UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Filosofia e Ciências Campus de Marília Programa de Pós-Graduação em Educação LEONARDO MARQUES TEZZA A HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS DE DIDÁTICA DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FFC-UNESP/MARÍLIA (1963-2005) Marília-SP 2018 LEONARDO MARQUES TEZZA A HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS DE DIDÁTICA DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FFC-UNESP/MARÍLIA (1963-2005) Dissertação de mestrado apresentada à banca examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC/Câmpus de Marília, da UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, com vistas à obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO. Linha: Filosofia e História da Educação no Brasil. Orientadora: Drª. Rosane Michelli de Castro. Marília-SP 2018 Tezza, Leonardo Marques. T356h A história das disciplinas de didática do curso de pedagogia da FFC- Unesp/Marília (1963-2005) / Leonardo Marques Tezza. – Marília, 2018. 150 f. ; 30 cm. Orientadora: Rosane Michelli de Castro. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, 2018. Bibliografia: f. 115-118 1. Educação. 2. Educação - História 3. Didática. 4. Ensino superior. 5. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Filosofia e Ciências – 1963-2005. I. Título. CDD 370.109 Ficha catalográfica elaborada por André Sávio Craveiro Bueno CRB 8/8211 Unesp – Faculdade de Filosofia e Ciências LEONARDO MARQUES TEZZA A HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS DE DIDÁTICA DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FFC-UNESP/MARÍLIA (1963-2005) Dissertação de mestrado apresentada à banca examinadora do Programa de Pós- Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC/Câmpus de Marília, da UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, em 22 de fevereiro de 2018, com vistas à obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO. Banca examinadora ___________________________________________________ Orientadora: Drª. Rosane Michelli de Castro (FFC – Unesp/Marília) _________________________________________________ Examinadora: Drª Katiene Nogueira da Silva (FEUSP – USP/SP) __________________________________________________ Examinador: Dr. Vandeí Pinto da Silva (FFC – Unesp/Marília) Marília-SP 2018 Para minha mãe Elizete, mulher da minha vida. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus que me permitiu caminhar até aqui e me fortaleceu nos momentos de angústia. Aos meus pais pela compreensão e apoio, e em especial à minha mãe Elizete que é minha base e que sempre esteve ao meu lado em todos os momentos, me fortalecendo, me guiando e me sustentando quando eu achava que não iria mais conseguir. Dedico um agradecimento também especial a minha orientadora Dr.ª Rosane Michelli de Castro que sempre foi meu guia nesse caminho acadêmico. Mais do que uma orientadora, criamos laços fraternos de amizade, companheirismo e carinho que nos aproximaram além da relação orientador-orientando, mas uma relação de cumplicidade. Aos meus amigos que estiveram comigo não somente nesse trajeto, mas amigos de vida, de longas datas que fazem parte do meu convívio e que sempre compartilharam dos meus momentos de alegria e tristezas. A todos os funcionários da FFC – Unesp/Marília que, sempre solícitos, estiveram dispostos a me ajudar nos momentos que mais precisava de auxílio. Aos professores que acrescentaram conhecimento e que contribuíram para o desenvolvimento de novos raciocínios. Por fim, agradeço aos professores que compuseram a banca examinadora desse meu texto de dissertação, pois foram de suma importância para o seu desenvolvimento e o para o meu desenvolvimento como pesquisador. TEZZA, Leonardo Marques. A história das disciplinas de Didática do Curso de Pedagogia da FFC-UNESP/Marília (1963-2005). 150f. Dissertação (Mestrado em Educação) – UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC/Câmpus de Marília, Marília, 2018. RESUMO Trata-se de texto final de dissertação, desenvolvido com os resultados obtidos mediante pesquisa histórica e documental, em nível de mestrado, com objetivo central de identificar, reunir, selecionar, sistematizar, analisar e interpretar aspectos da Didática, como disciplina no curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências – Unesp de Marilia entre os anos de 1963 à 2005. Tal formulação surgiu diante dos seguintes questionamentos: entre os anos de 1963 e 2005, quais saberes foram constituindo as disciplinas de Didática, ou seja, foram se tornando propriamente acadêmicos por meio das disciplinas de Didática? Como esses saberes foram se materializando por meio das práticas pedagógicas dos seus professores e nos vários documentos orientadores e normatizadores dessas práticas? Nosso recorte temporal se deve ao fato de que, em 1963 inicia-se o primeiro período em que a disciplina de Didática se desenvolveu no curso de Pedagogia da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FAFI de Marília, e o marco final foi delimitado, considerando que já desenvolvemos pesquisa sobre tal temática a partir de 2006 momento em que o curso em foco passou a funcionar já não mais mediante habilitações, porém centrada na formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos moldes da Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006). Ainda, são objetivos da nossa investigação: identificar aspectos das várias estruturas que o Curso de Pedagogia em questão assumiu durante o recorte temporal da pesquisa; identificar e analisar a importância das disciplinas de Didática, frente às demais disciplinas do curso mencionado; analisar aspectos da história das disciplinas de Didática, à luz dos sujeitos que as produziram e conviveram com mudanças histórica da Didática, tanto como disciplina, quanto como campo de saberes; Contribuir para o desenvolvimento de pesquisas correlatas. O quadro teórico-metodológico da pesquisa constitui-se com as formulações teóricas de Chervel (1990), para quem a constituição e o funcionamento das disciplinas de ensino, no caso da nossa pesquisa, das disciplinas acadêmicas, centralmente as de Didática, são presididos pelas suas “finalidades reais” e “finalidades de objetivo”. Também, tal quadro constitui-se com as teorizações de Goodson (1995), para quem as disciplinas escolares possuem estreita relação com a construção social do currículo e do conhecimento e, nesse sentido, interessa-se em compreender como o estatuto, os recursos e a estruturação das disciplinas escolares empurram o conhecimento da disciplina em direções específicas. Buscamos, então, desenvolver nossas análises em busca de responder aos questionamentos que motivaram a proposição da nossa pesquisa e, então, atingir aos seus objetivos, em busca de compreender a amplitude dos vários processos que constituíram as disciplinas de Didática no curso e período em foco. Nesse sentido, neste texto monográfico, apresentamos resultados das análises desenvolvidas mediante corpus documental e fontes bibliográficas de e sobre aspectos constituintes das disciplinas de Didática, objetos da nossa investigação. Palavras-chave: Educação; História da educação; História das disciplinas de Didática. TEZZA, Leonardo Marques. The history of the Didactics courses of the Pedagogy Course of the FFC-UNESP / Marília (1963-2005). 150f. Dissertation (Master in Education) - UNESP - Paulista State University "Júlio de Mesquita Filho", Faculty of Philosophy and Sciences - FFC / Campus de Marília, Marília, 2018. ABSTRACT It is final text developed with the results obtained by a historical and documental research,in master's degree level, with the goal of identifying, to gather, to select, to systematize, to analyze and to interpret aspects of the Didacticism, as a subject the Pedagogy’s course from University of Philosophy and Sciences – Unesp/ Marília- among the years 1963 until 2005. Such formulation appeared before the following questions: among the years 1963 and 2005, which knowledge went constituting the subjects of Didacticism, in other words, they were turning if properly academic of the subjects of Didacticism? How that knowledge was materializing through the teachers' pedagogic practices and in the several guiding documents of those practices? Our temporary cutting is due to the fact that, in 1963 in the course of Pedagogy from the University of Philosophy, Sciences and Letters–FAFI of Marília, and It was the mark of the end of this theme considering that already developed research on such thematic in 2006 moment, in that the course in focus started to work no longer ,more meantime qualifications, however centered in the teachers' formation to exercise, teaching functions in the Infantile Education and in the first years from the Fundamental Teaching, in Brazilian law /CP'S molds n. 1, of May 15, 2006 (BRAZIL, 2006). Still, they are objectives of our investigation: to identify aspects of the several structures that the Course of Pedagogy in subject assumed during the temporary cutting of the research; to identify and to analyze the importance of the disciplines of Didacticism, front to the others disciplines of the mentioned course; to analyze aspects of the history of the disciplines of Didacticism, to the light of the subjects that they produced them and they lived together with changes historical of the Didacticism, as much as discipline, as field of you know; To contribute for the development of researches correlates. The theoretical-methodological picture of the research it is constituted with the theoretical formulations of Chervel (1990), for who the constitution and the operation of the teaching disciplines, in the case of our research, of the academic disciplines, centrally the one of Didacticism, they are presided by their “real purposes” and “objective purposes”. Also, such a picture is constituted with the Goodson”s theorizing (1995), for who the school disciplines possess it narrows relationship with the social construction of the curriculum and of the knowledge and, in that sense is interested to understand as the statute, the resources and the structuring of the school disciplines push the knowledge into specific directions. We looked for, to develop our analyses in search of answering to the questions that motivated the proposition of our research and, then to reach the objectives, in search of to understand the width of the several processes that constituted the disciplines of Didacticism in the course and period in focus. In that sense, in this monography text, we presented results of the analyses developed by documental corpus and bibliographical sources about aspects of the disciplines of Didacticism, objects of our investigation. Keywords: Education; History of the Education; History of the disciplines of Didacticism. LISTAS DE FIGURAS Figura 1 – Plano de ensino da Disciplina de Didática Especial – 1962....................... 28 Figura 2 – Programa de Curso da Disciplina de Didática Geral – 1968...................... 32 Figura 3 – Resolução n. 2, de 12 de maio de 1969 – Fixa os mínimos de conteúdo e duração do curso de Pedagogia.................................................................................... 33 Figura 4 – Art. 3º, do Parecer 252/69 – Algumas Habilitações para as áreas diversificadas do curso de Pedagogia.......................................................................... 34 Figura 5 – Art. 4º, do Parecer 252/69 – Duração mínima do Curso de Pedagogia..................................................................................................................... 35 Figura 6 – Resolução UNESP 18, de 16-07-1979 – Estabelece a estrutura curricular do Curso de Pedagogia “Campus” Universitário de Marília....................................... 