhavam em uma grande plantação de café. Era bem divertido, pois o café, quando colhido pelos meus pais e outros trabalhadores, era espalhado na frente de minha casa. Era um trabalho intenso e cansativo para os adultos, porém divertido aos olhos de uma 14 criança. Essas são as boas memórias que tive na infância. Na roça comíamos em latinhas de manteiga: a do meu pai era de 1Kg, a minha mãe de 500g e a minha e a do meu irmão eram de 250 mg. O almoço era bem cedo. Depois, tinha o café da tarde: geralmente, era pão feito pela minha própria mãe. O pão, às vezes, era recheado com doce de abóbora. O ano passou e minha mãe fez uma nova tentativa de me colocar na escola. A professora tinha mudado e a nova era muito boazinha. Assim, quis ficar e gostei. Estudava à tarde. Apesar de a professora ser boazinha, ela teve três atitudes que não gostei e que hoje consigo analisar como marcas negativas deixadas em minha infância. Uma delas foi que uma caneta azul dela tinha sumido e chamou uma psicóloga na sala. A professora dizia que, pelo olhar, ela sabia quem tinha pego sua caneta. Lembro que fiquei com muito medo, pois pensava: “e se ela falar no ouvido da professora que fui eu, sem eu ter culpa alguma?”. Outro fato foi que ela sempre mostrava para os alunos da tarde os “trabalhinhos” pintados da manhã e dizia “olha como as crianças da manhã são caprichosas”. Assim, me cobrava muito, querendo pintar muito bem para agradar a professora. O último fato, e o pior, foi que ela sempre pedia para um aluno muito agressivo sentar comigo, pois eu era uma aluna calma. Ele tinha um olhar que me causava muito medo. Eu não brincava no balanço por medo dele querer me derrubar. Infelizmente, quando vejo o aluno, hoje um adulto, passa um filme na minha cabeça. Eu cursei o Ensino Fundamental e Médio inteiramente em escola pública e não tive dificuldades, sempre obtendo as notas A e B. O professor de Educação Física me deu um C no ensino médio, pois me recusei a correr sob o sol intenso, já que a quadra espotiva, na época, não era coberta. O Ensino Médio foi realizado de forma tranquila. Eu raramente faltava, gostava bastante das aulas de Biologia, Matemática e Química. No 3º ano do Ensino Fundamental foram sorteadas 3 isenções para o vestibular na UNESP. Eu pedi para a diretora uma isenção e ela disse que já tinha dado para outros 3 alunos. Na época, prestei vestibular na UNESP para Ciências Biológicas, mas não consegui passar, pois eu tinha uma defasagem grande em conhecimentos de Matemática e Física. Como tinha aquela ansiedade em cursar o ensino superior, fui conhecer uma faculdade particular de Votuporanga - SP. Durante o caminho, pensava que o curso escolhido seria Pedagogia, porém, ao chegar a faculdade, optei por um curso mais barato, Administração, já que trabalha em um escritório de uma indústria 15 e ganhava pouco. Minha família ficou surpresa com a mudança. Finalizei o curso com a ideia de fazer um cursinho preparatório para vestibular e, assim, o fiz. Trabalhava na Indústria durante o dia e fazia o cursinho à noite. Entregava na secretaria do cursinho diversas redações feitas por mim para a professora corrigir. E sempre recebia a devolutiva para ver as notas dessas redações. Foi um ano de muito estudo. Aos sábados, estudava de forma intensa. Na época, lembro que fiquei na lista de espera do Curso de Pedagogia da UNESP, porém não fui convocada. Resolvi então estudar sozinha em casa e tentei mais uma vez, sendo aprovada. Foram anos bem exaustivos, pois trabalhava meio período na Indústria, no outro meio período realizava estágio em uma escola de Bálsamo – SP, na Educação Infantil, e viajava a noite para a faculdade. Após ter conseguido o diploma, comecei a dar aulas de substituição em minha cidade, Bálsamo – SP, e no outro meio período trabalhava na Indústria. Na época, a prefeita da cidade me chamou para ser coordenadora de um projeto e, assim, pedi dispensa da indústria de móveis onde trabalhei por quase 10 anos. No projeto, fiquei um ano, pois pedi dispensa para assumir minha primeira sala de aula no período da tarde, uma turma de 5º ano. Era uma sala muito difícil, pois os alunos não se respeitavam, mas com o tempo consegui melhorar as relações entre os alunos da sala. A partir daí, fui prestando os processos seletivos da escola e, todo ano, assumia uma sala. Depois, prestei o concurso para docente da Secretaria de Educação de São José do Rio Preto – SP e fui chamada. Estou lá há 5 anos. Em minha cidade, também fui chamada, porém pedi dispensa. O prefeito pediu para eu ficar para assumir a coordenação da escola de Bálsamo – SP, mas não achei viável, já que as formações e o plano de carreira de São José do Rio Preto – SP eram bem mais interessantes. A partir do momento que consegui meu primeiro diploma de graduação, fiz diversos cursos na área da Educação. Cursei as seguintes especializações: Psicopedagogia no Processo Ensino Aprendizagem, Educação Inclusiva, Ensino de Matemática, Educação Infantil Neurociência e Aprendizagem, Gestão Pública do Programa Nacional de Administração Pública (PNAP), Psicopedagogia Clínica e Institucional: Educação e Saúde, Mídias na Educação, Bullying, Violência, Preconceito e Discriminação na Escola. Além de Pedagogia, fiz outras graduações: Administração Pública, Matemática e Educação Especial. Atualmente, curso letras, estando no 4º período. Como moro perto de uma escola, aproveito a oportunidade para realizar outras graduações e especializações, já que essa escola é polo da UFSCAR (Universidade 16 Federal de São Carlos) e da UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), com as quais a prefeitura de Bálsamo fez parcerias. A conclusão do curso de especialização Psicopedagogia Clínica e Institucional: Educação e Saúde me permitiu abrir uma Clínica de Psicopedagogia na cidade de Bálsamo-SP, juntamente com outra professora. O CAP (Centro de Atendimento Psicopedagógico) já tem quase 7 anos e é um local em que atendemos crianças do espectro autista, TOD (Transtorno Desafiador Opositor) e outras deficiências, realizando acompanhamento para alfabetização e aprendizagem de conteúdos matemáticos. Com o trabalho que tenho desenvolvido na Escola e na Clínica, me interessei pelo Mestrado em Ensino e Processos Formativos, na linha de pesquisa em Educação Matemática, pois, com a minha vivência diária na sala de aula, percebi que essa disciplina e seu ensino necessitavam de mais reflexões da minha parte. Cursei, como aluna especial, as disciplinas Processos Formativos, Infância e Adolescência e Tendências em Educação Matemática, e pude perceber que o Programa e a linha pela qual me interessei poderiam contribuir para mudanças nas minhas aulas e para o meu desenvovimento profissional. Assim, considerando o panorama exposto, o objetivo da pesquisa aqui relatada foi estabelecer uma discussão sobre as práticas docentes das séries iniciais do Ensino Fundamental no processo de ensino e aprendizagem das operações fundamentais com números naturais. Para isso, tivemos as seguintes questões diretrizes: 1. Quais as práticas adotadas pelas professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental para o ensino das operações fundamentais com números naturais? 2. Quais fatores contribuem para a constituição das práticas adotadas pelas professoras? A pesquisa segue uma abordagem qualitativa, com produção de dados realizada por meio de análise do Projeto Pedagógico da Escola, observação em espaços de trabalho coletivos, questionário respondido por 11 professoras da escola e entrevistas semiestruturadas realizadas com três docentes. Os dados obtidos foram analisados por meio da análise qualitativa seguindo as etapas propostas por Yin (2016). O presente estudo está organizado da seguinte maneira: a presente https://www.ibilce.unesp.br/Home/Pos-Graduacao475/ensinoeprocessosformativos5360/z_proc_form_inf.pdf https://www.ibilce.unesp.br/Home/Pos-Graduacao475/ensinoeprocessosformativos5360/z_proc_form_inf.pdf https://www.ibilce.unesp.br/Home/Pos-Graduacao475/ensinoeprocessosformativos5360/z_tend_ed_mat.pdf 17 Introdução que narra a trajetória da pesquisadora, as motivações para a realização do Mestrado e para o desenvolvimento da pesquisa, o objetivo e as questões da pesquisa e a organização da dissertação. O segundo capítulo apresenta uma discussão da prática docente e o ensino de Matemática. Para isso, iniciamos o capítulo com uma discussão sobre o tratamento dado ao ensino de números e operações nas séries iniciais do Ensino Fundamental na Base Nacional Comum Curricular, nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática e no Currículo Paulista. Em seguida, foi estabelecida uma revisão dos significados e características da prática docente, abordando as diferenças e convergências entre alguns autores. Também trazemos algumas pesquisas que tratam da prática docente no ensino de Matemática e apresentamos o nosso entendimento sobre prática docente e o qual é adotado na presente pesquisa. Por fim, é feita uma discussão sobre a formação inicial do professor que ensina Matemática. No terceiro capítulo é apresentado o percurso metodológico adotado e os dados obtidos. Por fim, no quarto capítulo é apresentada uma análise qualitativa dos dados obtidos, buscando discutir as questões propostas. Encerramos o texto com as Considerações Finais. 