RESSALVA Atendendo solicitação da autora, o texto completo desta dissertação será disponibilizado somente a partir de 28/11/2020. Bruna Espinosa Bolochio Câmpus de São José do Rio Preto Biogeografia e conservação de anfíbios anuros da Mata Atlântica São José do Rio Preto 2019 Bruna Espinosa Bolochio Biogeografia e conservação de anfíbios anuros da Mata Atlântica Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Biologia Animal, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Financiadora: CAPES Orientador: Profº Drº Ricardo J. Sawaya São José do Rio Preto 2019 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. 1. Anuro. 2. Conservação. 3. Biogeografia. 4. Mata Atlântica. 5. Anfíbio. I. Título. Bolochio, Bruna Espinosa Biogeografia e conservação de anfíbios anuros da Mata Atlântica / Bruna Espinosa Bolochio. -- São José do Rio Preto, 2019 66 p. : tabs., mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, São José do Rio Preto Orientador: Ricardo Jannini Sawaya B693b Bruna Espinosa Bolochio Biogeografia e conservação de anfíbios anuros da Mata Atlântica Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Biologia Animal, junto ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de São José do Rio Preto. Financiadora: CAPES Comissão Examinadora Prof. Dr. Ricardo Janinni Sawaya Universidade Federal do ABC (UFABC) Orientador Prof. Dr. Cristiano de Campus Nogueira Universidade de São Paulo (USP) Prof. Dr. Javier Nori Universidad Nacional de Córdoba (UNC) São Bernardo do Campo 28 de maio de 2019 AGRADECIMENTOS Muitas pessoas e instituições me ajudaram a chegar até aqui, e de verdade, espero não esquecer ninguém. Mas caso isso aconteça, você, que me ajudou de alguma forma, fica aqui registrado: muito obrigada! Primeiro, agradeço o meu orientador, Profº Ricardo J. Sawaya, por todo ensinamento, apoio e paciência. Obrigada por ter feito eu me apaixonar pela biogeografia ainda lá na graduação, quando eu ainda nem era sua orientanda (e obrigada por ter me aberto as portas). Não conseguiria nem escrever o quanto eu aprendo com você, seja sobre ciência ou sobre a vida. Obrigada a todo mundo do grupo de pesquisa: Carol Manzano (obrigada por me salvar quando as coisas estavam difíceis lá no comecinho e por toda a amizade desde o início da graduação), Matheus Pontes, Thiago Pires, Thales Portillo, Evelyn Cruz e Michele Takeno. Um agradecimento mais do que especial para Marcela Brasil, minha coorientadora na prática, que nem sei quantas vezes me salvou quando eu brigava com o R ou com o Qgis (você é um ser humano iluminado, Ma). Ao Leo Malagoli, Fausto Barbo e Thaís Guedes, sempre muito disponíveis e pacientes com todas as minhas dúvidas sobre BEs e metodologia em geral (vocês não tem noção do quanto me ajudaram). Agradeço também o Profº Cristiano Nogueira, por toda a ajuda e discussões sobre BEs, além do incentivo inicial para encarar um estudo de regionalização com todos os sapos da Mata Atlântica (que parecia doideira no início) e também utilizando polígonos da IUCN (outra doideira). E um agradecimento especial também ao amigo de sempre, Leonardo Servino, que sempre esteve ao meu lado para fazer as coisas ficarem mais agradáveis e não me deixar desistir. Obrigada ao pessoal de São José do Rio de Preto que fez com que essa cidade se tonasse um dos meus lugares favoritos no mundo: Yago Reis, Isadora Anello, Guilherme Martins, Guilherme Silva, Ivan Fernandes, Jessica Moreno, Bruno Ramires (Tiazinha), Felipe Dorigão, Rogério Botion (Bitoca), Tayrone Pereira, Gabriel Ferreira, Paula Rosa, e todo o pessoal que passou pela minha vida em algum momento. Agradeço especialmente a Luisa Martins e Felipe Amaral (Madá) que sempre me abriram as portas de casa (e da vida). Lu, você se tornou uma das minhas pessoas favoritas no mundo. Obrigada pela amizade, conversas de madrugada, festas, botecos e toda a ajuda desde sempre. Agradeço também todo o pessoal do laboratório da Profª Denise Rossa-Feres que me acolheu no tempo que estive lá, e claro, a própria Denise que tanto me ensinou. E um agradecimento geral a todo pessoal maravilhoso do Ibilce, sempre muito prestativos, proativos e simpáticos, que fazem aquele lugar funcionar na base do amor à pesquisa e à casa mesmo em tempos conturbados para o mundo acadêmico (todo mundo mesmo, desde o coordenador da pós até o Gil). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001, à qual agradeço. E também à AUGM/Programa Escala pela bolsa concedida durante meu estágio na Argentina. E falando em laboratórios acolhedores, obrigada ao pessoal do LED que me acolheu na reta final do mestrado: Adriana Hiromi (Boo), Otávio Marchetti (Tato), Isadora Rodrigues, Rodrigo Tanasovici (Rods), Lucas Barcelos e Felipe Oricchio (Grego). Agradeço também os professores do LED, sempre presentes, que contribuíram de alguma forma com esse trabalho e com a minha formação como cientista, em especial Profº Gustavo Muniz Dias e Profª Vanessa Verdade (minha musa cientista). Não poderia deixar de agradecer também a pessoa que tem me salvado de inúmeras formas, Diego Almeida. Obrigada pela amizade, pela companhia nos bons e maus momentos, pelos conselhos, por me ajudar com as imagens (e com a vida) e por ser sempre essa pessoa proativa que está sempre disposta a ajudar. Agradeço também todo mundo que de alguma forma foi responsável pelo meu estágio ou pela minha estadia em Córdoba, pessoas inclusive que eu nem sei quem são. Obrigada ser humano maravilhoso que abriu mais uma vaga no edital só para que eu pudesse ir para UNC. Obrigada ao meu segundo orientador Profº Javier Nori, por todo ensinamento, preocupação e dedicação que teve comigo desde sempre, pela paciência com meu portunhol, e pela amizade criada. Agradeço também o Profº Julián Lescano, Profª Paola Carrasco, e os amigos de laboratório Maximiliano Cordier (Maxi), Andre Bonino, Dave Lautarov e Ernesto Verga, por me acolherem tão bem e terem tido tanta atenção comigo. Obrigada ao pessoal de fora do laboratório também, principalmente Daniela Miloch e Agustina Tello. Muchas gracias a ustedes, por los happy hours de los viernes, compañia, salidas de campo y por toda la felicidad que me propiciaron. Yo extraño Córdoba demasiado, y ustedes son responsables directos por eso. Obrigada ao meu companheiro de vida, Dante Cavalhero, por toda a paciência, motivação, carinho e amor. E por me lembrar que por mais que eu ame passar horas enfurnada na frente do computador mexendo na minha dissertação, existe um mundo real lá fora (obrigada por desligar o mundo pra mim, e obrigada também por entender todas as vezes que eu deixei de te ver porque precisava escrever). Por fim, mas não menos importante, agradeço minha família por todo apoio e incentivo sempre. A minha mãe, Cristiane Bolochio, por ser meu exemplo profissional (e de ser humano) desde que eu sou uma criança, e meu pai, Edson Galhardo, por sempre se desdobrar em mil para poder me ajudar não importa no quê. Sou eternamente grata a vocês dois pela educação que me deram e tudo que me proporcionaram. Agradeço a minha melhor amiga que tive sorte de ter nascido como minha irmã, Fernanda Bolochio, por toda uma vida compartilhada (talvez eu não tivesse nem começado um mestrado se você não existisse). E ao pé, que passou inúmeras tardes ao meu lado me fazendo companhia enquanto eu trabalhava. Amo vocês! RESUMO A biota global está distribuída de forma não aleatória no espaço, formando padrões de distribuição geográfica. Um dos processos que explica essas distribuições é a vicariância, que fragmenta a distribuição geográfica de uma população através de uma barreira geográfica. Assim, as duas populações ficarão isoladas, e com o tempo podem originar duas espécies irmãs. Espécies que coexistem em uma determinada área formam unidades biogeográficas. Exemplos de unidades biogeográficas amplamente distribuídas são os domínios morfoclimáticos, como a Mata Atlântica. É na Mata Atlântica onde se encontra a maior diversidade de anfíbios anuros do mundo. Porém este domínio é altamente explorado desde o início da colonização da América do Sul, com altas taxas de perda e fragmentação de habitat, contribuindo ainda mais para o declínio populacional de anfíbios e a possível extinção em massa do grupo. Identificar unidades biogeográficas internas da Mata Atlântica para anuros é essencial para estudos mais amplos abordando a história evolutiva do grupo e também para propor medidas mais eficientes de conservação. O objetivo desse estudo foi analisar o cenário atual de distribuição geográfica dos anfíbios anuros na Mata Atlântica, identificando unidades biogeográficas, testando o modelo vicariante, avaliando se padrões e processos da diversidade do grupo estão sendo conservados, e propor áreas prioritárias para conservação. Utilizamos como base de dados os polígonos corrigidos da União Internacional de Conservação da Natureza IUCN e a análise de Elementos Bióticos (EB) para identificar as unidades biogeográficas. O programa Zonation foi utilizado para propor as áreas prioritárias para conservação, utilizando como base as áreas de proteção (APs) disponibilizadas pela IUCN e o mapa de uso de solo disponibilizado pela ESA Climate Change Initiative. Recuperamos 21 elementos bióticos. As predições do modelo vicariante foram válidas, com espécies irmãs presentes em EBs diferentes. Em média, os EBs apresentam 33% de remanescentes florestais, mas apenas 12% de suas áreas totais estão protegidas por áreas de proteção. As áreas mais problemáticas em relação à proteção por APs e perda de habitat encontram-se nas porções mais afastadas do litoral, áreas noroeste e sudoeste da Mata Atlântica, locais que devem ser, portanto considerados como áreas prioritárias para conservação. Palavras-chave: Amphibia. Áreas de proteção. Elementos Bióticos. Perda de habitat. Zonation. ABSTRACT The global biota is distributed non-randomly forming geographic distribution patterns. One of the processes explaining these distributions is vicariance, in which a geographic barrier is responsible for fragmenting the geographical distribution of a population. Thus, two populations would be isolated, and with time may originate two sister species. Species that coexist in a certain area form biogeographic units. Examples of widely distributed biogeographic units are the morpho-climatic domains, such as the Atlantic Forest. The highest diversity of anuran amphibians around the world is found in the Atlantic Forest. However, this domain is highly explored since the beginning of the South America colonization. The high rates of habitat loss and fragmentation in this domain has been contributing even more to the population decline of amphibians and the possible mass extinction of this group. Identifying internal biogeographic units for the Atlantic Forest for anurans is essential for further studies including the evolutionary history of the group and also for proposing efficient conservation plans. The aim of this study was to analyse the current scenario of anuran amphibians in the Atlantic Forest, identifying biogeographic units, to test the vicariance model predictions, to evaluate if diversity patterns and processes have been conserved, and to propose priority conservation areas. We use the revised polygons of the International Union for Conservation of Nature (IUCN) as a database. We used Biotic Element (BE) analysis to identify biogeographic units, and the Zonation software to propose priority areas for conservation, based on the protected areas (PAs) made available by IUCN and the land use map made available by ESA Climate Change Initiative. We recovered 21 biotic elements. The predictions of the vicariance model were valid, with sister species present in different EBs. On average, EBs had 33% of forest remnants, but only 12% of its total area was protected by PAs. The most problematic areas in relation to protection by PAs and habitat loss inland areas, in northwestern and southwestern regions of the Atlantic Forest, which should be considered priority areas for conservation. Keywords: Amphibian. Biotic Elements. Habitat Loss. Protected Areas. Zonation. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Delimitação do domínio morfoclimático Mata Atlântica na América do Sul, abrangendo o Brasil, a província de Missiones na Argentina e o leste do Paraguai 13 Capítulo 1 - Biogeografia e conservação de anfíbios anuros da Mata Atlântica Figura 1 - Elementos Bióticos recuperados a partir de 380 espécies de anfíbios anuros endêmicos da Mata Atlântica (N = 21) 41 Figura 2 - Percentual de área protegida (a) e mediana de remanescente florestal (b) em cada elemento biótico 43 Capítulo 2 - Áreas prioritárias para conservação de anfíbios anuros da Mata Atlântica. Figura 1 - Densidade da distribuição de espécies 58 Figura 2 - Mapa hierárquico de priorização de áreas em relação às áreas de proteção integral de categorias I a IV da União Internacional para Conservação da Natureza – IUCN (a), e em relação a todas as áreas de proteção (b) 59 Figura 3 - Mapa hierárquico de priorização de áreas em relação à perda de habitat para anfíbios anuros da Mata Atlântica 60 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Valores de cutdist (0,1 a 0,3) com espécies que não foram classificadas em nenhum Elemento Biótico (noise components) 31 Tabela 2 - Lista de espécies endêmicas de anfíbios anuros que formaram cada Elemento Biótico (EB) na Mata Atlântica e espécies que não formaram nenhum EB (noise components) 32 Tabela 3 - Latitude, longitude e área total de cada EB em número de pixels (quadrículas que compõem cada elemento), e sua classificação em amplamente distribuído, intermediário ou restrito, assim como a porcentagem média de remanescente florestal e a área protegida 37 Tabela 4 - Elementos bióticos recuperados para Mata Atlântica com nomes sugeridos e suas respectivas localidades e número de espécies endêmicas que formam cada EB 38 SUMÁRIO INTRODUÇÃO GERAL ............................................................................................. 12 REFERÊNCIAS............................................................................................................14 CAPÍTULO 1 Biogeografia e conservação de anfíbios anuros da mata atlântica ........................... 17 RESUMO .................................................................................................................. 19 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 20 2. MATERIAL E MÉTODOS .............................................................................. 