Isabela Chicarelli Amaro Santos A pessoa com autismo no mercado de trabalho: um estudo de caso da contratação à permanência no emprego Marília 2024 Câmpus de Marília Isabela Chicarelli Amaro Santos A pessoa com autismo no mercado de trabalho: um estudo de caso da contratação à permanência no emprego Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação como parte das exigências para a obtenção do título Mestre em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Orientador: Prof.º Dr. º Nilson Rogério da Silva Marília 2024 Isabela Chicarelli Amaro Santos A pessoa com autismo no mercado de trabalho: um estudo de caso da contratação à permanência no emprego Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Linha de pesquisa: Educação Especial Banca Examinadora ______________________________________ Prof. Dr. Nilson Rogério da Silva UNESP – Câmpus de Marília Orientador ______________________________________ Profª. Drª. Meire Luci da Silva UNESP – Câmpus de Marília ______________________________________ Profª. Drª. Maria do Carmo Baracho Alencar DSES- UNIFESP – Baixada Santista Marília, 13 de setembro de 2024. ...SH “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam ouvir a música”. (Friedrich Nietzsche) AGRADECIMENTOS A minha família que não mediu esforços para me apoiar num momento tão importante e delicado. Ao meu orientador Prof. Dr. Nilson Rogério que acreditou em mim. À Faculdade de Filosofia e Ciência por me fazer pertencente. Agradecimentos ao Programa de Pós-Graduação em Educação por todo apoio e direcionamento. “o mundo era grande. Mas tudo ainda era muito maior quando a gente ouvia contada, a narração dos outros, de volta de viagens.” João Guimarães Rosa (1972, p. 124) RESUMO A inserção da pessoa com TEA no mercado de trabalho é um processo complexo, dificultoso, mas, sobretudo, necessário do ponto de vista de seu desenvolvimento psicossocial e igualdade de direitos frente à atual estrutura social. Estudos apontaram grande dificuldade em inserir a pessoa com autismo no mercado de trabalho em comparação a outras deficiências, havendo, a necessidade de suporte adequado. Além disso, há dificuldades tanto em encontrar, quanto em manter o emprego, apesar de este ser um direito garantido por lei. Ainda existe um conjunto de aspectos que dificultam o ingresso de pessoas com TEA no mercado de trabalho, destacando-se o diagnóstico e a aceitação da família, a oferta limitada de serviços de reabilitação e qualificação profissional, dificuldades no processo de formação escolar e prejuízos na socialização, que, por conseguinte, impactam negativamente nas oportunidades de empregabilidade. Mesmo diante cenário de dificuldades, as contratações de pessoas com TEA ocorrem, embora em pequena escala, tornando importante, a descrição dos fatores que possibilitaram a sua inserção profissional. Neste sentido, o presente estudo aborda sobre o processo de inclusão da pessoa com autismo no mercado de trabalho por meio da análise de um estudo de caso de um jovem adulto contratado por uma empresa. O objetivo foi descrever e analisar a atuação no mercado de trabalho de uma pessoa com transtorno do espectro do autismo (TEA), descrevendo aspectos relevantes sobre seu trabalho, tais como: o desempenho de sua função, produtividade, relacionamento interpessoal, aspectos de remuneração e jornada de trabalho. Trata-se de pesquisa, de natureza descritiva com abordagem qualitativa, aprovada pelo Comitê de Ética. A coleta de dados foi realizada por meio de um roteiro de entrevista semiestruturado, dividido em blocos temáticos. Ao todo, foram realizados quatro encontros distintos, cada um com duração aproximada de uma hora e 30 minutos. As entrevistas foram gravadas e os dados transcritos integralmente em textos narrativos, sendo posteriormente, realizada a Análise de Conteúdo. Os resultados revelaram que o participante teve uma importante evolução no seu desenvolvimento, tanto no processo de formação acadêmica quanto na vida laboral, após seu ingresso no mercado de trabalho. O trabalho ofereceu oportunidades de aprendizado profissional, de habilidades de interação, autonomia e independência no autocuidado e na vida financeira. Tanto no relato do participante, quanto da mãe e da formadora, foi possível identificar a satisfação pelo ingresso e permanência no mercado de trabalho. Este estudo de caso revela que a inserção profissional de pessoas com TEA, além de ser possível, traz inúmeros benefícios para todos os envolvidos. É necessário desenvolver um conjunto de ações articuladas que envolvam o enfrentamento, o apoio, a confiança da família, valorizando-as potencialidades e buscando oportunidades para sua concretização. Portanto, os dados coletados indicam que a inclusão de pessoas com TEA no mercado de trabalho brasileiro ainda é um processo incipiente, que requer esforços contínuos e coordenados de diversas partes interessadas, mas que é plenamente possível. Palavras-chave: Autismo. Mercado de trabalho. Inclusão. ABSTRACT The inclusion of people with ASD in the job market is a complex and difficult process, but above all it is necessary from the point of view of their psychosocial development and equal rights in the current social structure. Studies have shown that it is very difficult for people with autism to enter the job market compared to other disabilities and that there is a need for adequate support. There are also difficulties in finding and keeping a job, although this is a right guaranteed by law. There are still a number of aspects that make it difficult for people with ASD to enter the job market, including diagnosis and family acceptance, limited provision of rehabilitation and vocational training services, difficulties in the school process and impaired socialization, all of which have a negative impact on employability. Despite these difficulties, people with ASD are being employed, albeit on a small scale, so it is important to describe the factors that have enabled them to find work. With this in mind, this study examines the process of inclusion of people with autism in the job market through the analysis of a case study of a young adult employed by a company. The aim was to describe and analyze the performance of a person with autism spectrum disorder (ASD) in the job market, describing relevant aspects of his work, such as: the performance of his function, productivity, interpersonal relationships, aspects of compensation and working hours. This is a descriptive study with a qualitative approach, approved by the Ethics Committee. Data were collected using a semi-structured interview script divided into thematic blocks. A total of four separate sessions were conducted, each lasting approximately one hour and 30 minutes. The interviews were audio-recorded and the data were transcribed in full into narrative texts, followed by content analysis. The findings revealed that the participant had made significant progress in his development, both in the academic training process and in his working life after entering the job market. Work provided opportunities for professional learning, interactional skills, autonomy and independence in self-care and financial life. The participants’, mother's, and trainer's accounts showed satisfaction with entering and staying in the job market. This case study shows that the professional integration of people with ASD is not only possible but brings countless benefits to all involved. It is necessary to develop a set of articulated actions that include confronting, supporting and trusting the family, valuing their potential and looking for opportunities to realize it. Therefore, the data collected indicates that the inclusion of people with ASD in the Brazilian labor market is still an incipient process that requires continuous and coordinated efforts from various stakeholders, but it is entirely possible. Keywords: Autism. Job market. Inclusion. LISTA DE QUADROS E FIGURAS Figura 1 – Critérios diagnósticos do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) de acordo com DSM 5 20 Figura 2 –Níveis de suporte no diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) - DSM 5 22 Figura 3 – Critérios diagnósticos do Transtorno do Espectro do Autismo de acordo com CID 11 23 Figura 4 – Sistematização das etapas de revisão bibliográficas 25 Quadro 1 - Artigos de revisão bibliográfica publicados no período de 2020 a 2024 26 Quadro 2 - Categorias e subcategorias de acordo com análise de conteúdo 38 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APA Associação Americana de Psiquiatria APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais CDC Centers Disease Control and Prevetion CID 11 Classificação Internacional de Doenças DSM 5 Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM 5 TR Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - Revisado EaD Educação a Distância FFC Faculdade de Filosofia e Ciências IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS Instituto Nacional Seguro Social LBI Lei Brasileira de Inclusão LOAS Lei Orgânica da Assistência Social PCD Pessoa com deficiência RAAS Registro de Ações Ambulatoriais de Saúde RAIS Relação Anual de Informações Sociais SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SUAS Sistema Único de Assistência Social TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TEA Transtorno do Espectro do Autismo UNESP Universidade Estadual Paulista SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO 13 2 INTRODUÇÃO 15 3 REFERENCIAL TEÓRICO 17 3.1 Conceituações sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) 17 3.2 O Trabalhador com o diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) 29 4 MÉTODO 33 4.1 Aspectos Éticos 33 4.2 Participantes do estudo 33 4.3 Instrumento 34 4.4 Procedimento coleta dos dados 36 4.5 Procedimento de e análise dos Dados 37 5 RESULTADO E DISCUSSÃO 39 5.1 A importância do trabalhar 39 5.1.1 A importância do trabalho 39 5.1.2 O incentivo para o trabalho 42 5.2 Ingresso no trabalho 45 5.2.1 Parceiras 47 5.2.2 O papel da iniciativa privada 50 5.2.3 O papel da instituição formadora 53 5.2.4 O papel da família 55 5.2.5 Estratégias e gerenciamento do trabalhador com deficiência 57 5.2.6 A percepção dos envolvidos 59 5.3 Permanência no trabalho 60 5.3.1 Rotina laboral 60 5.3.2 Ruptura na parceria e as novas estratégias e gerenciamento dos trabalhadores PcDs 62 5.3.3 Gestão de conflitos e percepção dos envolvidos 64 5. 