18 2 PRÁTICA DOCENTE E ENSINO DE MATEMÁTICA 2.1 SOBRE O ENSINO DE NÚMEROS E OPERAÇÕES Números e operações são um dos blocos centrais de conteúdos de Matemática apontados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997). Os conteúdos agrupados nessa dimensão permeiam todas as séries da educação básica e tem início com o estudo dos números naturais já no primeiro ano do Ensino Fundamental. No documento, dentre os onze objetivos elencados para o ensino de Matemática no primeiro ciclo do Ensino Fundamental (primeiro e segundo ano), quase metade deles está diretamente relacionado aos conteúdos de Números Naturais e Operações. • Construir o significado do número natural a partir de seus diferentes usos no contexto social, explorando situações-problema que envolvam contagens, medidas e códigos numéricos. • Interpretar e produzir escritas numéricas, levantando hipóteses sobre elas, com base na observação de regularidades, utilizando-se da linguagem oral, de registros informais e da linguagem matemática. • Resolver situações-problema e construir, a partir delas, os significados das operações fundamentais, buscando reconhecer que uma mesma operação está relacionada a problemas diferentes e um mesmo problema pode ser resolvido pelo uso de diferentes operações. • Desenvolver procedimentos de cálculo — mental, escrito, exato, aproximado — pela observação de regularidades e de propriedades das operações e pela antecipação e verificação de resultados. • Refletir sobre a grandeza numérica, utilizando a calculadora como instrumento para produzir e analisar escritas (Brasil, 1997, p.47). Ainda nesse documento são sugeridas abordagens metodológicas para o ensino dos números naturais e suas operações. Sugere-se, em especial, considerar o conhecimento prévio dos alunos que engloba, por exemplo, o conhecimento de números de telefones, preços de produtos, idade, calendário, entre outros. Considerar o conhecimento dos alunos permite que os conteúdos de Matemática possam ser explorados de forma significativa e crítica pelos alunos. Entretanto, o aspecto de agrupamento decimal do sistema de numeração, por exemplo, não é um aspecto conhecido pelos alunos. Nesse caso, sugere-se o uso da História da Matemática para tratar da história da numeração e o uso de ábacos e calculadoras. Já na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2017), a área da Matemática não se resume apenas à quantificação de fenômenos determinísticos – 19 contagem, medição de objetos, grandezas – e às técnicas de cálculo com os números e com as grandezas. A ideia central do documento é que o ensino de Matemática promova um debate para a formação de cidadãos críticos, cientes de suas responsabilidades sociais. Para o desenvolvimento do pensamento matemático, a BNCC (Brasil, 2017), por meio da revisão de recentes documentos curriculares brasileiros, leva em consideração diferentes campos que compõem a Matemática: equivalência, ordem, proporcionalidade, interdependência, representação, variação e aproximação. Segundo o documento, por meio desses campos os alunos poderão perceber a sua própria vivência no mundo, como, por exemplo, com a construção de gráficos para entender uma pesquisa política ou com uma ida ao mercado em que se tem a troca do produto por um valor monetário. Na BNCC (Brasil, 2017) encontramos expresso um compromisso com o desenvolvimento do letramento matemático no Ensino Fundamental. Esse letramento é entendido como um conjunto de competências e habilidades que envolvem raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas. De acordo com as ideias presentes do documento, o letramento matemático favorece no aluno o desenvolvimento de uma compreensão global do mundo que o cerca e consequentemente o desenvolvimento de seu raciocínio lógico e crítico. Assim, o letramento matemático sugere uma interpretação da Matemática em uma variedade de contextos, pois ela está intimamente relacionada à vivência diária dos alunos. A BNCC (Brasil, 2017) divide o conhecimento matemático em cinco unidades temáticas a serem desenvolvidas no decorrer do Ensino Fundamental: Números, Álgebra, Geometria, Grandezas e Medidas, Probabilidade e Estatística. Na unidade Número, propõe-se que as atividades trabalhadas em sala de aula promovam o desenvolvimento do pensamento numérico, para que o aluno seja capaz de quantificar objetos, entender a ideia de aproximação, de proporcionalidade, e de equivalência e ordem. Também é esperado que os alunos sejam capazes de resolver situações-problema que lhe sejam apresentadas envolvendo as operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão) e sejam capazes de pensar em estratégias de cálculos para a resolução de problemas. O cálculo mental e a 20 utilização da calculadora, segundo o que preconiza o documento, devem ser inseridos para a intensificação do processo de aprendizagem. Em acordo com a BNCC (Brasil, 2017), os alunos precisam desenvolver habilidades de leitura, escrita e ordenação de números naturais e números racionais por meio da identificação e compreensão de características do sistema de numeração decimal, sobretudo o valor posicional dos algarismos, salientando que só os números naturais não são suficientes para a obtenção do conhecimento numérico, daí a necessidade da apresentação números racionais tanto na representação decimal quanto na fracionária. É válido lembrar que a unidade temática números não envolve apenas o desenvolvimento dos objetos de conhecimentos e habilidades elencadas acima, mas essa unidade perpassa pelas outras unidades temáticas. Na BNCC (Brasil, 2017), o cálculo mental permeia diferentes áreas da Matemática e deve ser integrado a vários contextos, permitindo que os professores considerem e discutam as estratégias pessoais dos alunos. O documento destaca o cálculo mental como uma modalidade de cálculo que, semelhante ao cálculo escrito, deve fazer parte do repertório estratégico dos alunos, indicando avanços na compreensão do cálculo mental ao longo do tempo. Desse modo, o cálculo mental é uma prática valiosa em todo o Ensino Fundamental, com potencial para o aprimoramento de habilidades matemáticas e de resolução de problemas. O cálculo mental permite aos alunos resolver problemas de uma forma flexível com base em relações e características numéricas conhecidas, permitindo que eles escolham estratégias com base em sua compreensão dos conceitos matemáticos (Oliveira, 2020). Desse modo, uma prática docente que promove um trabalho que explore o cálculo mental possibilita aos alunos desenvolver habilidades matemáticas que permitem a avaliação e seleção de métodos de resolução de problemas. Além disso, como enfatiza Oliveira (2020), o cálculo mental melhora a atenção, a concentração, a memória e a familiaridade com os números. A distinção entre cálculo mental e procedimentos algorítmicos não está na presença de registros escritos, mas na natureza das entidades e ações matemáticas, enfatizando a importância da documentação escrita para compreender e validar os processos de raciocínio. Oliveira (2020), em seu estudo sobre a compreensão dos professores sobre cálculo mental, destaca que os professores acreditam que o cálculo mental não deve ser tratado como um conteúdo isolado no currículo escolar, mas deve ser integrado a 21 outros tópicos matemáticos para aprimorar a compreensão e as habilidades de resolução de problemas dos alunos. Além disso, no estudo, os professores enfatizam a importância do cálculo mental no desenvolvimento das habilidades dos alunos de escolher estratégias de resolução de problemas com base em sua compreensão de conceitos matemáticos e sua aplicação em novas situações. Os professores reconhecem que o cálculo mental promove a agilidade na execução de procedimentos matemáticos, pois a familiaridade com números e propriedades numéricas permite que os alunos lidem com números com confiança e desenvolvam habilidades como velocidade e precisão. O ensino de números naturais e suas operações, assim como o ensino de qualquer conteúdo, perpassa a prática do professor em sala de aula. Essa prática envolve a ação docente no processo de ensino e aprendizagem. No Currículo Paulista (São Paulo, 2019), os conteúdos abordados no eixo Números têm como objetivo o desenvolvimento do pensamento numérico, isto é, o ensino dos conteúdos de números e operações não deve ser limitar aos conceitos, mas buscar o desenvolvimento da compreensão das operações e do significado de operar com um número para obter outros. No documento paulista também é enfatizado que o trabalho com o Sistema de Numeração Decimal deve explorar os conhecimentos prévios dos alunos, ampliando esse conhecimento, o que permite o reconhecer as funções sociais do número, explorando significados diferentes de um mesmo número em contextos diversos e articulando esses significados com o letramento matemático, contribuindo assim para o desenvolvimento de habilidades de leitura, escrita e ordenação. O Currículo Paulista, em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais e com a Base Nacional Curricular, aponta, por exemplo, o uso da História da Matemática como uma possibilidade para o desenvolvimento de um trabalho significativo em sala de aula, destacando que essa abordagem possibilita que os alunos tenham a compreensão de que a Matemática é uma criação humana que surge mediante as premências em diferentes contextos, culturas e momentos históricos. No Currículo Paulista, do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, está previsto o desenvolvimento dos seguintes objetos de conhecimento: 1º ano – Contagem de rotina. Contagem ascendente e descendente. Reconhecimento de números no contexto diário: indicação de quantidades, indicação de ordem ou 22 indicação de código para a organização de informações. Quantificação de elementos de uma coleção: estimativas, contagem um a um, pareamento ou outros agrupamentos e comparação. Leitura, escrita e comparação de números naturais; Reta numérica. Leitura, escrita e comparação de números naturais (até 100); Reta numérica. Construção de fatos básicos da adição e da subtração. Composição e decomposição de números naturais. Problemas envolvendo diferentes significados da adição e da subtração (juntar, acrescentar, separar, retirar). Noção de multiplicação e divisão. 2º ano – Leitura, escrita, comparação e ordenação de números de até três ordens pela compreensão de características do sistema de numeração decimal (valor posicional e o papel do zero). Composição e decomposição de números naturais (até 1000). Construção de fatos fundamentais da adição e da subtração. Problemas envolvendo diferentes significados da adição e da subtração (juntar, acrescentar, separar, retirar). Noção da multiplicação e divisão. Problemas envolvendo adição de parcelas iguais (multiplicação). Problemas envolvendo significados de dobro, metade, triplo e terça parte. 