1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ALGUMAS TRAMAS URBANAS: GEOGRAFIA, TEATRO E MOVIMENTO HIP HOP COMO LINGUAGENS ,ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES DRAMÁTICAS NO ESTUDO DA SEGREGAÇÃO SÓCIO- ESPACIAL. Luiz Henrique dos Santos Trabalho de Conclusão de Curso – TCC - apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista - Campus de Rio Claro, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Nov - 2010- 2 ALGUMAS TRAMAS URBANAS: GEOGRAFIA, TEATRO E MOVIMENTO HIP HOP COMO LINGUAGENS, ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES DRAMÁTICAS NO ESTUDO DA SEGREGAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL. Luiz Henrique dos Santos Orientador: Prof. Dr. Prof. Dr. Roberto Braga Co-orientadora : Prof. Dra. Profa. Dra. Bernadete A. Caprioglio de Castro Oliveira Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Campus de Rio Claro, para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Rio Claro Estado de São Paulo – Brasil Novembro de 2010 3 Dedicatória Dedico este trabalho a memória de meu pai Luiz Cláudio dos Santos. 4 Agradecimentos Em primeiro lugar agradeço a toda força espiritual e divina que move os dias vividos. Agradeço a toda minha família, em especial a duas pessoas queridas: Luciângela Martins dos Santos, que é minha mãe, e a Leontina Amaral Martins, minha avó materna, mulheres guerreiras que me criaram e me educaram. A minha irmã Layane Aparecida Martins dos Santos, por sua doçura, carinho e compreensão. Aos Amigos Marcos Pavani e Cíntia Campolina pelo incentivo proposto para que eu ingressasse na Universidade. Ao querido Maurício Tardelli, por toda sua inquietação geográfica; Ao querido amigo Pedro Henrique Ferreira Costa, pelo incentivo contínuo para que eu permanecesse na Universidade. Ao querido amigo Dener Toledo Matias, por me mostrar os caminhos da luz e transcendência. A querida amiga Celeste Pieri pelos momentos de euforia e sorrisos; A queridos amigos paulistanos Camila Canuto, Wagner Nostório e Leia Cherif, por me ajudarem a desbravar a periferia com sabedoria e humildade; A professora Bernadete de Castro Oliveira por toda sua criatividade e generosidade; Ao professor Roberto Braga por sua amizade e admiração; Ao Professor Paulo Roberto Texeira de Godoy por sua amizade e admiração; Ao Grupo PET Geografia pelo estímulo científico; A todos os que moraram comigo nas diversas repúblicas; A Moradia Estudantil da Unesp pela troca de experiências; A todos os B. Boys que de Rio Claro, em especial, o B. Boy “Índio”; Ao Luiz Fernando Porfírio, vulgo Kamarão, por toda sabedoria sobre Hip Hop; Ao Cursinho Comunitário da Moradia da Unicamp por me proporcionar o início de uma nova trajetória de vida; A todos os atores que trocaram experiências comigo, nos diversos grupos de teatro do qual participei dirigindo e atuando. A todos os atores que fizeram parte do projeto de Extensão Universitária Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco. 5 Índice 1. INTRODUÇÃO...........................................................................................................06 2. APRESENTAÇÃO DO TEMA..................................................................................08 3. PESQUISA-...............................................................................................................15 4. MOVIMENTO HIP HOP: UMA GRANDE POSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO DAS TENSÕES SOCIAIS ATRAVÉS DO PONTO DE VISTA DA PERIFERIA.....................................................................................................................18 5. A teoria .......................................................................................................................26 6. A prática......................................................................................................................27 7. DO PALCO AO TEXTO............................................................................................28 8. EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: DO EVENTO “CENA ABERTA” ATÉ A PRODUÇÃO DO ESPETÁCULO “ALGUMAS TRAMAS URBANAS......................................................................................................................36 8.1. MOSTRA DO PROJETO ADEMAR GUERRA...................................................38 8.2. ALGUMAS TRAMAS URBANAS.........................................................................41 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................42 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................44 11. ANEXOS...................................................................................................................47 6 1. INTRODUÇÃO O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como objetivo, chamar a atenção para a possibilidade da prática teatral, como uma linguagem diferenciada, no processo de aquisição do conhecimento. Considerando que a prática teatral em sua essência possui um grande potencial criativo,e que essa circunstância inventiva pode colaborar para gerar interfaces entre a teoria e a prática. Neste estudo de caso, iremos analisar o processo de criação coletiva do espetáculo de teatro “Algumas Tramas Urbanas”, que foi produzido no ano de 2009 pela Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco 1 (figura 1) através do fomento da PROEX (Pró Reitoria de Extensão Universitária da Unesp), em parceria com o Projeto de incentivo Teatral Ademar Guerra (Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo). Figura 1: Logotipo da Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco Uma das inquietações que gerou esta pesquisa, foi provocar um olhar referente as tensões sociais contemporâneas que emergem nas lutas de classes, no contexto das periferias brasileiras. O recorte escolhido para expressar esse ponto de vista, foi contar um história de ficção referente a essas relações sociais contraditórias, que acontece nos interstícios entre a elite e os excluídos que vivenciam essa marginalidade, utilizando como estratégia a estética do Movimento Hip Hop. 1 Projeto de Extensão Universitária da Unesp Campus de Rio Claro, desde o ano de 2005. 7 Sempre pensei na possibilidade concreta de que um dia, em uma única oportunidade eu poderia somar a prática dos conhecimentos teatrais que possuo adquiridos ao longo da experiência vivida, com os conhecimentos teóricos que foram transmitidos através da minha formação acadêmica no curso de Licenciatura em geografia . A disciplina de geografia, assim como tantas outras ciências, possui em seu contexto teórico uma quantidade significativa de abstrações, e para estimular a apropriação desses “inquietações geográficas” 2 de uma forma mais interessante e motivadora, utilizaremos o teatro como uma linguagem diferenciada no processo de aquisição do conhecimento: A primeira vista parecem conceitos inconciliáveis: Geografia e Literatura (Teatro) 3 . Porém, quando se aprofunda em leituras em vários idiomas e perspectivas literárias, se constata que estes temas se apresentam muitas vezes imbricados. As relações que se estabelecem entre Geografia e literatura sempre foram necessárias para que as atitudes e o mundo assumissem verossimilhança. (MARANDOLA, JR. E. 2009, p. 490). Neste caso o teatro em si, serviu como linguagem, para aglutinar três pontos de vistas completamente diferentes que embasaram esta pesquisa: 1) GEOGRAFIA E TEATRO (LITERATURA) :A bibliografia que que remete aos conceitos da ligação entre literatura e geografia, partindo do princípio que o gênero teatral é uma obra literária, os conceitos abordados por Eduardo Marandola Jr. (Geograficidade e espacialidade na literatura) foram de suma importância para a reflexão desta pesquisa. 2) GEOGRAFIA E MOVIMENTO HIP HOP: A bibliografia que aborda os conceitos referentes a visão geográfica a respeito do movimento hip hop, onde foram utilizados os conceitos abordados pelos geógrafos Marcelo Lopes de Souza (Planejamento Urbano e Ativismos Sociais) e Lurdes Carril (Quilombo, Favela e Periferia). 3) TEATRO E EDUCAÇÃO: Sobre a bibliografia referente a teatro e educação foram utilizadas as obras dos arte educadores Viola Spolin, Ingrid Dormien Koudela, Maria Lúcia Puppo, Ricardo Japiassu e Robson Carlos Haderchpek. 2 A palavra inquietação está fazendo alusão a toda discussão que é inerente a ciência geográfica. 3 Inserção do autor, o teatro não deixa de ser uma ramificação da literatura, como gênero literário. 8 2. APRESENTAÇÃO DO TEMA O interesse e curiosidade em estudar teatro, é resultado de um processo pessoal que adquiri em consequência da minha participação em alguns “Cursos livres de teatro” somados a minha participação em “Projetos de extensão Universitária”, realizados nas cidades de Pirassununga (figura 2 e 3) Araras, Campinas e Rio Claro, entre os anos de 1997 e 2009, sendo impossível desassociar o autor de seu objeto de pesquisa. Figura 2: o primeiro espetáculo de teatro em que atuei, “Jacques ou a Submissão” do autor Eugene Ionesco, apresentado em 1998, pelo grupo “Boi de Botas” no Campus da USP, Pirassununga-SP. Figura 3 : OS SALTIMBANCOS, de Chico Buarque de Hollanda, O primeiro espetáculo que dirigi, com a Cia. Teatral Dacontadorecado, 2001, Pirassununga-SP. 9 Comecei muito jovem a estudar teatro, precisamente aos 17 anos de idade, quando o teatro me fascinou logo de imediato, por conta da possibilidade de transformação e movimentação de energia que provoca na vida das pessoas. As experiências pessoais que tive com os grupos de teatro amador, foram logo somadas com as vivências permitidas e possibilitadas a partir da vida acadêmica, iniciada em 2005, com o curso de graduação em Geografia. A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. (LARROSA, p. 21) Não há como desconsiderar o artista que está por trás da obra de arte. Nossa trajetória de vida influi diretamente na forma como vemos o mundo, na forma como agimos dentro dele e na forma como nos relacionamos com as pessoas. (HADERCHPEK, p. 11) Através do conhecimento da estrutura burocrática da Universidade, que é dividida entre Ensino, Pesquisa e Extensão, logo me apropriei também dessa burocracia que também interferia nos meus direitos e deveres enquanto estudante universitário, e tive a iniciativa de propor no ano de 2005, a criação de um projeto de Extensão inédito, que foi “batizado” por mim com o nome de Cia Teatral Bumba-Meu-Baco. O grupo iniciou suas atividades no ano de 2005, subsidiado oficialmente com fomento da Proex (Pró Reitoria de Extensão Universitária) a partir de 2006, com orientação da Profa. Dra. Bernadete de Castro Oliveira, produzindo diversos espetáculos ao longo de sua trajetória, conforme demonstra as figuras 4,5,6 e 7. Figura 4: Primeiras oficinas de teatro realizadas em 2005. 