36 Figura 7 – Programa de curso da Disciplina de Didática Geral – 1970...................... 40 Figura 8 – Programa de Curso de Disciplina de Didática da FFC/Unesp/Marília – 1970.............................................................................................................................. 44 Figura 9 – Plano de curso da cadeira geral de Didática da FFC/Unesp/Marília – 1971.............................................................................................................................. 45 Figura 10 – Plano de Curso de Didática da FFC/Unesp/Marília – 1973/1974............ 46 Figura 11 - Programa de ensino de Didática da FFC/Unesp/Marília – 1976.............. 47 Figura 12 – Bibliografia do programa de ensino da disciplina de Didática da FFC/Unesp/Marília – 1970.......................................................................................... 50 Figura 13 – Aspectos da matriz curricular do Curso de Pedagogia da Unicamp – catálogo 1977/78/79..................................................................................................... 52 Figura 14 – Matriz Curricular do Curso de Pedagogia da USP – 1979....................... 54 Figura 15 – Programa de ensino de Didática da Faculdade de Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação Campus Marília – 1978................................................... 61 Figura 16 – Solicitação de disciplinas optativas para o Curso de Pedagogia da Unesp/Marília – 1982.................................................................................................. 66 Figura 17 – Disciplinas optativas criadas para o Departamento de Didática – 1982.. 67 Figura 18 – Estrutura Curricular do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação – Campus de Marília – 1983.............................................................................................................................. 69 Figura 19 – Plano de Ensino – Didática: Recursos Pedagógicos................................. 79 Figura 20 – Plano de Ensino – Disciplina optativa: “Didática: Alfabetização”.......... 83 Figura 21 – Plano de Ensino – Disciplina optativa: “Didática: Comunidade e Prática Docente”.......................................................................................................... 88 Figura 22 – Disciplinas de Didática do Curso de Pedagogia – Optativas – 1989 ...... 93 Figura 23 – Primeira matriz curricular em que a Didática aparece, como matéria e também como disciplina da formação geral básica no Curso de Pedagogia da Unesp/Marília, em 1989............................................................................................... 94 Figura 24 – Reestruturação do Currículo do Curso de Pedagogia – 1990 .................. 96 Figura 25 – Objetivos e Princípios – Reestruturação do Currículo do Curso de Pedagogia – 1990......................................................................................................... 99 Figura 26 – Reestruturação Curricular do Curso de Pedagogia – 1990 – Anexo I – Atividades de Contato com a realidade....................................................................... 101 Figura 27 – Estrutura Curricular do Curso de Pedagogia da FFC/Unesp/Marília, a partir de 1990............................................................................................................... 104 SUMÁRIO 1.INTODUÇÃO.................................................................................................................... 08 2 QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO NORTEADOR DA PESQUISA.................. 13 3 A DIDÁTICA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DE UM INSTITUTO ISOLADO DE ENSINO SUPERIOR, A FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS – FAFI, DE MARÍLIA (1963- 1976)..................................................................................................................................... 22 3.1 A Didática entre 1963 e 1970: aspectos de sua estruturação, consolidação e crise, como campo de conhecimento e disciplina.......................................................................... 24 3.2 A Didática nas matrizes curriculares: diálogo e dissonâncias........................................ 51 3.3 Didática: busca pela definição das suas “finalidade de objetivo”.................................. 57 4. A DIDÁTICA NA FFC-UNESP/MARÍLIA, A PARTIR DA DÉCADA DE 80: RUMOS A UMA DIDÁTICA FUNDAMENTAL.............................................................. 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 111 REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 115 APÊNDICES......................................................................................................................... 119 APÊNDICE I - Transcrições “ipsis litteris” dos relatos orais............................................. 120 ANEXOS ............................................................................................................................. 142 ANEXO I - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE DEPOIMENTOS, COLETADOS POR MEIO DE ENTREVISTAS................................................................. 143 ANEXO II - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DE CESSÃO DE DIREITOS DOS DEPOIMENTOS (TCLEDD)............................................ 144 ANEXO III - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DE CESSÃO DE DIREITOS DOS DEPOIMENTOS (TCLEDD)............................................ 146 8 1 INTRODUÇÃO No início de 2011, então no 2º ano do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC – Unesp/Marília, passei a integrar o grupo de pesquisa “GP FORME – Formação do Educador”, liderado pela Dr.ª Rosane Michelli de Castro, e professora das disciplinas Didática I e II, no curso de Pedagogia da Faculdade mencionada. Essa professora, então coordenadora do “GP FORME – Formação do Educador”, o integrava por meio das linhas de pesquisa “História da formação de professores no Brasil”, “Didática, currículo e fundamentos da educação”. Findado o 1º semestre de 2011 e já participando regularmente das discussões que, mensalmente, ocorriam e ocorrem nas reuniões do “GP FORME – Formação do Educador”, fui convidado a elaborar projeto de iniciação científica, no âmbito do Programa de Pesquisa “História da didática em cursos de formação de professores no Brasil (1827 a 1911), coordenado pela professora citada, junto à linha de pesquisa de pesquisa “História da formação de professores no Brasil”, uma das cinco linhas de pesquisa do “GP FORME – Formação do Educador”. 1 Desse Programa de Pesquisa teve origem o projeto integrado de pesquisa com a mesma denominação, ou seja, “A história da Didática em instituições de formação de professores no Brasil (1827-2011)” o qual foi proposto para ser desenvolvido mediante etapas e durante, no mínimo, três triênios, 2 os quais se iniciaram pelo triênio de 2012-2014. No primeiro triênio as ações foram desenvolvidas com o auxílio FAPESP, entre 01-10-2012 a 30-09-2014, e estiveram centradas na localização, identificação, recuperação, reunião, seleção, sistematização e análise de fontes para o desenvolvimento, tanto da pesquisa que então fora projetada, quanto dos demais projetos, em nível de graduação e pós-graduação, que no âmbito daquele projeto e do programa de pesquisa mencionado viessem a se desenvolver. A propósito, ressalta-se que, no ano de 2013, obtive auxílio FAPESP 3 para, no âmbito desse projeto de pesquisa integrado, desenvolver meu projeto de iniciação científica, intitulado “A história das disciplinas de didática do curso de Pedagogia da FFC- Unesp/Marília (2006-2011). 1 Observo que, atualmente, o “GP FORME – Formação do Educador” é coordenado pelo Dr. Vandeí Pinto da Silva e a Dra. Rosane Michelli de Castro continua a integrá-lo como pesquisadora, coordenando, desde 12 de abril de 2016, o grupo de pesquisa “HiDEA-Brasil – História das disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil”, decorrente do Programa e Projeto integrados de pesquisa, “A história da Didática em instituições de formação de professores no Brasil (1827-2011)”, e no qual minhas pesquisas se inserem. 2 Observa-se que na instituição de Ensino Superior na qual a coordenadora do projeto é docente, Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC-Unesp/Marília-SP, os programas e projetos de pesquisa, bem como as demais atividades que formam o tripé ensino, pesquisa e extensão são elaborados em períodos trienais. 3 Processo n. 2012/00158-0. 9 Findado o projeto de iniciação científica mencionado e o curso de Pedagogia na Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC – Unesp/Marília, apresentei o relatório final da FAPESP como Trabalho de Conclusão de Curso (TEZZA, 2014) e, então, fui motivado, por todo o percurso da iniciação científica, quanto pelos bons resultados de pesquisa obtidos, a prestar exame de seleção para o mestrado em educação. Assim, em processo seletivo, no ano de 2015, apresentei o projeto de pesquisa, cujos resultados finais ora apresento neste texto de dissertação, com o qual ingressei no Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC-Unesp/Câmpus de Marília, linha de pesquisa “Filosofia e História da Educação no Brasil”. Em continuidade à pesquisa desenvolvida em nível de iniciação científica, a investigação, agora em nível de mestrado, foi de abordagem histórica e, quantos às fontes, documental, e teve como objetivo central de identificar, reunir, selecionar, sistematizar, analisar e interpretar aspectos da Didática, como disciplina no curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC-Unesp/Câmpus de Marília, entre os anos de 1963 à 2005. Ainda, defini como objetivos da pesquisa: identificar aspectos das várias estruturas que o Curso de Pedagogia em questão assumiu durante o recorte temporal da pesquisa; identificar e analisar a importância das disciplinas de Didática, frente às demais disciplinas do curso mencionado; analisar aspectos da história das disciplinas de Didática, à luz dos sujeitos que as produziram e conviveram com mudanças históricas da Didática, tanto como disciplina, quanto como campo de saberes; e, contribuir para o desenvolvimento de pesquisas correlatas. Tal formulação surgiu diante dos seguintes questionamentos: entre os anos de 1963 e 2005, quais saberes foram constituindo as disciplinas de Didática, ou seja, foram se tornando propriamente acadêmicos por meio das disciplinas de Didática? Como esses saberes foram se materializando por meio das práticas pedagógicas dos seus professores e nos vários documentos orientadores e normatizadores dessas práticas? O recorte temporal da pesquisa se justifica considerando-se que, em 1963, inicia-se o primeiro período em que as disciplinas de Didática se desenvolveram no curso de Pedagogia da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FAFI de Marília, e o marco final foi delimitado, considerando que já desenvolvemos pesquisa sobre tal temática a partir de 2006, momento em que o curso em foco passou a funcionar já não mais mediante habilitações, porém centrado na formação de professores para exercer funções de magistério na Educação 10 Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos moldes da Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006). Observo que faço menção às disciplinas e não à disciplina de Didática porque durante o seu desenvolvimento no Curso de Pedagogia, desde 1963, as disciplinas objeto da pesquisa em desenvolvimento, foram desenvolvidas mediante três rubricas: Didática I, Didática II e Didática III. Nem sempre, como veremos, houve essas três Didáticas e, nem sempre a rubrica Didática aparece nos documentos do Curso, como nos planos e matrizes curriculares