Alexandre Antonio Abate As vozes dos citadinos: Uma análise sobre a (i)mobilidade, a (in)acessibilidade e o consumo dos residentes no Conjunto Habitacional "João Domingos Netto" em Presidente Prudente - SP Presidente Prudente - SP Dezembro de 2017 Alexandre Antonio Abate As vozes dos citadinos: Uma análise sobre a (i)mobilidade, a (in)acessibilidade e o consumo dos residentes no Conjunto Habitacional "João Domingos Netto" em Presidente Prudente - SP Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Geografia da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), câmpus de Presidente Prudente - SP, para a obtenção do título de Bacharel em Geografia. Orientadora: Maria Encarnação Beltrão Sposito Presidente Prudente - SP Dezembro de 2017 Dedico esta monografia à minha família, sustentação da minha vida. AGRADECIMENTOS "Tudo posso naquele que me fortalece" - Bíblia Sagrada, Filipenses, 4:13. Esta monografia é fruto de muito trabalho. Contudo, não estive sozinho ao longo de sua execução. Deste modo, através destes singelos agradecimentos, destaco as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para que o meu objetivo pudesse ser alcançado. Ao longo da realização da minha pesquisa e no âmbito da elaboração desta monografia, obstáculos, incessantemente, emergiram para tornar o caminho ainda mais árduo de ser percorrido. Todavia, sempre fui amparado por Aquele que todos os dias, em todos os momentos, segurou em minhas mãos para que eu não caísse; e quando caí, esteve ao meu lado para me levantar e me ajudar a compreender que, através das quedas, nos tornamos mais fortes. Assim, inicialmente, agradeço a Deus por Ele ter me guiado e me auxiliado a vencer esta importante etapa da minha vida. Agradeço à minha família, em especial àqueles mais próximos a mim: Maria Rosa Farina Abate (mãe), José Antonio Abate (pai), Natalia Cristina Abate Nunes (irmã) e Gabriel Abate Nunes (sobrinho). Muito obrigado por todo o incentivo que vocês me forneceram ao longo da elaboração desta monografia, assim como desde o início da minha graduação. Agradeço-lhes, profundamente, por terem acreditado em mim e me ajudado quando necessitei. Amo vocês! Desde o início da graduação, conheci pessoas muito especiais e construí amizades incríveis. Ressalto, neste momento, as pessoas que me auxiliaram nesta monografia, seja diretamente ou através de simples, contudo, fundamentais palavras de incentivo: João Marcos do Nascimento Cardoso, Gabriel Vitor Nascimento Ferreira, Augusto Marques da Silva. Muito obrigado pelo companheirismo e pela amizade! Por não residir em Presidente Prudente, várias vezes fui recebido na República Marãey. Agradeço, então, aos integrantes e aos ex-integrantes desta república, com os quais convivi ao longo destes anos: Anna Paulla Artero Vilela, Nayara Rodrigues da Silva, João Baccarin Xisto Paes, Alisson Rodrigues Santori e Thiago Moraes Passos. Agradeço-lhes pela recepção, pelas conversas, pelos debates geográficos e pelos risos! Agradeço a adorável Ritielle Cristina Aparecido por todo o auxílio para a realização da pesquisa e desta monografia. Muito obrigado pelo seu carinho, companheirismo e amizade! Agradeço-lhe, profundamente, pelo nosso dia a dia. Agradeço aos integrantes do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR) e aos integrantes da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe). Agradeço, também, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de iniciação científica concedida. Agradeço ao Prof°. Dr. Márcio José Catelan e ao Doutorando Agnaldo da Silva Nascimento por terem aceitado o convite para constituírem a banca de avaliação desta monografia. Agradeço-lhes pelas correções e contribuições feitas durante a defesa, assim como pelas sugestões para a realização de novas pesquisas. Por fim, agradeço a Maria Encarnação Beltrão Sposito. Professora e Orientadora Carminha, muito obrigado por todas as palavras de incentivo! Obrigado por, desde sempre, ter acreditado que tudo isso seria possível. Deixo para ti os meus sinceros agradecimentos por todas as aulas, reuniões, debates e inúmeras correções. O seu auxílio, enquanto orientadora, foi imprescindível para que esta monografia pudesse ser concluída e defendida com sucesso. Muito obrigado a todos! RESUMO A mobilidade e a acessibilidade urbanas tornaram-se grandes problemas nos países da América Latina, especialmente nas grandes metrópoles. No Brasil, São Paulo talvez seja o caso mais emblemático que podemos citar para ilustrar a magnitude do desafio a ser enfrentado. Não obstante, os problemas relacionados aos deslocamentos intraurbanos dos citadinos não se restringem a tais espaços urbanos. Grande parte das cidades médias brasileiras também apresenta problemas de mobilidade e acessibilidade principalmente para os segmentos mais pobres da população, os quais habitam, prevalentemente, em áreas de exclusão social, em alguns casos também em espaços urbanos que são objeto de segregação socioespacial. O nosso objetivo foi buscar compreender como a mobilidade e a acessibilidade urbanas se manifestam em uma cidade média. A presente monografia tem como intuito estudar as condições socioespaciais que promovem (ou não) mobilidade e acessibilidade dos moradores do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto", em Presidente Prudente - SP, às principais áreas de consumo da cidade. A pesquisa teve como hipótese que a baixa mobilidade urbana é um fator a acentuar inadequadas condições socioeconômicas dos que estão residindo em áreas distantes, visto que a acessibilidade deles é menor e os leva a ter menos opções quanto à escolha das áreas onde realizam o consumo de bens e serviços. Dentre os resultados obtidos, destacamos que, no João Domingos Netto, as atividades de comércio e serviços, em grande parte dos casos, estão sendo realizadas nos lotes residenciais. Além disso, os estabelecimentos delimitados são insuficientes para atender às necessidades de consumo da população. O Poder Público Municipal e as empresas de transporte público coletivo avaliam que os citadinos ali residentes possuem mobilidade e acessibilidade não apenas para terem acesso às mais importantes áreas comerciais de Presidente Prudente, mas também para todas as áreas da cidade. Considerando a visão dos citadinos, e os demais procedimentos realizados, concluímos que os moradores do João Domingos Netto possuem baixa mobilidade e acessibilidade, o que os impede de vivenciarem plenamente a vida urbana e, portanto, de terem acesso ao exercício do "direito à cidade", adotando-se a expressão consagrada por Henri Lefebvre. Palavras-chave: Produção do espaço urbano; Mobilidade urbana; Acessibilidade urbana; Cidades Médias; Cidade; Consumo e Presidente Prudente. ABSTRACT The urban mobility and accessibility have become big problems in the Latin American countries, especially in the major cities. In Brazil, São Paulo maybe be the most emblematic case that we can quote to represent the challenge magnitude to be faced. Notwithstanding, the problems related to urban displacements of the citizens are not restricted to these urban spaces. A large part of brazilian middle cities also present mobility and accessibility problems primarily to the poorest segments of the population, which inhabit, prevalently, in social exclusion areas, in some cases also in urban spaces that are object from sociospatial segregation. Our objective was search to understand how the urban mobility and accessibility manifest in a middle city. The present monograph has the intention to study the sociospatial conditions that promote (or not) mobility and accessibility of the residents of the "João Domingos Netto" housing estate, in Presidente Prudente - SP, to the major consumption areas of the city. The research had the hypothesis that the low urban mobility is a factor to accent unsuitable socioeconomical conditions of who are living on far away areas, because their accessibility is smaller and it brings them to have less options relating to the choice of the areas where carry through the consumption of goods and services. Among the results obtained, we highlight that, in João Domingos Netto, the trade and services activities, in large part of the cases, are being carried out in the residential lots. In addition, the delimited establishments are insufficient to meet the population consumption needs. The Municipal Public Power and the public transport companies assess that the citizens who live there have mobility and accessibility not only to have access to the major consumption areas of Presidente Prudente, but also to all areas of the city. Considering the citizens vision, and the other procedures, we concluded that the João Domingos Netto residents have low mobility and accessibility, which deprive them of fully experience the urban life and, therefore, of having access to the practice of the "right to the city", adopting the accepted expression by Henri Lefebvre. Key-words: Production of urban space; Urban mobility; Urban accessibility; Middle Cities; City; Consumption and Presidente Prudente. LISTA DE SIGLAS SIGNIFICADOS BNH Banco Nacional de Habitação Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEMESPP Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas CEMPRE Centro de Estudos Macroeconômicos e Previsão da Faculdade de Economia do Porto CGO Centro de Gerenciamento Operacional CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas CNEFE Cadastro Nacional de Endereços para fins Estatísticos CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico DETRAN-SP Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo EPL Empresa de Planejamento e Logística S/A FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo GAsPERR Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais GEIPOT Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada PROCON Programa de Proteção e Defesa do Consumidor PAC Programa de Aceleração do Crescimento PIB Produto Interno Bruto PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ReCiMe Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias SciElo Scientific Electronic Library Online SEADE Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados SEMAV Secretaria de Assuntos Viários e de Cooperação em Segurança Pública TCPP Transporte Coletivo Presidente Prudente UEM Universidade Estadual de Maringá Unesp Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" UNOESTE Universidade do Oeste Paulista LISTA DE MAPAS PÁGINA Mapa 1: Estado de São Paulo. Localização do município de Presidente Prudente. 34 Mapa 2: Presidente Prudente - SP. Conjuntos Habitacionais construídos com financiamento do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do "Minha Casa, Minha Vida". 35 Mapa 3: Localização do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto" em Presidente Prudente - SP. 37 Mapa 4: Distância de áreas residenciais de interesse social - condomínios residenciais fechados e conjuntos habitacionais - do centro principal de Presidente Prudente - SP. 40 Mapa 5: Presidente Prudente - SP: Exclusão/Inclusão social (2000 e 2010). 43 Mapa 6: Localização dos estabelecimentos comerciais e de serviços do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". 102 Mapa 7: Localização das antigas áreas de residência dos entrevistados em Presidente Prudente - SP. 131 Mapa 8: Localização dos estabelecimentos comerciais e de serviços em Presidente Prudente - SP. 150 Mapa 9: Nível de concentração de estabelecimentos comerciais em Presidente Prudente - SP. 151 Mapa 10: Presidente Prudente: Diferenciação e Segregação socioespacial, 2015. 160 LISTA DE FIGURAS PÁGINA Figura 1: Domínios e áreas temáticas presentes no Sistema de Informação da Qualidade de Vida Urbana proposto pela Prefeitura Municipal do Porto, Portugal. 