unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP DAYRA ÉMILE GUEDES MARTÍNEZ TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM CURSOS DE PEDAGOGIA: diálogos entre os projetos político-pedagógicos e o ensino remoto emergencial ARARAQUARA – S.P. 2022 DAYRA ÉMILE GUEDES MARTÍNEZ TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM CURSOS DE PEDAGOGIA: diálogos entre os projetos político-pedagógicos e o ensino remoto emergencial Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Política e Gestão Educacional Orientador: José Luís Bizelli Co-orientador: Francisco Rolfsen Belda ARARAQUARA – S.P. 2022 M385t Martínez, Dayra Émile Guedes Tecnologias de informação e comunicação em cursos de Pedagogia : diálogos entre os projetos político-pedagógicos e o ensino remoto emergencial / Dayra Émile Guedes Martínez. -- Araraquara, 2022 159 f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientador: José Luís Bizelli Coorientador: Francisco Rolfsen Belda 1. Educação. 2. Tecnologias de informação e comunicação. 3. Professores Formação. 4. Pandemias. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. DAYRA ÉMILE GUEDES MARTÍNEZ TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO EM CURSOS DE PEDAGOGIA: diálogos entre os projetos político-pedagógicos e o ensino remoto emergencial Tese de Doutorado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Educação Escolar. Linha de pesquisa: Política e Gestão Educacional Orientador: José Luís Bizelli Co-orientador: Francisco Rolfsen Belda Data da defesa: 30/08/2022 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Prof. Dr. José Luís Bizelli Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP Membro Titular: Prof. Dr. Silvio Henrique Fiscarelli Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP Membro Titular: Profa. Dra. Márcia Lopes Reis Faculdade de Ciências de Bauru – UNESP Membro Titular: Profa. Dra. Nirave Reigota Caram Centro Universitário Sagrado Coração – UNISAGRADO Membro Titular: Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" – USP Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Ao meu gato, Vivaldi, que se deitava nos meus braços enquanto eu escrevia este texto. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Prof. Dr. José Luís Bizelli, que desde o mestrado acompanha meu percurso acadêmico, sendo figura essencial ao desenvolvimento da pesquisa e à minha jornada científica. Ao meu co-orientador, Prof. Dr. Francisco Rolfsen Belda, que aceitou colaborar com a pesquisa e com o qual tive a alegria de cursar uma disciplina. Aos integrantes da banca Prof. Dr. Silvio Henrique Fiscarelli, Profa. Dra. Márcia Lopes Reis, Profa. Dra. Nirave Reigota Caram e Prof. Dr. José Anderson Santos Cruz, que gentilmente aceitaram contribuir com este trabalho. Aos meus pais que sempre me apoiaram e participam de mais uma fase da minha vida. Aos amigos, alguns mais novos e outros de mais de uma década, que contribuíram com bom humor e ótimas conversas. Ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar, a todo o corpo técnico, docente e administrativo da UNESP. Nosso amanhã pode ser escuro, doloroso, difícil. Podemos tropeçar ou cair. As estrelas brilham mais intensamente quando a noite está mais escura. Se as estrelas estiverem escondidas, deixaremos o luar nos guiar. Se até a lua estiver escura, que nossos rostos sejam a luz que nos ajuda a encontrar o caminho. Vamos reimaginar nosso mundo. Estamos amontoados, cansados, mas vamos sonhar novamente. Kim Namjoon (em discurso para a 75º Assembleia Geral das Nações Unidas) RESUMO A inserção de tecnologias de informação e comunicação no processo educativo assume diferentes facetas, entre elas a educação a distância e o ensino semipresencial, por vezes denominado de modalidade híbrida. Por conta da relevância na vida contemporânea, seja na atuação política, cultural, econômica ou na relação com o conhecimento, os saberes e ferramentas técnicas perpassam o processo de escolarização; isso é reconhecido nos parâmetros e diretrizes da educação brasileira e dos cursos de licenciatura. Por conta disso, a formação inicial deve abranger esses elementos. O objetivo deste trabalho é analisar como foi a dinâmica dos projetos político-pedagógicos de cursos de Licenciatura em Pedagogia durante a pandemia de COVID-19 quanto à integração de tecnologias na educação. Foram selecionadas universidades públicas paulistas, UNESP, UNICAMP e USP, em suas unidades que oferecem o curso. Enquanto pesquisa documental, as fontes dos dados foram os projetos político-pedagógicos, os eventuais documentos de adequação e alterações, as portarias e resoluções das universidades e seus portais sobre o ensino durante a pandemia. Verificou-se que os projetos atribuem diferentes níveis de importância e abordagens quanto às tecnologias na educação, mas todos os cursos contam com, pelo menos, uma disciplina obrigatória que se dedica a esse conteúdo. Com a interrupção das atividades presenciais de ensino, houve adaptações e transposições para o ambiente virtual – no que foi denominado de ensino remoto emergencial – e as atividades inexequíveis de maneira online foram postergadas. Apesar de apresentarem conteúdos relativos às tecnologias na educação, os projetos não foram suficientes para dar continuidade ao processo de ensino durante a crise sanitária, até porque não foram elaborados para tal circunstância atípica, e medidas institucionais de cada unidade e das universidades foram determinantes para a realização do ensino remoto. Ainda assim, os cursos não se afastaram por completo de seus projetos. Será interessante acompanhar as futuras ações institucionais advindas desse período de pandemia, sejam elas de aproximação e adaptação com as modalidades a distância e híbrida ou de distanciamento. Palavras-chave: educação e tecnologia; formação de professores; ensino remoto emergencial; projeto político-pedagógico; pandemia COVID-19. ABSTRACT The insertion of information and communication technologies in the educational process assumes different facets, including distance education and blended learning, sometimes called hybrid education. Due to its relevance in contemporary life, whether in political, cultural, economic activity and in the relationship with knowledge, technical knowledge and tools permeate the schooling process; this is recognized by the parameters and guidelines of Brazilian education and teacher training. Because of this, initial training must cover these elements. The purpose of this work is to analyze the dynamics of the political-pedagogical projects of Pedagogy courses during the COVID-19 pandemic regarding the integration of technologies in education. Public universities in São Paulo and their units that offer the course were selected: UNESP, UNICAMP and USP. As documentary research, the sources of the data were the political-pedagogical projects, the eventual documents of adequation and changes, the legal documents of the universities and their portals on teaching during the pandemic. It was found that the projects attribute different levels of importance and approaches to technologies in education, but all courses have at least one compulsory subject dedicated to this content. With the interruption of face-to-face teaching activities, there were adaptations and transpositions to the virtual environment - in what was called emergency remote teaching - and activities that were not feasible online were postponed. Despite presenting content related to technologies in education, the projects were not sufficient to continue the teaching process during the health crisis, especially because the projects were not designed for such an atypical circumstance, and institutional measures of each unit and universities were decisive to promote remote teaching. Even so, the courses have not completely departed from their projects. It will be interesting to follow the future institutional actions arising from this pandemic period, whether they would move closer to and adapt distance and hybrid education formats or move away. Keywords: education and technology; teacher training; emergency remote teaching; political-pedagogical project; COVID-19 pandemic. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Matrículas contabilizadas desde 2009 25 Gráfico 2 Atividades realizadas nos polos 26 Gráfico 3 Recursos educacionais oferecidos aos alunos em cursos totalmente a distância e semipresenciais 29 Gráfico 4 A experiência da sua instituição com a EaD permitiu dar apoio aos cursos presenciais em quais desses aspectos? 67 Gráfico 5 Ações de enfrentamento 70 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Cursos de Pedagogia em universidades estaduais de São Paulo 78 Quadro 2 Detalhes dos projetos dos cursos. 79 Quadro 3 Disciplinas identificadas nos projetos dos cursos analisados 82 Quadro 4 Referências bibliográficas da FCT/UNESP que contêm os termos de pesquisa. 94 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Instituições e polos da Universidade Aberta do Brasil 46 Figura 2 Distribuição dos polos da UNIVESP 48 Figura 3 Fases do Plano São Paulo 60 Figura 4 Banner do portal da UNESP 84 Figura 5 Banner do portal da UNICAMP 84 Figura 6 Mudanças nas atividades devido à pandemia, segundo docentes 106 Figura 7 Mudanças nas atividades devido à pandemia, segundo estudantes 107 Figura 8 Ambientes Virtuais de Aprendizagem segundo docentes 108 Figura 9 Ambientes Virtuais de Aprendizagem segundo estudantes 108 Figura 10 Recursos para o ensino remoto 109 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem ABED Associação Brasileira de Educação a Distância ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação CGI.br Comitê Gestor da Internet no Brasil EaD Educação a Distância FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FC Faculdade de Ciências FCLAr Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara FCT Faculdade de Ciências e Tecnologia FE Faculdade de Educação FFC Faculdade de Filosofia e Ciências FFCL Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras IB Instituto de Biociências IBILCE Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas IES Instituições de Ensino Superior LDB Lei de Diretrizes e Bases (da Educação Nacional) OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OMS Organização Mundial de Saúde PDI Plano de Desenvolvimento Institucional PPP Projeto Político-Pedagógico REA Recurso(s) Educacional(ais) Aberto(s) UAB Universidade Aberta do Brasil UFSCar Universidade Federal de São Carlos UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UNIVESP Universidade Virtual do Estado de São Paulo TDIC Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação TIC Tecnologias de Informação e Comunicação SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 14 2 CONCEITOS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES 17 2.1 Implicações sociais e econômicas do avanço tecnológico 18 2.2 Educação mediada por tecnologias de informação e comunicação 23 2.2.1 A atuação docente em EaD e ensino híbrido 33 2.3 Tecnologias de informação e comunicação na formação de professores 38 2.3.1 Formação docente a distância: UAB e UNIVESP 45 2.4 O projeto político-pedagógico: acordos e conflitos 49 3 EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE COVID-19 53 3.1 Características do Ensino Remoto Emergencial 60 3.2 Uso emergencial de tecnologia para formação em ensino superior presencial 67 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 76 4.1 Percurso metodológico 77 4.2 UNESP 85 4.2.1 Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara 85 4.2.2 Faculdade de Ciências de Bauru 86 4.2.3 Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília 88 4.2.4 Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente 89 4.2.5 Instituto de Biociências de Rio Claro 96 4.2.6 Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto 97 4.2.7 UNESP em tempos de COVID-19 98 4.3 UNICAMP 102 4.3.1 Faculdade de Educação da UNICAMP 102 4.3.2 UNICAMP em tempos de COVID-19 103 4.4 USP 111 4.4.1 Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto 111 4.4.2 Faculdade de Educação de São Paulo 113 4.4.3 USP em tempos de COVID-19 114 4.5 Discussão 117 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 132 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 139 APÊNDICES 156 APÊNDICE A – Links para acesso e download dos projetos 157 APÊNDICE B – Base legal comum citada nos projetos. 