UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA AMANDA VENTRELLA INFLUÊNCIA DA ATIVIDADE FÍSICA PRÉVIA NA MORTALIDADE HOSPITALAR DE PACIENTES COM CHOQUE SÉPTICO Botucatu 2022 AMANDA VENTRELLA INFLUÊNCIA DA ATIVIDADE FÍSICA PRÉVIA NA MORTALIDADE HOSPITALAR DE PACIENTES COM CHOQUE SÉPTICO Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Mestre em Medicina do Curso de Pós-Graduação em Clínica Médica. Orientador: Prof. Dr. Marcos Ferreira Minicucci UNESP - Botucatu 2022 A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê. (Arthur Schopenhauer) A persistência é o melhor caminho do êxito. (Charles Chaplin) Talvez não tenha conseguido fazer o melhor, mas lutei para que o melhor fosse feito. Não sou o que deveria ser, mas Graças a Deus, não sou o que era antes. (Martin Luther King) Aos meus pais e irmão - Marta, João e Rômulo - e familiares, por terem me ensinado o significado de responsabilidade e comprometimento. Por tanta paciência com cada uma das etapas e pela confiança em meu potencial. AGRADECIMENTOS A Deus, por ter me dado forças para persistir e acreditar que daria tudo certo. Ao Professor Doutor Marcos Ferreira Minicucci, meu orientador, por ter me dado a oportunidade de ser sua aluna, e por toda a sua paciência e prontidão em me ajudar todas as vezes em que precisei. À Doutora Taline Alisson Artemis Lazzarin Silva, que esteve sempre pronta para o que eu precisei, me ajudando em toda coleta de dados. Sem ela eu jamais teria conseguido. A todos os meus alunos e amigos queridos que participaram de cada etapa e me ajudaram a enfrentar o medo e preocupação de não conseguir conquistar esse título. Ao Pedro Ramos Florindo, meu companheiro e amigo de pesquisa, que mais do que ninguém esteve comigo em todos os momentos me ajudando a nunca desistir e a chegar até o final. RESUMO Introdução: A sepse é a resposta inadequada do organismo a uma infecção que gera redução da perfusão tecidual e falência orgânica caracterizando o choque séptico (CS). No CS ocorre o comprometimento dos sistemas pró e anti-inflamatórios, agravando ainda mais o quadro de infecção. Logo, é importante intervenções que modulem a resposta inflamatória tal como a atividade física. No entanto, a prática de atividade física (AF) previamente à ocorrência do choque séptico ainda não foi estudada. Objetivo: Avaliar a influência da atividade física (AF) antes do choque séptico na mortalidade intra-hospitalar desses pacientes. Métodos: Foram incluídos indivíduos acima de 18 anos de ambos os sexos que internaram com diagnóstico de choque séptico na Sala de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu. O grau de atividade física antes do choque séptico foi avaliado por um questionário aplicado aos familiares dos pacientes e a classificação da capacidade funcional foi realizada pelos equivalentes metabólicos (METs). As associações entre a atividade física e a mortalidade intra- hospitalar foram calculadas por regressão logística uni e multivariada. O nível de significância adotado foi de 5%. Resultados: Foram avaliados 46 pacientes com choque séptico, sendo que 67,4% eram do sexo masculino, com idade média de 62,4 ± 13,0 anos. Da amostra total, a mediana do METs foi 1,5 (1,0 - 2,3), sendo que 80,4% apresentaram METs < 4. A mediana do tempo de internação foi de 13,0 (4,8 - 28,5) dias e a mortalidade intra- hospitalar de 73,9%. O METs < 4 foi associado com maior mortalidade intra-hospitalar mesmo ajustado por sexo, idade, PCR e SOFA (OR: 7,039; IC95%: 1,060-46,727; p=0,043), e pelos glóbulos brancos (OR: 7,769; IC95%: 1,274-47,394; p=0,026). Conclusão: Em pacientes com choque séptico, o menor nível de atividade física junto a baixa capacidade funcional avaliada pelo METs < 4, foi associado com maior mortalidade intra-hospitalar. Palavras-chave: Choque Séptico. Exercício Físico. Atividade Física. Equivalentes