10 Figura 5: Apresentação da Peça “Na Roca” – Centro Cultural Roberto Palmari – Rio Claro –SP, 2006 (Em cena, Harryson Roberto de Oliveria, Luiz Henrique dos Santos E Tiago Salge Araújo) Figura 6: Apresentação da Peça “Tronodocrono”- Anfiteatro do Instituto de Biociências- Unesp, Rio Claro-SP, 2007. (Em cena Leandro Carneiro, Graziele Muniz, Julia Jacomini e Tiago Salge Araújo). Figura 7:Apresentação da Peça “A Margarina”- Teatro Municipal de Dracena-SP, 2008 (Em cena Rafael Magno, Luiz Henrique dos Santos, Lesley Silva, Laura Alves, Stefanie Fenceslau, Iaci Teixeira) 11 O que moveu esforços para concretizar a produção de um espetáculo que somasse os elementos da ciência geográfica com a representação cênica , foi a abertura do Edital para seleção de grupos teatrais que receberiam orientação artística pelo projeto Ademar Guerra (figura 8) no ano de 2009, fomentado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. O objetivo do presente edital, era selecionar grupos teatrais sediados nas cidades do interior, litoral e região metropolitana do Estado de São Paulo (exceto capital), com a finalidade de receberem orientação artística durante o ano de 2009. Figura 8 Cartaz de divulgação do Projeto Ademar Guerra Edição do ano de 2009 Relatar aqui a compilação dos dados de nossos resultados obtidos, propõe para além da divulgação científica, que seus leitores tenham uma visão otimista da educação, tendo como ponto de partida as experiências acumulativas propiciadas pela apreciação/criação artística do Teatro na Educação. Neste caso em específico, quando nós educadores, nos permitimos em nossas práticas docentes incluir, experimentar, pesquisar, praticar ou multiplicar nosso fazer teatral como uma outra possibilidade de linguagem, tendo como objetivo estimular o educador e pesquisador acadêmico a usar a criatividade, espontaneidade e redescoberta de potencialidades do corpo, atribuições fundamentais que colaboram para a formação e transformação do sujeito. A idéia de teatro na universidade neste caso, é para despertar a consciência crítica de quem se propõe para tal experiência, através do ponto de vista que a arte estimula. Já na antiguidade Clássica, (figuras 9 e 10) filósofos gregos (como Aristóteles e Platão) e romanos (Horácio e Sêneca, por exemplo) produziram escritos nos quais 12 foram tecidas considerações a respeito de aspectos da complexa relação entre teatro e educação. No entanto, o incremento de uma literatura caracterizada como especificamente debruçada sobre o binômio teatro-educação só passará de fato a existir a partir da Segunda metade do século XIX. (JAPIASSU, 2001, p. 24). Figura 9 Máscaras de teatro (comédia) utilizadas na antiguidade clássica. Figura 10 Máscaras de teatro (tragédia) utilizadas na antiguidade clássica. A priori, mesmo que tardio e independente dos resultados técnicos esperados pelo presente trabalho em questão, compactuamos com a idéia geral de que é preciso humanizar a formação que permeia o universo estudantil acadêmico, e nada mais 13 apropriado do que imersão num processo de trabalho e pesquisa que seja vinculado a arte, para permitir que esse objetivo seja contemplado com mérito. O arte-educador Ricardo Japiassu em seu livro “Medotologia de Ensino para Teatro”, tem um posicionamento muito interessante em relação ao ensino modernista e tardio de teatro: “(...) o ensino modernista tardio de teatro, na perspectiva de uma educação emancipadora, necessita então contribuir para que o sujeito se conscientize desse processo de reificação ou coisificação no qual somos todos enredados com o advento da indústria cultural. Assim, o teatro- educador pós-moderno procura intervir pedagogicamente buscando superar a semiformação ou deformação do aluno oferecendo a ele uma autêntica formação cultural.” (JAPIASSU, 2001, p. 15) A inspiração para o uso do teatro e suas formas de representação, é fundamentada na habilidade espontânea que todo ser humano possui em imitar. O elemento chave para se compreender essa habilidade natural que as pessoas possuem, pode ser melhor compreendido quando utilizamos o “Jogo Simbólico”. Segundo SPOLIN (1963 p. 03) , todas as pessoas são capazes de atuar no palco. Todas as pessoas são capazes de improvisar. As pessoas que desejarem são capazes de jogar e aprender a ter valor no palco. E realmente esse conceito de “valor”, proposto por Viola Spolin, que muito chamou a atenção no contexto das esquetes teatrais 4 , que foram produzidas pelos universitários participantes da Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco, e que posteriormente se transformaram no espetáculo “Algumas Tramas Urbanas”, através da orientação artística como suporte, que foi articulada através do projeto de incentivo teatral para grupos amadores do interior do estado de São Paulo “Projeto Ademar Guerra”.5 O teatro é tão transcendental, que ajuda efetivamente as pessoas a se comunicarem melhor com o mundo que as rodeia, e a tomarem iniciativas coletivas que resultam em atividades culturais. É preciso ter em mente que a implementação de uma proposta ludopedagógica, na perspectiva emancipadora do ensino pós-modernista de teatro, necessita articular o fazer teatral espontâneo dos alunos com a apreciação dirigida das manifestações 4 Sketch (por vezes utiliza-se a forma "esquete") é um termo em inglês muito utilizado para se referir a pequenas peças ou cenas dramáticas, geralmente cômicas, geralmente com menos de dez minutos de duração (com tal duração, alguns autores já as consideram como peças propriamente ditas)[1]. São frequentes em programas cômicos de televisão, mas também há casos da sua utilização no cinema ou no teatro e nos cafés-concerto[2]. 5 A Cia. Bumba-Meu-Baco, é um dos 40 grupos de teatro amador do Estado de São Paulo, que foi contemplado com a orientação artística do projeto da Secretaria de Cultura “Ademar Guerra”. 14 espetaculares cotidianas e extracotidianas, o que equivale dizer que a apreciação não deve se resumir a fruição intragrupo das soluções estéticas apresentadas pelas equipes em resposta aos desafios cênicos propostos à turma pelo professor. (JAPIASSU, 2001, p.16). Nesta ocasião essa proposta de experiências artísticas, será vivenciada, sob a luz da importância das vivências corporais para o processo de desinibição atrelado ao processo de desenvolvimento afetivo, cognitivo e criativo dos alunos, priorizando sempre o trabalho em grupo. A idéia do teatro na universidade neste caso, é para auxiliar os alunos a terem uma vida mais saudável e desinibida, despertando sua consciência crítica através do ponto de vista que a arte estimula, trabalhando com exercícios de expressão corporal e de criatividade . Com o propósito de chamar a atenção sobre a importância do uso de atividades interdisciplinares na educação, esse trabalho enfoca algumas propostas de experiências educacionais e artísticas vinculadas à instituição de ensino superior. Geografia e espaço não são sinônimos, mas a ciência geográfica centrada no espaço possui conceitos e um método que produz um discurso sobre o espaço que se abre ao diálogo interdisciplinar. Por esta via, muito se tem discutido a partir das noções de território, lugar, paisagem e região, tanto em sentido conceitual, quanto metafórico. (MARANDOLA, JR, E. 2009, p. 488) 15 3. PESQUISA- TEORIA VERSUS PRÁTICA No período de abril a novembro de 2009 foram realizados um total de 32 encontros “potencializadores” do Projeto Ademar Guerra. Esses encontros eram quinzenais, entre os atores da Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco6, o diretor do grupo7, e a orientadora artística.8 Abaixo apresentaremos a tabela com os dias em que as atividades aconteceram com o embasamento da “Orientação Artística”, na ocasião a Cia. Teatral Bumba-Meu- Baco, era componente da “Região 01” do Projeto Ademar Guerra, coordenada regionalmente pelo ator Paulo Barcelos. Tabela 01: Cronograma de Orientação Artística do Projeto Ademar Guerra. Grupo: Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco Cidade: Rio Claro Orientador: Fernanda Martin Baptista de Faria Dias de orientação: Quintas e sextas abril maio junho julho agosto setembro outubro novembro Quinta e sextas Quinta e sextas Quinta e sextas Quinta e sextas Quinta e sextas Quinta e sextas Quinta e sextas Quinta e sextas 02 e 03 07 e 08 04 e 05 02 e 03 06 07 03 e 04 01 e 02 05 e 06 16 e 17 21 e 22 18 e 19 16 e 17 20 e 21 17 e 18 15 e 16 19 e 20 Tabela 2: Síntese das atividades práticas referentes a Orientação Artística nas oficinas de teatro. Horário Atividade das 14h as 15:30h realização do trabalho de partitura corporal, através do alongamento e aquecimento 15:30h as 17h -realização de improvisos com os temas que foram selecionados pelo grupo de dramaturgia; -Debate final sobre o processo com os atores, diretores e orientadora artística; 18:30h as 22:30h Orientação artística com o diretor do grupo; 6 Em geral alunos dos cursos de graduação em geografia, física e matemática. 7 O autor desta pesquisa. 8 Na ocasião, nossa orientadora artística foi a atriz Fernanda Faria, que é graduada em artes cênicas pela ECA- USP. 16 Partindo da premissa da característica potenciliadora fornecida pela orientação artística do projeto Ademar Guerra, foi permitido desencadear uma série de eventos que geraram organicamente o desenvolvimento desta pesquisa referente ao processo de segregação sócio espacial, e que também convergiu na montagem de uma peça de teatro baseada nas pesquisas teóricas e reflexões promovidas por esse grupo de pessoas dispostas a contar uma história de ficção, inspirados nestas tensões sociais que emergem no contexto das lutas de classes dentro e fora da periferia. Neste sentido da “contação de história” através de uma obra de ficção, é necessário enfatizar que , as classes dominantes contam a história do modo que lhes convêm. Porém, para transformar a nossa realidade, precisamos começar a olhá-la com outros olhos. E a questão da historicidade da cena pode nos ajudar a atingir um distanciamento crítico frente à mesma. (HADERCHPEK p. 34), portanto vale lembrar que (...) o valor narrativo (o contar a história) sempre teve prevalência sobre o descrever ou representar o espaço. Reflexo de nossa tradição ocidental, onde o tempo prevalece sobre o espaço, na literatura prevaleceu, à medida que se consolidou enquanto um campo autônomo, o fio narrativo, deixando ao espaço um papel de palco, de adorno a história. (MARANDOLA, JR,2009, p. 489) Os atores participantes do processo Adam Rudnik, Camila Canuto, Daniel Calderaro, Fernando Ortolano, Gabriela Bortolozzo e Josiana Lima 9 (figuras 11 e 12) se propuseram a alavancar a pesquisa, participando de oficinas livres de teatro, com encontros semanais com duração de 4 horas de atividades. Figura 11: Ensaio a partir das primeiras cenas escritas coletivamente 9 Os alunos participantes do processo em sua maioria eram do curso de Geografia, Matemática e Física da Unesp Campus de Rio Claro- 2009. 17 Figura 12: Ensaio a partir das primeiras cenas escritas coletivamente Para a aplicação da proposta de encenação 10, foi eleito o processo de pesquisa intitulado “Hip Hop em Cena” (figura 13), executado no ano de 2009 no período de abril a novembro pelo projeto de Extensão Universitária Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco do Campus Unesp Rio Claro. Figura 13 Equipe do Projeto Hip Hop Em Cena (Unesp) juntamente com o Coordenador Regional do Projeto Ademar Guerra, ator Paulo Barcelos e a orientadora artística Fernanda Faria. 10 É um hábito muito comum nos editais de fomento, que os proponentes tenham que elaborar uma proposta de encenação para validar se possui condições de executa-la concretamente na prática. 