UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DE MARÍLIA CARLA CHIARI A POSSIBILIDADE DA AUTONOMIA MORAL: UMA ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES DE PIAGET E JUNG MARILIA 2021 CARLA CHIARI A POSSIBILIDADE DA AUTONOMIA MORAL: UMA ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES DE PIAGET E JUNG Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da UNESP – Univ. Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Marília, para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientação Prof. Dra: Patricia Unger Raphael Bataglia. Marília 2022 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Fac Filosofia e Ciências, Marília. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. C532p Chiari, Carla A possibilidade de autonomia moral : uma análise das concepções de Piaget e Jung / Carla Chiari. -- Marília, 2022 73 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientadora: Patricia Unger Raphael Bataglia 1. Autonomia moral. 2. Moral em Piaget. 3. Moral em Jung. 4. Educação moral. I. Título. CARLA CHIARI Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Educação Linha de pesquisa: Psicologia da Educação BANCA EXAMINADORA Orientadora: ______________________________________________________ Dr.ª Patrícia Unger Raphael Bataglia (Faculdade de Filosofia e Ciências/UNESP/Marília) 2º Examinador: ___________________________________________________ Dr.ª Rita Melissa Lepre (Faculdade de Ciências/UNESP/Bauru) 3º Examinador: ___________________________________________________ Irene Pereira Gaeta, Doutora, (Universidade Paulista/UNIP/ São Paulo) Marília, 28 de Março de 2022. AGRADECIMENTOS O amor me trouxe até aqui, esse amor vem de um conjunto de pessoas incríveis que fazem parte da minha formação e da minha base. O centro dela são meus pais Tereza e José Carlos, minha mãe pela linda habilidade de se relacionar, amar e principalmente ser destemida e corajosa, a meu pai pelo senso de justiça e verdade, mostrado muitas vezes com doçura, compreensão e carinho. Nessa base estão meus irmãos Carolina e Pedro, ambos justos, honestos e verdadeiros, porém diferentes em vários aspectos, são o meu passado no meu presente vivo, meus amores. Minha família, tias Marcia, Bertholina e Miriam, minha prima Maria Salete, professoras na vida real, exemplos de amor que me fizeram apaixonar pela educação. Á todos os meus familiares que vibraram com a minha conquista, principalmente minha avó materna Nair que descansou antes da minha defesa, porém com a sua 4 serie apenas, viveu para ver sua primeira neta mestre. Aos professores da minha formação em psicologia, em especial a Joanese Murata e Julio Padilha que me apresentaram Jung me fizeram caminhar rumo ao meu processo de individuação. Aos amigos, aos meus professores e aos alunos do Curso de Pedagogia da UNESP, principalmente, aos amigos do GEEPEI, que dividiram comigo seus conhecimentos e que tantas vezes me desequilibraram, fazendo-me buscar novos conhecimentos. Sobretudo o Matheus, Sergio, Mariana, Priscila, Cilmara, Cris, que estiveram mais próximos. A UNESP me trouxe pessoas especiais, agradeço a Patrícia minha orientadora, por essa sincronicidade, estou hoje no seu presente vivendo algo incrível , dividimos a mesma paixão por Piaget e Jung, como é bom ser compreendia e acolhida, sou imensamente grata por esse encontro. Agradeço também o carinho da Professora Melissa Lepre, seu olhar amoroso e acolhedor, me encorajou muitas vezes com as suas contribuições tanto na qualificação com a na defesa. A professora Irene Gaeta, seu lindo olhar para Jung que me possibilitou encontrar a pós em psicoterapia junguiana e tantos queridos e queridas que também contribuíram para o meu trabalho. A todos os meus amigos e amigas!! Como é bom ter pessoas especiais em minha vida, que se preocupavam se as coisas estavam dando certo, que mandavam mensagens, ligavam ou perguntavam, quando nos encontrávamos, que tinham sempre uma palavra de incentivo e de apoio. Não quero correr o risco de esquecer ninguém, por isso, chamo-os de amigos e sei que cada um sabe, em seu coração, o que significa na minha vida e o quanto eu lhe sou grata! A todos os meus alunos e clientes, aprendi e busquei aprender como cada um, vocês também fizeram com que eu buscasse o mestrado e encontrasse outras possibilidades de educação, minha profunda gratidão. “Não pertença a outrem quem pode permanecer-se a si próprio”. (Carl Gustav Jung) RESUMO O desenvolvimento humano é um objeto de estudo complexo que envolve diferentes aspectos, distintos, mas não separados. Temos como centro de nosso interesse o estudo da moralidade, e para isso, elegemos dois autores que discutem esse tema de modo tangencial em suas obras, pois privilegiam por um lado, a inteligência e por outro a afetividade. Entendemos que essas duas dimensões são intimamente relacionadas e compõem de certa forma a dimensão da moral. Na presente dissertação, trataremos do desenvolvimento da moral segundo Jean Piaget, um dos teóricos mais utilizados na educação e que apresenta, em suas pesquisas, o aprofundamento teórico sobre a moralidade e a autonomia; e outro teórico, Carl Gustav Jung, psiquiatra, que, em suas obras, aprofundou-se nos conceitos de formação da personalidade e também correlacionou, em algumas obras, o conceito de moralidade e autonomia. Foi possível, a partir dessa dissertação, o encontro entre as duas obras, pois ambos são construtivistas e buscaram aprofundar suas pesquisas, utilizando métodos de pesquisa empíricos e criando suas teorias independentes. A construção da dissertação foi dividida em quatro partes. A primeira trata da epistemologia dos autores, enquanto a segunda disserta sobre a moral em Piaget, a terceira sobre a moral em Jung e, finalmente, a última parte conclui a correlação entre os dois autores. Na primeira parte, abordamos os aspectos epistemológicos dos autores, como correntes filosóficas e até embasamento de pesquisas. Já na segunda, utilizamos Piaget e os principais aspectos da moralidade em sua teoria, destacando o livro “O Juízo e a Moral na Criança”. Na terceira parte, destacamos as principais obras de Jung, contendo aspectos da moral e alguns de seus livros que abarcaram o tema. Por fim, sintetizamos a relação dos dois autores para a construção das possibilidades de autonomia moral nos indivíduos. Ambos os autores destacam: os aspectos do coletivo, a importância da socialização e do ambiente mais cooperativo e a busca do desenvolvimento dos indivíduos de maneira autônoma, ou seja, a apropriação de seus próprios destinos e a responsabilidades por suas histórias. Dessa forma, ressaltamos que esse assunto é de extrema importância para o processo educacional, visando ilustrar os educadores a respeito como ferramenta para o seu trabalho. Palavras-chave: Moral, Autonomia, Construtivismo. Piaget. Jung ABSTRACT Human development is a complex object of study that involves different, but not separate, aspects. We have as the center of our interest the study of morality, and for that, we chose two authors who discuss this topic tangentially in their works, as they privilege, on the one hand, intelligence and, on the other hand, affectivity. We understand that these two dimensions are closely related and somehow make up the moral dimension. In the present dissertation, we will deal with the development of morality according to Jean Piaget, one of the most used theorists in education and who presents, in his research, the theoretical deepening of morality and autonomy; and another theorist, Carl Gustav Jung, a psychiatrist, who, in his works, delved into the concepts of personality formation and also correlated, in some works, the concept of morality and autonomy. It was possible, from this dissertation, the meeting between the two works, as both are constructivists and sought to deepen their research, using empirical research methods and creating their independent theories. The construction of the dissertation was divided into four parts. The first deals with the authors' epistemology, while the second discusses Piaget's morality, the third on Jung's morals and, finally, the last part concludes the correlation between the two authors. In the first part, we approach the epistemological aspects of the authors, such as philosophical currents and even research basis. In the second, we used Piaget and the main aspects of morality in his theory, highlighting the book “O Juízo e a Moral na Criança”. In the third part, we highlight Jung's main works, containing aspects of morality and some of his books that covered the theme. Finally, we summarize the relationship between the two authors for the construction of the possibilities of moral autonomy in individuals. Both authors emphasize: the aspects of the collective, the importance of socialization and a more cooperative environment and the search for the development of individuals in an autonomous way, that is, the appropriation of their own destinies and responsibilities for their stories. Therefore, this subject is extremely important for the educational process, aiming at knowledge for educators as a tool for their work. Keywords: Moral, Autonomy, Constructivism. Piaget. Jung SUMÁRIO INTRODUÇÃO.....................................................................................................................07 1. CAPÍTULO: EPISTEMOLOGIA DOS AUTORES.........................................................09 METODOLOGIA....................................................................................................................14 2. CAPÍTULO PRINCIPAIS ASPECTOS DA OBRA DE JEAN PIAGET...........................20 2.1 Moral em Piaget..................................................................................................................22 2.2 Caminho Psicogenético no Desenvolvimento do Juízo moral............................................25 2.3 Ambiente Sócio Moral........................................................................................................34 3. CAPÍTULO: PRINCIPAIS ASPECTOS DA OBRA DE JUNG..........................................37 3.1 Moral em Jung....................................................................................................................37 3.2 Autonomia em Jung............................................................................................................51 4 . CAPÍTULO INTEGRAÇÃO ENTRE OS AUTORES.......................................................54 5. Considerações Finais.............................................................................................................62 REFERÊNCIAS.......................................................................................................................66 INTRODUÇÃO O interesse por esta pesquisa é consequência da minha trajetória pessoal e profissional, que me permitiu olhar com esperança para a educação e encontrar, a partir disso, possibilidades para melhoria daqueles que me cercam. Nessa perspectiva, vivenciar a realidade como psicóloga em uma escola por mais de dez anos e, nesse ínterim, resolver retornar para a academia e fazer pedagogia abriu muitas possibilidades de investigação e descobertas. A experiência da aplicabilidade da teoria na pratica, me propiciou vivencias incríveis e principalmente ampliação do olhar em relação a educação. Trabalhar com crianças de 3 até adolescentes de 17 anos, vivenciando as suas fases e levando a psicologia escolar para as suas vidas como a possibilidade de alguém que os escutasse, acolhesse e principalmente direcionasse com um olhar não tão patológico. Após a minha formação em psicologia em 2011, entrei em uma escola que tinha da educação infantil ao ensino médio, me vi então com uma necessidade de retornar a academia, iniciei então a faculdade de pedagogia em 