4 O trabalho para o trabalhador 67 5.4.1 Avaliação da satisfação do trabalho 67 5.4.2 Remuneração 68 5.4.3 Relações pessoais no ambiente de trabalho 69 5.4.4 Perspectivas futuras 71 5.5 Autismo e Trabalho 72 5.5.1 Definições e Proposições 72 6 CONCLUSÕES 75 REFERÊNCIAS 77 ANEXO I - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 83 ANEXO II - Aprovação do Comite de Ética em pesquisa (CEP) 84 ANEXO III – Roteiro de entrevista semiestruturada 88 13 1 APRESENTAÇÃO Meu nome é Isabela, sou mulher, casada, recentemente mãe, irmã mais velha, psicóloga, neuropsicóloga, psicopedagoga, dona de casa, empreendedora, estudante eterna e agora e tão importante quanto pesquisadora; essas são as principais funções que como mulher eu executo constantemente no meu dia a dia. Filha de professora fui instruída a ter sede de conhecimento, a usar os livros para estar em lugares que não poderia, a conhecer pessoas das quais nunca teria acesso e principalmente a acreditar que a educação transforma. Escrevendo esta apresentação e refletindo sobre todo o processo que me fez chegar até aqui faz o caminho parecer fácil ou até mesmo romântico. Talvez porque eu sempre me permiti refletir, talvez porque me considero uma pessoa abençoada, talvez porque eu tenha vindo de uma família batalhadora ou até mesmo possa ser por ter tido referencias importantes, o fato é que aprender sempre me permitiu desejar. Meus primeiros passos pequenos atualmente, gigantes na época, começaram em direção ao outro, nos cuidados com as emoções, nos sentimentos a psicologia me abraçou e se tornou parte de mim. Cursei a universidade privada com muito empenho e dedicação, me esforcei batalhei, surtei e me formei; tenho a honra de falar que assim como eu, minha turma sempre foi repleta de sonhadores e “fazedores”, entendi que mesmo não sendo a tão sonhada universidade pública eu estava onde deveria estar. A psicologia me abriu muitas portas, me fez conhecer meus limites, conhecer as pessoas, ganhar experiencia, resiliência. Aos poucos fui me permitindo sonhar mais, em um sonho tão distante que nem sabia por onde começar, portas foram se abrindo, tombos levando, contas chegando, enfim a vida sendo vivida. Ajudar as pessoas sempre fez parte de mim, a psicologia clínica me permitiu iniciar esse processo. Saúde e a educação sempre fizeram parte de mim em um diálogo interno e mútuo. Anos e anos se passaram, foram duas especializações, conhecimentos diferentes e ao mesmo tempo que se encaixavam. Mas ainda faltavam respostas, falta resultado, faltava algo no meu trabalho que o limitava, foi então que em dois mil e dezessete a neuropsicologia entrou na minha vida e me fez ressignificar todas as coisas, ali naquele exato momento não era mais somente eu, meu paciente e sua família. 14 Conhecer as lacunas do ser humano, conhecer de perto a pessoa com desenvolvimento atípico, considerado neurodivergente, entender mais pessoas e principalmente, levar a possibilidade de uma vida a todos passou a ser uma das minhas missões. Surgiu então o primeiro artigo, a primeira apresentação em congresso, o internacional. Era um mundo novo que estava tão distante e ao mesmo tempo poucos quilômetros de casa. Lembro-me como se fosse hoje como era boa essa sensação, euforia, alegria, satisfação, realização pessoal, tantos nomes e mesmo assim não chegam àquilo que senti. Nesse cenário, tudo ia muito bem até o meu mundo do trabalho começar a dar sinais de colapso, era preciso me reinventar. De pesquisas em pesquisas, imaginações e suposições, mesmo ainda distante, resolvi me inscrever no programa de mestrado. Assim como um dia fui a menina do interior chegando de ônibus na Barra Funda de São Paulo, sozinha, em busca do conhecimento, destemida e com muitos medos era eu novamente; a menina da faculdade privada com pouco incentivo (na época, nenhum à pesquisa) entrando num caminho desejado e nebuloso. E como o tempo, a ambiguidade do profissional e do acadêmico, passou a fazer sentido, o caminho nebuloso foi se tornando de passo a passo a estrada límpida. Como num quebra cabeça tudo se encaixou, fez sentido, e assim como um narrador que vanglorias as conquistas do time, eu me apresento novamente: Muito prazer, essa sou eu, psicóloga clínica e pesquisadora; a que dedica horas do dia a realizar laudos de pessoas neurodivergentes e que agora, também atua em prol de uma comunidade, defendendo mais do que um indivíduo e sua família, essa dissertação é o começo da minha contribuição para que todas as pessoas possam, assim como eu, sonhar e pelo trabalho realizar. 15 2 INTRODUÇÃO O transtorno do espectro do autismo (TEA) é caracterizado por uma variedade de déficits, muitas vezes acentuados e persistentes, que afetam a comunicação e a interação social. Entre as principais dificuldades estão a reciprocidade socioemocional, prejuízos na comunicação não-verbal e também nas relações sociais, além de interesses repetitivos e restritos de comportamentos e nas atividades (APA, 2023). A evolução do transtorno do desenvolvimento da pessoa com TEA é variável de acordo com o suporte e intervenções realizadas. Pesquisas realizadas por Levy e Perry (2011) sobre a evolução de pessoas com TEA na idade adulta revelam que, em grande parte dos casos, essas pessoas, continuavam a viver com seus pais ou em instituições, em situação de dependência. Poucas delas apresentavam relações sociais fora das relações familiares. O estudo também evidenciou resultados mais efetivos naqueles que apresentavam melhor desenvolvimento funcional e habilidades de interação e comunicação. A inserção no mercado de trabalho constitui um marco importante na vida adulta de pessoas com transtorno do espectro do autismo (TEA), assim como de outras pessoas, com ou sem deficiência. No que diz respeito à qualidade de vida e ao desenvolvimento, estar empregado contribui para resultados positivos, como melhoria da saúde mental, maior integração na comunidade e autossuficiência econômica (Bross et al., 2021). A inserção da pessoa com TEA no mercado de trabalho compõe um processo complexo e desafiador, mas acima de tudo fundamental para o desenvolvimento emocional e social, na promoção e conquista de igualdade de direitos (Saad, 2016). Mesmo os benefícios do trabalho sendo descritos pela literatura cientifica e acessível ao senso comum, jovens com TEA frequentemente lutam para encontrar emprego. De acordo com Kalra, Gupta e Sharma (2023) a maioria das pessoas com TEA que tiveram sucesso na busca pelo emprego ainda estavam subempregadas, trabalhando menos horas e por salários mais baixos em cargos de nível básico, muitas vezes abaixo de sua qualificação. Com base no exposto acima, a hipótese deste estudo é verificar se a realidade de um trabalhador com transtorno do espectro do autismo, atuante no mercado de trabalho a dez anos, condiz com os achados científicos; uma vez que estes pontuam 16 dificuldades ao acesso dessa população ao mercado de trabalho e obstáculos consideráveis. Investigando o papel do suporte familiar e institucional nesse processo, as evoluções das habilidades sociais e profissionais do trabalhador ao longo de seus dez anos de experiência. Por fim, pode-se avaliar se a manutenção do emprego teve um impacto favorável na qualidade de vida e saúde mental do trabalhador com TEA, em comparação a outras pessoas com transtorno do espectro autista que não tiveram a mesma oportunidade. Desta forma, este estudo teve como objetivo geral descrever e analisar a atuação no mercado de trabalho de uma pessoa com transtorno do espectro do autismo (TEA), descrevendo aspectos relevantes sobre seu trabalho, tais como: o desempenho de sua função, produtividade, relacionamento interpessoal, aspectos de remuneração e jornada de trabalho. Organizaram-se os dados obtidos neste estudo de caso, de sujeito único, com resultados de pesquisas bibliográficas, realizadas nos últimos cinco anos, sobre a pessoa com TEA no mercado de trabalho e verificamos se os objetivos obtidos neste estudo estão em consonância ou contradizem os achados da literatura recente. O texto segue organizado com base em uma fundamentação teórica que explora os detalhes do transtorno do espectro do autismo, abordando sua etiologia, características diagnósticas, prevalência, desenvolvimento, curso e intervenções. Em seguida são abordados aspectos específicos da participação das pessoas com TEA no mercado de trabalho. Após referencial teórico, será apresentada a seção metodologia, nesta seção, serão descritos o método de pesquisa, contemplou-se os procedimentos éticos adotados, a caracterização dos participantes, os procedimentos de coletas de dados e a análise subsequente. Posteriormente na seção resultados e discussões tem como objetivo demonstrar a realidade do indivíduo deste estudo de caso no mercado de trabalho As categorias obtidas são denominadas como: a importância do trabalhar, o ingresso no trabalho, a permanência deste indivíduo no trabalho, o trabalho para o trabalhador e, por fim, autismo e trabalho. As categorias seguem divididas em subcategorias que organizam a leitura para aspectos relevantes obtidos neste estudo em comparação e análise dos achados da literatura atual. Finalizando, o estudo traz as conclusões que combinam os elementos acima citados, apontam-se as conclusões obtidas a partir do estudo, destacam-se aspectos limitantes do estudo, contribuições e encaminhamentos para futuras pesquisas. 17 3 REFERENCIAL TEÓRICO Nesta seção apresenta-se o referencial teórico a partir de dois itens: conceituações sobre o TEA e o trabalhador com o diagnóstico do transtorno do espectro do autismo (TEA). Os itens abordam a etiologia do transtorno do espectro do autismo, seus critérios diagnósticos, níveis de acometimento e prevalências, seguidos da literatura sobre o trabalhador com o diagnóstico do espectro do autismo (TEA) em contextos recentes, desta forma, é oferecido ao leitor o embasamento necessário para a compreensão desta pesquisa e seu grau de relevância. 3.1 Conceituações sobre o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) Desde 1943, ano quem o médico austríaco Leo Kanner descobriu o transtorno mental, inúmeras controvérsias em relação à etiologia, diagnóstico e estratégias de tratamento têm sido apontados (Guedes, Tada, 2015, p. 303). Inicialmente descrito como Distúrbios autísticos do contato afetivo, com base em onze casos de pacientes classificados como de patologia grave e apresentando características específicas, bem como dificuldade ou inabilidade nas interações afetivas contato afetivo, além da presença de comportamentos obsessivos, distúrbios na fala com a ecolalia e também comportamentos estereotipados (Fernandes; Tomazelli; Girianelli, 2020, p1). A severidade do TEA e a forma de acometimento são variáveis entre os indivíduos, podendo os sintomas serem incapacitantes ou até difíceis de perceber, dependo do espectro, podendo ter uma boa resposta terapêutica e qualidade de vida (Leopoldino, 2015). O TEA é mais comum em crianças antes dos três anos de idade, sendo a ocorrência mais frequente em meninos. O diagnóstico do transtorno pode ocorrer desde os primeiros anos de vida ou de forma tardia (Conceição; Escalante; Silva, 2021), sendo por vezes, devido ao desconhecimento dos familiares sobre o transtorno. As causas do Transtorno do espectro do autismo ainda não são completamente conhecidas, embora se saiba que fatores genéticos e hereditários desempenham um papel importante, pesquisas apontam que fatores ambientais como a exposição a determinados medicamentos ou substâncias durante a gestação também podem estar relacionados ao desenvolvimento do transtorno. (Viana et al, 2020). 18 No que diz respeito as intervenções são apresentadas tratamentos medicamentosos quando necessários e terapias multidisciplinares que atuem nos sintomas apresentados. A literatura internacional, aponta para intervenções baseadas na análise do comportamento e mediadas por cuidadores, têm se mostrado eficazes para melhorar as habilidades sociais e de comunicação na infância, impactando positivamente no desenvolvimento e na qualidade de vida da pessoa com TEA fase adulta. (BRADSHAW, WOLFE, HOCK, SCOPANO,2022). Os critérios e categorizações para diagnóstico do TEA encontram-se em constante modificações e aperfeiçoamento. Fernandes, Tomazelli e Girianelli (2020, p1) aprofundam o histórico dos critérios e categorização nosológica que subsidiaram o diagnóstico ao longo do tempo. De acordo com os autores, a partir de 1980 o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM III) apresenta o diagnóstico de TEA de forma diferenciada, o DSM em sua quinta versão (DSM 5) e a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10) convergem nos pressupostos conceituais que embasam as categorias nosológicas, sendo a diferença entre eles a forma de apresentação e nomenclaturas. Ao longo do tempo, houve uma mudança significativa na forma como as doenças mentais, incluindo o transtorno do espectro do autismo (TEA), são compreendidas. A abordagem psicanalítica, que atribuía a origem dessas condições a eventos traumáticos e utilizava conceitos como personalidade e psicodinâmica, foi gradualmente substituída pelo modelo biomédico. Esse novo modelo se baseia em um diagnóstico categórico, agrupando sintomas para definir os transtornos, e adota uma abordagem multiaxial, que leva em consideração tanto os aspectos orgânicos quanto a influência de fatores externos sobre o comportamento. Essa mudança permitiu uma visão mais abrangente e científica do diagnóstico e tratamento de transtornos mentais (Dunker, 2014 apud Tomazelli e Girianelli 2020, p1). O diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), segundo a Associação Americana de Psiquiatria (APA) e descrito no DSM-5 é baseado em cinco critérios principais: O diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), segundo a Associação Americana de Psiquiatria (APA) e descrito no DSM-5, é baseado em cinco critérios principais I. O critério A se refere a déficits persistentes na comunicação e interação social em diferentes contextos. 