BIANCA AURORA MOREIRA BERNARDES RELATO DE CASO: Reabilitação oral em paciente submetido a tratamento oncológico sem orientação odontológica prévia. ARAÇATUBA – SP 2017 Faculdade de Odontologia de Araçatuba BIANCA AURORA MOREIRA BERNARDES RELATO DE CASO: Reabilitação oral em paciente submetido a tratamento oncológico sem orientação odontológica prévia. Trabalho de Conclusão de Curso como parte dos requisitos para a obtenção do titulo de Bacharel em Odontologia da Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Orientador: Profª. Ass. Drª. Karina Helga Turcio de Carvalho ARAÇATUBA – SP 2017 Faculdade de Odontologia de Araçatuba DEDICATÓRIA Ao meu Pai, José Carlos Bernardes (in memorian), minha mãe Lourdes Moreira Bernardes, minha irmã Maria José Moreira Bernardes, e meu sobrinho Gabriel Bernardes Pereira, os quais devo minha eterna gratidão pela paciência, amor e confiança depositados em mim independente de qualquer circunstância. A vocês dedico tudo que conquistei e me tornei, pois é o resultado de tudo que me ensinaram. AGRADECIMENTOS Agradeço à professora, orientadora e amiga Karina Helga Turcio de Carvalho, pelo convívio e apoio durante a realização do trabalho, obrigada por consolidar meus planos. Sua ajuda e orientação foram providências. Seu dom de ensinar e transmitir força de vontade aos alunos enriqueceu minha formação acadêmica e pessoal de maneira imensurável. Ao professor Paulo Roberto Botacin, pelos seus ensinamentos, compreensão e confiança. Obrigada por me ajudar na fase que mais precisei durante a graduação, nunca me esquecerei do Senhor. Foi um privilégio ser sua aluna na graduação e é um prazer te-lo na banca examinadora. À professora Aimee Maria Guiotti, pelo apoio durante a realização do trabalho e pelos ensinamentos que me proporcionou durante todos os anos . Agradeço a todos os professores que me acompanharam durante a graduação. À banca examinadora Prof. Drª Karina Helga Turcio de Carvalho, prof. Paulo Roberto Botacin, Profª Drª Aimee Maria Guiotti, pela disponibilidade em avaliar este trabalho, colaborando assim para o seu enriquecimento e aprimoramento. À disciplina de Prótese Parcial Removível e ao departamento de Materiais Odontológicos e Prótese da Faculdade de Odontologia de Araçatuba, Universidade do Estado de São Paulo - UNESP, Araçatuba, São Paulo, Brasil. À Faculdade de Odontologia do Campus de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, nas pessoas de seu Diretor Prof. Tit. Wilson Roberto Poi e Vice- Diretor Prof. Tit. João Eduardo Gomes Filho, pela oportunidade de realizar este curso e este caso clínico. AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Agradeço primeiramente à Deus, a Santo Antônio e a Nossa Senhora Aparecida, por terem me guiado e protegido todos os dias da minha jornada, por me abençoar e consolidar meus sonhos até o presente momento. Agradeço ao meu Pai, José Carlos Bernardes, que pelo pouco tempo que me viu na Universidade tem-se feito ainda presente, por ter me ensinado tudo o que sei, por continuar me protegendo e cuidando de mim no céu. Por permitir a oportunidade de eu estar aqui, por acreditar em mim e me incentivar a superar todos os obstáculos. Sou eternamente grata por ser sua filha. À minha mãe, Lourdes Moreira Bernardes, meu exemplo de pessoa e mulher, quem superou todas as dificuldades da minha vida, ainda mais na ausência de meu pai. Mulher batalhadora que nunca deixou que nada me faltasse e que o amor transbordasse, quem é o meu motivo de ser uma pessoa melhor a cada dia. Quem me ensinou a ser tudo o que sou e quem, sempre me apoiou em todas as decisões, inclusive ao aceitar viajar ao longo de um semestre para que fosse o Caso Clínico do meu Trabalho de Conclusão de Curso. Obrigada por sempre acreditar em mim. Mesmo à distância sei que seus pensamentos estão comigo a todo momento, sempre rezando para que eu alcance meus objetivos. Sou muito grata e orgulhosa por ser sua filha. À você, toda minha gratidão e amor. À minha irmã, Maria José Moreira Bernardes, que sempre cuidou de mim e me deu de presente meu sobrinho, muito amado, Gabriel, que vou cuidar para sempre. Às minhas tias, Maria