158 APÊNDICE C – Agrupamento temático de assuntos em comum nos projetos. 159 14 1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa se desenvolve por conta do meu interesse na intersecção entre as áreas de educação e tecnologia. Minha formação inicial em Licenciatura em Música com Habilitação em Educação Musical pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) possibilitou meu contato com a educação a distância (EaD) quando atuei como tutora virtual no curso de Licenciatura em Música à distância da própria universidade, em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB). O curso de capacitação para tutoria virtual, o estudo do conteúdo das disciplinas, a familiarização com a plataforma e o acompanhamento dos alunos despertaram meu interesse pela EaD e pelas possibilidades do uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC) no processo de ensino e aprendizagem, um aspecto que não foi abordado formalmente durante meu curso de graduação. Em específico, a gestão da formação de professores, em relação ao uso de TIC, passou a me intrigar, tanto que na pesquisa de mestrado, realizada nesta mesma instituição, investiguei a percepção de alunos e tutores sobre o ambiente virtual de aprendizagem (AVA) do curso de Pedagogia semipresencial oferecido pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) e pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP). Finalmente, no doutorado, com o conselho do meu orientador, Prof. Dr. José Luís Bizelli, o professor Dr. Francisco Rolfsen Belda foi integrado como co-orientador, pela sua atuação com tecnologia e educação com enfoque no desenvolvimento comunitário1. Cogitou-se a ida aos EUA para um período sanduíche na Universidade de Brandeis, especificamente, no departamento de Política e Gestão Social, cujo princípio orientador é a justiça social. Desse desejo, encaminhei meu projeto de pesquisa para o tema das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) em cursos de Pedagogia considerando temas relativos à justiça social; dessa primeira proposta, foi realizada uma investigação documental nos projetos político-pedagógicos (PPP) de universidades públicas paulistas que foi apresentada no XIV Encontro Ibero-Americano de Educação (EIDE) em Araraquara (SP) e, posteriormente, publicada integralmente na Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação2. 2 Martínez, D. Émile G., Bizelli, J. L., & Reis, M. L. (2020). Cursos de Pedagogia: tecnologias digitais e justiça social. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, 15(esp4), 2611-2623. https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp4.14509. 1 O curso Mídia Digital para Desenvolvimento Comunitário é ofertado pela UNESP (São Paulo, Brasil) e pela Universidade de Brandeis (Massachussets, EUA) para alunos internacionais. Disponível em: https://www.media4development.org/. Acesso em: 4 fev. 2021. 15 Esse projeto inicial, com a proposta do período sanduíche para o ano de 2020, foi submetido à FAPESP para concessão de bolsa de doutorado no país e, futuramente, período sanduíche, mas foi rejeitado. Em janeiro de 2020, em reunião com os orientadores, ficou decidida a reelaboração do projeto para a FAPESP. Nesse momento, as primeiras notícias sobre COVID-19 me preocupavam. Antes de enviar o projeto novamente à FAPESP, em março de 2020, as medidas para contenção do vírus foram decretadas. Por conta da incerteza quanto à retomada das atividades acadêmicas e de mobilidade internacional, abandonei essa proposta inicial de pesquisa. Logo no início desse período, pensei que, além de manter os tópicos de educação, tecnologia e formação de professores em minha pesquisa, também iria considerar as especificidades educacionais no momento da pandemia e seus reflexos nas futuras ações de formação e atuação docente. Acreditei que, durante a quarentena, seria capaz de reescrever todo meu projeto, submetê-lo para uma bolsa (e ser aprovada) e elaborar os capítulos teóricos para a qualificação. No entanto, por conta da singularidade, estresse e ansiedade desse período somados à frustração da rejeição da bolsa no país e impossibilidade de uma bolsa no exterior, passei por um período de grande incerteza em relação à minha pesquisa; o que, consequentemente, me deixava mais ansiosa e frustrada. Felizmente, já havia cumprido os créditos em disciplinas requeridos pelo programa e tive a oportunidade de continuar com meus estudos de alemão pelo Idiomas sem Fronteiras. Também no segundo semestre de 2020, publiquei, juntamente com os coautores, o trabalho anteriormente citado e assisti seminários online de diferentes instituições de ensino e pesquisa. Ao conseguir lidar melhor com o nervosismo que a pandemia gerou, com anuência dos orientadores, reescrevi o projeto considerando meu interesse consolidado em educação e tecnologia, com foco na formação de professores, agora, adicionando mais um fator, que é o da pandemia de COVID-19 e as ações educacionais realizadas nesse momento de crise para a formação e atuação docentes. O avanço tecnológico gerou inúmeras mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas, e entre essas mudanças está a própria relação com o saber. O conhecimento técnico, a ação criativa e reflexão crítica sobre as tecnologias dominantes são necessárias para a formação integral do ser humano e sua inserção social, daí a necessidade da escola se voltar para esses conhecimentos e ter um corpo docente capaz de atuar em sala de aula dialogando com a realidade e formando cidadãos capazes de estar inseridos na sociedade e agir sobre ela. 16 O passo anterior a isso é a formação de professores, que abrange elementos tecnológicos enquanto conteúdos, ferramentas e meios para a formação docente, inclusive, para atender exigências legais. Com a pandemia de COVID-19, as tecnologias digitais de informação e comunicação foram colocadas em destaque, permeando todos os níveis de ensino, contornando – ou ignorando – a precariedade infraestrutural das instituições educacionais e do corpo discente, com o objetivo de dar continuidade aos processos de escolarização durante o período de restrições sanitárias. Nesse contexto, foram elaboradas as seguintes questões de pesquisa: como os projetos político-pedagógicos inserem as tecnologias na educação durante a formação inicial de professores? quais os elementos, legais e internos às instituições, são identificados nessa inserção? como foi a institucionalização dos elementos da pandemia pelas universidades? A partir disso, estabeleceu-se o objetivo geral de analisar como foi a dinâmica dos projetos político-pedagógicos de cursos de Pedagogia durante a pandemia de COVID-19 quanto à integração de tecnologias na educação. Em relação à abordagem, objetivo e fonte de dados, esta é uma pesquisa qualitativa, descritiva e documental. Na primeira seção da tese, realiza-se a fundamentação teórica sob a qual foram analisados os dados encontrados. A segunda seção dedica-se à educação durante a crise sanitária decorrente da pandemia. Por fim, a terceira seção apresenta o percurso metodológico da pesquisa, os resultados e a discussão. O trabalho encerra-se com as considerações finais. 17 2 CONCEITOS E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES O ser humano e a natureza são compreendidos histórica e socialmente, assim como sua relação. Por vezes compreendida como obra divina, em contraposição à criação humana, a natureza existe precisamente porque existem seres humanos, e nossa ação sobre esta, cria novas naturezas, ou o que começa a nos parecer natural. Nesse sentido de criação, humanidade e tecnologia caminham juntas. Ao longo da história, o avanço tecnológico foi, muitas vezes, impulsionado por interesses bélicos, imperialistas e opressores. Essas relações sociais e econômicas que as obras técnicas carregam em si para sua produção e utilização podem ser naturalizadas ou ignoradas, o que coloca essas ideologias acima de qualquer questionamento e mudança. Isso não significa que a tecnologia em si seja condenável, afinal, pode contribuir para a preservação da humanidade e seu desenvolvimento em diferentes aspectos. Seja a palavra falada, a impressão ou a rede, as tecnologias de informação e comunicação têm possibilitado diferentes práticas educacionais, sendo educação e tecnologia uma temática abrangente. As diferentes expressões, por vezes completamente em inglês ou contendo termos da língua inglesa, parecem assustar pela quantidade e até inconsistência de significados. Essa qualificação da educação, além de revelar o zeitgeist, tem valor epistemológico e aproxima experiências educacionais e trabalhos científicos promovendo diálogo e referenciação. Antes de abordar educação e tecnologia, no que tange a este trabalho, far-se-á uma discussão sobre o desenvolvimento tecnológico enquanto faceta socioeconômica e a própria definição de tecnologia. Em seguida, trata-se de duas áreas de educação mediada por tecnologia – educação a distância e ensino híbrido –, incluindo a atuação docente nesse universo que, por sua vez, ficou evidenciado no período da pandemia. A formação de professores é o próximo tema abordado, com foco nas tecnologias na educação e a formação mediada por tecnologias, aqui, abarcando a UAB e a UNIVESP, ambas iniciativas voltadas à formação docente com uso de tecnologias digitais de informação e comunicação. Por fim, considerações sobre o projeto político-pedagógico (PPP) encerram a seção; enquanto elemento da gestão democrática, o PPP também é o documento analisado nesta pesquisa. 18 2.1 Implicações sociais e econômicas do avanço tecnológico Antes de tratar de tecnologia, cabe abordar o conceito de técnica sob o qual inúmeros autores se debruçaram. Sem delongar em termos filosóficos, destacam-se elementos de suas argumentações. Para Gasset (1963), o ato técnico consiste em uma ação humana intencional para modificar a natureza satisfazendo uma necessidade, não só a necessidade de viver, mas de viver bem, o bem-estar que o autor chama de “necessidade das necessidades”; para ele, o conjunto de atos técnicos é chamado de técnica. O autor considera a técnica moderna como distinta de todas as outras e alerta para sua instrumentalidade, pois ela passa a ameaçar a própria existência humana3. A modernidade e a ciência moderna também são temas para Habermas (1968) e Heidegger (2007) em suas discussões sobre a técnica. Novamente, a instrumentalidade da técnica é abordada, pois confere um aspecto de dominação sobre o ser humano ao invés de ter o ser humano como sujeito da técnica que, então, atua na dominação da natureza. A partir dessa inversão de sujeito e objeto, presencia-se a concepção de neutralidade colocada pela ciência moderna, o que passa a ser questionado: Uma técnica não é nem boa, nem má (isto depende dos contextos, dos usos e dos pontos de vista), tampouco neutra (já que é condicionante ou restritiva, já que de um lado abre e de outro fecha o espectro de possibilidades). Não se trata de avaliar seus “impactos”, mas de situar as irreversibilidades às quais um de seus usos nos levaria, de formular os projetos que explorariam as virtualidades que ela transporta e de decidir o que fazer dela (LÉVY, 2010, p. 26). Nesse sentido, as técnicas advêm de escolhas, de matéria-prima, ferramentas, estratégias, processos cognitivos, que surgem da arbitrariedade, diversificando e, ao mesmo tempo, limitando o campo de ações coerente com a intencionalidade. Outro autor que aborda o tema, Pinto (2005) tem uma obra extensa sobre as diferentes conceituações do termo tecnologia, entre elas a compreensão do termo como o campo do conhecimento a respeito da técnica. Também se destaca a concepção de tecnologia como “conjunto de conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade” (KENSKI, 2011, p. 24). 