19 II. O critério B envolve padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. III. O critério C estabelece que os sintomas devem estar presentes desde o início do desenvolvimento, embora possam não se manifestar claramente até que sejam exigidas demandas sociais específicas. IV. O critério D afirma que os sintomas causam prejuízos clinicamente significativos no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida. V. Por fim, o critério E esclarece que essas características não podem ser explicadas por uma deficiência intelectual ou por um atraso global no desenvolvimento. Isso significa que, embora o TEA e a deficiência intelectual possam ocorrer juntos, o diagnóstico de autismo só é feito se os problemas de comunicação social forem mais graves do que o esperado para o nível de desenvolvimento da pessoa (APA, 2013). Portanto, o critério E ajuda a garantir que o diagnóstico de TEA não seja confundido com outras condições de desenvolvimento. Para melhor compreensão do TEA segundo o DSM 5 elaboramos a Figura 1, que organiza os critérios pertences ao manual DSM. 20 Figura 1. Critérios diagnósticos do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) de acordo com DSM 5 Fonte: elaboração própria de acordo com DSM V. O estudo do Transtorno do Espectro Autista (TEA) desperta interesse em participação de diversos profissionais, como, pesquisadores, médicos, psicólogos, dentre outros, que considera o TEA como um transtorno mental. Diferente de um distúrbio psicológico ou psiquiátrico, o TEA é um distúrbio no neurodesenvolvimento como citado por Silva (2012). o TEA pode ser divido em três categorias, conforme o DSM 5, dependendo nos níveis de gravidade e/ou necessidade de suporte requerido. Tais categorias podem ser chamadas de níveis: nível 1 (ou autismo de alto funcionamento) é o qual demanda pouco apoio, nível 2 (ou autismo de médio funcionamento) há necessidade de certo apoio e o nível 3 (ou autismo de baixo funcionamento) é considerado o que requer maior demanda de suporte para o desenvolvimento e maior intensidade de mediações no ambiente (APA, 2014). Em 2022 a APA fez uma revisão do manual e em 2023 publicou no Brasil a revisão do DSM 5, agora chamado de DSM 5 -TR com atualizações em alguns diagnósticos. No DSM 5 -TR, houve uma alteração no critério A para o diagnóstico de T ra n s to rn o d o E s p e c tr o d o A u ti s m o - T E A Critério A Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos Critério B Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades Critério C Sintomas devem estar presentes precocemente no período de desenvolvimento Critério D Sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida Critério E Esses sintomas não podem ser explicados por transtorno do desenvolvimento intelectual ou por atraso global do desenvolvimento 21 TEA, que agora exige a consideração de todas as subcategorias relacionadas ao domínio da comunicação social: 1. Déficit na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldades de estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais. 2. Déficit nos comportamentos comunicativos não verbais utilizado para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e na linguagem corporal ou déficit na compreensão e uso gestos, a ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal. 3. Déficit para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar comportamento para se adaptar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou fazer amigos, a ausência de interesses por pares (DSM 5 – TR, 2022, p. 80). Houve também uma mudança na denominação dos níveis de gravidade agora chamados de nível 1 de suporte, nível 2 de suporte e nível 3 de suporte. Esses níveis indicam a gravidade com base na necessidade de suporte que a pessoa requer para realizar as atividades diárias. Quanto maior o nível do diagnóstico, maior a necessidade de assistência. 22 Figura 2. Níveis de suporte do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) - DSM 5 Fonte: elaborado pela autora de acordo com DSM 5. O DSM 5 TR (2023) aponta para fatores ambientais: tais como idade parental avançada, baixo peso ao nascer e exposição fetal ao ácido valpróico1; fatores genéticos e fisiológicos tais como hereditariedade e mutações de genéticas conhecidas, como riscos para a prevalência do TEA. O DSM 5 também ressalta que o diagnóstico é quatro vezes mais frequente em indivíduos do sexo masculino em comparação ao feminino. Outro recurso utilizado para o diagnóstico refere-se ao Código internacional das doenças – CID 11 em que o Transtorno do Espectro do Autismo é identificado pelo código 6A02. Em seu texto Becker (2024) relata que diferente do DSM 5 TR que avalia o grau de severidade de acordo com o nível de suporte exigido pelo transtorno, já o CID 11 faz subdivisões diferenciadas que fazem referência a linguagem funcional e a deficiência intelectual. 1 O ácido valpróico é um remédio da classe dos anticonvulsivantes que também possui ações na estabilização do humor. Nível 1 •Ausência de apoio há prejuízo social notável. •Dificuldades para iniciar interações •Parecem apresentar um interesse reduzido pelo aspecto social •Há tentativas malsucedidas no contato social •Além da dificuldade de organização, planejamento •Inflexibilidade de comportamentos Nível 2 •Exige apoio substancial havendo prejuízos sociais aparentes •Limitações para iniciar e manter interações •Inflexibilidade de comportamento •Dificuldade para lidar com mudanças; Nível 3 •Exige muito apoio substancial •Havendo déficits graves nas habilidades de comunicação social •Inflexibilidade de comportamento •Extrema dificuldade com mudanças 23 Figura 3 -Critérios diagnósticos do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) de acordo com o CID 11 Fonte: Elaborado pela autora, de acordo com os trabalhos de Becker (2024) sobre CID 11, com tradução livre. Sendo assim, os critérios são indispensáveis para o diagnóstico assertivo, bem como se faz presente a necessidade do diagnóstico precoce. De acordo com Dias et al (2002), o diagnóstico precoce é de extrema importância no TEA uma vez que se pretende uma intervenção precoce. No Brasil, o estudo de revisão de literatura realizado por Girianelli et al. (2023) utilizou dados públicos da Registro de Ações Ambulatoriais de Saúde (RAAS) que indicou que, embora, o diagnóstico precoce do TEA e outros Transtornos globais do desenvolvimento tenha evoluído, estes ainda configuram um percentual de quase 30% dos diagnósticos. A maioria dos casos permanece sem uma clara tipificação dos comprometimentos o que configura em risco para o desenvolvimento das ações adequadas de assistência. No que se refere a estimativa e incidência do autismo, os Estados Unidos em 2022 publicou pelo Centers Disease Control and Prevetion (CDC) um estudo que estima que 2,2% da população adulta (acima dos 18 anos) dos Estados Unidos está no espectro do autismo, com base em 2017, correspondendo aproximadamente 5,5 milhões de pessoas com TEA. No Brasil não há um número oficial a ser divulgado, 6A02. O •Transtorno do Espectro do Autismo sem Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional. 6A02. 1 •Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e com leve ou nenhum comprometimento da linguagem funcional. 6A02. 2 •Transtorno do Espectro do Autismo sem Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e com linguagem funcional prejudicada. 6A02. 3 – •Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e linguagem funcional prejudicada. 6A02. 5 •Transtorno do Espectro do Autismo com Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e ausência de linguagem funcional. 6A02. Y • – Outro Transtorno do Espectro do Autismo especificado 6A02. Z •Transtorno do Espectro do Autismo, não especificado 24 após a sanção da Lei 13.861/2019, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) incluiu em seu senso o levantamento do número de pessoas com autismo no país, a atualização dos dados estará disponível no ano de 2025 de acordo com o instituto. Mediante aos dados expostos é possível descrever uma ampla gama de consequências funcionais associadas ao autismo. O próprio DSM 5 (2023) destaca as dificuldades funcionais que as crianças enfrentam no ambiente doméstico e acadêmico, impactando diversos aspectos na vida cotidiana. esses indivíduos podem ter dificuldades de estabelecer sua independência devido a rigidez e à dificuldade continua com o novo. Muitos indivíduos com transtorno do espectro do autismo, mesmo sem deficiência intelectual, têm funcionamento psicossocial insatisfatório na idade adulta, conforme avaliado por indicadores como vida independe e emprego remunerado (DSM 5, 2023, p57). Conforme elencado pela APA, através do DSM 5 TR, um dos desdobramentos que tem consequência na vida da pessoa se refere a questões da empregabilidade. Leopoldino (2015) destacou em seu estudo que as pessoas com TEA entre os principais obstáculo para o trabalho, a própria dificuldade de acessar um vaga de emprego, a manutenção e permanência no trabalho e a conquista de uma oportunidade de trabalho que contemple sua formação e expectativas com a ocupação. Realizou-se revisão bibliográfica nos últimos cinco anos, que possibilitaram atualizar os dados a respeito deste cenário, conforme disponibilizado e sistematizado na Figura 4 e no Quadro 2 a seguir. Foi realizado, na presente pesquisa, um levantamento bibliográfico nas bases de dados da CAPES e ERIC a fim de verificar o que os estudos revelam sobre a atuação da pessoa com TEA no mercado de trabalho. Inicialmente foram encontrados 206 estudos combinando os termos: (“Autism” OR “TEA” OR “Autism spectrum disorders”) AND (“job market” OR “labor market”), houve a necessidade do uso de aspas e parênteses (“”) nos descritores citados acima. Posteriormente, um recorte foi realizado apontando para os estudos dos últimos anos 2020 a 2024, totalizando assim 77 estudos disponíveis. Foram encontrados 68 (CAPES) e 9 (ERIC) trabalhos com o critério de seleção dos últimos cinco anos, dos quais após seleção de trabalhos abertos contaram com https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13861.htm 25 40 (CAPES) e 0 (ERIC), após a leitura do título e resumo permaneceram 11 (CAPES) e 0 (ERIC) por corresponderem à temática principal: mercado de trabalho e pessoas com TEA (Figura 4). Figura 4 -Sistematização das etapas de revisão bibliográficas Fonte: Elaborado pela autora. Abaixo se encontra o Quadro 1 que apresenta a síntese dos artigos em periódicos encontrados no período entre 2020 e 2024, organizados por ano de publicação, título e uma definição breve dos objetivos do texto, seguida definição metodológica do estudo. A partir desta visualização observa-se a importância deste estudo para a socialização de novos conhecimentos para a área de estudo. 