Lúcia Moreira e Leonor Moreira, minhas segundas mães, que sempre cuidaram de mim, ainda mais na ausência de meu pai, dando condições emocionais e financeiras para que meu sonho nunca parasse. À elas minha eterna gratidão e amor. Ao meu companheiro, Walyson H. de Sousa Lima, pela amizade e amor, por acreditar sempre nos meus sonhos, por me apoiar e ser meu braço direito desde que entrou na minha vida. Quero estar sempre com você, obrigada por tudo. Agradeço também a toda sua família pelo carinho, apoio e ajuda durante esses anos. Agradeço as minhas amigas de infância, que me ensinaram o verdadeiro valor da amizade e que a distância é apenas um detalhe, Camila Monteiro e Thayli Vieira, por sempre me apoiarem e estar presente onde quer que eu esteja. À minha irmã de coração, que a Faculdade me proporcionou, Malena Castro, por ser meu anjo da guarda, cuidar de mim e me ensinar todos os dias da graduação. Por não me deixar desistir, por me fazer crescer e ser uma pessoa melhor. Obrigada por me aguentar todos os dias. À minha primeira melhor amiga da Faculdade, Fernanda Zabatiero Russo e a sua família, Tio Douglas e Tia Deise, por todo amor e carinho que me dão, pela amizade verdadeira e pela capacidade de superarmos tudo, sempre juntos. Sei que nossa amizade é eterna. Obrigada por tudo. Agradeço ao meu melhor amigo e dupla de todas as clínicas, Flávio Duarte Faria, e a sua família, Tio Max e Tia Márcia, por me acolherem na sua casa quando estamos sozinhos em uma cidade nova. Obrigada por tudo o que sempre fizeram por mim, nunca vou me esquecer, levarei vocês comigo para sempre. Aos meus amigos e irmãos, que sempre estão presentes quando mais preciso, Arthur Lacerda, Henrique Abe, Lucas Marcondes, Guilherme Pimenta, Vinicius Orasmo e Thiago Esgalha. Obrigada por me ensinarem tanto e por cuidarem tão bem de mim. Nossa amizade quero levar para o resto da vida. Aos meus bons amigos e amigas, principalmente da turma 60, companheiros de faculdade e de vida. Obrigada por todas as experiências e alegrias trocadas ao longo desses anos. EPÍGRAFE “Consagre ao Senhor tudo o que você faz, e seus planos serão bem-sucedidos." Provérbios 16:3 BERNARDES, B.A.M. RELATO DE CASO: Reabilitação oral em paciente submetido a tratamento oncológico sem orientação odontológica prévia. 40f. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, 2017. RESUMO Paciente L.M.B., 65 anos, gênero feminino, portadora de Carcinoma de Ductos Infiltrativos Grau II e Carcinoma de Ductos Mamários Metastáticos, submeteu-se a uma Quadrantectomia da mama esquerda e Linfadenectomia Axilar, seguido por tratamento quimioterápico, radioterápico e hormonioterápico. A doença foi descoberta por exames de rotina para instalação de implantes nas áreas correspondentes aos dentes 13 e 22. Após o tratamento médico, com o intervalo de três anos, obteve-se a liberação para tratamento odontológico, a qual não teve nenhuma instrução de higiene oral antes, durante e depois do tratamento oncológico. Visto que, a radioterapia teve a sua área radiada para o pescoço e base do crânio, a paciente apresentou-se com inúmeras cáries de radiação e mais perdas de elementos dentários, totalizando uma ausência de dez dentes. Encaminhada para a Faculdade de Odontologia de Araçatuba, passou primeiramente pela Periodontia onde foram feitos adequação do meio com raspagens, alisamento e profilaxia oral; seguindo para a Dentística onde foi realizado restauração após lesão por cárie no elemento 44. E finalmente, sua reabilitação oral por ser provida de duas Próteses Parciais Removíveis, com intuito de recuperar a saúde, a estética e função mastigatória para a paciente. Palavras-chave: Saúde Bucal, Oncologia, Higiene Bucal. BERNARDES, B.A.M. CASE REPORT: Oral rehabilitation in a patient undergoing oncological treatment without prior dental orientation. 40f. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual Paulista, Araçatuba, 2017. ABSTRACT Patient L.M.B., 65 years old, female, with Infiltrating Ductal II and Metastatic Breast Ductal Carcinomas, underwent a Quadrantectomy of the left breast and Axillary Lymphadenectomy, followed by chemotherapeutic, radiotherapeutic and hormonal therapy treatment. The disease was discovered after routine exams for installation of implants in the areas corresponding to teeth 13 and 22. After the medical treatment, within three years interval, the release for dental treatment was obtained, and there was no oral hygiene instruction previously, during and after cancer treatment. Since neck and skull base were the radiated area during radiotherapy, the patient presented several radiation caries and more dental elements losses, totalizing an absence of ten teeth. She was forwarded to the Aracatuba Dental School, where she firstly passed through the Periodontics Clinic and had some oral environment adequation by scaling, root smoothing and oral prophylaxis; Then she was forwarded to Restorative Dental Clinic where dental restoration in element 44 was made, and finally, her oral rehabilitation could be made in the Partial Removable Prosthesis Clinic by restoring the patient health, aesthetics and masticatory function. Keywords: Oral Health, Medical Oncology, Oral Hygiene. LISTA DE ABREVIATURAS FOA – Faculdade de Odontologia de Araçatuba OMS – Organização Mundial da Saúde TNM – “Classification of Malignant Tumours”; T = Tamanho do tumor primário, N = comprometimento de linfonodos, M = metástase SUMÁRIO 1. Introdução ....................................................................... 13 2. Objetivo ........................................................................... 15 3. Revisão Bibliográfica 3.1. Carcinoma Mamário ........................................................ 16 3.2. Modalidades Terapêuticas Usadas ..................................... 16 3.3. Consequências Bucais do Tratamento Oncológico ................ 17 3.4. Papel do Cirurgião Dentista na Equipe Multidisciplinar .......... 19 3.5. Indicações da Prótese Parcial Removível ............................ 21 4. Relato de Caso Clínico ........................................................ 23 5. Conclusão do caso ............................................................. 33 6. Considerações finais .......................................................... 34 7. Referências ...................................................................... 35 8. Anexos ............................................................................ 39 13 1. Introdução Pacientes oncológicos que são submetidos a tratamentos ressectivos, medicamentosos ou com radiações ionizantes, que combatem todas as células do organismo, doentes ou sadias, raramente possuem orientação odontológica antes e durante o tratamento, tão pouco há avaliação da cavidade bucal para eliminar focos de infecção e diminuir o incomodo do paciente. As sequelas bucais consequentes do tratamento antineoplásico são maiores quando o tecido em tratamento é, ou está próximo, à cabeça e pescoço, dependendo também da intensidade e do tipo de tratamento em questão. No caso do Carcinoma Mamário, em pacientes que fizeram a radioterapia por dias consecutivos, a área irradiada não se localiza apenas na região das mamas, bem como se prolonga para o pescoço e base do crânio, além da porção inferior das axilas, principalmente se houver grau de metástase para os gânglios axilares. Dessa forma, surgem as consequências bucais, tais como: xerostomia, alterações no paladar, deglutição e fala. A cárie de radiação é característico desses casos, a qual amputa os dentes na região cervical, deixando apenas a raiz residual, cabendo aos Cirurgiões Dentistas tratar, reabilitar e orientar o paciente sobre higienização bucal. Devido à imunossupressão, aos problemas de saúde sistêmicos e aos fármacos administrados, como o da Classe dos Bifosfonatos, foi escolhido uma prótese para a reabilitação oral deste caso clínico relatado neste trabalho. A prótese de escolha foi a Prótese Parcial Removível devido a praticidade e facilidade de 14 higienização da paciente, além de devolver as funções e a estética de maneira muito satisfatória. 