18 4. MOVIMENTO HIP HOP: UMA GRANDE POSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO DAS TENSÕES SOCIAIS ATRAVÉS DO PONTO DE VISTA DA PERIFERIA. Colocar o Movimento Hip Hop em evidência para a apreciação da comunidade acadêmica, sempre foi uma idéia que levei comigo durante minha permanência no espaço da Universidade, por conta de toda riqueza que esse movimento artístico, político e social representa e pode contribuir para a formação dos geógrafos e educadores de um modo geral. A existência da periferia nas cidades é um fato, seja ela uma metrópole, ou uma pequena cidade interiorana, muitas vezes a sua existência acaba sendo justificada por um desenvolvimento urbano-industrial que provocou uma aceleração das migrações regionais, durante os anos 1950, 1960 e 1970. Milhões de pessoas transferiram-se para o eixo Rio-São Paulo, atraídas por uma inédita oferta de empregos, gerada no seio de uma rápida industrialização, o que também levou a uma urbanização caótica. Nesse contexto podemos entender os mecanismos de surgimento das comunidades periféricas, que é o cenário principal para atuação dos ativismos sociais contemporâneos. A questão central é a presença de um contingente de pobres na cidade vivenciando longos períodos de exclusão. Verificamos que eles tem sido, quase sempre os mesmos, desde a escravidão. (Carril, 2006, p.33) Julgamos ser de extrema importância discutir com a população geral os assuntos propostos e abordados pelo movimento Hip Hop. Com uma trajetória significativa com mais de 30 anos de existência o Movimento Hip-Hop foi articulado também no Brasil, conquistando proporções homéricas nas periferias das cidades. Todos os elementos desse movimento foram também apropriados, ganhando a essência do povo brasileiro através da produção do Rap nacional. As bandas de rap brasileiro, através de suas composições musicais fazem uma denúncia muito forte em relação a um dos maiores problemas de ordem social do Brasil: a segregação sócio-espacial. Pode-se afirmar que São Paulo é o principal centro irradiador do hip hop no Brasil, onde grupos como Racionais MCs, Sistema Negro, DMC, Câmbio Negro, MRN, Pavilhão 9 são expressivos na indústria fonográfica. Existem várias produtoras e selos independentes dedicados basicamente a esse gênero musical (HERSCHMANN, p. 189). 19 A partir do fragmento11 da letra de rap, da banda Racionais Mc’s, Periferia é Periferia podemos comprovar um ponto de vista muito peculiar que vem do próprio espaço vivivdo: Este lugar é um pesadelo periférico Fica no pico numérico de população De dia a pivetada a caminho da escola À noite vão dormir enquanto os manos \"decola\" Na farinha... hã! Na pedra... hã! Usando droga de monte, que merda! há! Eu sinto pena da família desses cara! Eu sinto pena, ele quer mas ele não pára! Um exemplo muito ruim pros moleque. Pra começar é rapidinho e não tem breque. Herdeiro de mais alguma Dona Maria Cuidado, senhora, tome as rédeas da sua cria! Fudeu, o chefe da casa, trabalha e nunca está Ninguém vê sair, ninguém escuta chegar O trabalho ocupa todo o seu tempo Hora extra é necessário pro alimento Uns reais a mais no salário, esmola do patrão Cuzão milionário! Ser escravo do dinheiro é isso, fulano! 360 dias por ano sem plano se a escravidão acabar pra voce vai viver de quem ? vai viver de que ? o sistema manipula sem ninguém saber A lavagem cerebral te fez esquecer que andar com as próprias pernas nao é dificil nas ruas áridas da selva eu já vi lágrimas, suficiente pra um filme de guerra (...) Periferia é periferia. Periferia é periferia. \"Milhares de casas amontoadas\" Periferia é periferia. \"Vacilou, ficou pequeno. Pode acreditar\" Periferia é periferia. \"Em qualquer lugar. Gente pobre\" Periferia é periferia. \"Vários botecos abertos. Várias escolas vazias.\" Periferia é periferia. \"E a maioria por aqui se parece comigo\" Periferia é periferia. \"Mães chorando. Irmãos se matando. Até quando?\" Periferia é periferia. \"Em qualquer lugar. É gente pobre.\" Periferia é periferia. \"Aqui, meu irmão, é cada um por si\" Periferia é periferia. \"Molecada sem futuro eu já consigo ver\" Periferia é periferia. \"Aliados, drogados, então...\" Periferia é periferia. \"Deixe o crack de lado, escute o meu recado.\" 11 Uma das características marcantes das letras de rap, é que em sua grande maioria são extensas, em forma de narrativas. 20 Tendo em vista a letra de rap apresentada, podemos perceber que a segregação sócio-espacial é um fenômeno típico do meio urbano, pois ela consiste numa separação social e espacial conforme determinados níveis de renda, e consequentemente seus agrupamentos relativos. Atualmente as principais áreas de concentração humana são os espaços urbanos. No Brasil atualmente, na região sudeste, no Estado de São Paulo, de forma mais acentuada, é nítida a manifestação do Movimento Hip-Hop nos setores e bairros periféricos das cidades. É interessante ver o posicionamento que alguns geógrafos possuem sobre esta questã, CARRIL, em seu livro “Quilombo, Favela e Periferia”, tece um comentário bastante pertinente a esta situação, vejamos: Abordei a manifestação rap como forma de linguagem que comunica a realidade sobre e a partir de um território na metrópole segregada. Entendo que suas letras confontram o segregado à própria exclusão que lhe é impinginda, mas a questão é: ao mesmo tempo, elas podem se inserir na indústria cultural? Em uma sociedade de consumo de massas, a arte representada pela música não deixa de ser uma mercadoria, um produto a ser consumido. CARRIL (2006, p.179). A conjuntura na qual surge o hip hop caracteriza-se por uma série de lutas pelos direitos civis e políticos por parte dos negros americanos, que continuando as lutas iniciadas nos anos 60, combatiam um sistema de segregação social, étnica e residencial ( SOUZA e RODRIGUES, 2005. P. 100). Mesmo sendo uma manifestação tipicamente periférica das metrópoles, associado as culturas de massa, tal fenômeno cultural já está inserido no contexto de cidades médias (figuras 14 a 17) , mas com diferentes formas de intensidade na própria manifestação que não é efêmera, e ainda possui boas possibilidades de se tornar um movimento social mais abrangente, com muita força para transformar de forma positiva o cotidiano das comunidades que vivenciam essa ideologia, e suas práticas culturais e artísticas. (figuras 13 a 16) 21 Figura 14 Fórum de Hip Hop do interior de São Paulo- Campinas 2009, prática de DJ. Figura 15:Fórum de Hip Hop do interior de São Paulo- Campinas 2009, prática de DJ. Figura16: Fórum de Hip Hop do interior de São Paulo, Campinas 2009, prática do graffite. Figura 17: Desenho/ esboço de uma prática cultural – Break 22 Em sua própria essência o Movimento Hip Hop é inerente aos processos de periferização e metropolização no Brasil, ou seja um assunto muito amplo. Uma peculiaridade de nosso projeto inicial era produzirmos nossa própria dramaturgia 12, e toda essa “amplitude” que o tema Hip Hop propicia, nos fez refletir inúmeras indagações correlatas ao modo de vida das periferias, e nos auxiliou a pensarmos qual seria o caminho mais coerente, para que um grupo de Teatro Universitário pudesse percorrer, para melhor contar uma história de ficção que é tão distante de suas realidades vividas. Um dos caminhos para responder a essa pergunta, de qual seria o melhor recorte para contar essa história de ficção, foi pensar nas tensões das relações sociais que se reproduzem constantemente nas periferias, por conta do processo de segregação sócio- espacial, a figura 18, foi uma das inspirações iniciais para os primeiros improvisos realizados pelo grupo de teatro: A intenção desse processo foi revelar que através dos mecanismos de globalização que o homem popular da periferia brasileira é um grande protagonista das lutas de classes, articulando suas reivindicações em escalas locais e globais. Falando em globalização e segregação socioespacial de acordo com HADERCHPEK, podemos considerar que Talvez o maior problema da humanidade neste momento, é que ela não compreende o mundo ao seu redor, ou porque não dizer, compreende de forma equivocada. Nos fazem acreditar que vivemos num mundo maravilhoso, onde as guerras e os assassinatos são obra de pessoas más, que praticam o “terrorismo” e que tentam desequilibrar a nova ordem mundial. Não enxergamos a violência e as guerras como reflexo de um processo histórico, o homem ainda está preso nas concepções românticas do séc. XIX. E em vista de não compreender o mundo à sua volta, o homem não consegue mais agir criticamente dentro dele. Tudo o que surge como uma “novidade” passa então a ser considerado bom, pois vivemos na era do desenvolvimento tecnológico. E assim, as modas, os “jeitos” de dançar, de se vestir, os tipos de música em voga, tudo é rapidamente assimilado por uma população que deixou de ter referenciais concretos para se apoiar em tendências flutuantes. (p. 35-36). Assim como a economia globalizou-se (figura 19) , a cultura também, assumiu conceitos a partir de sua reinterpretação. A linguagem Hip-Hop dissemina-se via 12 A dramaturgia no seu sentido mais genérico, é a técnica (ou poética) da arte dramática, que procura estabelecer os princípios de construção de obra, seja indutivamente a partir de exemplos concretos, seja dedutivamente a partir de m sistema de princípios abstratos. 23 indústria de cultura jovem global, a partir de um estilo inconfundível. (CARRIL, 2006, p. 169). Essa proporção de escalas devidamente acompanhada com todos seus respectivos problemas, foi o que mais enriqueceu nossa pesquisa, nos deu possibilidades infindáveis para selecionarmos qual seria o “recorte” que daríamos ao “Hip Hop em Cena”. A organização do trabalho do projeto de Pesquisa “Hip Hop em Cena” , teve como embasamento as leituras realizadas pelo grupo de teatro referentes ao processo de segregação sócio espacial, juntamente com as oficinas de teatro (ver tabelas 2, 3 e 4). Figura 18: Espaço segregado, São Paulo-SP Figura 19: grupo Brô MC´s, fruto de uma oficina de Rap realizada em 2009 na Aldeia Indígena Jaguapirú Bororó, localizada em Dourados–MS. 24 Tabela 2: Literatura da pesquisa referente ao Movimento hip hop Espécie de documento analisado Título/ Autor(es) Observação Livro Sociabilidade Juvenil e Cultura Urbana.Márcia Regina da Costa e Elizabeth Murilho da Silva. A invisibilidade feminina nas (sub) culturas juvenis. P. 111- 148. Livro Planejamento urbano e ativismos sociais/ Marcelo Lopes de Souza e Glauco Bruce Rodrigues. São Paulo: UNESP, 2004. Cap. 5 MTST e hip hop: os “novíssimos ativismos urbanos” (p. 96-114) Livro O Funk e o hip-hop invadem a cena/Herschmann, Michel Atitude consciente(p.185-212) Livro Capão Pecado/ Ferrez Livro todo Livro Hip Hop a Lápis/ Vários autores Da luta surge o Hip Hop (p. 70-71) Tabela no. 3: Literatura da pesquisa referente a teatro Espécie de documento analisado Título/ Autor(es) Observação Livro Improvisação para o teatro/ Viola Spolin; (Tradução de Ingrid Dormien Koudela, Eduardo José de Almeida Amos) A Experiência Criativa (p. 3-18) Livro Dicionário de Teatro Dramaturgia (p. 113-118) Livro Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. BOAL, Augusto (1991). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; A arvore do teatro do oprimido (p. 15-22) Oprimidos e Opressores (p. 23-33) Periódico Sala Preta. ECA-USP Criação coletiva e processo colaborativo: algumas semelhanças e diferenças no trabalho dramatúrgico. (p. 318-325) 25 Tabela 4: Filmes utilizados na pesquisa Data da exibição Nome do filme Observações 15/04 Beat Street Filme precursor sobre o Movimento Hip Hop nos EUA. Ano de produção 1984. O filme mostra os precursores dos bailes com estética Hip Hop nos subúrbios estadunidenses, recheados com altas coreografias, além de toda uma situação de demarcação das posses (vulgarmente conhecidas como gangues); 22/04 Entre nesta dança Aborda a prática da dança no Movimento Hip Hop; 06/05 Antônia Ponto de vista sobre a questão do olhar “feminino” dentro do Movimento Hip Hop. O filme relata a luta de um grupo de mulheres que vive na periferia de São Paulo que tentam alcançar o estrelato com sua banda de Rap. A discussão de gênero é a marca maior do filme. 13/05 Documentário Racionais Mc´s Entrevistas e depoimentos com as maiores figuras da “cena” hip hop brasileira. 