26 Quadro 1 - Artigos de revisão bibliográfica publicados no período de 2020 a 2024 Ano e Autor(es) Título Objetivo (s) Tipo de artigo 2021 Maslaha et al. How Do Adults with Autism Spectrum Disorder Participate in the Labor Market? A German Multi-center Survey O objetivo deste estudo foi examinar a inserção de adultos com TEA no mercado de trabalho alemão em termos de educação, emprego e tipo de ocupação através de um estudo transversal. Pesquisa Quantitativa Osoba ze spektrum autyzmu na rynku pracy Fornecer aos potenciais empregadores conhecimento sobre o espectro do autismo, o que deverá ajudar a aumentar as oportunidades de emprego. Pesquisa Qualitativa 2023 Saad et al. Reflexões sobre o direito das pessoas com Transtorno do espectro do autismo, qualidade de vida e o acesso ao mercado de trabalho. O objetivo central é verificar, por meio do estado da arte, as possibilidades e as ferramentas para a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho. Pesquisa Qualitativa 2021 Kobus- Ostrowska, Papakonsta ntinou Dilemmas of Sheltered Employment in Poland and Greece and the Concept of Supported Employment Este artigo apresenta o quadro legislativo relativo ao emprego protegido na Polónia e na Grécia e as formas como o emprego é protegido ocorre em cada um dos dois países. Pesquisa Qualitativa 2021 Veras, Castro Acesso de pessoas com autismo no mercado de trabalho A pesquisa busca demonstrar alguns programas e iniciativas que proporcionam uma formação profissional de acordo com suas características especificas facilitando o engajamento e sua adaptação ao mercado de trabalho. Pesquisa Qualitativa 2023 Espelöer et al. Alarmingly large unemployment gap despite of above-average education in adults with ASD without intellectual disability in Germany: a cross-sectional study. Estudo retrospectivo em uma amostra de 232 adultos clinicamente diagnosticados tardiamente com TEA sem deficiência intelectual a fim de verificar a atuação no mercado de trabalho. Pesquisa Quantitativa 27 2023 Tomas, et al. Development and Usability Testing of a Web- Based Workplace Disability Disclosure Decision Aid Tool for Autistic Youth and Young Adults: Qualitative Co- design Study Este estudo teve como objetivo co- projetar um protótipo de uma ferramenta de apoio à decisão de divulgação com e para jovens e jovens adultos autistas canadenses, explorar a usabilidade percebida do protótipo (utilidade, satisfação e facilidade de uso) e delinear o processo utilizado para atingir os objetivos acima mencionados. Pesquisa Quantitativa 2021 Lorenz, Bruning, Fabri Not A Stranger to the Dark: Discrimination Against Autistic Students and Employees Objetivo deste estudo foi revelar tais barreiras, bem como suas coerências entre discriminação e autopercepção empregabilidade. Pesquisa Quantitativa 2023 Espelöer, et al. What is specific about employment status, workplace experiences and requirements in individuals with autism in Germany? O estudo visa comparar um grupo de 197 adultos clinicamente diagnosticados tardiamente com TEA sem deficiência intelectual a um grupo de 501 indivíduos que não preenchiam os critérios para o diagnóstico de TEA na situação de trabalho. Pesquisa Quantitativa 2021 Bross et al. A Meta-Analysis of Video Modeling Interventions to Enhance Job Skills of Autistic Adolescents and Adults O objetivo desta meta-análise foi sintetizar estudos de VM para ensinar habilidades profissionais para indivíduos autistas. Pesquisa Quantitativa 2023 Varriale, et al. Digital technologies for promoting the inclusion of workers with disabilities: A brief investigation Este artigo investiga o papel e a função das tecnologias digitais nas empresas, que se acredita amplamente torná-las muito mais sustentáveis e promover a inclusão social de pessoas com deficiência no local de trabalho, especialmente aquelas com deficiência cognitiva ou transtorno do espectro do autismo. Pesquisa Quantitativa Fonte: elaboração própria. Verificou-se que a maioria dos artigos eram quantitativos (7) e somente quatro qualitativos. Sobre as temáticas abordadas, dois estudos revisados exploram a inclusão de pessoas com TEA no mercado de trabalho, analisando a atuação 28 profissional de adultos com autismo na Alemanha (Maslaha et al., 2021; Espelöer et al., 2023). Outros dois discutem programas e políticas para facilitar essa inclusão (Veras e Castro, 2021; Saad et al., 2023). Dois outros estudos abordam a discriminação e o uso de tecnologias para promover a inclusão (Lorenz et al., 2021; Varriale et al., 2023). Por fim, dois estudos focam em ferramentas e métodos de apoio, como modelagem de vídeo e plataformas digitais, para melhorar as habilidades e a empregabilidade de pessoas com TEA (Tomas et al., 2023; Bross et al., 2021). A análise desses artigos apontou ainda que prevalecem atitudes estigmatizantes em relação às pessoas com TEA, o que resulta em inúmeros obstáculos e restrição de oportunidades para pessoas autistas demandando a ampliação de acesso à informação como estratégia de combate à discriminação (Lorenz; Bruning; Fabri, 2021). Dentre os estudos recentes coletados no período destacamos o trabalho de Kobus-Ostrowska e Papakonstantinou (2021) onde por meio do emprego apoiado destacou-se a necessidade de políticas públicas, além dos trabalhos de Veras & Castro (2021), Saad (2021) e Tomas (2023) que tratam de experiências como a apresentação de programas e iniciativas de formação profissional, considerando as características e especificidades das pessoas com TEA (Veras & Castro, 2021; Saad et al. 2023; Tomas et al .2023). Também Bross et al. (2021), que destaca a necessidade de investimento no desenvolvimento de repertórios de habilidades sociais e profissionais de pessoas com TEA como estratégia para favorecer a comunicação no trabalho. Diante do exposto, há ainda um conjunto de aspectos que dificultam o ingresso de pessoas com TEA no trabalho, com destaque ao diagnóstico e aceitação pela família, a oferta de serviços de reabilitação, as dificuldades no processo de formação escolar e ao déficit na socialização. Dificuldades essas que por consequência impactam nas oportunidades de empregabilidade, mesmo diante de novas políticas públicas e do incentivo a contratação de pessoas com deficiência. 29 3.2 O Trabalhador com o diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) Leopoldino (2015) foi um dos primeiros pesquisadores no Brasil a respeito da temática, em suas pesquisas no assunto realizou um levantamento da literatura científica existente no Brasil sobre a prática laboral da pessoa com TEA e concluiu que há dificuldade de inclusão dessas pessoas. A conjuntura dos estudos de Leopoldino, novamente explorada e apresentada na pesquisa bibliográfica acima, mantem um baixo número de estudo que abordam o tema, o que conclui que este é um campo a ser necessariamente explorado. Em material organizado por Anne Roux aponta-se que existe maior dificuldade em inserir a pessoa com TEA no mercado de trabalho em comparação a outras deficiências (Roux et al., 2013). havendo maior necessidade de suporte na busca e manutenção do emprego, corroborado pela equipe de Paul Wehman (Wehman et al., 2012). É importante ressaltar que o acesso a todos os recursos disponíveis, incluindo tecnologias de comunicação e informação, para permitir e/ou facilitar o desempenho das atividades, é um direito garantido pela Lei Brasileira de Inclusão (LBI, 2015). Esse acesso é uma condição de direito, não um privilégio, assegurando a igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência. Dados recentes da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2021 indicam que apenas 1,07% das pessoas com deficiência estão inseridas no mercado de trabalho formal no Brasil, considerando um total de 46,2 milhões de vínculos empregatícios ativos (RAIS, 2021). Esse percentual abrange deficiências física, auditiva, visual, intelectual, múltipla, além de pessoas reabilitadas. Em contraste, o IBGE (2021) revela que 85% dos adultos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) estão fora do mercado formal de trabalho, evidenciando um grande desafio de inclusão para essa população. Diante de tal realidade Leopoldino e Coelho (2017) apontam a necessidade de desenvolver e implantar as políticas públicas específicas como forma de sanar o baixo percentual de pessoas com autismo na atividade profissional. A lei 8213/91 que estabelece planos de Benefícios da Previdência Social, em seu artigo 93 determina a reserva de vagas para pessoas com deficiência em empresas acima de 100 funcionários, com percentuais entre 2 e 5%, conhecida como Lei de Cotas. Representa uma ação concreta para a inclusão da pessoa com 30 deficiência no mercado de trabalho, na medida em que estabelece a reserva de vagas para pessoas com deficiência. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção (BRASIL, 1991): I – até 200 empregados........................2% II - de 201 a 500..................................3% III - de 501 a 1000...............................4% IV - de 1.001 em diante........................5% Inicialmente a legislação não contemplava a pessoa com TEA como uma pessoa com deficiência. A inserção do TEA nas diretrizes das cotas para o trabalho ocorreu através da lei 12.764 em 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Do Autismo, contemplando o direito de acesso ao trabalho e dentre outros direitos, incluindo o benefício de prestação continuada – BPC, equiparando ao benefício da lei de cotas (lei 8213/91) Houve a necessidade de criação de políticas públicas para garantir o direito das pessoas com deficiência, sendo necessária a criação de novas leis para a inclusão e acesso da pessoa no mercado, assim segundo os autores a adoção de políticas públicas é uma tendencia global em decorrência do elevado percentual de indivíduos com TEA e suas dificuldades sociais (Leopoldino, Coelho, 2017). A Lei de Cotas busca ofertar reserva de vagas de trabalho para as pessoas com deficiência que vivem à margem do mercado formal de trabalho e, por conseguinte, do acesso à renda devido às barreiras atitudinais impostas pela sociedade, além de problemas de acessibilidade arquitetônica no uso do meio ambiente (Silva, 2013). Nos demais países outras políticas são adotadas para tornar mais atraente a contratação de pessoa com deficiência, tais como incentivo financeiro para estágios, contratação em empresas privadas, oferta de vagas de estágio e emprego em instituições públicas, sendo que tais políticas devem ser orquestradas de modo a não geram o que chamam de gargalo e descontinuidade (Leopoldino e Coelho, 2017). Os autores trazem o estudo de revisão bibliográfica que pontua a falta de informações como restrição ou limitação a sofrer discriminação associada à incapacidade em todos os âmbitos da vida, levantando outros obstáculos sistematizados e organizados por Leopoldino e Coelho que identificaram obstáculos à inclusão da pessoa com autismo no mercado de trabalho, que são: preconceito por 31 parte das empresas, dificuldades na relação com colegas resultando em discriminação, falta e/o insuficiência de ações de suporte e adaptações, oferta de oportunidades incompatíveis com sua formação, baixa formação profissional, pouco incentivo governamental e empresarial para formação profissional, limites da própria Lei de Cotas. A descrição detalhada do estudo e as referências foram organizadas em um quadro síntese pelos autores que pode ser acessado na íntegra no material original (Leopoldino; Coelho, 2017, p.141-156). Recentemente no Brasil, foi criada a Lei nº 13.977, em 2020, a qual buscou estabelecer medidas de proteção e ampliação dos direitos das pessoas com TEA, bem como