15 2. Objetivo Elaborar uma revisão bibliográfica referente ao papel do Cirurgião Dentista na prevenção, tratamento e acompanhamento de pacientes submetidos a radioterapia e quimioterapia irradiadas para o pescoço e base de crânio, suas consequências bucais e a reabilitação oral do mesmo. Apresentar um relato de caso clínico de reabilitação por Prótese Parcial Removível, como indicação para pacientes que fazem tratamento de reposição hormonal e usam Bifosfonatos quando são contraindicados os implantes dentários, e a Prótese Parcial Removível poderá devolver a função e estética ao paciente de forma minimamente invasiva. 16 3. Revisão de Literatura 3.1 Carcinoma mamário Caracteriza-se por carcinoma a multiplicação de células de forma desordenada devido a vários fatores endógenos ou exógenos, dependendo da resposta imunológica do organismo frente a essa situação. O Subcomitê de Registros de Casos de Câncer e Apresentação Estatística, da Organização Mundial da Saúde (OMS) dividiu os casos em grupos, segundo o termo “Estadiamento”, o qual refere-se à extensão de sua disseminação local e à distância, sendo: “TNM” (Classification of Malignant Tumours, T = Tamanho do tumor primário, N = comprometimento de linfonodos, M = metástase), cujo método é citado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA, 2017). Esta doença não é considerada fatal, uma vez que ficam confinadas dentro do ducto e, caso as células se disseminem pelo tecido circundante, ganham acesso aos vasos sanguíneos e linfáticos, levando a metástase e à morte. 3.2. Modalidades Terapêuticas Usadas A cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia são formas terapêuticas do tratamento oncológico, usadas isoladas ou conjuntamente. A cirurgia é o único tratamento que atua especificamente no tecido afetado, enquanto a quimioterapia atua através da inibição ou destruição de células, não diferenciando as células neoplásicas das células sadias, dessa forma, é evidente a quantidade de efeitos colaterais (Hespanhol et Al., 2010). A radiação 17 ionizante provinda da radioterapia, causa lesões nos tecidos localizados no campo de ação, cuja radiação vai atuar sobre o DNA da célula cancerígena levando a perda de sua capacidade reprodutiva ou a morte (Jham et Al., 2006). A hormonioterapia é uma terapia sistêmica adjuvante para reduzir o risco da recidiva da doença (Brito et al., 2014), através de fármacos administrados oralmente, de uso contínuo, como “Tamoxifeno” e “Anastrozol”, ambos usados para bloquear receptores de estrogênio ou impedir o mesmo hormônio de atuar nas células cancerígenas, uma vez que este hormônio auxilia o crescimento e a disseminação das células cancerígenas (Freitas et Al., 2011). Estimam-se que cerca de 40% dos pacientes que realizam tratamento antineoplásico, irão apresentar sequelas na cavidade oral, em virtude da estomatotoxicidade direta ou indireta. Alterações estruturais de natureza química e física também podem ocorrer no esmalte e na dentina, enfraquecendo os tecidos, tornando-os mais susceptíveis ao desenvolvimento de processos cariosos (Morais et Al., 2006). 3.3. Consequências Bucais do Tratamento Oncológico A região de cabeça e pescoço é uma área complexa, composta por inúmeras estruturas que respondem de maneiras diferentes a determinados tipos de tratamento. As sequelas orais afetam diretamente a qualidade de vida dos pacientes e geram alta morbidade. Em consequência a radiação ionizante, temos as seguintes manifestações: xerostomia, mucosite, candidose, trismo, disfagia, cárie de radiação, osteorradionecrose e necrose do tecido 18 mole pois alteram o pH, a lubrificação e a microbiota da área afetada. Xerostomia é a sensação de “boca seca”, frequentemente presente em 80% dos pacientes irradiados (Chencharick e Mossman, 1983), entretanto há uma diferença entre a subjetividade da sensação de boca seca e os reais valores dos fluxos salivares. Pacientes nessas condições queixam-se de perda do paladar, desconforto bucal, dificuldade na fala e deglutição. De acordo com os mesmos autores, isso se dá pela diminuição das amilases e da capacidade tampão devido a radiação, portanto trata-se de pessoas com maior susceptibilidade à doença periodontal, amputações dentárias (característico da cárie de radiação) e infecções bucais. Mucosite é uma irritação na mucosa sem