3º ano – Leitura, escrita, comparação e ordenação de números naturais de quatro ordens. Composição e decomposição de números naturais. Construção de fatos fundamentais da adição, subtração e multiplicação. Reta numérica. Construção de fatos fundamentais da adição, subtração e multiplicação. Procedimentos de cálculo (mental e escrito) com números naturais: adição, subtração e multiplicação. Procedimentos de cálculo (mental e escrito) com números naturais: adição, subtração, multiplicação e divisão. Problemas envolvendo significados da adição e da subtração: juntar, acrescentar, separar, retirar, comparar e completar quantidades. Problemas envolvendo diferentes significados da multiplicação e da divisão: adição de parcelas iguais, configuração retangular, repartição em partes iguais e medida. Significados de metade, terça parte, quarta parte, quinta parte e décima parte. 4º ano – Sistema de numeração decimal: leitura, escrita, comparação e ordenação de números naturais de no mínimo cinco ordens. Sistema de numeração decimal: leitura, escrita, comparação e ordenação de números naturais. Composição e decomposição de um número natural, por meio de adições e multiplicações por múltiplos de 10. 23 Propriedades das operações para o desenvolvimento de diferentes estratégias de cálculo com números naturais, com diferentes significados para adição e subtração. Propriedades das operações para o desenvolvimento de diferentes estratégias de cálculo com números naturais. Propriedades das operações para o desenvolvimento de diferentes estratégias de cálculo com números naturais na resolução de situações- problema. Propriedades das operações para o desenvolvimento de diferentes estratégias de cálculo com números naturais, observando as regularidades das propriedades. Problemas envolvendo diferentes significados da multiplicação e da divisão: adição de parcelas iguais e configuração retangular. Problemas envolvendo diferentes significados da multiplicação e da divisão: combinatória e proporcionalidade. Problemas envolvendo diferentes significados da multiplicação e da divisão: adição de parcelas iguais, configuração retangular, proporcionalidade, repartição equitativa e medida. Problemas de contagem. 5º ano – Sistema de numeração decimal: leitura, escrita e ordenação de números naturais. Problemas de contagem, combinando elementos de uma coleção com todos os elementos de outra coleção. No Currículo Paulista (São Paulo, 2019), em acordo com a BNCC (Brasil, 2017), valoriza-se o cálculo mental, que pode ser explorado com o uso de jogos, e a utilização de ábacos e calculadoras. Ambos os documentos destacam que atividades propostas com o uso desses materiais contribuem para o desenvolvimento da habilidade de resolver problemas, ao permitir a análise de respostas e o estabelecimento de justificativas. 2.2 SOBRE A PRÁTICA DOCENTE NO ENSINO DE MATEMÁTICA Ao buscarmos compreender o significado de prática docente para construirmos um arcabouço teórico que nos auxiliasse no desenvolvimento da presente pesquisa e, em especial, como um filtro para a nossa análise dos dados obtidos, nos deparamos com uma extensa literatura na área de Educação e Educação Matemática sobre o tema. Nessa busca, observamos que há autores que fazem uma diferenciação entre prática docente e prática pedagógica. Ademais observamos que muitos trabalhos que 24 tratam das práticas dos professores de Matemática discutem o trabalho docente em sala de aula relacionado ao processo de ensino e aprendizagem de um conteúdo, podendo envolver a elaboração de um plano de aula, a criação de um material, jogo ou estratégia de ensino, a condução da aula, a avaliação, entre outras ações didáticas no contexto da sala de aula. Entretanto, nesses trabalhos, não se define o que está se denominando prática docente e, em muitos casos, utiliza-se o termo práticas. Apresentamos aqui uma revisão das ideias de alguns autores cânones com destaque na perspectiva apresentada por Maurice Tardif, finalizando com a apresentação do nosso entendimento sobre a prática docente. A escolha em priorizar o pensamento de Tardif deve-se ao seu trabalho com a história do pensamento pedagógico, com foco na evolução e no estado atual da profissão docente, o que torna seus trabalhos uma fonte importante e rica para a compreensão das práticas docentes. Tardif concebe o ensino como uma profissão fundamentada especialmente nas interações humanas, destacando a natureza única das ações dos professores em comparação com outras profissões, fornecendo um aporte teórico singular para analisar as práticas. Para Tardif, o conhecimento prático é parte integrante das práticas docentes, o que implica na ideia de que o conhecimento experiencial dos professores influencia significativamente suas abordagens instrucionais, tornando seu referencial teórico relevante para discutir as práticas dos professores, que é o objetivo da presente pesquisa. Para Zabala (1998), o termo prática educativa se traduz na ideia de ação educativa desenvolvida pelo professor, desde que haja o seu planejamento e aplicação em sala de aula. Já Libâneo (1994) explica que a prática educativa tem o mesmo significado de Educação, podendo ser exercida por professores em contextos escolares e não escolares. Para Zabala (1998), a prática educativa é uma atividade desenvolvida pelo professor no ambiente escolar, ao passo que Libâneo (1994) reconhece que a prática pode ser exercida por professores em ambientes escolares ou não, ou seja, inclui a educação formal nas escolas e a educação informal, por exemplo, em situações cotidianas. Libâneo (1994) denomina de prática docente o conjunto de atividades específicas realizadas pelo professor no processo de ensino. Essas atividades incluem o planejamento de aulas, a interação com os alunos, a apresentação do conteúdo e a avaliação. A prática docente está diretamente relacionada à sala de aula e é visível e tangível. Ela se conecta com a prática pedagógica, que abrange um https://pedagogiaaopedaletra.com/sintese-do-livro-didatica-de-jose-carlos-libaneo/ 25 escopo mais amplo, considerando o contexto educacional, os alunos e outras dimensões da experiência educativa. Portanto, para Libâneo (1994), o conceito de prática educacional inclui tanto a educação formal nas escolas quanto a educação informal em vários ambientes além da sala de aula, apresentando uma visão mais ampla das atividades educacionais. Para esse autor, a prática de ensino envolve atividades específicas dentro do processo de ensino, como planejamento de aulas, interação do aluno, entrega de conteúdo e avaliação, com foco nos aspectos tangíveis do ensino. Já Zabala (1998) limita a prática educacional como diretamente relacionada à sala de aula. Perrenoud (1993) entende a prática pedagógica como o conjunto de atividades, conscientes, realizadas pelo professor em contexto específico, a sala de aula, condicionadas pelo habitus do professor. Pimenta e Lima (2004), por sua vez, consideram a prática pedagógica como o conjunto das atividades materiais orientadas e estruturadas que os docentes realizam no coletivo escolar. Trata-se da efetivação do ensino e da aprendizagem, por parte dos professores e alunos, envolvendo os conteúdos educativos, as habilidades e posturas científicas, sociais, afetivas e humanas. Para Perrenoud (1993), a sala de aula é o ambiente em que se realiza a prática pedagógica. Já Pimenta e Lima (2004) reconhecem que o professor realiza a prática pedagógica dentro do coletivo escolar, ou seja, a prática transcende a sala de aula e abarca todo o ambiente escolar. A prática docente também pode ser entendida como o saber-fazer do professor e que envolve vários significados. Na perspectiva de Tardif (2000), a prática docente pode ser compreendida como o conjunto de saberes profissionais repletos de pluralidade (Tardif, 2000) que emergem na atividade docente. Esse saber-fazer é desenvolvido em sua formação inicial e continuada e na sua experiência prática de ação em sala de aula. Nesse sentido, conforme destaca Cruz (2007), quando nos referimos à prática docente, estamos tratando dos professores que “produzem e utilizam saberes próprios de seu ofício no seu trabalho cotidiano nas escolas” (Cruz, 2007, p. 192). Ainda que a prática pedagógica e a prática docente ou educativa envolvam a ação do professor em sala de aula, há diferenças na conceituação de cada termo. Nessa perspectiva, Franco (2016) explica que, de acordo com Carl (1996 apud Franco, 2016), a prática docente ou educativa é um saber fazer não reflexivo e a https://pedagogiaaopedaletra.com/sintese-do-livro-didatica-de-jose-carlos-libaneo/ 26 prática pedagógica é uma ação reflexiva. Assim, uma aula ou um encontro educativo tornar-se-á uma prática pedagógica quando se organizar em torno de intencionalidades, bem como na construção de práticas que conferem sentido às intencionalidades. Será prática pedagógica quando incorporar a reflexão contínua e coletiva, de forma a assegurar que a intencionalidade proposta é disponibilizada a todos; será pedagógica à medida que buscar a construção de práticas que garantam que os encaminhamentos propostos pelas intencionalidades possam ser realizados. (Franco, 2016). Portanto, a prática pedagógica envolve uma ação consciente e participativa, que é elaborada considerando-se as múltiplas dimensões do processo educacional. Conforme Franco (2016), autores como Carr (1996) e Sacristán (1999) explicitam as diferenças entre a prática docente e a prática pedagógica. Para os autores, a prática docente é composta pelas atividades de planejamento de aulas, o desenvolvimento dos conteúdos, a avaliação, os materiais e abordagens utilizados, as interações em sala de aula e, portanto, ligadas ao que acontece em sala de aula. Já a prática pedagógica é um conjunto amplo de ações, teorias e fundamentos que envolvem a educação, considera o contexto educacional, as circunstâncias da formação e as expectativas dos envolvidos. Portanto, a prática pedagógica é mais abrangente, reconhecendo que a prática docente não existe isoladamente. A prática docente compõe a