3 José Ortega y Gasset viveu entre o final do século XIX e início do século XX. Tendo presenciado as duas grandes guerras mundiais e seus reflexos, é esperado que isso tenha influenciado suas reflexões, assim como as de seu contemporâneo Martin Heidegger. 19 Lévy (2010) entende que falar sobre o ‘impacto’ das tecnologias revela uma percepção de que estas são algo além da sociedade e da cultura e, por isso, são absentas de valores humanos: vieram de fora, como um meteoro, e por isso têm um impacto. Para o autor, é impossível separar o ser humano de seu mundo material, uma vez que é através dele que se atribui sentido à vida; ao mesmo tempo que a humanidade cria e recria técnicas, essas técnicas constituem a própria humanidade. Desta forma, ele ressalta a contextualização sociocultural da produção técnica para revelar e entender as relações, atores e instituições envolvidas. As obras técnicas mais significativas são produzidas em nações dominantes e por grupos economicamente privilegiados, o que é mascarado por uma ideia de igualdade de privilégios e pela naturalização do processo produtivo; além de ser justificada, essa exclusão ainda coloca os grupos privilegiados como benfeitores ao ponto de compartilharem os avanços tecnológicos com os grupos que eles mesmos excluem e marginalizam para que estes possam participar da “era tecnológica” (PINTO, 2005). As políticas públicas e iniciativas de inclusão envolvem, além da tentativa de oferecer infraestrutura básica e equipamento tecnológico, o oferecimento e/ou imposição de conteúdo globalizado que invalida as realidades locais, sua cultura e historicidade. Moreira (2020) também destaca que a importação e imposição de conteúdo e modelos ignoram e estigmatizam as realidades de cada local. Como Martín-Barbero (2000) ironicamente diz sobre a cultura de massa: “os países ricos que inventem, que criem, e que a nós nos deixem continuar copiando e aplicando” (p. 51). Desta forma, pode-se falar no impacto das tecnologias precisamente em relação aos grupos que são excluídos de sua produção. Desconsiderando áreas intrinsecamente ligadas à indústria, a universidade, em especial a área das humanidades, assim como a área educacional, estão longe de serem o carro-chefe do desenvolvimento tecnológico, no sentido de desenvolver, produzir e disseminar obras técnicas dominantes na sociedade. Novamente, pode-se argumentar sobre o impacto das tecnologias na escola e na universidade, precisamente por serem produzidas, assim como o conteúdo por elas veiculados massivamente, fora desses espaços e por atores que não são os que ali atuam. Entende-se, então, que considerar os aspectos humanos por trás da produção técnica pode revelar os impactos que as tecnologias têm em diferentes grupos, comunidades, regiões e países. Essa contextualização social, cultural e econômica pode evitar a dissimulação da exploração, marginalização e exclusão e refutar a falácia da neutralidade técnica e tecnológica. 20 Essa compreensão também auxilia na desmistificação de que a tecnologia e os aparatos tecnológicos são, em si, a ruína da humanidade e do processo educacional, pois, ao mesmo tempo que condiciona a ação humana, a tecnologia é reflexo da própria prática e vilanizar as obras técnicas recai no que Lévy (2010) alerta sobre a ideia de que a tecnologia é um ator autônomo, deslocando nossa atenção de toda a complexidade, atores e situações responsáveis por isso. No outro extremo dessa perspectiva tecnocrática está a concepção de que as tecnologias são uma panaceia e sua incorporação em diferentes esferas, com a aquisição de equipamentos e mudanças processuais, é o suficiente para a superação de dificuldades e limitações, o que também é um sofisma. Como Kenski (2011) indica, citando também Marshall McLuhan, a familiaridade com certas tecnologias e seu uso por muito tempo torna-as naturais ao ponto de pararem de ser vistas como tecnologias. A dicotomização entre humanidade e tecnologia, como às vezes era usado na ficção científica para ressaltar o medo da humanidade ser controlada por máquinas, aqui, entende-se como uma descontextualização da produção técnica e suas implicações socioeconômicas; o vilão não é a tecnologia, mas os responsáveis pelo seu uso enquanto mecanismo de exploração e exclusão. Ainda que usar uma espada como bengala não faz com que ela deixe de ser uma espada4, as obras técnicas não estão determinadas pela sua produção por conta da própria capacidade humana de adaptação, ressignificação e recriação. Por mais que as tecnologias condicionem o campo de ação, a generalização é injusta, por exemplo, a energia nuclear e a energia elétrica não podem ser colocadas no mesmo plano, como cita Lévy (2010). Toyama (2010), ao relatar e analisar sua experiência com TIC para o desenvolvimento comunitário, conclui que as tecnologias apenas amplificam as intenções e capacidades humanas, não sendo possível substituí-las. Cada advento tecnológico cria um tipo de excluído e aumenta os graus e a compreensão sobre o que é pobreza. Antes da palavra escrita, não existiam analfabetos (LÉVY, 2010); mesmo a própria definição de pobreza varia conforme o desenvolvimento de cada sociedade, e com a difusão de equipamentos e dispositivos tecnológicos agrega-se mais uma percepção e nível de pobreza: A introdução de novos produtos, que passam a ser indicativos de uma condição de vida “civilizada” (seja telefone, eletricidade, geladeira, rádio ou TV), aumenta o patamar abaixo do qual uma pessoa ou família é considerada 4 Parafraseando Madeline Miller na obra The Song of Achilles: “you can use a spear as a walking stick, but that will not change its nature”. 21 pobre. Como o ciclo de acesso a novos produtos começa com os ricos e se estende aos pobres após um tempo mais ou menos longo (e que nem sempre se completa), há um aumento da desigualdade. Os ricos são os primeiros a usufruir as vantagens do uso e/ou domínio dos novos produtos no mercado de trabalho, enquanto a falta destes aumenta as desvantagens dos grupos excluídos. Em ambos os casos, os novos produtos TICs aumentam, em princípio, a pobreza e a exclusão digital (SORJ; GUEDES, 2005, p. 102). Segundo os autores, as políticas públicas buscam amenizar os impactos negativos desse desenvolvimento tecnológico, e ressaltam que o acesso ou não à rede é um indicador importante, embora insuficiente, para aferir a exclusão digital, porque desconsidera a qualidade e tempo de acesso e a relevância e benefícios da rede para a pessoa. Além disso, as tecnologias também podem agravar a precarização do trabalho, ao intensificar a jornada no emprego e automatizar tarefas, gerando mais desemprego. Enquanto os mais ricos têm flexibilidade e mobilidade, os mais pobres estão limitados aos espaços que ocupam e, por vezes, dos quais são expulsos (BAUMAN, 1999). Lévy (2010) indica que o ciberespaço apresenta resoluções parciais a certos problemas, ao mesmo tempo que gera um conjunto de novos problemas, pois também proporciona novas formas de: isolamento e sobrecarga, dependência, dominação, exploração e “bobagem coletiva”. Se as obras técnicas dominantes refletem um processo de exploração e exclusão, e também geram novas formas de exploração e exclusão, é essencial promover a sobrevivência material de todos e, ao mesmo tempo, exigir transformações sociais para a superação dessas formas de violência. As tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) compreendem a ciência, os recursos e os métodos referentes à produção, armazenamento, transmissão, reprodução e modificação de informações realizadas com sistemas e aparelhos digitais. O termo tecnologias, como colocado, se refere aos saberes, métodos e ferramentas de uma área produtiva específica – material ou imaterial (por exemplo: tecnologia agropecuária, tecnologias médicas) – e, também, aos conhecimentos relativos à técnica, enquanto produção humana intencional, seu desenvolvimento histórico e sua aplicação em determinados domínios (tecnologia da internet, tecnologia do açúcar). A expressão tecnologias de informação e comunicação (TIC) se define como o conjunto de procedimentos e recursos relativos ao processamento de informações, em seu objetivo essencial de mediar a comunicação, com diferentes propósitos, como o entretenimento e a instrução. 22 O termo digitais, por sua vez, especifica a codificação da informação em um sistema descontínuo de números que possibilita o armazenamento, reprodução e modificação das informações sem perda significativa de qualidade; ao contrário das informações analógicas que, por sua vez, são codificadas sequencialmente de forma contínua, sujeitando a informação à perda de qualidade conforme sua manipulação (LÉVY, 2010). Ainda como representação da informação, o termo digital caracteriza aparelhos (relógio digital, câmera digital), tipos de produções (arte digital, fotografia digital), processos e serviços (banco digital, marketing digital) e fenômenos socioeconômicos (segurança digital, inclusão digital) possibilitados e condicionados pelo sistema digital. Por ser mais abrangente, o termo TIC é mais popular que TDIC e engloba, por exemplo, telefone, rádio, televisão e computador; por vezes, pode-se encontrar a expressão ‘novas tecnologias’ em referência às tecnologias digitais, ainda que essa conotação seja relativa e imprecisa. Por vezes, a literatura dos anos 1990 a utiliza para se referir ao computador e à internet, enquanto a literatura dos anos 2010 a utiliza para se referir à inteligência artificial, por exemplo. Considera-se o processo de escolarização como responsável institucionalmente por proporcionar à pessoa as condições para sua inserção na sociedade. Uma vez que “o homem transita culturalmente mediado pelas tecnologias que lhe são contemporâneas” (KENSKI, 2011, p. 21), estas são essenciais para promover a igualdade de oportunidades a todos os indivíduos enquanto busca-se a própria eliminação das barreiras que causam essa desigualdade. Conforme o que foi discutido, essa integração é mais ampla que o uso indiscriminado ou obrigatório de equipamentos ou dispositivos: Analisar o papel que as tecnologias e as informações/imagens têm desempenhado na vida social implica não somente explorar as características técnicas dos meios, mas buscar entender as condições sociais, culturais e educativas de seus contextos. Esse enfoque é primordial para perceber as possibilidades que se estabelecem com o uso das modernas – algumas já nem tão modernas assim – tecnologias (PORTO, 2006, p. 44). A apropriação de tecnologias vai além da mudança de comportamentos culturais, sociais, econômicos – o que, em si, justificaria seu estudo e problematização pelos sistemas de ensino –; as tecnologias também alteram atividades cognitivas. A palavra escrita promoveu um tipo de registro, padronização e comunicação do conhecimento que reflete uma visão de mundo e influencia o fazer científico. O armazenamento e processamento de dados possibilitados com os computadores também exteriorizam capacidades cognitivas humanas e 23 as potencializam a um patamar antes impensado por conta das limitações do próprio cérebro. É importante ressaltar que a sucessão dos modos sociais de gestão do conhecimento – oralidade, escrita e informática – não substituem o antigo modo, eles se sobrepõem (LÉVY, 1993); dessa forma, uma nova gestão não elimina por completo as práticas e saberes anteriores. Essa sobreposição também é considerada por Porto (2006) ao propor a agregação de novas tecnologias de informação e comunicação àquelas tradicionalmente presentes nas escolas, ao invés da substituição, o que permite um maior diálogo com a realidade. 