UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA Gustavo Gonçalves Parisi Efeitos de três volumes correntes (8, 12 e 16 mL/kg) na variação da pressão de pulso e na variação da velocidade máxima do fluxo aórtico em cães anestesiados com isoflurano Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Mestre em Anestesiologia. Orientador: Prof. Dr. Francisco José Teixeira Neto Botucatu 2022 Gustavo Gonçalves Parisi Efeitos de três volumes correntes (8, 12 e 16 mL/kg) na variação da pressão de pulso e na variação da velocidade máxima do fluxo aórtico em cães anestesiados com isoflurano Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Botucatu, para obtenção do título de Mestre em Anestesiologia. Orientador: Prof. Dr. Francisco José Teixeira Neto Gustavo Gonçalves Parisi Botucatu 2022 Efeitos de três volumes correntes (8, 12 e 16 mL/kg) na variação da pressão de pulso e na variação da velocidade máxima do fluxo aórtico em cães anestesiados com isoflurano Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do título de Mestre em Anestesiologia. Orientador: Prof. Dr. Francisco José Teixeira Neto Comissão examinadora Prof. Dr. Francisco José Teixeira Neto Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, SP Prof. Dr. André Escobar Ross University School of Veterinary Medicine, St Kitts / West Indies Profa. Dra. Fabiola Bono Fukushima Universidade Federal do Paraná, Palotina, PR Botucatu, 25 de fevereiro de 2022 “Dedico a minha esposa e ao meu filho. Gratidão.” Agradecimentos A minha esposa Ana Beatriz de Almeida Duarte, pelo suporte em tudo e em todo e qualquer momento. A equipe de pesquisa, em especial a César Passareli Candido Lobo, que esteve presente em todos momentos de dificuldade e glória, desde o início até a finalização dessa dissertação. Ao professor Francisco José Teixeira Neto meu reconhecimento e respeito, pela dedicação à presença durante todas etapas do projeto, por sempre me ensinar com paixão e por extrair o potencial presente dentro de mim. A banca avaliadora, pela disponibilidade de tempo e por contribuírem para a melhora deste trabalho com suas opiniões e conhecimento. Aos animais, sem os quais não seria possível realização desse projeto e produção deste conhecimento. O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Código de Financiamento 131303/2019-8”. E por fim, a UNESP – Botucatu (FMB e FMVZ) e toda equipe de funcionários. “Alguns dias não estamos bem, e está tudo bem. Amanhã é outro dia.” Ana Beatriz de Almeida Duarte Parisi, G.G. Efeitos de três volumes correntes (8, 12 e 16 mL/kg) na variação da pressão de pulso e na variação da velocidade máxima do fluxo aórtico em cães anestesiados com isoflurano. Botucatu, 2023. 34 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Campus de Botucatu. Objetivo – Avaliar os efeitos da ventilação mecânica com três volumes correntes diferentes (VT) sobre índices dinâmicos de pré-carga em cães anestesiados com isoflurano. Metodologia – Em um estudo prospectivo randomizado, 14 cães (15,8–26,9 kg) anestesiados com isoflurano diluído em oxigênio sob bloqueio neuromuscular induzido pelo atracúrio, receberam 3 protocolos de ventilação com volume controlado (relação inspiração/expiração de 1:2 e 30% de pausa inspiratória), empregando-se 8, 12 e 16 mL/kg de VT (VT8, VT12, e VT16, respectivamente). Cada VT foi mantido por 15 minutos e a ordem de cada VT foi randomizada. A frequência respiratória foi ajustada de maneira a manter a presssão parcial de gás carbônico expirada entre 35-45 mmHg, limitada a um máximo de 22 movimentos/min. A variação de pressão de pulso (VPP, n = 14), obtida da pressão arterial direta (cateterização da artéria dorsal podal), e a variação respiratória do fluxo aórtico (ΔVpeak, n = 13), obtida pela ecocardiografia transtorácica (janela paraesternal esquerda, corte apical de cinco câmaras), foram registradas ao fim do período de manutenção de cada VT. Resultados – A pressão de platô aumentou de 7 (6-7) cmH2O (mediana [intervalo interquartil]) em VT8 para 9,5 (8-10) cmH2O e 11,5 (10-12) cmH2O em VT12 e VT16, respectivamente (p < 0,0001–0,024). A VPP aumentou de 10 ± 3% (VT8) para 14 ± 4% (VT12) e 19 ± 6 % (VT16) (p < 0,0001–0,0009). A ΔVpeak aumentou de 10,3 ± 4,0% (VT8) para 13,3 ± 3,7% (VT12) e 17,1 ± 5,7% (VT16) (p = 0,0005–0,004). Baseado em valores de corte de VPP para discriminar respondedores a expansão de volume publicados utilizando o mesmo algoritmo (VPP > 16%), seria previsto que 7%, 29% e 64% dos animais seriam responsivos a expansão de volume durante ventilação mecânica com VT8, VT12 e VT16, respectivamente. Conclusão – A elevação do VT de 8 a 16 mL kg-1 modifica as interações coração- pulmão durante ventilação mecânica e altera a predição de fluido responsividade pelos índices dinâmicos de pré-carga. Palavras-chave – Hemodinâmica, fluidoterapia, pressão arterial, ventilação mecânica, ecocardiografia PARISI, G.G. Effects of different tidal volumes (8, 12 e 16 mL/kg) in pulse pressure variation and peak aortic flow velocity variation in isoflurane anesthetized dogs. 2023. Botucatu, 2023. 