Metabólicos. ABSTRACT Introduction: Sepsis is the body’s inadequate response to an infection that causes reduced tissue perfusion and organ failure, characterizing septic shock (SC). In CS, the pro- and anti-inflammatory systems are compromised, further aggravating the infection, therefore, interventions that modulate the inflammatory response, such as physical activity, are important. However, the practice of physical activity (PA) prior to the occurrence of septic shock has not yet been studied. Objective: To evaluate the influence of physical activity (PA) before septic shock on the in-hospital mortality of these patients. Methods: Individuals over 18 years of age of both genders who were hospitalized with a diagnosis of septic shock in the Emergency Room of the Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu were included. The degree of physical activity before septic shock was assessed using a questionnaire applied to patients' family members, and functional capacity was classified using metabolic equivalents (METs). Associations between physical activity and in-hospital mortality were calculated by univariate and multivariate logistic regression. The significance level adopted was 5%. Results: Forty-six patients with septic shock were evaluated, 67.4% of whom were male, with a mean age of 62.4 ± 13.0 years. Of the total sample, the median METs was 1.5 (1.0-2.3), with 80.4% having METs <4. The median length of stay was 13.0 (4.8- 28.5) days and the in-hospital mortality was 73.9%. METs < 4 was associated with higher in-hospital mortality even when adjusted for gender, age, CRP and SOFA (OR: 7.039; 95%CI: 1.060-46.727; p=0.043), and white blood cells (OR: 7.769; 95%CI : 1.274-47.394; p=0.026). Conclusion: In patients with septic shock, the lowest level of physical activity together with low functional capacity assessed by METs < 4, was associated with higher in- hospital mortality. Keywords: Septic Shock. Physical exercise. Physical activity. Sepsis. Basal metabolic rate. LISTA DE TABELAS Tabela 1 — Equivalentes metabólicos relacionados ao tipo de atividade realizada.....18 Tabela 2 — Dados demográficos, clínicos e laboratoriais dos 46 pacientes com choque séptico........................................................................................................................20 Tabela 3 — Regressão logística uni e multivariada para predição de mortalidade intra- hospitalar nos 46 pacientes com choque séptico.......................................................21 LISTA DE SIGLAS CH = Choque Séptico EF = Exercício Físico AF = Atividade Física DV = Droga Vasopressora PAM = Pressão Arterial Média OMS = Organização Mundial da Saúde MET’s = Taxa Metabólica Basal SEC = Sala de Emergências Clínica DM = Diabetes Melito HAS = Hipertensão Arterial Sistêmica DLP = Dislipidemia SUMÁRIO Introdução..........................................................................................................12 Objetivos............................................................................................................16 Pacientes e Métodos..........................................................................................17 Resultados..........................................................................................................20 Discussão............................................................................................................22 Conclusões..........................................................................................................24 Referências..........................................................................................................25 12 INTRODUÇÃO A sepse é a resposta inadequada do organismo a uma infecção presumível ou comprovada. Quando ocorre queda da perfusão tecidual e falência orgânica caracteriza-se o estado