2.2 Educação mediada por tecnologias de informação e comunicação O processo de ensino sempre abarcou diferentes tecnologias ao longo da história. Nas últimas décadas, com o desenvolvimento acelerado das tecnologias de informação e comunicação (TIC), no sentido de convergência midiática e de produção e popularização de dispositivos digitais, houve um aumento na quantidade e diversidade de iniciativas educacionais que incorporam TIC ou são mediadas exclusivamente por TIC. Essas tecnologias também são estudadas sob diferentes perspectivas, como das habilidades técnicas, consumo midiático crítico, prática artística ou informacional e abordagens socioculturais. Por trás dessas iniciativas e atuando no campo teórico estão profissionais e organizações da área da educação, tecnologia, filosofia, história, política e design, tanto do setor público quanto privado. Aqui, a manifestação mais relevante da integração das áreas de educação e tecnologia é a educação a distância (EaD). A modalidade a distância e a modalidade presencial têm se aproximado, gerando iniciativas, cursos e disciplinas que recebem uma adjetivação para diferenciá-las do presencial e da EaD; atualmente, identificam-se termos como semipresencial, blended learning, educação híbrida, aprendizagem híbrida, ensino híbrido, cursos híbridos, modalidade mista ou cursos mistos. Apresenta-se, primeiramente, a educação a distância e, a partir daí, as práticas que integram momentos a distância e presenciais. A EaD se estabeleceu no século XIX com a frequência de projetos na área, organização institucional, medidas reguladoras e, também, avanço tecnológico dos meios de comunicação e de transporte, essenciais, na época, para as atividades de ensino e aprendizagem, com o envio de correspondências e material de estudo. Segundo Alves (2009), em torno do ano de 1900 existiam anúncios nos jornais cariocas sobre cursos por 24 correspondência, e a EaD se desenvolve juntamente com o uso da rádio e da televisão, contando com iniciativas pouco significativas no cinema. Moore e Kearsley (2008) fazem a seguinte definição: Educação a distância é o aprendizado planejado que ocorre normalmente em um lugar diferente do local do ensino, exigindo técnicas especiais de criação do curso e de instrução, comunicação por meio de várias tecnologias e disposições organizacionais e administrativas especiais (MOORE; KEARSLEY, 2008, p. 2). Observa-se que essa definição de educação a distância não se limita ao momento de ensino e aprendizagem em tempos e lugares diferentes: além da prática docente, são consideradas as especificidades da gestão e da organização. Por conta disso, utiliza-se o termo educação, ao invés de ensino a distância. Essas condições demandam intencionalidade, planejamento, execução e avaliação. O estabelecimento de uma infraestrutura básica e adequada, a capacitação profissional ou contratação de pessoal qualificado, o planejamento e execução de sistemas de acompanhamento e avaliação e o desenvolvimento de estratégias de financiamento são elementos constituintes na oferta de um curso ou disciplina a distância. A legislação brasileira valida, incentiva e regulariza a oferta de cursos e disciplinas mediadas por tecnologias, além de normalizar instituições de ensino exclusivas nessa modalidade. A integração de TIC na educação básica e ensino fundamental também é considerada. Na legislação brasileira, a EaD é definida como: [...] a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos (BRASIL, 2017a, p. 3). O Decreto nº. 9.057, de 25 de maio de 2017, citado acima, regulamenta o artigo 805 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que trata da educação a distância, e muda a definição utilizada anteriormente para acrescentar que a modalidade conta com pessoal qualificado e sistemas de acesso, acompanhamento e avaliação, ‘entre outros’. Esse 5 O artigo 80 da LDBEN foi regulamentado anteriormente pelo Decreto nº. 5.622, de 19 de dezembro de 2005, que, por sua vez, foi revogado em 2017. 25 artigo também indica que o Poder Público irá incentivar “programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada” (BRASIL, 1996). Destaca-se o intervalo de quase um século entre as primeiras iniciativas educacionais a distância no país e a primeira menção da modalidade na legislação brasileira. Desde o início do século XX existem registros de educação a distância no Brasil, ainda que sob outras nomenclaturas e com o uso de diferentes tecnologias, mas somente no final do século, no ano de 1996, é que a legislação brasileira reconhece a modalidade na LDBEN. Essa demora é um dos elementos que contribuiu para a visão negativa da modalidade. A LDBEN também aborda a EaD em outros momentos. O artigo 81 permite a “organização de cursos ou instituições de ensino experimentais” considerando os dispostos da lei; um dos aspectos experimentais pode ser a mediação tecnológica. O § 3º do art. 47 estabelece a obrigatoriedade da presença de professores e alunos no ensino superior “salvo nos programas de educação a distância”. Também fica disposto que a formação docente pode incluir TIC, aspecto que será abordado mais adiante. O suporte legal, o surgimento de organizações na área e a realização de eventos e publicações científicas ajudaram no avanço da EaD no país e, mais recentemente, pode-se observar o crescimento no número de matrículas, também por conta do advento e popularização da rede mundial de computadores. O Gráfico 1 mostra a quantidade de matrículas em cursos a distância entre 2009 e 2018. Gráfico 1: Matrículas contabilizadas desde 2009. Fonte: ABED (2019). Disponível em: http://abed.org.br/arquivos/CENSO_DIGITAL_EAD_2018_PORTUGUES.pdf. Acesso em: 5 jul. 2021. O Censo da Educação Superior indica que o aumento de ingressantes em cursos de graduação aumentou entre 2019 e 2020, por conta, exclusivamente, da modalidade a distância (INEP, 2020a). 26 Apesar de ser a distância, essa modalidade de ensino compreende atividades presenciais, tanto que as universidades a distância contam com sede e polos presenciais. As atividades presenciais realizadas nos polos das instituições a distância são apresentadas no Gráfico 2, em números absolutos. Gráfico 2: Atividades realizadas nos polos. Fonte: Michelan, 2021. Disponível em: http://abed.org.br/arquivos/CENSO_EAD_2019_PORTUGUES.pdf. Acesso em: 02 mar. 2022. Apesar das atividades realizadas nos polos apresentarem pouca variação entre 2018 e 2019, o censo ABED 2019-2020 identificou uma diminuição de 70% para 61,8% no número de instituições com polos presenciais. Se a modalidade a distância conta com momentos presenciais, a modalidade presencial também vem adotando momentos a distância. Castells (2008) e Lévy (2010) observam que as universidades, há algum tempo, vêm incorporando cada vez mais momentos de ensino e de aprendizagem online com os momentos in loco. Mill (2016) ressalta a importância de perceber a complementaridade e riqueza de ambas as modalidades, pois a educação é o que as define. Assim, essa incorporação pode ocorrer de várias formas, com diferentes abordagens pedagógicas e níveis de intensidade de uso de TIC, por exemplo, por complementação entre momentos presenciais e a distância ou, até mesmo, somente como averiguação de assiduidade e aplicação de provas. Assim, verifica-se uma mudança nas terminologias utilizadas. 27 No Brasil, a oferta de disciplinas a distância em cursos presenciais foi oficializada com a Portaria nº. 4.059, de 10 de dezembro de 2004, do MEC, desde que não excedesse 20% da carga horária total do curso. O documento faz a seguinte definição: [...] caracteriza-se a modalidade semi-presencial como quaisquer atividades didáticas, módulos ou unidades de ensino-aprendizagem centrados na auto-aprendizagem e com a mediação de recursos didáticos organizados em diferentes suportes de informação que utilizem tecnologias de comunicação remota (BRASIL, 2004). Novamente, a mediação tecnológica não é suficiente para delimitar a área, por isso a incorporação do conceito de autoaprendizagem. A Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) adotava essa definição de semipresencial para realizar o Censo EAD.BR, no entanto, a associação percebeu que as instituições de ensino que participam da pesquisa não definiam a modalidade somente com base na portaria acima. Dessa forma, o censo de 2018 indica as definições utilizadas. A maioria não declarou qual significado atribui ao termo e o percentual restante das instituições indicou os seguintes significados: [...] cursos regulamentados, originalmente presenciais, com até 20% da carga horária oficial ministrada a distância (28,15%); cursos regulamentados, originalmente a distância, com alguma carga horária presencial obrigatória (17,3%); cursos regulamentados presenciais que incorporam tecnologias às práticas docentes, sem alteração oficial da carga horária; por exemplo, cursos presenciais que se utilizam de aprendizagem híbrida, sala de aula invertida ou aprendizagem adaptativa (7,33%) (ABED, 2019, p. 41). Além disso, a portaria previamente citada foi revogada pela Portaria nº. 1.134, de 10 de outubro de 2016, a qual não utiliza mais o termo semipresencial. A nova redação indica que as instituições de ensino superior com pelo menos um curso reconhecido, podem ofertar disciplinas na modalidade a distância, desde que essas disciplinas não ultrapassem 20% da carga horária total do curso, limite estabelecido desde 2004. Essa portaria foi revogada pela Portaria nº. 1.428, de 28 de dezembro de 2018, que indica a possibilidade de ampliação do limite de 20% para 40% desde que a IES atenda certos critérios: credenciamento nas modalidades a distância e presencial; Conceito Institucional (CI) igual ou superior a 4; e curso de graduação a distância com Conceito de Curso (CC) igual ou superior a 4 e que tenha a mesma denominação e grau do curso presencial. Ficam excluídos os cursos da área da saúde e engenharias. Essas exigências foram retiradas pela Portaria nº. 2.117, de 6 de dezembro de 2019 (que revogou a Portaria nº 1.428), assim 28 facilitando a oferta da carga horária em EaD. Atualmente, fica excluído somente o curso de Medicina. Essas portarias mantiveram certos elementos desde a de 2004, como a realização de atividades e encontros presenciais, especificação clara no projeto do curso e matriz curricular da carga horária e atividades a distância e oferta de tutoria por profissionais qualificados. A partir de 2018, com o aumento da carga horária a distância, podendo chegar a 40%, as portarias indicam a necessidade de informar aos alunos que parte das disciplinas será realizada desta forma. No Censo EAD.BR de 2019-2020, a ABED questionou as instituições sobre o grau de digitalização de seus cursos para, novamente, rever o conceito de semipresencial: se a instituição oferta entre 20% e 40% do currículo de maneira online, seus cursos são considerados como semipresenciais ou híbridos, termos usados como sinônimos nesse caso. Ressalta-se que, conforme o censo, 48,65% das instituições respondentes oferecem até 20% da carga horária dos cursos presenciais a distância e apenas 6,08% oferecem até 40% da carga horária a distância; mesmo sem contabilização de carga horária, cursos e aulas presenciais contam com repositórios de conteúdos digitais e LMS (Learning Management System). Nesse contexto, EaD e ensino semipresencial – e aqui é ensino, pois a gestão e estrutura organizacional se localizam na modalidade a distância ou na presencial – compartilham similaridades. Entre elas, estão os recursos utilizados, como indicado no Gráfico 3. 