2013. Nesse espaço escolar a possibilidade de dar aulas em grupos para os alunos, trabalhar conteúdos relacionados aos conflitos das idades, experiencias de cada um e principalmente vivenciar as suas escolhas pessoas e profissionais com os alunos do ensino médio. Nas aulas utilizava conhecimentos da teoria piagetiana para conversarmos sobre os conflitos como a roda de conversa, assembleia e também desenvolver aspectos do aluno pesquisador que constrói a sua história. Toda essa trajetória me possibilitou trilhar esse caminho para o mestrado, principalmente após viver essa construção em um ambiente escolar, utilizando a abordagem junguiana e piagetiana na escola. Como atuar em educação e desenvolvimento humano, buscando integrar autonomia moral, cognição e afetividade? Foi nesse caminho que encontrei o grupo GEPPEI, que me permitiu a realização desse trabalho. Em meus estudos, minha inquietação foi desde o início compreender as pontes possíveis entre dois teóricos, Jean Piaget e Carl Gustav Jung. Ambos utilizados em minha prática profissional, por mais de quinze anos, como fonte de resposta e sustentação teórica às práticas pedagógicas e psicológicas. O biólogo suíço Jean Piaget, nasceu em 9 de agosto de 1896 e faleceu em 16 de setembro de 1980. Seus principais estudos foram sobre a gênese e o desenvolvimento do Conhecimento com C maiúsculo por se referir ao Conhecimento lógico-matemático). Em seus trabalhos, escreveu também sobre grupos, moral e afeto, ainda que de modo tangencial a sua linha principal de estudo, a Epistemologia Genética. De suas obras, destaco ‘O Juízo Moral na Criança’ (1932). Nesse livro, essencial para outros tantos trabalhos, o autor discute como a criança parte da anomia, construindo regras heterônomas, e alcança, por meio de etapas, a autonomia moral. Com (Piaget 1932-1994), compreendemos que as relações sociais não são únicas, podendo ser coercitivas ou cooperativas, ou seja, as relações de coação conduzem ao respeito unilateral e as relações de cooperação, ao respeito mútuo. Piaget reconhece, assim, a importância das relações sociais, para que a consciência moral assuma as normas de forma autônoma. O médico psiquiatra Carl Gustav Jung, por sua vez, nasceu na Suíça em 26 de julho de 1875 e faleceu em 6 de junho de 1961. Seus principais estudos se voltaram aos conceitos de formação da personalidade, arquétipos do inconsciente coletivo, tornando-se o fundador da psicologia analítica. O pensador não fundamentou sua tese com o objetivo educacional, no entanto, aspectos da sua teoria, como a sombra, formação da personalidade e a moralidade, podem ser utilizados como uma ferramenta de compreensão do tema proposto. Partimos do princípio de que a base epistemológica de ambos os autores pode ser considerada coincidente e que, portanto, podemos buscar pontos de encontro tomando um mesmo referencial em ambas as teorias: a moral. A dissertação foi construída, nesse sentido, através da possibilidade de unir as teorias dois grandes autores, cada um em sua perspectiva e acerca da autonomia moral. Propusemos como questão de investigação: Quais os pontos de encontro entre Piaget e Jung quando consideramos a construção da moral autônoma no indivíduo? O objetivo principal foi, portanto, descrever a moral e a autonomia nos dois autores, buscando intersecções entre as suas obras. Como objetivos secundários, pretendemos: 1. Esclarecer a epistemologia que embasa a obra dos autores em tela. 2. Analisar na obra de Piaget “O juízo moral na criança” como compreende a construção da autonomia. 3. Buscar na obra de Jung quais os momentos em que aborda a moral autônoma e de que forma. 4. Refletir sobre as contribuições dos autores para a educação moral. A Dissertação foi organizada propondo primeiramente, no capítulo 01, a epistemologia dos autores, no capítulo 02, a moralidade em Jean Piaget, no capítulo 03, a Moralidade em Carl Gustav Jung e, finalmente, no capítulo 04, a convergência entre as duas teorias e os principais aspectos da moralidade e da autonomia nos autores estudados. Nas considerações finais, ressaltamos a importância da pesquisa para área da educação. 1. Capítulo: Sobre a Epistemologia dos autores Primeiramente, é necessário analisar as bases teóricas que sustentam os conhecimentos dos dois autores. Nessa óptica, o campo da epistemologia que se ocupa do estudo da filosofia das ciências, ou seja, analisa e critica os princípios, as hipóteses e os resultados do processo de construção do conhecimento científico, comparece de modo bastante importante. A busca de pontos em comum entre dois autores que partem de pontos de vista muito diversos é possível, mas isso precisa ficar claro desde o início. No caso da presente dissertação, temos pontos de encontro anteriores ao conceito analisado – desenvolvimento moral, ou mais precisamente, construção da autonomia moral. Detectamos uma convergência entre os dois autores, desde a filosofia moderna, pois ambos tiveram influências de Emmanuel Kant (1724-1804). O pensador germânico foi um dos primeiros a propor que o conhecimento é uma síntese do inatismo, que considerava o saber como algo congênito, e do empirismo, que encarava o saber como um elemento externo que pode ser adquirido com a experiência. Se pensarmos na importância de Kant, observamos que ele foi um grande divisor de águas na filosofia ocidental, pois rompeu com a tradição cartesiana ao propor a perspectiva transcendental, destacando os elementos a priori contidos no conhecimento que transcendem a experiência. Teve uma influência decisiva no pensamento ocidental, tanto na direção do romantismo como da dialética existencial. Como os dois autores se relacionam com o filósofo alemão, será possível analisá-los sobre essa perspectiva convergente. Em primeiro lugar, Jean Piaget trabalhou as questões fundamentais propostas por Kant e foi além, propondo um tipo de kantismo evolutivo, que considerava a base do apriori como sendo biológica e construída nas trocas entre o indivíduo e o meio. Para compreender essa gênese, se debruçou sobre o estudo do desenvolvimento psicossocial das crianças em diferentes faixas etárias no processo de construção do conhecimento. Em sua construção filosófica, Piaget utilizou também os conceitos de moral propostos por Kant. Ademais, no caso de Jung, tanto a filosofia como a literatura alemã fizeram parte da sua formação universitária. De acordo com Penna (2013), Jung também se declarava um seguidor das ideias de Kant em vários momentos de sua obra: “epistemologicamente apoio- me em Kant” (Letters 1, 1991, p.294 apud PENNA, 2013). No entanto, de acordo com Clarke, ele deu um passo decisivo para além do mestre: “Para Jung, e também para Hegel e outros sucessores de Kant no período romântico, o entendimento humano tinha que ser compreendido em termos históricos” (1993, p54). Nessa perspectiva, surge uma amplificação na teoria Kantiana na perspectiva de Jung, já que ele teve a influência de outros autores como Schiller, Schelling, Von Hartman, Carus e Bergson, que contribuíram para ampliar seus conceitos. Essa ampliação se deve ao fato de que, para Jung, o conhecimento construído na psique, não ser produto somente do ponto de vista da produção do conhecimento no consciente, mas também da compreensão desse conhecimento produzido sobre a perspectiva histórico e social de cada indivíduo no inconsciente. De acordo com Penna (2013, p 70), é nesse ponto que a epistemologia junguiana supera o impasse epistemológico de Kant, já que a discussão sobre a formação e a função do símbolo na psicologia analítica considera fatores sociais e históricos também como base metodológica. Sendo possível na teoria Junguiana, então, utilizar conteúdos simbólicos do inconsciente, tanto pessoal como coletivo, para traduzir experiências de cada um dos indivíduos. Nesse processo, cada um dos símbolos representa um significado exclusivo, que vai além do próprio símbolo e leva em consideração também o processo social e histórico de cada um, para traduzir as manifestações do inconsciente. Sendo assim ambos os autores iniciaram suas pesquisas com bases filosóficas, nos conceitos de Kant. Dentro do conceito referente ao conhecimento, a filosofia determina que a ciência precisa desenvolver um método que possa ser justificado e aprovado. Sobre esse ponto da filosofia, os dois autores pesquisaram de maneira experimental e experiencial, com embasamento em estudos de casos, para desenvolver seus trabalhos. Tanto Jung, no hospital psiquiátrico, como Piaget, em seus estudos com crianças, construíram suas teorias e, principalmente, criaram um repertório de trabalho ao buscarem a origem do desenvolvimento do indivíduo. Penna, estudou os aspectos epistemológicos de Jung e descreveu (2013, p. 91) Baseado nos experimentos de Wundt, Jung organiza em 1904, o laboratório experimental de psicopatologia no Burghozli, e realiza seu experimento de associação de palavras. Esse experimento constitui a primeira pesquisa sobre inconsciente nos moldes experimentais. Interessante notar que, com Wundt, a psicologia é definida como ciência da consciência, e por meio de seu experimento de associação Jung comprova, experimentalmente, a hipótese do inconsciente. Jean Piaget, por sua vez, desenvolveu a epistemologia genética por meio da psicologia, e mais especificamente, do método clínico que o levou a concluir que os indivíduos passam por fases ou estádios diferentes e específicos para a obtenção do conhecimento. Quando pensamos nos modelos clássicos de educação, identificamos posturas como os inatistas, empiristas e os construtivistas. Os inatistas acreditam que o indivíduo já nasce pronto, ou seja, tudo que somos carregamos antes de nascer. Já os empiristas consideram que nascemos como uma folha em branco, pois tudo que é construído pela experiência e que o próprio conhecimento vem da experiência. O construtivismo, como síntese, no entanto, propõe o meio das duas possibilidades, onde o indivíduo possui em si todas as características e potencialidades para o seu desenvolvimento, porém o meio tem que favorecer esse processo. Nesse sentido, o conhecimento depende da experiência, mas não vem da experiência. Jean Piaget é um dos grandes nomes, lido mundialmente e sendo referenciado com um dos maiores precursores da abordagem construtivista. Já, Jung, também se insere no contexto da abordagem construtivista, pois a psicologia analítica está incluída nesse paradigma da multiplicidade e diversidade de alternativas. De acordo com Penna (2013, p. 62) Jung reafirma que o paradoxo é a contradição do homem, sua infinita complexidade e diversidade, mas em sua psicologia prevalece uma visão integrativa e construtivista. A divergência entre os autores, parte do aspecto da pesquisa em relação ao objeto, ambos olham para o indivíduo, porém com pontos distintos, sendo Piaget mais focado na racionalidade, ou seja, em aspectos mais conscientes, Jung olhando para o indivíduo em seus aspectos mais inconscientes. Dentre os livros utilizados da obra de Jung, ressaltamos “Os tipos psicológicos” que abarca o período em que o autor focou mais no coletivo e nos aspectos da consciência e do desenvolvimento da personalidade. Jung também atenta aos aspectos conscientes em sua obra, evidenciando os aspectos biológicos, sociais e principalmente os aspectos racionais. De acordo com (JUNG, O.C. XIX- 2013, p. 41): Na psicologia não se recomenda o ponto de vista apenas biológico ou o das ciências naturais, pelo fato de ser em essência meramente intelectual. Mas isto não constitui uma desvantagem, porquanto, o método seguido pelas ciências naturais tem-se revelado heuristicamente de inestimável valor no campo da pesquisa psicológica. Mas o intelecto não capta o fenômeno psicológico como um todo, uma vez que este não é constituído de sentido, mas de valor, valor