prática pedagógica, que é mais ampla. Carr (1996) ainda diferencia, conforme Franco (2016), os conceitos de poiesis (saber fazer não reflexivo) e a práxis (ação reflexiva), destacando que a prática docente deve estar fundamentada na prática pedagógica para ter sentido e direção. Desse modo, para Franco (2016), as práticas pedagógicas são aquelas que se realizam considerando propósitos do ensino, numa epistemologia crítico- emancipatória. Nessa perspectiva, as práticas pedagógicas dão suporte para a prática docente, por meio de uma dialética entre os sujeitos envolvidos e os contextos em que esses sujeitos estão inseridos. Para Tardif e Lessard (2014), a prática docente é uma atividade complexa que envolve conhecimentos e habilidades específicas relacionadas à profissão do professor. A prática não se limita a aplicação da teoria, porém envolve uma interação entre sujeitos cujas práticas carregam saberes. Para os autores, a prática docente tem as interações humanas como elemento central e isso implica que as experiências, conhecimentos e subjetividades dos docentes permeiam essa prática, que é uma https://www.scielo.br/j/rbeped/a/m6qBLvmHnCdR7RQjJVsPzTq/ https://www.scielo.br/j/rbeped/a/m6qBLvmHnCdR7RQjJVsPzTq/ https://www.scielo.br/j/rbeped/a/m6qBLvmHnCdR7RQjJVsPzTq/ https://www.scielo.br/j/rbeped/a/m6qBLvmHnCdR7RQjJVsPzTq/ 27 atividade complexa que envolve a aplicação de conhecimentos e habilidades específicas no ambiente escolar, com o objetivo de promover o aprendizado dos alunos. A prática é influenciada por uma gama de fatores, incluindo a formação do professor, as suas experiências e a realidade do ambiente de trabalho. Tardif (2000) aponta que a formação de professores deve ser desenvolvida para refletir a realidade do trabalho dos professores, não podendo se apoiar apenas numa abordagem técnica. Assim, é necessária uma mudança no paradigma de formação de professores, passando de um modelo fundamentado em disciplinas acadêmicas para um modelo centrado nas tarefas e realidades do trabalho docente. Para Tardif e Lessard (2014), os professores ficam fechados em suas salas de aulas e, assim, pouco ou nada participam de ações ou mesmo das decisões que os afetam. Tal situação, denominada por ele de proletarização, é consequência do plano neoliberal na educação. Para Tardif e Lessard (2014), o trabalho docente não deve ser entendido apenas em sua extensão organizacional, mas sim como a estrutura que se instala durante o tempo escolar aos olhos dos próprios docentes. Segundo Tardif (2008), a prática docente envolve a aplicação dos seus saberes docentes na sala de aula, considerando a experiência, a formação e a interação com os alunos. Para o autor, os saberes docentes são classificados em quatro tipos: 1. Saberes da formação profissional que são adquiridos em sua formação inicial, isto é, na instituição de ensino superior e representam os conhecimentos pedagógicos e didáticos relacionados às técnicas e métodos de ensino; 2. Saberes disciplinares que representam os conteúdos específicos desenvolvidos no curso superior; 3. Saberes Curriculares que são os conhecimentos relacionados à forma como as instituições educacionais fazem a gestão dos conhecimentos socialmente produzidos e que devem ser compartilhados com os estudantes; 4. Saberes Experienciais, que são aqueles produzidos pelos docentes por meio da vivência de situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações estabelecidas com alunos e colegas de profissão. Tardif e Lessard (2014) destacam que a experiência docente dará respaldo à prática. A experiência é desenvolvida no local de trabalho, muitas vezes, de forma solitária e tem relação com o mundo, já que os professores partilham experiências comuns no cotidiano escolar. Essa experiência está relacionada com a identidade do professor, e não se refere apenas aos aspectos cognitivos. 28 No caso do ensino de Matemática, nas recentes pesquisas da área, a prática docente refere-se ao conjunto de ações e estratégias utilizadas pelos professores no processo de ensino e aprendizagem dessa disciplina. Essas ações incluem o planejamento de aulas, a seleção de recursos didáticos, a interação com os alunos, a avaliação do progresso e a reflexão sobre a própria atuação. Lima (2020), em seu livro Práticas pedagógicas de professores no ensino de matemática nos anos iniciais do ensino fundamental e a resolução de problemas, aponta que diferentes termos são usados para definir a atividade docente, como prática pedagógica, prática docente, prática educativa ou ação docente. Entretanto, ainda que na literatura possamos encontrar diferenciações entre os conceitos de práticas docentes ou educativas e as práticas pedagógicas, ambas envolvem as ações dos professores em sala de aula para concretizar o processo de ensino e aprendizagem. Essas ações envolvem a escolha de métodos ou abordagens, estratégias de ensino e materiais que permitam o desenvolvimento dos conteúdos que serão trabalhados e a forma que o professor os utiliza e a maior parte das pesquisas sobre a prática docente no ensino de Matemática aborda essa dimensão. Na pesquisa relatada em seu livro, Lima (2020) buscou mapear as práticas pedagógicas dos professores no ensino de Matemática nos primeiros anos do Ensino Fundamental relacionadas ao uso da resolução de problemas. Para isso, a autora utilizou para a coleta de dados a análise de documentos, questionários, observações e entrevistas com professores, com o intuito de identificar várias estratégias e abordagens de ensino empregadas por docentes em sala de aula. Os resultados obtidos mostraram que alguns professores, influenciados por avaliações externas como SAREM (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar Municipal) e SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo), tendem a priorizar os métodos tradicionais de ensino focados em cálculos, em vez de promover uma compreensão mais profunda dos conceitos matemáticos por meio da resolução de problemas. A autora também observou que os professores encontraram dificuldades para auxiliar os alunos na interpretação de problemas matemáticos e orientá-los nos procedimentos para a resolução de problemas, o que indicou que é necessária a realização de cursos e apoio para os docentes para a implementação de abordagens pedagógicas. Lima (2020) evidencia a complexidade envolvida no ensino de Matemática nos anos iniciais e aponta a necessidade de desenvolvimento profissional contínuo, 29 aprimoramentos curriculares e uma mudança para práticas de ensino mais inovadoras e envolventes para os alunos. Outras pesquisas recentes que discutem as práticas docentes dos professores de Matemática englobam discussões que tratam de diferentes dimensões da atividade docente em sala de aula, como, por exemplo, do uso de novas tecnologias como jogos digitais (Miranda, 2022), o uso de resolução de problemas (Mitsuuchi, 2020) e o desenvolvimento profissional dos professores (Izumi, 2021). Miranda (2022) busca identificar as possibilidades de inserir o uso de jogos digitais na prática de professores de Matemática mediante a realização de curso online de formação em serviço para um grupo de professores e, em seguida, discutir as reflexões dos professores sobre o uso de jogos e tecnologias digitais no ensino e aprendizagem de Matemática. O autor afirma que, ainda que a compreensão sobre a prática docente possa variar dependendo do contexto e da abordagem teórica adotada, em geral, a prática docente refere-se às atividades, estratégias e métodos utilizados pelos professores no processo de ensino e aprendizagem. Isso inclui o planejamento de aulas, a seleção de recursos didáticos, a interação com os alunos, a avaliação do progresso e a reflexão sobre a própria prática. A prática docente também está relacionada à formação continuada do professor e à adaptação às necessidades dos estudantes e ao ambiente escolar. Como resultado da sua pesquisa, Miranda (2022) enfatiza que a troca de experiências entre os professores é importante para o seu desenvolvimento profissional, mas que é preciso que os professores tenham vivências de aprendizagem por meio de recursos tecnológicos para que possam mudar suas crenças e práticas. Assim, Miranda (2022) destaca a importância de cursos de formação que permitam ao professor experimentar o uso das novas tecnologias no ensino. Mitsuuchi (2020) analisa de que forma as concepções sobre Resolução de Problemas de uma professora multidisciplinar em formação inicial impactam a sua prática. Os resultados obtidos mostraram que as concepções da professora entrevistada foram construídas por meio das suas experiências na escolarização básica, na sua formação inicial e nas experiências vivenciadas em sala de aula, mas também por experiências informais de ensino. A professora entrevistada apresentou uma concepção utilitária de ensino de Matemática e essa concepção se refletiu em sua prática com a Resolução de Problemas mediante a proposta de problemas 30 próximos aos convencionais que tratassem de situações cotidianas. Izumi (2021) analisou a visão de professores do terceiro ano sobre a possibilidade de aperfeiçoamento das suas práticas no ensino de Matemática após três formações continuadas realizadas pela Secretaria de Educação de uma Rede Municipal de Ensino do interior do estado de São Paulo, em formato online, realizadas em 2020. A autora conclui que as formações contribuíram para a construção de saberes e para o aprimoramento das práticas, em especial, ao considerar as exigências que emergiram no contexto da pandemia, porém enfatiza que a prática docente está inserida em um contexto social e histórico que não é permanente e, portanto, precisa ser reavaliada e reestruturada. Um ponto em comum nas pesquisas citadas acima é que elas discutem a prática docente no ensino de Matemática a partir de propostas ou da realização de intervenções e formações. Assim, Miranda (2022), Mitsuuchi (2020) e Izumi (2021) buscam compreender as mudanças nas práticas após as intervenções realizadas e apontam que as concepções dos professores sobre a Matemática e o ensino de Matemática têm influência em suas práticas, apontando que a formação continuada é relevante para o desenvolvimento profissional do professor. Miranda (2022) e Izume (2021) também destacam o impacto de cursos de formação continuada nas práticas dos professores. Após a revisão realizada, entendemos que a prática do professor envolve a mobilização de saberes pedagógicos e saberes epistemológicos, bem como a aplicação de conhecimentos e habilidades específicas no ambiente escolar, com o objetivo de promover o aprendizado dos alunos. Essa atividade é influenciada por uma variedade de fatores, incluindo a formação do professor, suas experiências e a realidade do ambiente de trabalho. Portanto, na presente pesquisa, ao nos referirmos às práticas das professoras, estamos considerando o trabalho do professor em sala de aula para o ensino de Matemática e que envolve diferentes dimensões, desde o planejamento e organização das aulas até a realização do processo de ensino. 