como disciplina. Isso porque, a princípio, essa era uma rubrica utilizada para designar uma matéria que compunha o Curso de Pedagogia, composta por várias disciplinas com rubricas distintas. Mais adiante, apresentaremos e discutiremos esses aspectos. Também, esclareço que a disciplina ou as disciplinas de Didática, objeto ou objetos da pesquisa em desenvolvimento, é a que ficou conhecida como Geral, diferentemente da ou das Didática (s) Especial (ais). Segundo Veiga (2012, p. 4663), há [...] elementos estruturantes que caracterizam uma didática especial: configuração contextual, fato epistemológico, saberes e linguagens específicas, atribuições de significados, intencionalidades e delimitação procedimental. O objetivo é analisar os elementos necessários à configuração de didáticas específicas, considerando a natureza e a especificidade dos campos epistemológicos dos componentes curriculares ou áreas de conhecimento. Já, com relação à estrutura da disciplina de Didática Geral, às vezes compondo as matrizes curriculares como Didática, Didática I, Didática II, e assim por diante, ela se constituí por conteúdos que evidenciam aspectos relacionados à teoria e à prática do ensino, ou seja, ao fazer docente e suas relações, no conjunto das várias tendências ou teorias pedagógicas, envolvendo aspectos como: a relação entre os sujeitos do processo, o planejamento nos vários níveis, a metodologia, os recursos e materiais empregados e a avaliação, também, em seus vários níveis. Mediante investigação preliminar realizada junto à documentação da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC – Unesp/Marília, é possível afirmarmos que as disciplinas de Didática, objeto da pesquisa, no Curso de Pedagogia dessa faculdade, se desenvolveu em, pelo menos, três períodos distintos: 1º. 1963-1976: Na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FAFI de Marília/SP, ainda como Instituto Isolado de Ensino Superior – IIES. Esse período pode ser subdividido em: 11  1963-1970: Período em que a Didática (com a Prática de Ensino) esteve vinculada, diretamente às licenciaturas, na forma do Parecer n. 292 de 14 de novembro de 1962 (BRASIL, 1962). Nessa perspectiva de um currículo apenas mínimo, a então matéria Didática era ministrada segundo o art. 59, parágrafo único da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 4024/61 (BRASIL, 1961) e de maneira obrigatória apenas nos cursos que, concomitantemente, levassem aos diplomas de bacharelado e de licenciatura, ou quando preparava somente licenciados (SILVA, 1999, p. 37);  1970 – 1976: Período em que a Didática foi desenvolvida de acordo com o Parecer CFE n. 252 de 11 de abril de 1969 (BRASIL, 1969), particularmente no curso de Pedagogia, como matéria integrante da parte comum desse curso, o qual visava à “[...] formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção, no âmbito das escolas e sistemas escolares,” (SILVA, 1999, p. 45) da qual resultaria o grau de licenciado com modalidades diversas de habilitação. 2º. 1977- 2005: Período em que a Faculdade foi integrada à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, sob a denominação de Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação – Campus de Marília (1977-1988) e, após 1989, sob a denominação de Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC – Unesp/Marília. Observa-se que, neste período, as disciplinas de Didática, no curso de Pedagogia, continuaram a ser ministrada nos moldes do Parecer CFE n. 252 de 11 de abril de 1969 (BRASIL, 1969), a partir do que pode contar com nove habilitações: “Magistério das Matérias Pedagógicas do Segundo Grau” (obrigatória e existente para os alunos que ingressaram até 1996), extinta e substituída em 1999 pela habilitação obrigatória “Magistério para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental”. Ainda, nesse período, funcionaram as habilitações: Orientação Educacional; Administração; Supervisão Escolar; Magistério para a Educação Infantil; e mais quatro na área da Educação Especial: Deficiência Visual; Deficiência Mental; Deficiência Física e Deficiência Auditiva. 3º. 2006 à atual: Período em que as disciplinas de Didática passaram a ser desenvolvidas no curso de Pedagogia Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC – Unesp/Marília, já não mais mediante habilitações e, então, centrado na formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos moldes da Resolução CNE/CP n. 1, de 15 de maio de 2006 (BRASIL, 2006) que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Nesse sentido, o curso de Pedagogia, 12 buscou a sua reestruturação curricular de maneira a oferecer disciplinas, dentre elas a Didática I e II, visando à formação de seus egressos para atuarem como: [...] professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006, p. 2). Como mencionado, a história da Didática na faculdade em questão e durante 2006 até 2011, foi investigada em nível de iniciação científica. Daí o recorte temporal da pesquisa, cujos resultados ora apresento, mediante as seguintes seções: além desta introdutória, na seção 2, apresento o quadro teórico-metodológico norteador da pesquisa. Na seção 3, apresento resultados do trabalho de recuperação de aspectos históricos da constituição das disciplinas de Didática na então, FAFI – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília (1963-1975) e da então Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação – Campus de Marília (1976-1989), entrecruzando com aspectos da constituição da Didática no Ensino Superior brasileiro e em cursos de formação de professores, como o de Pedagogia da faculdade em foco. Na seção 4, e última seção, apresento aspectos das disciplinas de Didática na FFC-Unesp/Marília, a partir de 1980, rumo a uma Didática Fundamental. Finalmente, apresento considerações finais e os aspectos pós-textuais da pesquisa. 13 2 QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO NORTEADOR DA PESQUISA Segundo Aurélio (FERREIRA, 1988), a palavra “Didática”, substantivo feminino, pode significar a “técnica de dirigir e orientar a aprendizagem”; a “arte de transmitir conhecimentos; técnica de ensinar” ou “a parte da pedagogia que trata dos preceitos científicos que orientam a atividade educativa de modo a torná-la mais eficiente. Na Grécia Antiga, o termo “Didática”, do grego didaskein tinha o significado de “ensinar”, “instruir”. Castro (1991, p. 15) afirma que esse termo era conhecido “[...] com significação muito semelhante à atual, ou seja, indicando que o objeto ou a ação qualificada dizia respeito a ensino: poesia Didática, por exemplo.” Como ciência reguladora do ensino, esse termo foi utilizado pela primeira vez entre os séculos XVI e XVII por Ratichius (1571-1635), da Europa Central. Mas, foi João Amós Comenius (1582-1670), também da Europa Central, pedagogo, educador e bispo protestante da Morávia, o criador da Didática Magna ou “arte de ensinar tudo a todos”. Tratava-se, para Comenius, do: [...] modo certo e excelente para criar em todas as cidades ou vilarejos de qualquer reino cristão escolas tais que a juventude dos dois sexos, sem excluir ninguém, [pudesse] receber uma formação em letras, ser aprimorada nos costumes, educada para a piedade e, assim, nos anos da primeira juventude, receba a instrução sobre o que é da vida presente e futura, de maneira sintética, agradável e sólida. Os princípios de tudo o que se aconselha são extraídos da própria natureza das coisas; a verdade é demonstrada através de exemplos paralelos das artes mecânicas, a ordem (dos estudos) é disposta segundo anos, meses, dias, horas; o caminho, enfim, fácil e seguro, é mostrado para pôr essas coisas em prática com bom êxito. Que a proa e a popa da nossa Didática sejam: buscar e encontrar um método para que os docentes ensinem menos e os discentes aprendam mais; que nas escolas haja menos conversa, menos enfado e trabalhos inúteis, mais tempo livre, mais alegria e mais proveito; que na república cristã haja menos trevas, menos confusão, menos dissensões, mais luz, mais ordem, mais paz e tranqulidade. (DIDÁTICA MAGNA, 2006, p. 11-12). Assim, com a Didática Magna, teria se configurado uma tendência que “[...] voltava a finalidade do ensino para seu produto.” (DAMIS, 1997, p. 11) e, então, foi se evidenciando as necessidades do ensino a partir das dificuldades e transformações que estavam ocorrendo na sociedade. Assim, para o desenvolvimento da pesquisa, cujos resultados ora apresento, pautei- me num quadro teórico-metodológico constituído pelas teorizações de Ivor Goodson e de André Chervel, além dos demais pesquisadores da história das disciplinas escolares, como António Viñao Frago, os quais ressaltam a importância de que, em estudos sobre e em história das disciplinas, sejam consideradas as finalidades postas ao ensino pela sociedade, bem como 14 as finalidades que se materializam a partir e por meio da prática cotidiana dos sujeitos envolvidos, cada qual em dado lócus¸ também com suas finalidades e dados identitários. Segundo Chervel (1990), o que se precisa compreender é a amplitude da noção de disciplina, já que esta comporta as práticas docentes da aula, as grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de aculturação da massa, já que o sistema escolar forma indivíduos capazes de agir e interagir em sociedade, provocando mudanças significativas na mesma. Quanto às finalidades das disciplinas, Chervel (1990) adverte que, é necessário que o historiador da educação busque fazer a distinção, o que ele não considera feito nas legislações pertinentes à educação, acerca do que são “finalidades reais e finalidades de objetivo”. O que chama de “finalidades reais” passaria pela resposta à questão: Por que se ensina o que se ensina? E, o que chama de “finalidades de objetivo” passaria pela resposta à questão: o quê a se deveria ensinar para satisfazer aos poderes públicos? Convivendo, ao mesmo tempo, com essa problemática, estão os professores cuja formação está baseada na apropriação, na maioria das vezes, de disciplinas elaboradas, acabadas, que funcionarão sem surpresas, a menos que se ouse “desrespeitar” o seu “modo de usar”. Assim, caberá ao historiador da educação, estabelecer essa ligação entre o que é ensinado em cada disciplina e as finalidades desse ensino que a sociedade delega à instituição educacional. Para tanto, o historiador deve buscar, entre outros aspectos, os conteúdos que constituem as disciplinas; a descrição daqueles conteúdos que se materializam por meio do ensino e das práticas docentes que se materializam no dia a dia da instituição, na evolução do aprendizado dos alunos, nas mudanças e permanências que decorrem da implementação dos projetos que são propostos. Nessa perspectiva, os pesquisadores da História da Educação no Brasil têm, em sua grande maioria, se pautado, assim como este pesquisador, nas teorizações de Ivor Goodson e de André Chervel. Também, esses pesquisadores têm se pautado nas formulações de António Viñao Frago. Para Goodson (1995, p. 118), o objeto dos estudos em história das disciplinas escolares está mais relacionado à construção social do currículo e do conhecimento e, nesse sentido, interessa-se em compreender como “o estatuto, os recursos e a estruturação das disciplinas escolares empurram o conhecimento da disciplina em direções específicas [...]” 