que se fundamenta na intensidade das tonalidades afetivas concomitantes. Precisa-se, no mínimo, de duas funções “racionais” para se esboçar o esquema mais ou menos completo de um conteúdo psíquico. É importante dizer que o inconsciente não é negado por Piaget. Ele ressalta que há processos que nos escapam completamente quando operamos mentalmente, Por exemplo, Piaget afirma (1996 ,EEG, p.214): O inconsciente não é mais que a expressão de nossa introspecção. Não há dois domínios mentais separados por uma fronteira, mas um único e mesmo trabalho do espírito, do qual, mesmo nos estados mais lúcidos, só percebemos uma pequena parte (centralizada sobre os resultados obtidos e não sobre o processo como tal), e que nos escapa quase totalmente quando já não o controlamos de perto. E novamente, no livro “O Juízo e a moral na criança” na p. 120, ele destaca: “Um pensamento é uma série de operações, não mais efetivas e manuais, se quiser, mas potenciais e esboçadas pelo organismo”, Neste trecho percebemos a admissão de aspectos conscientes e inconscientes nas operações mentais, ainda que seu objetivo não tenha sido o estudo do aspecto afetivo, e, particularmente, do inconsciente na construção do conhecimento. Após a explanação dos pontos teóricos dos autores, conclui-se que ambos partiram das mesmas bases epistemológicas kantianas e ampliaram suas perspectivas, seja pelo ponto de vista histórico e social, encontrado em Jung, seja sobre a construção do conhecimento em diferentes faixas etárias, encontrado em Piaget. Para aprofundarmos o estudo dos dois autores, nos próximos capítulos, traremos a metodologia e os principais pontos teóricas dos autores acerca da tese proposta nesse trabalho: a moralidade. METODOLOGIA O presente estudo é uma pesquisa bibliográfica que busca trazer um levantamento de materiais, em livros e revistas, sobre a temática da moralidade em Piaget e Jung. Foram utilizadas obras clássicas de Jean Piaget e Carl Gustav Jung e outros contemporâneos que continuaram os seus estudos. Além disso, também foram citados, dissertações, teses e artigos, das bases de dados de produção científica da CAPES nos últimos 5 anos. Foi realizada uma busca da palavra ‘autonomia’ nas obras dos autores citados. Como se tratam de dois autores, com vastas obras, evidenciou-se as obras principais relacionadas ao tema da autonomia e moralidade. Foi realizada ainda, uma revisão sistemática do tema, nos últimos vinte anos, com o objetivo de compreender o estado da arte desse tema. Não temos a pretensão de esgotar o tema, porém optamos nessa dissertação, não trazer os autores pós piagetianos e nem pós junguianos, pois a proposta inicial foi trazer conteúdo das obras e desenvolver o tema acerca da moralidade e da autonomia. PROTOCOLO PARA REVISÃO SISTEMÁTICA OBJETIVOS: Identificar e analisar possíveis pesquisas a respeito da moralidade (construção da autonomia) na área de educação em dois autores: Jean Piaget e Carl Gustav Jung QUESTÃO DE PESQUISA: Quais os trabalhos e análises foram desenvolvidas sobre a moral e autonomia considerando a obra dos dois autores e estudos posteriores na área de educação? SELEÇÃO DE FONTES: As fontes deverão estar disponíveis via web, preferencialmente em bases de dados científicas da área. Poderão ser selecionados também, trabalhos disponíveis em outros meios, desde que atendam aos requisitos da Revisão Sistemática. PALAVRAS-CHAVES: Piaget e Jung, autonomia, Moral em Piaget, Moral em Jung LISTAGEM DE FONTES: • Banco de teses da Capes (https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/ ) • Periódicos da Capes (http://novo.periodicos.capes.gov.br/) • bdtd.ibict.br TIPO DOS ARTIGOS: Serão considerados estudos conduzidos por profissionais da área de moralidade, especificamente da educação; IDIOMA(S) DOS ARTIGOS: Inglês e português. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO DOS TRABALHOS: Critérios de inclusão: (a) Serão incluídos trabalhos publicados e disponíveis integralmente em bases de dados científicas ou em versões impressas. (b) Serão incluídos trabalhos dos últimos 20 anos (publicados a partir de 2000) que já possuam aprovação pela comunidade científica. (c) Serão incluídos trabalhos relacionando moralidade, autonomia e educação. Critérios de exclusão: (a) Serão excluídos trabalhos publicados como artigos parciais, pôsteres ou resenhas. (b) Artigos que relacionam moral em um dos autores em contextos muito específicos, como religiosidade, direito, saúde, áreas exatas, filosofia etc. (c) Os autores Jean Piaget e Carl Gustav Jung aparecem apenas como referência bibliográfica, mas não são centrais. (d) Artigos em que o tema moral está inserido em outros âmbitos, podendo ter algum eixo de relação com a educação. CRITÉRIOS DE QUALIDADE DOS ESTUDOS PRIMÁRIOS: O trabalho deverá ter sido publicado em periódico ou anais de eventos com revisão por pares quando se referir a artigos ou aprovado por banca examinadora quando se referir a trabalhos de conclusão de curso, mestrado ou doutorado. PROCESSO DE SELEÇÃO DOS ESTUDOS PRIMÁRIOS: Serão construídas strings com as palavras-chave e seus sinônimos. As strings serão submetidas às máquinas de busca. Após a leitura do resumo e aplicação dos critérios de http://novo.periodicos.capes.gov.br/ inclusão e exclusão, o trabalho será selecionado se confirmada a sua relevância pelo principal revisor (mestranda). Se houver dúvida da relevância a orientadora será consultada. ESTRATÉGIA DE EXTRAÇÃO DE INFORMAÇÃO: Após definidos os trabalhos definitivamente incluídos, este serão lidos na íntegra. O revisor fará um resumo de cada um deles, destacando os conceitos de moral e autonomia. A primeira busca foi realizada, no banco de teses da Capes. Com os seguintes resultados: Palavra Chave: Jung e Piaget : 0 Palavra- chave: Jung e a Moral:3 Critérios de Inclusão : (a) (b) (c) 1. Bauer, Adriana Conceição Pellegrini. Os tipos psicológicos, segundo Jung - uma investigação junto ao professor' 01/12/2002 190 f. Mestrado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, São Paulo Biblioteca Depositária: FEUSP Trabalho anterior à Plataforma Sucupira 2. Patarra, Iara Lopes. Do papel das imagens no papel o conceito de imagem na psicologia genética piagetiana e na psicologia analítica de jung' 01/03/2003 121 f. Mestrado em PSICOLOGIA ESCOLAR E DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, São Paulo Biblioteca Depositária: Serviço de Biblioteca e Documentação do IPUSP Trabalho anterior à Plataforma Sucupira 3. CARVALHO, ANTONIO GREGORY ROCHA. ÉTICA E PSICOLOGIA ANALÍTICA: Articulações entre alteridade e psicologia em C. G. Jung e Emmanuel Lévinas' 21/05/2019 99 f. Mestrado em PSICOLOGIA Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, Fortaleza Biblioteca Depositária: Biblioteca de Ciências Humanas da UFC PalavrasChave: Moral em Piaget TOTAL: 31656 Inclusão :12 critérios (a) (b) 1. LIPKE, PAMELA LUANA. INTERFACES ENTRE EDUCAÇÃO MORAL E ESCOLAR: COMPREENSÕES A PARTIR DE JEAN PIAGET' 30/06/2020 79 f. Mestrado em EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS Instituição de Ensino: UNIV. REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, Ijuí Biblioteca Depositária: MARIO OSORIO MARQUES 2. SMANIOTTO, DAIANA MICHELLE. AUTONOMIA, AUTORIDADE E FORMAÇÃO MORAL EM KANT E PIAGET' 14/08/2015 59 f. Mestrado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: Fundação Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo Biblioteca Depositária: UPF 3. Shimizu, Alessandra de Morais. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E JULGAMENTOS MORAIS DE JOVENS: UM ESTUDO INTERCULTURAL COMPARANDO DUAS ABORDAGENS TEÓRICO-METODOLÓGICAS' 01/04/2002 391 f. Doutorado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE EST.PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO, SÃO PAULO Biblioteca Depositária: FFC-MARÍLIA Trabalho anterior à Plataforma Sucupira 4. LEPRE, RITA MELISSA. A indisciplina na escola e os estágios de desenvolvimento moral na teoria de Jean Piaget.' 01/05/2001 182 f. Mestrado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE EST.PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO, SÃO PAULO Biblioteca Depositária: FFC - MARÍLIA Trabalho anterior à Plataforma Sucupira 5. ALVES, SABRINA SACOMAN CAMPOS. JEAN PIAGET E PAULO FREIRE: RESPEITO MÚTUO, AUTONOMIA MORAL E EDUCAÇÃO' 15/03/2018 139 f. Doutorado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO ( MARÍLIA ), Marília Biblioteca Depositária: UNESP, Campus de Marília 6. FONTANIVE, MERIANE CARLA. DESENVOLVIMENTO MORAL E COOPERAÇÃO N´O JUÍZO MORAL NA CRIANÇA DE PIAGET' 11/09/2017 73 f. Mestrado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO, Passo Fundo Biblioteca Depositária: upf 7. FRANCA, CARLA ANDRESSA PLACIDO RIBEIRO DE. EDUCAÇÃO MORAL OU MORALIZAÇÃO? UM ESTUDO SOBRE O DISCURSO E A PRÁTICA DE EDUCADORES EM INSTITUIÇÕES DE ACOLHIMENTO' 20/06/2018 292 f. Doutorado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO ( MARÍLIA ), Marília Biblioteca Depositária: UNESP, Campus de Marília 8. RESENDE, MARIA DO ROSÁRIO SILVA. EDUCAÇÃO MORAL E PRÁTICAS ESCOLARES CONSTRUTIVISTAS' 01/11/1997 158 f. Mestrado em EDUCACAO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, GOIÂNIA Biblioteca Depositária: UFG Trabalho anterior à Plataforma Sucupira 9. Trujillo, Maria Francisca Ferreira. IMPORTÂNCIA DO JOGO DE REGRAS NA APRENDIZAGEM E NO DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA: ESTUDO COMPARATIVO EM TEMAS DE ALFABETIZAÇÃO' 01/05/1997 120 f. Mestrado em EDUCACAO Instituição de Ensino: Universidade Católica de Brasília, Brasília Biblioteca Depositária: IBICT/Bibliotecas Central e Setorial da UCB Trabalho anterior à Plataforma Sucupira 10. Stefanello, Valdir Vicente Lago. A ATUAÇÃO DOCENTE NA PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO DA MORALIDADE NA CRIANÇA: UM ESTUDO À LUZ DA TEORIA DE PIAGET' 01/09/2005 157 f. Mestrado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS, São Leopoldo Biblioteca Depositária: Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Trabalho anterior à Plataforma Sucupira 11. SILVEIRA, ANA ALELUIA PORCIUNCULA. A CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA MORAL' 01/03/2001 143 f. Mestrado em EDUCAÇÃO Instituição de Ensino: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL, Porto Alegre Biblioteca Depositária: BIBLIOTECA CENTRAL DA PUCRS 12.Souto, Ricardo Pinho. Julgamento Moral e Argumentação: uma abordagem dialógica aos processos do desenvolvimento da moralidade' 01/10/2009 242 f. Doutorado em PSICOLOGIA COGNITIVA Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, RECIFE Biblioteca Depositária: Central da UFPE Trabalho anterior à Plataforma SucupiraPeríodos CAPES Jung e Piaget -0 Jung e a Moral- 0 Moral em Piaget- 1.688 Autonomia moral- 23.500 Os critérios de exclusão contemplam os itens (a) (b) (c) (d) (e) Após a pesquisa no período da capes, é notório observar que a moralidade na obra de Piaget tem uma vasta bibliografia no campo da moral, suspeita comprovada visto que o autor também se debruçou nessa temática. O próximo banco de dados utilizados foi a BDTD, bando digital brasileira de teses e dissertações. Nas palavras chaves foram encontradas: Jung e Piaget:0 Jung e a Moral: 0 Moral em Piaget: 207 selecionados: 3 Os critérios de exclusão contemplam os itens (a) (b) (c) (d) (e) 1. Favero, Alcemira Maria. Por uma pedagogia da autonomia moral : as conexões entre as teorias da moralidade de Piaget e Habermas, Dissertação, UFRS, 2005. 2. Alves, Sabrina Sacoman Campos, Jean Piaget e Paulo Freire: respeito mútuo, autonomia moral e educação, Tese, Unesp, 2018. 3. Ambiente sociomoral e desenvolvimento da autonomia, dissertação, UFRS, 2003. Autonomia Moral: 782 selecionados :3 Os critérios de exclusão contemplam os itens (a) (b) (c) (d) (e) 1.RABELO, Maria Lucimeyre. Busca da autonomia moral como proposta da educação: experiência em uma escola cooperativa de Fortaleza-CE. 2000. 