26 5. A TEORIA Através da participação assídua no referido projeto e extensão, com todas as leituras, oficinas e discussões que foram fomentadas, registrando, analisando e avaliando o processo de pesquisa e encenação teatral (figuras 20 e 21), a idéia inicial começou a tomar forma. Figura 20: Leitura dos textos teóricos Figura 21: Exercício para escrever as cenas improvisadas 27 6. A PRÁTICA Podemos nos referir as atividades ludopedagógicas (conforme figuras 22, 23 e 24) como uma sistemática de ensino que contempla os processos cognitivos da aprendizagem através de uma metodologia que prioriza a ação espontânea, criativa e autônoma do sujeito (JAPIASSU, 2001). Figura 22:Oficina de teatro, experiência ludopedagógica Figura 23: Oficina de teatro, experiência ludopedagógica Figura 24: Oficina de teatro, experiência ludopedagógica 28 7. DO PALCO AO TEXTO A maioria dos integrantes que compõe a Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco, são estudantes universitários, e para o projeto Hip Hop em cena fluísse, seria necessário a abertura do grupo para uma visão mais externa a esse meio, que permitisse enxergar além de nosso cotidiano hermético. Adotamos como procedimento de trabalho para as oficinas uma equipe articulada ao processo de dramaturgia, que se reunia com antecedência para organizar as oficinas de acordo com as necessidades do processo. Tendo em vista o contexto da maioria dos grupos de teatro, uma prática muito decorrente é que determinado grupo selecione um texto teatral que já foi escrito e publicado anteriormente por algum autor, e faça sua montagem a partir dessa partitura já pronta, mas na ocasião do processo Hip Hop em cena, foi completamente ao inverso dessa lógica, onde nós mesmos criamos nossa própria dramaturgia, partindo do material levantado nas oficinas de teatro que eram posteriormente refinados pelo grupo de dramaturgia. Realizamos diversos improvisos, que foram estimulados pelas mais diversas fontes de inspiração, como por exemplo: letras de Rap, imagens (cartoons, fotografias, filmes, graffitis), textos acadêmicos, pequenos trabalhos de campo na periferia de Rio Claro, entrevistas, debates e discussões com militantes do movimento Hip Hop. (ver figuras 25 e 26) Neste sentido da indução através de experiências que provocam o processo, é muito válida as considerações de PUPPO (2005, p. 32) vejamos: Embora inúmeras variações sejam possíveis, a estrutura básica de uma oficina de escrita costuma partir de um indutor, ou seja, de uma experiência provocadora inicial: palavra, situação, imagem, ou outra qualquer. Em seguida, passa-se à proposição de uma situação do escrita e de um tempo previsto para tal. A finalização ocorre com a leitura dos textos e com a intenção sistematizada entre os participantes em torno da sua produção. Para que essa experiência pudesse ser prazerosa, através dos diversos estímulos indutores, os atores envolvidos no processo necessitavam estar no mínimo dispostos para tais provocações. Em qualquer caso, seja como território de passagem, seja como lugar de chegada ou como espaço do acontecer, o sujeito da experiência se define não por sua atividade, 29 mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura (LARROSA, p. 24) Figura 25: Improviso elaborado a partir de um poema. Figura 26:Improviso elaborado a partir de letras de rap. Foram 9 meses de trabalho intenso, envolvendo oficinas de teatro, pesquisa, discussões, e experimentações das mais diversas: O conceito de experimentação é assim reforçado; todos conhecem os desafios de todos, o que permite a avaliação coletiva. Na medida em que os problemas de jogo envolvem a totalidade dos participantes, aumenta a responsabilidade do público depois das improvisações. Estão reunidas as condições para que as sugestões feitas pelos observadores possam ser testadas em uma retomada do jogo. (PUPPO, 2005, p. 88) 30 Essas reuniões do grupo de dramaturgia foram válidas para que pudéssemos organizar os assuntos e temas que eram improvisados, para enriquecer o processo de encenação e a criação do texto definitivo. A leitura dos “Jogos Teatrais” e “Improvisação para o Teatro”, ambos de Viola Spolin, deram uma perspectiva muito dinâmica para selecionar ou adaptar exercícios que podem ser utilizados nas oficinas. No final de junho, recebemos a visita do coordenador regional Paulo Barcelos (figura 27) juntamente com a orientadora artística Fernanda Faria. A visita foi muito produtiva no sentido de potencializar o trabalho que já vendo articulado pelo grupo junto com a orientadora artística, com muitas sugestões, dicas e críticas sobre o processo de trabalho de um modo geral. Foi sugerido pelo coordenador que utilizássemos uma “outra camada” para deixar o processo mais interessante, nesse sentido várias dicas foram expostas como por exemplo o uso de uma narrativa não linear para contar a história que estávamos escrevendo coletivamente. Figura 27: Os atores Paulo Barcelos (Coordenador Regional do Projeto Ademar Guerra) e a atriz Fernanda Faria (Orientadora Artística do Projeto Ademar Guerra). O cronograma (figura 28) do projeto foi alterado algumas vezes em função da exiquidade da proposta, em relação ao tempo hábil para realizarmos o que havia sido planejado anteriormente, nesse ponto a “prática” é fundamental para rever o foi 31 “teorizado”, mas é na prática cotidiana, que percebemos os indicadores do que está funcionando ou não, para um determinado processo de pesquisa teatral. Figura 28:: Cronograma da orientação artística refeito No final do primeiro semestre, já estávamos com um considerável repertório de leituras executadas, improvisos, inquietações e dúvidas, mas ainda não havíamos feito a escolha por qual caminho contar essa história. Com o início do segundo semestre em agosto, as situações conflituosas começaram a encaminhar para algumas soluções. Um dos trabalhos mais interessantes do ano aconteceu nesse momento, quando foi sugerido pela orientação artística que nos debruçássemos nas questões sobre o “ponto de vista”. Esses exercícios focados na questão do ponto de vista vieram nos esclarecer o fator principal do nosso processo: “quem é que conta essa história?”. Um outro fator fundamental nesse período, foi o estudo do texto “Cena de Rua” de Bertold Brecht. Através dessa leitura nos apropriamos mais ainda de um elemento que já vínhamos usando inconscientemente, mas que não sabíamos exatamente de toda sua funcionalidade cênica: O Coro. (figuras 29 e 30). 32 Figura 29:: Primeiros experimentos utilizando o procedimento do “Coro”. Figura 30: : Primeiros experimentos utilizando o procedimento do “Coro”. Além disso, o texto “Cena de Rua” foi bastante didático para resolvermos um grande dilema nessa montagem, onde até o presente momento todos os improvisos estavam sendo executados a partir de uma estética muito naturalista/realista, em que os atores universitários não estavam dando conta de reproduzirem com prioridade a realidade da periferia, soando uma artificialidade que era notória em suas performances individuais e coletivas, vejamos o posicionamento de BENJAMIN sobre essa questão: 33 O palco naturalista, longe de ser tribuna, é totalmente ilusionístico. Sua consciência de ser teatro não pode frutificar, ela deve se reprimida, como é inevitável em todo palco dinâmico, para que ele possa dedicar- se, sem qualquer desvio, a seu objetivo central: retratar a realidade. Em contraste, o teatro épico conserva do fato de ser teatro uma consciência incessante, viva e produtiva. Nesse sentido o teatro épico vem nos esclarecer que poderíamos fazer uma outra abordagem, utilizando para isso o fator da demonstração . Um elemento essencial da cena de rua consiste na função social da demonstração, o que é indispensável par que um teatro possa ser qualificado de épico. Agora veremos as próprias considerações de Brecht em relação ao teatro épico: “O teatro épico interessa-se pelo comportamento dos homens uns para com os outros, sobretudo quando é um comportamento (típico) de significação histórico-social.Dá relevo a todas as cenas em que os homens se comportam de tal forma que as leis sociais a que estão sujeitos surjam em toda a sua evidência. E, ao fazê-lo cabe-lhe descobrir definições praxísticas dos acontecimentos em processo, isto é, definições que, ao serem utilizadas, possibilitem uma intervenção nesses mesmos acontecimentos. O interesse do teatro épico é, por conseguinte, eminentemente prático. O comportamento humano é apresentado, no teatro épico, como sendo susceptível de transformação e, o homem, como dependente de determinadas condições econômico- políticas, condições que é, simultaneamente capaz de modificar.” (BRECHT, 1999, p. 185)apud HADERCHPEK (p.22-23). Com esse estímulo dos elementos do teatro épico, nosso processo foi tomando forma, e caminhando para uma versão inicial da dramaturgia. O texto foi escrito através de uma técnica chamada “Criação Coletiva”. Muitos grupos de teatro utilizam essa técnica, que consiste em produzir o roteiro a partir do ponto de vista de todos os envolvidos no processo. Falando em criação coletiva, podemos dizer que no contexto do teatro nacional, ganharam destaque, a partir dos anos 1970, as produções coletivas dos grupos Asdrúbal Trouxe o Trombone, Ornitorrinco, Mambembe e Pod Minoga, que inspiraram muitos outros grupos pelo país. (NICOLETE, p. 319) Em nosso processo de pesquisa, as idéias escritas eram levadas para a sala de ensaio, onde foram executadas através de improvisos. Nesse sentido de funcionalidade, algumas ideais foram descartadas e outras aprofundadas levadas para o palco. Isso nos 34 fez refletir que as vezes uma ótima idéia no papel não funciona em cena, pois o teatro não é um discurso, o teatro é ação: Neste tipo de processo, que não é assinado nem pelo dramaturgo nem pelo encenador individualmente, mas pelo grupo, o texto (quando existe) é fixado depois de um período de ensaios baseados em improvisações, onde cada participante propõe encaminhamento, soluções, modificações – a partir de um tema tendo o tema definido no decorrer das pesquisas. Em geral, o ator é elemento central do processo e, a partir de suas improvisações, podem surgir, além do texto, idéias de cenários, figurinos, luz, etc. (NICOLETE, p. 319) O espetáculo “Algumas Tramas Urbanas” foi totalmente pensado a partir da periferia brasileira, que é muito complexa, com todas suas contradições e situações do cotidiano, utilizando como técnica de interpretação alguns desses procedimentos do teatro épico. O teatro de Brecht é um exemplo de luta contra alienação e se há algo que podemos aprender com ele é esta iniciativa de tentar transformar a nossa realidade, e para isso precisamos transformar o nosso pensamento. Com Brecht reaprendemos a olhar o mundo, esta é a genuína essência do teatro brechtiano. (HADERCHPEK, 2005, p.37) Durante os quinze anos que se sucederam à Primeira Guerra Mundial, alguns teatros alemães experimentaram uma forma bastante nova de interpretação, cuja características tipicamente narrativas e descritivas e a introdução de comentários em forma de coro e projeções, lhe valeram o nome de épico. Os partidários desse teatro argumentavam que os novos temas eram incidentes extremamente complexos das lutas de classes. Vale ressaltar que no teatro épico, uma das situações muito utilizadas e valorizadas é a utilização do gestus: “o gestus é signo de interação social. Assim, por exemplo, um homem que vende um peixe manifesta o gestus de vender; um homem redigindo seu testamento, uma mulher atraindo um homem, um policial batendo num homem, um homem pagando dez homens – em tudo isso está um gestus social. Outra característica do gestus é a sua complexidade: seus elementos constitutivos podem ser gestos, expressões mímicas ou palavras, simultânea ou separadamente” (BOLLE,1976, p.394). Apude HADERCHPEK (p. 19-20) 35 Vejamos as considerações que Walter Benjamin tece a respeito do Teatro Épico em sua obra “Magia e técnica, arte e ciência (1966, p. 79): Para seu palco, o público não é mais agregado de cobaias hipnotizadas, e sim uma assembléia de pessoas interessadas, cujas exigências ele precisa satisfazer. Para seu texto, a representação não significa mais uma interpretação virtuosíssima, e sim um controle rigoroso. Para sua representação, o texto não é mais um fundamento, e sim roteiro de trabalho, no qual se registram as reformulações necessárias. Para seus atores, o diretor não transmite mais instruções visando a obtenção de efeitos, e sim teses em função das quais eles tem que tomar uma posição. Para seu diretor, o ator não é mais um artista mímico, que incorpora um papel, e sim um funcionário, que precisa inventaria-lo. Em suma, os procedimentos adotados utilizando as concepções estéticas do teatro épico vieram trazer uma solução muito eficiente para evitar uma artificialidade no que se refere a interpretação cênica dos atores, partindo do pressuposto de que era necessário que esse grupo de atores assumissem que na verdade não eram parte da periferia que estavam tentando retratar no texto, mas sim apenas demonstradores dispostos a discutir em cena todas essas situações das relações sociais contraditórias. 