subsidiar as ações de seus familiares. Essa lei tem como principal objetivo assegurar os direitos para as pessoas com autismo. Neste cenário foi criada à Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista – CIPTEA, cuja finalidade é promover a identificação facilitada, ampliar as oportunidades de acesso e uso aos serviços na sociedade, especialmente nas áreas prioritárias como saúde, educação e assistência social (Brasil, 2020). A CIPTEA também favorece a inserção da pessoa com autismo no mercado de trabalho, uma vez que permite a identificação rápida e precisa do sujeito enquanto pessoa com deficiência, simplificando a entrega dos documentos para a seleção e contratação. Os estudos de Becker (2019) apontam a ausência de preparação e formação da pessoa com autismo para o mercado de trabalho, concomitantemente, ao fato dessas pessoas não conseguirem executar a função da qual foram contratadas, sendo assim, além da ausência de preparo do profissional ocorre a ausência de adaptações e flexibilidade na rotina laboral. A flexibilização exige do empregador adaptações especificas, tais como ofertar horário de trabalho mais flexível, ajustes de prazos, adaptação de materiais, equipamento, espaço físico e vestimentas de trabalho, além de estratégias de comunicação mais efetivas (Becker, 2019; Saliba et al., 2012). As barreiras enfrentadas pelas pessoas com TEA são organizacionais e incluem a inflexibilidade do ambiente de trabalho e dificuldades na orientação por parte da gestão e dificuldade nas relações interpessoais e presença de preconceitos e exclusão (Giarelli; Ruttenberg; Segal, 2013). Pereira et al. (2022) enfatiza que o ambiente ocupacional precisa estar adaptado às necessidades dos colaboradores com TEA, questões sensoriais podem 32 ser amenizadas com a adequação da iluminação e a redução de possíveis ruídos no ambiente, questões de ergonomia com estações de trabalho, cadeiras e equipamentos e as dificuldades nos aspectos sociais necessitam da organização precisa de líderes preparados e dispostos a aprender a lidar com essa realidade. Desta forma, líderes bem treinados e capacitados colaboram para inclusão de pessoas. Diante da problemática sobre as estratégias e medidas adotadas para maior empregabilidade da pessoa com TEA, fundamentamos nossa pesquisa nos trabalhos deque aram uma revisão sistemática sobre programas de desenvolvimento da pessoa com TEA no mercado de trabalho a partir do treinamento com a realidade virtual para a inclusão dessa pessoa em seu ambiente laboral. Os autores consideraram positiva a inclusão utilizando o uso da tecnologia virtual de forma imersiva em treinamentos com objetivo de verificar diferentes aspectos e ganhos para os profissionais para a pessoa com TEA (Monteiro e Adamatti, 2019). Os estudos foram delimitados pelo tamanho da amostra e pouco tempo de intervenção (no máximo seis meses). Monteiro e Adamatti (2019) trazem em seu trabalho pesquisas que avaliaram o efeito positivo da realidade virtual para capacitação em entrevistas de contratação, autonomia no uso do transporte público para chegar ao trabalho e mudança no comportamento social dentro do trabalho. No estudo de Conceição; Escalante; Silva, (2021), foram abordados programas de iniciativas da sociedade civil para capacitar e preparar a pessoa com TEA no mercado de trabalho. Os resultados evidenciaram a atuação de uma ONG chamada Spesialisterne, originada na Dinamarca em 2004 e presente em 23 países, cujas ações são orientandas para a inclusão profissional de pessoas com TEA e neurodiversidades. De acordo com esses dados o objetivo da ONG atua na aprendizagem organizacional com alunos a partir dos doze anos até o ingresso e permanência no trabalho. A inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho traz benefícios não apenas para o próprio indivíduo, mas também para a empresa e a sociedade como um todo. As pessoas com autismo podem oferecer contribuições únicas às organizações, como criatividade, atenção aos detalhes e habilidades técnicas especializadas. Além disso, a diversidade no ambiente de trabalho enriquece as relações interpessoais e estimula a inovação, gerando impactos positivos tanto internamente quanto externamente à empresa (Talarico; Pereira; Goyos, 2019). 33 4 MÉTODO Trata-se de pesquisa qualitativa, a qual para Minayo (2001): ... permite acessar dados que somente a abordagem qualitativa conseguiria atingir, um estudo de caso de sujeito único, que pode ser identificado como um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real (YIN, 2010, p.39). 4.1 Aspectos éticos A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Campus Marília/SP SOB CAEE nº 68804023.2.0000.5406, e com parecer favorável nº 6.013.698 em 20 de abril de 2023 (Anexo II). Aos participantes desta pesquisa, foram apresentados os objetivos da pesquisa, informação sobre o tema e a sia forma de participação na pesquisa, bem como garantido o anonimato e preservação de sua identidade. Mediante os esclarecimentos, foi solicitada anuência por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE - Anexo I), conforme a resolução do Conselho Nacional de Saúde 510/16 vigentes. 4.2 Participantes 1. O participante deste estudo de caso, identificado neste trabalho como Talles, é um indivíduo do sexo masculino, de 28 anos, solteiro e diagnosticado com TEA aos sete anos de idade. Possui ensino médio completo, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Após essa etapa, obteve qualificação técnica em Montagem Mecânica de Máquinas Agrícolas em uma instituição de aprendizagem industrial. Atualmente, trabalha há dez anos em uma empresa do setor agrícola e iniciou recentemente um curso superior de desing gráfico na modalidade de Educação a Distância (EaD). Sobre o diagnóstico, não existem laudos ou intervenções que sugiram o nível de suporte do sujeito, entretanto, mediante a literatura e o contato direto com o participante, assim como o DSM 5, considerou-se o nível de suporte II. 34 2. A participante Mara é do sexo feminino, 62 anos, mãe do sujeito de estudo (Talles), tem quatro filhos e reside somente com o sujeito é pensionista e atua nos cuidados do lar e criação do filho. 3. A participante Carine é do sexo feminino, diretora da instituição, tem 41 anos e atuou com o sujeito por oito anos como psicóloga, acompanhou as primeiras políticas públicas e sua aplicabilidade na cidade e a transição ocorrida com o sujeito através da instituição e demais alunos atuantes na mesma empresa. Cabe ressaltar que a participação de Carine oferece riqueza e ampla gama de informações, uma vez que Carine atua a mais de dezoito anos dentro da instituição e trabalha com a inserção da pessoa com deficiência antes da obrigatoriedade da Lei de Cotas, passou pelas primeiras contratações e possibilita uma visão longitudinal e cronológica deste processo até os dias atuais. Como critérios de inclusão como participante da presente pesquisa foram considerados: ser pessoa com transtorno do espectro do autismo, estar atuando no mercado de trabalho, ter o diagnóstico de transtorno do espectro do autismo (TEA), ser maior de 18 anos, estar atuando há mais um ano no trabalho, contratado através de reserva de vaga para PcD (Artigo 93 da Lei 8.213/91), ter obrigatoriamente registro em carteira. Foram considerados como critérios de exclusão sujeitos menores de 18 anos, as pessoas que não possuíam diagnóstico de TEA, que não estivessem atuando no mercado de trabalho e que não atingissem o critério de permanência de ao menos um ano. 4.3 Instrumento Para a coleta de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada conforme Manzini (2020) Talles, pessoa com TEA, sua mãe, Mara, e a diretora da instituição da instituição, Carine, que acompanharam e foram mediadoras, portanto, fontes enriquecedoras para a compreensão do processo. Na coleta de dados empregou-se a entrevista visando acessar e contemplar todos os aspectos impactantes na atuação de Talles no mercado de trabalho. Portanto, três entrevistas diferenciadas foram criadas: para Talles, o sujeito do estudo, pessoa com TEA inserida no mercado de trabalho, outra para a família, representada 35 pela mãe de Talles e, outra para Carine responsável da Instituição formadora para pessoas com deficiência. Em seus estudos Manzini (2020) define o conceito das entrevistas estruturadas e semiestruturadas, de acordo com o autor a principal diferença entre elas ocorre no tipo de perguntas, sendo as entrevistas estruturadas dotadas de perguntas fechadas e na mesma ordem a todos os participantes, enquanto a entrevista semiestrutura apresenta perguntas abertas. A entrevista semiestruturada “é o procedimento de informações que envolvem técnicas, métodos e instrumentos visando a obtenção de dados de natureza verbal” (Manzini, 2020, p. 31). Manzini transcorre que esta entrevista deve ocorrer a partir de um roteiro, formulário, criado e utilizado de perguntas abertas que direcionam o entrevistador a atingir seus objetivos e ao mesmo tempo permite formas de apresentação da mesma a critério do entrevistador, desde que se relacione ao objetivo de pesquisa. Com o objetivo de abordar a percepção de Talles, Mara e Carine sobre o trabalhador com TEA e correlacionar essas percepções com os dados de literatura, optou-se pela utilização da entrevista semiestruturada, uma vez que em sua construção a entrevista permite a confecção de um roteiro, sem perder dados subjetivos da coleta. Nessa direção foi elaborado o roteiro da entrevista semiestruturada seguindo a mesma organização para todos os participantes: dados de identificação, preâmbulo, entrevistas e desfecho. Esta disposição possui a função de orientar o diálogo do pesquisador com o participante e obter respostas colaborativas à investigação. Além disso, faz-se necessário a familiaridade como a elaboração de perguntas simples e diretas, para que o entrevistado tenha a sensação de se fazer entender (Manzini, 2004). O autor pontua a separação das questões por blocos temáticos sinalizando a troca de assunto. Desta forma, a coleta de dados contemplou os seguintes aspectos para os respectivos participantes:  Participante Talles (com diagnóstico de TEA): os blocos temáticos incluíram: família, vida acadêmica e trabalho;  Participante Mara (mãe): os temas abordados foram: histórico e desenvolvimento do filho, vida acadêmica e mercado de trabalho.  Participante Carine (representante da instituição formadora): os temas abordados foram: educação e mercado de trabalho. 