chamado choque séptico (LÓPEZ-MEDINA et al., 2020). Além disso, de acordo com os critérios diagnósticos, para ser considerado choque séptico, o paciente precisa estar utilizando drogas vasopressoras (DV), como noradrenalina e adrenalina para manter a pressão arterial média (PAM) em 65mmHg ou mais, e o lactato sérico precisa estar em níveis acima de 2mmol/L na ausência de hipovolemia (SILVA et al., 2022). Dentre os causadores para a sepse e choque séptico (CS), podemos destacar as bactérias, vírus, fungos ou protozoários, no entanto, é visto que os principais responsáveis são as bactérias. Temos ainda como fator de risco ao desenvolvimento do CS o envelhecimento da população, procedimentos invasivos, pacientes imunossuprimidos, desnutrição, alcoolismo, diabetes mellitus, transplantes, infecções nosocomiais e comunitárias e maior número de infecções por micro- organismos multirresistentes (MARTIN et al. 2003). Apesar dos avanços no conhecimento do CS, ele corresponde a um terço dos casos de internações hospitalares no Brasil e embora não existam muitos dados, é estimado que cerca de 400.000 novos casos de sepse grave são diagnosticados por ano no país, onde a taxa de mortalidade é de 28 a 60% (ALBERTI et al., 2002; Barros, 2013). No entanto, quando os pacientes sobrevivem, grande parte necessita de suporte hospitalar novamente, além de ocorrer redução da qualidade de vida e da sobrevida ao longo do tempo (RHODES et al., 2017). Atualmente, os cuidados e tratamento de pacientes com sepse e choque séptico foram protocolados pelo “Surviving Sepsis Campaign”. O reconhecimento e tratamento precoce e a utilização de protocolos baseados em evidências são os pilares para reduzir a morbimortalidade no CS. As principais medidas no manejo atual da sepse e choque séptico incluem: diagnóstico rápido e adequado; reposição volêmica imediata, coleta de culturas apropriadas; antibioticoterapia precoce, de largo espectro e controle do foco infecioso; e controle glicêmico (RHODES et al., 2017; DE LIMA et al., 2014). 13 Com base em alguns estudos, foi observado que na sepse o sistema pró- inflamatório atua em conjunto com o sistema anti-inflamatório, comprometendo o funcionamento de ambos, gerando uma “paralisia imunológica”, ou seja, o bloqueio na capacidade de reconhecimento de antígenos pelos linfócitos tornando ainda mais grave o quadro de infecção (BARROS, 2013). Como explicação nesse contexto, o sistema imunológico é composto por diversos órgãos, células e moléculas que atuam como defesa do organismo contra agentes infecciosos ou não infecciosos (JUNIOR et al., 2010). Nesse sentido, sabemos da importância do sistema imune para adequada resposta do organismo à infecção, pois alguns estressores físicos, como cirurgias, sepse, queimaduras, exercício físico, entre outros, geram uma resposta imunológica semelhante de acordo com a intensidade de cada agente em questão. Essa resposta possui dois componentes: resposta imunológica inata e resposta imunológica adaptativa (BONIFÁCIO et al., 2021). A resposta imune inata é aquela imunidade que nasce com o indivíduo, é rápida, não específica e representada por barreiras físicas, químicas e biológicas. Já a resposta imune adaptativa é aquela adquirida ao longo da vida, sendo assim, é importante dizer que a nossa imunidade é capaz de se modificar de acordo com hábitos adquiridos e praticados (BONIFÁCIO et al., 2021). Deste modo, num quadro de choque séptico podemos encontrar, ao mesmo tempo, mecanismos relacionados tanto à hipo quanto à hiper resposta inflamatória sistêmica. Por esses motivos, houve mudança não só na definição de sepse e CS, mas também estudos relacionados à modulação da resposta imune (BONIFÁCIO et al., 2021). Logo, intervenções que modulem a resposta imunológica nesse aspecto são de fundamental importância. Entre essas intervenções podemos destacar o exercício físico (EF). O EF é uma atividade física com ritmo, tempo de duração e objetivos predefinidos e possui um papel bastante importante na resposta imunológica do organismo (TERRA, 2012). Alguns estudos mostraram que o EF de intensidade moderada promove efeitos positivos sobre a resposta imunológica devido ao aumento dos linfócitos, porém, exercícios extenuantes podem provocar o efeito contrário (TERRA. 