36 8. EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: DO EVENTO “CENA ABERTA” ATÉ A PRODUÇÃO DO ESPETÁCULO “ALGUMAS TRAMAS URBANAS” Um sistema de trabalho sugere que, seguindo um esquema de procedimento, podemos juntar informações e experiência suficientes para emergir com uma nova compreensão do meio com o qual trabalhamos. (SPOLIN, 1979). Através desse novo elemento que surgiu foi possível organizar a demonstração do processo de trabalho desenvolvido durante a orientação, onde executamos nos meses de setembro e outubro uma espécie de “Cena Aberta” (figura 31). Na ocasião apresentamos dentro do próprio espaço na Universidade, numa sala de aula, sempre as quintas-feiras a partir das 22h algumas cenas que já estavam improvisadas, com o intuito de começarmos a recompor essas mesmas cenas com os elementos que foram agregados do teatro épico, foram um total de 4 apresentações em forma de episódios: A morte (17/09) , A carne é fraca (24/09), Ligações Perigosa (01/10), A rádio (07/10). Figura 31: Cartaz do evento “Cena aberta”. 37 O evento “Cena Aberta”foi um caminho muito interessante que o grupo encontrou para experimentar alguns elementos estéticos, em relação a figurinos, cenários, trilha sonora, enfim, foi um termômetro muito rico para colocar em ação o que estava sendo idealizado, mesmo não sendo uma idéia fechada e concluída, mas que convergiu para que repensássemos na funcionalidade de algumas cenas, e que após as apresentações pudéssemos também reescrevê-las, mas agora sob outra perspectiva, com a experiência prática da ação. Figura 32: Apresentação do episódio no. 1 “A MORTE” Figura 33: Apresentação do episódio no. 2 “A CARNE É FRACA” Figura 34: Apresentação do episódio no. 3 “LIGAÇÕES PERIGOSAS”. 38 8.1. MOSTRA DO PROJETO ADEMAR GUERRA Dando prosseguimento ao trabalho de pesquisa/prática, o procedimento adotado através da realização das cenas abertas no campus, foi uma forma de nos prepararmos para poder selecionarmos o que seria apresentado futuramente na Mostra Ademar Guerra (figura 35) , um evento do Projeto Ademar com duração de 3 dias , onde o foco principal era trabalhar a inserção do trabalho do grupo, junto com o orientador no contexto de sua própria comunidade. Figura 35:: Notícia da divulgação da apresentação do Grupo, Jornal da Cidade Rio Claro. Segundo a equipe pedagógica do Projeto Ademar Guerra, a idéia básica do evento seria criar uma espécie de Casa Aberta, Ensaio aberto, um dia de visita, um momento de compartilhamento de Processo, onde o público da cidade pudesse ser recebido no próprio espaço de trabalho do grupo e que pudesse até assistir ou mesmo participar, de alguma atividade conduzida pelo orientador, seguido por uma troca de idéias ou impressões. Na cidade de Rio Claro, a Cia. Teatral Bumba-Meu-Baco, fez parte da Mostra Ademar nos dias 31 de outubro, 01 e 02 de novembro, realizando as seguintes atividades 39 Dia 31/10, das 13h as 21h (Local: Sala de Ensaios do Campus da Unesp) Realização de um workshop aplicado ao grupo pelo orientador, através de uma aproximação sensível de sua experiência como artista e a identidade do grupo. Compartilhamento da experiência artística do orientador, através daquilo que o aproxima do procedimento artístico do grupo. Dia 01/11, das 13h as 21h( Local: Sala de Ensaios do Campus da Unesp) Preparação da atividade aberta que foi compartilhada com o público no ultimo dia da mostra. Dia 02/11, das 13h as 18h( Local: Sala de cinema do Centro Cultural Roberto Palmari) Realização da atividade aberta, que foi realizada ao mesmo tempo, no mesmo dia e horário, por todos os grupos participantes do Projeto Ademar Guerra, um total de 40 apresentações elaboradas pelos grupos em suas respectivas cidades. As atividades do encontro intensivo que antecederam a Mostra foram de muita importância para o grupo, onde realizamos junto com a orientadora artística uma série de exercícios que vieram a somar com nosso processo, nesse caso destacando o exercício de máscara neutra,(figura 36) concentração e de materialização do processo, onde desenhamos croquis e fizemos instalações artísticas em diversificados espaços que esboçavam o ponto de vista de cada um dos atores envolvidos no processo. No processo de elaboração desta pesquisa, foi muito rica a colaboração da atriz Fernanda Faria, que na ocasião sempre procurou demonstrar para nosso grupo novas possibilidades para a concretização de um trabalho coletivo, que permitisse comtemplar nossas espectativas, vejamos aogra um depoimento escrito por ela sobre o encontro intensivo do Projeto Ademar Guerra: Olhos renovados com tantas novas paisagens. Cansados, porém prontos para olhar para dentro. Olharam com profundidade e cada um criou um museu de suas lembranças: cenas descartadas, outras ainda tão vivas no processo de construção de dramaturgia, o caminho que percorremos para chegar aonde chegamos, as descobertas, os jogos, as milhares de perguntas que nos fertilizaram, os problemas que nos rondaram, todas as transformações e lacunas. Um dia muito intenso. No ar a vontade de se lançar e experimentar o novo no compartilhamento com o público. Vamos sair do terreno seguro e que seja prazeroso e transformador! 40 Figura 36: Exercício de máscara neutra realizado no encontro intensivo do Projeto Ademar Guerra. 41 8.2. ALGUMAS TRAMAS URBANAS Após a mostra do mês de novembro, a próxima etapa do processo seria finalizar a sétima versão da dramaturgia, e após isso, realizar os ensaios baseado no novo roteiro, dando também um acabamento na produção do espetáculo com os respectivos grupos de trabalho. A estréia do espetáculo aconteceu na Unesp no dia 11 de dezembro, na cidade de Rio Claro, que na ocasião o intitulamos de “Algumas Tramas Urbanas”. Esse nome foi escolhido porque precisávamos de um nome que falasse em sua essência o que foi nosso processo, ou seja, uma referência ao próprio folhetim novelesco, uma peça com narrativa não linear, onde na primeira cena apresentávamos um problema, e no desenrolar da história esse mesmo conflito vai se desdobrando até ser resolvido, um verdadeiro quebra-cabeças para montar (figura 37). O espetáculo foi reprisado no dia 15 de dezembro na sala de cinema do Centro Cultural Roberto Palmari, na cidade de Rio Claro-SP. Figura 37: Cartaz do espetáculo “Algumas Tramas Urbanas” 42 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS Certamente a articulação entre o Projeto Ademar Guerra e a Cia. Teatral Bumba- Meu-Baco foi de suma importância para o desenvolvimento e amadurecimento desse coletivo de jovens atores amadores dispostos a desbravarem o fazer teatral em sua essência. Tendo em vista a peculiaridade desse grupo, que é um coletivo sazonal de alunos universitários, que em sua grande maioria não prioriza a participação neste projeto de Extensão Universitária em suas vidas, levando em conta também o tempo escasso que sobra para a realização dos encontros, podemos considerar que foi atingido um resultado razoável. Neste caso o teatro em si, como linguagem, serviu como estratégia para a melhor compreensão de algumas inquietações que perpassam no contexto da geografia de uma forma lúdica. As inquietações geográficas referentes aos processos de “Segregação sócio- espacial” e a “produção capitalista do espaço geográfico”, foram demonstrados nesta pesquisa através da linguagem teatral articuladas com o movimento Hip Hop, utilizando para isso exercícios e jogos teatrais de improvisação, onde serão aplicados os recursos ludopedagógicos com a intenção de representar as tensões sociais que emergem neste contexto das lutas de classes. O debate sobre a segregação sócio-espacial é um tema que tem muitas possibilidades de abordagem , por ser uma temática que pode dialogar com vários conflitos que em relação as tensões sociais que movem as periferias. A Geografia, é uma ciência que pode colaborar muito com essa discussão, devido ao seu ponto de vista diferenciado do qual é seu objeto de estudo: o espaço geográfico, Tendo em vista que a produção científica sobre o movimento Hip Hop em sua grande maioria tem diversos trabalhos publicados nas áreas de Artes, Ciências Sociais e Filosofia, ficando nesse caso uma lacuna para a ciência geográfica. Acreditamos que a nossa primeira participação no projeto Ademar Guerra agregou muitos valores positivos em nosso repertório, nos permitindo criar pela primeira vez nossa primeira dramaturgia, onde nela colocamos todos os ideais que acreditamos, e que aos poucos foram se transformando em arte. 43 10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENJAMIN, Walter, (1994) Magia e técnica, arte e política; ensaios sobre literatura da cultura. In:______ Obras escolhidas. 7ª Ed. São Paulo: Brasiliense, vol 1. BOAL, Augusto (1991). Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; CARRIL, Lourdes. Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania. São Paulo: Anablume; Fapesp,. 2006. FELIX, João Batista de Jesus, 2005. Hip Hop: Cultura E Política No Contexto Paulistano. Dissertação de Doutorado defendida na FFLCH / USP. 2005. HADERCHPEK, Robson Carlos.O teatro do dia-a-dia interpretado à luz do gestus brechtiano:“Pixei e saí correndo pau no cu de quem tá lendo...”. – Campinas,SP: [s.n.], 2005. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas Instituto de Artes. HERSCHMANN, Micael. O funk e o hipo hop invadem a cena. 2. ed. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 2005. MARANDOLA, JR. E. OLIVEIRA,, L. de. Geograficidade e espacialidade na literatura. Geografia. Associação de Geografia teorética. V. 34, n.3, Set/Dez. 2009. Rio Claro-SP. Ageteo. NICOLETE, Adélia. Criação coletiva e processo colaborativo: algumas semelhanças e diferenças no trabalho dramatúrgico. S JAPÍASSU, Ricardo Ottoni Vaz. Metodologia de ensino de teatro. Campinas-SP: Papirus, 2001. LARROSA, Jorge Bondia. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. no. 19. 2002. PUPPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Entre o mediterrâneo e o atlântico, uma aventura teatral. São Paulo. Perspectiva. Capes-SP. Fapesp-SP, 2005. SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro/ Viola Spolin; (Tradução de Ingrid Dormien Koudela, Eduardo José de Almeida Amos) São Paulo: Perspectiva: Secretaria da Cultura, Ciência e tecnologia do Estado de São Paulo, 1979. SOUZA, Marcelo Lopes de. Planejamento urbano e ativismos sociais/ Marcelo Lopes de Souza e Glauco Bruce Rodrigues. São Paulo: UNESP, 2004. 44 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA COURTNEY, Richard (1980). Jogo, teatro e pensamento: As bases intelectuais do teatro na educação. São Paulo: Perspectiva. FERREZ. Capão pecado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005 GESSA, Marília. Por uma Poética do Rap. In Língua, Literatura e Ensino. 