53 Figura 2: Estrutura, meios, sistema e ambiente de circulação. 59 Figura 3: O ciclo irresponsável do transporte público. 75 Figura 4: Horários de ônibus para a linha 26 (João Domingos Netto - Centro) de segunda a sexta-feira. 119 Figura 5: Horários de ônibus para a linha 26 (João Domingos Netto - Centro) aos sábados. 120 Figura 6: Horários de ônibus para a linha 26 (João Domingos Netto - Centro) aos domingos. 120 Figura 7: Horários de ônibus para a linha 26 (Centro - João Domingos Netto) de segunda a sexta-feira. 121 Figura 8: Horários de ônibus para a linha 26 (Centro - João Domingos Netto) aos sábados. 121 Figura 9: Horários de ônibus para a linha 26 (Centro - João Domingos Netto) aos domingos. 122 Figura 10: Mosaico representando os pilares do Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Presidente Prudente - SP. 139 Figura 11: Rede cicloviária proposta para Presidente Prudente - SP. 140 Figura 12: Os diversos tipos de linha de transporte público de acordo com o traçado. 145 LISTA DE FOTOS PÁGINA Foto 1: Vista aérea do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". 38 Foto 2: Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". 38 Foto 3: A ex-Presidenta Dilma Rousseff, o ex-Ministro das Cidades Gilberto Kassab, o ex-Prefeito de Presidente Prudente Milton Carlos de Mello e os moradores durante a entrega das casas do João Domingos Netto em setembro de 2015. 39 Foto 4: Mercearia "Preferencial". 98 Foto 5: Conveniência "Garagem". 98 Foto 6: "Marcelo Pruger" - Cabeleireiro e Barbeiro. 99 Foto 7: Bar "JB". 99 Foto 8: Venda de geladão e geladinhos. 100 Foto 9: Venda de sorvetes. 100 Foto 10: Mercado "Avanço". 101 Foto 11: Feira livre no Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". 103 Foto 12: Feira livre no Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". 104 Foto 13: Veículo da Company Tur Transporte e Turismo LTDA (Pruden Express). 116 Foto 14: Veículo da TCPP Transporte Coletivo Presidente Prudente LTDA. 116 LISTA DE GRÁFICOS PÁGINA Gráfico 1: População urbana de cidades médias paulistas com base nos Censos Demográficos do IBGE e nas projeções do SEADE para os anos de 2016, 2020 e 2030. 32 Gráfico 2: Estabelecimentos comerciais e de serviços que deveriam ser implementados no João Domingos Netto, de acordo com as indicações dos entrevistados. 106 LISTA DE TABELAS PÁGINA Tabela 1: População urbana de cidades médias paulistas com base nos Censos Demográficos do IBGE e nas projeções do SEADE para os anos de 2016, 2020 e 2030. 31 Tabela 2: Conjuntos Habitacionais de Presidente Prudente - SP implementados entre 1968 e 2015. 36 Tabela 3: Presidente Prudente: Espaços autossegregados, 1975 - 2010. 159 LISTA DE QUADROS PÁGINA Quadro 1: Nomes e modalidades dos estabelecimentos comerciais e de serviços identificados no Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". 95 Quadro 2: Perfil dos entrevistados. 111 Quadro 3: Antigas áreas de residência dos entrevistados em Presidente Prudente - SP. 130 LISTA DE PLANTA PÁGINA Planta 1: Conjunto Habitacional "João Domingos Netto", em Presidente Prudente - SP. 41 14 SUMÁRIO Introdução 15 Capítulo 1: A pesquisa: objeto, área de estudo e procedimentos 19 1.1. Cidades médias como objetos de investigação: gênese, análise conceitual, relevância e desafios 20 1.2. Presidente Prudente - SP, política habitacional e o "João Domingos Netto" 33 1.3. Metodologia da Pesquisa 42 Capítulo 2: (I)mobilidade, (in)acessibilidade e qualidade de vida 49 2.1. Questões teóricas e análise conceitual sobre qualidade de vida 50 2.2. Questões teóricas e análise conceitual sobre (i)mobilidade e (in)acessibilidade urbanas 57 2.3. O transporte público coletivo inserido na cidade do automóvel 67 Capítulo 3: A (re)estruturação da cidade contemporânea 80 3.1. A produção do espaço urbano 81 3.2. A expansão urbana em Presidente Prudente - SP e a gênese de centralidades 85 3.3. As áreas comerciais do João Domingos Netto 94 Capítulo 4: As vozes dos silenciados: avaliações e anseios dos citadinos 109 4.1. O roteiro das entrevistas e o perfil dos entrevistados 110 4.2. O consumo de bens dos entrevistados 112 4.3. O consumo de serviços dos entrevistados 114 4.4. Modais de deslocamento, transporte público coletivo e dificuldades quanto à mobilidade e à acessibilidade urbanas 115 4.5. Comparações entre o consumo atual e antigo de bens e serviços atreladas à (i)mobilidade e à (in)acessibilidade urbanas 129 Capítulo 5: As vozes institucionais: considerações do Poder Público Municipal e das empresas de transporte público coletivo 134 5.1. A opinião do Poder Público Municipal sobre a mobilidade e a acessibilidade urbanas dos residentes no Conjunto Habitacional "João Domingos Netto" e breve abordagem do Plano de Mobilidade Urbana de Presidente Prudente - SP 135 5.2. A opinião das empresas de transporte público coletivo sobre a mobilidade e a acessibilidade urbanas dos residentes no Conjunto Habitacional "João Domingos Netto" 143 6. Segregação socioespacial em Presidente Prudente - SP e a seletividade do "direito à cidade" 148 7. Referências bibliográficas 162 8. Apêndices 171 15 INTRODUÇÃO "O fenômeno urbano manifesta hoje sua enormidade, desconcertante para a reflexão teórica, para a ação prática e mesmo para a imaginação" - Henri Lefebvre (2001) Esta monografia foi desenvolvida com base nos resultados da pesquisa, em nível de iniciação científica, intitulada "(I)mobilidade e consumo em Presidente Prudente: Um estudo sobre o Conjunto Habitacional 'João Domingos Netto'", a qual foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) entre agosto de 2016 e julho de 2017, portanto, 12 meses de pesquisa. Conforme aprofundaremos na seção destinada a discorrer acerca da metodologia da pesquisa, esta investigação esteve vinculada ao projeto temático intitulado "Lógicas Econômicas e Práticas Espaciais Contemporâneas: Cidades Médias e Consumo", o qual foi desenvolvido pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR), coordenado por Maria Encarnação Beltrão Sposito e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Este projeto teve início em junho de 2012 e será concluído em maio de 2018. A escolha por desenvolver uma pesquisa científica sobre a mobilidade e a acessibilidade urbanas emergiu de dois fatores principais: 1) Durante a maior parte da minha graduação em Licenciatura em Geografia, estive inserido no âmbito de deslocamentos pendulares em função da minha residência e ambiente profissional estarem localizados no município de Pacaembu - SP e o curso de Geografia ser frequentado em Presidente Prudente - SP. Portanto, as dificuldades enfrentadas, cotidianamente, no contexto desta mobilidade interurbana - cristalizada em um espaço-tempo de, aproximadamente, 190 km e quatro horas diárias, considerando o trajeto de ida e volta - floresceu o desejo de estudar a realidade vivenciada por outras pessoas, buscando, ao término da pesquisa, propor alternativas que, embora singelas, sejam capazes de nortear ações que possam contribuir para a melhoria da mobilidade e da acessibilidade urbanas; 2) Embora os deslocamentos interurbanos, considerando o trajeto citado, sejam extremamente limitados e árduos de serem realizados, a opção por estudar a mobilidade e a acessibilidade intraurbanas surgiu do desejo de identificar, no espaço urbano, dinâmicas, fenômenos e processos que afetam a 16 vida dos citadinos, sobretudo daqueles de baixo poder aquisitivo, os quais se encontram em um contexto de marginalização em nossa sociedade e, nas cidades de diferentes escalas, são "expulsos" para as áreas periféricas por vários motivos, dentre os quais a lógica que orienta a política habitacional de interesse social. Assim, o Conjunto Habitacional "João Domingos Netto", devido à sua extensão e por ser um novo hábitat urbano de Presidente Prudente, inaugurado em setembro de 2015, foi adotado como recorte espacial para a pesquisa. O objetivo geral foi compreender como ocorre (e se ocorre) a mobilidade intraurbana de citadinos residentes em uma área de exclusão social e possível segregação socioespacial visando ao consumo de bens e serviços. Através desta análise, avaliar se esta parcela dos citadinos tem garantida a acessibilidade necessária para ter "direito à cidade", adotando-se a expressão consagrada por Henri Lefebvre. Desta forma, durante a execução do projeto de pesquisa, não era possível afirmar que os moradores do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto" possuíam mobilidade e acessibilidade urbanas, o que levou-nos à atrelar prefixos de negação (ou de sentido contrário) aos conceitos no âmbito das discussões tecidas, inclusive no título desta monografia: (i)mobilidade e (in)acessibilidade urbanas. De fato, partimos do princípio de que intitular um trabalho científico com os conceitos de mobilidade e acessibilidade urbanas sugere, de antemão, que estas dinâmicas estão presentes para os citadinos da área adotada na pesquisa científica. Concernente aos objetivos específicos, temos: 1) Identificar em quais áreas da cidade as pessoas realizam o consumo de bens e serviços e quais os meios de transporte utilizados nos deslocamentos; 2) Analisar se a estruturação do transporte público coletivo de Presidente Prudente é suficiente para atender a demanda do João Domingos Netto; 3) Analisar, em caso de constatação de uma baixa mobilidade ou até de uma não- mobilidade, se estes fatores contribuem, e em qual intensidade, para a ampliação da exclusão social e intensificação da segregação socioespacial da área pesquisada; 4) Contribuir na execução de um eixo do seguinte objetivo específico do projeto temático: "Compreender as práticas espaciais de sujeitos autossegregados e daqueles a quem a segregação é imposta, por meio de suas interações espaciais com a cidade, mediadas pelo consumo que se realiza nela e por meio dela" (SPOSITO, 2011, p. 22, destaque nosso). Esta monografia está organizada em cinco capítulos. No primeiro, denominado "A pesquisa: objeto, área de estudo e procedimentos", discorremos sobre importantes 17 elementos das cidades médias, além de apresentarmos informações sobre o município de Presidente Prudente e o João Domingos Netto. Discorremos, brevemente, acerca da forma pela qual a política habitacional está estruturada neste município. Ainda neste capítulo, abordamos a metodologia adotada para conduzir a pesquisa. O segundo capítulo é intitulado "(I)mobilidade, (in)acessibilidade e qualidade de vida". Nele, realizamos uma discussão sobre estes três conceitos, além de apresentarmos questões teóricas importantes para o desenvolvimento da pesquisa e da monografia que dela decorreu. Apresentamos, ainda, elementos que permitem identificar que, de fato, a mobilidade e a acessibilidade urbanas afetam, diretamente, na qualidade de vida dos citadinos. Finalizando este capítulo, discorremos sobre o transporte público coletivo, apresentando os seus maiores problemas inseridos nos países em desenvolvimento, além de elementos que permitem compreender os motivos pelos quais o automóvel é extremamente valorizado na sociedade, elementos estes que justificam a expressão "cidade do automóvel", frequentemente adotada pelos pesquisadores que se debruçam sobre esta temática. O terceiro capítulo é denominado "A (re)estruturação da cidade contemporânea". Nele, discorremos sobre aspectos gerais da produção do espaço urbano, segundo a lógica capitalista, além de elementos específicos sobre esta produção no contexto de Presidente Prudente. Apresentamos, também, uma breve discussão sobre a forma pela qual a expansão urbana se materializa neste município, assim como a gênese das centralidades. Ao término deste tópico, apresentamos os resultados provenientes da delimitação das áreas comerciais do João Domingos Netto. O quarto capítulo é intitulado "As vozes dos silenciados: avaliações e anseios dos citadinos". Este capítulo aborda os principais resultados da pesquisa, obtidos com base nas entrevistas realizadas com os citadinos que residem no João Domingos Netto. O quinto e último capítulo, "As vozes institucionais: considerações do Poder Público Municipal e das empresas de transporte público coletivo", contém os resultados e análises oriundos das entrevistas realizadas com os representantes de cada segmento, assim como uma sucinta abordagem do Plano de Mobilidade Urbana de Presidente Prudente. Finalizando esta monografia, consta um último tópico, denominado "Segregação socioespacial em Presidente Prudente e a seletividade do 'direito à cidade'". Este tópico está 18 estruturado em dois pilares: 1) No primeiro, apresentamos algumas considerações finais fundamentais sobre os resultados constatados com base na realização da pesquisa; 2) No segundo, discorremos sobre a segregação socioespacial e a forma pela qual o direito à cidade é extremamente seletivo, tecendo relações sobre este direito a partir da mobilidade e da acessibilidade urbanas dos habitantes da nossa área de estudo. De fato, este segundo pilar se destina à breve discussão de importantes elementos desdobrados e concluídos a partir do desenvolvimento da pesquisa. 