34 p. MSc Thesis – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Campus de Botucatu. Objective – To evaluate the effects of mechanical ventilation with three different tidal volumes (VT) on dynamic preload indexes in isoflurane-anesthetized dogs. Methods – In prospective randomized study, 14 dogs (15.8–26.9 kg) anesthetized with isoflurane in oxygen under atracurium neuromuscular blockade underwent mechanical ventilation in volume-controlled mode (inspiration-to-expiration ratio 1/2 and 30% inspiratory pause) with the VT adjusted to 8, 12, and 16 mL/kg (VT8, VT12, and VT16, respectively). Each VT was maintained for 15 minutes and the order of VT was randomly assigned. The respiratory rate was adjusted to maintain end-expired carbon dioxide between 35-45 mmHg, limited to a maximum of 22 breaths/min. Pulse pressure variation (PPV, n = 14), derived from direct arterial pressure (dorsal pedal artery catheterization), and variation in peak aortic flow velocity (ΔVpeak, n = 13), derived from transthoracic echocardiography (left parasternal window, apical five-chamber view), were recorded at the end of maintenance with each VT. Results – Plateau pressure increased from 7 (6–7) cmH2O [median (interquartile range)] at VT8 to 9.5 (8–10) cmH2O and 11.5 (10–12) cmH2O at VT12 and VT16, respectively (p < 0.0001–0.024). The PPV increased from 10 ± 3% (VT8) to 14 ± 4% (VT12) and 19 ± 6 % (VT16) (p < 0.0001–0.0009). The ΔVpeak increased from 10.3 ± 4.0% (VT8) to 13.3 ± 3.7% (VT12) and 17.1 ± 5.7% (VT16) (p = 0.0005–0.004). Based on published PPV cut-off thresholds for discriminating responders to volume expansion using the same algorithm (PPV > 16%), 7%, 29% and 64% of animals would be predicted as responders to volume expansion during mechanical ventilation with VT8, VT12 and VT16, respectively. Conclusions – Increasing VT from 8 to 16 mL/kg modifies heart-lung interactions during mechanical ventilation and alters prediction of fluid responsiveness by dynamic preload indexes. Key-words – Hemodynamics, fluid replacement therapy, arterial pressure, echocardiography Índice de Figuras Figura 1: Variação da pressão de pulso (VPP, n = 14) e variação da velocidade máxima do fluxo aórtico (ΔVpeak, n = 13) observadas em cães anestesiados sob ventilação mecânica com o ajuste do volume corrente para 8, 12 e 16 mL/kg (VT8, VT12 and VT16, respectivamente). a, b, c: Médias seguidas por letras diferentes são significativamente diferentes entre si (a < b < c, p < 0,05). Figura 2: Mensuração do fluxo aórtico por ecocardiografia transtorácica (janela parasternal esquerda, corte de apical de 5 câmaras) em um cão (peso 20,7 kg) anestesiado sob ventilação com volume controlado com volumes corrente de 8, 12 e 16 mL/kg (VT8, VT12 and VT16, respectivamente) durante um único evento anestésico. A setas apontam a velocidade máxima do fluxo aórtico (Vpeak (max)) e a velocidade mínima do fluxo aórtico (Vpeak (min)) registrados 2-3 batimentos cardíacos após Vpeak (max). Figura 3: Efeitos da ventilação mecânica com 8, 12 and 16 mL/kg (VT8, VT12 e VT16, respectivamente) sobre o número de animais preditos como respondedores* (PPV > 16%) e não respondedores (PPV ≤ 16%) à expansão volêmica. * Animais os quais o VS apresenta elevação > 15% em resposta a uma prova de carga com 20 mL/kg de Ringer Lactato durante 15 minutos (Celeita-Rodriguez et al. 2020) Lista de Tabelas Tabela 1: Variáveis observadas em 14 cães anestesiados com isoflurano sob ventilação mecânica com o ajuste do volume corrente para 8, 12 e 16 mL/kg (VT8, VT12 e VT16, respectivamente). Lista de abreviaturas e siglas ΔPP – variação da pressão de pulso ΔVpeak - variação de velocidade máxima do fluxo aórtico VS – volume sistólico DC – débito cardíaco Ppico – Pressão de pico Cqst – complacência respiratória quase-estática PPmáx – pressão de pulso máxima PPmín – pressão de pulso mínima FC – frequência cardíaca PAM – pressão arterial média VE – ventrículo esquerdo VD – ventrículo direito VT – volume corrente ETCO2 – pressão parcial expirada de dióxido de carbono ETISO – fração expirada de isoflurano fR – frequência respiratória Pplat – pressão de platô IM – intramuscular IV – intravenoso UTI – unidade de terapia intensiva SUMÁRIO SUMÁRIO Índice de Figuras 11 Lista de Tabelas 12 Lista de abreviaturas e siglas 13 SUMÁRIO 14 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS 15 2. MATERIAIS E MÉTODOS 17 2.1. Animais e delineamento experimental 17 2.2. Instrumentação e variáveis mensuradas 17 2.3. Protocolo de ventilação mecânica e momentos de coleta da dados 19 2.4 Análise Estatística 20 3. RESULTADOS 22 4. DISCUSSÃO.......................................................................................................... 