envolvimento de microorganismos, enquanto Candidose é uma irritação também na mucosa relacionada à uma espécie de fungo, a Candida albicans, presente em 27% dos casos analisados (Grotz et Al., 2003). Define-se disgeusia a distorção ou diminuição do senso de paladar, que acomete os pacientes a partir da segunda ou terceira semana de radioterapia, podendo durar semanas ou meses, devido a radiossensibilidade dos botões gustativos (Ohrn et Al., 2001; Chencharick et Al., 1983). E, disfagia a dificuldade em duglutir, ambas implicam em perda de apetite e de peso. O trismo ocorre quando a radiação ionizante provoca uma fibrose da articulação temporomandibular, dos ligamentos e dos músculos adjacentes, acarretando perda de flexibilidade e consequentemente uma gradual redução da abertura da boca em função do comprometimento da movimentação mandibular, 19 dificultando a higienização bucal (Ray-Chaudhuri et Al., 2013; Demian et Al., 2014). A radiação pode causar danos diretamente no tecido duro, inclusive nos dentes, afetando a capacidade de regeneração pulpar, desnaturação do colágeno e fragilidade ao nível da junção amelo- dentinária, devido as alterações na saliva, alimentação, microbiota e irregularidade da escovação devido as irritações na mucosa (Epstein et Al., 2012). Como consequência, as cáries de radiação surgem (Silverman, 1999), mesmo que o indivíduo não tenha atividade cariosa recente, caracterizada por progressão rápida principalmente na região cervical do elemento dental, cuja área apresenta menor espessura de esmalte dental. A necrose de tecido mole é uma úlcera localizada no tecido que fora irradiado, comumente encontrada nas sessões de braquiterapia em que está relacionada com o tecido irradiado, tempo e volume da glândula irradiada e, por isso, há relatos de muita dor (Silverman, 1999). Por fim, a osteorradionecrose é a necrose isquêmica do osso em decorrência da radiação, resultando em dor intensa, bem como possíveis perdas substanciais da estrutura óssea, pois as células e a vascularização do tecido ósseo podem sofrer alterações irreversíveis (Thorn et Al., 2000). 3.4. Papel do Cirurgião Dentista na Equipe Multidisciplinar O paciente deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar, composta por Cirurgião Dentista, de modo a 20 garantir a manutenção do seu estado de saúde geral e consequentemente maximizar a sua qualidade de vida (Demian et Al., 2014; Maria & Ramalho, 2011; Jham et Al., 2006). Antes da terapêutica oncológica, o dentista deve eliminar todo e qualquer foco de infecção para estabilizar a saúde do paciente a fim de evitar tratamentos invasivos e complicações a saúde do mesmo, por meio de instruções de higiene oral, profilaxia, aplicação tópica de flúor, tratamentos restauradores, tratamento periodontal, exodontias necessárias e eliminação de traumas, como os ajustes de próteses por exemplo. Durante o tratamento, o cirurgião-dentista deve tratar as complicações orais que possam manifestar-se, tais como mucosites, xerostomia, trismos e infeções oportunistas, além de reforçar os cuidados com a higiene oral (Ray-Chaudhuri et al., 2013). A cirurgia oral após a radioterapia deve ser liberada pelo médico oncologista, em que o paciente deve ser reavaliado após três meses do término do tratamento em que não tenha nenhuma queixa e então, o cirurgião dentista deve avaliar o estado bucal do mesmo para a existência de doenças ou recidivas de tratamentos anteriores. No caso de pacientes que necessitem ou optem por próteses, sendo uma delas a Prótese Parcial Removível, deve ser recomendado a higienização regular e atenção para possíveis traumas que esta possa causar nos tecidos quando não ajustada ou fraturada. Na literatura (Beech et al., 2014; Horowitz et al., 2009) não há um intervalo de tempo ideal entre a radioterapia e a reabilitação oral, porém os médicos pedem de três a cinco anos, caso haja necessidade de extrações. É necessário um 21 acompanhamento bucal concomitantemente ao tratamento médico, a fim de detectar novos diagnósticos e iniciais tratamentos precocemente de qualquer reação que surja na cavidade bucal. 