2.3 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DAS SÉRIES INICIAIS Na educação infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, os docentes são predominantemente do sexo feminino e com formação em Pedagogia. De fato, de 31 acordo com os dados do Censo Escolar de 2022 (Brasil, 2023), na educação infantil 96,3% dos professores são do sexo feminino e 78,2% com graduação em Licenciatura em Pedagogia. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, 87,8% dos docentes são do sexo feminino e 84,9% com graduação em Licenciatura. Os docentes da Educação Infantil e das séries iniciais no Ensino Fundamental ministram todas as aulas das disciplinas que compõem o currículo: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Educação Física e Arte, sendo, por isso, chamados professores polivalentes. Nos cursos de Pedagogia, o estudante tem contato com a sala de aula por meio dos estágios obrigatórios que precisam ser feitos para cumprir a matriz curricular e, nesse contexto, uma parte dessa carga horária é para a atuação na disciplina de Matemática. Mello (2001) discute a identidade pedagógica, esvaziada de conteúdos, que se imprimiu aos professores chamados professores polivalentes que atuam nos primeiros anos da Educação Básica. A autora discute os desafios nos cursos de formação desses profissionais em nível médio e superior sugerindo que “sua preparação se reduz a um conhecimento pedagógico abstrato esvaziado do conteúdo a ser ensinado” (Mello, 2001, p. 152). Schlindwein e Cordeiro (2002) constatam que a formação inicial do professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental não tem sido foco das políticas públicas do país o que se reflete nos baixos índices de desempenho dos alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental. Gomes (2002 apud Schlindwein; Cordeiro, 2002) afirma que “a aprendizagem matemática ainda se constitui em um grande problema, tanto para crianças quanto para os professores que estão sendo formados nos cursos de Pedagogia, o que favorece a criação de sujeitos fóbicos e analfabetos matematicamente” (p.363). Da mesma forma, Souza e Nehring (2024) também indicam que a formação inicial de professores, em especial, a dos pedagogos que atuam nos primeiros anos do Ensino Fundamental, não tem sido um foco significativo das políticas públicas no país, o que implica em professores inadequadamente preparados o que afeta a qualidade da educação oferecida aos alunos em seus anos de formação. Para as autoras, a ausência de programas robustos de formação inicial de professores se reflete no baixo desempenho dos alunos nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Quando os professores não estão adequadamente preparados com as habilidades e 32 conhecimentos necessários, isso pode acarretar aos alunos dificuldades de compreensão de conceitos fundamentais, em particular, no caso da Matemática. A pesquisa bibliográfica realizada pelas autoras em seu estudo analisou dissertações e teses de 2017 a 2021, revelando um consenso sobre a importância de uma formação abrangente para pedagogos, enfatizando que programas de formação adequados podem fornecer aos professores acesso a recursos e metodologias inovadoras, que são essenciais para ensinar Matemática. A prática do professor que ensina Matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental necessita de ressignificações, já que o professor polivalente reconhece que a Matemática ensinada para os seus alunos não foi aprendida por ele e o modo como os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental ensinam conteúdos matemáticos é fortemente influenciado pela compreensão que eles têm dos conteúdos que são aprendidos no curso de Pedagogia. A aprendizagem dos conteúdos matemáticos deveria ocorrer no Curso de Pedagogia, mas, muitas vezes, em razão da carga horária reduzida de disciplinas de Matemática e de Metodologia de Ensino de Matemática nos cursos, ou até a inexistência dessas disciplinas, isso não ocorre e os professores aprendem sobre Matemática e ensino de Matemática com outros professores que já estão na rede de ensino há mais tempo, com a prática, ou mesmo com as memórias que têm de quando eram estudantes da Educação Básica. Lüdke (1994) afirma que é preciso repensar o processo de formação inicial do professor da escola básica e as formas de articulação entre conteúdo, pedagogia e prática docente, a partir do papel fundamental da formação específica. Ela diz: já é tempo de se alterar a direção do eixo que vem norteando a licenciatura, fazendo-o centrar-se claramente no lado das áreas específicas. [...] Isso não implica, entretanto, que não haja uma importante contribuição da área pedagógica, cuja continuidade deve ser assegurada, mas numa articulação epistemológica diferente com as outras áreas, não numa simples relação temporal de sucessão. Deve-se partir do conteúdo específico, para trabalhar-se a dimensão pedagógica em íntima relação com ele (Lüdke, 2004, p. 9). A formação inicial dos professores no Brasil enfrenta desafios que se refletem na atuação docente. Gatti (2010) discute o papel das universidades, públicas e privadas, na oferta de cursos de formação de professores, destacando as disparidades e desafios presentes nos programas de formação de professores, como inconsistências nas normas, fragmentação curricular e a necessidade de mais 33 atenção à construção de habilidades e conhecimentos específicos de ensino. A autora aponta que os cursos apresentam desafios relacionados à estrutura e ao conteúdo do currículo, questionando a adequação dos cursos na preparação de futuros educadores para as complexidades da profissão docente. Em relação à Matemática, por exemplo, há uma falta de equilíbrio entre assuntos relacionados a conhecimentos específicos na área e aqueles focados em práticas de ensino. Outro ponto apontado é a ênfase limitada em disciplinas de educação teórica dentro do currículo. A falta de profundidade em disciplinas teóricas como Psicologia Educacional ou Filosofia da Educação, juntamente com o domínio das disciplinas teóricas sobre as práticas, afeta o equilíbrio necessário para uma formação eficaz de professores. De acordo com Gatti (2010), entre 2001 e 2006, houve um aumento significativo no número de cursos de Pedagogia, quase duplicando as ofertas de vagas. No entanto, o crescimento proporcional nas matrículas foi menor, indicando uma discrepância na demanda e na disponibilidade de vagas nos cursos de Pedagogia. Apesar do crescimento dos cursos de Pedagogia, há preocupações com a adequação do currículo na preparação dos futuros professores para os desafios da profissão. O estudo enfatiza a necessidade de uma distribuição mais equilibrada das disciplinas e um foco mais forte nas habilidades práticas de ensino. Os cursos de Pedagogia, em sua maioria, apresentam currículos que não oportunizam aos futuros professores uma formação adequada para o ensino da Matemática. Cunha (2010) conduziu uma pesquisa com o objetivo de investigar como o curso de Pedagogia desenvolve a Educação Matemática de futuros professores dos primeiros anos de escolaridade, considerando que esses profissionais são responsáveis pelo processo de ensino formal dessa disciplina na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Para isso, a autora analisou o Curso de Pedagogia de uma instituição pública do Mato Grosso do Sul. O estudo revelou que a forma como a Matemática está inserida no currículo do Curso de Pedagogia a torna apenas um complemento a ser cumprido. Esse aspecto tem implicações significativas nas práticas de ensino dos graduados, já que se observou que há uma compreensão falha dos conceitos matemáticos entre os graduados, juntamente com a falta de conhecimento metodológico para ensinar Matemática de forma eficaz. A pesquisa de Cunha (2010) destacou um preocupante “círculo vicioso” em que os calouros do curso carecem de uma base sólida em Matemática, levando a uma prática pedagógica, nos primeiros anos do Ensino Fundamental, que não é envolvente 34 ou significativa. Isso reforça a aversão e as dificuldades dos alunos com a Matemática, criando um ciclo desafiador a ser quebrado. Nesse cenário, a autora indica a necessidade de uma abordagem mais abrangente e integrada da Educação Matemática dentro do curso de Pedagogia para preparar melhor os futuros professores para seus papeis na educação de jovens estudantes nos primeiros anos de escolaridade. As fragilidades na formação em Matemática e ensino de Matemática são apontadas em estudos como os de Castro (2018), Jesus (2015) e Silva (2020). A pesquisa de Silva (2020), mais recente, teve como objetivo investigar as pesquisas de programas stricto sensu que abordam a formação matemática em cursos de Pedagogia, no período de 2003 a 2018. A autora utilizou como base de consulta o Catálogo da Capes – teses e dissertações, e o Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD) para selecionar as 52 pesquisas analisadas. Os resultados mostram que as pesquisas selecionadas, apesar de abordarem diferentes problemáticas relacionadas à formação matemática nos cursos de