19 Capítulo 1: A pesquisa: objeto, área de estudo e procedimentos "A Persistência da Memória", de Salvador Dalí (1931). 20 1.1. Cidades médias como objetos de investigação: gênese, análise conceitual, relevância e desafios "E uma cidade igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa" Ítalo Calvino (2003) A maioria das análises que possui a mobilidade e a acessibilidade urbanas como temáticas de pesquisa adota as grandes metrópoles brasileiras como recorte espacial, partindo da complexidade e da intensidade dos problemas de deslocamentos intraurbanos enfrentados pelos moradores destes espaços. É importante salientar que a tendência pelo estudo destas cidades não se limita à esfera da mobilidade e acessibilidade urbanas. Santos (1982 apud MAIA, 2010, p. 19) argumenta que "a maioria dos estudos urbanos em países subdesenvolvidos se interessa de preferência pelas grandes cidades, principalmente pelo fenômeno da macrocefalia". Todavia, grande parte das cidades médias brasileiras também possui problemas de mobilidade e de acessibilidade, principalmente para os grupos sociais de menor poder aquisitivo, em especial para aqueles que residem nas periferias das cidades. Deste modo, o nosso objetivo foi buscar compreender como a mobilidade e a acessibilidade se manifestam em uma cidade média, a qual representa um objeto de estudo complexo e diferenciado (CORRÊA, 2007) que, mesmo sendo adotado por vários pesquisadores, ainda está em construção. Consoante Amorim Filho (2007), os estudos referentes às cidades denominadas como médias tiveram sua gênese a partir das décadas de 1950 e 1960 na Europa Ocidental, principalmente na França. Neste país, nos primeiros anos da década de 1970, as cidades médias foram priorizadas no âmbito das políticas de "planejamento do território" e vários estudos desenvolvidos por pesquisadores universitários e planejadores se multiplicaram (AMORIM FILHO, 2007). Um exemplo clássico se refere ao trabalho desenvolvido por Michel (1977), professor da Universidade de Paris I, no qual ele apresenta importantes aspectos para o entendimento destas cidades, dentre os quais ressaltamos a noção de "cidade 21 intermediária" ou "cidade elo" dentro de um sistema de cidades, além de salientar que as cidades médias exerciam, no contexto analisado, uma atração sobre uma área geográfica delimitada, oferecendo bens e serviços para as cidades situadas dentro desta delimitação (AMORIM FILHO, 2007). Após os primeiros estudos, as cidades médias tornaram-se objeto de interesse de pesquisadores de diferentes latitudes e longitudes. Deste modo, Amorim Filho (2007) ressalta o surgimento de inúmeras pesquisas, projetos, dissertações, teses e políticas públicas surgidas em escala mundial. Para o referido autor, nos anos de 1990 e início do século XXI, é possível constatar um novo impulso e uma consolidação dos estudos sobre as cidades médias no âmbito da Geografia Urbana, visto que, neste recorte temporal citado, [...] o número de pesquisas, publicações e eventos voltados para as cidades médias alcança uma quantidade e uma intensidade tais que é praticamente impossível para qualquer pesquisador acompanhar tudo que se faz nesse domínio. Por isso, qualquer levantamento ou síntese sobre a situação dos estudos das cidades médias, em todas as escalas geográficas, deverá necessariamente contentar-se com balanços incompletos e que se concentram nas regiões, temáticas, abordagens e autores da preferência de quem faz o estudo (AMORIM FILHO, 2007, p. 77). No âmbito da Geografia brasileira, Sposito (2004) destaca que a influência francesa foi decisiva para a gênese do interesse por estas cidades. Amorim Filho (2007) destaca que, no Brasil, o pioneirismo no estudo sobre as cidades médias deve ser atribuído aos pesquisadores acadêmicos de Minas Gerais. Para Sposito (2001 apud BATELLA, 2013), no contexto brasileiro, a tese de doutorado de Oswaldo Bueno Amorim Filho, a qual foi defendida na França em 1973, deve ser ressaltada, visto que ela pode ser considerada como o trabalho pioneiro no estudo sobre as cidades médias (no caso específico da tese, o referido pesquisador estudou a cidade mineira de Formiga). Atualmente, vários geógrafos brasileiros, de praticamente todos os estados e macrorregiões, adotam estas cidades como objetos de estudo, dentre os quais Amorim Filho (2007, p. 80) ressalta como exemplos: "Sylvio B. de Mello e Pedro Vasconcelos (Bahia), Rodrigo V. Serra (Rio de Janeiro), Cicilian Luiza L. Sahr (Paraná), entre outros". Maia (2010) ressalta, também, os trabalhos de outros pesquisadores dedicados aos estudos geográficos das cidades médias no Brasil: Maria Encarnação Beltrão 22 Sposito; Doralyce Sátyro Maia; Carlos Augusto Cardoso; Flávia Aparecida de Araújo; Beatriz Ribeiro Soares; Carmen Bellet Sanfeliu, dentre outros. Na Unesp de Presidente Prudente, temos grupos de pesquisa de grande relevância nacional: o GAsPERR (Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais), associado à ReCiMe (Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias), e o CEMESPP (Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas). Os pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação destes grupos supracitados se debruçam sobre o estudo destas cidades, tendo sido desenvolvidas, ao longo dos anos, inúmeras pesquisas cristalizadas em monografias, dissertações, teses, artigos e livros. Visando à definição e ao entendimento de particularidades sobre as cidades médias, partimos, inicialmente, da diferenciação entre estas e as "cidades de porte médio". Consoante Sposito (2004), o tamanho demográfico é suficiente para caracterizar as cidades que possuem porte médio. Apoiando-se em Thompson e Serra (2001), Sposito (2004) destaca que, para eles, estas cidades possuem entre 50 e 500 mil habitantes. Contudo, este intervalo demográfico varia dependendo do referencial adotado. Ferreira (2010) apresenta, por exemplo, vários critérios norteadores para a classificação destas cidades, dentre os quais destacamos: 1) Na década de 1970, Andrade e Lodder (1979 apud FERREIRA, 2010) entendiam que as cidades de porte médio possuíam entre 50 e 250 mil habitantes; 2) Para Amorim Filho e Serra (2001 apud FERREIRA, 2010), as cidades de tamanho médio possuem entre 100 mil e 500 mil habitantes. Deste modo, embora o tamanho demográfico seja o único critério adotado para a classificação destas cidades, há a dificuldade, segundo Ferreira (2010), de definir e adotar um parâmetro demográfico. À título de introdução para a análise geral sobre as cidades médias que pretendemos tecer, é relevante mencionar que não há, conforme explica Batella (2013), um consenso teórico-conceitual orientando a definição e o estudo das cidades médias. Sposito (2004) já apresentou esta dificuldade ao abordar o pensamento de Brunet (1997), segundo o qual a cidade média é uma realidade, a qual não foi verdadeiramente definida. Além disso, se trata de "[...] uma noção, um pouco vaga, não um conceito" (BRUNET, 1997 apud SPOSITO, 2004, p. 331). Corrêa (2007, p. 23) também apresenta dificuldades para a definição destas cidades: (...) trata-se de discutir uma expressão vaga, aberta a múltiplos significados e impregnada de idealismo que a concebe como um ideal a ser alcançado, 23 apresentando as vantagens da pequena cidade sem ter, contudo, as desvantagens das grandes. Partindo para uma abordagem das particularidades e das especificidades sobre as cidades médias, salientamos, inicialmente, que Sposito (2004), Corrêa (2007) e Ferreira (2010) compreendem que o tamanho demográfico não é suficiente para caracterizá-las1. Ampliando a discussão sobre esta ideia, Ferreira (2010, p. 142), citando Amorim Filho, Bueno e Abreu (1982), destaca: A cidade média exige mais que o número de habitantes para sua definição e o emprego desse parâmetro para defini-la, além de insuficiente, pode representar equívocos uma vez que, algumas cidades "[...], com número inferior de habitantes, podem exercer funções de cidades médias em regiões menos desenvolvidas e urbanizadas" (AMORIM FILHO; BUENO; ABREU, 1982, p. 35); assim, nem sempre uma cidade de porte médio é uma cidade média e da mesma forma uma cidade média não necessariamente deve apresentar porte médio no sentido demográfico (grifo nosso). Referindo-se às cidades médias, Côrrea (2007) explica que, inicialmente, é importante destacar que estas cidades são caracterizadas pela combinação da tríade tamanho demográfico, funções urbanas e organização de seu espaço intra urbano. Embora, aparentemente, essa tríade seja fácil de ser compreendida, se considerarmos os pressupostos de cada elemento, a dificuldade advém da caracterização, da complexidade e da necessidade de relativizar cada pilar da tríade supracitada. Especificamente sobre o tamanho demográfico, Sposito (2004) e Corrêa (2007) ressaltam a necessidade de relativizá- lo partindo do princípio de que determinada densidade populacional tem sentido diferente dependendo da dimensão escalar e temporal. Sposito (2004, p. 333) avança nesta análise e apresenta o seguinte exemplo: Pode-se supor, entretanto, a existência de cidades médias com menos de 50 mil habitantes, em áreas de baixa densidade demográfica, nas quais as distâncias entre as cidades em função da rede urbana rarefeita levam assentamentos urbanos que não são de porte médio, considerando-se os parâmetros populacionais eleitos, a desempenhar papel de cidade média. 1 Os três autores foram citados apenas à título de exemplificação. Contudo, dentre os pesquisadores que estudam as cidades médias, esta ideia é amplamente aceita. 