15 Já para Chervel (1990), o objeto dos estudos em história das disciplinas escolares centra-se: na gênese, nas finalidades e nos resultados do ensino das disciplinas escolares. Para Chervel (1990, p. 184), esses estudos, ou seja, “a história das disciplinas escolares pode desempenhar um papel importante não somente na história da educação, mas na história cultural.” Portanto, tanto para Goodson (1995), quanto para Chervel (1990), as disciplinas escolares não são apenas vulgarizações ou transposições do conhecimento de referência; são, antes, construções sociais. Nesse sentido, Chervel (1990) afirma que é preciso conhecer a noção e a completude do que é disciplina e com quais finalidades uma disciplina é criada. Frago (2008, p. 206) em seu texto traça algumas considerações sobre a noção de disciplina: O elemento chave, que configura, organiza e ordena uma disciplina, é o código disciplinar. A idéia do código sugere a existência de regras ou pautas, assim como a de sua imposição com caráter geral. Mas também as de estabilidade, consolidação ou sedimentação e coerência interna. Alem disso, Frago (2008) menciona algumas tradições fazendo referência aos significados de disciplina. Nessa referência são apontadas três tradições: a acadêmica, a utilitária e a pedagógica. Frago (2008) ainda desvincula a ideia de encontrar as origens das matérias do ensino secundário nas disciplinas universitárias. Esse processo não é algo que acontece de cima para baixo, mas o seu inverso – de baixo para cima com o objetivo de transformar as matérias escolares em disciplinas acadêmicas. Nesse sentido é que Frago (2008) tenta demonstrar a diferenciação existente entre disciplinas escolares e disciplinas acadêmicas, onde esta última carrega em sua gênese uma maior autonomia em relação à definição de seus conteúdos de cada disciplina, diferentemente das disciplinas escolares que são constituídas de forma imposta por políticas públicas que impõem e designam os saberes a serem ensinados. Fortalecendo tal discurso Chervel (1990) diz que nas disciplinas escolares “[...] os conteúdos de ensino são impostos como tais à escola pela sociedade que a rodeia e pela cultura a qual se banha.” (p.181-182). É, então, que Frago (2008, p. 204-205), oferece uma formulação teórica que compreendo reunir os aspectos a serem considerados em história das disciplinas, e no caso da 16 pesquisa cujos resultados ora apresento, das disciplinas acadêmicas, centralmente as de Didática: [...] as disciplinas não são, com efeito, entidades abstratas com uma essência universal e estática. Nascem e se desenvolvem, evoluem, se transformam, desaparecem, engolem umas às outras, se atraem e se repelem, se desgarram e se unem, competem entre si, se relacionam e intercambiam informações (ou as tomam emprestadas de outras) etc. Possuem uma denominação ou nome que as identifica frente às demais, ainda que em algumas ocasiões, como se tem advertido, denominações diferentes mostram conteúdos bastante similares e, vice-versa, denominações semelhantes oferecem conteúdos nem sempre idênticos. Tais denominações constituem, além disso, sua carta de apresentação social e acadêmica. Ao mesmo tempo, as disciplinas escolares podem também ser vistas como campos de poder social e acadêmico, de um poder a disputa de espaços onde se entre mesclam interesses e atores, ações e estratégias. Nessa perspectiva, as disciplinas são: 1. Fonte de poder social e acadêmico: campos hierarquizados entre os quais se desenvolvem situações de domínio e hegemonia, de dependência e sujeição. 2. Apropriações, por grupos de determinados professores, de espaços sociais e acadêmicos: formando reservas exclusivas assim configuradas como consequência de sua apropriação, por alguns professores determinados, reconhecidos como professores destas disciplinas por sua formação – títulos, currículo – e sua seleção ou a história das disciplinas escolares modo de acesso, dois aspectos em geral controlados por quem já está habilitado para “caçar vaga” na reserva. 3. Fonte de exclusão social e acadêmica: espaços reservados, [...], com um caráter mais ou menos excludente ou fechado em relação a amadores ou interessados nos mesmos e de professores de outras disciplinas. 4. Instrumento de reconhecimento de saberes profissionais: armas que, por sua inclusão ou exclusão em um plano de estudos determinado, em especial no mundo universitário, podem ser utilizadas pelos detentores de uma titulação profissional para apropriar-se de alguns âmbitos ou tarefas profissionais concretas, ou mesmo para excluir destes âmbitos e tarefas a outros titulados. Mediante um primeiro trabalho de revisão da literatura sobre a temática, foi possível localizar um dos primeiros artigos brasileiros, denominado “História das disciplinas escolares: perspectivas de análise”, de Santos (1990). Também, ressaltam-se os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos por pesquisadores brasileiros, junto aos grupos de pesquisa, dentre os quais: grupo de pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, coordenado por Eurize Caldas Pessanha; o do Núcleo de Estudos de Currículo (NEC), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenado por Antônio Flavio Moreira; o do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa e História da Educação – CDAPH, da Universidade São Francisco, em Bragança Paulista, por meio do qual foram publicados resultados de alguns trabalhos sobre a temática, dentre eles o de Oliveira e Ranzi (2003), intitulado “História das 17 disciplinas escolares no Brasil: contribuições para o debate”, o qual reúne trabalhos como de importantes pesquisadores que têm se dedicado à temática, como: Bittencourt (2003) intitulado “Disciplinas escolares: história e pesquisa”. Nesse sentido, espera-se que o desenvolvimento deste projeto de pesquisa, centrado na história das disciplinas de Didática do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília, entre 1963 e 2005, possa contribuir para o alargamento desse campo de pesquisa que se mostra bastante profícuo. Embora possa parecer tratar-se de uma pesquisa pontual, sobre dada disciplina em um curso de uma instituição, em dado momento e contexto histórico, este projeto remete e se situa também no campo de conhecimentos sobre cultura escolar. Encontrar os pontos principais desse processo, considerando as forças e os interesses sociais em jogo na história de determinada disciplina, pode lançar mais luz sobre seus conteúdos e suas práticas com o objetivo de, se necessário, modificá-los para atender a novas necessidades, em vez de reproduzi-los como se fossem neutros e independentes. (PESSANHA; DANIEL; MENEGAZZO, 2004, p. 58). Assim sendo, alguns pesquisadores consideram que as investigações no campo da História das Disciplinas Escolares devem ocorrer, preferencialmente, numa instituição específica, para que se possam analisar com maior profundidade todos os aspectos que fazem parte da construção de uma disciplina escolar em um determinado período. E a partir daí, o pesquisador tanto se valerá como poderá oferecer contribuições ao campo de pesquisa em história das instituições escolares. Na perspectiva de tudo o que foi exposto, é que acredito que a história das disciplinas de Didática do curso de Pedagogia Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC – Unesp de Marília, entre 1963 e 2005, poderá oferecer contribuições, a saber: Para a produção:  de uma história da Didática em cursos de formação de professores no Brasil que auxilie na busca de soluções para os problemas desse ensino, no presente;  de uma história do curso de Pedagogia da Unesp de Marília;  de uma história da formação de professores na cidade de Marília e região e no Brasil. É importante ressaltar que há uma vasta produção de resultados de pesquisa desenvolvidas no âmbito dos grupos de pesquisa “GP FORME – Formação do Educador” e no “HiDEA-BRASIL – História das disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil, as quais vêm sendo comunicadas em eventos representativos da área e se somando aos esforços de 18 outros pesquisadores no sentido de alargamento do campo em pesquisa sobre a história das disciplinas escolares e acadêmicas no Brasil. 4 Como mencionado, o quadro teórico-metodológico da pesquisa constitui-se com as formulações teóricas de Chervel (1990), para quem a constituição e o funcionamento das disciplinas de ensino, no caso da nossa pesquisa, das disciplinas acadêmicas, centralmente as de Didática, são presididos pelas suas “finalidades reais” e “finalidades de objetivo”. Também, tal quadro constitui-se com as teorizações de Goodson (1995), para quem as disciplinas escolares possuem estreita relação com a construção social do currículo e do conhecimento e, nesse sentido, interessa-se em compreender como o estatuto, os recursos e a estruturação das disciplinas escolares empurram o conhecimento da disciplina em direções específicas. Buscamos, então, desenvolver nossas análises em busca de responder aos questionamentos que motivaram a proposição da nossa pesquisa e, então, atingir aos seus objetivos, em busca de compreender a amplitude dos vários processos que constituíram as disciplinas de Didática no curso e período em foco. Nesse sentido, foram reunidos os documentos que integraram o corpus da investigação que se projeta. Consegui reunir, apresentar e desenvolver uma análise, mais de caráter descritiva, de matrizes curriculares onde constam as disciplinas de Didática, dos programas das disciplinas de Didática do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília – FFC-Unesp/Câmpus de Marília, os documentos de reestruturação do curso e o Projeto Político Pedagógico do curso de Pedagogia, de 2005. Em tais documentos buscou-se identificar as “finalidades de objetivo”, o quê se deveria ensinar, segundo os documentos que nortearam a inserção das disciplinas de Didática no curso. Observo que, outros documentos anteriores a 2005, como outros projetos pedagógicos do curso, não foram localizados, portanto, não constam nesta dissertação. Foi possível localizar documentos oriundos de outros fóruns de discussão (Poder Legislativo, Câmaras, Conselhos, etc.), assim como em diversos impressos e publicações, onde há indicativos do lugar/espaço das disciplinas de Didática no curso de Pedagogia da Unesp e, também da USP e Unicamp, no período em que busco analisar tais disciplinas as “finalidades de objetivo”, ou seja, o quê se deveria ensinar nas disciplinas de Didática para 4 Tezza (2013), Sotelo (2013), 19 satisfazer aos poderes públicos. A propósito, busquei desenvolver tal análise à luz da contribuição de pesquisadores da temática. Também, e considerando que temos contato direto com alguns professores das disciplinas de Didática do curso de Pedagogia da FFC – Unesp/Câmpus de Marília, identificamos, reunimos, selecionamos, sistematizamos e analisamos aspectos dos relatos orais de alguns professores, pois, como mencionado, são também objetivos da nossa investigação identificar aspectos das várias estruturas que o Curso de Pedagogia em questão assumiu durante o recorte temporal da pesquisa; identificar e analisar a importância das disciplinas de Didática, frente às demais disciplinas do curso mencionado; analisar aspectos da história das disciplinas de Didática, à luz dos sujeitos que as produziram e conviveram com mudanças histórica da Didática, tanto como disciplina, quanto como campo de saberes. Ao encontro de Chervel (1990), Bittencourt (2003, p. 15) afirma que a história das disciplinas escolares se preocupa em “[...] identificar a gênese e os diferentes momentos históricos em que se constituem os saberes escolares, visando perceber a sua dinâmica, as continuidades e descontinuidades no processo de escolarização.” Com essa preocupação, Goodson (1995) desenvolve seus estudos sobre currículo, ressaltando a importância de se observar a relação entre o que foi estabelecido como finalidade para os conteúdos de ensino e o que foi efetivamente ensinado/aprendido. Nesse sentido, em Tezza (2013, p. 20), há a afirmação de que: [...] a história das matérias escolares, propõe-se a penetrar em um campo que os historiadores se mostraram inclinados a ignorar: - a busca nos processos internos da escola para analisar as relações entre escola e sociedade, e como as escolas refletem as definições da sociedade acerca dos conhecimentos culturalmente válidos. No centro desses processos internos estão os professores, atores internos, responsáveis pela emergência de grupos de liderança intelectual, pelo surgimento de centros de formação de profissionais, pela evolução das associações de profissionais, etc. Sobretudo quando se analisa as disciplinas acadêmicas nas universidades e centros de pesquisa, é preciso observar também a dinâmica interna dos processos que são decorrentes das relações, às vezes conflituosas, entre as recomendações oficiais e as teorizações acadêmicas. No caso da história de uma disciplina acadêmica, como na história da disciplina de Didática, objeto da pesquisa desenvolvida, venho afirmando a pertinência de analisá-la, 20 considerando os aspectos das disciplinas constituídos e ou marcados a partir dessas relações, cujos sujeitos centrais são os professores dessas disciplinas, cada qual com sua formação, intenções e inserções sócio-políticas. Assim, buscamos analisar as disciplinas de Didática na Unesp/Marília, enfatizando aspectos da formação de alguns professores, os quais foram possíveis recuperar na pesquisa desenvolvida. A partir dos planos de ensino das disciplinas de Didática, foi possível identificar os seguintes professores: M. A. R. C. (1962 a 1965), M. C. F. A. (1966 a 1975), M. S. G. (1970 – Didática Especial), M. G. R. (1978), N. B. (1978), S. G. (1978 a 1982), J. A. P. (1983), W. F. (1984), A. N. Z. M. C. (1968 a 1990), A. G. A. (1986 a 1990), F. J. C. N. (1990). 