2012). Com isso, no momento da prescrição do exercício é de grande 14 importância o controle da carga, volume e intensidade (TERRA, 2012). Assim, a prática, seja de EF ou de uma atividade física (AF) qualquer previamente à ocorrência do choque séptico poderia modular a resposta imune e interferir com o prognóstico dos pacientes. Além dos benefícios citados anteriormente, um indivíduo ativo possui menor predisposição a diversas doenças, assim, o EF é capaz de prevenir doenças cardiovasculares, melhorar o perfil lipídico, manter a pressão arterial dentro dos limites seguros, controlar o peso corporal, controlar doenças como a diabetes melito e hipertensão, melhorar e manter uma boa densidade mineral óssea e a quantidade de massa muscular, aumentar a força, coordenação e equilíbrio, melhorar a frequência cardíaca de repouso, a saúde mental, dentre muitos outros benefícios quando aplicado da maneira adequada e por um profissional capacitado (CORREIA NOGUEIRA et al., 2010). Para que um indivíduo seja considerado ativo, de acordo com a Organização Mundial da saúde (OMS), é necessário que se pratique 150 minutos de atividade física moderada ou 75 minutos de atividade física vigorosa por semana em sessões de pelo menos 10 minutos de duração (DE LIMA et al., 2014). Uma forma prática de quantificar e identificar a capacidade física dos indivíduos é através dos equivalentes metabólicos. Os equivalentes metabólicos (MET) representam a energia necessária que um indivíduo necessita para se manter em repouso, apresentado na literatura pelo consumo de oxigênio de aproximadamente 3,5 ml/kg/min. Em relação à intensidade, o guideline de risco perioperatório da Sociedade Europeia de Cardiologia considera pacientes com METs < 4 como apresentando baixa capacidade funcional (HALVORSEN et al., 2022). O método de classificação do nível da capacidade funcional física por meio dos equivalentes metabólicos é interessante, pois é uma forma fácil e rápida na qual podem ser feitas perguntas a respeito do cotidiano do paciente e estas serem respondidas pela pessoa ou até mesmo por um parente ou amigo próximo. Os estudos de atividade física em pacientes com choque séptico são escassos e focam principalmente na reabilitação durante e após a internação na terapia intensiva. Com relação à alta hospitalar pós choque séptico, o treinamento muscular é fundamental hoje na recuperação do paciente para minimizar a atrofia muscular, 15 principalmente naqueles com longos períodos de internação e que necessitaram de suporte ventilatório mecânico. A fraqueza muscular pode manifestar-se desde um comprometimento leve da musculatura respiratória até a paralisia total dos membros devido às anormalidades neuromusculares em casos mais graves (BORGES, 2018). Assim, a intervenção precoce de mobilizações passivas e alongamentos dos músculos esqueléticos feitos por fisioterapeutas em pacientes durante a hospitalização tem sido associada à melhora da função física na alta hospitalar (BORGES, 2018). Pouco se sabe sobre o manejo após a hospitalização dos pacientes que passaram pela sepse, no entanto, foi realizado um estudo observacional em Taiwan com 30.000 sobreviventes que mostrou que o encaminhamento para a reabilitação até 90 dias após a alta aumentavam as chances de sobrevivência do paciente dentro dos 10 próximos anos quando comparados ao grupo controle (JETTE, 2018). Contudo, a associação da prática de atividades físicas previamente ao desenvolvimento do choque séptico com o prognóstico desses pacientes ainda não foi avaliada. 