24 Na Amazônia brasileira, por exemplo, onde os meios de circulação e transporte interurbano são precários e/ou oferecem baixa fluidez, podemos reconhecer cidades relativamente pouco populosas desempenhando papeis importantes na intermediação das relações entre pequenos lugarejos e as grandes cidades da Região Norte. Importante destacar, também, que Sposito (2004) e Corrêa (2007) defendem que há uma transitoriedade na caracterização das cidades médias, ou seja, uma cidade pode ter seu tamanho demográfico, funções urbanas e organização do seu espaço intra urbano alterados ao longo do tempo, passando a ser caracterizada como uma cidade média. Da mesma forma, é possível depreender desta análise que uma cidade média da contemporaneidade pode não ser caracterizada como tal no futuro, partindo das alterações que podem ocorrer na tríade citada e também com base nas alterações que, eventualmente, podem ocorrer na rede urbana na qual a cidade está inserida. Complementando este raciocínio, apresentamos os apontamentos de Amorim e Serra (2001 apud FERREIRA, 2010, p. 150): [...] uma cidade média não é média, ela está média em uma determinada situação e em um contexto específico. Essa posição na rede urbana pode permanecer estável, bem como elevar à categoria de cidade grande agregando funções e população ou diminuir a importância com a perda de expressividade econômica, que pode acontecer acompanhada de perda de população. Concluindo este primeiro plano analítico mais geral e voltado à análise da expressão "cidade média", a qual, segundo Ferreira (2010), devido à dificuldade de conceituação, permanece sendo considerada como noção, destacamos as advertências tecidas por Sposito (2007b, p. 9) no que se refere ao cuidado que devemos ter na adoção desta expressão/noção: Partindo desta perspectiva, tratamos de uma noção que precisa ser melhor fundamentada no plano teórico-metodológico e, talvez, renomeada à luz dessa fundamentação, uma vez que a adoção da expressão "cidade média" é pouco adequada, porque alude diretamente ao tamanho e pressupõe hierarquia e classificação. Essa constatação exige dos pesquisadores que trabalham com essa escala de análise urbana um esforço grande para dar maior precisão teórica a essa noção, elevando-a, se possível, à condição de conceito científico. 25 Apresentamos, a seguir, um conjunto2 de características que devem ser levadas em consideração para a classificação das cidades médias, sendo que estas características avançam nos outros dois elementos destacados por Corrêa (2007), ou seja, as funções urbanas e a organização do espaço intra urbano. Além disso, destacamos importantes elementos que nos permitem compreender os papeis exercidos por estas cidades:  As cidades médias são aquelas de porte médio que "[...] desempenham papéis intermediários e/ou regionais no conjunto da rede urbana [...]" (SPOSITO, 2004, p. 331). Deste modo, Sposito (2004) apresenta, também, o conceito de "cidades intermediárias", o qual é similar e é utilizado por pesquisadores de língua espanhola e também por Milton Santos;  Para caracterizar uma cidade como média, é necessário observar a posição da mesma na rede urbana; a sua situação geográfica comparando com cidades do mesmo porte; o número de cidades pequenas que estão inseridas no seu raio de influência (SPOSITO, 2004);  Corrêa (2007) apresenta os seguintes princípios: 1) As cidades médias são espaços de tomadas de decisões e de acumulação de capital. Deste modo, é necessária a presença de uma elite empreendedora e ativa, além da presença de uma elite comercial e fundiária; 2) Estas cidades apresentam localização relativa, sendo focos de vias de circulação e nós importantes no âmbito da circulação de pessoas, mercadorias, capitais e informações; 3) As cidades médias apresentam um amplo conjunto de interações espaciais, sendo elas complexas, multidirecionais e multiescalares. Assim, Corrêa (2007, p. 30) defende que "estas interações extra- regionais são decisivas para a identificação de uma cidade média, distinguindo-a de uma usual capital regional";  Sposito (2004) também destaca as interações espaciais exercidas pelas cidades médias: 1) Com as cidades pequenas, "[...] que se servem dos bens e serviços oferecidos nas cidades médias" (SPOSITO, 2004, p. 338); 2) Com as cidades grandes, 2 Apresentamos apenas algumas características que nos possibilitam compreender e classificar as cidades como médias. Contudo, o rol é bem mais amplo e complexo. Analisá-lo, pormenorizadamente, foge do objetivo central desta monografia. 26 geralmente metrópoles, "[...] das quais as cidades médias são subsidiárias, reforçando o sistema organizado hierarquicamente" (SPOSITO, 2004, p. 338);  Corrêa (2007) apresenta a possibilidade de determinação de uma tipologia para as cidades médias, a saber: 1) Lugar central, que oferece um conjunto de bens e serviços para uma hinterlândia regional; 2) Centro de drenagem e consumo da renda fundiária, ou seja, cidades localizadas em área pastoril, que possui latifúndios ou até mesmo localizadas em áreas que possuem um complexo agro-industrial. No que tange à oferta de bens e serviços, a elite fundiária se apresenta como a clientela principal destas cidades; 3) Centro de atividades especializadas, visando ao mercado nacional ou internacional. Assim, há uma especialização produtiva na indústria e/ou nas atividades do setor terciário. Nas cidades médias inseridas nesta terceira tipologia, "as interações espaciais regionais são menos importantes" (CORRÊA, 2007, p. 31). Mediante a análise de todas as características e elementos citados, ressalta-se a pluralidade, a heterogeneidade e a complexidade que envolve a temática sobre as cidades inseridas nesta escala de rede urbana. Assim, trata-se de "[...] um objeto diversificado e dinâmico, que demanda o estudo não apenas de seus processos mais gerais, mas também de suas particularidades" (BATELLA, 2013, p. 51). Partindo deste princípio, faz-se necessário abordar alguns elementos que nos possibilitam compreender a relevância de se estudar estas cidades no âmbito acadêmico-científico, além de destacar alguns desafios inerentes às pesquisas que adotam estas cidades como recorte analítico. As pesquisas sobre as cidades médias são relevantes, embora sejam, ainda, objetos de investigação em construção. Sendo assim, busca-se, cada vez mais, ampliar o rol teórico e metodológico que permita investigar os processos e as dinâmicas complexas que se manifestam cada vez mais nestas cidades, as quais foram reposicionadas na rede urbana brasileira, sendo elas importantes nós na mesma (CORRÊA, 2007) e que ganham maior relevância, constantemente, na hierarquia urbana. Ademais, é importante destacar que Santos e Silveira (2001 apud OLIVEIRA; SOARES, 2014, p. 123) enfatizam: 27 [...] além de serem centros de decisões político-econômicas regionais, concentram em seus espaços estruturas ligadas ao comércio e serviços que alteram a divisão regional do trabalho. Assim, estas cidades são pontos de inserção e superposição no território, que variam entre as horizontalidades e verticalidades, funcionando como depositária e produtora de bens e serviços exigidos por elas e por seu entorno. Deste modo, consideramos que o crescente interesse pelo estudo de realidades não metropolitanas é fundamental. "Assim, sentimos necessidade de compreender as cidades médias [...] não como um conhecimento à parte do processo de urbanização, ou da totalidade, mas como particularidades e singularidades" (MAIA, 2010, p. 18) que permitirão levantar novas questões para o entendimento da urbanização contemporânea e, portanto, do Brasil urbano3. Ramos (2011) entende que pensar a cidade é algo instigante e desafiador. Segundo ele, um primeiro desafio que se apresenta ao pesquisador que almeja lançar um olhar científico sobre os espaços urbanos se refere às divergências de correntes teórico- metodológicas existentes, as quais, muitas vezes, se opõem. Desta forma, Ramos (2011) ressalta a necessidade de lidarmos com as divergências, sabendo, pois, absorver o que cada vertente teórica pode oferecer e, deste modo, contribuir com a pesquisa. Um segundo desafio apresentado pelo referido autor é "[...] trabalhar com um objeto que, por si só, já é muito complexo, pois envolve uma série de estruturas que devem ser analisadas para a sua compreensão" (RAMOS, 2011, p. 18). O terceiro desafio, que se refere especificamente às cidades médias, baseia-se na discrepância entre o número de trabalhos produzidos sobre estas e sobre as cidades grandes e metrópoles. Segundo ele, a maior parte da literatura escrita sobre as cidades é concernente às cidades grandes e metrópoles, embora o autor defenda a grande relevância das cidades médias na rede urbana brasileira. Sposito (2006) aborda os desafios, oriundos das mudanças que marcam o período atual, que se apresentam ao pesquisador urbano durante a abordagem interescalar no estudo das cidades médias. Em um primeiro momento, ela explica que, em períodos pretéritos do desenvolvimento capitalista, as cidades médias estavam inseridas em uma rede urbana, ou seja, em um conjunto de cidades que se articulavam entre si de forma 3 Considerando as mudanças que ocorrem, cada vez mais, em relação aos espaços urbanos, Sposito (2006) defende que, para que haja o entendimento da urbanização contemporânea, é necessário o diálogo entre pesquisadores que se voltam para o estudo de cidades de diferentes portes. 28 hierárquica. "Assim, as articulações espaciais que definiam seus papéis eram pensadas em relação às cidades grandes e à metrópole principal, num movimento a montante, e em relação às cidades pequenas, num movimento a jusante" (SPOSITO, 2006, p. 147). Na contemporaneidade, o papel desempenhado pelas cidades médias na rede urbana tornou-se mais complexo, embora o velho caminhe, lado a lado, com o novo: No geral, ela [a cidade média] continua a compor a estrutura da rede hierárquica na qual seus papéis intermediários se definiram, mas há um vasto conjunto de possibilidades de estabelecimento de relações com outras cidades e espaços que não compõem, de fato, a rede a que pertence essa cidade. A mundialização da economia e o desenvolvimento das telecomunicações ampliaram muito os fluxos que uma cidade pode estabelecer com espaços distantes, e esses fluxos não se desenham, apenas, com cidades maiores ou menores, ao contrário, eles também se estabelecem entre cidades da mesma importância e entre essas e outras cidades constitutivas de outras redes urbanas. Em outras palavras, ainda que se considere a manutenção, ainda forte, de relações e fluxos interurbanos de natureza hierárquica, é crescente a presença de relações do tipo complementares ou do tipo competitivas, entre cidades de mesmo nível ou de níveis diferentes no âmbito da mesma rede urbana ou entre redes urbanas diferentes, superando-se a tradição de organização piramidal das redes urbanas que vigiu até recentemente e que foi fundamental para o sistema fordista de produção (SPOSITO, 2006, p. 147 e 148, grifo nosso). A partir disto, elencamos alguns elementos citados por Sposito (2006) que nos remetem aos desafios apresentados ao pesquisador que se debruça sobre o estudo das cidades médias: 1) A delimitação de escalas de tempo e de espaço nos estudos sobre as cidades médias é extremamente complexa, visto que os papeis que estas cidades desempenham na divisão econômica e social do trabalho se alteram rapidamente como reflexo de decisões tomadas em escalas mais abrangentes; 2) Ao pesquisador que adota as cidades médias como objeto de estudo, não basta analisar dados e informações referentes à cidade escolhida. Devido às relações que, incessantemente, são estabelecidas com outras cidades de diversas escalas, inclusive a internacional, o pesquisador deve trabalhar com os dados e as informações pertencentes às cidades com as quais seu objeto de estudo mantém vínculos, sendo que muitas vezes, o pesquisador não poderá, embora seja fundamental, estabelecer um contato empírico com todas elas. 29 Os outros elementos selecionados, a partir de Sposito (2006), são: 3) Em um período de mundialização crescente, é notório salientar a necessidade de reconhecer que há influência do global sobre o local (dialeticamente, o inverso também é verídico), ou seja, as cidades médias sofrem influência, no contexto contemporâneo, de escalas mais abrangentes, de nível nacional e internacional; 4) É necessário superar, sobretudo nos estudos voltados para as cidades médias, a "[...] tradição geográfica de separação entre os estudos da rede e os estudos do espaço interno das cidades, bem como entre processos