22 2.1. Base de dados .............................................................................................. 22 2.2. Análise de dados .......................................................................................... 22 2.2.1. Determinação dos elementos bióticos .......................................................... 22 2.2.2. Conservação dos elementos bióticos ............................................................ 24 3. RESULTADOS ................................................................................................... 25 3.1. Determinação dos elementos bióticos ........................................................ 25 3.2. Conservação dos elementos bióticos .......................................................... 26 4. DISCUSSÃO ........................................................................................................ 26 5. CONCLUSÃO.................................................................................................... 30 TABELAS ................................................................................................................. 31 FIGURAS ................................................................................................................... 41 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 44 CAPÍTULO 2 Áreas prioritárias para conservação de anfíbios anuros da Mata Atlântica .......... 49 RESUMO .................................................................................................................. 51 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 52 2. MÉTODOS ........................................................................................................ 53 2.1. Dados ........................................................................................................... 53 2.2. Análises ........................................................................................................ 54 3. RESULTADOS ................................................................................................... 55 4. DISCUSSÃO ....................................................................................................... 55 5. CONCLUSÃO .................................................................................................... 57 FIGURAS ................................................................................................................. 58 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 61 CONCLUSÃO GERAL ............................................................................................. 65 12 INTRODUÇÃO GERAL A biota global apresenta padrões de distribuição geográfica, uma vez que os organismos se distribuem pelo globo terrestre de forma não aleatória (Sclater, 1858; Holt et al., 2013). Um dos processos que explica os padrões de distribuições geográficas é a especiação. Um dos modelos da especiação é a cladogênese, que ocorre quando uma espécie ancestral origina duas novas espécies irmãs (Ridley, 2006). Isso pode ocorrer quando há fragmentação da distribuição geográfica de uma população, o que interrompe o fluxo gênico entre os indivíduos. Assim, as populações ficariam isoladas e ao longo do tempo acabariam se adaptando de formas diferentes, dando origem a duas novas espécies irmãs (Hausdorf, 2002; Ridley, 2006). Quando a fragmentação da distribuição geográfica de uma população ocorre devido ao surgimento de uma barreira geográfica (uma montanha ou um rio, por exemplo) com especiação subsequente, chamamos esse processo de vicariância (Hausdorf, 2002). Esse processo ocorrendo de forma repetida ao longo do tempo com várias espécies pode gerar padrões de distribuições geográficas congruentes para vários grupos de organismos, uma vez que eles compartilharam o mesmo evento evolutivo. Espécies que coexistem uma determinada área formam unidades biogeográficas naturais (Morrone, 2018). Muitas espécies possuem suas distribuições geográficas restritas a uma determinada área, sendo denominadas espécies endêmicas. Distribuições sobrepostas (congruentes) de duas ou mais espécies endêmicas formam unidades biogeográficas, denominadas áreas de endemismo (Morrone, 1994; Hausdorf, 2002). Identificar as unidades biogeográficas naturais é o ponto de partida para muitas questões da biogeografia, como entender processos evolutivos e contribuir para a conservação de espécies. Exemplos de unidades biogeográficas naturais são os domínios morfoclimático, como a Mata Atlântica. Esse domínio se estende do litoral brasileiro até o planalto das regiões sul e sudeste do Brasil, adentrando a província de Missiones, na Argentina, e leste do Paraguai (Figura 1). A grande amplitude geográfica deste domínio é um dos motivos para a sua alta diversidade de espécies, sobretudo espécies endêmicas. Por se estender da região tropical à subtropical, a Mata Atlântica apresenta diferentes