179f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Ceará, Mês trado em Educação, Fortaleza (CE), 2000. 2.MONTANHA, Lilian Thiago. O papel dos professores na construção da autonomia moral dos alunos: como pensam e o que fazem. 2015. 98 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 2015. 3. D'ANGELO, Fabio Luiz. Cooperação e autonomia: jogando em grupo e que se aprende. 2001. 137p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Fisica, Campinas, SP. Disponível em: . Acesso em: 28 jul. 2018 Após as pesquisas, foram constados que a pesquisa relacionada moralidade entre os autores é inédita, pois não foram encontradas nos bancos de dados pesquisados o tema relacionado a moralidade envolvendo os dois autores. A POSSIBILIDADE DA AUTONOMIA MORAL: UMA ANÁLISE DAS CONCEPÇÕES DE PIAGET E JUNG 2. PRINCIPAIS ASPECTOS DA OBRA DE JEAN PIAGET O desenvolvimento infantil é evidenciado por transformações sucessivas. É importante, nesse aspecto, observar a criança desde o seu nascimento, vendo-a vivenciar ao longo do tempo, oportunidades para sua inserção no mundo social e cultural, por meio da aprendizagem da locomoção, fala, intuição e até conceituação. A transformação, ao longo do tempo, acontece, isto é fato, pois vemos um ser frágil, extremamente dependente, içar-se, depois de alguns anos, a patamares bem mais elevados e complexos quando o pensamento lógico norteará suas ações. A questão (ou as questões) com a qual (as quais) nos deparamos aqui é exatamente supor como um ser aparentemente “desprotegido” e “simples” pode se transformar em um ser tão exuberante e provido de cultura, linguagem, conhecimento etc. Como se dá por exemplo o aparecimento da linguagem? Seria por imitação? Como surge o pensamento? A criança já nasce pensando? Qual a relação entre pensamento e linguagem? Qual dos dois ocorre primeiro? Como a criança, a partir de estímulos básicos, como o de preensão e sucção, pode evoluir para esquemas tão mais complexos e coordenados como o pensamento lógico? Com o objetivo de responder a tais perguntas, muitos autores se debruçaram sobre o assunto. Um dos autores mais importantes nesse campo foi Jean Piaget, suíço, que se ocupou do desenvolvimento infantil, observando seus filhos e demais crianças. Investigou, de forma experiencial, os processos de pensamento, conseguindo assim descrever e explicar todo o desenvolvimento cognitivo, desde os primeiros meses de vida de uma criança até sua emancipação. Ao longo de suas pesquisas, o pensador quis compreender o desenvolvimento infantil do nascimento até a adolescência, investigando tanto a construção do conhecimento mais simples, quanto do mais complexo. Com relação à pedagogia, apesar de alguns escritos, esse não foi o objetivo de Piaget, embora seja inegável a influência de seu trabalho de epistemologia e psicologia genéticas para a educação. Segundo Chiarottino (1998, p.3): O objetivo primordial de Piaget era o de solucionar a questão do conhecimento: “Como é possível alcançar o conhecimento?” Formulada a pergunta, surge, de imediato, outra: “Conhecimento de quê”? A resposta para a segunda pergunta é simples: “Conhecimento do mundo em que vivemos, do meio que nos circunda”. Todavia, a palavra “meio” não se limita a designar os objetos (animados e inanimados) que nos rodeiam: Piaget a entende por via diversa, pois abrange tudo- natureza, objetos construídos pelo homem, ideias, valores, relações humanas, em suam História e cultura. Fica desse modo, caracterizado o objeto do conhecimento, na acepção de Piaget. Segundo o autor, as “estruturas mentais” seria a base para a construção do conhecimento, pois essas estruturas não são inatas, porém existem na genética de todos os indivíduos da nossa espécie, podem ser desenvolvidos ou não por troca pelo meio tanto físico como social, sendo importantes para que essas “estruturas” sejam formadas. Piaget então procurou explicitar em sua teoria, como funcionava essas estruturas e como elas são construídas, através da troca entre o indivíduo e o meio em que ele vive. Um dos principais aspectos da sua teoria diz respeito ao processo de conhecer e, nas sequências, organizar e estruturar o pensamento a partir da experiencia vivida. Para explicar esses processos de trocas em entre o meio e a experiência, Piaget descreve os estádios de desenvolvimento cognitivos: Sensório-motor, passando para o pré- operatório, operatório concreto e por último operatório formal. Tais processos são realizados pelo ser humano na construção das suas estruturas mentais, no entanto nem todos os indivíduos percorrem todo esse processo com o mesmo ritmo. Quando pensamos nesses processos de troca então com o meio, podendo existir, por exemplo na criança, ou não as possibilidades de raciocínio para deter no futuro a possibilidade de atingir o pensamento logico. Para Piaget, o conhecimento não é a associação, mas a integração dos sistemas e esquemas construídos pelo sujeito. Para ele, a capacidade de relacionar as coisas não é exterior ao indivíduo, mas sim produto de construções anteriores que se deram por meio da organização das ações que o indivíduo realiza. Piaget esclarece também a impossibilidade de uma hereditariedade que estabelece um programa já pronto e que somente vem a amadurecer conforme a interação com o meio se dá. Fica claro, também, que seus argumentos se baseiam na ideia de um construtivismo que não prescinde da sua relação com o meio, mas também não se encontra pronto, patenteia-se, contudo, passo a passo, na relação do sujeito com o meio. O meio é, de certa forma, conhecido pelo sujeito quando ocorre a formação das estruturas internas que respondem ao meio. Para Piaget então, essas estruturas são construídas quando o sujeito interage com o objeto, assimilando-o e acomodando-o as suas estruturas internas. Assim Chiarottino, 1988, p.4), descreve: De acordo com Piaget, não há conhecimento sem conceitos. Significa isso que o conhecimento parte da ação de uma pessoa sobre o meio em que vive, mas não ocorre sem a estruturação do vivido. Coisas e fatos adquirem significação para o ser humano quando inseridos em uma estrutura- isto que Piaget denomina “Assimilação”. Com o aparecimento da linguagem surge aquilo que Piaget chamou de “lógica das ações”, e que, segundo ele, prefigura a Lógica de classes ou relações, também a moral teria suas raízes mergulhadas nesse período do desenvolvimento do ser humano. “Sem dúvida encontramos, desde antes da linguagem, todos os elementos da racionalidade e da moralidade. (FREITAS, 2003, p.80) Após contextualizar os processos teóricos que Jean Piaget evidenciou em sua teoria, em relação as fases ou estágios de desenvolvimento infantil, iremos destacar pontos principais relacionados a moral e a autonomia que também fazem parte da sua vasta obra, propondo uma interligação entre o processo de desenvolvimento e a construção do indivíduo como ser moral e social. 2.1-MORAL EM PIAGET Como vimos anteriormente, um dos pilares da teoria Piagetiana é o conhecimento, entretanto, Piaget buscou compreender e indagar questões morais que nos envolvem no dia a dia. Será que é possível os indivíduos construírem o conhecimento e desenvolver a moral? Sim, é possível, pois para Piaget é preciso compreender o sujeito epistêmico, o que existe de comum em todos os indivíduos, para que assim ele possa se desenvolver. Um dos pontos destacados é a questão do respeito, pois esse indivíduo está imerso em um sistema de regras. Esse conceito é evidenciado em um dos seus livros de maior destaque foi “O juízo moral na criança”, que será tratado nessa seção. No livro, O Juízo Moral na Criança (1932), o autor tem o interesse de compreender como a consciência do sujeito chega a respeitar as normas e regras morais, constituindo um sentido de obrigação moral. Sendo assim, a concepção de moral para Piaget, apesar de estar ligada diretamente as regras, deve ser compreendida com base no modo em que o sujeito se relaciona com o meio, fruto da relação que mantém com as pessoas que criam ou transmitem as regras. Como descreve PIAGET, (1998, p.63) Uma regra é um fato social, que supõe uma relação entre pelo menos dois indivíduos. É esse fato social que repousa sobre um sentimento que unes esses indivíduos uns aos outros, que é o sentimento de respeito: há regra quando a vontade de um indivíduo é respeitada pelo outros ou quando a vontade comum é respeitada por todos. Piaget descreve em seus escritos, no processo de desenvolvimento, tudo corrobora para que existam conexões e totalidades, não existindo ações isoladas, sendo muitas vezes desenvolvidas alguns aspectos, regras ou normas diferentes para cada indivíduo. “O equilíbrio orgânico entre o todo e suas partes é a lei interna dos fenômenos vitais, em todos os seus níveis”. (FREITAS, 2003, p.55). Isso nos implica compreender que a moral pode ser desenvolvida e que é igualmente aplicada. A moral não é a própria regra, mas o produto de uma interação social com o objetivo final de estabelecer a harmonia e o respeito entre todos. A regra vem do respeito e de um contexto social entre os individuos, mantém a relação de permanência dessa regra. Sendo a regra, a essência das relações humanas, descreveremos a sua prática e sua a consciência, descrita por Piaget. O mesmo encontro no jogo de regras com as crianças, uma possiblidade de estudar o desenvolvimento e a construção da consciência moral. Sendo que regras de jogos, “se transmite de geração em geração e se mantêm unicamente graças ao respeito que os indivíduos têm por elas” (PIAGET 1992 p. 2). Foi observada também que quando o jogo ocorre em grupo de iguais, as regras são elaboradas pelas crianças, ocorrem de maneira livre. Já quando é imposta pelos adultos, muito não se questiona a eficiências das mesmas e a sua funcionalidade, visto que vieram que alguém que impõe um processo de autoridade, “os deveres não são obrigatórios por causa de seu conteúdo, mas pelo fato de emanarem de indivíduos respeitados” (PIAGET, 1992, p. 311). A prática e a consciência das regras passam por vários níveis de desenvolvimento, tendo um momento em que a regra será motora e ao final, um momento em que ela será racional. É possível observar dois processo no desenvolvimento da consciência moral, seriam elas: Cooperação e a coação social, sendo ela “toda relação entre dois ou mais indivíduos na qual não intervém um elemento de autoridade ou de prestígio”; (PIAGET, 1977, p. 225). Já a cooperação seria o processo de desenvolvimento desse indivíduo, que governa a si próprio e prioriza o bem comum. É nesse processo que Piaget descreve sobre o grupo de pequenos jogadores, no qual a influência do mundo adulto é limitada por ser um grupo de iguais. O resultado dessas pesquisas sobre o jogo evidencia a forma de conduzir e sentir, a qual ele se relaciona a tese de Kant, sobre a existência de duas morais: heterônoma e a autônoma. Existindo então um movimento evolutivo do humano da primeira a segunda direção, mediante os efeitos da coação social e da cooperação evolutiva. Finalmente, destacamos o conceito de egocentrismo e descentração também como conceitos-chave para explicar a passagem da moral do dever para a moral do bem. É só se descentrando nas interações (que devem ser entendidas como ações entre: inter-ações) com os demais em relações de cooperação, que a criança, ou o adolescente, descobre a necessidade de ajustar suas perspectivas a dos outros ou coordenar perspectivas diferentes. Assim, a descentração, em relações sociais de cooperação, é a resposta para o desenvolvimento moral. Um outro aspecto importante a ser destacado é a tomada de consciência na moral, que auxiliará na compreensão da questão do desenvolvimento. Nos livros “O juízo moral