3.5. Indicações da Prótese Parcial Removível A Prótese Parcial Removível é indicada para os seguintes casos (Todescan et al., 1996): espaços edentados sem pilar posterior ou Prótese de Extremidade Livre, Bi ou Unilateral; espaços edentados extensos; dentes suportes com sustentação periodontal reduzida; excessiva perda de tecido ósseo; necessidade de recolocação imediata dos dentes anteriores; no campo da Cirurgia Bucodentoalveolar e Bucomaxilofacial; como auxiliares nas contenções de fraturas maxilares; para pequenas movimentações; de acordo com estado físico e emocional do paciente; como aparelhos temporários e orientadores nas reabilitações bucais; protetor de implantes, odontopediatria e fator de ordem econômica. A opção pelo Implante Dentário é contraindicada, como prováveis fatores de risco, de acordo com Zavanelli, et al., (2011): tabagistas, pacientes submetidos à radioterapia de cabeça e pescoço, portadores de diabetes mellitus, doença periodontal ativa ou osteoporose, idade avançada, densidade óssea deficiente e uso de bifosfonato, uma vez que apresentariam interferência no processo da osseointegração dos implantes dentários. Os casos devem ser avaliados individualmente, para indicar ou não os implantes dentários, porém há uma absoluta contraindicação quando o paciente faz uso de bifosfonato, como por exemplo o “Alendronato de Sódio”. 22 Os Bifosfonatos são análogos estruturais do pirofosfato, utilizados no tratamento de doenças metabólicas do tecido ósseo que possuem uma elevada reabsorção óssea, pois diminui a atividade células osteoclásticas por apresentar elevada afinidade com o tecido ósseo. Associado à terapêutica com bifosfonatos, há indução da osteonecrose dos maxilares (Sarin et al., 2008) como uma das possíveis complicações da administração prolongada destes fármacos, afetando a qualidade de vida dos pacientes ao induzir uma morbidade significativa. A osteonecrose caracteriza-se pelo fato de não ocorrer neoformação óssea, assim não há renovação celular, as células apresentam-se envelhecidas e com significativo grau de hipovascularização. 23 4. Relato de Caso Clínico Paciente L.M.B., gênero feminino, 65 anos de idade, branca, viúva, ingressou na Clínica de Prótese Parcial Removível da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” de Araçatuba, assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes dos procedimentos clínicos iniciais (Anexo A). Na anamnese relatou ser portadora de Hipertensão, Esteatose Hepática, Artrite Reumatoide e Febre Reumática desde os 6 anos de idade e possuir dores musculares e reabsorções ósseas nas grandes articulações do ombro e cabeça do fêmur. Faz uso contínuo de fármacos: Enalapril, Alendronato de Sódio e Anastrozol. No histórico médico e da doença atual, a paciente relata que iniciou o tratamento odontológico em 2012 para a realização de implantes dentários do canino superior direito e do incisivo lateral superior esquerdo, na Universidade de Marília. A mesma solicitou ao Cirurgião Dentista exames de imagem rotineiros para verificar sua saúde devido ao seu histórico médico, além de seus episódios recorrentes de Pneumonia na época. Assim, foram realizados tomografias do Crânio e do Tórax, Densitometria Óssea e Exames Laboratoriais. O resultado da Tomografia Computadorizada do Tórax apontou nódulo na Mama Esquerda, o que levou a interrupção do tratamento odontológico e encaminhamento para o Hospital Amaral Carvalho de Jaú – SP. Os médicos mastologistas fizeram uma biópsia por Punção Aspirativa a qual resultou em Carcinoma de Ductos Infiltrativo, de Grau II e Carcinoma de Ductos Mamários Metastáticos (Classificação 24 TNM: T1b N2 M0), e após um mês foi realizado a Quadrantectomia e Linfadenectomia Axilar. Após o procedimento cirúrgico, seguiu o tratamento com dez sessões de quimioterapia com intervalo de 21 dias, trinta consecutivas de radioterapia na região do toráx, pescoço e base do crânio, e cinco anos de hormonioterapia com Tamoxifeno, indicados para pacientes pós-menopausa, o qual foi substituído por Anastrozol, devido aos seus efeitos colaterais. A paciente relatou no histórico que havia iniciado a consulta e exames para tratamento odontológico que