25 5. CONCLUSÃO 30 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 31 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS As interações coração-pulmão durante ventilação mecânica induzem alterações intermitentes em volume sistólico (VS). A variação da pressão arterial de pulso (VPP), obtida pelo traçado de pressão arterial invasiva, e da velocidade de fluxo aórtico (ΔVpeak), obtida pela ecocardiografia, são equivalentes a variação do VS induzida pela ventilação mecânica (Michard et al. 2000; Feissel et al. 2001). Nos indivíduos cujo coração está operando na região ascendente da curva de Frank- Starling, a ventilação mecânica irá aumentar a VPP e a ΔVpeak acima de certo limiar, permitindo a discriminação entre respondedores [indivíduos cujo VS ou débito cardíaco (DC) irá aumentar ≥ 15%] e não respondedores a expansão de volume (Michard et al. 2000; Feissel et al. 2001). A predição acurada da fluido responsividade pela VPP ou ΔVpeak em humanos requer o ajuste do volume corrente (VT) para um valor mínimo de 8 mL/kg (Michard et al. 2015). A ventilação mecânica com VT < 8 mL/kg diminui a VPP e ΔVpeak, levando a possíveis resultados falso-negativos (Biais et al. 2014; Michard et al. 2015). Em humanos ventilados com VT < 8 mL/kg, a faixa de valores de VPP onde a resposta à expansão volêmica é incerta (gray zone) é expandida devido ao aumento da taxa de falso negativos (Biais et al. 2014; Michard et al. 2015). A ventilação mecânica com baixo VT foi identificada como uma das causas da amplificação da faixa de valores de VPP associados a respostas incertas em humanos, nos quais resposta à expansão volêmica não pode ser predita acuradamente (VPP entre 9 a 13%) (Cannesson et al. 2011; Michard et al. 2015). Em cães anestesiados com isoflurano, sob ventilação mecânica com VT de 8-10 mL/kg, a zona de incerteza diagnóstica da VPP foi de 6 a 16% (Gonçalves et al. 2020). Por outro lado, com o emprego de um VT maior (12 mL/kg), o mesmo algoritmo para mensuração de VPP resultou em uma zona de incerteza diagnóstica relativamente menor (8-15%) (Dalmagro et al. 2021). Apesar de se recomendar o ajuste de um VT mínimo de 8 mL/kg para predição acurada da fluido responsividade em humanos (Michard et al. 2015), não existem evidências fundamentando qual seria o VT mínimo necessário para predição acurada da fluido responsividade em cães. A diferença na gray zone da VPP relatada em estudos com caninos pode estar relacionada com o uso de diferentes protocolos de ventilação mecânica. Em cães anestesiados com pentobarbital, o incremento do VT de 5 para 25 mL/kg (incrementos graduais de 5mL/kg) resultou em elevação progressiva da VPP de 15% para 42% (Mesquida et al. 2011). Portanto, dependendo do ajuste do VT, o valor resultante de VPP pode levar a predição de um mesmo animal como respondedor ou não respondedor a expansão volêmica com base em valores de corte previamente reportados para cães (VPP > 15%) (Gonçalves et al. 2020; Dalmagro et al. 2021). O presente estudo objetivou avaliar os efeitos de três ajustes de VT que podem ser empregados na prática clínica (8, 12 e 16 mL/kg) sobre os índices dinâmicos de pré- carga (VPP e ΔVpeak). A hipótese foi que o aumento de VT de 8 para 12 e 16 mL/kg aumentaria significativamente o VPP a ponto de alterar a predição da fluido responsividade baseado em ponto de corte previamente publicado para discriminar respondedores a expansão volêmica (VPP > 16%), no qual empregou-se o mesmo algoritmo automatizado para mensuração da VPP (Celeita-Rodríguez et al. 2019). 2. MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. Animais e delineamento experimental Este estudo foi desenvolvido com a aprovação prévia do Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade Estadual de São Paulo (número de protocolo 247/2018). Foram selecionados 14 cães machos e fêmeas sadios com escore de condição corporal normal de acordo com o “Global Nutrition Committee” da “World Small Animal Veterinary Association (https://wsava.org/global-guidelines/global-nutrition- guidelines/). O estado de saúde dos animais foi verificado previamente ao procedimento através de exame físico, hemograma e análise dos níveis séricos de ureia, creatinina e albumina. 