36 4.4 Procedimentos de coleta de dados Optou-se, inicialmente, pela realização por telefonemas às direções da Instituição formadora para pessoas com deficiência e da Instituição privada de serviços de aprendizagem industrial, Associação comercial e Industrial e Empresa locais da cidade da pesquisadora. Trata-se de um município de pequeno porte do interior de São Paulo, com atividade econômica de cunho agrícola e comercial. Após o primeiro contato com os participantes, foi agendada entrevista presencial com estes profissionais em seus locais de trabalho, a fim de especificar os critérios de inclusão dos participantes da pesquisa. Os responsáveis pelas instituições indicaram pessoas que atendiam ao perfil desejado para a pesquisa. Somente Talles preencheu os requisitos necessários para esta pesquisa. O estudo contou também com entrevista a percepção da família e da instituição sobre o cenário e a perspectivas que ambas têm sobre o contexto da pessoa com autismo no mercado de trabalho, a fim de complementar e enriquecer os dados apresentados sobre outras óticas. A instituição de aprendizagem industrial e a Empresa do sujeito foram convidadas para participarem das entrevistas. A instituição de aprendizagem industrial aceitou o convive a participar do estudo com rapidez e agilidade, entretanto, na busca de dados sobre a participação do sujeito dentro da instituição não houve acesso a dados ou histórico dele enquanto aluno do curso. Uma vez que a instituição que oferece esse curso profissional sofreu alterações quanto ao nome, diretoria, professores e mantenedores; sendo assim não houve dados que permitissem a coleta. Dentro dos objetivos propostos por esta pesquisa, a participação da empresa e de suas percepções a respeito do trabalhador, sua atuação e processos de contratação foi almejada e requerida por trazer maior propriedade e riqueza de informações. Quatro contatos, com pessoas distintas da empresa, foram realizados via telefonemas, e-mail e aplicativo de comunicação WhatsApp; uma entrevista foi agendada por aplicativo de comunicação de videochamada sem o comparecimento do profissional da empresa, enfim, não se obteve êxito final confirmando os obstáculos 37 descritos por Leopoldino e Coelho (2017), sobre as dificuldades de acessar as empresas. Para preservar o anonimato, garantir o sigilo das informações e aspectos éticos relevantes, adotou-se o uso de pseudônimos (nomes fictícios) para os entrevistados. A coleta de dados se deu em quatro encontros distintos com uma hora e 30 minutos cada, sendo eles, presenciais e com agendamento prévio em horário combinado. Talles e Mara foram entrevistados na casa, enquanto Carine foi entrevistada na própria instituição. As entrevistas foram gravadas mediante o consentimento dos participantes e antes de iniciar a coleta foi realizada a leitura do Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento (TCLE), dos direitos dos participantes seguido da coleta de assinatura dos envolvidos. 4.5 Procedimentos de análise de dados Após a coleta dos dados, os dados qualitativos emergentes dos áudios foram transcritos integralmente em textos narrativos, mantendo a versão original. O texto foi fragmentado na busca por conhecer novos sentidos e examinar detalhes ocultos, como propõe Medeiros e Amorim (2017) e resultaram em eixos para melhor direcionamento. Para a análise dos dados foram utilizados os procedimentos descritos na Análise de Conteúdo (Bardin, 2016) a qual compreende um conjunto de técnicas de análises baseada na inferência. A Análise de Conteúdo foi organizada em eixos cronológicos e seguindo uma hierarquia: pré-análise; exploração do material, tratamento dos resultados e a inferência e a interpretação. Todo material obtido as entrevistas foram transcritas, sendo necessárias correções e adaptações para a compreensão do leitor. As principais alterações ocorreram nas falas de Talles, uma vez que apresenta déficits na linguagem expressivas que tornam suas falas redundantes e necessárias adaptações para melhor entendimento. Posteriormente, a análise de conteúdo possibilitou a conversa entre os estudos científicos atuais e a prática do sujeito, resultando em temas importantes como dificuldades, obstáculos e conquistas do trabalhador sobre sua ótica, de sua família e da instituição que permitirão ao leitor compreender se o caso apresentado se 38 configura semelhante aos mais recentes estudos, visto a potencialidade de crescimento desta temática. De acordo com esta análise, emergiram cinco categorias das entrevistas: a importância do trabalhar, ingresso no trabalho, permanência no trabalho, o trabalho para o trabalhador e, por fim, o autismo e o trabalho. Dessas categorias surgiram subcategorias evidenciadas abaixo de acordo com o Quadro 2. Quadro 2 – Categorias e subcategorias de acordo com análise de conteúdo CATEGORIAS SUBCATEGORIAS A IMPORTÂNCIA DO TRABALHAR  A importância do trabalho  Incentivos para o trabalho INGRESSO NO TRABALHO  Parcerias  O papel do poder público  O papel da iniciativa privada  O papel da Instituição formadora para o PcD  O papel da família  Estratégias e gerenciamento do trabalhador com TEA  Percepção dos envolvidos PERMANÊNCIA NO TRABALHO  Rotina laboral  Ruptura na parceria e as novas estratégias de gerenciamento dos trabalhadores PcDs  Gestão de conflitos e percepção dos envolvidos O TRABALHO PARA O TRABALHADOR  Avaliação e satisfação do trabalhador  Remuneração  Relações interpessoais no ambiente de trabalho  Perspectivas futuras AUTISMO E TRABALHO  Definições e Proposições Fonte: elaboração própria. 39 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES Após a análise de dados, emergiram cinco categorias de análise: a importância do trabalhar; ingresso no trabalho; permanência no trabalho; o trabalho para o trabalhador e autismo e trabalho, conforme descrito a seguir: 5.1 A Importância do Trabalhar A importância do trabalho para o ser humano é um conceito validado cientificamente e pertencente ao senso comum, quando se refere à pessoa com deficiência (PcD). Pesquisadores defendem com afinco os aspectos e benefícios deste ao PcD, sendo estes variados. A autora Czerw (2022) ressalta que trabalhar profissionalmente proporciona segurança financeira, integração das pessoas com deficiência, sendo essas formas de se assegurar e manter a autoconfiança e o sucesso. 5.1.1 A importância do trabalho O trabalho traz condições de dignidade e relação de valor às pessoas. Andrade (2023) argumenta que a promoção da dignidade no ambiente de trabalho não só melhora a qualidade de vida dos trabalhadores, mas também aumenta a produtividade e a satisfação geral, criando um ciclo virtuoso de benefícios mútuos para empregados e empregadores. Analisando a qualidade de vida de Talles é possível perceber que suas condições econômicas ofertam uma vida simples, mas com possibilidades de crescimento financeiro e enriquecimento cultural: uma casa limpa e organizada, dinheiro para suprir suas necessidades e tratamentos, bem como para subsidiar a vontade de fazer faculdade e adquirir conhecimento. Na entrevista Talles apresenta uma consciência a respeito do trabalho afirma que, mesmo antes de começar a trabalhar, já sabia o significado do trabalho e como ele poderia agregá-lo em sua vida. Ao ser questionado sobre o que o motivou a querer trabalhar, Talles coloca: O que me motivou a querer trabalhar seria a questão de buscar ter noção do que realmente poderia colaborar para eu ter responsabilidade, e como poder entender e ter noção sobre o que significado natural de trabalho (Talles).2 2As falas dos participantes foram destacadas do texto para dar evidência aos seus conteúdos. 40 A busca pelo emprego deve ser enfatizada pela família. Esta rede de apoio fez com que Talles tivesse condições de se visualizar trabalhando e buscando autonomia. Na sua fala, a mãe demonstra a confiança na capacidade do filho e sua preocupação com o futuro deste, uma vez que entende que não estará eternamente presente para apoiá-lo: Trabalhar é muito importante, traz autonomia, além de outros benefícios, mesmo que a pessoa seja somente, por exemplo, 60% independente, vale a pena investir porque nós pais não somos eternos né (Mara). Diante das falas de Talles, fica evidenciado que as oportunidades de trabalho para pessoas com autismo são fundamentais para sua inclusão social e independência financeira. Através do trabalho esses indivíduos podem desenvolver suas habilidades, ganhar autonomia e se sentirem parte ativa da sociedade. Nos anos 2015 e 2017 Leopoldino e Coelho realizaram importante pesquisa bibliográfica a respeito da empregabilidade da pessoa com TEA (Leopoldino, 2015; Leopoldino e Coelho, 2017), considerando que a inserção no mercado de trabalho contribui para a melhoria da autoestima e qualidade de vida da pessoa com autismo, promovendo sua integração em diferentes contextos sociais. Nesse sentido, os autores Veras e Castros (2021) pontuam que o suporte social para as pessoas com TEA deve estar presente em todas as etapas de sua vida, de forma a oferecer oportunidades, independência e desenvolvimento de habilidades e interação. O relato de Talles e de sua mãe, Mara, caminham ao encontro do proposto por Andrade (2023) e Leopoldino e Coelho (2017). A consciência por parte desta família demonstra que a teoria e a prática se alinham e favorecem o processo de inclusão da pessoa com autismo no mercado de trabalho. Talles possui autonomia para ir e voltar do trabalho, desenvolve sua função e demonstra entonação diferenciada em sua voz quando relata sua função, demonstrando orgulho e autoeficácia no seu trabalho. Para Veras e Castro (2021) o alcance do êxito profissional decorre do desenvolvimento de satisfação com o trabalho realizado, bem como o pertencimento e liberdade encontrados nesse ambiente. O salário de Talles é utilizado pela mãe nas mediações necessárias do TEA, tais como oferecer um ambiente saudável e potencializador de suas habilidades, bem como tranquilidade e segurança a ela enquanto mãe e conforto ao próprio Talles. 41 O ambiente de trabalho em sua diversidade traz benefícios significativos para o participante e para a própria empresa, tornando o espaço laboral um diferencial competitivo no mercado atual, como maior criatividade, inovação e produtividade (Sargento, Lopes; 2019). Soares, corrobora com a ideia quando pontua que: O apoio familiar e profissional desempenha um papel fundamental na preparação e acompanhamento do indivíduo autista no ambiente de trabalho. O suporte emocional, educacional e técnico é essencial para garantir o sucesso da inclusão desses profissionais nas empresas. Além disso, é importante reconhecer as habilidades únicas que muitas pessoas com autismo possuem, como atenção aos detalhes, memória visual e capacidade de concentração em tarefas específicas, que podem ser valiosas para as organizações (Soares, 2019, p. 88). A conscientização da sociedade em relação ao autismo é crucial para promover um ambiente mais acolhedor e inclusivo para todos. É necessário combater estigmas e preconceitos relacionados ao transtorno, promovendo a aceitação da diversidade e o respeito às diferenças. De acordo com Maslaha e autores (2022), há necessidade de esclarecimento/formação para os empregadores e funcionários das empresas sobre o TEA, de forma a desconstruir preconceitos que levam a atitudes discriminatórias e dificultam a inserção profissional. A educação sobre o autismo deve ser disseminada em diversos setores da sociedade, visando criar uma cultura mais empática e solidária com as necessidades das pessoas com TEA (Talarico; Pereira; Goyos, 2019). Em síntese, a importância do trabalhar para pessoas com autismo compreende para além da questão financeira; trata-se de proporcionar oportunidades reais de desenvolvimento pessoal, social e profissional para esses indivíduos, bem como facilitar a produtividade ao empregador. Diante do exposto, pode-se concluir que a inclusão no mercado de trabalho não apenas beneficia as próprias pessoas com TEA, mas também enriquece as empresas com talentos únicos e favorece a construção de uma sociedade mais inclusiva. Portanto, neste estudo, Talles é um exemplo do que Melício e Vendramentto (2021) pontuam sobre se ter bons resultados. Segundo eles, quando se investe em políticas de inclusão, sensibilização da sociedade e apoio especializado, garante que todos tenham acesso às mesmas oportunidades no mundo do trabalho. 