foi interrompido devido a descoberta do carcinoma. Entretanto, durante o tratamento oncológico, não recebeu orientações e acompanhamento odontológico sobre higienização e riscos de doenças dentárias a que ficaria exposta durante a radioterapia, o que resultou em inúmeras cáries de radiação, devido a xerostomia causada pelo efeito da radioterapia, e aos efeitos desta sobre esmalte e odontoblastos. Após três anos do início do tratamento antineoplásico, houve a liberação do médico para a realização do tratamento odontológico, permitindo as extrações e restaurações necessárias, pois sua queixa principal referia-se a estética que afetava sua autoestima e interação social devido à ausência de seus dentes. A paciente fez as extrações necessárias na cidade em que residia, em consultório particular. Foram extraídos os elementos: 14, 15, 24, 25, 26, 34, 35, 36 e 46. Ao realizar o Exame Clínico na FOA, a avaliação das regiões edêntulas revelou tecido gengival saudável e hígido (Figura 1). Inicialmente foi necessário o Preparo Geral da boca da paciente, a 25 qual foi encaminhada para a Clínica de Periodontia onde foram feitos raspagens e alisamentos com curetas manuais para eliminar cálculos dentais, e profilaxia oral com pasta profilática Herjos (Coltene - Rio de Janeiro - Brasil) para a eliminação de placa dental. Seguindo para a Clínica de Dentística, em que houve a necessidade de restaurar a face distal do elemento dental 44 que apresentava-se girovertido, preparo conservativo em “slot” horizontal usando sistema adesivo Single Bond 2 (3M ESPE – Maplewood – Minnesota – Estados Unidos) e Resina Composta TPH A2 (Dentsply – Petrópolis – Rio de Janeiro - Brasil) (Figura 2), e troca da restauração na face mesial do elemento dental 23, por possuir recidiva de cárie, com o mesmo Sistema Adesivo e a mesma Resina Composta citada anteriormente (Figura 3). 26 Figura 1 – Fotos Iniciais Figura 2 – Elemento dental 44 girovertido 27 Figura 3 – Elemento dental 23 com restauração de resina composta na face mesial A reabilitação protética de escolha foi por meio de Prótese Parcial Removível, devido a paciente fazer uso contínuo de Alendronato de Sódio 70mg, administrado via oral, uma vez por semana para tratamento da reabsorção óssea, cujo fármaco possui altos riscos de indução de osteonecrose maxilar, conforme seus efeitos colaterais supracitados. Na Clínica de Prótese Parcial Removível, foram realizadas radiografias periapicais para a análise do periodonto de sustentação e da inserção óssea alveolar (Figura 4). Paciente Classe III.2 maxilar e III.1 mandibular, possuía ausência de onze dentes 13, 14, 15, 22, 24, 25, 26, 34, 35, 36 e 46 (Figura 5). 28 Figura 4 – Radiografias Periapicais 29 Figura 5 - Paciente Classe III.2 maxilar e III.1 mandibular, com ausência dos elementos dentários 13, 14, 15, 22, 24, 25, 26, 34, 35, 36 e 46 Moldagem Mucostática para a obtenção do Modelo de Estudo com Alginato Hydrogum (© Zhermack SpA – Badia Polesine - Itália), vazamento do gesso com Gesso do tipo III (Gesso Rio – Rio Claro – São Paulo - Brasil) e montagem em Articulador Semi-ajustável. Seguido pelo Delineamento, para verificar áreas de interferências, retenção, estética e determinar planos guia. O planejamento da Prótese Parcial Removível, iniciou com o desenho da estrutura metálica e planejamento dos preparos específicos, os quais ocorreram em sequência na boca da paciente, da seguinte forma: 12 – Descanso Lingual em forma de Taça, 16 – 30 Descanso Oclusal, 21 e 23 – Descanso Lingual em forma de Taça, 27 – Descanso Oclusal, 33 – Descanso Lingual, 37 – Descanso Oclusal Longo devido a mesialização do mesmo, 44 e 45– Descanso Oclusal, 47 – Descanso Oclusal Longo devido a mesialização do mesmo, e incrementos de Resina Composta TPH A2 (Dentsply – Petrópolis – Rio de Janeiro - Brasil) para dar maior retenção nos elementos 33 e 47 na face vestibular (Anexo B). A moldagem para a obtenção do Modelo Mestre foi feita na sessão seguinte, por meio da Moldagem Mucostática com Alginato Hydrogum (© Zhermack SpA – Badia Polesine - Itália), e vazamento com Gesso Tipo IV Durone (Dentsply – Petrópolis – Rio de Janeiro - Brasil), para