e formas espaciais urbanos" (SPOSITO, 2006, p. 155); 5) Assim como em todos os estudos nos diversos âmbitos da Geografia, é fundamental distinguir a escala geográfica da escala cartográfica, assim como o tempo do calendário do tempo histórico. Só assim será possível compreender a gênese, a ampliação, o contexto atual e as projeções futuras possíveis para as dinâmicas, os fenômenos e os processos presentes nestas cidades. Apesar de estudar as cidades médias ser, de fato, um grande desafio, estes não devem ser obstáculos, visto que os estudos sobre as cidades deste porte podem contribuir, e muito, para a compreensão da realidade urbana brasileira. Motta e Mata (2009, p. 1) privilegiam a dimensão econômica e a demográfica para ressaltar a importância destas cidades. Deste modo, eles afirmam que: A descentralização estabelecida no país a partir da Constituição de 1988, elevando o município à categoria de executor da política urbana e ampliando suas condições de autonomia jurídica, política e financeira, conduziu a uma mudança no conteúdo das políticas públicas de desenvolvimento urbano. É neste contexto que as cidades médias ganham importância como centros econômicos. Desde a década de 1970, as cidades médias têm desempenhado um papel relevante na dinâmica econômica e espacial do País. A importância das cidades médias reside no fato de que elas possuem uma dinâmica econômica e demográfica própria, permitindo atender às expectativas de empreendedores e cidadãos, manifestadas na qualidade de equipamentos urbanos e na prestação de serviços públicos, evitando as deseconomias das grandes cidades e metrópoles. Dessa forma, as cidades médias se revelam como locais privilegiados pela oferta de serviços qualificados e bem-estar que oferecem. Ramos (2011, p. 26) também entende que as cidades médias possuem grande importância na rede urbana brasileira. Um primeiro apontamento do autor é apresentado a seguir: 30 As cidades médias têm se tornado um objeto de estudo importante para diferentes pesquisadores da atualidade. Questões estruturais da economia nacional, formas de espacialização dos fluxos econômicos e demográficos, bem como as transformações de caráter intra-urbano nas grandes metrópoles, têm potenciado o reavivamento desta categoria de cidade na rede de localidades centrais do Brasil. Complementando a sua argumentação, Ramos (2011) entende que a urbanização brasileira, nos anos recentes, vem passando por processos diferentes. No passado, havia um grande incremento (espacial, demográfico, econômico, dentre outros) das grandes metrópoles. Todavia, atualmente, as taxas de crescimento são menores, o que não significa dizer "[...] que não estejam crescendo ou que vivam uma espécie de involução social e econômica" (RAMOS, 2011, p. 27). No âmbito deste debate, Ramos (2011, p. 28) apresenta as ideias de Matos (2005): O processo de urbanização no Brasil, de fato, interiorizou-se por amplos espaços regionais sem com isso provocar a desmetropolização (já que as metrópoles prosseguem fortes, centrais e se reproduzindo); expandiu-se por redes geográficas de diversos tipos unindo cidades muito diversificadas funcionalmente; fez emergir protagonistas de peso no rol das chamadas cidades médias (algumas transformadas em "regiões metropolitanas"); fez surgir uma plêiade de pequenas cidades associadas à pluriatividade em expansão no chamado "novo rural"; deu vazão e ofereceu alternativa espacial ao processo de desconcentração econômica e demográfica das últimas décadas (grifos nossos). Complementando esta ideia, é fundamental ressaltar que a dimensão espacial para o processo de concentração e desconcentração econômicas é um dos pilares fundamentais que contribuiu para a ampliação da importância das cidades médias. Sposito (2004, p. 339 e 340) amplia esta discussão e explica: O conjunto de mudanças produzidas pelo processo de concentração e centralização econômicas, com desconcentração espacial das atividades de produção e consumo, dinâmicas que se acentuam na passagem do fordismo para a acumulação flexível, tem repercussão direta nos papeis desempenhados pelas cidades médias, uma vez que as possibilidades de escolhas territoriais para o desenvolvimento de atividades produtivas e para a instalação de pontos de redes de consumo de bens e serviços é maior, quanto mais capitalizada for a empresa. As cidades médias têm sido escolhidas como pontos de apoio dessas empresas em suas políticas de 31 desconcentração das atividades produtivas e de expansão das redes de comercialização de bens e serviços (grifo nosso). O último elemento que destacamos para demonstrar quão significativas são as cidades médias e, portanto, os estudos que nelas se baseiam, é o demográfico. Embora ele já tenha sido mencionado em alguns trabalhos citados, optamos por ampliar a discussão. De uma forma geral, tem-se constatado um aumento populacional significativo nas cidades médias brasileiras, conforme apontam os dados dos Censos Demográficos. Para que possamos apresentar exemplos, escolhemos mencionar cinco cidades médias paulistas, as quais foram estudadas no âmbito do projeto temático desenvolvido no GAsPERR: Presidente Prudente, Marília, São Carlos, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto. A Tabela e Gráfico 1 que seguem apresentam a população urbana destas cidades com base nos últimos Censos Demográficos do IBGE (1980, 1991, 2000 e 2010), assim como as projeções feitas pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE)4, referente ao Portal de Estatísticas do Estado de São Paulo, para os anos de 2016, 2020 e 2030. Tabela 1: População urbana de cidades médias paulistas com base nos Censos Demográficos do IBGE e nas projeções do SEADE para os anos de 2016, 2020 e 2030. Cidades 1980 1991 2000 2010 2016 2020 2030 Presidente Prudente 129.903 160.227 185.229 203.370 211.637 216.563 223.002 Marília 107.299 150.520 189.719 207.737 215.866 221.166 229.049 São Carlos 110.235 148.408 183.433 213.070 225.681 232.915 243.767 São José do Rio Preto 172.027 275.450 337.289 383.558 407.463 420.750 437.952 Ribeirão Preto 300.828 416.704 502.760 603.401 653.035 681.837 724.388 Fonte dos dados: Sposito (2011, p. 31) e SEADE; Org.: Alexandre Antonio Abate (2017). 4 Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2017. 32 Gráfico 1: População urbana de cidades médias paulistas com base nos Censos Demográficos do IBGE e nas projeções do SEADE para os anos de 2016, 2020 e 2030. Fonte dos dados: Sposito (2011, p. 31) e SEADE; Org.: Alexandre Antonio Abate (2017). Analisando as cinco cidades médias paulistas, percebe-se que todas apresentaram um crescimento considerável de suas populações urbanas desde o Censo Demográfico de 1980 até as projeções feitas para o ano de 2016. Considerando Presidente Prudente, especificamente, temos que no recorte temporal citado, houve um aumento populacional urbano de aproximadamente 82 mil pessoas, o que, em termos percentuais, representa 63% em 36 anos. A cidade média de São José do Rio Preto, dentre as citadas, é a que apresentou o maior crescimento. Em pouco mais de três décadas, a sua população urbana que era, em 1980, de 172.027, em 2016, alcançou 407.463, o que representa o incrível aumento de 136,86%. Com base nas projeções para os anos de 2020 e 2030, temos uma tendência de crescimento da população urbana em todas as cidades. Assim, o crescimento da população urbana das cidades médias reforça a necessidade de se ampliar o estudo das mesmas. Conforme objetivamos em nossa pesquisa, é imprescindível compreender os processos, as dinâmicas e os fenômenos que se manifestam nestas cidades, os quais geram impactos para a população, sobretudo para os segmentos mais pobres, os quais habitam, prevalentemente, 0 50000 100000 150000 200000 250000 300000 350000 400000 450000 500000 550000 600000 650000 700000 750000 800000 1980 1991 2000 2010 2016 2020 2030 P o p u la çã o U rb an a Anos Presidente Prudente Marília São Carlos São José do Rio Preto Ribeirão Preto 33 em áreas de exclusão social, em alguns casos também em espaços urbanos que são objeto de segregação socioespacial. 1.2. Presidente Prudente - SP, política habitacional e o "João Domingos Netto" "Cada cidade tem sua linguagem nas dobras da linguagem transparente" Poema "Retrato de uma cidade", de Carlos Drummond de Andrade. Para o desenvolvimento desta monografia, escolhemos a cidade média de Presidente Prudente (Mapa 1), localizada no Sudoeste do Estado de São Paulo, "[...] numa área popularmente denominada Alta Sorocabana, nas proximidades do Rio Paraná, em cujas barrancas a antiga Estrada de Ferro Sorocabana terminava suas linhas" (ABREU, 2001, p. 11). O município ocupa uma área de 560,637 km² e possuía, em 2010, uma população de 207.610 pessoas e densidade demográfica de 368,89 habitantes/km², com população estimada de 225.271 pessoas para o ano de 2017 (IBGE cidades, s.d). Em 2010, Presidente Prudente apresentava Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,806, sendo este índice considerado muito alto, de acordo com as Faixas de Desenvolvimento Humano Municipal5 (PNUD; IPEA; FJP, 2013). 5 As faixas de Desenvolvimento Humano Municipal são: a) O intervalo de 0 a 0,499 é considerado muito baixo; b) Entre 0,500 e 0,599, o IDHM é baixo; c) Os municípios que possuem IDHM entre 0,600 e 0,699 estão na faixa média; d) O intervalo de 0,700 a 0,799 é considerado alto; e) Os municípios que possuem IDHM a partir de 0,800 estão na faixa muito alto (PNUD; IPEA; FJP, 2013). No capítulo 2 denominado "(I)mobilidade, (in)acessibilidade e qualidade de vida", avançaremos na análise deste indicador. 34 Mapa 1: Estado de São Paulo. Localização do município de Presidente Prudente. Fonte dos dados: IBGE (2011); Org.: Lindberg Nascimento Júnior (2015). Santos (2016) apresenta os conjuntos habitacionais construídos, em Presidente Prudente, no período de 1968 a 2015, sendo esta produção habitacional ocorrida com base nas articulações entre as três esferas de poder: municipal, estadual e federal. Assim, a implementação dos conjuntos habitacionais ocorreu por intermédio da atuação do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do Programa "Minha Casa, Minha Vida", sendo este último implementado em março de 2009 durante a segunda gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Este programa destaca-se pela sua proposta social e amplia, cada vez mais, a sua relevância no âmbito da política habitacional brasileira. Através da análise do Mapa 2 e do Quadro 1, evidencia-se que a produção habitacional, em Presidente Prudente, é uma característica marcante. De acordo com Santos (2016), destacam-se as gestões de Paulo Constantino (Fevereiro de 1977 a Maio de 1982; Janeiro de 1989 a Dezembro de 1992) e a de Milton Carlos de Mello (Janeiro de 2013 a Dezembro de 2015), popularmente conhecido como Tupã, como as mais expressivas no que tange à implementação de conjuntos habitacionais. Além disso, durante o recorte temporal citado anteriormente, 11.302 residências foram implementadas neste município, destacando-se o Conjunto Habitacional "João Domingos Netto", o qual possui 2.343 habitações. A análise do referido mapa também permite identificar que as áreas norte e 35 leste de Presidente Prudente contêm o maior número de imóveis em conjuntos habitacionais de interesse social, sendo a área norte do município aquela que contém os implementados recentemente. Assim, é possível observar que a produção do espaço urbano da área norte de Presidente Prudente é materializada, de modo muito predominante, pelos programas habitacionais. Mapa 2: Presidente Prudente - SP. Conjuntos Habitacionais construídos com financiamento do Banco Nacional de Habitação (BNH) e do "Minha Casa, Minha Vida". Org.: Felipe César Augusto Silgueiro dos Santos e Vitor Augusto L. Camacho (2016); Extraído de: Santos (2016, p. 69). 