fisionomias vegetais que contribuem para a sua grande diversidade de habitats (Monteiro-Filho & Conte, 2017). Além da variação longitudinal, a Mata Atlântica também apresenta variação altitudinal significativa (0 a 13 2892 metros), o que contribui para processos evolutivos de especiação (Hoorn et al., 2018). Figura 1: Delimitação do domínio morfoclimático Mata Atlântica na América do Sul, abrangendo o Brasil, a província de Missiones na Argentina e o leste do Paraguai. Outro fator que faz a Mata Atlântica ser um hotspot de biodiversidade, além do alto número de espécies endêmicas, é seu grau de ameaça (Myers et al., 2000). Este domínio morfoclimático é muito explorado desde o início da colonização da América do Sul, tendo hoje como remanescente florestal apenas entre 7% e 16% de sua extensão original (Ribeiro et al., 2009). Apesar de ser um dos domínios morfoclimáticos com mais áreas de proteção (APs) da América do Sul, por outro lado, essas APs são muitas vezes pouco eficientes para a conservação (Galindo‐Leal & Câmara 2003). A problemática da conservação da Mata Atlântica é ainda maior quando pensamos nos anfíbios anuros, um grupo que vêm sofrendo com os declínios populacionais e possível extinção em massa desde a década de 1990 (Wake, 1991; Alford, 2001; IUCN, 2018). A Mata Atlântica é considerada o local mais diverso do mundo para anfíbios anuros, sendo que pelo menos 60% das espécies nele presentes são endêmicas (Rossa-Feres et al., 2018). Portanto, uma das maiores diversidade de anuros do planeta está presente em um domínio altamente explorado, o que contribui ainda 14 mais para declínios populacionais no grupo. Assim, muitos estudos têm sido realizados recentemente para propor soluções para conservação do grupo na Mata Atlântica, como por exemplo, áreas prioritárias para conservação (e.g., Verdade et al, 2012; Lemes et al., 2013). Estudos sobre unidades biogeográficas internas da Mata Atlântica são essenciais para a compreensão evolutiva e histórica do domínio e também para tomadas de decisão para medidas de conservação. Nosso estudo teve como objetivo geral analisar o cenário atual de distribuição geográfica dos anfíbios anuros de Mata Atlântica, seus remanescentes florestais e o uso do solo, em dois capítulos. No primeiro capítulo, identificamos unidades biogeográficas naturais na Mata Atlântica a partir de uma base de dados de distribuição geográfica de anuros corrigida, e analisamos se espécies irmãs ocorrem em diferentes unidades biogeográficas como previsto pelo modelo vicariante. Analisamos também a perda de hábitat atual da Mata Atlântica em cada unidade biogeográfica identificada e sua sobreposição com áreas de proteção ambiental. No capítulo dois, avaliamos o estado atual de conservação dos anfíbios anuros, propondo áreas prioritárias para conservação do grupo, considerando a perda de habitat e áreas de proteção ambiental. REFERÊNCIAS ALFORD, R.A.; DIXON, P.M.; PECHMANN, J.H.K. Global amphibian population declines. Nature, Vol. 412, pp. 499–500, 2001. GALINDO-LEAL, C.; CÂMARA, I.G. Atlantic forest hotspots status: an overview. pp. 3-11, 2003. In: C. GALINDO-LEAL: I.G. CÂMARA (eds.). The Atlantic Forest of South America: biodiversity status, threats, and outlook. Washington, Center for Applied Biodiversity Science and Island Press, 472p. HAUSDORF, B. Units in biogeography. Systematic Biology, Vol. 51, pp. 648-652, 2002. HOLT, B. G.; LESSARD, J. P.; BORREGAARD, M. K.; FRITZ, S. A.; ARAUJO, M. B.; DIMITROV, D.; FABRE, P. H.; GRAHAM, C. H.; GRAVES, G. 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Além disso, muitos dos EBs recuperados são congruentes às unidades biogeográficas recuperadas para outros grupos de organismos, o que indica que esses grupos compartilharam processos evolutivos comuns. Em média, os EBs apresentam 33% de remanescentes florestais, mas apenas 12% de sua área total estão protegidas por áreas de proteção. Isso indica que, além das espécies que compões esses EBs não serem conservadas de forma eficiente, os processos biogeográficos também não devem estar sendo conservados. Em relação ao panorama geral de conservação dos anfíbios anuros na Mata Atlântica, a situação também é preocupante. Em média, 67% das espécies têm menos de 5% da sua distribuição geográfica protegida por áreas de proteção (APs) integrais. Considerando todas as APs, 36% das espécies têm menos de 5% da sua distribuição geográfica protegida. Em relação à perda de habitat, 40% das espécies possuem três quartos da sua distribuição em áreas com algum tipo desmatamento ou fragmentação. As áreas mais problemáticas em relação à proteção por APs e perda de habitat encontram-se nas porções mais afastadas do litoral, noroeste e sudoeste da Mata Atlântica, locais que devem ser, portanto considerados como áreas prioritárias para implementação de ações efetivas de conservação.