a confecção da estrutura metálica. O planejamento foi da seguinte forma: a prótese maxilar com Barra Palatina Anterior, grampo Por Ação de Ponta no 23, grampo Circunferencial Simples nos dentes 16 e 27, grampo MDL no 12 e 21, dando maior estética ao sorriso. Já a prótese mandibular, foi confeccionada usando Barra Lingual, com grampo Por Ação de Ponta no 33, e grampo Circunferencial Simples no 37, 45 e 47. A Prova da Estrutura Metálica foi realizada na sequência, analisando a adaptação, alívios e o ajuste oclusal, para realizar a Montagem em Articulador Semi-ajustável, seguida de seleção de dentes artificiais. O dente selecionado foi Trilux (VIPI Produtos Odontológicos – Pirassununga – São Paulo - Brasil), cor A1, para ambas as próteses. Foi realizada a Prova Funcional e Estética, na qual avaliou-se forma e cor de dentes, adaptação, fonética, suporte de lábios e conforto para o paciente. Após aprovação pela paciente as próteses foram enviadas para acrilização. 31 Na sessão de instalação das próteses, foi verificada a adaptação e realizados os ajustes necessários na base e oclusais (Figura 6). A paciente foi cuidadosamente orientada a realizar higienização adequada, e recebeu instruções verbais e folheto autoexplicativo. Também foi ressaltado o cuidado e atenção para com a fibromucosa quando houver lesões, para manter a saúde oral e geral da paciente. Portanto, foram necessários controles para o acompanhamento da prótese já em função, os quais foram realizados em duas sessões. Figura 6 – Instalação da Prótese Parcial Removível 32 Por fim, a paciente mostrou-se bastante satisfeita e voltou a sorrir (Figura 7). Foi possível devolver função e a estética por meio da Prótese Parcial Removível, reabilitando de forma satisfatória a função e a estética da paciente. Figura 7 – Foto final (A paciente assinou autorização para exposição total da face). 33 7. Conclusão do caso O caso da paciente L.M.B. foi concluído com sucesso, após apenas dois controles foram necessários, devido à ausência de queixas e dores ou dificuldades em utilizar as próteses. Como o princípio da reabilitação oral foi estabelecer as funções mastigatórias básicas e devolver estética à paciente, o resultado pode ser considerado excelente, visto que apesar da presença de alguns grampos, a estética não foi prejudicada pelo fato da paciente possuir sorriso baixo (Figura 8). Suas principais queixas antes da reabilitação foram supridas devolvendo sua saúde oral, por meio da Prótese Parcial Removível. Figura 8 – Sorriso baixo da paciente sem comprometimento estético 34 8. Considerações Finais Conclui-se a partir desse relato de caso, que o Cirurgião Dentista possui um papel importante na equipe multidisciplinar oncológica a fim de prevenir, diagnosticar e tratar os pacientes em tratamento antineoplásico. Devolver a saúde e a estética ao paciente, auxiliar em seu processo de tratamento para que um prognóstico favorável na confecção de próteses e estado de saúde geral do indivíduo sejam alcançados. 35 9. Referências 1. Beech N, Robinson S, Porceddu S, Batstone M. Dental management of patients irradiated for head and neck cancer. Aust Dent J [Internet]. 2014;59(1):20–8. 2. Brito C, Portela MC, Vasconcellos MTL, “Fatores associados à persistência à terapia hormonal em mulheres com câncer de mama”. Rev Saúde Pública 2014;48(2):284-295. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2017. 3. Chencharick JD, Mossman KL. Nutritional consequences of the radiotherapy of head and neck cancer. Cancer 1983; 51:811-5. 4. Czlusniak GD, Kroetz, FM. Alterações bucais e condutas terapêuticas em pacientes infanto-juvenis submetidos a tratamentos anti-neoplásicos. UEPG Ci Biol Saúde. 2004; 9(2): 41-48. 5. Demian NM, Eid A. Oral Surgery in Patients Undergoing Chemoradiation Therapy. 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Zavanelli, R. A., Fatores locais e sistêmicos relacionados aos pacientes que podem afetar a osseointegração. RGO, Rev. gaúcha. Odontol. (Online) vol.59 supl.1 Porto Alegre Jan./Jun. 2011. 39 ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 40 ANEXO B – Planejamento da Prótese Parcial Removível 41