NATHÁLIA FERRAZ FREITAS A Teoria do Apego na creche: um olhar para o papel dos vínculos no desenvolvimento de bebês e crianças pequenas Presidente Prudente 2020 NATHÁLIA FERRAZ FREITAS A Teoria do Apego na creche: um olhar para o papel dos vínculos no desenvolvimento de bebês e crianças pequenas Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Campus de Presidente Prudente/SP – Linha de Pesquisa: Processos formativos, infância e juventude, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Cinthia Magda Fernandes Ariosi Presidente Prudente 2020 DEDICATÓRIA A minha mãe, Verônica Ao meu pai, Altair Vocês são minha base segura, meu incentivo e minha luz. Agradecimentos A Deus, por ter me permitido chegar até aqui, por me dar força, graça e sabedoria nessa jornada. Tudo é Dele, por Ele e para Ele. Aos meus pais, Verônica e Altair, por me apoiarem, incentivarem, me aconselharem, por serem os melhores pais e amigos. Amo vocês. A minha irmã, Raphaela, pelo seu apoio, pelas palavras sempre certeiras e carinhosas e pela amizade. Amo você. A todos os meus familiares, tios, tias, primos, primas e minha vó Alzira, por sempre trazerem ao meu coração alegria, amor e esperança. Apesar dos vários quilômetros que nos separam, tenho vocês sempre perto. Amo vocês. Às amigas queridas, Sorrana, Amanda e Fabiana, que tornaram essa caminhada mais leve e feliz. A Prof. Dra. Marta Campos de Quadros, obrigada pelas palavras de incentivo, carinho e confiança. Aos queridos membros do GEPPI (Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Primeira Infância), que carinhosamente chamo de “geppianos”. Obrigada pelas discussões que enriqueceram este trabalho, pelo carinho comigo e com minha pesquisa. A minha orientadora Prof. Dra. Cinthia Magda Fernandes Ariosi, por compartilhar tantos conhecimentos, por seus apontamentos sempre tão pertinentes e a sua dedicação, por ser, além de um uma orientadora, uma grande amiga. Aos membros da banca examinadora, Prof. Dr. Fábio Camargo Bandeira Villela e Prof.ª Dra. Aline Sommerhalder, pelo olhar cauteloso e pela correção tão certeira. A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho, me auxiliaram nessa jornada, a minha eterna gratidão. É extremamente significativo saber que tenho a minha volta pessoas tão queridas e amorosas, que, em um mundo cada vez mais individualista, ainda se preocupam com a felicidade do outro. Muito obrigada! É pertinente ressaltar que o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. O homem da orelha verde Um dia num campo de ovelhas Vi um homem de verdes orelhas Ele era bem velho, bastante idade tinha Só sua orelha ficara verdinha Sentei-me então a seu lado A fim de ver melhor, com cuidado Senhor, desculpe minha ousadia, mas na sua idade de orelha tão verde, qual a utilidade? Ele me disse, já sou velho, mas veja que coisa linda De um menininho tenho a orelha ainda É uma orelha-criança que me ajuda a compreender O que os grandes não querem mais entender Ouço a voz de pedras e passarinhos Nuvens passando, cascatas e riachinhos Das conversas de crianças, obscuras ao adulto Compreendo sem dificuldade o sentido oculto Foi o que o homem de verdes orelhas Me disse no campo de ovelhas. (Gianni Rodari) A Teoria do Apego na creche: um olhar para o papel dos vínculos no desenvolvimento de bebês e crianças pequenas RESUMO Diversas são as questões que impactam o desenvolvimento e o trabalho com bebês e crianças pequenas na creche, dentre estas, nota-se que o apego entre criança- professor deve ser pensado, pois trata-se de um elemento essencial para o desenvolvimento da criança. Conforme aponta a Teoria do Apego de John Bowlby, os seres humanos nascem com a necessidade de formar vínculos com outras pessoas e a qualidade e a consistência desses vínculos impactam o desenvolvimento das crianças, trazendo consequências até a fase adulta. Diante das necessidades de apego do bebê e da criança pequena, defende-se que a creche deve refletir sobre os vínculos que se firmam entre professor e criança no interior da instituição, pois um trabalho que respeite as crianças e as especificidades do trabalho na creche perpassa por esse tema. Diante disso, esta pesquisa, de cunho bibliográfico, que se encontra vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Presidente Prudente, na linha de pesquisa “Processos formativos, infância e juventude” apresenta o seguinte problema de pesquisa: Quais as contribuições da Teoria do Apego para educação de bebês e crianças pequenas na creche? Como as ações do dia a dia da creche podem possibilitar a construção de relações de apego entre professor e crianças? A fim de trazer respostas a essas perguntas, traçou-se como objetivo geral deste trabalho reconhecer a importância dos princípios da Teoria do Apego para o desenvolvimento de bebês e crianças pequenas na creche; deste objetivo geral, emanam três objetivos específicos, a saber: Conhecer John Bowlby e compreender como surgiu a Teoria do Apego; Identificar os aspectos e