5 Dentre esses professores, foi possível obter contato com S. G., V. P. S., M. R. L. M. e E. A. L. Assim, foi elaborado outro instrumento de pesquisa, as entrevistas, que resultou nas transcrições “ipsis litteris” dos relatos orais (APÊNDICE I) coletados por meio das entrevistas semi-estruturadas. 6 Cabe ressaltar que, nesse trabalho de transcrição, a preocupação é a de efetuar a passagem do estágio oral para o escrito, o mais fielmente possível, visto que nessa fase importa dar visibilidade às peculiaridades de cada entrevista e entrevistado. Entretanto, conforme Meihy (2000, p. 89) é certo que, mesmo com todos os esforços empreendidos, a transcrição de palavra por palavra, como a que será buscada, não corresponderia à realidade da narrativa. Isso porque “[...] uma gravação não abriga lágrimas, pausas significativas, gestos, o contexto do ambiente [...] Além do mais, há as entonações e as palavras de duplo sentido.” (MEIHY, 2000, p. 89). Particularmente com relação à entrevista do tipo semi-estruturada, ressalta-se o fato de ela constituir-se em um instrumento que possibilita a obtenção dos dados e informações em maior profundidade e abrangência, diferentemente da estruturada com questões mais fechadas. Cabe enfatizar a importância da relação de confiança que o pesquisador-entrevistador há de estabelecer com os entrevistados. Segundo Zago (2003), sem ser instaurada uma situação de interação entre entrevistadores e entrevistados, corre-se o risco de não atingir os 5 A fim de se manter o anonimato dos entrevistados, foram utilizadas as iniciais dos seus nomes. 6 Como mencionado, trata-se de pesquisa vinculada ao projeto de pesquisa integrado “História da didática em cursos de formação de professores no Brasil (1827 a 2011)”, coordenado pela Doutora Rosane Michelli de Castro, aprovado junto ao Comitê de Ética da FFC-Unesp/Marília sob o Parecer n. 0896/2013. 21 objetivos do trabalho. Trata-se, ainda, de reafirmar as vantagens da utilização de aparelhos que gravam as entrevistas, pois, tais instrumentos proporcionam, conforme Zago (2003) que os entrevistadores fiquem mais livres para a condução das questões, favorecendo, assim, a relação de interlocução e o avanço nas problematizações. Além disso, na etapa posterior a de coleta de dados e informações, que é a da transcrição “ipsis litteris”, tais instrumentos permitem o reexame do conteúdo das entrevistas, por várias vezes e de maneira minuciosa. Trata-se, portanto, de pesquisa documental, quanto às fontes, e histórica, cujos resultados parciais apresento neste texto de dissertação de mestrado. . 22 3 A DIDÁTICA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CURSO DE PEDAGOGIA DE UM INSTITUTO ISOLADO DE ENSINO SUPERIOR, A FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS – FAFI, DE MARÍLIA (1963-1976) Segundo Chervel (1990), o ensino superior caracteriza-se por ser responsável por transmitir, diretamente, o conhecimento decorrente das grandes áreas. Nesse sentido, é possível considerar que todos seus processos, incluindo as matrizes curriculares e os corpus de saberes/matérias/disciplinas são constituídos pelas “[...] grandes finalidades que presidiram sua constituição e o fenômeno de aculturação da massa que ela determina [...] Daí que o conhecimento da trajetória história de constituição dos corpus de saberes/matérias/disciplinas em que tal conhecimento se materializará, podem desempenhar um papel importante não somente na história da educação mas na história cultural (CHERVEL, 1990, p.10). Sendo assim, ao mesmo tempo em que dado corpus de saberes/matéria/disciplina pode ser considerado fruto do próprio projeto de instituição e, no caso, das disciplinas de Didática, objeto da pesquisa, fruto do próprio projeto da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e da Faculdade de Filosofia e Ciências para os cursos de Pedagogia, também é possível afirmar que sua constituição também é, decorrente de um projeto de formação de professores nos cursos de Pedagogia que se tinha no estado de São Paulo e no Brasil, conforme se verá adiante em análise a alguns cursos de Pedagogia de algumas Universidades no Brasil na década de 1970/80/90 e, especificamente no curso de Pedagogia da Unesp/Marília. À luz de Chervel (1990), é possível afirmar que são essas inserções da instituição nos vários âmbitos da sociedade responsáveis pelas “finalidades de objetivos” das disciplinas de Didática no curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC- Unesp/Câmpus de Marília.” Nesse sentido, apresento nesta seção resultados do trabalho de recuperação de aspectos históricos da constituição das disciplinas na então, FAFI – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília (1963-1975) e da então Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação – Campus de Marília (1976-1989), entrecruzando com aspectos da constituição da Didática no Ensino Superior brasileiro e em cursos de formação de professores, como o de Pedagogia da faculdade em foco. 23 É possível afirmar, assim como Castro (2009), que os primórdios da Filosofia e Ciências – FFC-Unesp/Câmpus de Marília foi um Instituto Isolado de Ensino Superior, denominado Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FAFI de Marília (1959-1975). No ano de 1976, quando essa Faculdade deixou de ser um Instituto Isolado para integrar a Unesp – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, cursos foram suprimidos e outros foram criados e, então, ela passou a ser denominada Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação – Câmpus de Marília. A partir de 1989, recebeu a denominação de Faculdade de Filosofia e Ciências – FFC-Unesp/Câmpus de Marília. Os Institutos Isolados de Ensino Superior do Estado de São Paulo foram criados como parte da política de interiorização do Ensino Superior no estado. Datada de 1947, A Constituição Paulista havia determinado a gratuidade do ensino superior, ministrado, preferencialmente, pelo Estado, e a implantação de cursos noturnos; e, a Lei Estadual n. 161, de 24 de setembro de 1948, promulgada pelo então governador do estado, Adhemar Pereira de Barros, havia disposto sobre a criação de estabelecimentos públicos de ensino superior em cidades do interior do estado de São Paulo (VAINDERGORN, 1995, p. 157 apud CASTRO, 2009, p. 44). Parte do pessoal da Universidade de São Paulo (USP), sobretudo do grupo representado pelos membros do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo (CO/USP) e por colaboradores do jornal O Estado de S. Paulo, teriam tentado resistir às pressões legais advindas com a promulgação dessa Constituição Paulista de 1947 e posteriormente com a Lei Estadual n. 161, de 24 de setembro de 1948. Muitas das críticas contrárias à interiorização do ensino superior apoiavam-se na falta de quadros e de recursos materiais da época para o funcionamento de um curso superior em regiões afastadas da capital paulista. Segundo Castro (2009), a alternativa encontrada pelo governo do estado, Jânio Quadros, para a “interiorização” do Ensino Superior no estado de São Paulo foi a criação de Institutos Isolados, autônomos em relação à USP, e criados à revelia do CO dessa universidade. Para Tanuri (2001, p. 220 apud CASTRO, 2009, p. 52-53), os institutos isolados do Ensino Superior no Estado de São Paulo: [...] mesmo motivados “[...] mais por razões políticas do que propriamente educacionais [...] de início, restritos a segmentos minoritários da sociedade, passaram a ser objeto de procura de camadas cada vez maiores e mais 24 diversificadas da população [...], em virtude do que teria havido “[...] a transformação do projeto pedagógico inicial e a adoção de medidas tendentes a adequá-las à ampliação da demanda.” (p. 219). A pesquisadora ressaltou, ainda, que os professores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília/SP, e aí ela se incluiu, nunca se apartaram da idéia de que os institutos isolados deveriam “[...] ser de alto nível e em linha renovadora” (ANAIS, 1969, p. 220), a partir da qual haviam sido concebidos, “[...] num momento em que se começava a desenvolver o processo de modernização do ensino superior, intensificando-se os debates e incorporando-se inovações administrativo-pedagógicas a algumas instituições.” Castro (2009, p. 54) afirma que, em Marília-SP, teria sido intenso o movimento para a criação de uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. “A opção inicial dos marilienses por uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras traduziu as expectativas de oferecer formação aos seus professores secundários, muitos deles já exercendo o magistério sem qualificação para isso” (CASTRO, 2009, p. 57) e, ainda, segundo Vaidergorn (1995, p. 164 apud CASTRO, 2009, p. 57), supriu uma lacuna deixada pela FFCL da USP, que não dava conta da demanda para seus cursos. Assim, em 1959, foram instalados os três primeiros departamentos na Faculdade de Filosofia, Ciências de Letras de Marília: Departamento de História, Departamento de Letras Anglo-Germânicas e Departamento de Pedagogia. No ano de 1962 foi organizado o Departamento de Didática. Posteriormente, foi organizado o Departamento de Educação da Faculdade, com a união do Departamento de Pedagogia com o de Didática, departamento em que as disciplinas de Didática, objeto da pesquisa em desenvolvimento, passaram a integrar. 3.1 A Didática entre 1963 e 1970: aspectos de sua estruturação, consolidação e crise, como campo de conhecimento e disciplina. O período entre 1963 e 1970 foi um período em que a Didática Geral (com a Prática de Ensino) esteve vinculada, diretamente às licenciaturas, na forma do Parecer n. 292 de 14 de novembro de 1962 (BRASIL, 1962). Nessa perspectiva de um currículo apenas mínimo, a, então, matéria Didática era ministrada segundo o art. n. 59, parágrafo único da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 4024/61 (BRASIL, 1961) e de maneira obrigatória apenas nos cursos que, concomitantemente, levassem aos diplomas de bacharelado e de licenciatura, ou quando preparava somente licenciados (SILVA, 1999, p. 37). 