Pedagogia, apresentam em comum as seguintes conclusões: necessidade de mudança nos cursos em relação à formação matemática, formação matemática frágil, carga horária insuficiente, falta de articulação entre a formação matemática do Curso e realidade escolar, insegurança dos alunos dos cursos para exercer a docência. Apesar das mudanças propostas pelas políticas públicas educacionais, a formação matemática nos cursos de Pedagogia parece ainda ser influenciada por um paradigma positivista, se constituindo, em muitos casos, como insuficiente e inadequada. Essas dificuldades parecem impactar a prática docente no ensino de Matemática. Ainda são modestas as propostas de formação inicial que valorizem o desenvolvimento de propostas que articulem teoria e prática que promovam o conhecimento profissional para a atuação em sala de aula. 35 3 A PRÁTICA DOCENTE NO ENSINO DE NÚMEROS E OPERAÇÕES 3.1 PERCURSO METODOLÓGICO A presente pesquisa se insere no tipo qualitativo. Segundo Zanette (2017), a pesquisa qualitativa é uma abordagem que busca compreender o processo pelo qual os entrevistados constroem significados sobre o tema a ser investigado, buscando construir conhecimentos sobre determinado contexto por meio da análise de fenômenos em sua complexidade e pela utilização de métodos como entrevistas individuais ou em grupo para coletar dados. A pesquisa qualitativa é caracterizada, segundo Bogdan e Biklen (1994), pelos seguintes aspectos: a fonte de dados é o ambiente natural em que ocorrem os fatos; a investigação é descritiva; o investigador deve priorizar a compreensão dos processos e não considerar somente os resultados; o investigador deve analisar seus dados de forma indutiva, ou seja, “Não recolhem dados ou provas com o objectivo de confirmar ou infirmar hipóteses construídas previamente; ao invés disso, as abstracções são construídas à medida que os dados particulares que foram recolhidos se vão agrupando” (Bogdan; Biklen, 1994, p. 50); o investigador deve buscar entender as conjecturas que os entrevistados fazem sobre os temas investigados, isto é, deve- se valorizar a perspectiva dos entrevistados. Assim, considerando que temos como objetivo estabelecer uma discussão sobre as práticas dos docentes das séries iniciais do Ensino Fundamental no processo de ensino e aprendizagem das operações fundamentais com números naturais e, para isso, temos como campo de pesquisa a escola em que atuo e as professoras entrevistadas são minhas colegas de trabalho e estamos inseridas num mesmo contexto escolar e temos vivenciado experiências comuns, a adoção da pesquisa qualitativa é a melhor opção metodológica. Os dados foram obtidos por meio de observação em espaços de trabalho coletivos com registro escrito de informações e reflexões, análise do Projeto Político Pedagógico da Escola, respostas dadas por 11 professoras a um questionário e as transcrições das entrevistas semiestrutradas realizadas com quatro professoras. As observações foram feitas nas reuniões de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo 36 (HTPC), que são realizados todas as terças-feiras, com duas horas de duração. O foco da observação foram os comentários das professoras sobre as suas práticas de ensino para o ensino das operações e as influências na escolha dessas práticas. Com a finalidade de investigar e discutir as práticas docentes, ou seja, a atividade docente no ambiente escolar, com o objetivo de promover o aprendizado dos alunos, adotadas pelos professores das séries iniciais do Ensino Fundamental para o ensino das operações com números naturais, inicialmente foi realizada uma revisão teórica sobre a prática docente, prática docente do professor que ensina Matemática e práticas docentes para o ensino de operações com números naturais. Em seguida, foi elaborado um questionário para professoras das séries iniciais de uma escola da rede municipal de uma cidade do interior paulista. A escolha em entrevistar por meio de um questionário as professoras da escola se deve ao fato de a pesquisadora atuar na escola, o que propiciou uma maior proximidade com as professoras e que, posteriormente contribuiu para a realização de entrevistas. A opção por utilizar inicialmente um questionário se deu em razão do número de professoras da escola que pretendíamos entrevistar. Os resultados obtidos mediante o questionário também forneceram um direcionamento para a elaboração de roteiro das entrevistas semiestruturadas que foram realizadas posteriormente. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da UNESP de São José do Rio Preto, conforme Parecer 6.323.741, de 25 de setembro de 2023, Certificado de Apresentação de Apreciação Ética nº 71230923.6.0000.5466. Após aprovação do Comitê de Ética, os questionários foram entregues a 11 professoras da escola. O questionário continha 11 questões que tinham como objetivo compreender a visão das professoras sobre as operações com números naturais e as práticas que eles desenvolvem em sala de aula. A pesquisa foi realizada em uma escola municipal de uma cidade do interior do Estado de São Paulo. De acordo com o site da prefeitura, o município conta com 149 Escolas Municipais e Conveniadas e com 18 locais que complementam o ensino regular, como, por exemplo: educação especial e oficinas, complementação pedagógica e outros complexos. A escola está situada em um bairro que é considerado outra cidade dentro do Município. A conhecida Zona Norte está entre os setores que mais cresceram, 37 segundo o site da prefeitura da cidade. A Zona Norte é o bairro mais populoso da cidade. A escola conta com pouco mais de 700 alunos e atende crianças do 1º ao 5º ano. Na escola existe uma professora de AEE (Atendimento de Educacional Especializado). Considera-se público-alvo do AEE: a) alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. b) alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação. c) alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotora, artes e criatividade. 3.2 SOBRE A ESCOLA A escola em que os docentes que responderam ao questionário atuam, segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP), teve seu prédio construído no ano de 1998 e conta com as seguintes dependências: 12 salas de aula e 24 classes regulares; 01 pátio, onde funciona o refeitório; 01 quadra poliesportiva coberta; 01 campo poliesportivo gramado; 01 parque infantil com grama; 01 secretaria; 01 sala de Preparo de Materiais e Reuniões; 01 sala de coordenação; 01 sala de direção; 01 sala de professores; 01 sala de Apoio Pedagógico e de Educação Física; 01 biblioteca; 01 sala de Informática; 01 sala de Vídeo e Lousa Digital; 01 sala de Recursos Multifuncionais (NAEE); 04 salas para almoxarifado; 02 banheiros de aluno localizados no pátio (1 masculino e 1 feminino com chuveiro); 02 banheiros de aluno localizados na ala esquerda posterior da escola (1 masculino e 1 feminino); 01 banheiro masculino na antiga casa do caseiro; 02 banheiros de aluno localizados na quadra coberta (1 masculino e 1 feminino); 02 banheiros de aluno com necessidades especiais localizados nos banheiros da ala esquerda posterior da escola (1 masculino e 1 feminino); 03 banheiros para professores/funcionários e visitantes localizados ao lado 38 da sala de direção; 01 cozinha com freezer, geladeiras, fogão, prateleiras; 01 despensa para merenda; 01 lavanderia; 01 banheiro feminino na lavanderia com chuveiro. Figura 01 – Fachada da escola (antiga) Fonte: Projeto Político da escola pesquisada Figura 02 – Fachada da escola (atual) Fonte: Projeto Político da escola pesquisada A escola está localizada na Zona Norte de São José do Rio Preto - SP. A Zona Norte é considerada a região mais populosa da cidade. É interessante notar que o PPP da escola traz a fala de alguns moradores e comerciantes do bairro em que a escola está localizada. 39 Um morador lembra que, há 35 anos, a região da escola era formada basicamente de pasto e que os animais soltos chegavam a derrubar as paredes para se coçar. Moradores e comerciantes lembram que a escola foi construída onde antes existia um campinho e que as ruas de acesso à escola eram de terra. Um comerciante lembra que, na época, seu comércio já existia, embora pertencesse a outro dono. Esse comerciante mostra também preocupação com a segurança do prédio, opinando sobre a necessidade de haver um caseiro na escola, aos fins de semana. Figura 04 – Localidades com as divisões em zonas no município de São José do Rio Preto - SP Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola É pertinente mencionar que, para caracterizar o contexto socioeconômico das famílias pertencentes à comunidade, o PPP utilizou informações coletadas por meio de questionários respondidos pelos responsáveis legais dos discentes aplicados no 40 primeiro semestre de 2019. Houve uma boa adesão dos entrevistados para responder ao questionário e, dessa forma, foi possível ter uma amostra significativa para se compreender o contexto socioeconômico das famílias. O questionário abordava diversas dimensões da realidade social e os resultados foram importantes para redefinir o planejamento educacional da escola e as estratégias pedagógicas. Gráfico 01 – Porcentagem de respostas ao questionário de acordo com o ano do aluno Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola Gráfico 02 – Idade do responsável pela criança Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola 41 Gráfico 03 – Cor declarada pelo participante Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola Gráfico 04 – Quantidade de pessoas por residência Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola 42 Gráfico 05 – Quantidade de criança de que é responsável Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola Gráfico 06 – Renda mensal do responsável Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola 43 Gráfico 07 – Escolaridade do responsável Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola Gráfico 08 – Ocupação na maior parte da vida do responsável Fonte: Projeto Político Pedagógico da escola De acordo com os oito gráficos apresentados acima é possível traçar o perfil do público alvo. No gráfico 01 vemos que houve uma maior participação dos pais ou responsáveis dos alunos do primeiro ano, seguido pelos do 5º ano. De acordo com o gráfico 02, pouco mais da metade dos participantes tem entre 26 e 36 anos, o que mostra que os pais e responsáveis dos alunos são adultos jovens. No gráfico 03 podemos perceber que quase metade dos responsáveis considera-se pardos. O quarto gráfico mostra que mais da metade dos pais ou responsáveis moram com 03 44 e 04 pessoas. No gráfico 05 podemos perceber que 35% dos pais é responsável por 2 crianças, 28,9% é responsável por 1 aluno e 23,9% é responsável por 3 crianças. No gráfico 06 é constatado que quase 45% tem renda mensal entre 1 e 2 salários. Já no gráfico 07 temos que quase metade dos responsáveis possui o Ensino Médio completo. No gráfico 08 é constatado que a maioria dos pais trabalha no comércio e, em seguida, na indústria. Em síntese, as famílias dos alunos da escola são formadas por pais jovens, com formação de nível médio, de baixa renda e que têm em média 2 filhos. 