36 Tabela 2: Conjuntos Habitacionais de Presidente Prudente - SP implementados entre 1968 e 2015. Nome do Conjunto Habitacional Ano de implementação Número de residências Agente promotor Jardim Bongiovani 1968 142 BNH Bartolomeu Bueno de Miranda (COHAB) 1978 1.017 Cohab Bauru Parque Alexandrina 1980 90 Nosso Teto Jardim Santa Martha 1980 17 Prudenco Nosso Teto Jardim Itatiaia 1980 20 Prudenco Nosso Teto Parque Bandeirantes 1980 14 Prudenco Nosso Teto Parque Cedral 1980 82 Prudenco Nosso Teto Parque Watal Ishibashi 1980 42 Prudenco Nosso Teto Jardim Jequitibás 1980 414 Prudenco Nosso Teto Cidade 2000 CECAP 1982 776 CECAP/CODESPAULO INOCOOP Vila Nova 1982 180 Inocoop/Coop. Hab. Ouro Fino Jardim Mediterrâneo 1989 146 COHAB CRHIS Jardim Itapura 1990 389 COHAB CRHIS Jardim Cambuci 1990 80 CDHU/Prefeitura Municipal Jardim Santa Paula 1992 74 COHAB CRHIS Jardim Vale do Sol 1992 183 COHAB CRHIS Brasil Novo 1992 250 CDHU Sítio São Pedro 1992 232 CDHU Prudenco Jardim Jequitibás II 1992 386 CDHU Mário Amato 1992 500 CDHU COHAB CRHIS Ana Jacinta 1993 2500 COHAB CRHIS Maracanã 1997 304 CDHU Residencial Tapajós 2013 227 Caixa Econômica Federal/MMF Construtora Jardim Panorâmico 2014 330 Caixa Econômica Federal/CAS Construtora Jardim Bela Vista I 2014 162 Caixa Econômica Federal/Grupo PACAEMBU Residencial Cremonezi 2014 402 Caixa Econômica Federal/MMF Construtora Jardim João Domingos Netto 2015 2.343 Caixa Econômica Federal/LOMY Engenharia/CONSTRUZ Extraído de: Santos (2016, p. 72 e 73); Adaptada por Alexandre Antonio Abate (2017). A escolha do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto" (Mapa 3 e Fotos de 1 a 3) para a pesquisa desenvolvida decorreu de alguns fatores, tais como: 1) É um novo hábitat 37 urbano em Presidente Prudente, tendo sido inaugurado ao término de 2015; 2) Sua localização encontra-se na zona norte da cidade, um setor que possui áreas altamente segregadas espacialmente e com índices altos de exclusão social; 3) Após várias buscas, identificamos que não há trabalhos com o tema que estudamos tomando como parâmetro de análise este conjunto habitacional, o que garante originalidade à pesquisa; 4) Em termos de quantidade de residências, é o maior conjunto habitacional de Presidente Prudente; 5) Outro fator crucial é o tamanho populacional deste conjunto (aproximadamente 12 mil pessoas), o que confirma a necessidade de se avaliar como ocorre (e se ocorre) a mobilidade e a acessibilidade urbanas destas pessoas, além de verificar se elas, de fato, têm acesso à cidade a fim de consumir bens e serviços necessários à reprodução da vida. Mapa 3: Localização do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto" em Presidente Prudente - SP. Fonte dos dados: IBGE (2017); Org.: Alexandre Antonio Abate e João Marcos do Nascimento Cardoso (2017). 38 Foto 1: Vista aérea do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". Obtida em: Portal G1 (2015); Foto: Divulgação/Prefeitura Municipal de Presidente Prudente. Foto 2: Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". Fonte: Trabalho de Campo; Foto: Alexandre A. Abate; Data: Julho de 2017. 39 Foto 3: A ex-Presidenta Dilma Rousseff, o ex-Ministro das Cidades Gilberto Kassab, o ex-Prefeito de Presidente Prudente Milton Carlos de Mello e os moradores durante a entrega das casas do João Domingos Netto em setembro de 2015. Obtida em: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente (2015). A partir do Mapa 4, é possível observar um elemento que garante a relevância do estudo referente à mobilidade e à acessibilidade urbanas dos residentes no João Domingos Netto: ele se encontra a, aproximadamente, 6 km de distância do centro principal da cidade, o que inviabiliza os deslocamentos a pé com vistas a realização do consumo de bens e serviços e também para as demais atividades cotidianas dos citadinos. A partir da observação deste mapa, é possível identificar, também, que o João Domingos Netto está localizado em uma porção da cidade na qual predominam áreas de média e alta exclusão social, conforme abordaremos no próximo tópico destinado a discorrer sobre a metodologia adotada na pesquisa. Através da observação do Mapa 4, é possível supor, ademais, que a distância de conjuntos habitacionais e de condomínios residenciais fechados do centro principal de Presidente Prudente deve ser relativizada no âmbito de estudos da mobilidade e acessibilidade urbanas, ou seja, para os moradores do João Domingos Netto, a distância de 6 km do centro principal é um fator limitante para os deslocamentos voltados para as práticas 40 de consumo, conforme abordaremos ao longo da pesquisa, impactando, pois, na mobilidade e acessibilidade urbanas. Não obstante, embora outra pesquisa seja necessária para corroborar esta hipótese, esta distância (ou até superior) do centro principal pode não impactar na mobilidade e acessibilidade urbanas dos residentes em condomínios residenciais fechados, os quais se deslocam, majoritariamente, através de automóveis. Assim, os trajetos realizados pelos citadinos de diferentes porções da cidade, considerando os diferentes níveis de rendas existentes e os diferentes modais de deslocamento utilizados, podem ser apreendidos diferentemente por eles. Mapa 4: Distância de áreas residenciais de interesse social - condomínios residenciais fechados e conjuntos habitacionais - do centro principal de Presidente Prudente - SP. (*) Org.: João Marcos do Nascimento Cardoso (2017); Obtido em: Cardoso (2017, p. 47). (*) Legenda: AE - Alta Exclusão Social; ME - Média Exclusão Social; BE - Baixa Exclusão Social; IS - Inclusão Social. 41 O João Domingos Netto possui cinco lotes6, que correspondem a setores, conforme a Planta 1 a seguir. O investimento total foi de 154,6 milhões (PREFEITURA MUNICIPAL DE PRESIDENTE PRUDENTE, 2015) sendo que, para a construção, houve a junção de recursos das esferas municipal, estadual e federal. Planta 1: Conjunto Habitacional "João Domingos Netto", em Presidente Prudente - SP. Fonte: TREVISAN (s.d.). Este conjunto habitacional, como fruto do Programa "Minha Casa, Minha Vida", é pertencente à Faixa 1, ou seja, os residentes, escolhidos por intermédio de sorteio realizado pelo Poder Público Municipal, possuem renda familiar de, no máximo, um mil e seiscentos reais, sendo que esta renda equivalia, em 2015, a 1,8 salários mínimos, aproximadamente.7 6 Os cinco lotes habitacionais possuem, respectivamente: 1) 484 casas; 2) 483 casas; 3) 466 casas; 4) 444 casas; 5) 466 casas (PREFEITURA MUNICIPAL DE PRESIDENTE PRUDENTE, 2015). 7 Em 2015, o salário mínimo no Estado de São Paulo era de novecentos e cinco reais. 42 1.3. Metodologia da Pesquisa "A Metodologia Científica, mais do que uma disciplina, significa introduzir o discente no mundo dos procedimentos sistemáticos e racionais, base da formação tanto do estudioso quanto do profissional, pois ambos atuam, além da prática, no mundo das idéias. Podemos afirmar até: a prática nasce da concepção sobre o que deve ser realizado e qualquer tomada de decisão fundamenta-se naquilo que se afigura como o mais lógico, racional, eficiente e eficaz" - Marina de Andrade Marconi e Eva Maria Lakatos (2003) Para a condução da pesquisa que gerou esta monografia, utilizamos vários procedimentos metodológicos que serão descritos neste terceiro tópico do primeiro capítulo. Inicialmente, destacamos a forma pela qual optamos por estudar o Conjunto Habitacional "João Domingos Netto". Para selecionar a área de exclusão social que foi contemplada nesta pesquisa, utilizamos o Mapa 5 de Exclusão/Inclusão Social elaborado pelo Centro de Estudos e de Mapeamento da Exclusão Social para Políticas Públicas (CEMESPP) com dados do IBGE referentes aos Censos Demográficos de 2000 e 2010. Este grupo de pesquisa é interdepartamental e está situado na Unesp de Presidente Prudente desde 1999, sendo coordenado pelo Profº. Dr. Everaldo Santos Melazzo. 43 Mapa 5: Presidente Prudente - SP: Exclusão/Inclusão social (2000 e 2010). Fonte dos dados: Censos Demográficos de 2000 e 2010 (IBGE); Org.: Vitor Augusto Luizari Camacho. Partindo do princípio de que esta monografia se origina de uma pesquisa inserida no âmbito da iniciação científica, foi realizada uma revisão bibliográfica em busca da fundamentação teórico-metodológica, sendo que esta revisão foi efetuada ao longo de todo o período de vigência da pesquisa e durante a execução desta monografia, visto que a busca do conhecimento teórico-metodológico é um processo contínuo, permanente e imprescindível à atuação do pesquisador. A obtenção das referências bibliográficas foi amparada em quatro eixos: 1) Obtenção de obras na biblioteca da FCT Unesp, câmpus de Presidente Prudente, mediante pesquisas na Plataforma Athena; 2) Consultas nos arquivos do GAsPERR, os quais compreendem um grande rol de material científico produzido acerca de Presidente Prudente e sobre outras cidades médias; 3) Seleção de trabalhos relevantes, com base na leitura dos resumos de artigos, em plataformas específicas, dentre as quais ressaltamos a Scientific Electronic Library Online (SciElo), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e as Seções de Teses e Dissertações de universidades diversas; 4) Seleção de obras 44 com base na análise das referências bibliográficas de dissertações e teses pertencentes à nossa temática de estudo, o que permitiu identificar autores e obras relevantes no âmbito da Geografia Urbana. Devido esta pesquisa constituir-se em desdobramento dos resultados parciais do projeto temático intitulado "Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo"8, o contato com pesquisadores (professores e pós- doutorandos), além de vários participantes de iniciação científica, mestrado e doutorado, permitiu um amplo campo de debates e esclarecimento de dúvidas, propiciando, pois, a ampliação do conhecimento teórico-metodológico e o aprendizado com pesquisadores que já se debruçaram sobre a temática da mobilidade, acessibilidade, produção do espaço urbano de Presidente Prudente e sobre o estudo das cidades médias de uma forma geral. Como metodologia fundamental para a execução da pesquisa, adaptamos os procedimentos metodológicos utilizados por Pereira (2006)9 e Poletto (2016)10. Em função do nosso interesse de trabalhar com a relação entre localização e fluxos, buscando analisar a (i)mobilidade e a (in)acessibilidade dos moradores do Conjunto Habitacional "João Domingos Netto", privilegiamos uma pesquisa qualitativa que, no entanto, também está apoiada em análises quantitativas. Selecionamos um grupo de dez pessoas, diferenciadas entre si por gênero, idade e área de residência dentro do recorte escolhido, para colher depoimentos, partindo da necessidade de considerarmos a visão dos citadinos acerca da realidade por eles vivenciada, ou seja, buscamos, através dos depoimentos, identificar como estas pessoas se 8 No que concerne ao projeto temático, é importante destacar que a nossa pesquisa associa-se a uma das quatro dimensões empíricas da realidade urbana, por ele contemplado: "Análise dos espaços que são decorrência das novas formas de consumo e, ao mesmo tempo, condição de sua realização, indicando a ocorrência de processos de reestruturação das cidades médias, com o intuito de observar a LOCALIZAÇÃO E OS CONTEÚDOS DOS NOVOS ESPAÇOS ONDE O CONSUMO SE REALIZA (com atenção especial aos shopping centers), bem como estudando quais ESPAÇOS SÃO OBJETO DOS NOVOS CONSUMOS (com atenção especial para os novos hábitats urbanos) (SPOSITO, 2011, p. 6, grifos nossos). 