na criança”, de 1932, “A tomada de consciência”, de 1977, e “Fazer e Compreender”, de 1978, Piaget explica que, em um primeiro momento, é importante que o indivíduo evolua das ações práticas vivenciadas para a conceituação do que está ocorrendo ao seu redor. Sem isso, o sujeito não consegue realizar ações com êxito, nem consegue coordenar as relações sociais envolvidas, apresentando, assim, uma conceituação deformada e desconexa com o objetivo final. No entanto, após a tomada de consciência, que não se trata de uma iluminação ou apropriação, mas sim de uma construção consciente progressiva, o sujeito consegue se apropriar da interiorização das ações. As ações do sujeito, ao contrário, são vistas por ele e assimiladas mais ou menos adequadamente por sua consciência como se se tratasse de ligações materiais quaisquer situadas nos objetos, donde a necessidade de uma construção conceitual nova para explicá-las: na realidade, trata-se, então, de uma reconstrução, mas não trabalhosa quanto o seria se não correspondesse a nada de já conhecido do próprio sujeito, e apresentando os mesmos riscos de omissões e de deformações que existiriam se a questão consistisse em explicar a si mesmo um sistema exterior de conexões físicas. (PIAGET, [1974], 1977, p. 201-202). O processo de tomada de consciência, não se dá de maneira imediata, mas por meio de elaborações graduais, passando de inconsciente para consciente. Quando pensamos em tomada de consciência moral, embora seja síncrona à tomada de consciência intelectual, não se reduz a ela, pois possui características específicas e pode ser direcionada a normas e ações coordenadas com uma afeição mútua. Na moral isso também acontecerá, após o processo de equilibração, promovido pela cooperação. Destaca Piaget ([1932], 1994, p. 297). Constituindo estruturas por meio de uma tomada de consciência adequada. Basta, para que a procura funcional de organização, a qual atesta a atividade sensório-motora e afetiva inicial, dê nascimento a regras propriamente ditas de organização, que o espírito tome consciência desta procura e de suas leis, e traduza, deste modo, em estrutura o que até aí era simples funcionamento. No campo da moral, é possível compreender que a tomada de consciência, consiste em reconstruções progressivas, através das mudanças de sentimento e ações, vivenciadas pela criança, sendo reconstruídas no campo da consciência, chegando a níveis de reciprocidade e respeito mútuo. Sabemos que essa tomada de consciência passa por processos de coação adulta, juntamente com o egocentrismo infantil. Ou seja, sabemos então que o caminho para esse processo ser significativo e eficiente é promover as experiencias de reciprocidade, respeito mútuo entre adultos e crianças para, assim, criar um ambiente de cooperação. A partir desses conceitos apresentados, evidenciaremos então os caminhos em que o indivíduo tem que passar moralmente, até chegar na autonomia moral. No próximo tópico descreveremos, anomia, heteronomia e autonomia, passos que Piaget descreve em sua teoria. 2.2- Caminho Psicogenético no Desenvolvimento do Juízo moral Piaget, ainda, argumenta que o desenvolvimento da moral abrange três tendências, denominadas: anomia, heteronomia e autonomia. No decorrer do capítulo iremos descrever essas tendencias. 1. Anomia (crianças até 3 anos aproximadamente): geralmente a moral não existe propriamente dita, sendo as normas de conduta dos indivíduos sendo determinadas pelas necessidades básicas e pelo ambiente em que vive. Nesse sentido, quando as regras estabelecidas pelo ambiente são obedecidas pelas crianças, elas o fazem de maneira inconsciente, não discernindo o que é certo ou errado. Exemplo: um bebê que chora até que seja alimentado está apenas reagindo uma necessidade fisiológica de nutrição e não pelo fato de compreender que aquilo é essencial para sua sobrevivência. Em função disso, Piaget chamou de anomia esse período, que ele considerou como um primeiro estágio do desenvolvimento da consciência de regra. Embora não existam, nesse momento, regras propriamente ditas, ele acreditava que essas regularidades espontâneas constituem a base sobre a qual assentariam as futuras normas racionais: “ora, o que é esta regra racional senão a regra motora primitiva, mas subtraída ao capricho individual e subordinada ao controle da reciprocidade?” (PIAGET, 1932/1992:63; FREITAS, 1998, p.79) Assim como para Durkheim e Bovet, para Piaget, enquanto existe apenas hábito individual, não há sentimento de dever ou de obrigatoriedade. Em sua investigação sobre as regras do jogo, ele obteve uma prova empírica disso. Quando apresentava as bolinhas de gude à criança de 1 ou 2 anos, ela as manipulava conforme seus desejos e hábitos motores. Nesse momento, existem regularidades espontâneas, as quais Piaget denominou também de regra motoras: “a regra motora resulta, portanto, de uma espécie de sentimento da repetição, que nasce no momento da ritualização dos esquemas de adaptação motora” (PIAGET, 1932/1992:62). Contudo, não se pode falar ainda de normas ou regras em si, pois a peculiaridade de uma norma é “ser obrigatória, isto é, de conservar a de fazer conservar seu valor por esta própria obrigação”. (PIAGET, 1968:67) É a partir do jogo que crianças pequenas procuram imitar o comportamento e a atitude das crianças mais velhas, que jogam com algumas regras, sendo obrigatório cumprir aquelas regras: “a regra é reconhecida pelo fato de que ela obriga, mas pode ser violada tanto quanto respeitada, diferentemente de uma ‘lei’ causal ou de um determinismo, que não sofrem exceções senão a título de variações aleatórias devido a uma combinação de causas” (Piaget, 1972, p.288) 2. Heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade): A próxima etapa diz respeito a primeira formulação de regras, ou seja, o resultado da primeira forma de regulação da ação pelo indivíduo, que é gerado pelas relações coativas estabelecidas entre as crianças e os adultos. Nesse processo, as crianças aprendem a como reagir a determinadas situações que envolvem as regras impostas pela autoridade do adulto (processo conhecido como heteronomia) e, nessa perspectiva, ainda não desenvolve sua autonomia. Há outras definições para esse processo de heteronomia, como a moral da coação, da autoridade, da obrigação moral, da obediência cega ou da submissão. Assim sendo, Piaget (1932, p. 311) Em síntese: a moral da heteronomia consiste em um conjunto de deveres a serem cumpridos- “regras prontas que se impõem de fora ao indivíduo”, como dizia Piaget. É uma moral de pura obediência. Para ele, como para Pierre Bovet, na moral da heteronomia os deveres são sentidos como obrigatórios, porque emanam de indivíduos respeitados, sejam esses deveres regras relativas a hábitos (alimentares, de higiene etc.), regras do jogo ou preceitos morais. “Pode haver, portanto, deveres estranhos à moral da reciprocidade)”. Essa primeira forma de obrigação do respeito unilateral, consiste na aceitação das consignes recebidas. A criança acredita “no valor absoluto dos imperativos recebidos” (ibid.:326). Contudo, a mera obediência às regras, além de ser insuficiente para transformar a conduta, produz consequências inopinadas, como pode constatar Piaget em suas pesquisas sobre os efeitos da coação adulta na consciência moral da criança (FREITAS, 2003, p.81) Quando pensamos na criança e uma situação de descumprimento de normas, como o ato de mentir, quanto maior a dramatização da situação exposta pelo adulto, maior é o julgamento e a incorporação daquela regra para a criança, destacou Ramozzi- Chiarottino (1972, p. 61), “na teoria de Piaget, o papel do sujeito permanece sempre preponderante”: ou seja, como ele ainda é passível das regras impostos, seu processo de conscientização acerca do certo e do errado acontece por meio de uma atividade assimilatória daquele sujeito, que ainda não consegue expressar sua própria vontade. Piaget (1932/1992) constatou no jogo de regras, uma correlação evidente entre o momento em que a criança começa a jogar efetivamente conforme as regras previstas e o fato de que ela admite que é possível alterá-las, sem que isso constitua uma transgressão. A heteronomia significa o processo pelo qual o indivíduo segue as regras feitas pela sociedade, limitando-se a uma obediência, já que essas regras se configuram, no contexto educacional, como uma visão da coerção e do respeito apenas unilateral. De acordo com Zan, (1998, p.54) O primeiro tipo de relacionamento adulto-criança é de coerção ou controle, no qual o adulto prescreve o que a criança deve fazer oferecendo regras prontas e instruções para o comportamento. Nesta relação, o respeito é algo unilateral. Isto é, a criança deve respeitar o adulto, e este usa a autoridade para socializar e instruir a criança. O adulto controla o comportamento da criança. Neste contexto sócio moral, a razão da criança para comportar-se, portanto, está fora de seu próprio raciocínio e sistema de interesses e valores pessoais. Piaget chamou esse tipo de relação de “heterônoma”. Em uma relação heterônoma, a criança segue regras dadas por outros e não por ela própria. A heteronomia pode variar em uma linha continua desde o controle hostil punitivo até o controle disfarçado em doçura. Na relação adulto-criança, observamos, muitas vezes, a imposição de atos e ações, já que os adultos tendem a proteger o menor. Assim, esse controle se processa de diversas maneiras, como pela imposição de regras, horários. Como isso se configura de maneira coercitiva, evidencia-se uma sensação de imposição pelas exigências arbitrarias de alguém que detém o controle e, principalmente, o poder, o que reforça a formação de um indivíduo heterônomo. Na opinião de Piaget, seguir as regras de outros por meio de uma moralidade de obediência jamais levará à espécie à reflexão necessária para o compromisso com princípios internos ou autônomos de julgamento moral. (DEVRIES; ZAN, 1998, p.55) O processo de coerção, no âmbito social, é superficial, pois não fortalece a autonomia e, na realidade, cria a dependência para com o outro. Assim, observa-se o desenvolvimento de uma obediência cega em relação às autoridades, o que acarreta um comportamento da criança que não reflete suas convicções pessoas e, tão somente, reforça o desejo de ações que o outro gostaria que ele fizesse. Piaget descreve então uma outra possibilidade de relação: o respeito mútuo e a autonomia, no qual o adulto devolve o respeito a criança, dando a ela a possibilidade de regular o seu comportamento e suas ações. Para isso, é necessário evitar o exercício de autoridade usado pelos adultos para coerção, o que permitiria que a criança desenvolvesse suas potencialidades para pensar de forma independente e critica. 