42 5.1.2 O incentivo para o trabalho A comunicação ao indivíduo sobre a importância do trabalho é passo inicial para a percepção da importância de se trabalhar, não sendo suficiente para que o sujeito exerça a atividade remunerada a mera informação, mas é preciso o incentivo e a conscientização da pessoa diante da percepção em ações e práticas cotidianas no ambiente laboral e seus desdobramentos. No caso de Talles os desdobramentos ocorreram quando ainda não era aluno da Instituição formadora para pessoas com deficiência. Carine, atual diretora, na época, atuava como psicóloga e acompanhou as primeiras ideias para o incentivo do trabalho ao PcD. Ela demonstra como foi o início do processo no contexto local: Não me lembro exato há quanto anos, acredito que aproximadamente quinze, entramos em contato com as empresas e começamos a pensar formas de proporcionar trabalho a nossos alunos. Havia poucos estudos sobre isso. A empresa que nos atendeu estava disposta a auxiliar. Formulamos várias hipóteses, conversávamos para que fosse possível empregar nossos alunos de forma responsável e segura, mas também viável à empresa... Pensamos em até abrir um espaço dentro da instituição para produzirmos junto com os alunos as peças da empresa, mas os advogados nos posicionaram a respeito da lei. Então as opções foram ficando escassas (Carine). Nos esclarecimentos, a entrevistada Carine relatou que a oficina pedagógica foi uma ferramenta possível dentro da realidade da instituição e do cenário de inclusão. Relatou as anteriores tentativas feitas com as empresas e empregadores para atuarem em parceria e oferecer e empregar seus alunos, entretanto, obteve pouco retorno e quando o obteve, questões burocráticas impediram sua concretização. Desta forma, através do relato de Carine, a instituição desenvolveu, mediante suas possibilidades, estratégias para que o sentido do trabalho fosse compreendido por meio de ações como palestras e trocas entre os profissionais, trazendo aspectos tangíveis e incentivos concretos sobre trabalho em equipe, a noção de hierarquia, desenvolvimento de rotina, organização financeira, vendas e negociação. 43 O incentivo para o trabalho começou com uma pequena oficina chamada de cozinha pedagógica. Nesta eram implantados e realizados todo o processo de fabricação de esfihas, bolachinhas e alimentos em que, além de produzir, o aluno precisava vender para os demais colegas e colaboradores da instituição. Tivemos um feedback positivo da oficina. Em particular, o Talles que se apropriou da proposta e seguia à risca as instruções (Carine). A implementação de planos e estratégias faz com que as ideias saiam do papel e se tornem prática na vida da pessoa. Ao incluir o PcD, esta preocupação desse ser constante e facilitadora do processo. Além da instituição, a família e o curso profissionalizante trouxeram mais recursos e possibilidades a Talles. Mesmo com a criação tanto complicada minha mãe assim até me incentivou sim tudo na medida do possível ajudou nisso (Talles). Eu sempre falei da liberdade que o pagamento podia dar a ele e das coisas que o dinheiro poderia auxiliar em casa, mas ele sempre foi esforçado e demonstrou interesse sem que eu precisasse cobrar ou falar muito (Mara). A importância de oferecer incentivos para o trabalho de pessoas com autismo no mercado de trabalho reside na necessidade de promover a inclusão e valorizar as habilidades únicas desses profissionais. Ao proporcionar estímulos e suportes específicos, é possível garantir que essas pessoas tenham oportunidades iguais de inserção no mercado de trabalho e desenvolvimento de suas carreiras. Além disso, os incentivos contribuem para a construção de um ambiente diverso e inclusivo, refletindo em benefícios tanto para as empresas quanto para os profissionais com autismo (Bidart; Santos, 2021). Dentre as possíveis formas de incentivo que podem ser oferecidas às pessoas com autismo no mercado de trabalho, a contratação pela iniciativa privada ou pública devem considerar a flexibilidade de horários, a adaptação do ambiente de trabalho e o suporte especializado. A flexibilidade de horários permite que esses profissionais possam conciliar suas rotinas pessoais com as demandas do trabalho; enquanto a adaptação do ambiente de trabalho visa criar um espaço mais acolhedor e acessível. Talles gosta das coisas todas certinhas, percebo que sente falta do trabalho quando está de férias, uma vez que acorda no mesmo horário e fica estudando no horário que seria de trabalho, ele tem muita organização e cumpre os horários certinhos (Mara). 44 Ao ser questionada sobre o cansaço e a flexibilização de horários, Mara não soube responder à pergunta. Ela acredita que não teria diferença em horários a mais ou a menos, e salienta que, para Talles, a questão de flexibilidade dever ser muito bem realizada, pois de acordo com ela, o filho não gosta de mudanças e gosta de a segurança de sempre cumprir o mesmo horário. É uma das características do TEA a dificuldade de mudança, eu não percebo se ele se cansa muito ou se precisaria de menos hora de trabalho. Ele também não reclama, né, aí fica difícil pra mim. Mas Talles gosta das coisas todas certinhas, então se fossem mudadas as rotinas do trabalho precisaria ser bem explicada pra não gerar confusão e teria que ser todos os dias iguais (Mara). Não me cansa trabalhar por muitas horas, não precisar sair mais cedo do trabalho. Não ser justo isso (Talles). Outra forma de incentivo é o suporte especializado (Talarico; Pereira; Goyos, 2019) pontuam que oferecer esse suporte consiste em dar acompanhamento e orientação específica para auxiliar no desenvolvimento das atividades laborais. Os benefícios da implementação desses incentivos são evidentes tanto para as empresas quanto para os profissionais com autismo. Para as empresas, a diversidade trazida por esses profissionais pode resultar em inovação, criatividade e maior engajamento da equipe. Já para os profissionais com autismo, os incentivos proporcionam um ambiente mais inclusivo e adaptado às suas necessidades, favorecendo o seu desempenho e bem-estar no trabalho (Bidart; Santos, 2021). Para garantir o sucesso da inclusão de pessoas com autismo no mercado de trabalho, é fundamental investir na conscientização e capacitação dos gestores e colegas de trabalho. A sensibilização sobre as características do autismo e a promoção da empatia é essencial para criar um ambiente acolhedor e livre de preconceitos. Promover a diversidade e a inclusão no ambiente corporativo é uma prática fundamental para valorizar as habilidades únicas das pessoas com autismo. Reconhecer a importância da neurodiversidade no ambiente de trabalho não apenas enriquece as equipes, mas também fortalece a cultura organizacional baseada na igualdade de oportunidades. Valorizar as diferenças e respeitar as singularidades contribui para um ambiente mais saudável e produtivo (Saad, et. al, 2023, p 81). Outras formas de incentivo ao trabalho são demonstradas nos estudos de Valrriale et al. (2023), os autores propõem o uso da assistência tecnológica como uma 45 forma de incentivar os trabalhadores com TEA, uma vez que estes instrumentos são mais do que facilitadores, podem ser vistos como um incentivo da pessoa com TEA a se lançarem no mercado de trabalho. Os desafios enfrentados pelas pessoas com autismo no mercado de trabalho são diversos, desde dificuldades na comunicação até questões relacionadas à adaptação ao ambiente corporativo. Segundo Soares (2019) com medidas adequadas, é possível minimizar barreiras e potencializar as habilidades desses indivíduos. Talles foi um caso exitoso de contratação de profissional com TEA que encontrou a oportunidade vaga no mercado de trabalho graças aos incentivos oferecidos pela empresa e do poder público. Casos como o de Talles demonstram que, quando há comprometimento em promover a inclusão e valorizar as habilidades dos profissionais com TEA é possível alcançar resultados positivos, tanto para os indivíduos quanto para as organizações. Conclui-se que para Talles o incentivo ao trabalhar foi contemplado por dimensões diferentes: a família, a instituição formadora para PcDs e a instituição privada de aprendizagem industrial que representa o grupo educacional, assim como as políticas públicas e, por fim, a iniciativa privada representada pela empresa de trabalho. Ao longo da análise do conteúdo das entrevistas constatou-se que houve gradativamente uma ruptura nesse processo de contratação, bem como de permanência do PcD no ambiente de trabalho; se trabalhar foi um marco importante e de incentivo para Talles; as mudanças no cotidiano causadas por esta ruptura também se mostraram significativas. As categorias ingresso e permanência no mercado revelam em detalhes quais os impactos causados pelas mudanças laborais na vida de Talles e, consequentemente, no processo de inclusão da pessoa com deficiência. 5.2 Ingresso no Trabalho A segunda categoria criada pela análise de conteúdo propõe o ingresso no mercado de trabalho com uma categoria analítica. A literatura revela que os primeiros obstáculos já se iniciam antes mesmo do processo de contratação, na falta de conhecimento e estigmatização do transtorno, no aspecto de desenvolvimento de 46 competências por formação educacional, assim como pela necessidade de políticas públicas e de estudos sistematizados sobre o TEA no mercado de trabalho. As dificuldades no ingresso ao mercado de trabalho por pessoas com TEA são enfrentadas não somente pelo indivíduo e sua família, como também pelas empresas que os acolhem. Nesse sentido, as parcerias com instituições especializadas podem fornecer o suporte necessário para superar esses desafios e garantir o sucesso da inclusão no mercado de trabalho (Talarico & Pereira Goyos, 2019; Lorenzo & Silva, 2017). No estudo em questão, o ingresso no mercado de trabalho ocorreu na contramão dessas dificuldades. Para Talles, o ingresso foi favorecido por parcerias que funcionam em conjunto, formando um sistema e se mantém autônomo e independente. A procura pela inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho se deu a partir da empresa. A empresa se viu obrigada a cumprir a lei e articulou uma forma de aplicá-la. Nas primeiras conversas a mesma nos contatou e vislumbramos a possibilidade de criar oficinas assistidas dentro da instituição para a confecção dos produtos internamente e com assessoria dos profissionais daqui (Carine). Em seus esclarecimentos sobre as primeiras ações para inclusão do PcD no ambiente laboral, Carine relata que a partir das políticas públicas de inclusão, em especial a Lei de Cotas, a empresa tem a iniciativa de buscar a instituição para cumprir a lei de forma assertiva, Carine expõe ainda: A lei era nova, a empresa precisava cumpri-la, quando nos contactaram não sabiam ao certo como seria feito, mas queriam que a pessoa contratada, o PcD, trabalhasse da melhor maneira possível, para garantir os ganhos para a empresa e também para a pessoa com deficiência (Carine). Carine demonstra a visão da instituição como parte do processo. Esta, além de acompanhar e facilitar o ingresso do aluno na empresa, também atuou na aquisição de habilidades básicas para o desenvolvimento da competência de trabalho, que foi amplificada e aprimorada pela instituição de aprendizagem industrial, em sua formação técnica. 47 Carine remete às primeiras tentativas de inclusão da empresa em conjunto com sua instituição: num primeiro momento pensou-se em trazer peças da empresa para serem trabalhadas na instituição. Entretanto, por uma questão de legislação, o projeto não foi pra frente, retornamos à estaca zero [..] Não sei como ocorreram as conversas dentro da empresa, mas acredito que não tinham alternativa se não incluir o PcD dentro do ambiente da própria empresa. [...] Pela lógica, acredito que capacitar o PcD foi o caminho mais eficaz para eles, então, logo em seguida começaram as conversas sobre a instituição de formação em aprendizagem industrial ter uma unidade na cidade com cursos de formação profissional, com capacitação também para a pessoa com deficiência, tudo foi planejado e executado com parceria de outras unidades dessa instituição e da instituição formadora de outras cidades (Carine). Os dados apresentados por Carine apontam para o benefício das políticas públicas, em especial a Lei de Cotas para a contratação do PcD e a assertividade da empresa em capacitar estas pessoas para o trabalho. Para Talles, o ensino e a formação educacional e profissional foram diferenciais para conseguir trabalhar, podendo ser considerada como a porta de entrada. Assim buscar estudar coisas que tenha condições de preparo natural para poder trabalhar e conseguir trabalho que tiver adaptado a trabalhar naturalmente (Talles). A articulação entre os setores permitiu que a categoria ingresso no mercado de trabalho fosse analisada de acordo com as seguintes subcategorias, tais como: as parcerias estabelecidas, o papel do poder público, o papel da iniciativa privada, o papel da instituição formadora e da família como peças fundamentais, e as estratégias e gerenciamento do trabalhador no primeiro contexto de inserção, bem como a percepção de todos os envolvidos. 