2.2. Instrumentação e variáveis mensuradas Os animais foram pré-medicados com morfina (0,5 mg/kg/IM) (Dimorf; Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos Ltda, SP) e atropina (0,02 mg/kg/SC) (Pasmodex; Isofarma Ltda, CE). Decorridos 20 minutos da pré-medicação, a anestesia foi induzida com propofol (5,4 ± 0,9 mg/kg) (Propovan; Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos Ltda) administrado através de um cateter 20 G introduzido na veia cefálica (Safelet, Nipro Medical Ltda, Sorocaba, Brazil). Após a intubação endotraqueal, os cães foram posicionados em decúbito lateral direito sobre uma mesa específica para avaliação ecocardiográfica e subsequentemente conectados a um circuito circular valvular (Dräger Primus; Drägerwerk AG & Co, Lübeck, Germany). A anestesia foi mantida com isoflurano (Isoforine; Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos Ltda) diluído em oxigênio [fração de oxigênio inspirada (FiO2) > 0.9] sob ventilação espontânea durante a fase inicial de instrumentação. A fração expirada de isoflurano (ETISO), monitorada por um analisador de gases infravermelho (Dräger Primus; Drägerwerk AG & Co), foi ajustada para manter plano moderado de anestesia, definido como reflexos palpebrais ausentes e redução do tônus de mandíbula. Um cobertor elétrico e um insuflador de ar aquecido (Bair Hugger; Arizant Healthcare, MN, USA) foram https://wsava.org/global-guidelines/global-nutrition-guidelines/ https://wsava.org/global-guidelines/global-nutrition-guidelines/ empregados para manter a temperatura esofágica ≥ 37oC. A frequência cardíaca (FC, bat/min), saturação de hemoglobina (SpO2) e pressão parcial de CO2 (ETCO2) foram avaliadas pelo monitor multiparamétrico (DX- 2020 monitor; Philips Dixtal Biomédica Ltda, São Paulo, Brasil). Um cateter de calibre 20 G (Safelet, Nipro Medical Ltda, Sorocaba, Brazil) foi inserido na artéria dorsal podal. Este cateter foi conectado a um transdutor de pressão (PiCCOTM monitoring kit PV8115; Pulsion Medical Systems, Fedkirchen, Germany) conectado a um monitor (Pulsioflex; Pulsion Medical Systems) para mensurar os valores de ΔPP, pressão arterial sistólica, diastólica e média (PAS, PAD,e PAM). O transdutor, preenchido com solução salina contendo heparina (4 UI/mL), foi previamente zerado na altura do esterno antes do início das mensurações. O sistema automatizado de mensuração da VPP empregado obtém a média dos 4 maiores valores de pressão de pulso máxima (PPmax) e mínima (PPmin) obtida durante os últimos 30 segundos para calcular os valores de VPP, de acordo com a fórmula (Hofer et al. 2005): ΔPP (%) = [(PPmax – PPmin) / (PPmax + PPmin) X 0.5] X 100. Um transdutor setorial de 4-8 MHz foi posicionado sobre a janela paraesternal esquerda, na altura aproximada do 4o–5o espaço intercostal para obter um corte apical 5-câmaras do coração (ACUSON NX3 Elite TM; Siemens Healthineers, São Paulo, SP, Brasil). Após a visualização da via de saída do ventrículo esquerdo e da aorta, a velocidade de aceleração da aorta foi mensurada com o feixe Doppler pulsátil posicionado em ângulo mais paralelo possível com a via de saída do fluxo aórtico, com a amostra de volume posicionada logo abaixo do ponto de abertura máxima dos folhetos da valva semilunar aórtica. Em cada momento considerado, a velocidade do fluxo aórtico foi registrada durante um período de 30–60 segundos para análise posterior. Um indivíduo encoberto a alocação dos tratamentos (ajuste do VT) realizou a análise das imagens ecocardiográficas. A variação da velocidade máxima do fluxo aórtico induzida pela ventilação mecânica (ΔVpeak) foi calculada a partir dos valores máximo e mínimo do pico do fluxo aórtico [Vpeak(max) e Vpeak(min), respectivamente] em um ciclo respiratório. Durante a análise da imagens, após a Vpeak(max) ser identificada, a Vpeak(min) foi observada após 2–3 batimentos cardíacos. Para cada ciclo respiratório, a ΔVpeak foi calculada conforme a fórmula abaixo: ΔVpeak (%) = [(Vpeak(max) – Vpeak(min)) / (Vpeak(max) + Vpeak(min)) X 0.5] X 100. O valores de ΔVpeak em cada tempo foram calculados como a média aritmética do ΔVpeak de 3 ciclos respiratórios subsequentes. Tendo-se em vista que os valores de VS máximo e mínimo são coincidentes com cada ciclo respiratório, a relação entre as frequências cardíaca e repiratória (HR/fR) foi empregada para identificar o próximo Vpeak(max) através da contagem do número de batimentos cardíacos após o primeiro Vpeak(max). 2.3. Protocolo de ventilação mecânica e momentos de coleta da dados Trinta minutos após a indução da anestesia e conclusão do preparo dos animais, iniciou-se a ventilação mecânica sob bloqueio neuromuscular com atracúrio (0,3 mg/kg, IV) (Tracur, Cristália Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos Ltda). A função neuromuscular (Estimulador de nervo periférico E2105, BGE Médica, São Paulo, Brazil) foi avaliada no momento basal, e a cada 5 minutos após a administração do atracúrio, através da avaliação visual da flexão da articulação do carpo em resposta a uma estimulação elétrica supramáxima (30 a 60 mA) do nervo ulnar, empregando uma série de 4 estimulações (“train-of-four”, TOF) com intervalo de 0,5 segundo. Após a supressão de todas as 4 flexões carpais pela dose inicial de atracúrio, doses adicionais (0,2 mg/kg, IV) foram administradas caso houvesse o retorno de no mínimo 3 contrações em resposta ao TOF. Os valores de ETISO ajustados para manter