3.Autonomia: legitimação das regras. O respeito a regras é gerado por meio de acordos mútuos entre as crianças e os outros. É considerada, pelo autor, a última fase do desenvolvimento da moral. Nessa perspectiva, tendo conhecimento que as crianças e adolescentes seguem fases mais ou menos parecidas quanto ao desenvolvimento moral, cabe ao educador compreender que há determinadas formas de lidar com diferentes situações e diferentes faixas etárias. Além disso, é importante que ele, ainda, conduza a criança na passagem da heteronomia para autonomia, ou seja, direcionando-a para a própria autonomia intelectual e moral. A construção da autonomia acontece quando o individuo internaliza as regras e começa a observar os pontos de vista, os seus valores, compreender também os valores existem e principalmente o coletivo. A relação entre iguais é a mais propensa para a construção da autonomia, comparando a relações entre desiguais, pois a relação adulta- criança pode promover a submissão, imitação e principalmente a obediência, sendo assim uma relação de heteronomia e não autonomia. Sendo assim, as crianças que constroem no seu processo de desenvolvimento internamente e consciente a autonomia, organizam as suas ações, a partir das regras, condutas, fazendo de maneira racional, tendo sempre o consenso que isso será importante também para os demais. A cooperação, descrita por Devries e Zan (1998, p.57), é uma interação social que se dirige a um determinado objetivo entre indivíduos que se consideram como iguais e tratam uns aos outros como tais. O método pelo qual o relacionamento autônomo opera é o de cooperação. Cooperar significa lutar para alcançar um objetivo comum enquanto coordenam-se os sentimentos e perspectivas próprias com a consciência dos sentimentos e perspectiva dos outros. O professor construtivista considera o ponto de vista da criança e a encoraja a considerar o ponto de vista de outros. O motivo para a cooperação começa com um sentimento de mútua afeição e confiança que vai se transformando em sentimentos de simpatia e consciência das intenções de si mesmo e dos outros. Nos escritos de Piaget, o termo moral pode ter ligação com algumas terminologias diferentes como: autonomia moral, consciência autônoma, cooperação, respeito mútuo, moral racional, estado de bem, do sentimento do bem. Essas definições são encontradas em outros livros e citações ao longo da sua obra. Piaget (1954, p. 534) chamou de autonomia a capacidade do sujeito de elaborar normas próprias, a qual se constitui nas relações de cooperação: “esta noção de autonomia é empregada aqui sem uma conotação filosófica. Ela designa somente a possibilidade do sujeito de elaborar, ao menos em parte, suas próprias normas”. O sujeito começa a organizar os seus pensamentos e atitudes e decide por sua própria consciência, começando a compreender uma norma social e uma lei física para, na sequência, questionar o que e como as coisas devem ou deviam ser, ou seja, ele descobre então a sua própria capacidade normativa, sendo a primeira condição para o processo de emancipação. De acordo com Freitas (2003, p. 93): A descoberta de seu poder de instituir normas não implica que, a partir desse momento, a criança não se conduza senão por regras que ela mesma tenha elaborado. No entanto, a própria maneira como ela avalia e aplica os preceitos ditados pelos adultos- não mentir, não roubar etc- difere daquela da moral da heteronomia: o realismo moral tende a descrever com a idade e, por isso, as faltas morais passam a ser julgadas em função da intenção do agente (responsabilidade subjetiva) e não mais do resultado ou do caráter material do ato (responsabilidade objetiva). Um ato só é passível de sanção se houver, por parte do agente, a intenção de prejudicar. A obra de Piaget conta, também, com diferentes menções sobre a moralidade. Dessa forma, para ampliar a discussão, serão analisados alguns dos principais livros que expõe sobre a temática. O livro “O juízo e a moral”, já mencionado anteriormente, é considerado como um diamante em sua teoria sobre o tema da moralidade e, por isso, iremos destacar pontos principais em que o autor descreve a palavra autonomia. Pesquisando a palavra autonomia, foi encontrado oito citações importantes, que serão destacas abaixo: No trecho do livro Piaget (1932, p.19): Falta sublinhar ainda uma tese essencial à teoria de Piaget: a ação precede a consciência; esta é uma “tomada de consciência” da organização efetiva daquela. Assim, no nível da inteligência, as operações mentais serão uma abstração do funcionamento efetivo das ações sensório-motoras. No nível moral, as concepções de bem e de mal serão abstrações das relações sociais efetivamente vividas. Por esta razão, uma educação moral que objetiva desenvolver a autonomia da criança não deve acreditar nos plenos poderes de belos discursos, mas sim levar a criança a viver situações de autonomia será fatalmente exigida. Porém, é preciso tomar cuidado com as pretensões da ação educativa escolar: os conceitos de coação e cooperação são, para Piaget, conceitos que permitem a leitura de uma sociedade dada. Se uma cultura for essencialmente coercitiva, valorizando as posturas autoritárias e o respeito unilateral, dificilmente uma ação pedagógica, por si só, levará à autonomia dos alunos. Ajudará, sem dúvida, mas terá alcance limitado. Acreditar o contrário é pensar que uma criança é puro produto dos métodos e objetivos de uma instituição educacional. Não há dúvidas de que a teoria de Piaget permite-nos pensar a educação. Mas ela nos permite sobretudo pensar a cultura, e dentro dela, a educação. Pensando na autonomia da criança, ou situações de autonomia, precisamos compreender o que levou a essa mudança e a essa ação. Piaget chama esse processo de tomada de consciência: momento em que o indivíduo consegue se organizar e se estruturar para gerar uma devolutiva eficiente e, também, compreender os processos no qual ele está inserido socialmente. Isso ocorre, pois, o ambiente coercitivo, anterior, promove apenas a heteronomia, valorizando sempre a postura de autoridades e após a tomada de consciência, posterior, é possível a autonomia do indivíduo. O processo educacional pode promover um avanço nesse processo e, principalmente, conduzir ações cooperativas entre os indivíduos. Ao pensarmos que à ação procede a consciência, temos que promover uma educação para além da autoridade e do respeito unilateral, evoluindo, assim, da coação para o processo de cooperação e respeito mútuo. A autonomia é construída aos poucos e, mesmo em indivíduos que estão em processo de autonomia, há possíveis regressões para cenários de heteronomia. Isso acontece, principalmente, quando a tomara de consciência não se efetiva de maneira ampliada e consolidada. Um outro aspecto destacado por Piaget (1932 p. 155): Como a criança chegará à autonomia propriamente dita? Vemos surgir o sinal quando ela descobre que a veracidade é necessária nas relações de simpatia e de respeito mútuos. A reciprocidade parece, neste caso, ser fato de autonomia. Com efeito, há autonomia moral, quando a consciência considera como necessário um ideal, independentemente de qualquer pressão exterior. Ora, sem relação com outrem, não há necessidade moral: o indivíduo como tal conhece apenas a anomia e não a autonomia. Inversamente, toda relação com outrem, na qual intervém o respeito unilateral, conduz à heteronomia. A autonomia só aparece com a reciprocidade, quando o respeito mútuo é bastante forte, para que o indivíduo experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado. A reciprocidade, simpatia e consciência perante o outro, ocorre de maneira interna e precisa ser estruturada em uma vontade do indivíduo, quando ele compreende que suas ações afetam a coletividade. Sem esse processo social, não há necessidade moral, já que a moral só é construída na relação com o outro. Um outro aspecto a ser destacado é a autonomia da vontade, que é a consciência refletida através de si, não apenas do grupo, propondo assim uma reflexão em relação ao caráter e a forma em que os indivíduos interpretam a obrigação e a autoridade. Conforme Piaget (1932, p. 126). O terceiro elemento da moralidade é a autonomia da vontade. É contrário à moral racional impor o que quer que seja à própria consciência. “É uma regra, não somente de lógica, mas de moral, que nossa razão só deve aceitar como verdade o que, espontaneamente, reconheceu como tal” (pág. 123). Mas a solução kantiana, que explica a autonomia da vontade racional, equivale a fazer da obrigação “um caráter de certo modo acidental da lei moral.” (PIAGET, 1932, p. 125). Convém, pelo contrário, justificar a autonomia sem derrogar o princípio de obrigação e autoridade. “Kant demonstrou melhor que ninguém que havia algo de religioso no sentimento que a própria lei moral inspira à razão mais elevada; ora, não podemos ter sentimento religioso senão por um ser, real ou ideal, que se nos afigure como superior à faculdade que o concebe. É que, de fato, a obrigação é um elemento essencial do preceito moral”. É possível questionar, também, se as estruturas e organizações sociais também são um elemento da evolução do grupo. Nos aspectos filosóficos em que Piaget (1932, p. 265) se debruçou no livro, destacam: Durkheim pensa poder encontrar esta conciliação da autonomia e da autoridade social numa comparação com as ciências naturais. Somente somos livres frente à natureza, aprendendo a conhecer suas leis utilizando-as sem procurar transgredi-las. Ora, “na ordem moral, há lugar para a mesma autonomia e não há lugar para nenhuma outra. Como a moral exprime a natureza da sociedade, e esta não é mais diretamente conhecida por nós que a natureza física, a razão do indivíduo não pode ser mais a legisladora do mundo moral que do mundo material... Mas esta ordem, que o indivíduo, enquanto indivíduo, não criou, não quis deliberadamente, pode apoderar-se dela pela ciência”. (PIAGET, 1932, p. 133). Em suma, a autonomia consiste em compreender o porque das leis que a sociedade nos impõe e que não somos livres de recusar. Uma outra base teórica muito importante para Piaget é Kant, ao descrever sobre a obediência das regras, pois o principio vem da ação desse individuo ao julgar os atos dos demais, observando os aspectos dessa moral. Sendo que a autonomia moral deve estar no desejo desse individuo em escolher, aspectos das leis universais. Já em Piaget, descreve que a moralidade é construída, na relação com o outro, construindo assim suas próprias regras e valores, serão inseridas em seus grupos de convivência. Destacando Piaget (1932, p.275), Resta um último ponto, sobre o qual o manuscrito do curso deixado por Durkheim não determina com precisão as aplicações pedagógicas, mas que é estudado pelo autor a propósito dos elementos da moralidade: a autonomia da vontade. A posição tão sugestiva tomada por Durkheim e as observações tão perspicazes que fez sobre a moral kantiana são de natureza, melhor que todo o resto da obra, a fazer-nos compreender o forte e o fraco da doutrina durkheimiana, A autonomia da vontade moral, segundo Kant, é devida ao caráter racional desta, resultando da sensibilidade a própria obrigação do dever como tal. Sobre o que Durkheim observa, com razão o nosso ver, que a obrigação própria ao dever puro se torna neste caso, “um característico de certo modo acidental da lei moral” (PIAGET, 1932, p. 125). Ora, tudo comprova, segundo Durkheim que “a lei moral está investida de uma autoridade que impõe seu respeito mesmo à razão” (pág. 125) e assim é obra de um ser, real ou ideal, “superior à faculdade que o concebe” (pág. 126). Não sendo este ser outro que a própria sociedade, a única autonomia possível é, então a livre submissão da razão individual às leis da sociedade. Iremos destacar o termo cooperação e respeito mútuo, no próximo tópico, pois conforme Piaget (1932, p. 276), esse cenário busca um possível caminho para o processo de autonomia, onde o meio, no qual o indivíduo está inserido, tem o objetivo de construção de uma sociedade que respeita o indivíduo e prioriza as ações desse individuo visando o coletivo e o bem comum. A cooperação, o respeito mútuo, portanto, implicam mais que a autonomia ilusória descrita por Durkheim: postulam a autonomia completa da razão. Quando Durkheim nos lembra que o indivíduo é por sí só capaz de criar a moral, isto não exige absolutamente que a personalidade (isto é, o indivíduo enquanto se submete às normas da reciprocidade) não seja livre de julgar tudo segundo sua própria razão. Que a autonomia suponha um conhecimento destas leis, nada mais justo. Mas as leis sociais não estão concluídas e sua constituição progressiva supõe a cooperação e a inteira liberdade da razão pessoal. A autonomia da razão, portanto, nada tem a ver com a fantasia individual, mas é contraditória com a ideia de uma autoridade