9 Pereira (2006) desenvolveu a tese intitulada "Percursos urbanos: mobilidade espacial, acessibilidade e o direito à cidade", sob orientação da Profª. Dra. Maria Encarnação Beltrão Sposito. Partindo da ideia de que a estruturação urbana nas cidades capitalistas é um fenômeno que interfere na vida dos citadinos, a pesquisadora buscou, grosso modo, compreender e avaliar a mobilidade e o grau de acessibilidade de um grupo de citadinos residentes em diferentes áreas de Presidente Prudente-SP, além de identificar de qual maneira os processos, as dinâmicas e os fenômenos analisados interferem no exercício do direito à cidade (PEREIRA, 2006). 10 Poletto (2016) defendeu a dissertação denominada "Mobilidade e Acessibilidade urbana: o ir e vir por meio do Transporte Público Coletivo", sob orientação da Profª. Dra. Sílvia Regina Pereira, cuja tese de doutorado representa um dos pilares da nossa metodologia. Poletto (2016) pesquisou as condições de mobilidade e acessibilidade urbanas da população de Pato Branco - PR, adotando o transporte público coletivo como foco da pesquisa. 45 apropriam do espaço urbano e quais as dificuldades (espaciais e/ou temporais) para que elas possam se deslocar pela cidade e ter acesso às áreas para consumo de bens e serviços. Deste modo, adotamos a entrevista semi-estruturada como procedimento metodológico, visto que ela é mais flexível e dá poder de voz ao entrevistado. Assim, segundo Manzini (1990/1991 apud MANZINI, 2004, p. 3), esta modalidade de entrevista [...] está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas. Ademais, é importante destacar que para a coleta das informações necessárias para o presente estudo que está sendo apresentado, haviam duas alternativas: a realização de entrevistas ou a aplicação de questionários. Optamos pelas entrevistas partindo, também, das vantagens11 apresentadas por Markoni e Lakatos (2003, p. 197): a) Pode ser utilizada com todos os segmentos da população: analfabetos ou alfabetizados; b) Fornece uma amostragem muito melhor da população geral: o entrevistado não precisa saber ler ou escrever; c) Há maior flexibilidade, podendo o entrevistador repetir ou esclarecer perguntas, formular de maneira diferente; especificar algum significado, como garantia de estar sendo compreendido; d) Oferece maior oportunidade para avaliar atitudes, condutas, podendo o entrevistado ser observado naquilo que diz e como diz: registro de reações, gestos etc.; e) Dá oportunidade para a obtenção de dados que não se encontram em fontes documentais e que sejam relevantes e significativos; f) Há possibilidade de conseguir informações mais precisas, podendo ser comprovadas, de imediato, as discordâncias; g) Permite que os dados sejam quantificados e submetidos a tratamento estatístico. Além das entrevistas, havíamos definido, durante o âmbito de discussão e elaboração do projeto de pesquisa, que adotaríamos outro procedimento metodológico que se baseia no acompanhamento de percursos realizados por, pelo menos, um entrevistado, visando 11 Embora as entrevistas, assim como os demais instrumentos de pesquisa, apresentem vantagens, é necessário destacar, também, que todos os procedimentos metodológicos também possuem desvantagens. No nosso caso, acreditamos que as vantagens das entrevistas superam as desvantagens. Deste modo, cabe ao pesquisador optar por um procedimento que seja vantajoso e atenda às suas necessidades. 46 apreender as práticas associadas ao consumo de bens e serviços que ele realiza ao longo de um determinado período de tempo. Deste modo, este procedimento permitiria analisar as condições infraestruturais e os modais de transportes utilizados, além de verificar, empiricamente, os "orçamentos espaço-tempo"12 alocados por ele. Infelizmente, a realização deste procedimento não foi possível. Durante as entrevistas, havíamos explicado que, posteriormente, entraríamos em contato com os entrevistados a fim de agendar os dias e horários nos quais os percursos seriam acompanhados. Realizamos inúmeras ligações para os entrevistados, inclusive novas visitas nas residências de alguns deles. Conseguimos agendar com alguns, contudo, os encontros foram desmarcados por motivos diversos. Devido ao prazo estabelecido para a finalização da pesquisa, execução do relatório final e conclusão desta monografia, optamos por não realizar este procedimento. Avaliamos, todavia, que as entrevistas realizadas, assim como os percursos realizados pelo espaço urbano de Presidente Prudente utilizando o transporte público coletivo, conforme abordaremos a seguir, foram capazes de fornecer as informações necessárias para as conclusões obtidas. De fato, no árduo campo da pesquisa científica, obstáculos sempre podem emergir, não permitindo que o planejado seja executado. Neste sentido, ressaltamos a importância de, na pesquisa científica, adotarmos procedimentos metodológicos distintos, caso algum não seja viável ou possível de ser realizado. Obtivemos, pois, o aprendizado de que, na ciência, infelizmente, nem sempre é possível que tudo que havia sido planejado, seja concluído com sucesso. Há elementos na pesquisa, nas diversas áreas do conhecimento, que transcendem ao campo de controle do pesquisador. Cabe a ele, pois, reconhecer e saber lidar com os contratempos de sua profissão. Realizamos entrevistas13 com o representante das duas empresas de transporte público coletivo que atuam em Presidente Prudente, a Pruden Express (Company Tur Transporte e Turismo LTDA) e a TCPP (Transporte Coletivo Presidente Prudente LTDA), e com um representante do Poder Público Municipal que atua no âmbito da mobilidade, da acessibilidade e do transporte público coletivo. Deste modo, identificamos qual a visão destes dois segmentos referente à mobilidade, à acessibilidade e ao oferecimento de transporte público para os moradores da área pesquisada. A partir dos resultados obtidos, 12 "As quantidades de tempo e de espaço gastas nos deslocamentos representam 'orçamentos espaço-tempo' alocados pelas pessoas" (HAGERSTRAND, 1987 apud VASCONCELLOS, 2001, p. 42). 13 Todos os roteiros das entrevistas realizadas constam nos apêndices desta monografia. 47 foi possível comparar a visão de três segmentos distintos (empresas, Poder Público Municipal e citadinos). A delimitação das áreas comerciais do conjunto habitacional permitiu identificar os estabelecimentos que oferecem bens e serviços. Através da espacialização destes estabelecimentos e das entrevistas realizadas, foi possível identificar quais as principais carências do referido conjunto, sendo que para suprir tais carências, os citadinos ali residentes se deslocam pela cidade. Em função do conjunto habitacional ter sido inaugurado recentemente (setembro de 2015), não há uma base de dados disponível sobre os estabelecimentos comerciais. Deste modo, realizamos um trabalho de campo a fim de coletar e identificar: 1) Nome e categoria dos estabelecimentos comerciais; 2) As coordenadas geográficas (latitudes e longitudes), assim como as altitudes de cada ponto, mediante a utilização do GPS; 3) O endereço e o número dos estabelecimentos ou das residências nas quais os estabelecimentos estão inseridos; 4) Mediante consulta aos moradores responsáveis por cada estabelecimento, delimitamos, também, os estabelecimentos destinados ao oferecimento de bens e serviços que são informais ou devidamente regularizados. Partindo do princípio de que não há, até o momento, um banco de dados com estas informações, optamos por realizar o levantamento referente à regularização ou à informalidade dos estabelecimentos comerciais e de serviços a partir das informações provenientes dos próprios moradores. Finalmente, ressaltamos um elemento muito importante da nossa metodologia: as análises empíricas realizadas em nossa área de estudo. O trabalho de campo é, segundo Thomaz Júnior (2005), o laboratório, por excelência, do geógrafo. Antes do início da realização das entrevistas e da delimitação das áreas comerciais, realizamos um trabalho de campo destinado ao reconhecimento da área e à identificação de elementos norteadores para a realização dos estudos e dos procedimentos que havíamos estabelecido. Durante todas as visitas realizadas no conjunto habitacional visando à delimitação das áreas comerciais e realização das entrevistas, também fizemos observações importantes deste espaço, as quais foram fundamentais para as conclusões obtidas. Ademais, salientamos que todos os deslocamentos visando à realização dos procedimentos metodológicos foram realizados utilizando o transporte público coletivo. Desta forma, os deslocamentos individuais realizados também foram fundamentais para a identificação das dificuldades 48 espaciais e/ou temporais enfrentadas, cotidianamente, pelos moradores da nossa área de estudo. No que tange aos resultados provenientes das entrevistas com os três segmentos e da delimitação das áreas comerciais, eles foram analisados e organizados em tabelas, quadros, gráficos e mapas. Todas as análises, contextualizações e resultados obtidos estão distribuídos nos capítulos a seguir. 49 Capítulo 2: (I)mobilidade, (in)acessibilidade e qualidade de vida "Cidades", de Denise Costa. 50 2.1. Questões teóricas e análise conceitual sobre qualidade de vida "A discussão sobre qualidade de vida como uma das premissas norteadoras na busca do desenvolvimento e do bem-estar deve ser considerada com um direito de cidadania"- Claudete de Castro Silva Vitte (2002) A qualidade de vida14 é uma temática que ganhou notoriedade, sobretudo a partir da década de 1970. Desde então, ela está presente nas discussões referentes ao planejamento do território e nas pautas referentes à intervenção estatal, principalmente no âmbito do espaço urbano. Na contemporaneidade, ela é, pois, considerada um dos pressupostos que devem ser valorizados nas políticas públicas (VITTE et al, 2002). Desta forma, temos que: A forte competição existente entre os diferentes centros urbanos na captação de investimentos e de recursos humanos qualificados, associada a uma maior consciencialização e exigência por parte dos cidadãos com as suas condições de vida, levou a que os diversos aspectos associados à qualidade de vida sejam uma preocupação central das administrações públicas aos diversos níveis, local, regional e nacional (BRITO; MARTINS; SANTOS, p. 7, s.d). A análise da qualidade de vida envolve, em um primeiro plano, várias perspectivas e indicadores (parâmetros objetivos), dependendo do referencial adotado para abordar o tema no plano analítico e científico. Há diferentes pontos de vista, também, para o estudo da qualidade de vida dependendo da metodologia e dos instrumentos utilizados no rol de discussões referentes ao planejamento e à gestão do território15. Deste modo, este primeiro 14 Sobre a importância da qualidade de vida e, portanto, das pesquisas que adotam esta temática, Martins e Santos (2002, p. 7) explicam: "O fato de, à escala mundial, se verificar uma tendência de reforço da concentração das populações em cidades constitui certamente um argumento justificativo da consolidação de uma corrente de investigação autônoma sobre a qualidade de vida urbana ao qual se junta, no entanto, um outro, igualmente importante, que tem a ver com o reconhecimento de que a urbanização atual, muitas vezes intensa e desordenada, é ela própria geradora de um conjunto de problemas e de disfuncionamentos internos cuja influência nas condições de vida dos cidadãos importa conhecer e avaliar". 15 Embora comumente tratados como sinônimos, planejamento e gestão possuem referenciais temporais diferentes e se referem a diferentes atividades, conforme explica Souza (2011). Assim, segundo ele, "[...] planejar sempre remete ao futuro: planejar significa tentar prever a evolução de um fenômeno ou, para dizê-lo de modo menos comprometido com o pensamento convencional, tentar simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito de melhor tirar partido de prováveis benefícios. De sua parte, gestão remete ao presente: gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos recursos presentemente disponíveis e tendo em vista as necessidades imediatas (SOUZA, 2011, p. 46, destaques do autor). 