16 OBJETIVOS Logo, o objetivo do estudo foi de avaliar a influência da atividade física antes do choque séptico na mortalidade hospitalar desses pacientes. 17 PACIENTES E MÉTODOS Desenho do estudo A pesquisa teve início após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa de seres humanos de nossa instituição (5.149.796). Todos os indivíduos participantes e/ou seus responsáveis foram esclarecidos previamente sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido para a sua inclusão na pesquisa. Foi utilizada uma amostra de conveniência. Delineamento Foram incluídos no estudo pacientes maiores de 18 anos, de ambos os sexos, que internaram com diagnóstico de choque séptico na Sala de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu. Os pacientes foram incluídos no período de dezembro de 2021 a novembro de 2022. Foram excluídos pacientes em cuidados paliativos, portadores de covid ou que eram gestantes. Após o recrutamento dos pacientes, foi aplicado um questionário para avaliação da atividade física aos familiares, pois muitas vezes os pacientes estavam impossibilitados de responder às questões. O choque séptico foi definido por hipotensão refratária à administração de volume, com necessidade de utilização de droga vasopressora para a pressão arterial média (PAM) ficar acima de 65mmHg e com lactato sérico maior que 2mmol/L. Os dados demográficos, clínicos e laboratoriais foram coletados do prontuário médico e eram referentes à admissão hospitalar. O grau de atividade física antes do choque séptico foi avaliado por meio de um questionário sobre atividades básicas diárias dos pacientes, respondido pelos familiares. Os pacientes foram acompanhados durante a internação hospitalar e o óbito ou alta foram registrados. 18 Avaliação do grau de Atividade Física A atividade física foi avaliada pela tabela de classificação dos equivalentes metabólicos e a capacidade funcional dos pacientes foi classificada pela escala abaixo. Os METs foram classificados de acordo com a Sociedade Europeia de Cardiologia. Os pacientes com METs < 4 foram considerados com baixa capacidade funcional. As informações referentes à intensidade de atividade física foram perguntadas aos familiares e abaixo apresenta-se uma tabela com os METs e as respectivas atividades. Tabela 1. Equivalentes metabólicos relacionados ao tipo de atividade realizada 1 MET Ficar deitado, sentado, vendo TV, digitando ou falando ao telefone 2 METs Lavar, passar ou pendurar roupas, caminhar de casa para o carro ou para pegar o ônibus 3 METs Lavar carro, limpar garagem, carregar criança pequena de cerca de 7 kg 4 METs Varrer garagem, andar de bicicleta 5 METs Caminhar carregando peso de meio a 7kg em subidas 6 METs Fazer faxina, nadar, caminhar em ritmo rápido 7 METs Futebol casual, correr ou nadar em velocidade lenta 8 METs Correr a 8,3 km/h 9 METs Futebol competitivo 10 METs Correr a 11 km/h 19 11 METs Ciclismo estacionário com esforço vigoroso, pular corda 12 METs Correr a aproximadamente 13 km/h Dados adaptados de "Compendium of Physical Activities: Classification of Energy Cost of Human Physical Activities/’. 1993 Medicine and Science in Sports and Activities. 25:71-80. Análise estatística Para as variáveis paramétricas, os valores obtidos foram apresentados em média ± desvio padrão. As variáveis não paramétricas foram apresentadas em mediana e percentis 25 e 75%. Para as variáveis contínuas, as comparações entre os grupos foram feitas pelo teste t de Student ou Mann-Whitney. Para as variáveis categorias foi utilizado o teste de Chi-quadrado ou teste Exato de Fisher. Para verificar as associações da atividade física com a mortalidade hospitalar utilizamos a regressão logística uni e multivariada. Construímos dois modelos de regressão multivariada, o primeiro modelo ajustado por variáveis que apresentaram diferença estatística na análise univariada e o segundo modelo ajustado pelas variáveis clinicamente importantes na literatura. O nível de significância adotado foi de 5%. 