25 Mas, como seção, matéria e disciplina, a Didática esteve presente desde a criação das faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no Brasil, desde a primeira, a Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, em 1939. A criação dessas Faculdades tinha como objetivo uma maior expansão e organização do ensino superior no Brasil. (GARCIA, 1994). Essa ampliação do ensino no Brasil era tida como um fator propulsor para a tão almejada modernização da sociedade. Desse modo, a criação das Faculdades de Filosofia pelo país foi sinônimo de desenvolvimento e alargamento para profissões não somente liberais. Nessas Faculdades de Filosofia foi instituído também o curso de Pedagogia, que como afirma Silva (1999), foi o único curso da “seção” de Pedagogia que, ao lado de três outras – a de Filosofia, a de Ciências e a de Letras – com seus respectivos cursos, compuseram as “seções” fundamentais das Faculdades de Filosofia. Nesse momento, ainda segundo Silva (1999, p. 34), o curso de Pedagogia era assim seriado: Complementos de Matemática (1ª série), História da Filosofia (1ª série), Sociologia (1ª série), Fundamentos Biológicos da Educação (1ª série), Psicologia Educacional (1ª, 2ª e 3ª séries), Estatística Educacional (2ª série), História da Educação (2ª e 3ª séries), Fundamentos Sociológicos da Educação (2ª série), Administração Escolar (2ª e 3ª séries), Educação Comparada (3ª série), Filosofia da Educação (3ª série). Com relação à Didática, ela surge pela primeira vez instituída no âmbito do Ensino Superior após a criação das Faculdades de Filosofia, em 1939, como mencionado, conforme o Decreto-lei n.1.190, de 4 de Abril. As Faculdades de Filosofia contavam com uma sessão especial, a de Didática, a qual contava com um curso, também denominado de Didática e com a duração de um ano. Dentro do curso de Didática havia as seguintes disciplinas: Didática Geral; Didática Especial; Psicologia Educacional; Administração Escolar; Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos Sociológicos da Educação. Os alunos que concluíam os cursos ordinários num período de três anos recebiam a titulação de bacharel. Para se obter a licenciatura era exigido que se cursasse o curso de Didática por um ano. Esse esquema ficou conhecido como o esquema “3+1” que como afirma Garcia (1994) constituiu os cursos de formação de professores em nível superior até a década de 1960. 26 Foi dessa forma instituída a Didática, em forma ao mesmo tempo de curso, de disciplina, neste último caso como conteúdo de ensino obrigatório nos currículos de formação de professores em nível superior. É importante destacar que nesse momento, na estrutura das Faculdades de Filosofia, a Didática Geral e as Didáticas Especiais constituem uma única cadeira – ou um único campo de estudos – não havendo propriamente uma diferenciação dos seus conteúdos ou da natureza do seu ensino para as diferentes áreas de conteúdo. (GARCIA, 1994, p.47). Originários da Escola Normal, os professores que assumiam as cadeiras de Didática nas Faculdades de Filosofia, na década de 1960, eram, em sua maioria, do sexo feminino e por serem da Escola Normal não tinham formação em nível superior para ministrarem tal disciplina. Diferentemente dos outros cursos liberais e científicos, em que grande parte do núcleo de professores eram oriundos de uma formação em nível superior e, geralmente, de universidades estrangeiras. Assim como Garcia (1994, p. 102): [...] pode-se afirmar que, seja como curso que abrangia o conjunto das disciplinas pedagógicas, seja como disciplina (Didática Geral e Didáticas Especiais), a Didática ocupou uma posição inferior – pelos motivos já destacados – quando tomada em relação aos demais cursos e disciplinas que constituíam as Faculdades de Filosofia. E ainda, considerando unicamente o “lugar” das disciplinas de Didática Geral e as Didáticas Especiais entre as demais disciplinas pedagógicas (Psicologia Educacional, Administração Escolar, Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos Sociológicos da Educação), também aquelas ocuparam um “lugar” inferior entre as já desprestigiadas. Portanto, sofreram de um duplo desprestígio (GARCIA, 1994, p.102). Assim sendo, as matérias pedagógicas, centralmente a Didática, das então Faculdades de Filosofia eram acometidas por uma grande falta de credibilidade comparada às demais disciplinas ditas “científicas”, já que o que se almejava era a formação de técnicos e as disciplinas pedagógicas ocupavam muito tempo na formação dos alunos. Nesse momento, precisamente na década de 1940, surgem os primeiros doutoramentos, as primeiras pesquisas científicas em Didática e um movimento de renovação pedagógica que começam a dar credibilidade e maior respeitabilidade a essa área. Em 1946 foi lançado o Decreto-lei n. 9.053 de 12 de março (apud GARCIA, 1994) que tornava obrigatória a criação de ginásios de aplicação destinados à prática docente dos alunos matriculados nos cursos de Didática e sob a responsabilidade dos catedráticos da 27 Didática Geral. Era tido como um pré-requisito para habilitação profissional dos futuros professores que, assim, poderiam articular teoria e prática. No início do ano de 1950 até os anos finais de 1960 a Didática passa, segundo Garcia (1994), por um momento de consolidação. Com seu discurso ainda normativo sobre o ensino e a aprendizagem, o campo da Didática se consolida durante os anos de 1950. Os Ginásios de Aplicação tiveram um papel fundamental na consolidação da didática no final da década de 1960, pois foi através deles que o campo teve espaço para a realização de suas primeiras pesquisas e a inter-relação entre a teoria e a prática. A Didática neste momento caminhava em direção a sua constituição como teoria do ensino que fosse capaz de solucionar as dificuldades da aprendizagem de todos os conteúdos e de todas as matérias de ensino. Com a promulgação do Parecer nº 292 de 14 de novembro de 1962 que instituía o currículo mínimo para a formação pedagógica do licenciado, o esquema “3+1” – três anos de conteúdos específicos mais um ano de disciplinas pedagógicas, que conferia o grau de licenciado é extinto, e com ele as chamadas Didáticas Especiais passam a ser substituídas pelas denominadas Práticas de Ensino realizadas na forma de estágio supervisionado, o que levou a uma fragmentação das matérias pedagógicas na formação do professor secundário. Embora a denominação das Didáticas Especiais passou a ser substituída pelas Práticas de Ensino, é possível observar mediante levantamento e recuperação de documentos oriundos do acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília que, nos planos de ensino do Departamento de Didática do ano de 1962, ainda constavam as Didáticas Especiais de Pedagogia, como segue na imagem abaixo: 28 Figura 1 – Plano de ensino da Disciplina de Didática Especial – 1962. Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília, da FFC/Unesp/Marília As práticas de ensino deveriam ser realizadas em escolas de comunidades e, não mais nos colégios de aplicação como então eram obrigatórias e, como consta no plano acima. A realização desses estágios fora do local da instituição formadora demandava uma supervisão que fosse capaz de avaliar todo o exercício pedagógico desenvolvido pelo estagiário. A propósito, os professores do Departamento de Didática, em que se desenvolveram as disciplinas de Didática da Unesp de Marília, buscaram estar sempre próximos da comunidade, em favor das demandas do ensino, sobretudo do ensino público em seus vários níveis. Segundo Castro (2009, p. 57), em 1954, foram instalados na, então, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – FAFI de Marília, os cursos de História, Pedagogia, Letras e, em 1963, o curso de Ciências Sociais. Castro (2009) afirma que, no Guia da Faculdade, publicado em 1962, os três objetivos que nortearam a criação dessa Faculdade foram: Desenvolvimento da alta cultura e da pesquisa original; especialização filosófica, literária e científica, bem como preparação de candidatos para o 29 magistério secundário, normal e superior; e habilitação para o exercício das profissões liberais, científicas e técnicas relacionadas com os seus cursos (GUIA..., p. 11-12). Os cursos criados com tais objetivos eram de dois tipos: os ordinários e os extraordinários: Especialmente sobre os chamados cursos ordinários, as informações são as de que eles eram de responsabilidade dos três Departamentos da Faculdade: História, Letras [Anglo-Germânicas] e Pedagogia. Informa-se ainda que o currículo de bacharelado compreendia as três primeiras séries desses cursos, e, o de licenciatura compreendia um quarto ano, em que o bacharel recebia a formação didática (Didática Geral, Didática Especial, Psicologia Educacional e Administração Escolar). (CASTRO, 2009, p. 84). Assim, a formação didática mencionada teria ficado sob a responsabilidade do, então, Departamento de Pedagogia. Segundo Castro (2009), foi em 1962, a organização de outro Departamento, o de Didática, sob a responsabilidade da Professora Nelly Novaes Coelho, da cadeira de Didática Geral do Departamento de Pedagogia. Posteriormente, e considerando que as iniciativas para a criação do Departamento de Didática couberam, como mencionado, a uma docente da cadeira de Didática Geral do Departamento de Pedagogia, foi organizado o Departamento de Educação da Faculdade, com a união do Departamento de Pedagogia com o de Didática. (CASTRO, 2017, p. 2). Quanto aos seus objetivos o Departamento de Pedagogia, depois Didática e, até 1975, de Educação, estiveram centrado no “[...] atendimento às demandas do ensino.” Nesse sentido, foram organizados eventos para a divulgação, discussão e troca de conhecimentos entre aquilo que se produzia sobre ensino, em seus vários níveis, pela universidade e aquilo que era produzidos nas escolas. A propósito, Castro (2009) afirma que a “V Semana da Faculdade” contou com 500 professores de todos os graus de ensino e desse evento foi organizada a publicação da revista do Departamento a DIDÁTICA “[...] aberta àqueles que se interessam pelos problemas do ensino e, especialmente, àqueles que são professores militantes no magistério.” (DIDÁTICA, 1964, p. 5). Segundo Castro (2009, p. 220): Retomando alguns dos pontos então discutidos durante os trabalhos [discutidos no evento], é possível identificar as preocupações com o diálogo permanente entre os sujeitos das várias instâncias educativas [Ressaltou-se] a necessidade da quebra do isolamento em que [...], muitos professores, sobretudo os de nível médio, trabalhavam. 