51 plano mensurável e interpretativo da qualidade de vida é muito valorizado e utilizado "[...] no planejamento do desenvolvimento socioeconômico e nas práticas da gestão pública" (KEINERT; KARRUZ; KARRUZ, 2002, p. 120). Assim, Herculano (2000) defende que indicadores e índices, no contexto de estudo da qualidade de vida, são fundamentais, visto que eles condensam, simplificam e quantificam as informações, as quais poderão ser comunicadas, comparadas e utilizadas para as tomadas de decisões no âmbito das escolhas e práticas políticas. Até o final da década de 1960, o crescimento econômico era considerado como sinônimo de desenvolvimento.16 Deste modo, o Produto Interno Bruto (PIB) era o indicador utilizado como parâmetro para mensurar o desenvolvimento dos países e a qualidade de vida da população. No entanto, a partir desta década, evidências mostram uma ausência de relação entre crescimento econômico e melhoria das condições sociais. Conforme explica Jannuzzi (2002, p. 62 e 63), temos que: A despeito do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), persistiam altos os níveis de pobreza e acentuavam-se as desigualdades sociais em vários países. Crescimento econômico não era, pois, condição suficiente para garantir o desenvolvimento social. O indicador PIB per capita, até então usado como proxy de nível de desenvolvimento socioeconômico pelos países, mostrava-se cada vez menos apropriado como medida representativa do bem-estar social. Nos países centrais, tal medida tampouco se prestava aos objetivos de monitoramento efetivo da mudança social em seus múltiplos aspectos e de formulação de políticas sociais de cunho redistributivo ou compensatório nas diversas áreas. No início de 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) propôs que a mensuração da qualidade de vida dos países fosse realizada com base em outro indicador, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o qual é composto por três 16 O crescimento econômico baseia-se no aumento da capacidade produtiva e, portanto, no aumento do Produto Interno Bruto (PIB). Embora este indicador seja importante para o desenvolvimento, compreendemos que este transcende a esfera econômica. Desta forma, o desenvolvimento também deve se apoiar em outras vertentes, tais como: melhoria da qualidade de vida da população e, portanto, de todos os seus indicadores; ações que se voltem para a resolução de questões ambientais, como a conservação e utilização sustentável de recursos hídricos; redução das disparidades econômicas entre a população; investimentos na educação e saúde; valorização das particularidades culturais, dentre outros. Devido à complexidade inerente à definição do conceito de desenvolvimento e, portanto, dos elementos nele abrangidos, não há um consenso entre os pesquisadores. Assim, adjetivos são atrelados ao conceito na tentativa de facilitar a compreensão, sendo esta atitude tomada, sobretudo, nas ações de gestão e planejamento do território: desenvolvimento humano; desenvolvimento econômico; desenvolvimento sustentável; desenvolvimento socioespacial; desenvolvimento urbano, dentre outros. 52 componentes: expectativa de vida, taxa de analfabetismo e nível de renda (VITTE et al, 2002). "O IDH obteve grande repercussão mundial devido principalmente à sua simplicidade, fácil compreensão e pela forma mais holística e abrangente de mensurar o desenvolvimento" (PNUD; IPEA; FJP, 2013, p. 25). Embora o IDH seja mais adequado para a análise do desenvolvimento e da qualidade de vida, quando comparado ao PIB, é necessário destacar, também, que aquele é extremamente sintético e, de certo modo, ultrapassado, visto que, segundo Herculano (2000), o IDH não é capaz de avaliar os níveis de qualidade de vida por não incorporar aspectos da realidade urbana que afetam, diretamente, nela, como a dimensão ambiental materializada na degradação, exemplo este citado pelo referido autor. Outros aspectos podem ser citados, como a segregação socioespacial, exclusão social, fragmentação socioespacial, (in)segurança, características termohigrométricas, mobilidade e acessibilidade urbanas, dentre outros tantos que interferem, decisivamente, na qualidade de vida dos citadinos. Como exemplo da complexidade de fatores, dinâmicas e processos que interferem na qualidade de vida urbana, apresentamos a seguir um quadro síntese (Figura 1) proposto pela Prefeitura Municipal da cidade do Porto, em Portugal, com a colaboração do Centro de Estudos Macroeconômicos e Previsão da Faculdade de Economia do Porto (CEMPRE), o qual se baseia em quatro grandes domínios: 1) Condições ambientais; 2) Condições materiais coletivas; 3) Condições econômicas; 4) Sociedade. Estes indicadores possuem a finalidade de nortear o conhecimento, o acompanhamento sistemático e a avaliação de componentes que, direta ou indiretamente, influenciam na qualidade de vida urbana do referido município. Embora seja um instrumento de planejamento e gestão de uma realidade não brasileira, é possível identificar que os componentes considerados também são fundamentais para a análise da qualidade de vida urbana nos municípios brasileiros, além de corroborar que muitas cidades, de diferentes latitudes e longitudes, apresentam problemas semelhantes, variando apenas a intensidade e a complexidade em que eles se manifestam no espaço urbano. 53 Figura 1: Domínios e áreas temáticas presentes no Sistema de Informação da Qualidade de Vida Urbana proposto pela Prefeitura Municipal do Porto, Portugal. Disponível em: Martins e Santos (2002, p. 15). Em 2013, o PNUD Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Fundação João Pinheiro propuseram a utilização do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) para avaliar o desenvolvimento dos municípios brasileiros. Ele foi obtido através da metodologia utilizada para o cálculo do IDH, considerando, contudo, algumas especificidades para se adequar à realidade brasileira, adaptando, desta forma, as bases de dados dos Censos Demográficos (PNUD; IPEA; FJP, 2013). Para melhor compreensão deste novo índice, destacamos: [...] o IDHM – incluindo seus três componentes, IDHM Longevidade, IDHM Educação e IDHM Renda – conta um pouco da história dos municípios em três importantes dimensões do desenvolvimento humano durante duas décadas da história brasileira. O IDHM é acompanhado por mais de 200 indicadores socioeconômicos que dão suporte à sua análise e ampliam a compreensão dos fenômenos e dinâmicas voltados ao desenvolvimento municipal (PNUD; IPEA; FJP, 2013, p. 27, grifo nosso). 54 A adoção de indicadores sociais e índices confiáveis nas ações de planejamento territorial e regional é extremamente relevante, na medida em que permitem, em tese, "[...] diagnósticos sociais, monitoramento de ações e avaliações de resultados mais abrangentes e tecnicamente mais bem respaldados" (JANNUZZI, 2002, p. 69). Entretanto, é necessário romper com esta visão canônica de planejamento e valorizar, também, a opinião dos citadinos, dando-lhes poder de voz. Concordamos, deste modo, como Jannuzzi (2002, p. 69), quando ela afirma que: [...] não se deve superestimar o papel e a função dos sistemas de indicadores sociais nesse processo, como se a formulação e a implementação de políticas públicas dependessem exclusiva ou prioritariamente da qualidade dos insumos informacionais. Na realidade, esse processo de planejamento no setor público ou em qualquer outra esfera está longe de ser uma atividade técnica estritamente objetiva e neutra, conduzida por tecnocratas iluminados e insuspeitos [...]. No contexto de uma sociedade democrática o processo de planejamento não deve ser conduzido de forma tecnocrática, como se as pressões políticas não fossem legítimas ou como se os interesses divergentes não devessem ser explicitados. O planejamento público é um jogo político legítimo, no qual participam e devem participar técnicos de planejamento e vários outros stakeholders, isto é, outros grupos de pressão interessados na definição das políticas, no governo, na sociedade civil, nas diferentes instâncias da burocracia pública (federal, estadual e municipal). Não é um processo linear, mas permeado de vicissitudes e sujeito a diversos condicionantes político-institucionais (grifo nosso). Neste primeiro plano analisado da qualidade de vida17 (vertente baseada em indicadores), destacamos duas formas para a compreensão deste conceito amplo e multidimensional, as quais apresentam um amplo rol de dimensões e ressaltam a necessidade do atendimento das necessidades básicas dos citadinos: 1) O conceito de qualidade de vida (e seus indicadores) pode ser um instrumento do planejamento, servindo como um parâmetro do grau de cobertura das necessidades dos indivíduos ou grupos sociais, permitindo a detecção de desigualdades socioespaciais, derivadas dos diferentes graus de satisfação das necessidades, proporcionando bases para a elaboração de estratégias para melhorar o bem-estar (CAMARGO MORA, 1996 apud VITTE et al, 2002, p. 40). 17 Para Sposito et al (2007, p. 43), "há um grande debate do que se considera qualidade de vida. Há, no entanto, consenso de que boas condições ambientais e possibilidades de consumo de bens e serviços de diferentes naturezas constituem atributos dessa qualificação". 55 2) Propomos que "qualidade de vida" seja definida como a soma das condições econômicas, ambientais, científico-culturais e políticas coletivamente construídas e postas à disposição dos indivíduos para que estes possam realizar suas potencialidades: inclui a acessibilidade à produção e ao consumo, aos meios para produzir cultura, ciência e arte, bem como pressupõe a existência de mecanismos de comunicação, de informação, de participação e de influência nos destinos coletivos, através da gestão territorial que assegure água e ar limpos, higidez ambiental, equipamentos coletivos urbanos, alimentos saudáveis e a disponibilidade de espaços naturais amenos urbanos, bem como da preservação de ecossistemas naturais (HERCULANO, 2000, p. 22, grifo nosso). Partindo desta última definição proposta por Herculano (2000), frisamos que o autor destaca, ainda, um importante elemento, relacionado com o objetivo da pesquisa que realizamos, que deve ser avaliado quando se pretende mensurar a qualidade de vida: a qualidade do transporte público coletivo. Dentre as variáveis inseridas nesta categoria, Herculano (2000, p. 24), destaca: "assentos/hora disponíveis sobre trilhos para a população urbana e interurbana; assentos/hora por veículo coletivo; tempo médio de deslocamento entre a moradia e o local de trabalho". Consoante Keinert, Karruz e Karruz (2002), a outra perspectiva inserida na qualidade de vida refere-se à visão dos sujeitos e das comunidades sobre o que é "viver com qualidade". Deste modo, as referidas autoras defendem que, justamente por estar inserido neste campo subjetivo, a definição e o entendimento do conceito, além da sua utilização como instrumento essencial das políticas públicas, tornam-se tarefas complexas, que envolvem juízos de valor e uma natureza política e ética. Desta forma, os aspectos concernentes a este segundo âmbito de análise [...] remeteriam para a percepção subjetiva que os indivíduos têm da qualidade de vida e que é, claramente, muito diferente de pessoa para pessoa, e de estrato social para estrato social. Este último aspecto é de fundamental importância: os indicadores de qualidade de vida têm diferentes traduções, consoante a estrutura socioeconômica da população e, portanto, o mesmo indicador pode