20 RESULTADOS Foram avaliados 46 pacientes com choque séptico, sendo que 67,4 % eram do sexo masculino, com idade média de 62,4 ± 13,0 anos. Da amostra total, a mediana do METs foi 1,5 (1,0 - 2,3), sendo que 80,4% apresentaram METs < 4. A mediana do tempo de internação foi de 13,0 (4,8 - 28,5) dias e a mortalidade intra-hospitalar de 73,9%. Os dados demográficos, clínicos e laboratoriais dos pacientes foram apresentados na Tabela 2, de acordo com a mortalidade intra-hospitalar. Apenas o valor total de glóbulos brancos foi maior nos pacientes que evoluíram a óbito. Além disso, a proporção dos pacientes com METs < 4 também foi maior nos pacientes que morreram. Tabela 2. Dados demográficos, clínicos e laboratoriais dos 46 pacientes com choque séptico Variáveis Mortalidade intra-hospitalar Valor de p Sim (n=34) Não (n=12) Idade (anos) 66,0 (54,8-71,3) 63,0(54,8-75,0) 0,871 Sexo Masculino % (nº) 64,7 (22) 75,0 (9) 0,723 HAS % (nº) 47,1 (16) 58,3 (7) 0,737 DM % (nº) 35,3 (12) 25,0 (3) 0,723 Foco da infecção % (nº) Pulmonar Abdominal Urinário Cutâneo 52,9 (18) 32,4 (11) 8,8 (3) 5,9 (2) 50,0 (6) 41,6 (5) 0,0 (0) 8,4 (1) 0,711 SOFA escore 6,0 (5,0-7,3) 4,5 (3,3-6,0) 0,073 METs 1 (1-2) 2 (1-5) 0,199 METs < 4 88,2 (30) 58,3 (7) 0,039 21 Tempo internação (dias) 11,0 (2,8-26,5) 21,0 (7,8-45,0) 0,096 Lactato (mmol/L) 3,40 (2,56-4,42) 3,03 (2,54-4,72) 0,774 Sódio (mmol/L) 138 (131-145) 135 (133-137) 0,360 Potássio (mmol/L) 4,46 ± 0,99 4,37 ± 1,13 0,788 Creatinina (mg/dL) 2,1 (1,5-3,3) 2,0 (0,7-2,7) 0,367 Ureia (mg/dL) 119,2 ± 62,8 83,7 ± 54,3 0,106 PCR (mg/dL) 22,8 (7,5-34,5) 24,5 (5,7-33,7) 0,900 Hematócrito (%) 37,7 ± 10,4 36,6 ± 5,2 0,738 Hemoglobina (g/dL) 12,7 (11,1-14,7) 11,7 (10,6-13,8) 0,468 GB (103/mm3) 16,1 (12,3-26,3) 8,9 (5,3-20,1) 0,039 HAS: hipertensão arterial sistêmica; DM: diabetes melito; SOFA: Sequential Organ Failure Assessment; APACHE II: Acute Physiology and Chronic Health Evaluation; METs: equivalentes metabólicos; PCR: proteína C-reativa; GB: glóbulos brancos. Dados expressos em média e desvio padrão, mediana (percentis 25-75%) e porcentagem. A Tabela 3 apresenta as regressões logísticas uni e multivariadas para avaliar a associação dos METs baixo com a mortalidade intra-hospitalar. O METs < 4 foi associado com maior mortalidade intra-hospitalar mesmo ajustado por sexo, idade, PCR e SOFA (OR: 7,039; IC95%: 1,060-46,727; p=0,043), e pelos glóbulos brancos (OR: 7,769; IC95%: 1,274-47,394; p=0,026). Tabela 3. Regressão logística uni e multivariada para predição de mortalidade intra- hospitalar nos 46 pacientes com choque séptico. Odds Ratio 95% CI Valor de p METs <4* 5,357 1,136 – 25,264 0,034 METs <4** 7,039 1,060 – 46,727 0,043 METs <4*** 7,769 1,274 – 47,394 0,026 *Sem ajuste; ** Ajustado para sexo, idade, PCR e SOFA escore; ***Ajustado para glóbulos brancos 22 DISCUSSÃO O objetivo do presente estudo foi avaliar a influência da capacidade funcional prévia na mortalidade hospitalar de pacientes com choque séptico. O estudo mostrou que nos pacientes com METs < 4 apresentavam maior mortalidade intra-hospitalar. O choque séptico é uma doença grave que apresenta alta mortalidade, mesmo com a criação de guidelines para padronizar o seu tratamento, principalmente em países em desenvolvimento. A mortalidade no presente estudo foi bastante elevada, mas está de acordo com a observada em outros estudos da América Latina. (COSTA et al., 2014; MACHADO et al., 2022). Tendo em vista o prognóstico dos pacientes com choque séptico, a identificação de pacientes que irão apresentar pior evolução é de fundamental importância para sua maior monitorização