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SANTOS, Luiz Henrique dos e BRAGA , Roberto - in Mapeamento do Movimento Hip-Hop na cidade de Rio Claro (Artigo apresentado no Espaço de Diálogos e Práticas do XIV Encontro Nacional de Geógrafos- Rio Branco, Acre, 2005). SANTOS, Luiz Henrique dos. O Hip Hop no interior do Estado de São Paulo, o caso da cidade de Rio Claro. I Seminário de Pesquisas e Estudos Negros. IFCH/ IEL. UNICAMP. Campinas. 2006. SANTOS, Luiz Henrique dos. Movimento Hip Hop e a extensão universitária: reflexões sobre a segregação sócio-espacial. II Seminário de Pesquisas e Estudos Negros. IFCH/ IEL. UNICAMP. Campinas. 2007. TONI, C. Hip Hop a lapis, O livro.. Ed. Anita Garibaldi, 2006. CDS: Racionais MC’s (1990); Holoucausto Urbano. Zimbabwe Racionais MC’s (1997): Sobrevivendo no Inferno. Cosa Nostra Fonográfica. Racionais MC’s (2002): Nada como um dia após o outro. Cosa nostra Fonográfica. 45 46 ANEXO 1: TEXTO QUE FOI RESULTADO DO PROCESSO COLABORATIVO “ALGUMAS TRAMAS URBANAS”. 47 A estréia do espetáculo aconteceu na Unesp no dia 11 de dezembro, na cidade de Rio Claro, e foi reprisado na sala de cinema do Centro Cultural “Roberto Palmari” no dia 15 de dezembro de 2009. Argumento Geral do espetáculo: Contexto de relações sociais contraditórias. De onde vem a violência ? De um cara que desesperado comete homicídio por dinheiro, ou dos peixes grandes que dominam o tráfico de drogas? A violência aparece na figura dos anônimos. E a grande violência é camuflada pelas grandes mídias que formam a consciência dos telespectadores na nossa sociedade do espetáculo. Sociedade do ter e não do ser, mediada pelo “Deus Dinheiro” na grande orgia financeira que é o sistema de mercado. Tudo gira em função do dinheiro. Tudo torna-se mercadoria- Um verdadeiro topa tudo por dinheiro. A ciranda financeira de vaidades. Sujeitos querendo “ter” para serem bons. Argumento da rádio: A rádio será uma interferência, um discurso contraditório em meio as cenas. Sua missão trazer informação, alegria e propor uma outra visão ela será o Hip Hop. Com seu tom de denúncia além de alegria representada pela expressão artística do movimento Hip Hop. Elenco: Adam Rudnik (Ernesto, Soldado do Morro e Côro) Camila Canuto (Zeus Deus , Vendedor de Sonhos e MC Locutor) Daniel Calderaro (Dona Esmeralda e Deputado Magno Mensalo) Fernando Ortolano (Vaguininho, Marcão e Côro) Gabriela Bortolozzo (Vadão e Côro) Josiana Lima (Tereza, Soldado do Morro, Mina, Médica Legista e Côro) Luiz Saci (Tião Caminhoneiro, Soldado do Morro e Delegado) Sobre a dramaturgia (o texto) O texto foi escrito através de uma técnica chamada “Criação coletiva”. Muitos grupos de teatro utilizam essa técnica, que consiste em produzir o roteiro a partir do ponto de vista de todos os envolvidos no processo. As idéias escritas são levadas para a sala de ensaio e é executada através de improvisos. Nesse sentido de funcionalidade, algumas idéias são descartadas e outras são aprofundadas levadas para o palco. Algumas vezes uma ótima idéia no papel não funciona em cena, pois o teatro não é um discurso, o TEATRO É AÇÃO! Equipe Técnica: Orientação Artística: Fernanda Faria Sonoplastia e Iluminação: Alexandre Costela Cenário e Figurinos: O grupo Criação da Dramaturgia: Camila Canuto, Luiz Saci, Daniel Calderaro e Gabriela Bortolozzo. 48 Cena 1 :Zeus Deus (Prólogo) (Sai do fundo do plano superior do palco, em forma Imponente e Arrogante Vestido como um Deus Grego. Mais enrolado numa bandeira de $. Zeus Deus. Este é o personagem central. ) Zeus Deus:Calem-se Imbecis !!! Eu sou !!!. Eu sou o Deus dos Deuses – Criado por vós. Atrás de mim. Ninguém é !!!...Querem ser bons , então é bom que sigam os meus mandamentos. (Enquanto Zeus Deus pronuncia seus mandamentos, distribui sacolas plásticas daquelas típicas de supermercados) Zeus Deus (Camila Canuto) Zeus Deus: (Pronuncia os 10 mandamentos do consumo) 1- Mate se for preciso para conseguir aquilo que deseja. 2- Lembra-te de consumir todos os dias e ir ao shopping aos sábados e domingos. 3- Use o seu próximo. 4- Faça com suas próprias mãos o que for preciso. 5- Acredite no poder do dinheiro como quem acredita em si mesmo. 6- Cobice a fortuna alheia. 7- Estabeleça bons contatos sociais. 8- Seja empreendedor. 9- A mentira é um dom, use a seu favor. 10- Divisão Desigual dos Bens, esta é a Lei. - Assim Sereis bons. 49 Cena 2: O Vendedor de Sonhos (Aparece o Vendedor de sonhos personagem tipo camelô vendedor de feira livre). Ele fica gritando) Vendedor de sonhos: Vendo Sonhos !!! Vendo Sonhos !!! Quem quer sonhar ?Quem quer ser ? Vendo sonhos fresquinhos !!! Vendo sonhos caseiros, vindo da cidade de ai meu Deus !!! Quem vai querer? Pode chegando Freguesia. Tenho um sonho aqui que é a sua cara !!! Vendedor de Sonhos (Camila Canuto) (Os atores enfileirados compõe a clássica fotografia de uma fila esperando passar pelo guichê do supermercado) A feira dos sonhos Vendedor de sonhos: - Tenho um sonho aqui pra você !!! Vadão: Eu quero ter uma casa bem bonita lá em cima do morro, quero tudo as pampa com uma piscina bem grande pra encher de mulherada... 50 Vendedor de sonhos: Tenho um sonho aqui pra você também !!! Pega essa metranca e chama na “Taurus”, (entrega uma metralhadora de brinquedo) use ela para conquistar seus sonhos, pode facilitar... Esmeralda: Ai mocinho, eu quero um sonho também...tipo assim,um sonho que seja minha cara...bonita, elegante, com bom gosto, na verdade eu quero voltar a ser rica... Vendedor de sonhos: - Tenho um sonho aqui pra você !!! (Pega um colar de pérolas muito grande exagerado, e entrega para esmeralda) leva no banco central esse colar de pérolas legítimas , você vai tirar uma boa grana nisso, aproveita e faz um seguro de vida. Vaguininho: Rapá, não vai dar brecha e me deixar na mão cara...quero pagar uma de gatão também aqui no morro! Vendedor de sonhos: - Tenho um sonho aqui pra você !!! (pega um carrinho de brinquedo e entrega para Vaguininho) Vaguininho: Valeu ai brother, agora o esquema ta no jeito! ( Em seguida ele canta) “eu só quero é ser feliz andar de BMW na favela onde eu nasci !!! e poder me orgulhar e ter a consciência que sou rico e sei gastar mais eu só quero é ser feliz andar de BMW na favela onde eu nasci !!! e poder me orgulhar e ter a consciência que sou rico e sei gastar” Tião Caminhoneiro: Eu preciso continuar trabalhando meu filho, tenho um monte de boca lá em casa pra sustentar! Vendedor de sonhos: - Tenho um sonho aqui pra você !!! (Pega o caminhão de brinquedo e entrega para Tião), Viaje com segurança pelas imensas estradas desse país! Pode leva tudo, transportar madeira da floresta, traficar animais...vamô levá bagaçu de cana! Não dorme no voltante hein! Depois a gente racha o lucro do trampo... Tereza: Ai que demora viu! Eu que deveria ser a primeira a ser atendida! Vendedor de sonhos: Ta acabando os sonhos !!! Pera ae!!! Tem aqui pra você Tereza: Ai moço, eu quero uma casa! Com água encanada, chuveiro, banho quente! 51 Vendedor de sonhos: Pague a sua casa em 36x de R$ 299,00 sem entrada ... Mais você vai ter que pagar parcelado. (Entrega uma casa de brinquedo feita de plástico para ela) Sabe como é. To te dando um crédito dona... Vendedor de sonhos: - Os últimos sonhos aqui !!! Ernesto: Quero ter um sonho tb !!! Vendedor de sonhos: - Pô maluco !!! Já era !!! Não tenho sonho pra vc não !!! É parceiro você não pode ser bom como eles... Não é pra todo mundo, Sabe como é !!! Ernesto: Poxa, eu não tenho o direito de sonhar? Vendedor de sonhos: Não depende só mim, afinal tem que ter um coitado nessa história. Ernesto: (pergunda para o coro, que está formado em semicírculo em vota dele no plano superior) Coro me fala, me fala, me fala. Porque tem que ser assim Me fala me fala me fala. Porque tem ser assim... Me fala me fala me fala. Porque tem que ser assim... Coro (responde) : Anda coitado sem ter o que fazer - Acorda, levanta sem ter o que comer - Anda coitado sem ter o que fazer - Acorda, levanta sem ter o que comer - Anda coitado sem ter o que fazer - Acorda, levanta sem ter o que comer. (BLACK-OUT) Cena 3: 1º Mandamento “Mate se for preciso para conseguir aquilo que deseja” “Um crime” ( Mulher possessiva e fútil de classe média (Esmeralda) manda assassinar seu marido (Vaguininho) por estar traindo com duas outras mulheres. Contrata o inexperiente (Ernesto) para cometer o crime. A aproximação de Ernesto e Esmeralda é intermediada pelo traficante “Marcão”.. Crime combinado. Crime consumado. Vaguininho estava com cápsulas de heroína em sua barriga. Seria “mula” numa fita de trafico internacional associado por Vadão, que é o maior traficante do Morro do Correria. Vaguininho queria independência financeira de 52 Esmeralda, mulher pela qual se casou por interesse. Na cena do crime corpo no chão. Esmeralda finge estar sofrendo com a morte do marido. Ernesto aparece no velório para certificar-se do crime. Espanto de Esmeralda. Vadão fica sabendo que o seu amigo mula foi apagado e vai cobrar Ernesto a sua mercadoria. O que fazer Ernesto ?) (Black-out, som de vinheta de introdução, ouve-se a Introdução da Rádio Resistência e ousadia, aos poucos o volume do som vai baixando). Mc Locutor: E ae povão, vamo que vamo que é nóis! Mais uma vez no ar a sua, a nossa rádio “Resistência e Ousadia” trazendo muita alegria aqui pra vc do Morro da correria, eu fico com vcs no ar até o meio dia...Vou mandar um salve pra toda a galera da zona norte, zona leste, zona oeste e zona sul, Tô ligado que tem maluco em todo canto da cidade...(Improviso da leitura de “salves” escritos pela platéia na entrada da peça) (O palco está nitidamente dividido em duas partes, de um lado Ernesto do outro Dona Esmeralda, ambos com seus respectivos seguidores em forma de Côro que projeta uma espécie de dança, toca a música da Vinheta da rádio: Ping-Pong) Esmeralda seguida por seu Coro versus Ernesto e seu Coro Esmeralda e seu Coro: Ai, que bom que você chegou... Ernesto e seu Coro: E ai, qual que é a parada? Esmeralda e seu Coro: Eu preciso que você mate meu marido. Ernesto e seu Coro: E qual que é a fita? Esmeralda e seu Coro: Ele tá me traindo...e com duas! Ernesto e seu Coro: Eu to ligado que você é das tia que tem dinheiro...e quando é assim fica caro... Esmeralda e seu Coro: Quanto que você quer? 53 Ernesto e seu Coro: 100 pau Esmeralda e seu Coro: Eu não tenho tudo isso!!! Ernesto e seu Coro (incisivo): 100 pau, metade agora, metade depois do serviço... Esmeralda e seu Coro (em tom de contradição) : Tá, tudo bem... (Os dois lados do Côro se reagrupa, formando um só bloco debaixo de um guarda chuva preto que simboliza o funeral. Fica em cena apenas o marido de dona Esmeralda, conhecido na quebrada como “Vaguininho”, Ernesto em câmera lenta o mata, assim que o corpo cai uma música fúnebre invade a cena mudando o clima) A morte de vaguininho Coro 1: - “Falsa”! Coro 2: “Quanto você quer para matar meu marido?” Coro 3: -“será que eu estou chorando bem?”, Coro 4: -“lágrimas de crocodilo” Coro 5: - Agora que ia me livar dessa vadia Coro 6: - começar outra vida Ernesto (volta para a cena conversando ao celular): Não cara, só vim aqui checar o corpo, firmeza?...logo depois eu já colo ai... (Ernesto sai de cena e se reagrupa ao Côro, nesse momento, entra em cena o temido Vadão, que é o maior traficante de todas as quebradas da cidade). Vadão: (Entra em cena e vai direto dar os pêsames a Dona Esmeralda): Meus sentimentos Dona Esmeralda, meus sentimentos...