exterior reconhecida como tal. Como Rauh tão profundamente o demonstrou, ser pessoal consiste em “situar-se”, o que não impede que, para se situar, seja preciso primeiramente “instruir-se”. Para educar a autonomia na criança, portanto, é útil “educá-la” cientificamente. Mas não basta, para isso, submetê-la à sociedade adulta, e fazê-la compreender de fora as razões desta submissão: a autonomia é um poder que só se conquista de dentro e que só se exerce no seio da cooperação. Após as citações encontradas no livro, destacaremos com ênfase, outros aspectos e definições da palavra autonomia e cooperação. Ainda que meio século depois, os desafios se mostram semelhantes. “Embora seja ‘moderno’ o conteúdo ensinado, a maneira de se apresentar permanece às vezes arcaica do ponto de vista psicológico” (PIAGET, 1973, p. 19). Piaget (1979 p. 21) invocava a reflexão “nesse campo tão especial da formação de futuros homens de ciência, e de técnicos de nível satisfatório para uma educação apropriada ao espírito experimental, coloca-se um problema que sem dúvida não é peculiar ao ensino da física, mas que já começa a preocupar certos educadores é se haverá de importa cada vez mais toda a pedagogia com base na Psicologia”. Visando os conceitos que envolvem a psicologia e a pedagogia, juntos podem ampliar o olhar para novas visões. “A decisão caberá às experiências pedagógicas, metodológicas do futuro” (PIAGET, 1979 p. 21). Uma das grandes descobertas de Piaget (1992) se materializa nesse trecho: “com a idade o respeito muda de natureza” (p.79). Assim, no processo de desenvolvimento, na medida que a criança estabelece trocas com outras crianças - havendo então um desenvolvimento cognitivo -, ela também permite se descentrar de seu próprio ponto de vista, egocêntrico. Nessa perspectiva, mais tarde, as diferenças de idade entre gerações deixam de ser mais relevantes do que o todo e um outro tipo de relação se estabelece: a cooperação. “A autonomia só aparece com a reciprocidade, quando o respeito mútuo é bastante forte para que o indivíduo experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como ele gostaria de ser tratado” (PIAGET, 1992, p. 155). Em terceiro lugar, Piaget evidencia que a moralidade é construída e tem um desenvolvimento partindo da anomia, à heteronomia e alcançando a autonomia e, com isso, duas grandes tendências da moral se destacam: a moral do dever, da obediência, e a moral do bem. Essas morais são constituídas por fatores diferentes que residem, principalmente, nas relações sociais vividas pelas crianças com os outros ao seu redor. Relações de respeito unilateral, caracterizadas pela coação, consolidam o senso de obrigação, a heteronomia moral. O autor em algumas passagens do juízo moral da criança destaca o papel dos pais nessa moral e chega a chamá-los de “psicólogos medíocres”, pois aplicariam “a mais contestável das pedagogias morais” (PIAGET, 1994, pp.151-152). Por outro lado, relações de respeito mútuo, permitem a cooperação e, somente nela é possível nascer a moral do bem que tem por base o princípio da reciprocidade. Assim, Piaget demostra a enorme força, para o desenvolvimento, que pode haver na relação entre iguais, baseada na cooperação. Penso que esse ponto da teoria da moralidade de Piaget é extremamente importante para pensarmos hoje, o que ou quem são as autoridades que impõem a obediência às crianças ou os “iguais” que cooperam entre si; ou mesmo se os iguais são mesmo tão iguais assim. As autoridades, como pais ou professores continuam atuando como fonte somente de respeito unilateral? Que preparo ou formação caberia a eles para auxiliar no desenvolvimento moral das crianças? Ou ainda, o exame das mídias e suas influências não estaria demonstrando que as coações sociais têm vindo de outro lado que não só de pais ou de adultos? 2.4-AMBIENTE SÓCIO MORAL Como evidenciado no capítulo anterior, o espaço social é fator importante para a construção da autonomia do indivíduo. Ainda que seja crescente a preocupação com a criação de um ambiente sócio moral cooperativo, ou seja, que permita a construção da autonomia da criança, ainda há necessidade de maiores estudos integrando estes conhecimentos. Para Piaget, a finalidade da educação seria a autonomia − ao mesmo tempo intelectual e moral − visto que se o ser humano “é passivo intelectualmente, ele não será moralmente livre” (PIAGET, 1988, p. 90). Assim dois aspectos devem ser abordados quando verificamos a importância da educação na formação desse indivíduo: busca-se enfatizar a importância da ação educativa no processo de desenvolvimento e conquista dessa autonomia moral pelo ser humano. Em suma, seriam eles: 1) como a constituição da consciência moral autônoma se constitui, para Piaget, em um problema a ser investigado e 2) o processo de construção da autonomia moral ao longo do desenvolvimento. Busca-se enfatizar a importância da ação educativa na conquista da autonomia moral pelo ser humano. Nessa perspectiva, um dos livros a ser destacado do autor é “Para onde vai a educação”, onde ele pontua alguns aspectos principais dessa construção. Assim descreve Piaget (1988, p.5) Com efeito, é essencial compreender que, se a criança traz consigo todos os elementos necessários à elaboração de uma consciência moral ou “razão prática”, como de uma consciência intelectual ou razão, simplesmente, nem uma nem outra são dadas prontas no ponto de partida da evolução mental e uma e outra se elaboram em estreita conexão com o meio social: as relações da criança com os indivíduos dos quais ela depende serão, portanto, propriamente falando formadoras, e não se limitarão, como geralmente se acredita, a exercer influências mais ou menos profundas, mas de alguma maneira acidentais em relação à própria construção das realidades morais elementares. Ademais, é preciso considerar que Piaget em suas obras, focou nos aspectos do conhecimento e como esse indivíduo atingia-os. Assim, iremos partir desse processo para compreender também que o pensador construiu uma teoria sobre a moral. Piaget desenvolveu já no campo da moral um número menor de escritos, focando em como o bebê mais inconsciente e amoral perante ao meio, pode chegar a consciência moral e autonomia. Esse pensamento de Piaget foi herdado sobretudo da ideia de Bovet (1912) que preconiza: transição entre os processos, sendo necessária trocas entre os individuos, sendo para Piaget formadoras. Nos estudos sobre a consciência moral e sua constituição, Piaget (1992) apoiou-se em com profundidade nos estudos de Bovet (1912), em relação a consciência do indivíduo, quando o mesmo se sente no dever de agir de tal modo, escolhe essa ação por independência visando a moralidade. Já Piaget, observa a tese de Bovet e propõe uma reflexão, sobre essa imposição de alguém que ensina algo. Como a criança irá refletir e praticar aspectos da sua autonomia: “como, se todo dever emana de personalidades superiores a ela, a criança adquirirá uma consciência autônoma?” (PIAGET, 1992, p. 308). Sendo assim Piaget sugeriu um caminho para pensarmos nisso do ponto de vista da razão e construiu seu processo em relação ao ambiente socio moral cooperativo: uma descoberta significativa que é na relação de simpatia e amizade que surgem as obrigações. Assim o respeito unilateral, por sua vez, gera um processo de reciprocidade, logo o respeito mútuo, não mais forçando a norma de retorno, onde o individuo se torna o governante de si mesmo, tratando os demais como o outro gostaria de ser tratado e principalmente de forma natural por escolha própria. Piaget (1977, p. 186), “a consciência adulta autônoma é um produto social recente e excepcional.” Ou seja, ainda paira predominantemente um cenário individualista no mundo, em que os interesses de cada um e a competição é totalmente destrutiva. Assim, se demonstra ainda mais a importância de se desenvolver um ser humano autônomo e livre para que essa situação individualista seja superada. Do livro “A ética na educação infantil”, da autora Rheta Devries e Betty Zan, 1998, destacaremos um ponto importantes sobre a construção de um ambiente socio moral na escola, (DEVRIES; ZAN, 1998, p. 65): No ambiente socio-moral colore cada aspecto do desenvolvimento infantil. Os adultos determinam a natureza do ambiente da criança através de interações cotidianas de duas espécies. O adulto geralmente coercivo ou heterônomo orienta a criança para uma moralidade de obediência que a mantém preocupada com regras e regulamentos externos a seu próprio sistema de regras. O adulto geralmente cooperativo encoraja a autorregulação da criança por meio de princípios autoconstruídos por ela própria. Os relacionamentos com companheiros também influenciam a natureza do ambiente sócio moral da criança, quando as interações com colegas são encorajadas pelo professor. O interesse pelos companheiros leva as crianças a cooperarem construindo significados compartilhados, resolvendo conflitos e criando e obedecendo regras. O professor construtivista promove as interações entre os alunos definindo as possibilidades, engajando-se com as crianças, ocasionalmente, como um companheiro e facilitando a interação, quando a autorregulação da criança fracassa. O processo de cooperação no ambiente escolar, promove a reflexão, resolução de conflitos e, principalmente, a construção das regras, o que acarreta o desenvolvimento do respeito, da promoção da igualdade de direitos e da responsabilidade social. Assim, fica evidente, a importância da interação social desse indivíduo. Finalizado as ideias de moralidade na obra piagetiana, passaremos agora para destacar o próximo autor, Carl Gustav Jung e os aspectos importantes da sua teoria. 3. CAPÍTULO: PRINCIPAIS ASPECTOS DA OBRA DE JUNG Carl Gustav Jung, médico suíço, psiquiatra do século XX, não contribuiu de maneira específica para o tema do desenvolvimento da autonomia por meio da educação, porém, sua teoria provoca uma reflexão a respeito das possíveis relações entre a individuação e a autonomia moral, além de fornecer ferramentas para compreender os processos individuais e grupais, o que inclui a educação. Nesse sentido, buscamos retomar em sua obra os principais momentos em que Jung trata da moralidade para estabelecermos as relações propostas. 