plano moderado de anestesia durante a ventilação espontânea, foram mantidos constantes durante o bloqueio neuromuscular. A ausência de esforços respiratórios espontâneos foi assegurada pela observação do traçado de fluxo normal na tela do ventilador (Dräger Primus; Drägerwerk AG & Co). Cada animal foi submetido a ventilação com volume controlado, ajustada para obtenção de valores de VT expirados de 8, 12 e 16 mL/kg (VT8, VT12 e VT16, respectivamente). Cada ajuste de VT foi mantido por 15 minutos e a ordem na qual os animais foram ventilados com os diferentes volumes foi determinada aleatoriamente (www.research randomizer.org). A relação inspiração/expiração e a pausa inspiratória foram fixos (1/2 e 30% do tempo inspiratório total, respectivamente); enquanto a frequência respiratória (fR) foi ajustada (limite máximo de 22 respirações/min) para manter os valores de ETCO2 entre 35–45 mmHg. Os valores de VT foram mensurados durante a expiração por um sensor de fluxo posicionado no ramo expiratório do aparelho de anestesia e a acurácia dos valores de VT mensurados foi certificada antes de cada experimento empregando-se um padrão para respirometria (Spirometry tester 844202; Datex-Ohmeda, Finland). Ao final do período de 15 minutos com cada um dos valores de VT, os índices dinâmicos de pré-carga (ΔPP e ΔVpeak), mecânica pulmonar [VT, pressão de platô (Pplat), pressão de pico (Ppico) e complacência quasi-estática (Cqstat)], e outras variáveis fisiológicas (ETCO2, SpO2, FC, PAS, PAD e PAM) foram registradas. Após o último registro dos parâmetros, o VT foi ajustado para 12mL/kg durante o restante do procedimento, a recuperação do bloqueio neuromuscular (retorno de todas as quatro contrações do membro em resposta ao estímulo do TOF) foi espontânea. O procedimento de orquiectomia foi realizado sob analgesia intratesticular com lidocaína 2% (0,2mL/kg) nos machos e 2 µg/kg de fentanil foram administrados via intravenosa antes da tração e ligadura dos pedículos ovarianos das fêmeas. Meloxicam foi administrado (0,2mg/kg/IV) antes da incisão cirúrgica e 25mg/kg/IV de dipirona foi administrada após a última sutura de pele ser realizada, tanto em machos como fêmeas. Todos eventos anormais durante a recuperação anestésica foram registrados. 2.4 Análise Estatística Uma amostra de 12 cães foi calculada para demonstrar uma diferença de 4% na VPP com 95% de confiança para um erro tipo I de 0.05 (valor de alfa) e poder estatístico de 80%. Um total de 14 cães foram incluídos neste estudo. A análise foi realizada pelo software GraphPad Prism Version 6.02 (GraphPad Software Inc., CA, USA). Os resultados foram analisados para normalidade de distribuição de dados utilizando o teste de Shapiro-Wilk. Parâmetros com distribuição simétrica (representados como média ± desvio padrão), foram analisados por ANOVA de uma via para medidas repetidas, seguido pelo teste de comparação múltipla de Tukey. O teste de Friedman, seguido pelo teste de comparações múltiplas de Dunn foi utilizado para análise de dados com distribuição assimétrica [representados como mediana (intervalo interquartil)]. Com base nos valores de ΔPP registrados para cada VT, os animais foram classificados como respondedores (VPP > 16%) e não respondedores (VPP ≤ 16) a expansão de volume. O valor de corte (16%) foi determinado em estudo publicado anteriormente empregando-se o mesmo algoritmo para mensuração do ΔPP utilizado presente estudo (Celeita-Rodríguez et al. 2019). A proporção de respondedores e não respondedores observada para os diferentes ajustes de VT foi comparada pelo teste exato de Fisher. Para todas as comparações, o nível de significância considerado foi p < 0,05. 3. RESULTADOS Foram incluídos neste estudo 14 cães, 8 fêmeas e 6 machos, com peso entre 15,8 a 26,9 kg. Ao final do protocolo experimental, o procedimento cirúrgico foi realizado sem intercorrências e todos animais se recuperaram do bloqueio neuromuscular. A anestesia geral durou 117 ± 17 minutos e os animais apresentaram-se em posição quadrupedal 24 ± 5 minutos após interrupção da administração de isoflurano. Nenhuma complicação foi observada durante a recuperação anestésica. Os valores de ETISO necessários para manter plano anestésico moderado foram de 1,33 ± 0,13 Vol%. A FC, PAS e PAM foram significativamente maiores durante ventilação com VT8 em relação a VT12 (FC, p = 0.016; PAS, p = 0.032, PAM, p = 0.044) (Tabela1). A fR e ETCO2 diminuíram significativamente com o aumento dos valores de VT (fR,, p < 0.0001; PE´CO2, p < 0.001–0.0033). Os valores de Pplat, Ppico, Cqst e relação FC/fR aumentaram juntamente com aumento dos valores de VT (Pplat, p < 0.0001–0.024; Ppico, p < 0.0001–0.024; Cqst, p < 0.0001–0.024; FC/fR, p < 0.0003–0.01). Tabela 1: Variáveis obtidas observadas em 14 cães anestesiados com isoflurano sob ventilação mecânica com o ajuste do volume corrente