3.3 DADOS OBTIDOS POR MEIO DO QUESTIONÁRIO Foi elaborado um questionário que foi enviado para as 22 docentes da escola, no mês de julho de 2023. Em razão do prazo que estipulamos – 30 dias – para a devolução do questionário, tivemos a resposta de 11 professoras. Na ocasião da entrega dos questionários, todas as professoras do período da tarde, que eram celetistas, estavam em processo de estudo para a realização de concurso público da Secretaria de Educação do Município. Portanto, a devolução dos questionários das professoras celetistas foi menor. Também houve o caso de três professoras que estavam em processo de aposentadoria e não devolveram o questionário respondido. Assim, para o desenvolvimento da análise de dados, 11 professoras responderam ao questionário, o que representa metade dos professores da Unidade Escolar. Entre elas, oito são docentes concursadas (os chamados estatutários) e três são celetistas. Para a análise das respostas optamos por começar lendo as respostas das professoras com mais tempo de serviço e, depois, seguimos lendo as com menos tempo de serviço. Para preservar a privacidade das 11 professoras que responderam ao questionário e colaboraram com a pesquisa, iremos apresentar os dados obtidos nomeando-as com letras de A a K. O questionário tinha 11 questões, sendo 9 abertas e duas fechadas. As questões envolviam a forma como a Matemática havia sido desenvolvida na formação inicial, quais as referências utilizadas para a elaboração das suas aulas, suas impressões sobre o material didático fornecido pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, sobre como buscam contornar as dificuldades na prática de ensino de Matemática, as práticas para o processo de ensino das operações fundamentais e as 45 principais dificuldades dos alunos nesse tópico. O modelo do questionário consta no Anexo B. A maioria das professoras que responderam ao questionário já tem uma boa experiência profissional. A professora A leciona há 29 anos, a professora B há 25 anos, professoras C e D 24 anos, professora E 23 anos, professora F 22 anos, professora G 17 anos, professora H 15 anos, professora I 9 anos e professoras J e K há 6 anos. Os resultados mostram que três das onze docentes que responderam ao questionário não tiveram disciplinas específicas sobre ensino de Matemática em seu curso de formação inicial. Dez professoras não consideram que a sua formação inicial tenha sido adequada ou que tenha tido carga horária adequada para o desenvolvimento de conteúdos sobre Matemática e ensino de Matemática. As professoras que tiveram alguma disciplina relacionada à Matemática ou ao ensino de Matemática afirmaram que houve uma ênfase em conhecimentos teóricos e que a carga horária não foi adequada: Professora C: “o conteúdo foi predominantemente teórico e muito pouco prático, considero que não foi adequada a carga horária”. Professora D: “[as disciplinas] foram muito teóricas, [a carga horária] não foi adequada”. Professora F: “considero pouco adequada, carga horária pequena para tamanha importância da Matemática e seu uso social.” Professora H: “recebi conhecimentos para ensinar Matemática, partindo de definições e exercícios de fixação. Não foi adequado”. Professora I: “[a disciplina] deveria ter sido aprofundada com mais qualidade para atender as necessidades do educando”. Professora J: “a carga horária não foi suficiente, pois mesmo depois do curso as dificuldades são muitas”. Professora K: “as disciplinas foram trabalhadas de forma teórica e implícitas metodologias. Somente em uma pós-graduação vivenciei a prática”. As professoras também relataram que os estágios obrigatórios não forneceram a oportunidade de aprofundar os conhecimentos sobre o ensino de Matemática. Entre as 11 participantes, oito disseram que não tiveram a oportunidade desse aprofundamento. Em relação às referências e fontes consultadas para preparar suas aulas de Matemática, a maioria das professoras citou o uso do Currículo Paulista, livros 46 didáticos, orientações e propostas da Secretaria Municipal de Educação (SME) e pesquisas em sites. Professora A: “o currículo paulista, livros didáticos, pesquisas em sites sobre o conteúdo, produzo meu próprio material”. Professora B: “após algumas formações e experiências é possível seguir as orientações e propostas da SME (Secretaria Municipal de Educação).” Professora C: “alguns sites especializados e oficinas quando surge oportunidades”. Professora D: “livros, internet e materiais de cursos”. Professora E: “hoje, após 23 anos em sala de aula, após algumas formações sobre o assunto, é possível entender e seguir as propostas da SME (Secretaria Municipal de Educação), como alguns estudos de Vergnaud, por exemplo”. Professora F: “no ensino fundamental utilizo as habilidades contidas no Currículo Paulista e Base Nacional Comum Curricular.” Professora G “as fontes mais recentes usadas para consulta são Kátia Smole e Vergnaud”. Professora H: “livros didáticos e aulas no youtube com especialistas”. Professora I: “habilidades do Currículo Paulista, livros didáticos e internet.” Professora J: “livros didáticos para o ensino da Matemática, videoaulas sobre as atividades que serão trabalhadas em sala de aula”. Professora K: “livros didáticos e conteúdos em sites da internet.” As respostas das professoras apontam que a busca de materiais e atividades na internet são um ponto comum entre as docentes. Um ponto de destaque é a afirmação da professora K sobre a importância da formação continuada da Secretaria da Educação para que a professora pudesse aplicar a proposta curricular municipal. No que se refere ao material didático fornecido pelo governo do Estado de São Paulo1, somente três professoras afirmaram que o material apresenta boas estratégias. As respostas dadas a essa questão mostraram que era preciso conduzir entrevistas para compreender a razão pela qual as docentes consideram que o 1 Currículo em Ação – Material Educacional Nova Escola: caderno do estudante: São Paulo / [organização Associação Nova Escola]. – 1.ed. – São Paulo: Associação Nova Escola: Governo do Estado de São Paulo, 2021. Todos os volumes ou Cadernos do Aluno da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo estão disponíveis no link: https://efape.educacao.sp.gov.br/curriculopaulista/educacao-infantil-e-ensino-fundamental/materiais-de- apoio-2/. Em 2022, o material da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para o primeiro ano e segundo ano que era elaborado em conjunto por técnicos curriculares da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, PCNP (Professores Coordenadores de núcleos pedagógicos) atuantes em Núcleos Pedagógicos e professores da rede estadual de São Paulo, foi substituído por material da Associação Nova Escola, organização criada em 2015 tendo como mantenedora a Fundação Lemann. https://efape.educacao.sp.gov.br/curriculopaulista/educacao-infantil-e-ensino-fundamental/materiais-de-apoio-2/ https://efape.educacao.sp.gov.br/curriculopaulista/educacao-infantil-e-ensino-fundamental/materiais-de-apoio-2/ 47 material não apresenta boas estratégias para o ensino de Matemática e quais seriam exemplos de boas estratégias. No questionário também perguntamos se as professoras tinham dúvidas ou dificuldades para o desenvolvimento do trabalho em sala de aula e de que forma buscavam contornar essas dificuldades. As professoras afirmaram que procuram trocar ideias com as colegas da escola e fazer pesquisas ou cursos de extensão. Em relação às operações fundamentais com os números naturais, perguntamos quais as estratégias que as professoras utilizam para o seu ensino e se faziam uso de materiais e metodologias diversificadas. As professoras afirmaram usar uma variedade de materiais, como ábaco, material dourado, jogos e outras propostas que fazem uso de material concreto. Ainda foi citado o uso de problemas que tratam de situações ligadas ao cotidiano dos alunos e o uso de recursos digitais, como vídeos e jogos em computadores. Para a operação de adição, em relação às dificuldades dos alunos com o agrupamento em ordens no sistema decimal, segundo as respostas dadas pelas professoras, o trabalho desenvolvido com o material concreto auxilia na aprendizagem dos alunos e possibilita que eles consigam desenvolver as habilidades necessárias para a compreensão da adição com reserva. Para isso, apontam o trabalho com atividades de composição e decomposição de números por meio do material dourado, para o tratamento de mudança de ordem e classe no sistema decimal. Para a operação de subtração, as professoras também enfatizaram a importância do trabalho com o material concreto para o desenvolvimento da compreensão do valor posicional e a consolidação da aprendizagem de decomposição do número. A professora H também citou o uso de cálculo por estimativa, cálculo mental e representação teatral. A professora J afirmou que na operação de subtração, os alunos têm uma maior dificuldade, por não conseguirem entender “como” e “porque” precisam “emprestar” valores de ordem superior. A