e realização de tratamento mais agressivo. Diversos são os escores estimados e os marcadores bioquímicos associados ao pior prognóstico nesses pacientes, entre eles destacamos o escore de APACHE, SOFA e o lactato sérico. Nesse estudo avaliamos a intensidade da atividade física anterior ao desenvolvimento do choque séptico como preditora de mortalidade nesses pacientes. O Exercício Físico é comprovadamente benéfico e está relacionado a melhor prognóstico em diversas doenças. No entanto, tanto EF quanto atividade física ainda não foram avaliados em pacientes com choque séptico. A determinação do consumo máximo de oxigênio (VO 2 max) é o método padrão ouro para determinação da aptidão física. No entanto, outros métodos mais simples e práticos podem ser utilizados para esta estimativa, entre ele os METs. Em nosso contexto, a avaliação dos METs foi escolhida por poder ser realizada pelos familiares dos pacientes, visto que estes encontravam-se entubados na maioria das vezes. Apesar de não termos encontrado estudos clínicos que avaliaram a atividade física antes do desenvolvimento do choque, estudos experimentais mostram resultados controversos. Banerjee e Opal (2017) compararam camundongos obesos ativos e não ativos nos quais o choque séptico foi induzido, e os animais mais ativos apresentaram menor mortalidade quando comparados aos camundongos 23 sedentários. Além disso, Call et al. (2017) mostraram aumento da atividade da superóxido dismutase e redução da disfunção de múltiplos órgãos em ratos exercitados submetidos ao choque séptico. No entanto, Yamada et al. (2018) mostraram que não houve diferença da mortalidade em modelo de choque séptico induzido em camundongos durante a gestação quando foram comparados os grupos exercitados e sedentários. Em estudos clínicos, a realização de atividade física e a mobilização precoce de pacientes com choque séptico já foram estudadas durante e após a internação hospitalar. No estudo de Hickmann et al. (2018), houve melhora da atrofia muscular quando o tratamento fisioterápico foi realizado durante a primeira semana de internação de pacientes com choque séptico. Os autores não observaram melhora expressiva no quadro de infecção, e apenas hipotensão reversível durante a realização das intervenções. Logo, nosso estudo foi o primeiro a mostrar a capacidade funcional adquirida pela prática da atividade física ou pela falta dela no período anterior ao desenvolvimento do choque séptico com o prognóstico desses pacientes. É interessante observar que quanto maior a capacidade funcional melhor o prognóstico dos pacientes avaliados. Os mecanismos envolvidos nessa melhora ainda necessitam ser esclarecidos. O trabalho apresenta algumas limitações, entre elas o fato de termos coletado dados de apenas um centro e o pequeno número de pacientes incluídos. A principal justificativa para a inclusão do pequeno número de pacientes foi a realização do trabalho durante a pandemia de COVID-19, pois as visitas hospitalares estavam mais restritas pelo contexto sanitário, o que dificultava o contato com os familiares, e pelo fato de não termos incluído pacientes com infecção pelo SARS-CoV-2. Apesar dessas limitações, é importante destacar que esse é o primeiro estudo a fazer a avaliação da capacidade funcional adquirida pela prática de atividade física previamente ao desenvolvimento do choque séptico. 24 CONCLUSÕES Em pacientes com choque séptico, o menor nível de atividade física avaliado pelo METs < 4 foi associado com maior mortalidade intra-hospitalar. 25 REFERÊNCIAS ALBERTI, C. et al. Epidemiology of sepsis and infection in ICU patients from an international multicentre cohort study. Intensive Care Med. V. 28, n. 2, p. 108–21, 2002. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11907653/ BANERJEE, D.; OPAL, S.M. 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