30 Essa preocupação com o diálogo permanente entre os sujeitos envolvidos nos processos educativos foi externada na primeira produção intitulada “A participação de estudantes em órgãos colegiados das universidades?” (p. 5- 12), a qual compôs a seção “Ensino Superior”, primeira da publicação de n. 2 da Didática, de 1965. Como informa o título, nessa produção foram traçadas considerações sobre a participação de estudantes em órgãos colegiados da universidade, como “tarefa evolutiva” que estaria a se impor naquela época, para um melhor preparo do jovem à vida profissional. Os seus autores, Madre Maria Olívia, Joel Martins e Cecília Coelho Pereira Leite, todos, à época, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mostraram sua concordância com a ideia em questão prevista na Lei de Diretrizes e Bases n. 4.024/61 que acabava de ser promulgada. O diálogo para uma melhor convivência entre professores e alunos nos centros acadêmicos é abordado como condição primeira. Ainda, entre outras recomendações aos professores, estavam aquelas complementares, voltadas para as promoções de “reuniões amigáveis” entre esses sujeitos. Esse tom de recomendação, e, em alguns casos, até mesmo de prescrição de procedimentos, atividades e ações aos professores, esteve presente na maioria das produções que configuraram a seção “Ensino Superior”. Dessas produções, muitas resultaram do trabalho acadêmico-científico realizado pelos próprios professores da faculdade. Outras, das reflexões realizadas sobre exigências educacionais, situações e propriedades contextuais necessárias de serem identificadas e consideradas pelos professores no seu cotidiano. Como se observa, o Departamento de Didática, no qual foram constituídas as disciplinas de Didática, os seus professores procuraram manter e desenvolver o diálogo crítico entre as demandas oficiais e as demandas advindas do cotidiano vivido pelos professores e alunos nas escolas, cada qual com seus aspectos próprios de sua formação. O movimento das didáticas especiais em favor das práticas de ensino culminou nas discussões contrárias entre os profissionais do campo da Didática, pois as didáticas especiais buscavam a articulação da matéria de ensino com o método e as práticas de ensino se constituíam com caráter extremamente prático em que os futuros profissionais, a partir dela, estariam aptos para aplicarem os conhecimentos adquiridos em um tríplice aspecto de planejamento, execução e verificação. Desse modo, a Didática passa por um desmembramento e se divide em dois sub- campos: a Didática Geral e a Prática de Ensino. [...] Enquanto a primeira enfatizava os fundamentos da didática e um corpo de procedimentos técnico-metodológicos de caráter genérico, a prática de ensino tinha a função de verificar a aplicação desse conteúdo às diferentes matérias de ensino. A prática de ensino se constituiu nesses anos como um 31 prolongamento da didática geral, não tendo, portanto, uma autonomia em relação a essa (GARCIA, 1994, p.127). Sem essa relativa autonomia, a prática de ensino buscava na Didática Geral a base para o seu conteúdo teórico. O descontentamento com a falta de autonomia da prática docente em relação à Didática Geral levou os professores a uma articulação que desse maior independência a essa disciplina. Os anos de 1950 e 1960 podem ser caracterizados como os anos de declínio e, posteriormente, de fixação da Didática como campo de conhecimento científico, período em que a Didática ultrapassa momentos de identificação e se consolida em meio ao campo científico como teoria geral do ensino. Embora definida com um caráter tecnicista, buscou fundamentos, de início, na Psicologia para o estudo da aprendizagem e de maneira a ganhar espaço em meio aos cursos tidos como liberais do momento. Ao encontro disso, no ano de 1968 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, o plano de curso da disciplina de Didática Geral deixava claro a busca de sua fundamentação em teorias psicológicas para o estudo da aprendizagem, como se observa: 32 Figura 2 – Programa de Curso da Disciplina de Didática Geral - 1968. Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília, da FFC/Unesp/Marília 33 Além disso, observa-se uma preocupação em trabalhar o ensino individualizado e a criação de métodos com o intuito de se obter uma participação mais ativa dos alunos, ou seja, o aluno como centro do processo de ensino e de aprendizagem. Com o Governo Militar de 1964, inicia-se uma política educacional com o incremento das Leis n. 5.540/68 e n. 5.692/71 que buscava uma reorganização na área do sistema de Ensino Superior dentro dos critérios de racionalidade, produtividade e eficiência (GARCIA, 1994). No ano de 1969, ano posterior à instituição da Reforma Universitária, é instituído, segundo o Parecer n. 252/69, o currículo mínimo para formação de professores e a duração para o curso de graduação em Pedagogia. Abaixo, segue a Resolução à qual esse Parecer foi incorporado. Figura 3 – Resolução n. 2, de 12 de maio de 1969 – Fixa os mínimos de conteúdo e duração do curso de Pedagogia. Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações, da FFC/Unesp/Marília. 34 Conforme consta no documento, eram cinco as matérias que constituíam a base de formação pedagógica: Sociologia Geral; Sociologia da Educação; Psicologia da Educação; História da Educação; Filosofia da Educação e Didática. Silva (1999, p. 40) aponta três argumentos para explicar a inclusão da Didática como matéria da parte comum dizendo que: [...] ela se identifica como o ato de ensinar para o qual as outras matérias convergem; todos poderão lecionar, nos Cursos Normais, as disciplinas de suas habilitações específicas e, por fim, considerou-se que, invariavelmente, as universidades e escolas isoladas já a vinham incluindo em seus currículos plenos. Segundo Silva (1999), o Parecer 252/69 criava habilitações para a formação de profissionais específicos para cada conjunto de atividades, porém fragmentava a formação dos pedagogos. Figura 4 – Art. 3º, do Parecer 252/69 – Algumas Habilitações para as áreas diversificadas do curso de Pedagogia Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações, da FFC/Unesp/Marília. Conforme consta no Art. 3º, do Parecer 252/69, foram previstas algumas habilitações para as áreas diversificadas do curso de Pedagogia – o Magistério dos Cursos Normais e as Atividades de Orientação, Administração, Supervisão e Inspeção. As habilitações eram: 35 Orientação Educacional; Administração Escolar; Supervisão Escolar; Inspeção Escolar e Ensino das Disciplinas e Atividades Práticas dos Cursos Normais. No § 3º do artigo são apresentadas as matérias que compunham as habilitações, além das matérias da parte comum. Para habilitação em Orientação Educacional as matérias estabelecidas eram: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau, Princípios e Métodos de Orientação Educacional, Orientação Vocacional e Medidas Educacionais.Para habilitação em Administração Escolar as matérias estabelecidas eram: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau, Princípios e Métodos da Administração Escolar e Estatística Aplicada à Educação. Para habilitação em Supervisão Escolar as matérias estabelecidas eram: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau, Princípios e Métodos de Supervisão Escolar e Currículos e Programas. Para habilitação em Inspeção Escolar as matérias estabelecidas eram: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau, Princípios e Métodos de Inspeção Escolar e Legislação do Ensino. E, por fim para habilitação em Ensino das Disciplinas e Atividades Práticas dos Cursos Normais as matérias estabelecidas eram: Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau, Metodologia do Ensino de 1º Grau, Prática de Ensino na Escola de 1º Grau (estágio). O Art n. 4º do Parecer 252/69 previa a duração do curso de Pedagogia, conforme consta abaixo: Figura 5 – Art. 4º, do Parecer 252/69 – Duração mínima do Curso de Pedagogia. Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações, da FFC/Unesp/Marília. Estabelece-se, então, o mínimo de duração para o curso de Pedagogia que, conforme Silva (1999), organizavam-se em duas modalidades: 2.200 e 1.100 horas, a serem desenvolvidas em tempos variáveis de 3 a 7 e de 1,5 a 4 anos letivos respectivamente. 36 Fixado o Parecer n. 252/69 e com ele estabelecido o mínimo de currículo para formação do Pedagogo, o que teria passado a acontecer foi uma fragmentação na formação desses profissionais em educação. Tal fragmentação ocorre na divisão das duas partes que compunham o curso que se dava na base comum da formação pedagógica e nas habilitações específicas. Sob essa ótica, Silva (1999, p. 58) afirma que “[...] não se pode formar o educador com partes desconexas de conteúdos, principalmente quando essas partes representam tendências opostas em educação: uma tendência generalista e uma outra tecnicista.” Generalista por desconsiderar a educação como objeto principal na formação do educador e pela ênfase dada sobre os fundamentos. Tecnicista por fragmentar as habilitações dando a elas um caráter de especialização que escondia em si a divisão de trabalho do pedagogo. Estabelecido então o Parecer CFE 252/69 que instituía os mínimos de conteúdos para o curso de Pedagogia, trago o documento legal da Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação do “Campus” Universitário de Marília que instituía a estrutura curricular do curso de Pedagogia. Figura 6 – Resolução UNESP 18, de 16-07-1979 – Estabelece a estrutura curricular do Curso de Pedagogia “Campus” Universitário de Marília. Continua... 37 Continua... Continua... 38 Continua... Continua... 39 Continua... Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações, da FFC/Unesp/Marília. Observa-se, pelas figuras anteriores que, segundo a Resolução da Unesp n. 18 de 16 de Julho de 1979, o Curso de Pedagogia da faculdade seguia a estrutura curricular prevista no Parecer CFE n. 252/69. Assim, era esse Parecer que regia a estrutura curricular do curso de Pedagogia do “Campus” Universitário de Marília. Observa-se também que nessa estrutura curricular do ano de 1979 são instituídas as matérias e as disciplinas que compunham os créditos para formação geral básica do curso de Pedagogia e nesse momento, como está descrito na estrutura curricular não há nenhuma disciplina denominada Didática, mas sim a matéria de Didática, não contendo então a disciplina específica de Didática a exemplo da matéria Psicologia, onde havia uma organização em três psicologias: Psicologia Geral, Psicologia da Educação e Psicologia Social. A carga horária, computada em créditos da matéria Didática (total de 12 créditos) também era inferior, se comparada a algumas das disciplinas de fundamentos, como por exemplo, a matéria de Psicologia (total de 24 créditos), matéria de História (total de 20 créditos), Educação Comparada (total de 40 créditos). Após estabelecido o Parecer CFE 252/69 e após a primeira estrutura curricular do curso de Pedagogia “Campus” Universitário de Marília, conforme exposto acima, trago o primeiro programa de curso da disciplina de Didática Geral e sua bibliografia do ano de 1970 pós publicação do referido Parecer CFE 252/69. 40 Figura 7 – Programa de curso da Disciplina de Didática Geral - 1970 Continua... 41 Continua... Continua... 42 Continua... Continua... 43 Continua... Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília, da FFC/Unesp/Marília. 44 É notório que toda a bibliografia da disciplina de Didática Geral era baseada em autores estrangeiros, pois não se tinha ainda bibliografia nacional voltada para o estudo da Didática, além de se observar uma forte influência de autores da Psicologia dando base ao ensino da Didática. Outro fato distinto encontrado nesse plano de curso da disciplina de Didática no ano de 1970 é que havia a Didática Especial e Prática de Ensino vinculadas e que seriam trabalhadas no quarto ano do curso de Pedagogia, como consta: Figura 8 – Programa de Curso de Disciplina de Didática da FFC/Unesp/Marília - 1970 Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília, da FFC/Unesp/Marília 45 Mesmo, como mencionado, a prática de ensino tendo surgido para assumir o lugar das didáticas especiais, consta no plano de ensino uma nomenclatura que vinculasse ambas disciplinas. No ano de 1971 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, o plano de curso da cadeira geral de Didática, sob responsabilidade de M. C. F. A., trazia dentro do seu conteúdo os objetivos gerais e específicos da disciplina como se pode observar: Figura 9 – Plano de curso da cadeira geral de Didática da FFC/Unesp/Marília - 1971 Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília, da FFC/Unesp/Marília Em seu objetivo geral, consta uma formação centrada na formação de um espírito crítico nos alunos do curso de Pedagogia, pois era o que se almejava alcançar para esses futuros professores que enfrentariam o desafio da educação brasileira nessa época. Entretanto, seus objetivos específicos centravam atenção no domínio de métodos e técnicas como norteadores de uma aprendizagem operatória, ou seja, o tecnicismo da Didática que era alvo de críticas, ainda estava presente dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília no ano de 1971. Esse mesmo modelo de programa de ensino da cadeira de Didática se manteve até 1973, ainda sob responsabilidade de M. C. F. A., que no ano de 1974 demonstra ter elaborado outro plano apresentando algumas mudanças. 