29 Gráfico 3: Recursos educacionais oferecidos aos alunos em cursos totalmente a distância e semipresenciais. Fonte: ABED (2019). Disponível em: http://abed.org.br/arquivos/CENSO_DIGITAL_EAD_2018_PORTUGUES.pdf. Acesso em: 18 fev. 2021. Percebe-se grande proximidade entre as modalidades quanto aos seus recursos, existindo uma diferença maior nos livros e materiais impressos, que são mais utilizados no semipresencial, e nas teleaulas e vídeos, objetos digitais de aprendizagem, áudios, simulações online e jogos eletrônicos, que são mais utilizados em cursos totalmente a distância. O perfil dos alunos de cursos à distância também difere dos alunos presenciais. O Censo EAD.BR (ABED, 2019) revela que a maior parte dos alunos a distância está na faixa etária entre 26 e 40 anos, apresentando uma drástica queda no número de alunos com mais de 41 anos. O Censo da Educação Superior (MEC/INEP, 2021), ao estipular a mediana com os dados levantados, aferiu que a idade média dos ingressantes em cursos de graduação presenciais é de 24 anos e dos ingressantes a distância é de 31 anos. Esse perfil discente de idade mais avançada também é observado em cursos semipresenciais: Nesse contexto, é importante considerar que as modalidades a distância e semipresencial são procuradas por um público já adulto, em fase de formação profissional ou contínua, com mais autonomia, porém com menos 30 disponibilidade de horário e menos possibilidades de deslocamentos (ABED, 2019, p. 52). Entre as características apresentadas acima, a que parece menos geral ou comum é a da autonomia. As pessoas que procuram e se matriculam em cursos a distância e semipresenciais o fazem por um conjunto de motivadores e têm expectativas quanto ao curso, informados sobre sua dinâmica e exigências, ainda que não saibam exatamente como será a experiência, afinal, para muitos, pode ser o primeiro contato com o ensino mediado por tecnologia. Embora o estudo a distância ajude a desenvolver certo conjunto de habilidades e atenda a certas demandas discentes, como a flexibilidade de tempo e espaço do ensino e aprendizagem, também o priva de desenvolver outro conjunto de habilidades e de vivenciar outros tipos de experiências, por exemplo, a convivência social em um campus universitário. Além do semipresencial, é possível encontrar outro termo, em inglês, que se refere à articulação entre o presencial e a distância. Blended learning é definido como uma integração de dois componentes principais – a aprendizagem face-a-face e online – de maneira a reconceituar e reorganizar ambas as dinâmicas em relação às necessidades e limitações do contexto específico; dessa maneira, os momentos de ensino e aprendizagem presenciais e virtuais não se adicionam ou se sobrepõem um ao outro de maneira desarticulada (GARRISON; KANUKA, 2004). Hofmann (2006) revela que uma das perguntas que mais recebe quando aborda blended learning é “o que pode ser ensinado online?”. Para a autora, é importante se focar nos objetivos de aprendizagem ao invés do conteúdo e considerar os seguintes aspectos: alguns objetivos de aprendizagem são mais efetivos em sala de aula tradicional, como vivências em laboratórios; a necessidade de um especialista não implica, necessariamente, que é preciso o ensino in loco, sua presença síncrona em ambiente virtual pode ser o suficiente para demonstração e instrução; e, se os objetivos de aprendizagem são relativos à memorização, podem ser melhor alcançados em abordagens autodirigidas realizadas em aulas expositivas ou em ambiente virtual; caso seja um tema avançado que gere dúvidas e esclarecimentos, então a abordagem autodirigida talvez não seja a mais adequada. A partir dessas considerações, a autora afirma que não existe um modelo fixo para planejar e implementar programas híbridos, e que esses programas não precisam fazer uso de mídias caras. A autora ressalta, ainda, a importância de valorizar todos os momentos e materiais – síncronos e assíncronos, online, leitura, exercícios – dessa forma, estudantes também irão 31 valorizar os diferentes aspectos do programa, caso contrário, eles podem ter a impressão de que só os momentos e atividades síncronas e/ou presenciais são importantes e negligenciam os outros aspectos da formação híbrida, assim, “a tecnologia, não a implementação, será vista como ineficaz” (HOFMANN, 2006, p. 35), e isso dificulta a realização de futuros projetos nesta modalidade. Bris, Valverde e Hernández (2015), ao analisar a reinserção de alunos no ensino superior em 14 programas de licenciatura híbridos voltados a adultos trabalhadores, ressaltam a importância do desenvolvimento de habilidades digitais e a recuperação de estratégias de aprendizagem, condizentes com as abordagens utilizadas no curso, para o sucesso do estudante em seu percurso formativo e futura conclusão do curso. O modelo híbrido foi pensado, inclusive, por conta de sua flexibilidade de tempo e espaço, pois os alunos têm limitações quanto ao deslocamento ao campus para realizar seus estudos. Para tanto, a primeira disciplina oferecida é “Estratégias de aprendizagem e habilidades digitais”, que dura 7 semanas e conta com 4 unidades: habilidades de aprendizagem online, características da aprendizagem adulta, estratégias de aprendizagem adulta e avaliação e portfólio de evidências. O trabalho dos autores mostra que a hibridez foi além da inserção tecnológica e abrangeu diferentes abordagens de ensino, como a aprendizagem baseada em problemas, casos e projetos, além disso, a avaliação foi feita de diferentes formas (autoavaliação, co-avaliação e portfólios). Ao entrar no ensino superior, esses alunos aprenderam os aspectos relativos às tecnologias usadas e às abordagens pedagógicas, além de se familiarizar com a aprendizagem na vida adulta. Nesse sentido, o curso blended, ou misto, como os autores se referem, apresenta propostas inovadoras e coerentes para atender o público-alvo, oferecendo-lhe condições para realizar e concluir o curso. O termo em português comumente utilizado para se referir à blended learning é aprendizagem híbrida. Ressalta-se, no entanto, que a hibridez em relação à educação pode indicar diferentes aspectos, como currículo, conteúdo e metodologia que são abordados de maneira diferente da denominada tradicional. O termo modalidade mista também pode ser encontrado como tradução de blended learning. Ainda por cima, a utilização do termo blended antecedido por modalidade, curso ou disciplina também pode ser encontrada. Adotaremos aqui a palavra híbrido(a) para se referir ao ensino, aprendizagem e iniciativas educacionais que articulam momentos de ensino e aprendizagem presenciais e a distância. O termo semipresencial não será utilizado por conter na nomenclatura uma das modalidades de ensino – presencial –, e assim destaca esta em detrimento da outra – a 32 distância (apesar que isso seria coerente ao se referir a cursos presenciais que posteriormente adotaram uma carga horária a distância). Com intuito de permanecer na língua portuguesa, também será evitado o uso do termo blended. O termo misto(a) não será utilizado por ter uma popularidade menor que híbrido. Além da aprendizagem híbrida, vale ressaltar outras duas áreas: online learning (aprendizagem em rede) e m-learning (mobile learning - aprendizagem móvel). Embora carreguem similaridades e complementaridades, cada conceito pode se referir a um conjunto específico de abordagens pedagógicas e modelos de gestão, assim, a tecnologia utilizada não é determinante nem informação suficiente para compreender imediatamente como ocorre o ensino e a aprendizagem, da mesma forma que dizer ensino presencial não indica quais tipos de abordagens, avaliações e práticas são realizadas, apenas que ocorrem presencialmente. M-learning pode ser considerada a aprendizagem realizada através de dispositivos móveis, como smartphones e tablets, e que implica a mobilidade do estudante. Basak, Wotto e Belanger (2018), ao realizar um levantamento sobre as diferenças e semelhanças entre d-learning, e-learning e m-learning, identificaram vantagens e desvantagens de m-learning apontadas pelas pesquisas encontradas. As vantagens são: acessibilidade, interatividade, imediatismo, adaptabilidade, colocação das atividades instrucionais, barato, entrega/disponibilização de conteúdo multimídia, diminui custo de treinamento, habilidade de comunicação, melhor gestão, flexibilidade de espaços de aprendizagem, portabilidade, motivação e aberto à sociedade. Quanto às desvantagens, foram encontradas as seguintes: tamanho da tela e tamanho da chave, largura de banda necessária, memória limitada (do dispositivo), formato de arquivo específico, obsolescência, custo, distração e atitude negativa dos pais. Nesse contexto de articulação entre abordagens pedagógicas e tecnológicas e pressões externas para adoção de inovações técnicas ou modificações curriculares, a atualização por si só não é argumento suficiente; por vezes, ao serem confrontadas com as novidades, práticas anteriormente estabelecidas podem ser as mais condizentes: [...] é conveniente questionar-se sobre o motivo das mudanças, ou sobre os interesses delas decorrentes, com o objetivo principal de apontar o foco de atenção para aqueles aspectos que podem interessar mais aos educadores e ajudar os alunos, mas também para poder desenvolver todo o potencial que as novas ferramentas ainda podem mostrar (MIGUEL-REVILLA, 2020, p. 1134, tradução nossa). 33 Certas áreas da literatura sobre educação e tecnologia abordam o potencial de técnicas ou dispositivos, no entanto, é importante ressaltar o que foi pesquisado. Há muito que se passou da especulação para a realidade, sendo possível elencar as vantagens e desvantagens, práticas de sucesso e de malogro em tecnologias na educação, e identificar interesses socioeconômicos que permeiam e influenciam as atividades educacionais e de pesquisa. O desenvolvimento tecnológico atual é frenético. Dispositivos ficam rapidamente obsoletos e aplicativos necessitam de constante atualização. Lévy (2010) indica que enquanto discutimos sobre as aplicações e reflexos de certas técnicas, alguns usos já foram consolidados, pela população em geral ou por instituições. Por exemplo, serviços governamentais estão sendo oferecidos por meio eletrônico: documentos antes impressos agora são digitais, o agendamento de serviços também pode ser realizado online e, às vezes, são feitos exclusivamente dessa forma. A exclusão digital, nesse sentido, implica na negação de direitos básicos. Sendo assim, o treinamento técnico quanto à utilização de aparelhos digitais e acesso à rede tem seu valor enquanto meio de ação cidadã e, idealmente, é acompanhado de pensamento crítico e contextualizado. Crawford (2018), professora da área de direito na universidade de Harvard, adverte que o isolamento da área tecnológica é uma ameaça à democracia e defende a aproximação de policy makers de tecnólogos e vice-versa; segundo ela, existe uma área interdisciplinar negligenciada pelas universidades, que é a tecnologia para o interesse público que capacita os estudantes, de todas as áreas, a pensar sobre as implicações éticas e sociais de tecnologias digitais de maneira a agir sobre problemas públicos reais em benefício da justiça e da equidade. Transpondo essa ideia para a Educação, o distanciamento de licenciados, seja em Pedagogia ou em outras áreas, de iniciativas educacionais com o uso intenso de tecnologias, também é uma ameaça à Educação, pois esvazia esses espaços de profissionais que têm formação e conhecimento na área, relegando as atividades pedagógicas a tecnólogos ou designers. 