(em seguida se dirige para o 54 outro lado do palco onde vê a figura de Ernesto) E ai mei, você ficou maluco cara? Ernesto: O que foi irmão, que tá acontecendo? O que você tá fazendo aqui? Vadão: Eu vim aqui resolver essa merda! Quem foi que matou esse bosta? Ernesto: Fui eu irmão! Vadão e seus capangas: (fica enloquecido) E quanto você ganhou pra fazer essa merda? Ernesto: 100 pau você também é da quebrada e sabe o quando que é que nóis cobra por esse tipo de trampo...porque agora tá me perguntando maluco? Vadão e seus capangas: 100 pau, 100 pau??? E quem pediu para mata esse arrombado? Ernesto: A Dona Esmeralda. Vadão: Olha que filha da puta...mas caralho a desgraçada falsa do caralho...tá chorando agora...mas ela que se foda! E você sabe por acaso o tanto de dinheiro que tem enfiado dentro da barriga desse cara? O negócio seu cusão, é que tem 1 kilo de heroína, 1 kg de heroína da purinha na barriga do Vaguininho, que ele tava levando pra mim pra Europa! E você seu filho de uma puta, você não vai deixar enterrar esse cara, porque senão, quem vai estar debaixo de sete palmos de terra logo mais vai ser você! (Vadão sai de cena, e deixa Ernesto preocupado tentando resolver o problema) Ernesto: E agora? O que eu faço, tô fudido e mal pago...já sei... Corô: Não vai conseguir! Não vai conseguir! Não vai conseguir! Não vai conseguir! Não vai conseguir! Não vai conseguir! Ernesto: Espera! (o coro se silencia) O morto se mexeu! Eu vi! Por favor, chamem uma ambulância... (Dona Esmeralda sai do Côro e entra em cena) Dona Esmeralda: (muito nervosa) O que você tá fazendo? Ernesto: Ele mexeu! Tá vivo, para com isso mulher (se atacam, esbravejam, uma pequena confusão) 55 Ernesto não pode deixar que Vaguinho seja enterrado devido a droga escondida em seu estômago. Esmeralda: Enterrem esse morto agora! Ernesto: Por favor (pede ajuda para a platéia e para o Côro) vocês podem me ajudar? (Dona Esmeralda tenta intervir, mas Ernesto dá um empurrão muito forte nela, que sai de cena arrasada) Ernesto: Me ajudem por favor! Ele pode estar vivo! Chamem um médico! (BLACK-OUT) Cena 4: MANDAMENTO Nº 2 “Lembra-te de consumir todos os dias e ir ao shopping aos sábados e domingos” (Restaurante do Shopping de um shopping center, Esmeralda e Vaguininho estão almoçando, o coro forma-se em semi círculo em volta da mesa que é sugerida, todos os integrantes do coro assumem a postura de garçons) Fetiches da mercadoria Coro 1: O que deseja senhor, que deseja senhora? 56 Coro 2; Vai beber alguma coisa? Vaguininho: Eu quero beber um wisky com energético... Esmeralda: Você não aprende mesmo né Vagner, realmente se tornou um alcólatra...que decepção...(Volta-se para o garçom) Eu quero beber uma água com gás, e para comer um filé grelhado de peixe. (Os dois garçons voltam-se de costas para o casal deixando-os continuarem o diálogo) Vaguininho: Eu não sei como te agüento ainda mulher, tu virou uma jararaca, uma peçonhenta que só sabe fica pegando no meu pé...é por isso que eu bebo! Por essa porra de decepção que foi ter te conhecido!!! E o pior agora é que ta falida !!! Nem a grana que era a única coisa que tinha de bom, Você não tem mais hahahahaha !!! Esmeralda: Agora eu é que sou a peçonhenta né...você deveria ter agradecido a Deus por ter me conhecido, pois senão ainda estaria morando naquela favela muquifenta! E deitou e rolou no meu dinheiro. Tá pensando que eu vou pagar suas dividas. Seu drogado !!! Vaguininho: Pois é Esmeralda, seu eu pudesse voltar o tempo atrás, eu garanto que não teria cometido essa maluquice que eu fiz, mas agora que a cagada já foi feita, não to nem ai, vou conseguir a grana da minhas dívidas do meu jeito. Tenho meus parcero. Meu amigo Vadão e eu vamu agitar umas fita ae. Vou pagar minhas dívida e nunca mais quero ver a sua cara estragada e vou continuar fazendo os meus corre pela minha arte, com a amizade do morro ! Esmeralda: Rá, rá, rá! (em tom sarcástico) Aqueles amigos escurinhos lá do morro que você morava???...você acha que aquilo que eles fazem é arte? (referindo-se ao rap) Aquilo que eles cantam, não é e nunca será arte! O aquele bando de marginaizinhos pensam que são, quando eles pegam aquele maldito microfone nas mãos ficam falando aquele monte de gírias rimadas? Vaguininho: Pois é sua ingrata, você parece que não tem memória mesmo , ta pensando que vai cuspir agora no prato que comeu...? ou melhor, naquele prato que te come, né sua safada...(Muito bravo) Você se lembro do dia em que você me conheceu??? Lembra??? Esmeralda: Eu na verdade preferia também esquecer esse dia! 57 Vaguininho: Mas eu não esqueço! Faço questão de te recordar... (muito bravo) eu não esqueço! É Esmeralda..., foi no meu show de rap...você sempre gostou de ter seu pezinho metido na senzala né? Lembra? Do show de rap lá no “Morro do Correria”? (Vaguininho se levanta da mesa e está disposto a reproduzir a cena que está narrando, tudo o que ele conta faz em ação também) Era final de noite já, eu tava lá com os meus mulatinho reunido depois do show de rap, quando surge um carrão com três grãs-finas...(enfatiza olhando e apontando o dedo na cara dela) Né Dona Esmeralda...aquele dia eu lucrei, fiz um adianto de pó e ainda fui dormir na casa das madame... Esmeralda: Naquele dia eu estava muito feliz, tinha acabado de inaugurar minha terceira loja, e precisava de alguns estimulantes a mais para me divertir...Realmente achei melhor ter ficado com você naquela época, afinal era muito mais divertido do que cuidar dos meus cachorros..., eu estava me sentido muito sozinha, e precisava gastar um pouco, quer dizer repartir um pouco com alguém... (Garçom volta para a cena com o prato da refeição, Vaguininho se recompõe e senta novamente, Esmeralda olha para o prato e fica enloquecida) Esmeralda: (falando para o garçom) Seu imbecil, você não anotou meu pedido certo? Eu havia pedido um filé de peixe grelhado!!! E não isso daqui!!! Isso é um absurdo!!! Vocês demoram meia hora e ainda meu pedido vem errado! (dá um verdadeiro escândalo) (Falando para o outro garçom) Pois fique você também sabendo que quando eu venho aqui, eu pago..., e pago muito bem, eu pago na verdade são por esses pequenos detalhes do bom atendimento, entendeu? (Vaguininho fica muito constrangido, olha com muita raiva para Esmeralda, pega o copo que está na bandeja do garçom e toma tudo em um único gole, sai de cena furioso e deixa Esmeralda sozinha em cena) Esmeralda: Pois é seu mau caráter, (falando sozinha na mesa), pensa que vai se dar bem. Com o dinheiro do seguro de vida que fiz no seu nome resolvo dois problemas de uma só vez. Livro-me de você, seu vagabundo e ainda salvo 58 minha loja da falência. Os seus dias estão por um fio, você não sabe do que eu sou capaz ! (levanta furiosa e volta para o coro). Cena 05: MANDAMENTO Nº 3 Use o próximo “O Contato” (Entra em cena Tereza, empregada doméstica que mora no morro da correria, está Ouvindo a rádio na cozinha da casa de Esmeralda) Mc Locutor: (Interferência da Rádio) (Rádio Resistência e Ousadia) Resistência é sintonia que tem a ousadia levar pra periferia informação e alegria Resistência e Ousadia Esta é a sintonia Que vem da periferia Mostrando que a filosofia Também vem do dia a dia Esmeralda (entra em cena gritando): Tereza !!!! Desliga isso menina. Fica ouvindo essas coisas. Isso arranha os meus ouvidos querida ! Vem cá !!! Vc já fez o meu chá ? Tereza: Ai dona Esmeralda acabou chá. Olha a dispensa ta vazia ! Cê qué que faço compra ? Esmeralda : Não querida não precisa ! (Esmeralda se afasta ) 59 (Coro atrás observando. Esmeralda entra pensativa lixando as unhas. Coro fala coisas sobre incerteza). Coro 1: “o que fazer?” Coro 2: “mas será que vou conseguir” Coro 3: “mas não conheço ninguém que pode me ajudar. O que eu faço?!” O coro (Coro atrás continua falando coisas sobre incerteza. Esmeralda continua pensativa e olha para Tereza. O coro atrás fala coisas): Coro 4:“Será?” Coro 5:“A Tereza? Mas ela é tão burrinha, acho que não...” (Esmeralda pensativa olha para a platéia e fala): Esmeralda - A Tereza? Esse povo de periferia sempre conhece o pessoal que faz esses tipos de trabalho. Mas será que a Tereza sabe? Pior que nem sei onde ela mora direito, mas deve ser alguma dessas quebradas cheias de ladrões, assassinos e pra ela conhecer uma dessas pessoas não deve ser difícil. Mas será? (Esmeralda com um sorriso falso, olha para Tereza com um olhar que permeia a simpatia e o interesse). Esmeralda – Tereza querida venha cá, preciso te perguntar uma coisa. Tereza– Espera só um pouquinho dona Esmeralda, acabando de limpar a cozinha já vou. 60 Esmeralda– Que isso, depois vc limpa. Venha cá, puxa uma cadeira e senta aqui comigo não precisa se preocupar. (Tereza insiste em continuar a fazer sua habitual faxina) Esmeralda - Tereza não precisa limpar isso agora. É sério, sente-se aqui comigo um pouco. Não tenha pressa querida. (Tereza senta timidamente, porém com olhar alegre) Esmeralda – Então, a gente tem tanta pouca intimidade né. Sempre quis saber de onde você mora, de suas amigas, gostaria de saber um pouco mais sobre sua vida. Viu comprei uma blusa linda da Calvin Klein. Não me serviu. Vou te dar ela. Relações sociais tensas, a patroa tenda assediar sua empregada para conseguir um matador de aluguel, oferecendo roupas de grife. Tereza – Ai dona Esmeralda... não precisa não dona Esmeralda. A senhora pode trocar a blusa... Mais a senhora quer saber onde eu moro ne ... moro no Morro Correria, a senhora conhece? Esmeralda – Conheço por nome sim, fica meio longinho daqui né? Coro: “Mora mal! Credo” Tereza – Sim, sim, é um pouco longe, mas nem tanto sabe. Com o tempo a gente acostuma. Mas a senhora queria saber de minhas amigas... ah eu tenho minhas amigas de sempre, tem umas que conheço desde criança. Somos muito unidas lá onde moramos. Esmeralda – Nossa que legal Tereza. Eu tenho uma amiga intima assim também, ahh aliás, Tereza, te contar uma fofoca quentíssima. 61 (Tereza olha empolgada para a patroa, que retribui o olhar empolgado, ambas mais próximas para fofocar). Esmeralda – Então menina, essa amiga minha que eu conheço ela está querendo dar um susto no marido dela. Acredita que ela ficou sabendo que está sendo traída pelo marido?! Tereza – Jura?! Dona Esmeralda que terrível! Ela deve estar péssima... (Tereza começa a olhar com desconfiança para Esmeralda. Alguém no coro diz): Coro: “Amiga? Sei que amiga que é” Esmeralda – Então Tereza, ela está morrendo de raiva dele, e me pediu para ver se eu conseguia alguém para dar um susto nele sabe. Daí eu pensei aqui comigo, será que a Tereza não tem uma amiga que conhece alguém que faz alguns tipos de trabalho, mais assim... mais secretos, sabe do que eu to falando? (Tereza olha para Esmeralda com espanto e diz): Tereza – Gente, mas a sua amiga quer fazer macumba?! (O coro faz uma rápida intervenção de uma música que remete a escravidão) Esmeralda – Não, não Tereza. É assim, essa minha amiga queria dar um susto no marido, mas um susto um pouco mais... é... um susto um pouco mais forte sabe? (Esmeralda faz uma arma com os dedos, dando para Tereza entender o que ela quer. Tereza olha com ainda mais espanto e empolgação para Esmeralda, que dá um sorriso também empolgado para Tereza. Tereza com receio fala): Tereza – Ai dona Esmeralda, isso é perigoso! Nossa porque ela não arranja outro marido... Tem tanto homem por ae... Ficar sofrendo por causa de homem pra que. Esmeralda – Então menina, eu te falei que era uma fofoca quentíssima. Eu falei pra essa minha amiga que é perigoso, mas ela pelo visto está 62 determinada. Tereza por acaso vc não conheceria la de onde vc mora alguém que faca essas coisas ? Tereza – Olha Dona Esmeralda, eu não conheço ninguém que faça esse tipo de serviço não. Olha vou limpar la embaixo ! Coro 1: (projetando o pensamento de Tereza) : Coro 2: Essa perua acha que so porque agente mora na favela que agente faz qualquer negocio... Coro 3: Eu não vou mexer com isso... Coro 4: O problema e se ela me mandar embora se não ajudar ela... Coro 5: Qualquer coisa eu arranjo outro emprego... Coro 6: Trabalho nunca faltou pra mim. Continua trabalhando. .. Esmeralda: Essa cretina ta dando uma de sonsa...