46 Figura 10 – Plano de Curso de Didática da FFC/Unesp/Marília – 1973/1974 Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília, da FFC/Unesp/Marília. No objetivo geral desse modelo de 1974, alguns objetivos específicos contidos no programa de ensino de 1971 foram aglutinados, ainda contendo a fundamentação psico- pedagógica como meio norteador de uma aprendizagem operatória e também usando as bases psicológicas para se alertar e compreender os problemas que acometiam o magistério da época. Os objetivos específicos, diferentemente do programa anterior, especificavam o que os alunos deveriam alcançar na disciplina de Didática Geral. Entre saber planejar uma aula e 47 saber planejar criticamente, fundamentando suas críticas, ainda era presente a importância dada às técnicas e aos recursos adequados como forma de se dar uma boa aula. Diante disso, percebe-se que na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília entre os anos finais da década de 1960 e início da década de 1970, as mudanças segundo o discurso oficial que se tinha em torno de uma renovação dentro do campo da Didática foram se penetrando lentamente dentro do curso de pedagogia. As primeiras mudanças mais notórias com relação aos objetivos da Didática Geral nessa universidade começam a serem observadas no ano de 1976, onde um dos programas de ensino começam a dar sinais de que era preciso atribuir um sentido mais social à disciplina de Didática. Figura 11 - Programa de ensino de Didática da FFC/Unesp/Marília - 1976 Continua... 48 Continua... Continua... 49 Continua... Fonte: Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília, da FFC/Unesp/Marília. Ao analisar o programa de ensino acima, já é possível notar a preocupação em dada formação centrada na reflexão sobre os problemas educacionais daquela época, ou seja, numa formação capaz de proporcionar condições para que os alunos se apropriassem de estratégias de atuação, mediante os percalços futuros em suas atuações como professores. No ponto 2.3 dos objetivos específicos, os alunos deveriam ser capazes de reconhecer os fundamentos científicos da atuação do professor e suas possibilidades de pesquisa e experimentação em classe. Todos esses pontos indicam uma preocupação em gerar um sentido mais crítico nos alunos, dessa forma também, atribuindo um caráter já mais fundamental à Didática, que já começava a abandonar seu caráter técnico dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília em meados da década de 1970. Nesse mesmo ano e nesse mesmo programa de ensino, e ao encontro com essas mudanças, já se pôde contar com autores brasileiros, compondo o campo de conhecimento da Didática, como se observa: 50 Figura 12 – Bibliografia do programa de ensino da disciplina de Didática da FFC/Unesp/Marília - 1970 Fonte: Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações da Unesp/Marília, da FFC/Unesp/Marília. 51 Pode-se observar, que nesse ano, os professores responsáveis pela cadeira de Didática Geral na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília – N. B., M. C. F. A. e S. G.- já traziam em sua bibliografia as contribuições de Amélia Domingues de Castro, uma das pioneiras em estudos sobre a Didática no país. Entrecruzando autores estrangeiros e brasileiros, S. G., menciona alguns autores como referências para a formação de professores na área da Didática que eram por ela utilizados. Segundo ela “[...] eram várias as fontes que recorríamos como Dermeval Saviani; Piaget; as publicações da UFMG, que por sinal eram muito consultadas na época; Luckesi e outros”. Ainda, S. G. afirmou que: [....]recomendava muito as publicações da revista ANDE, muitos textos de professores da área como Cipriano Carlos Luckesi, Magda Soares e alguns outros da UFMG. Tinha também Dair Ally Franco de Camargo que era da Usp; Louis Raths; Hans Furth; Paulo Freire e outros também. Desse modo, é possível concluir que, mesmo sem um campo de conhecimento ainda consolidado, a Didática na FFC-Unesp/Câmpus de Marília, já começava, nesse período, a caminhar em busca de seu caráter mais fundamental, mesmo que ainda somente embasada pelas influências da Psicologia, como citou S. G. em seu referencial teórico. 3.2 A Didática nas matrizes curriculares: diálogo e dissonâncias Dentre os documentos legais, foram encontradas também as matrizes curriculares do curso de Pedagogia das Faculdades Unicamp e USP. A partir de uma análise comparativa das matrizes curriculares, observa-se que, diferentemente do Curso de Pedagogia na Unesp de Marília, a Didática na Unicamp na década de 1977/78/79 aparece como disciplina obrigatória no currículo pleno do curso de Pedagogia conforme a figura da sequência: 52 Figura 13 – Aspectos da matriz curricular do Curso de Pedagogia da Unicamp – catálogo 1977/78/79. Continua... 53 Continua... Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações, da FFC/Unesp/Marília (grifo do autor) Ainda, numa análise comparativa, a Didática é encontrada no curso de Pedagogia da USP no ano de 1979, também como disciplina, ainda que no âmbito das habilitações, conforme figura 14: 54 Figura 14 – Matriz Curricular do Curso de Pedagogia da USP – 1979. Continua... 55 Continua... Continua... 56 Continua... Fonte: Acervo da Seção Técnica de Comunicações, da FFC/Unesp/Marília (grifos do autor) Conforme consta na matriz curricular do Curso de Pedagogia da USP, no ano de 1979, a disciplina de Didática não integrava a formação básica geral do curso, mas sim eram 57 disciplinas obrigatórias somente nas habilitações em Administração Escolar e Inspeção Escolar, Orientação Educacional e Ensino das Disciplinas e Atividades Práticas do Curso Normal e habilitação em Supervisão Escolar e Ensino das Disciplinas e Atividades Práticas do Curso Normal. Vale ressaltar que na matriz curricular do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação do “Campus” Universitário de Marília no ano de 1979, a Didática não aparece como disciplina obrigatória em nenhuma das habilitações oferecidas, diferentemente da matriz curricular do curso de Pedagogia da USP, onde, mesmo não integrando o tronco comum do curso, era oferecida no âmbito das habilitações. Na Unicamp, assim como na Faculdade de Educação, Filosofia, Ciências Sociais e da Documentação do “Campus” Universitário de Marília, a Didática fazia parte da formação geral básica do curso de Pedagogia em ambas, mas constituiu-se como disciplina apenas na matriz da Unicamp, diferentemente, da Didática na matriz na Unesp, onde a Didática aparecia como matéria. Portanto, ainda que mediante uma breve análise, é possível afirmar que as mesmas indefinições sofridas pela Didática como campo de conhecimento e ou disciplina, indefinições essas que perpassaram momentos da trajetória histórica da Didática no Ensino Superior, pareciam estar presentes no Curso de Pedagogia da Unesp, até a década de 1980. A ideia que surge, mediante uma leitura das matrizes anteriormente apresentadas, é a de que no curso de Pedagogia da Unesp de Marília havia a certeza da importância da Didática como matéria na formação de professores, porém, com a indefinição de que, na matriz curricular, disciplinas com tal rubrica deveriam disputar espaço. 3.3 Didática: busca pela definição das suas “finalidade de objetivo” Mantidas ou não tal indefinições no campo da Didática, o fato é que, pelo que as matrizes curriculares indicavam, tanto a Usp, quanto a Unicamp, nos cursos de Pedagogia dessas universidades, no mesmo período que esse curso na Unesp, já havia dada clareza da importância de se resguardar nas matrizes curriculares, espaço das disciplinas de Didática. Tal clareza observada pelas leituras das matrizes dos cursos de Pedagogia da USP e da Unicamp pode ser justificada considerando-se que, a partir de 1970, com a expansão dos 58 programas de pós-graduação pelo país, o campo da Didática ganha mais espaço nas discussões dos pesquisadores da educação, pois as pesquisas desenvolvidas nesse campo aumentam em número e legitimidade (GARCIA, 1994). Mas, também, a diferenciação de tratamento e espaço conferidos à disciplina de Didática nas matrizes dos cursos apresentadas anteriormente, podem, ainda, serem analisadas à luz de um outro processo vivenciado pela Didática. Segundo Garcia (1994), reafirmando a expansão das pesquisas em Didática, Vera Maria Candau, então pesquisadora dessa área, retorna ao país no final da década de 1960, trazendo consigo o movimento da tecnologia educacional e impulsionando as pesquisas na área da Didática. A propósito, Vera Maria Candau, umas das professoras entrevistadas por Garcia (1994), assim relatou: Ela [a Didática] foi conquistando o espaço porque ela começou a ter produção, ela começou a publicar, os alunos começaram a fazer tese e ela começou a aparecer, a ter visibilidade acadêmica seja nas pessoas, seja na produção, seja na projeção também a nível nacional [...], pela pesquisa e tal. Então, eu acho que ela foi se afirmando, eu acho até que foi uma época que eu hoje em dia olho e digo: bom, eu acho que a tecnologia educacional é isso, ajudou também a uma conquista de espaço acadêmico e científico para a área da Didática, mesmo que depois tenha sido colocada em questão a perspectiva em que se veio desenvolvendo. No entanto, antes a Didática não aparecia muito não. E a Didática foi criando um corpo, foi criando visibilidade acadêmica, e eu acho isso importante (GARCIA, 1994, p. 150). Vinculada aos avanços da tecnologia educacional, alguns grupos se opuseram a essas ideias e levantaram movimentos de resistência contra sua implantação, o que acabou levando a uma fragmentação e divisão dentro do meio universitário. Tal concepção da tecnologia educacional dividia espaço com a linha dos princípios escolanovistas dentro do campo acadêmico-universitário. Desse modo, teria surgido duas vertentes de pensamento com relação ao papel da Didática na formação de professores. Ainda durante a década de 1970, sob a organização de Amélia Domingues de Castro, foi organizado o I Encontro Nacional de Professores de Didática com o objetivo de reunir forças para a consolidação e a legitimação do campo da Didática no Ensino Superior (GARCIA, 1994). Organizado sob a forma de intercâmbio, o evento já dava indícios da necessidade de um fortalecimento entre os profissionais da área da didática e também de uma maior articulação entre o conteúdo da Didática. [...] os professores levantaram, então, a necessidade de promover estudos que viessem a resultar, entre outros, na definição precisa do campo de estudo da Didática..., na identificação e formulação dos objetivos da Didática e Prática de Ensino, para que se delimite com maior precisão seus conteúdos e 59 formas de atuação e no estabelecimento de um universo de comunicações mais claro dentro do campo da Didática, precisando a sua terminologia. (CASTRO, 1973, p. 154 apud GARCIA, 1994, p.158) Após a realização do encontro, passaram-se alguns anos de silêncio para que acontecessem novos movimentos em favor da discussão e consolidação dos conteúdos do campo da Didática. Garcia (1994) atribui tal silenciamento ao momento político ditatorial, não favorável para se pensar uma Didática crítica, para além do caráter tecnicista, mesmo considerando que durante meados da década de 1970 os intelectuais já buscavam maior independência com relação ao Estado di