para 8, 12 e 16 mL/kg (VT8, VT12 e VT16, respectivamente). Variável Volume Corrente VT8 VT12 VT16 FC (batimentos/min.) 121 ± 14a 108 ± 10b 110 ± 16ab PAS (mmHg) 101 ± 11a 93 ± 9b 96 ± 12ab PAM (mmHg) 64 ± 5a 60 ± 3b 62 ± 5ab PAD (mmHg) 48 ± 6 46 ± 4 49 ± 5 fR (respirações/min.) 20 ± 1a 15 ± 3b 10 ± 3c ETCO2 (mmHg) 51 ± 6c 42 ± 4b 40 ± 3a Pplat (cmH2O) 7 (6–7)a 9.5 (8–10)b 11.5 (10–12)c Ppico (cmH2O) 8 (7–8.25)a 11 (9.75–11)b 13 (11.75–13.25)c Cqst (mL/cmH2O/kg) 1.21 (1.11–1.37)a 1.32 (1.24–1.55)b 1.45 (1.38–1.68)c Cqst (mL/cmH2O) 26.0 ± 5.1a 29.7 ± 7.2b 32.4 ± 7.8c FC/fR 6 ± 1a 8 ± 2b 12 ± 4c a, b, c: Valores seguidos de letras sobrescritas diferentes são significativamente diferentes entre si (a < b < c, p < 0.05). O efeito dos diferentes ajustes de VT nos índices dinâmicos de pré-carga estão representados na Figura 1. A variação de pressão de pulso aumentou de 10,1 ± 3,2% (VT8) para 14,1 ± 4,1% e 19,3 ± 6,1% em VT12 e VT16, respectivamente (VT8 vs VT12, p = 0,0009; VT8 vs VT16, p < 0,0001; VT12 vs VT16 p = 0,0002). Os valores de ΔVpeak de um dos animais foram excluídos da análise uma vez que as imagens obtidas não apresentaram alinhamento adequado entre do feixe do Doppler com a via de saída do fluxo aórtico (Figura 2). A ΔVpeak aumentou significativamente de 10,3 ± 4,0% (VT8) para 13,3 ± 3,7% (VT12) e 17,1% ± 5,7% (VT16) (VT8 vs VT12, p = 0,004; VT8 vs VT16, p = 0,002; VT12 vs VT16, p = 0,045). As alterações no fluxo aórtico Figura 1: Variação da pressão de pulso (VPP, n = 14) e variação da velocidade máxima do fluxo aórtico (ΔVpeak, n = 13) observadas em cães anestesiados sob ventilação mecânica com o ajuste do volume corrente para 8, 12 e 16 mL/kg (VT8, VT12 and VT16, respectivamente). a, b, c: Médias seguidas por letras diferentes são significativamente diferentes entre si (a < b < c, p < 0,05). Figura 2: Mensuração do fluxo aórtico por ecocardiografia transtorácica (janela paraesternal esquerda, corte de apical de 5 câmaras) em um cão anestesiado com isoflurano (20,7kg) sob bloqueio neuromuscular induzido por atracúrio e ventilado mecanicamente em modo volume controlado com 8,12 e 16 mL/kg de volume corrente (VT8, VT12 and VT16, respectivamente). As setas apontam a velocidade máxima do fluxo aórtico (Vpeak (max)) e a velocidade mínima do fluxo aórtico (Vpeak (min)) registrados 2-3 batimentos cardíacos após Vpeak (max). Durante ventilação mecânica com VT8, VT12 e VT16, 7%, 29% e 64% dos animais foram preditos como respondedores à expansão volêmica, respectivamente (Figura 3). A proporção de respondedores aumentou juntamente aos valores de VT (p = 0,006). Figura 3: Efeitos da ventilação mecânica com 8, 12 and 16 mL/kg (VT8, VT12 and VT16, respectivamente) sobre o número de animais preditos como respondedores* (ΔPP > 16%) e não respondedores (ΔPP ≤ 16%) à expansão volêmica. * Animais onde o VS apresenta elevação > 15% em resposta a uma prova de carga com 20 mL/kg de Ringer Lactato durante 15 minutos (Celeita-Rodriguez et al. 2020) 4. DISCUSSÃO Este estudo demonstrou que houve aumento progressivo nos índices dinâmicos de pré carga (ΔPP e ΔVpeak) em conjunto com o aumento com o aumento VT de 8 para 16 mL/kg. Com o emprego de uma variedade de configurações de VT que podem ser empregadas na rotina anestésica, foi possível observar alterações significativas na ΔPP, as quais alteram a predição de fluido responsividade. A verdadeira fluido responsividade não foi determinada a partir da avaliação do percentual de mudança do VS ou DC geradas por um desafio volêmico (Teixeira- Neto & Valverde 2021). Entretanto, a proporção de respondedores a expansão volêmica preditos durante ventilação mecânica com VT8 (7%) é substancialmente menor do que a proporção de respondedores a desafio volêmico relatado em cães saudáveis (Celeita-Rodríguez et al. 2019, de Oliveira et al. 2021). Estes achados levantam a hipótese de que um VT menor pode estar associado a alta porcentagem de falsos negativos na predição de fluido responsividade. Ventilação mecânica com VT ≥ 8 mL kg-1 é adequada para predizer fluido responsividade em humanos (Teboul 2013; Teboul et al. 2019). Entretanto, tal extrapolação pode não ser possível para a espécie canina. Espera-se que aumentos na pressão intratorácica (pleural) induzida pela ventilação mecânica com um mesmo valor de VT (calculado em mL/kg de peso ideal) seja menor em cães do que em humanos, uma vez que a razão entre complacência da parede torácica e complacência pulmonar (Ccw/CL) é maior em caninos do que na espécie humana (Bennet & Tenney 1982; Perel et al. 1987; Szold et al. 1989). Por este motivo, a magnitude da variação do VS e índices equivalentes (ΔPP e ΔVpeak) induzida por um VT de 8 mL/kg é provavelmente menor em pacientes caninos do que em humanos. No presente estudo, a ventilação mecânica com VT de 8 mL/kg reduziu o ΔPP para valores abaixo do ponto de