3.1-A MORAL EM JUNG Para compreender melhor essa definição, foi realizado um levantamento bibliográfico da obra junguiana, sendo que, após a análise de sua literatura, observou-se que o autor se debruçou em aspectos como: formação da personalidade, desenvolvimento humano, símbolos e significados, ou seja, focalizou no processo de desenvolvimento do adulto. No entanto, no decorrer dos seus escritos, é possível, também, encontrar vários aspectos sobre a moralidade e autonomia, apesar de esses não serem temas centrais de sua obra. Iremos destacar, então, as principais citações encontradas na coletânea de obras do autor - ao todo são 34 volumes, divididos em 18 partes. Os livros iniciais do volume 01 ao 03 são baseadas na psiquiatria como uma forte influência em sua formação como médico e psiquiatra. Já os volumes 04 e 05, são baseados em sua relação com Sigmund Freud, mais psicanalista, e, finalmente, os volumes 05 ao 18, sobre a construção de sua teoria da psicologia Analítica, sendo os volumes do 14 ao 18 mais específicos na sua fase de estudos sobre alquimia. Com essa revisão de sua obra, foi possível encontrar os aspectos da moral e da moralidade em vários volumes da obra de Jung, conforme o Quadro 1. Quadro 1 – Obras em que são discutidos aspectos da moral em Jung Volume Título Parágrafo (s) / Página (p) 4 Freud e a Psicanálise 21s, 175s, 180s, 182s, 200s, 229s, 349s, 351s, 380s, 441s, 469, 484s, 535s, 560s, 575s, 583s, 587, 598s, 607s, 619s, 631s, 640s, 653s, 666s, 680s, 759s, 777s. 5 Símbolos da 104s, 369s Transformação 6 Tipos Psicológicos 399, 400,518, 524, 928, 236,250,339,520,568,856 7/1 Psicologia do Inconsciente 27s, p.43, p.45 p.144, 147,152 7/2 O eu e o inconsciente 401s, 402s 240, p.144s 8/1 A energia psíquica 105 8/2 A natureza da psique 461,465,472,528,532,568,685,697 9/1 Os arquétipos e o inconsciente coletivo 41,53,56, 59s, 76,84,135,177,189,243,394,399,410,657,704 9/2 Aion- O estudo sobre o simbolismo do si-mesmo 14,16,34-36,39,4649,54,68,126,248,255,257,315,370,403, 422s. 10/1 Presente e Futuro 499,507,511,534,555,570,577,586 10/2 Aspectos do drama contemporâneo 408,423,450,457,460,472,937; 10/3 Civilização em transição 3,5,20,32,48,108,162,210s,217,219,235,239,248,263,826,850, 855s 11/1 Psicologia e Religião 130 11/2 Interpretação simbólica do Dogma da trindade 285 11/3 O símbolo da transformação 394 na missa 11/4 Resposta a Jó 754 11/6 Escritos Diversos 1.041 13 Estudos Alquímicos 228,230,247,294,323,332,372,433,459 17 O desenvolvimento da Personalidade 154s,159, 18/1 A vida simbólica 504,911s,921,928s 18/2 A vida simbólica 1.4141.120,1,148,1.172,1.277,1.349,1.368,1.390,1.398,1.480s ,1.414s,1.452,1.556,1575,1.584, 1.593,1.599s,1.625s,1.643, 1.651,1.657,1.667,1.680,1.756,1.811.1.830 Fonte: Organização da autora Em todos esses livros, encontramos na obra do autor citações relacionadas a moralidade, mas, nesse trabalho, utilizaremos somente algumas citações, pois em algumas obras, os conceitos de moralidade estão relacionados às fases de construção dos seus escritos e são pautadas muitas vezes em conceitos religiosos e sociais, como o período das grandes guerras. Essas obras que não utilizaremos referem-se a primeira parte da obra do autor (livro 1 ao 5). Na presente dissertação, focaremos especificamente a segunda parte da obra de Jung (livro 6 ao 10.3), justamente a que se propôs a uma investigação a respeito da formação do eu autônomo e de todo processo de desenvolvimento. Quadro 2 – Obras utilizadas para a presente análise, que se referem ao segundo período. Volume Título Parágrafo (s) / Página (p) 6 Tipos Psicológicos 399s,400s,518s,524s,928s, 236,250,339,520,568,856 7/1 Psicologia do Inconsciente 27s, p.43, p.45 p.144, 147,152 7/2 O eu e o inconsciente 401s, 402s 240,p.144s 8/1 A energia 105 psíquica 8/2 A natureza da psique 461,465,472,528,532,568,685,697 9/1 Os arquétipos e o inconsciente coletivo 41,53,56, 59s, 76,84,135,177,189,243,394,399,410,657,704 9/2 Aion- O estudo sobre o simbolismo do si-mesmo 14,16,34-36,39,46-49,54,68,126,248,255,257,315,370,403,422s. 10/1 Presente e Futuro 499,507,511,534,555,570,577,586 10/2 Aspectos do drama contemporâneo 408,423,450,457,460,472,937; 10/3 Civilização em transição 3,5,20,32,48,108,162,210s,217,219,235,239,248,263,826,850, 855s Fonte: Organização da autora A seguir, destacaremos as obras citadas, sobretudo aquelas que possuem relação com o processo de construção da teoria da psicologia analítica, por volumes e pelos processos históricos e sociais em que o autor estava inserido. É importante ressaltar, entretanto, que não temos a pretensão de esgotar os assuntos pertinentes a moralidade na obra do autor, porém a título de desenvolvimento da pesquisa, destacaremos alguns pontos de cada obra. O volume 6, Tipos Psicológicos, é um marco em sua obra por ser o mais conhecido. A obra iniciou em 1913, após o rompimento com Fred, e foi finalizada em 1921, sendo que alguns conceitos são utilizados até hoje de maneira cotidiana, como a atitude de extroversão e introversão e, também, as quatro funções: pensamento, sentimento, sensação e intuição. No corpo do livro é possível observar os interesses do autor em estruturas psíquicas, estimulando o interesse e a compreensão das essências individuais da pessoa humana. O livro foi publicado em 1921, após o processo de rompimento com Freud. De acordo com Hopcke (2012, p.64): O Longo período de isolamento profissional, seu período chamado de não cultivado (repouso da terra), permitiu a Jung desenvolver e aplicar suas ideias sobre a tipologia a todos os vários aspectos da cultura que são o foco de cada capítulo do livro- filosofia, teologia, poesia, mitologia, psicologia etc. No último capítulo do livro, “Definições”, Jung apresentou pela primeira vez de uma maneira organizada os diversos conceitos que chegou a usar ao longo de seu livro. Ainda que extraordinariamente útil e acessível, definições só é representativo do pensamento inicial de Jung, e muitos dos conceitos lá definidos sofreram considerável elaboração e refinamento durante a longa carreira de Jung. Por isso, como um todo, o volume 6 Obras completas representa um ponto alto para Jung em termos pessoais e profissionais, um livro que é fruto de um importante período de transição e de autodefinição, bem como uma contribuição perene para o campo da psicologia. Ele descreve também processos de desenvolvimento do mundo ocidental e oriental, propondo reflexões sobre o desenvolvimento da consciência a partir do seu tipo psicológico e dividindo a humanidade em oito tipos, sendo a base para a criação de vários instrumentos de mensuração de tipos psicológicos, como o estudo de Myers Briggs criadora do teste MBTI – utilizado mundialmente -, conhecido o no Brasil como QUATI. Nesse volume, o autor também irá abordar princípios relacionados aos instintos humanos e ao processo civilizatório, que permitiu a humanidade evoluir e se desenvolver, possuindo assim regras, ordens e condutas. De acordo (JUNG, 2013, Vol. VI, p. 226) Somos ainda tão pouco educados que precisamos de leis de fora e um mestre de disciplina, respectivamente um pai, para sabermos o que é bom e para podermos agir corretamente. E por sermos ainda tão bárbaros é que a confiança nas leis da natureza humana e do caminho humano nos parece um naturalismo perigoso e não ético. Por quê? Porque no bárbaro, sob a fina pele cultural, logo aparece a besta da qual tem medo, e com razão. Mas este animal não será vencido pelo fato de o mantermos enjaulado. Não existe moralidade sem liberdade. Quando um bárbaro solta sua besta, isto não é liberdade, mas falta de liberdade. Para poder ser livre, é preciso antes vencer o barbarismo. Isto acontece, em princípio, quando o fundamento e a força motivadora da moralidade são percebidos e sentidos pelo indivíduo como partes constitutivas de sua própria natureza, e não como limitações que vêm de fora. No contexto histórico da humanidade, passamos por períodos de barbárie, em que havia ausência de regras, o que acarretava ações baseadas pelo instinto de sobrevivência. No entanto, o posterior condicionamento de regras não soluciona o problema da barbárie, já que o indivíduo “enjaulado” em regras impostas por processo coercitivos, não é livre e, portanto, não consegue constituir uma moralidade, já que não há moralidade sem liberdade. O caminho, portanto, para o autor, é de que o indivíduo necessita reconhecer e sentir, em sua própria natureza, os fundamentos da moralidade, ou seja, criar uma autonomia da vontade (do desejo de conhecer-se e de libertar-se). Aqui vemos forte influência da moral kantiana, que como subtítulo da terceira seção dos Fundamentos da Metafísica dos Costumes, coloca: “O Conceito da Liberdade é a chave da explicação da Autonomia da Vontade” (KANT, 1785-1988). Nessa seção, Kant anuncia a relação entre liberdade e racionalidade nos seres e diferencia os seres irracionais como sendo os que podem apenas agir em função de atender a uma necessidade natural. Se por um lado, a influência de Kant se nota no conceito de Liberdade, para Jung, iremos observar agora os conceitos de inconsciente, que também são preponderantes nos conceitos de moralidade para se chegar ao caminho da autonomia. No livro “Eu e o Inconsciente” (JUNG, 2013, Vol. VI), traz uma ideia semelhante: Refiro-me aqui a um problema muito mais significativo do que estas poucas e simples palavras que o exprimem: a humanidade, em sua essência, continua num estado infantil, psicologicamente falando. Essa fase não pode ser omitida. A grande maioria necessita de autoridade, diretriz, lei. Tal fato não pode ser negligenciado. A superação paulina da lei só serve para aqueles que são capazes de pôr a alma no lugar da consciência moral. São poucos os que estão aptos para isto. (“Muitos são os chamados, poucos os eleitos”). E estes poucos só trilharão tal caminho por uma coação interna, para não dizer pelo sofrimento, pois esse caminho é como um fio de navalha. Vemos aqui, as ideias de heteronomia e autonomia retratados. A heteronomia é colocada como uma etapa necessária na evolução da humanidade, ainda que, não seja a definitiva. A liberdade é alcançada quando “o fundamento e a força motivadora da moralidade são percebidos e sentidos pelo indivíduo como partes constitutivas de sua própria natureza e não como limitações que vêm de fora” (JUNG, 2013, p. 226). Ou seja, evidencia-se que o processo de internalização e conscientização do indivíduo, como processos naturais, levam a a um desenvolvimento da autonomia da vontade. Assim, ao observamos o processo de construção da heteronomia, sendo um processo de desenvolvimento psíquico, onde ocorrem os desdobramentos da coação interna, desejos egocêntricos sendo reprimidos para que o processo de compreensão social e coletiva ocorra. Destacaremos também outras obras que retratam esse processo. Ainda destacando as obras completas, o volume 7 é divido em três livros. No primeiro, “Psicologia do Inconsciente” do ano de 1916, é possível encontrar as primeiras formulações dos conceitos da psicologia analítica, sendo eles o inconsciente pessoal e coletivo, persona, sombra, animus e anima. Esses conceitos serão utilizados durante todos os seus escritos. Em sua obra, é possível encontrar também aspectos relacionados a autonomia, sobretudo em: Jung, C.G, Volume 7/2- “O eu e o inconsciente. 34. Nessa obra, foi possível evidenciar os aspectos principais do inconsciente, trazendo alguns pontos que precisamos refletir sobre a imaturidade psicológica de muitos indivíduos, mesmo adultos, que permanecem inconscientes em muitos aspectos da vida. Isso acarreta, entre outros fatores, em uma submissão desse indivíduo não autônomo por outros indivíduos com uma certa autoridade, regras ou leis, o que gera a alienação. Assim, vê-se que é preciso integrar o conteúdo do inconsciente, buscando sua própria natureza com as suas escolhas e caminhos autônomos. Ou seja, os indivíduos, quando são imaturos e não conseguem trazer os aspectos do inconsciente para a realidade, acabam por se submeter ao processo de alienação. Para que isso não ocorra, o indivíduo deve trabalhar sua consciência, principalmente pelo processo educacional e social, o que o levará a desenvolver a autonomia e o senso crítico. Esse processo de desenvolvimento da autonomia moral será explicitado nos próximos parágrafos, a partir do conceito de “self” – centro da personalidade para a Jung e ferramenta para conexão entre o consciente e o inconsciente. Dessa forma, o conceito importante a ser destacado é o chamado “self”, que pode ser traduzido como “si mesmo”. O termo denota um conjunto complexo de fenômenos psíquicos que ocorre em todos os indivíduos. Esse processo pode ser definido como uma autorreflexão que o indivíduo realiza acerca de sua existência no mundo e, a partir dessa prática, aspecto dos inconscientes, até então incognoscíveis e não delimitáveis, podem ser integrados em sua natureza consciente. Muitas vezes, o processo de self vai de encontro da lei moral que o indivíduo detém na sociedade, assim, nesse caso, há um conflito, pois ele não pode expressar seus desejos (self) sem infringir regras morais pré-estabelecidas (lei moral). De acordo JUNG, (2013, Vol. VII/2, p. 131) O si-mesmo pode ser caracterizado como uma espécie de compensação do conflito entre o interior e o exterior. Esta formulação não seria má, dado que o si-mesmo tem o