professora A, com 29 anos de serviço e a professora J com 6 anos, atribuíram as dificuldades dos alunos com a operação de multiplicação à falta de saber a tabuada, o que pode mostrar que há certas crenças sobre a aprendizagem de Matemática que não estão relacionadas à experiência. A professora B afirmou fazer uso de situações-problema e desenhos, assim como afirmou a professora G, para ilustrar as operações de adição e de multiplicação. A professora C trabalha com a malha quadriculada. A professora D também cita a dificuldade dos alunos em 48 memorizar a tabuada como causa das dificuldades dos alunos na operação de multiplicação e diz que mostra a eles o princípio da multiplicação, trabalha com curiosidades e regras da tabuada e desafios para memorização. A professora F acredita que a dificuldade dos alunos não é a aprendizagem dos conceitos, mas sim a aplicação dos conceitos na resolução de problemas simples do seu cotidiano. Em relação à operação de divisão, podemos perceber que é a operação em que as professoras menos utilizam recursos e abordagens diferenciadas. A professora A, por exemplo, acredita que os alunos precisam desenvolver um nível de abstração para trabalhar com a operação de divisão e, por isso, é necessário usar a tabuada e o conceito de operação inversa. As professoras B, D, E e G afirmaram usar desenhos para ilustrar situações-problema. A professora F acredita que o treino a partir da realização de vários exercícios pode promover a aprendizagem. Segundo a professora H, as dificuldades na operação de divisão ocorrem, em especial, no momento em que os alunos utilizam a operação de multiplicação e de subtração no algoritmo. Já a professora K utiliza o material concreto para a resolução de situações- problemas. De acordo com os questionários respondidos pelas professoras da escola municipal de São José do Rio Preto/SP podemos apontar que a maioria percebe que a formação inicial, tanto nas disciplinas quanto no estágio supervisionado, não foi suficiente para suprir as necessidades diárias em sala de aula. Um dado que se destaca é que há professoras que não tiveram em seu curso de graduação qualquer carga horária dedicada ao conhecimento teórico de Matemática ou de ensino de Matemática. Com isso, essas professoras tiveram que aprender a ensinar os conteúdos de Matemática com os poucos cursos de formações e com a rotina diária em sala de aula e, em muitos casos, com os professores que já estavam na rede por mais tempo. Assim, notamos que o apoio próximo e a troca de experiência com outros docentes têm um papel significativo na formação em serviço dos professores, como apontam Tardif e Lessard (2014). O processo de alfabetização é o foco principal da rotina escolar nas séries iniciais, já que compreender o enunciado de um problema escrito exige a capacidade de leitura e, sem ela, pouco pode ser feito. Entretanto, o conhecimento de mundo que os alunos carregam trazem diversos conhecimentos matemáticos prévios, mesmo que eles não tenham essa percepção. Assim, cabe ao professor utilizar mecanismos para aproveitar todo esse conhecimento do aluno, trazendo reflexões diárias para além do 49 livro didático. Por meio dos resultados obtidos com as respostas dadas nos questionários, podemos perceber que o conhecimento prévio dos alunos não foi destacado como parte das práticas das professoras, o que mostra que o processo de ensino está concentrado na figura do professor. As professoras da escola passam por formações mensais. Os encontros de formação ocorrem no teatro do município com duração de 3 horas. Em 2023, os conteúdos trabalhados nos encontros foram alternados, sendo um mês de Língua Portuguesa e outro de Matemática. Os encontros de Matemática com docentes que atuam em turmas de quarto e quinto ano foram conduzidos por um professor formado na área, que ministra aulas no Ensino Fundamental II. Para os outros professores, que atuam nas turmas de primeiro ao terceiro ano, a formação foi realizada por uma pedagoga. Os temas tratados nos encontros, geralmente, abordam conteúdos e formas para se trabalhar a escrita e a leitura. Em Matemática, são apresentados alguns jogos que podem ser aplicados em sala de aula. No curso, os professores formadores trazem informações sobre Olimpíadas de Matemática e Eventos Culturais que ocorrem no município. Infelizmente, não há o alcance esperado com os cursos que a Secretaria Municipal oferece, pois o alcance aos professores é limitado, já que, geralmente, os Cursos não ocorrem no ambiente escolar e as vagas são limitadas por unidade escolar, limitadas a um ou dois professores. Em minha participação nos encontros, pude perceber que os professores participantes trazem exemplos da sua prática em sala de aula o que permite a realização de um processo de discussão durante a formação. Mas, considero que um ponto negativo é que os professores se incomodam em ter de se deslocar para outro ambiente, considerando o trabalho exaustivo que desenvolvem nas escolas. É nítido o cansaço dos professores, o que acaba prejudicando o foco na formação continuada. Os cursos de formação também não têm levado em conta a necessidade de se discutir práticas que estejam alinhadas à nova realidade da pós-pandemia. Há uma dificuldade expressiva dos alunos em aspectos de convivência e relacionamento interpessoal. Além disso, também em razão da pandemia, as habilidades do Currículo Paulista não foram cumpridas, o que impacta a demanda atual para o desenvolvimento de um trabalho com muitos livros didáticos. A escola utiliza o material da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, porém, a Secretaria da Educação 50 do Município envia outros livros didáticos. Os professores não conseguem trabalhar com todos eles. Alguns docentes utilizam algumas páginas, mas outros nem abrem a embalagem dos livros, por acharem que o conteúdo não é conveniente ou mesmo por não atender as habilidades propostas no Currículo Paulista. Por exemplo: no quarto bimestre, na disciplina de Ciências, preciso trabalhar a seguinte habilidade: (EF04CI02) Investigar as transformações que ocorrem nos materiais quando expostos a diferentes condições (aquecimento, resfriamento, luz e umidade), registrando as evidências observadas em experimentos e diferenciando os resultados obtidos. Transformações reversíveis e não reversíveis. Para preparar a aula, é feita consulta ao livro de Ciências, mas, como não existe essa habilidade no livro, é necessário pesquisar em outros livros (que a escola não possui) para ler sobre o assunto e, assim, preparar a aula. Assim, alguns capítulos do livro são utilizados, mas outros não, por não atenderem às habilidades do Currículo Paulista. Para entender o funcionamento de uma escola, conforme Tardif e Lessard (2014), é preciso responder às seguintes questões: Quem controla e como? Que alianças existem entre grupos e subgrupos e em torno de quais questões? Além dessas questões é preciso considerar alunos e pais no ambiente escolar. Infelizmente, em reuniões escolares as relações são um pouco conflituosas. Na escola estudada, as reuniões acontecem no período escolar em que o filho estuda (manhã ou tarde). O comparecimento dos pais geralmente fica em torno de um terço. Como é difícil termos uma conversa diária com os pais, outro meio de comunicação acaba sendo um caderno de recados colocado na bolsa da criança. Há atendimento aos pais, que ocorre uma vez por semana, em um período de uma hora, mas, muitas vezes, os responsáveis que são convocados pelos professores e pela escola não comparecem para esses atendimentos. Tardif (2014) salienta que as perguntas citadas acima são fundamentais, porém é fato que muitas escolas não têm objetivos e funcionam como grupos separados. Cada grupo trabalha de uma forma, conforme o seu entendimento sobre a organização, faltando-lhes assim o foco. Existe um problema nessa falta de objetivos, pois cada grupo funciona na individualidade sem conceber a escola em sua totalidade. Por exemplo, as merendeiras, não são apenas as “tias” que fazem a comida diária, mas também as que recepcionam os alunos na hora do intervalo e servem a refeição. Na escola estudada, existe uma guarda que recepciona as crianças, sempre com um bom dia caloroso. Ela precisou tirar uma pequena licença por motivo de 51 saúde e foi substituída por outra guarda durante o período da licença. Duas crianças do 4º ano da manhã comentaram: “Nossa, essa guarda nem deu bom dia pra gente. Será que a outra guarda vai voltar?” Percebe-se que atitudes que parecem ser simples fazem toda a diferença. Das 11 professoras entrevistadas, somente 3 citaram que utilizam situações- problema como estratégia para o ensino, sendo uma do 1º ano, uma do 3º ano e uma do 5º ano. O material concreto foi a estratégia mais lembrada pelos professores: quase metade delas apontou esse recurso como relevante. Diante dos tipos de problemas apresentados anteriormente, faz-se necessário observar o trabalho coletivo dos docentes para entendermos o funcionamento da escola estudada. No período da manhã, os professores são todos concursados e, geralmente, existe certa estabilidade da equipe escolar. Diferentemente, no período da tarde, apenas um professor é concursado e o restante celetista, o que gera um fluxo constante de mudanças, isto é, todos os anos passam pela escola professores novos, o que dificulta a construção e fortalecimento de uma equipe. Tardif e Lessard (2014) salientam que os problemas de não se ter uma equipe consolidada implicam em conflitos pessoais que podem aparecer durante o fazer pedagógico. O autor salienta que a colaboração e a construção de uma amizade determina um bom ambiente de trabalho e, dessa forma, a mudança anual de professores do período da tarde dificulta o estabelecimento desse processo. Pelo fato da escola ser um grande estabelecimento, também existe um fluxo de diretores e coordenadores. Em menos de cinco anos, a direção e a coordenação foram trocadas por duas vezes. A vice-direção também foi trocada por duas vezes, uma por aposentadoria e a outra em razão da docente ter retornado para a sala de