corte para discriminar respondedores a expansão volêmica (ΔPP > 16%) em 13 dos 14 cães. A baixa porcentagem de animais preditos como respondedores a expansão volêmica (7%) reportada neste estudo é substancialmente menor que a porcentagem de respondedores “verdadeiros” identificada após um único desafio volêmico com cristaloides em cães (38 a 100%) (Teixeira-Neto & Valverde 2021). Coletivamente, estes resultados sugerem que o ajuste do VT para 8 mL kg-1 pode estar associado a alta taxa de falsos negativos, uma vez que apenas 1 de 14 animais foi predito como respondedor a expansão volêmica neste contexto. Uma ampla variedade de pontos de corte para VPP (11 a 16%) foi relatada para discriminar o status de fluido responsividade em estudos com caninos (Fantoni et al. 2017; Sano et al. 2018; Celeita-Rodríguez et al. 2019; Gonçalves et al. 2020; Dalmagro et al. 2021). Apesar da VPP ser calculada utilizando a mesma fórmula, monitores hemodinâmicos apresentam valores de VPP utilizando algoritmos computacionais dedicados, os quais podem necessitar de validação previamente ao seu emprego clínico (Hofer & Cannesson 2011). Tendo em vista que o uso de algoritmos computacionais, entre outros fatores, pode influenciar os valores VPP, a predição de fluido responsividade neste estudo foi baseada no valor de corte de VPP (> 16%) reportado para o mesmo monitor hemodinâmico empregado no presente estudo (PICCOTM) (Celeita-Rodríguez et al. 2019). O valor de corte de ΔVpeak que discrimina o status de respondedores a expansão volêmica é relatado em outros estudos com cães (≥ 9,4% e ≥10,15%) (Bucci et al. 2017; Gonçalves et al. 2020). Entretanto, predição de responsividade baseada em valores de corte não foi realizada no presente estudo, uma vez que a técnica utilizada para mensuração do fluxo aórtico nestes estudos (ecocardiografia transtorácica/vista subxifoide e ecocardiografia transesofágica) difere da técnica utilizada no presente estudo (ecocardiografia transtorácica, corte de cinco câmaras apical). No presente estudo, a Vpeak(min) sempre foi mensurada entre 2-3 batimentos cardíacos após a Vpeak(max), o que condiz com a literatura (Michard 2005; Teboul et al. 2019). O aumento máximo do VS no ventrículo esquerdo, o que corresponde a PPmax e Vpeak(max), ocorre devido ao aumento na pressão alveolar durante a inspiração, a qual resulta em compressão dos capilares pulmonares ingurgitados com sangue (zona pulmonar III de West). Com a compressão dos capilares da zona III de West, há aumento transitório da pré-carga do ventrículo esquerdo e do VS. Além deste efeito, também observa-se redução transitória na pós-carga do ventrículo esquerdo durante a inspiração, favorecendo o aumento do VS. A redução da pós- carga é causada pela diminuição na pressão transmural (diferença entre a pressão interna e externa de uma câmara cardíaca) do ventrículo esquerdo durante a sístole, a qual é induzida pelo aumento transitório da pressão pleural durante a inspiração (Michard 2005). A redução máxima no VS, que corresponde ao PPmin e Vpeak(min), é causada por uma diminuição transitória do retorno venoso, a qual ocorre como consequência da compressão da veia cava e aumento da pressão no átrio direito, secundariamente ao aumento de pressão intratorácica (pleural) durante a inspiração (Michard 2005). Devido ao atraso associado ao trânsito do sangue na circulação pulmonar, a diminuição máxima no VS do ventrículo esquerdo e índices correlatos (PPmin e ΔVpeak(min)) geralmente é observada 2 a 3 batimentos após a elevação máxima do VS e índices equivalentes (PPmax e ΔVpeak(max)) (Michard 2005; Teboul et al. 2019). Aumentos na pré-carga do ventrículo direito também contribuem para a diminuição do VS e índices correlatos. Este efeito se deve ao aumento transitório da resistência vascular pulmonar causada pela distensão da parede alveolar e compressão de capilares da zonas de West I (pressão alveolar > pressão arterial e venosa pulmonar) e II (pressão arterial pulmonar > pressão alveolar > pressão venosa pulmonar) (Michard 2005). No presente estudo, a manutenção da pressão de platô devido o uso de uma pausa inspiratória de 30% do tempo inspiratório, pode ter teoricamente contribuído para um maior aumento na pós-carga do ventrículo direito, maximizando variação do VS e dos índices dinâmicos de pré-carga (Celeita- Rodríguez et al. 2019). Entretanto, até o presente momento, se desconhece o impacto do uso de pausa inspiratória sobre os índices dinâmicos de pré-carga. Não existe consenso no que diz respeito ao VT ideal durante a rotina anestésica e cirúrgica de cães sem doença pulmonar. Em cães anestesiados, a ventilação mecânica com VT de 15mL/kg resultou numa ventilação alveolar mais efetiva do que 10 e 12 mL/kg (Bumbacher et al. 2017). Tendo-se em vista que o espaço morto das vias áreas (representado pelas vias aéreas