2.2.1 A atuação docente em EaD e ensino híbrido O professor é uma figura que existe há milênios, e suas responsabilidades e demandas vêm mudando ao longo da história. Assim, a atuação pedagógica contemporânea na EaD e em 34 iniciativas híbridas, apesar das diferenças do ensino presencial, se encontra, por assim dizer, ‘no mesmo barco’. A Resolução CNE/CP nº. 2, de 1º de julho de 2015, define profissional do magistério da educação básica como aquele que exerce atividades pedagógicas, de docência e de gestão educacional nas diversas etapas e modalidades da educação, ali incluída a educação a distância. Embora exista uma terminologia variada para se referir ao profissional pedagógico a distância, as atribuições e responsabilidades dos profissionais envolvidos são semelhantes. Comumente, existe aquele: responsável pela elaboração do curso ou disciplina (ementa, distribuição da carga horária, elaboração das avaliações e percurso formativo), responsável pelo acompanhamento dos alunos durante o processo (tirar dúvidas, corrigir trabalhos e avaliações, mediar discussões em fóruns/chats, encaminhar problemas à parte administrativa ou técnica) e responsável pela seleção e elaboração dos materiais (podendo ser o professor especialista que seleciona o conteúdo, o designer que elabora o material escrito ou uma equipe multimídia que desenvolve o material audiovisual). Além destas, atividades técnicas e administrativas são realizadas e profissionais de diferentes áreas estão envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. A atividade docente realizada por um grupo de profissionais é uma prática comum na EaD. No ensino presencial, os professores também trabalham de forma coletiva e colaborativa, no entanto, na EaD, as atividades desenvolvidas organicamente por um professor – como organização do espaço e tempo de aula, seleção e preparação de material, acompanhamento dos estudantes ao longo do processo e elaboração e correção de avaliações – são realizadas por um grupo, incluindo profissionais de áreas além da pedagógica. Termos relativos a essa prática são a polidocência (MILL, 2010) e o professor coletivo (BELLONI, 2008), pois se referem a uma equipe multidisciplinar responsável pelo trabalho docente na EaD. Segundo o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) (UNIVESP, 2018), os professores autores são responsáveis pelo desenvolvimento do material educacional (levando em conta as diretrizes pedagógicas e administrativas da universidade e os projetos pedagógicos dos cursos) e das orientações operacionais para os facilitadores que acompanharão os alunos. Esses professores são vinculados às universidades públicas estaduais paulistas. Depois da elaboração do material pelos professores, uma equipe multidisciplinar faz a preparação para a disponibilização no AVA. 35 Por sua vez, o tutor é uma figura presente na EaD e é aquela que está mais próxima aos alunos durante o processo formativo: Entre as denominações atribuídas a este docente percebemos tutor virtual, tutor eletrônico, mentor, tutor presencial, tutor de sala de aula, tutor local, orientador acadêmico, animador e diversas outras. O que caracteriza este trabalhador é sua função de acompanhar os alunos no processo de aprendizagem, que se dá, na verdade, pela intensa mediação tecnológica (MILL et al., 2008, p.113). A Universidade Aberta do Brasil (UAB) utiliza a denominação de tutor, ao qual atribui as seguintes responsabilidades: • mediar a comunicação de conteúdos entre o professor e os cursistas; • acompanhar as atividades discentes, conforme o cronograma do curso; • apoiar o professor da disciplina no desenvolvimento das atividades docentes; • manter regularidade de acesso ao AVA e dar retorno às solicitações do cursista no prazo máximo de 24 horas; • estabelecer contato permanente com os alunos e mediar as atividades discentes; • colaborar com a coordenação do curso na avaliação dos estudantes; • participar das atividades de capacitação e atualização promovidas pela Instituição de Ensino; • elaborar relatórios mensais de acompanhamento dos alunos e encaminhar à coordenação de tutoria; • participar do processo de avaliação da disciplina sob orientação do professor responsável; • apoiar operacionalmente a coordenação do curso nas atividades presenciais nos polos, em especial na aplicação de avaliações (BRASIL, 2009, p. 3). O Censo EAD.BR 2020 (ABED, 2021) lista as seguintes funções dos tutores: acompanhar trabalho colaborativo, conduzir discussões, criar situações para alunos aplicarem conhecimento, criar tópicos de discussão, dar retorno sobre trabalhos realizados pelos alunos, manter alunos motivados, promover questionamentos sobre a disciplina, promover trabalho colaborativo e tirar dúvidas referentes ao conteúdo. Para chegar nessa relação, a associação também considerou “os docentes que têm contato direto com os alunos durante o curso, independentemente de seu nível na carreira, salário e titulação na instituição” (ABED, 2021, p. 90). No curso semipresencial de Pedagogia que foi ofertado pela UNESP em parceria com a UNIVESP, quem acompanhava os alunos durante o processo formativo eram os orientadores de disciplina (ODs) (MARTÍNEZ, 2017). Cabia aos ODs: 36 Mediar aulas presenciais e de videoconferência, supervisionar, aplicar e corrigir as avaliações pedagógicas e acompanhar as atividades dos alunos nos dois encontros presenciais semanais do Curso de Pedagogia semipresencial (Licenciatura para Formação de Professores de Educação Infantil, séries iniciais do Ensino Fundamental e Gestão da Unidade Escolar) e nos ambientes de aprendizagem nos Campi da UNESP, anteriormente especificados, dar suporte as atividades didáticas virtuais, participar das atividades de capacitação, e executar outras atividades afins e correlatas estabelecidas pelo Conselho de Curso (FUNDUNESP, 2009, p. 161, grifo nosso). Ao longo do processo formativo, os alunos da UNIVESP contam com os tutores, mediadores e facilitadores, que agem, principalmente, como “condutores e mentores do processo de aprendizagem” (UNIVESP, 2018, p. 31). Mediadores e facilitadores têm as mesmas funções na universidade em questão, a diferença está no vínculo. Desde 2019, os editais da universidade para facilitadores são abertos aos alunos de pós-graduação da USP, UNESP e UNICAMP. Os facilitadores de aprendizagem são selecionados para participar do programa de bolsas “Formação Didático-Pedagógica para Cursos de Modalidade a Distância”, cuja carga horária semanal é de 12 horas, das quais 8 são dedicadas às atividades práticas relativas ao acompanhamento dos alunos. As atribuições do facilitador de aprendizagem na UNIVESP são: [...] acompanhar as atividades discentes, estimular a reflexão dos alunos sobre as possibilidades de aplicação dos conhecimentos adquiridos, apontando vínculos entre a teoria e a prática profissional, estimular a integração e colaboração entre os alunos, responder dúvidas e e-mails, verificar as dificuldades encontradas pelos alunos e reportar ao supervisor de curso, auxiliar no planejamento, organização, avaliação e execução das atividades de projetos dos grupos e trabalhos individuais, avaliar as atividades e atribuir conceito no AVA e no Sistema Acadêmico, participar de reuniões semanais com o Supervisor do Curso, mediar a comunicação de conteúdos entre o professor e os alunos, colaborar com a coordenação do curso na avaliação dos alunos e das disciplinas, elaborar relatórios de acompanhamento dos alunos e encaminhar à Coordenação de Mediação (UNIVESP, 2021a, p. 3). As outras 4 horas semanais devem ser dedicadas aos estudos teóricos dos módulos da formação. Nesse contexto, os pós-graduandos que participam desse programa recebem certificação dos módulos cursados, caso se desliguem antes de finalizar os dois anos de formação, ou do curso completo, caso finalizem a formação, que é considerada um curso de extensão. Ainda não há certificação das atividades práticas realizadas pelos pós-graduandos, 37 que, além de atuar como facilitadores em disciplinas regulares, também podem acompanhar o TCC, estágio ou o projeto integrador (PI). Tanto mediadores quanto facilitadores exercem funções pedagógicas, sociais, administrativas e técnicas, para tanto, é necessário que essa pessoa: Conheça os fundamentos da Educação a Distância; seja um usuário experiente de internet; tenha facilidade com o manuseio de multimídias; domine a abordagem pedagógica; seja capaz de motivar, orientar e acompanhar o progresso dos estudantes; acompanhe qualitativamente o desenvolvimento do aluno (UNIVESP, 2018, p. 64). Ao elencar as atribuições dos tutores, as instituições as aproximam do trabalho docente, no entanto, este profissional é separado da figura do professor, o que vai ao encontro da desqualificação e da desprofissionalização do docente e, no caso das instituições públicas, também da falta de financiamento. Quanto aos profissionais que acompanharão os estudantes em blended learning, Hofmann (2006) também os chama de facilitadores, e alerta que um facilitador especialista no conteúdo e que atue presencialmente pode não ser a melhor escolha para lidar com o mesmo conteúdo em um programa híbrido. O facilitador em sala de aula está acostumado a interpretar contato visual e linguagem corporal e usar sua própria presença física para engajar estudantes e administrar a aula; com a ausência desses aspectos em um ambiente online (podendo ou não estar disponíveis síncrona ou assincronamente), a adição dos problemas técnicos e as dificuldades de aprendizagem comuns, a autora indica que esta caracteriza-se como outra descrição de trabalho. Segundo a autora, a capacitação do grupo para trabalhar com blended learning é essencial para o sucesso do programa. Sem experiência nesse tipo de modalidade, os profissionais tendem a replicar práticas presenciais e/ou tradicionais de ensino, o que limita o aproveitamento das potencialidades das tecnologias utilizadas, além de ser frustrante para o próprio profissional e para os alunos. A participação em práticas híbridas de aprendizagem, enquanto estudantes, possibilita os profissionais vivenciar os mesmos tipos de problemas e dificuldades que poderão ajudar a resolver, além disso, é importante que eles desenvolvam habilidades técnicas para usar as ferramentas digitais e ajudar os estudantes sem precisar estar presente fisicamente. Independentemente da denominação, as atribuições desse profissional aproximam-se tanto do trabalho de um professor que se reitera a questão de Alonso (2010): “[...] no que essas atribuições são diferentes das docentes?” (p. 1330). Para a autora, a 38 desprofissionalização do professor e a desqualificação do trabalho docente, discutidas há décadas e que assolam da educação básica até o ensino superior, estão presentes também na modalidade a distância: [...] é possível verificar que ao tutor fica destinada a maior parte das atividades de “ensino”. Um dos problemas relacionados a isso é que o tutor não tem profissionalmente reconhecimento social/econômico/empregatício compatível com suas atribuições, embora seja ele o responsável direto, na maioria dos sistemas constituídos na EaD, pelo atendimento mais próximo aos alunos (ALONSO, 2010, p. 1330). Ainda que a atuação docente nas modalidades a distância e híbrida demandem conhecimentos específicos, os saberes pedagógicos caracterizam essa prática, sendo assim, acredita-se que esse profissional é professor. Essa categórica implicaria na validação social, no cumprimento de direitos trabalhistas e na autonomia profissional, aspectos incompatíveis com as tendências históricas de desvalorização do professor e descaracterização de sua práxis. 2.3 Tecnologias de informação e comunicação na formação de professores Enquanto instituição, a escola é dinâmica, uma vez que acompanha o desenvolvimento social, educacional, político e econômico, assumindo diferentes funções e objetivos conforme a contemporaneidade, assim legitimando e mantendo a ordem social. Temos vivenciado ultimamente uma ampliação progressiva dos compromissos da escola, que tem de responder a novos desafios por influência de fatores e pressões, tanto externos quanto internos. Os externos são fatores de ordem social, econômico-cultural, científica e tecnológica; os internos estão relacionados ao desenvolvimento do conhecimento sobre o processo educativo (VEIGA, 2001, p. 46). Nas últimas décadas, a área da educação avançou em diferentes direções além daquelas baseadas na transmissão de conteúdo, disciplinamento rígido, avaliações padronizadas e corpo discente seleto, práticas por vezes denominadas de tradicionais. Esse tipo de ensino e escola atende a certos objetivos. A memorização de conteúdos e interiorização de protocolos sociais são aspectos relevantes no desenvolvimento cognitivo e social dos estudantes, no entanto, limitar a escolarização a esses aspectos implica desconsiderar os avanços da própria área educacional e também da Psicologia, além das demandas sociais e econômicas sobre a escola, que ampliam 39 suas responsabilidades e possibilidades. Novas abordagens psicopedagógicas identificaram a importância do estudante enquanto indivíduo e ser social no processo de ensino e de aprendizagem. A escola segmentada, fragmentada e disciplinadora atende as necessidades de um determinado nicho e tem seu valor na formação para uma atuação específica no mercado de trabalho e na esfera cidadã. A exclusão de grande parte da população do processo de escolarização também inspirou e pressionou políticas públicas e educacionais a reavaliar o papel da escola enquanto formadora. A ideia de que a educação é um direito humano e, portanto, para todos, sem exceção, implica uma série de mudanças e traz à tona os problemas de como a escola é estruturada, para atender um grupo seleto virtualmente homogêneo. Entende-se que a inclusão não é um desafio, mas um triunfo. Tanto a linguagem quanto as técnicas que utilizamos contribuem na nossa forma de ver o mundo e, assim, também na produção do conhecimento. Dessa forma, com o avanço tecnológico e as novas possibilidades de relação com o saber, as demandas sobre a escola parecem ser intensas e complexas. Nesse contexto de mudanças, também se considera a formação de seus profissionais, da forma como foi estabelecida. A formação de professores foi definida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Conforme a LDBEN, com redação dada pela Lei nº. 13.415 (BRASIL, 2017b): Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal (BRASIL, 1996). A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em colaboração, são responsáveis pela formação inicial e continuada e, também, pela capacitação de professores (BRASIL, 1996). Segundo adição à LDBEN pela Lei nº. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) deve ser a base para a elaboração dos currículos dos cursos de formação de professores. Sem ignorar interesses comerciais e a precarização da educação, percebe-se, ainda assim, que os questionamentos sobre a escola, os professores e as instituições de formação 40 docente não são de agora nem existem num vácuo. Trazendo a discussão para um momento mais atual, pode-se afirmar que: [...] é preciso ensinar e aprender em rede, de forma aberta e na ação integrada e colaborativa, em equipes. Esses são desafios que estremecem os conceitos estruturais de formação para a docência (KENSKI, 2015, p. 427). Segundo a autora, as mudanças na formação de professores para a Educação Básica vão além das modificações curriculares, das disciplinas e conteúdos e da integração de mídias digitais; a formação e atuação dos professores do ensino superior, especialmente de cursos de licenciatura, é um aspecto abordado pela autora e que raramente é tema central na literatura, ressaltando que o problema nem é o conhecimento desses professores: as fraquezas são suas atitudes didáticas e práticas. Ainda segundo Kenski (2015), as instituições de ensino superior incorporaram o avanço tecnológico com a aquisição de equipamentos digitais e a capacitação profissional, e os docentes solicitam e utilizam esses equipamentos intensamente nas atividades de pesquisa e divulgação científica. A OCDE (2015) também averiguou que as IES da América Latina incorporaram mais facilmente TIC nos sistemas de gestão, também com o intuito de melhorar a eficiência, mas que não fizeram essa integração tão intensamente de maneira a promover mudanças nos modelos pedagógicos. Esse tipo de incorporação tecnológica tem benefícios quanto à agilidade de processos, capacidade de armazenamento e processamento de dados, compartilhamento de pesquisas científicas, colaboração e comunicação nacional e internacional. Kenski (2015) indica que nos anos 1990 sistemas online foram disponibilizados a instituições educacionais e de pesquisa, para que professores, estudantes e pesquisadores pudessem utilizá-los, mas houve resistência docente a esse uso, e as formas de ensino universitárias continuaram inalteradas: A despeito das amplas condições de intercomunicação oferecidas pelas tecnologias digitais, predominam, até hoje, as mais tradicionais práticas docentes, baseadas na exposição oral do professor, seja por meio de vídeos, seja por meio de apresentações em slides. A nova cultura da sociedade da informação passa ao largo dos cursos e das aulas (presenciais e a distância) de muitos espaços de formação no Ensino Superior. O que espanta é que essas mesmas tecnologias são utilizadas plenamente, pelos mesmos professores e pesquisadores, fora dos espaços das salas de aula (KENSKI, 2015, p. 433). 41 Ainda que professores e alunos universitários utilizem uma diversidade de tecnologias na vida pessoal e nas atividades de pesquisa, o ensino e a aprendizagem contam com um repertório limitado de recursos tecnológicos e de abordagens pedagógicas. Diferentes atores sociais atribuem diferentes significados às mesmas técnicas, e como nossa participação social é dinâmica e relativa aos contextos, conforme assumimos diversos papéis, é compreensível que a apropriação técnica aconteça de maneira discrepante. Por mais que professores em formação utilizem tecnologias digitais como ferramentas pessoais – além da utilização dos dispositivos, também usam programas, aplicativos e redes sociais –, o uso de tais ferramentas com finalidade educacional requer intencionalidade e estrutura para que possa ser realizado. A imposição de uso tecnológico por si só também não é ideal, é necessário identificar o valor dessas ferramentas e metodologias para a situação em questão e reconhecer seu significado; além disso, essa imposição pode ser motivada por interesses mercadológicos, o que contribui para tirar o protagonismo dos sujeitos no processo educacional. Martínez, Bizelli e Reis (2020) analisaram os projetos político-pedagógicos dos cursos de Pedagogia da UNESP – campus Araraquara –, da USP – campus São Paulo – e da UNICAMP. Nos projetos vigentes na época da pesquisa, somente a UNICAMP ofertava uma disciplina obrigatória de Educação e Tecnologia, e somente essa universidade se posicionou contra a educação a distância; apesar da quantidade de disciplinas ofertadas cuja nome e/ou ementa fazem alusão à vivência e estudo de tecnologias de informação e comunicação, os autores apontam que, ao ser delegado a disciplinas optativas, esse conteúdo é colocado em posição hierárquica mais baixa do que os conteúdos de estudo obrigatório, assim podendo ser considerado dispensável e irrelevante. Professores em formação aprendem a usar meios para educação, nem sempre por uma proposta de ensino intencional, mas pelo exemplo, ao vivenciar, enquanto alunos, os professores utilizando o quadro negro, a projeção, a aula expositiva, os textos, as discussões em sala, o trabalho em grupo. Essa vivência tem reflexos nas ações futuras desses professores em formação, que podem reproduzir as práticas realizadas na universidade. Interessa integrar os paradigmas conceituais presentes na área e a vivência reflexiva com as tecnologias enquanto ferramentas pedagógicas e meios de ensino e de aprendizagem. A incorporação de TDIC na escola e na formação docente não substitui práticas estabelecidas de ensino e de aprendizagem – que também apresentam benefícios e são coerentes com certas temáticas; ao contrário de abandonar tudo e todos, a incorporação digital busca complementar e expandir. 42 Cruz (2019), ao analisar a formação continuada de professores universitários no sul do país, afirma que os docentes estão dispostos e confiantes quanto à incorporação de mídias na educação, no entanto, lhes falta apoio institucional, inclusive no reconhecimento do trabalho extra que essa incorporação demanda dos profissionais. Muitos utilizam essas mídias na vida pessoal e na parte administrativa do trabalho, mas reconhecem o desconhecimento a respeito das possibilidades pedagógicas das ferramentas midiáticas: A pesquisa identificou os fatores considerados pelos professores para adotar ou refutar as mídias e o Moodle em suas práticas didáticas. Os principais fatores positivos foram: a existência de iniciativas pessoais e a consciência de que as mídias agregam valor ao processo educacional. Dentre os negativos, a ‘falta’ apareceu como palavra geradora: falta de conhecimento das possibilidades didáticas de tais recursos, de ofertas de cursos específicos mais personalizados às suas demandas, de apoio institucional com equipes permanentes de orientação para o trabalho extra que gera e que não é considerado na carga-horária remunerada. Os docentes se mostraram mais midiáticos na vida pessoal e nas questões administrativas do que na prática pedagógica, por terem bom conhecimento dos recursos digitais disponíveis na web, mas pouco saberem dos recursos específicos do Moodle, pois a expressiva maioria fazia uso apenas das três ferramentas básicas: arquivos (repositório), entrega de tarefas e fórum de discussão (CRUZ, 2019, p. 2187). Além do reconhecimento do trabalho extra, os professores participantes da pesquisa indicam que o apoio institucional é necessário para a oferta de cursos diversificados, com equipe de apoio permanente e acessível, condições essenciais para a aprendizagem de práticas pedagógicas relevantes. Tondeur et al. (2018) também alertam que focar nas características e conhecimentos digitais de professores em formação pode levar à culpabilização individual, ao invés de identificar barreiras institucionais. O curso de Pedagogia forma os professores para atuar na educação básica, e também os prepara para atuar como gestores, não só em contextos escolares. Conforme a Resolução CNE/CP nº. 1, de 15 de maio de 2006: As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: I - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da Educação; II - planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares; III - produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares (CNE, 2006, p. 2). 43 Segundo essa resolução, que institui diretrizes curriculares nacionais para o curso de Licenciatura em Pedagogia, uma das aptidões do egresso do curso é: Relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas (CNE, 2006, p. 2). Trabalhando na gestão, uma das responsabilidades do pedagogo é promover a formação continuada dos professores em sua unidade escolar. A formação continuada encontra na EaD uma possibilidade de formação com flexibilidade de tempo e espaço para a formação, já que os alunos são trabalhadores. Nesse sentido, é importante que os cursos de pedagogia forneçam conhecimentos necessários para que o futuro gestor possa identificar iniciativas educacionais válidas, que sejam coerentes com a realidade escolar e necessidades dos professores, tanto em termos de conteúdo quanto de estratégias de ensino e aprendizagem, além de poder identificar e evitar cursos que sejam voltados somente ao dinheiro. A formação inicial pode contribuir também para que esse gestor desenvolva uma jornada de aprendizagem na formação continuada, usando mídias para seus colegas professores. A Lei nº. 12.056, de 13 de outubro de 2009, acrescenta os seguintes parágrafos ao artigo 62 da LDBEN, que diz respeito à formação de professores: § 2º A formação continuada e a capacitação dos profissionais de magistério poderão utilizar recursos e tecnologias de educação a distância. § 3º A formação inicial de profissionais de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a distância (BRASIL, 2009). A Resolução CNE/CP nº. 1, de 27 de outubro de 2020, indica a possibilidade de cursos e iniciativas “presenciais, a distância, semipresenciais, de forma híbrida, ou por outras estratégias não presenciais” para promover a formação continuada de professores em serviço. Tais atividades formativas podem ser oferecidas “por IES, por organizações especializadas ou pelos órgãos formativos no âmbito da gestão das redes de ensino”. A resolução ainda recomenda que, além dos profissionais das instituições formadoras, professores experientes de redes escolares façam parte do corpo docente nessas formações para melhor articulação dos saberes. Assim, o curso de Pedagogia forma professores para participar na formação de seus pares, sendo essa formação possível de ser realizada com mediação tecnológica, daí, 44 ressalta-se, novamente, a necessidade de os cursos de pedagogia prepararem seus alunos para essa possibilidade de atuação. A UNESP realizou e ainda realiza iniciativas referentes à formação docente, com aproveitamento de estratégias mediadas por tecnologias de informação e comunicação: O Pedagogia Cidadã foi um curso oferecido em parceria com as prefeituras do estado de São Paulo, implantado em outubro de 2002, para a formação de professores em exercício sem formação superior em Pedagogia. Esse programa ofereceu, de 2002 a 2007, cursos de graduação de dois anos em Pedagogia aos professores de educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental que tinham apenas o diploma de ensino médio. A