5.2.1 Parcerias Neste caso, as primeiras falas de inserção ocorreram simultaneamente entre os parceiros, mas em contextos e formas diferentes. Em razões já especificadas no método da pesquisa, esse estudo de caso possibilita a visão da instituição formadora, de Talles e de sua mãe, trazendo representatividade a estas classes como facilitadoras do processo. 48 Para Mara, a facilidade encontrada por Talles para a capacitação pouco ocorre em outras diversas cidades do país. Na verdade, o caso do Talles foi bem diferenciado, veio bem mastigado e muito diferente do que outras mães relatam, graças a todo mundo (Mara). Antes de começar a trabalhar, eu busquei o curso de formação de aprendizagem industrial, antes, estava tendo preparo né para conseguir realmente ter mais condições de emprego (Talles). As parcerias entre empresas e instituições de apoio desempenham um papel fundamental que permite às empresas o acesso a profissionais qualificados; enquanto as instituições de apoio fornecem suporte especializado para inclusão. O processo de inclusão na nossa cidade é muito mais fácil. Hoje somos a referência que um dia buscamos, esta instituição foi presente no processo da inclusão de muitos PcDs, atualmente o sistema se encontra rodando sozinho, a comunidade consegue ter acesso direto aos cursos profissionalizantes da instituição de aprendizagem industrial e as vagas oferecidas mesmo sem nossa participação (Carine). Os benefícios mútuos das parcerias são evidentes, tanto para as empresas quanto para os profissionais. Bidart e Santos (2021) aludem que as empresas se beneficiam também da diversidade de pensamento e da criatividade trazidas pelos profissionais com TEA, enquanto estes têm a oportunidade de desenvolver suas habilidades e contribuir ativamente para o mercado de trabalho. Além disso, as parcerias podem levar ao aumento da satisfação dos funcionários e à melhoria do clima organizacional. As autoras, Basto e Ceppelo (2023), abordaram a questão da integração e contratação para a realidade brasileira. Em uma pesquisa qualitativa, também de acordo com análise de Conteúdo, as pesquisadoras decorrem: Notou-se que alguns fatores são determinantes para que se tenham bons resultados durante a contratação e a integração do profissional com TEA: sensibilização, conscientização e envolvimento dos colaboradores; intermediação; monitoramento do profissional; alocação na área em que o profissional possui maior aptidão (Basto; Ceppelo, 2023, p.8). Existem diversos casos de sucesso que demonstram como as parcerias entre empresas e instituições de apoio podem resultar na contratação e integração bem- 49 sucedida de profissionais com TEA. Para Carine, responsável em auxiliar no processo de inclusão de pessoas com qualquer tipo de deficiência observa: A inclusão do PcD no mercado de trabalho é um processo custoso, entretanto que tem surtido muito resultado da forma como aqui ocorreu, mas observo que para a pessoa com TEA, o processo se torna mais específico. Acredito que seja pelas dificuldades de relacionamento pessoal (Carine). Programas de inclusão, com o apoio especializado e de colaboração, podem reverter-se em resultados positivos em termos financeiros e sociais. Casos como o de Talles podem servir de inspiração para outras organizações, como relatado no trabalho Saad, et al. (2023) em que as empresas estavam comprometidas com ações que possibilitasse inclusão de pessoas com deficiência nos seus locais de trabalho, com respeito à diversidade. Entretanto, muitas pessoas com TEA possuem experiências negativas anteriores com o processo formal de candidatura. O processo de contratação determinado emprego pode se tornar difícil (Lorenz; Bruening; Fabri, 2021, p.12,) ponderam que é surpreendente que a ligação entre as barreiras de formalidade e a empregabilidade, sendo que estas barreiras podem ser rastreadas e alteradas. A sensibilização dos colaboradores das empresas é o que nos parece a partir do estudo de caso de Talles como um dos aspectos fundamentais no processo de inclusão da pessoa com TEA no mercado de trabalho, visto sua experiência exitosa e formação profissional. Compreende-se, portanto que as parcerias desempenham um papel fundamental nesse sentido, pois permitem que os profissionais com TEA sejam compreendidos e respeitados por seus colegas. Meus professores me ensinaram a ter noção de tudo. Quando cheguei para trabalhar eu já sabia para onde ir, colegas estavam a me esperar, eles estavam a me esperar porque eles saber o que eu iria fazer (Talles). Em sua fala Talles faz uma referência a articulação entre a empresa, a instituição para PcD e a instituição de formação técnica. Quando questionado pela pesquisadora sobre como foram os primeiros contatos e as parcerias feitas no trabalho, ele pondera: 50 Os contatos que eu teria que ter foram como teriam que ser, trabalhei como fui ensinado e o líder me ajudou nos primeiros meses. Por conta do curso técnico eu já saber como mexer naquela bancada (Talles). No que diz respeito às perspectivas futuras das parcerias entre empresas e instituições de apoio no mercado de trabalho para pessoas com autismo é possível vislumbrar um cenário cada vez mais favorável à inclusão. Neste estudo de caso, a parceria foi de grande valia para o ingresso e desenvolvimento do trabalhador. Buscamos compreender este caso específico a partir dos três entrevistados que explicitaram como a comunicação entre eles surtia efeito para a resolução de problemas e as lacunas dessa nova empreitada. A gente sempre se reunia, sabe né, para saber como foi, a empresa foi muito solícita e a instituição mais ainda. Pro meu filho, os problemas que surgiram foram fáceis de serem resolvidos, graças a Deus e a todos os envolvidos, só tenho a agradecer (Mara). Com o avanço da legislação voltada para a garantia dos direitos das pessoas com deficiência, espera-se que mais empresas se engajem em iniciativas inclusivas e estabeleçam parcerias estratégicas com instituições especializadas. Dessa forma, como ressalta Soares (2019) será possível ampliar as oportunidades de emprego para os profissionais e promover uma sociedade mais justa e igualitária. 5.2.2 O papel da iniciativa privada No estudo em questão, o ingresso de Talles no mercado de trabalho ocorreu por iniciativa da empresa, após a implantação da Lei de Cotas. Mesmo compreendendo que a inclusão do PcD é obrigatória por lei, e sendo esse um dos principais motivos para a contratação na maioria das empresas, os dados aqui descritos pelos participantes nos conduzem a concluir que o processo ocorreu mais do que uma inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho, ocorreu de fato como uma inclusão. Meu filho não precisou ir buscar trabalho, porque o curso de aprendizagem industrial veio pra cá, em parceria com a empresa que Talles trabalha, coisa do prefeito antigo, coisa de política, de governador, e por isso os alunos já saiam trabalhando se tivessem bom desempenho. (Mara) 51 Na impossibilidade de obter os relatos da empresa que Talles atua na pesquisa, utilizou-se a visão dos demais participantes da pesquisa (mãe e representante da instituição formadora) para chegar mais próximo da realidade ocorrida. Em seu relato, a mãe acompanhou de perto todo o processo e descreve o poder público através da figura do prefeito municipal e do governador estadual como fortes influências no processo. De acordo com ela, reuniões ocorreram com frequência até chegar ao resultado que foi a implantação da instituição formadora e voltada para capacitação técnica e industrial na cidade. Foram retomadas as conversas, ligações e reuniões sobre a inclusão dos alunos para trabalhar nessa empresa. Representantes dela na época se uniram a instituição de ensino de pessoas com deficiência, a nova instituição formadora do técnico e profissional, a família e aos alunos para tornar possível o que vemos hoje, demorou, mas deu muito certo (Carine). Acredito que os objetivos de todos eram comuns: a empresa precisa ter um número X, de acordo com a legislação de pessoas com deficiência trabalhando e nossa missão era auxiliar nessa demanda (Carine). A inclusão de pessoas com autismo no mercado de trabalho é uma questão fundamental para a promoção da diversidade e igualdade de oportunidades. Nesse sentido, a iniciativa privada desempenha um papel importante ao abrir suas portas para profissionais com autismo, contribuindo não apenas para a inclusão social desses indivíduos, mas também para o enriquecimento do ambiente de trabalho e o aumento da produtividade. Além disso, a contratação de pessoas com autismo pode trazer benefícios tangíveis para as empresas, como a melhoria do clima organizacional, o aumento da criatividade e inovação, e a conquista de novos mercados consumidores sensíveis à responsabilidade social (Leopoldino; Coelho, 2017). Para promover a inclusão de profissionais com autismo, as empresas podem adotar diferentes estratégias, como programas de capacitação específicos, adaptação do ambiente de trabalho às necessidades individuais dos colaboradores com autismo e sensibilização dos demais funcionários sobre as características do transtorno. Assim como sugere a literatura, a empresa de Talles aplicou cursos e treinamentos aos gestores, líderes e funcionários. Carine teve o conhecimento 52 destes, em que a preparação da equipe ocorreu anteriormente à contratação de Talles. Para Sargento e Lopes (2019) essas medidas não apenas facilitam a integração dos profissionais com autismo na equipe, mas também contribuem para o desenvolvimento de um ambiente mais inclusivo e acolhedor. A parceria entre os diversos segmentos da sociedade civil, empregadores e poder público são essenciais para criar políticas públicas e programas que incentivem e possibilitem a empregabilidade de pessoas com autismo. A colaboração entre esses atores pode resultar em iniciativas mais abrangentes e eficazes que promovam a igualdade de oportunidades e combatam o preconceito em relação aos profissionais com autismo (Saad et. al, 2023). As competências e habilidades específicas dos profissionais com autismo podem ser valorizadas pelas empresas como diferenciais competitivos. A atenção aos detalhes, capacidade de concentração em tarefas específicas e criatividade são características frequentemente presentes em pessoas com autismo que podem contribuir significativamente para o sucesso das organizações (Soares, 2019). Ao ser questionado sobre, Talles demonstra ter bom julgamento sobre suas capacidades e fala do seu diferencial para a empresa: Sei trabalhar em todas as bancadas, já passei por todas, meu trabalho ser respeitoso e muito atencioso (Talles). Precisa ter muita atenção em setor de componentes eletrônicos, as peças são pequenas e precisa fazer bem feito, não pode ser qualquer pessoa para fazer (Talles). De acordo com Mara, seu filho ficava em uma única banca