superiores, traqueia, brônquios e bronquíolos) reportado em cães sob ventilação mecânica pode variar entre 6,5 a 7,6 mL/kg, o VT de 8 mL/kg pode estar resultando principalmente em ventilação de espaço morto, sendo pouco efetivo em manter a ventilação alveolar. De fato, os resultados do presente estudo suportam esta hipótese, uma vez que no grupo VT8 os valores de ETCO2 foram significativamente maiores em relação aos demais grupos. Por outro lado, em anestesia humana valores de VT maiores que 8 mL/kg são atualmente considerados lesivos devido a distensão excessiva e inflamação alveolar (Young et al. 2019). As diretrizes para preservação pulmonar em ventilação mecânica durante cirurgias em humanos atualmente recomendam o uso de VT de 6- 8 mL/kg com pressão expiratória final positiva (PEEP) de 5 cmH2O; enquanto mantendo a fração inspirada de oxigênio ≤ 0.4 (Young et al. 2019). Em contrapartida, defende-se que as recomendações de VT para humanos não devem ser extrapoladas para a espécie canina, em parte pela proporção volume pulmonar/peso corporal ser maior em cães do que em outras espécies (Robinson et al. 1971; Donati et al. 2019). Além deste fato, pelo maior espaço morto representado pelas vias aéreas na espécie canina (6,6 a 7,6 mL/kg), comparativamente aos seres humanos (2 mL/kg ou cerca de 30% do VT), o emprego de valores de VT da ordem de 8 mL/g provavelmente são inadequados em cães com pulmões saudáveis. No presente estudo, VT foi ajustado de maneira randomizada para os volumes entre 8 e 16 mL/kg com pressão expiratória final de zero (ZEEP) e FiO2 > 0,9. É reconhecido que o uso de ventilação mecânica com FiO2 elevada e ZEEP pode favorecer a atelectasia e diminuir a complacência pulmonar em humanos e cães (De Monte et al. 2013; Young et al. 2019). Em cães anestesiados sob ventilação mecânica com VT12 e FiO2, elevada (> 0,9), a atelectasia pulmonar pode ser minimizada utilizando-se manobras de recrutamento alveolar seguidas de 5 cmH2O de PEEP ou diminuição da FiO2 de 1,0 para 0,4 (De Monte et al. 2013). O aumento nos índices dinâmicos de pré-carga observados com a elevação progressiva do VT pode ser atribuído a dois mecanismos (Michard 2005; Teboul et al. 2019): 1) A elevação da pressão intratorácica/pleural (como sugerido pelo aumento progressivo da Pplat) resultou em maior redução da pré-carga do ventrículo direito (maior redução do VS, PPmin e ∆Vpeak(min)) e maior redução da pós-carga do ventrículo esquerdo (maior elevação do VS, PPmax e ∆Vpeak(max)). 2) A melhora na aeração pulmonar, possivelmente associada ao aumento gradual da complacência pulmonar (Cqst), poderia ter resultado em maior transmissão da pressão de vias aéreas (Pplat) para o tecido pulmonar, resultando em maior compressão dos capilares pulmonares das zonas de West I e II e maior elevação da pós-carga do ventrículo direito (maior diminuição do VS, PPmin e ∆Vpeak(min)). Este estudo apresenta inúmeras limitações. Devido à sua natureza experimental, algumas particularidades devem ser consideradas antes de se extrapolar estes resultados para a prática clínica. Em primeiro lugar, a manutenção da FiO2 (> 0.9) sob ventilação espontânea durante os primeiros 30 minutos após intubação orotraqueal pode ter favorecido a ocorrência de atelectasia e diminuído a complacência pulmonar (De Monte et al. 2013; Young et al. 2019). Estes fatores podem ter contribuído para diminuição da VPP e de variações no fluxo aórtico geradas pelas respirações mecânicas devido a minimização da transmissão da pressão de vias aéreas para o pulmão na presença de grandes áreas de atelectasia ou redução da complacência pulmonar (Teboul et al. 2019). Em segundo lugar, o “verdadeiro” status de fluido responsividade não foi determinado para cada animal uma vez que não foram avaliadas a respota do DC ou VS a um desafio volêmico. A comparação do “verdadeiro” status de fluido responsividade com o status de predição da mesma em cada VT permitiria determinar a real extensão com a qual diferentes ajustes de VT influenciam a acurácia diagnóstica da VPP. 5. CONCLUSÃO Aumentos no VT de 8 para 16 mL/kg alteram as interações coração-pulmão, causando progressivo aumento da VPP e ΔVpeak. Baseado em valores de corte de VPP anteriormente publicados para discriminar o status de fluido responsividade, os valores de VT avaliados neste estudo alterou significativamente a predição de fluido responsividade pela VPP. Estudos futuros são necessários para determinar qual seria VT mínimo para predição acurada da fluido responsividade em cães. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Auler JO Jr, Galas F, Hajjar L et al. Online monitoring of pulse pressure variation to guide fluid therapy after cardiac surgery. Anesth Analg. 2008; 106: 1201–6. Bennett FM, Tenney SM. Comparative mechanics of mammalian respiratory system. 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