carga horária total (3390 horas) foi distribuída em encontros presenciais diários com os tutores do curso em espaços definidos pelas prefeituras e, duas vezes por semana, em videoconferências com professores da UNESP e outras instituições (MARTÍNEZ; BIZELLI; INFORSATO, 2017, p. 1427). A partir dessa experiência, surgiu o curso Pedagogia UNESP/UNIVESP: Programa de Formação de Professores em Exercício no Estado de São Paulo, para a Educação Infantil, para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental e para a Gestão de Unidade Escolar. Como o nome indica, foi oferecido pela UNESP em parceria com a UNIVESP. A EaD tem muitos problemas, mas também tem muitas possibilidades e alcança lugares e pessoas que o ensino presencial não alcança. As universidades presenciais têm um número limitado de campus, ao passo que as universidades virtuais têm muito mais polos. As universidades presenciais podem ter se aberto nas últimas décadas, com um aumento do número de vagas e sistemas de cotas para grupos específicos; ainda assim, existem níveis de afunilamento, como número de campus limitado – as pessoas tem que se mudar para aquela cidade para estudar ou se deslocar com frequência, o que demanda investimento financeiro e tempo –, períodos de aulas que se tornam difíceis de serem cumpridos para pessoas que trabalham e são responsáveis pela renda familiar – cursos noturnos podem ajudar nesse sentido, já que as bolsas oferecidas a alunos de graduação auxiliam, mas nem sempre são suficientes para uma família toda. A vivência enquanto alunos de EaD pode contribuir para que professores possam identificar os problemas e as potencialidades da modalidade. Ignorar a educação a distância e as ferramentas tecnológicas acaba distanciando professores das práticas pedagógicas e andragógicas e os aliena dos sucessos da EaD. 45 2.3.1 Formação docente a distância: UAB e UNIVESP O setor privado vem impulsionando a expansão do ensino superior no Brasil e, por muito tempo, também foi responsável pelo crescimento da modalidade a distância. O Censo da Educação Superior aponta que 87,6% das instituições de ensino superior brasileiras são privadas, e 86% do total de alunos que ingressaram na graduação em 2020 o fizeram em instituições privadas; vale ressaltar, ainda, que entre 2010 e 2020 a rede privada cresceu 89,8%, enquanto a rede pública cresceu somente 10,7% (INEP, 2020a). Nessa mesma década, o número de ingressantes em cursos de graduação presenciais teve uma variação negativa de 13,9%, e uma variação positiva de 428,2% foi observada em cursos de graduação a distância. Considerando os dados de pesquisas como o censo do INEP e outras pesquisas no campo, Alonso (2010) afirma que: [...] há uma lógica na expansão do ensino superior brasileiro, claramente privatista, quantitativista e concentrada em determinadas áreas do conhecimento. A EaD não estaria, obviamente, alheia a esse fenômeno. Isto é importante para verificarmos que a contradição expansão versus qualidade da educação superior brasileira não se restringe apenas à modalidade em que se dá a oferta dos cursos (ALONSO, 2010, p. 1325). A concentração em áreas do conhecimento dizia respeito aos cursos de Administração, Direito e Pedagogia, nessa ordem, conforme dados citados pela autora. Em 2020, os maiores cursos de graduação no Brasil, em termos de números de matriculados, ingressantes e concluintes, são os mesmos, somente em ordem inversa: Pedagogia, Direito e Administração (INEP, 2020b). Uma iniciativa que favoreceu a expansão da educação superior pública a distância, e especificamente nos cursos de licenciatura, é o sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), um sistema de formação superior realizado com a parceria entre o Ministério da Educação, as instituições de ensino superior e os governos de municípios e estados, responsáveis pelos polos presenciais (MILL, 2012). A UAB prioriza a formação de professores que atuam na educação básica pública e que buscam a graduação, além de ofertar formação continuada aos que estão graduados e formação a dirigentes, gestores e outros profissionais que atuam na educação básica pública; isso, por meio da modalidade a distância. As instituições e polos da UAB são apresentados na Figura 1. 46 Figura 1: Instituições e polos da Universidade Aberta do Brasil. Fonte: Consulta aos cursos e polos – SISUAB. Disponível em: https://sisuab2.capes.gov.br/sisuab2/login.xhtml. Acesso em: 04 maio 2022. O estado de São Paulo tem quatro universidades públicas estaduais: a Universidade Estadual Paulista (UNESP), a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Virtual de São Paulo (UNIVESP). Além destas, conta com os institutos federais: a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade Federal do ABC, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. Por fim, o Centro Paula Souza oferece cursos de graduação tecnológica. O estado também conta com universidades e faculdades privadas. Na EaD, destaca-se a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP), que foi instituída com a Lei nº. 14.836, de 20 de julho de 2012, que institui a Fundação UNIVESP e dá providências. A fundação é uma “entidade de direito privado, que terá autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial” (SÃO PAULO, 2012). Assim, a fundação é uma instituição pública mantida pelo estado de São Paulo. Ainda segundo a referida lei: A UNIVESP terá por objetivo o ensino, pesquisa e extensão, obedecendo ao princípio de sua indissociabilidade, integrados pelo conhecimento como bem público, para constituir uma universidade dedicada à formação de educadores para a universalização do acesso à educação formal e à educação para cidadania, assim como de outros profissionais comprometidos com o bem-estar social e cultural da população do Estado (SÃO PAULO, 2012, s/p, grifo nosso). 47 Assim como a UAB, vê-se o destaque para a formação de profissionais da educação. Também é responsabilidade da UNIVESP, segundo a lei acima, promover o desenvolvimento institucional para a EaD e pesquisa e metodologias apoiadas em TIC, sendo movida pela busca pela inovação. Conforme a Portaria CEE-GP-120, de 22 de março de 2013, a UNIVESP foi credenciada ao Conselho Estadual de Educação como universidade. A Portaria da Capes nº. 179, de 6 de dezembro de 2013, integrou a UNIVESP à UAB. Para tanto, a UNIVESP deve atender às diretrizes da Diretoria de Educação a Distância da CAPES. Em 2015, a instituição foi credenciada a oferecer cursos superiores a distância pelo Parecer CNE/CES nº. 242/2015. O modelo pedagógico da UNIVESP tem cinco eixos: 1) ampliação do acesso à Educação Superior; 2) foco no estudante; 3) interação; 4) inclusão digital e 5) formação para o exercício profissional. O curso de Licenciatura em Pedagogia da UNIVESP conta com 880 horas de formação geral, que contempla o primeiro ano do curso, comum às três habilitações; depois do primeiro ano, a formação se especifica conforme a escolha do aluno para sua habilitação: Letras, Matemática ou Pedagogia. O processo seletivo vestibular da UNIVESP, para o segundo semestre de 2022, abriu 31.125 vagas para 402 polos em 347 municípios no interior, capital e litoral do estado de São Paulo. São três eixos de entrada: Licenciaturas (Letras, Matemática e Pedagogia), Computação (Bacharel em Tecnologia da Informação, Ciência de Dados ou Engenharia de Computação) e Negócios e Produção (Tecnólogo em Processos Gerenciais, Bacharel em Administração e Bacharel em Engenharia de Produção). Ressalta-se o eixo de licenciatura, pelo qual o estudante poderá optar por Pedagogia: Eixo de Licenciatura terá entrada única e um núcleo básico para integralização, a partir desse núcleo haverá escolha entre Licenciatura em Letras (4 anos), Licenciatura em Matemática (4 anos) e Licenciatura em Pedagogia (4 anos), ressalvando o mínimo de 500 (quinhentos) alunos matriculados em cada habilitação para abertura de turmas (UNIVESP, 2022a, p. 1). O total de vagas para o eixo de Licenciatura – que inclui Letras, Matemática e Pedagogia – é de 5510 vagas, distribuídas em 359 municípios, num total de 354 polos (há cidades com mais de um polo), conforme ilustrado na Figura 2. Para a universidade, os polos são unidades acadêmicas e operacionais, que contam com infraestrutura apropriada e com 48 profissionais, nas quais se realizam atividades presenciais dos cursos a distância, auxiliando o desenvolvimento dos projetos dos cursos e da instituição em si6. Figura 2: Distribuição dos polos da UNIVESP. Fonte: UNIVESP em números - 2021. Disponível em: https://univesp.br/sites/58f6506869226e9479d38201/assets/629ebf217c1bd15e8f448881/Univesp_em_N_meros _2021.pdf. Acesso em: 21 jun. 2022. Em 20217, a universidade tinha 14.029 discentes matriculados no curso de Licenciatura em Pedagogia, sendo o curso com maior número de alunos, seguido por Engenharia da Computação, com 8.372 discentes matriculados; nesse mesmo ano, 461 alunos de Licenciatura em Pedagogia colaram grau. As atividades presenciais realizadas nos polos são, principalmente, as avaliações finais das disciplinas realizadas bimestralmente: O curso a distância - EaD terá encontros presenciais, entre a 8ª e 10ª semana (avaliações do primeiro bimestre), entre a 18ª e 21ª semana (avaliações do segundo bimestre e exame se necessário), e sempre que necessário, em atividades avaliativas em grupo, os encontros serão realizados no polo de apoio presencial em que o aluno estiver matriculado ou em outro polo próximo (considerando um raio de até 50 km de distância) (UNIVESP, 2022a, p. 2). 7 UNIVESP em números - 2021. Disponível em: https://univesp.br/sites/58f6506869226e9479d38201/assets/629ebf217c1bd15e8f448881/Univesp_em_N_meros _2021.pdf. Acesso em: 21 jun. 2022. 6 Polos UNIVESP - Conheça nossos endereços atuais. Disponível em: https://univesp.br/polos. Acesso em: 20 jun. 2022. 49 Também é especificado que, preferencialmente, cada eixo terá um dia da semana para realização das atividades e que, de modo geral, elas serão no período noturno. Essas informações também são divulgadas no Manual do Candidato, para os interessados no exame do vestibular. A UNIVESP também ofereceu cursos de graduação em parceria com as universidades estaduais paulistas. Com a UNESP, foi oferecido o curso de Licenciatura em Pedagogia semipresencial (MARTÍNEZ, 2017), e com a USP foi oferecido o curso de Licenciatura em Ciências, também semipresencial8. No portal IntegraUNIVESP9, a universidade disponibiliza todas as disciplinas por ela oferecidas (ementa, vídeos, textos e exercícios, com exceção de fóruns e materiais da biblioteca virtual que estão disponíveis apenas aos alunos da instituição); além disso, a página contém links para acessar os canais da UNIVESP no YouTube e o repositório de REA da universidade, e há dois links para conteúdo relativo à elaboração de aulas online. 2.4 O projeto político-pedagógico: acordos e conflitos O planejamento do trabalho pedagógico revela sua intencionalidade, e a legislação brasileira indica que é responsabilidade dos estabelecimentos de ensino “elaborar e executar sua proposta pedagógica” (BRASIL, 1996, s/p). Essa elaboração e execução implicam na participação da comunidade escolar ou universitária, e estão relacionadas a um tipo específico de gestão. A gestão democrática é um princípio orientador do ensino público brasileiro, assegurado pela Constituição Federal de 1988 e pela LDBEN. Uma das práticas que consistem nessa gestão é a participação da comunidade escolar ou universitária na elaboração do projeto pedagógico, como consta no art. 14 do Capítulo IV da LDBEN (BRASIL, 1996). Para tanto, é necessário estabelecer um “sistema de relacionamento e de tomada de decisão em que todos tenham a possibilidade de participar e contribuir a partir de seu potencial” (LÜCK, 2013, p. 58). A perspectiva de construção constante, coletiva e rotineira da gestão democrática também é encontrada em Gadotti (1994), que ressalta a necessidade de uma “atmosfera” que 9 A Univesp acredita no conhecimento como bem público. Disponível em: https://apps.univesp.br/integra/. Acesso em: 21 jun. 2022. 8 USP e Univesp oferecem curso