(Esmeralda pensativa, olha para cima tentando achar alguma solução para seu problema. Um pouco brava e determinada vira-se para a platéia e diz: ) Eu é que vou resolver isso, com minhas próprias mãos! Coro: não vai conseguir não vai conseguir não vai conseguir não vai conseguir (Esmeralda se direciona ao fundo, dirige-se a Tereza, a pega pelo braço e leva para o centro do palco. Com voz séria, olhando Tereza nos olhos, diz: ) Esmeralda – Tereza, preciso que você me leve no seu bairro. Acabei de falar com minha amiga e ela quer essa solução pra já. (Tereza com receio na voz e assustada com a atitude da patroa diz: ) Tereza – Mas dona Esmeralda eu não sei quem pode ajudar a sua amiga, eu não conheço ninguém que faz isso, ninguém que eu conheço sabe! Coro 1: Essa perua ta pensando que eu vou ajudar ela ! ta muito enganada !!! Pensa que eu não saquei !!!! 63 Esmeralda– Certo Tereza, sei muito bem que você não conhece ninguém (com a voz mais alta e brava), mas eu quero que você vá comigo agora! Me fala, pra onde fica seu bairro? Qual nome de lá mesmo? Tereza – Mas dona Esmeralda (voz mais assustada e mais amedrontada), isso não ta certo! Lá onde eu moro as pessoas são boas, não é todo mundo que faz esse tipo de trabalho ou sabe de alguém, e das pessoas que eu conheço ninguém sabe... (Esmeralda interrompe Tereza com ainda mais raiva e diz: ) Esmeralda – Não quero saber, eu quero eu mesma ir lá ver, duvido que lá naquele muquifo não tenha alguém pra fazer esse tipo de trabalho. Eu vou e acho, eu sempre consigo o que quero. Preciso que você me leve lá agora! Coro 2– Mais uma vez ta se fazendo de sonsa Coro 3 – É uma inútil mesmo! Tereza– Mas dona Esme... (Esmeralda interrompe Tereza outra vez, ainda mais impaciente e irritada) Esmeralda – Chega Tereza, chega! Chega dessa ladainha, me fala logo, onde é esse lugar que você mora, que pelo visto eu vou ter que ir sozinha. Tereza – Não sei explicar pra senhora, eu sempre vou e volto de ônibus e só sei os caminhos que ele faz. (Esmeralda fica ainda mais impaciente, mas tentando dosar agora sua irritação, pois Tereza começava a ajudar. ) Esmeralda – Certo Tereza, vou pegar um mapa e você vai me mostrar perto de onde é mais ou menos, ok? Tereza – Certo, mas eu não sei olhar mapa não dona Esmeralda, não sei se vou poder ajudar... Coro 4: Eu não vou ajudar essa perua não. Que que ela ta pensando? Que na periferia só tem assassino !!! (Esmeralda corta Tereza no meio da fala de novo, pega um mapa que tem próximo a mesa, e abre para mostrar para Tereza. Ambas se encaminham para frente do palco: Esmeralda fingindo paciência diz) Esmeralda – Tereza, onde mais ou menos fica sua casa? Perto de onde? Perto de qual bairro? Qual zona da cidade? 64 Tereza – Ai dona Esmeralda, é meio perto da banca do seu José, e acho que fica na zona Sul. Esmeralda quase não consegue mais fingir paciência. Coro 5 – Ela ACHA que fica na zona sul Coro 6 – É muito burra mesmo! Esmeralda – Tereza, preciso que você me fale com exatidão. Fica perto de qual bairro grande? Fica perto de alguma avenida importante? Qual o nome do seu morro mesmo? Tereza – Hum, fica perto da Vila Esperança, avenida grande que tem perto... acho que tem a Av. Marques de Marquesal, e nome do meu morro é Correria. Esmeralda olha com mais interesse para o mapa quando Tereza fala que fica perto da avenida Marques de Marquesal, pois sabe onde fica essa avenida. Esmeralda – Certo, fica perto da Marques de Marquesal então... deixa eu ver aqui no mapa... é aqui Tereza? Esmeralda aponta um lugar no mapa, Tereza diz que sim com a cabeça. Coro – Enfim! Coro1 – Mais um pouco eu ia bater nessa idiota. Esmeralda vai se dirigindo para um dos lados do palco onde o coro vai estar, sem nem dizer obrigado para Tereza. Esmeralda se vira, olha para a Tereza e diz: Esmeralda – Isso fica aqui. Se alguém mais souber onde eu fui hoje e o que fui fazer, eu e minha amiga saberemos onde procurar você e a gente faz o mesmo trabalho com você, entendeu? Hoje EU vou subir o morro! (Tereza olha com pavor para Esmeralda, pega seu pano de limpeza e começa a limpar com mais força do que o necessário. Não olha de volta para Esmeralda e diz com pressa: ) Tereza – Ta certo dona Esmeralda, ta certo. (Esmeralda se junta ao coro.) Coro 2 – Humilha, ameaça o que mais falta essa mulher fazer? Coro 3 – Amanhã eu vou na agencia procurar outro emprego. Tomara que ela se perca ! Se acha muito esperta ! Quero vê ela chega lá ! Chega de humilhação com essa perua !!! Tereza– Eu não quero mais isso pra mim, eu não quero mais! ( Tereza vai para o coro). TROCA DE CENÁRIO 65 Cena 06-MANDAMENTO Nº 4 Faça com suas próprias mãos o que for preciso. Cena Esmeralda vai ao morro procurar um contato (Com os mapas nas mãos, óculos de sol, echarpe em volta da cabeça tentando se camuflar. Esmeralda olha tudo em volta com olhar de desconfiança, medo e nojo. Ela está entrando na favela e logo que começa a entrar no palco se defronta com uma placa com várias direções apontando para vários lugares, sem nenhum nexo, sem nenhuma precisão, começa a introdução da música “De esquina”) Esmeralda desce o morro Coro 1 – Ai, eu sabia que ia ser difícil vir nesse lugar horrível, mas num sabia que ia ser tão custoso assim! Coro2 – Será que eles não conhecem banheiro não? Sente só esse cheiro de xixi! Que nojo! (Esmeralda olha para o público e diz:) Esmeralda – Ai, eu pensava que sei lá, teria alguma indicação de onde achar a direção da boca, mas gente que lugar confuso! (Esmeralda anda pelo palco, meio confusa e sem direção, e encontra algumas crianças jogando futebol, elas rodeiam Esmeralda jogando (crianças são as pessoas do coro). Esmeralda olha com nojo e medo delas, não querendo que elas a toquem. Sai andando mais rápido dali, crianças chutam a bola para a platéia e voltam para o palco. 66 Esmeralda olha para o público e diz: ) Esmeralda – Gente! O que é isso? É um ninho de criança esse lugar? Meu Deus, se eles encostassem aquelas mãos sujas, ou aquela bola em meu vestido lindo da Armani eu matava eles! Ai, que horror! (Anda mais um pouco e encontra um grupo de senhoras conversando, vê que elas começam a olhar para ela com um olhar de desconfiança, disfarça e continua andando. Mulheres são pessoas do coro que se destacaram e depois da cena voltam para o coro.) Coro 3 – Gente, mas eu nunca vou achar onde fica o lugar dos matadores aqui? Esmeralda – Ai, eu achei que era tudo organizado, tinha o lugar dos que vendem droga, o lugar dos matadores, o lugar dos traficantes, dos mendigos, como se fosse um shopping do crime, mas esse povo num tem cara de ser desses! Que falta de organização, falta de planejamento! Esse povo da favela não sabe ganhar dinheiro! Esmeralda – Fora a roupa daquelas mulheres! Esmeralda – Nossa parecia uma conferencia de Terezas Esmeralda - Todas mal trapilhas, com caras sujas, unhas mal feitas... Credo! (Esmeralda) – Acho que ninguém aqui vai me ajudar Esmeralda – Bando de inúteis Esmeralda – Os PMS têm mais é que descer o coro nesses desocupados Esmeralda – Tem mais é que tacar fogo nessa pocilga imunda, cheia de ratos! Esmeralda – Eles nunca ouviram falar de saneamento não? Não sabem que esse esgoto na porta de casa causa doença, além de ter um mau cheiro horrível? Esmeralda impaciente olha para os lados, com raiva e impaciência diz: Esmeralda – Eu vou é embora desse lugar nojento! Bandos de inúteis, gente pobre, horrível, não prestam pra nada! (Começa a se dirigir para os lados, mas outra vez o grupo de crianças começa a correr em volta dela, fazendo ela se irritar e começar a gritar com eles. Eles começam a provocá-la mexendo no vestido, puxando a bolsa, tentando tirar a echarpe e Esmeralda fica irada. Encaminha-se para o meio das crianças um homem, Zeus Deus, e as crianças começam a se encaminhar para o fundo do palco, ficando no centro apenas Esmeralda e Zeus Deus. Olha para Esmeralda 67 que ainda assustada olha pra ele, olha com olhar de desconfiança, como se não acreditasse no que estava vendo. Esmeralda vira-se de costas para ele, olhando para o público. Enquanto isso ele anda e fica do lado de Esmeralda como uma estátua. Esmeralda olha para trás de novo e não o acha, com susto e medo ela pergunta para a platéia: ) Esmeralda – Gente vocês viram aquele homem que estava ali atrás? Meu Deus, além de pobre esse lugar tem fantasma! Eu vou embora daqui! (Zeus Deus começa a cochichar no ouvido de Esmeralda: ) Zeus Deus – Eu sei o que você quer, e sei quem vai te ajudar. Aqui, nesse lugar onde eu impero, onde eu mantenho as pessoas nessa condição, tem uma pessoa que fará esse serviço. Um desesperado. É simples saber quem vai te ajudar, lembre-se de alguém que sempre que você precisa “relaxar” você liga. Lembra quem é? (Esmeralda ouve aquilo com cara pensativa. Zeus Deus sai de cena e Esmeralda levanta a cabeça, olha para o público como se tivesse uma lembrança forte e diz: ) Esmeralda – O Marcão! O Marcão deve conhecer alguém! O Marcão sempre está envolvido com esse tipo de gente, sempre me vende aqueles “relaxantes” ótimos, e é de confiança! Gente, o Marcão, como eu não pensei nele antes?! Esmeralda olha com desprezo para o lugar novamente e dirige-se ao coro. Coro 1 – Graças a Deus vou embora desse lugar Coro 2 – Definitivamente nunca mais volto aqui (Esmeralda se junta ao coro, vai para trás dos integrantes, e se arruma. Depois ela volta para cena, vai até o meio do palco e liga para Marcão:)) Esmeralda – Oi Marcão, tudo bem? É a Esmeralda. Marcão – Ae Esmeralda qual que é. Ta precisando de alguma coisa !!! Já acabou aquela cota ? Esmeralda – Não...Marcão ainda tenho bastante !!! Nossa esse é do bom mesmo. Mais eu to precisando de outro favorzinho Marcão !!! Preciso que você me passe o número de alguém que faça uns trabalhinhos sabe? Marcão- Pô dona Esmeralda !!! Trabalhinhos como assim !!! Esmeralda – To precisando me livrar do Waguininho !!! 68 Marcão – Que fita em Esmeralda !!! Esses trabalhos são caro ehein !!! Esmeralda – Não tem problema Você acha que conhece alguém que faça? Marcão – Tenhos uns contatos aqui. Vou te passar. Mais rola uma comissão !!! Esmeralda – Rola Sim !!! Ligue pra essa pessoa então. Te ligo daqui a pouco pra pegar o número. Até mais. Marcão – Ta certo Esmeralda !!! Vou ligar pra esse parceiro agora, dá um tempo ae (Esmeralda puxa sua cadeira para um canto do palco e se senta esperando o momento para ligar de volta. ) TROCA DE CENÁRIO Cena 07-MANDAMENTO Nº 5 Acredite no poder do dinheiro como quem acredita em si mesmo. (Ernesto está no açougue. Seu trabalho durante o dia. Entre cortes de carne e o coro acompanhando. Corta, afia a faca e limpa o balcão do açougue. Coro acompanha com ar de cansaço . Tipo labuta lamuriosa. Sempre ouvindo a rádio Resistência e Ousadia, Chega Tião- o caminhoneiro- morador antigo do morro do correria – Ele está conversando no celular com sua esposa) No açougue Tião: Calma mulher, Desde a hora que eu sai de casa você já me ligou cinco vezes. Agüenta a mão ae que eu acabei de chegar no açougue.... (dirigindo-se a Ernesto ) 69 - O rapaz abaixa esse som ae !!! (quando Tião desliga o telefone logo reconhece seu velho amigo Ernesto) Tião e Ernesto Tião : Opa Ernesto !!! (cara de espanto) como ta? Nem sabia que você tava trabalhando agora aqui no açougue... Ernesto: Tudo de boa !!! E o senhor? Tá certo !To com muito trabalho seu Tiao, To fazendo uns extras sabe Tião : Tudo bem sim ... e como vai a família ? Ernesto: Ta todo mundo suave seu Tião Tião : E o pai como é que tá ? Ernesto:Ta bem também, fala do senhor as vezes, ta com saudade sabe... mais e ae seu Tião, o que o Senhor vai querer? Tião : Um 3 kilo de contra-filé por favor, e vai rápido que a muie ta com pressa!!! Ernesto: Vai rolar um churrascao em casa s