princípios fundamentais de sua obra; Apontar sugestões de ações que influenciam positivamente a construção de relações de apego entre professor e criança na creche. Defende-se que as ideias e conceitos apontados pela Teoria do Apego sejam trabalhados desde os cursos de formação inicial de professores, para que esses profissionais estejam preparados para o trabalho com crianças, considerando as especificidades do trabalho com bebês e crianças pequenas, em que os vínculos sejam valorizados. A obra de John Bowlby fornece elementos necessários para se discutir o papel e a importância do apego no desenvolvimento da criança, além de se possibilitarem meios para que relações de apego seguro sejam firmadas entre professor e criança no decorrer das atividades diárias. Palavras-chave: Teoria do Apego. John Bowlby. Vínculo. Creche. Professor. Bebês. Crianças pequenas. The Theory of Attachment in daycare: a look at the role of bonds in the development of babies and youth children ABSTRACT There are several issues that impact the development and work with babies and young children in daycare, among these, it is noted that the attachment between child-teacher should be thought, because it is an essential element for child's development. As John's Bowlby Theory of Attachment points out, human beings are born with the need to form bonds with other people and the quality and consistency of those bonds impact child's development, bringing consequences until adulthood. Given the attachment needs of the baby and small child, advocated that the center care should reflect on the bonds between teacher and child within the institution, therefore a work that respects children and their specificities of the work in the daycare goes through this theme. Therefore, this research, which is linked to the Graduate Program in Education (PPGE) of Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho, campus of Presidente Prudente, in the research line of "Formative process, childhood and youth" presents the following research problem: What are the contributions of the Theory of Attachment to babies and youth children's education in daycare? How day-to-day care can enable the construction of attachment relationship between teacher and children? In order to bring answers to these questions, it was outlined as the general objective of this paperwork to recognize the importance of the principles of attachment's theory to babies and youth children's development in daycare, this general goal emanated three specific objectives, namely: to know John Bowlby and to understand how the Theory of Attachment arose; identify the fundamental aspects and principles of his work; point out suggestions of actions that affects positively the construction of attachment relationship between teacher and kid in nursery. It is advocated that the ideas and concepts pointed out by Theory of Attachment should be worked, since the initial teacher training courses, so that those professionals are prepared to work with kids in, considering the specificities of working with babies and youth children, in which bonds are valued. John Bowlby's work provides necessary elements to discuss the role and importance of attachment in children's development, in addition to providing ways for safe attachment relationships to be established between teacher and child in the course of daily activities. Keywords: Theory of attachment. John Bowlby. Bond. Daycare. Teacher. Babies. Youth Children LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações BNCC – Base Nacional Comum Curricular CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CLT – Consolidação das Leis do Trabalho GEPPI – Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Primeira Infância IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional OMS – Organização Mundial da Saúde PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação RCNEI – Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil SUMÁRIO INTRODUÇÃO 12 SEÇÃO I – JOHN BOWLBY E A TEORIA DO APEGO: ANTECEDENTES E INFLUÊNCIAS HISTÓRICAS E PESSOAIS 17 1.1 John Bowlby: uma vida dedicada à Teoria do Apego 17 1.2 Apego e vínculo: similaridades e diferenças 26 SEÇÃO II – A TEORIA DO APEGO: IDEIAS E CONCEITOS FUNDAMENTAIS 31 SEÇÃO III – CONSOLIDAÇÃO E FORTALECIMENTO DO APEGO NO DIA A DIA DA CRECHE 51 3.1 A creche no Brasil: um olhar para o passado para compreender o presente 52 3.2 Um olhar para os documentos oficiais brasileiros sobre a creche: o que dizem acerca de sua finalidade? 58 3.3 Consolidando e fortalecendo o apego no interior das creches 70 CONSIDERAÇÕES FINAIS 81 REFERÊNCIAS 84 12 INTRODUÇÃO Pensar sobre o desenvolvimento de bebês e crianças pequenas na creche envolve diversas questões, visto que a faixa etária que é atendida pela creche é tida como um momento ímpar para o desenvolvimento. A respeito desses anos, Bowlby (2006, p. 37) afirma que “sabemos que os primeiros anos de um bebê, quando, sem que ele o saiba, os alicerces de sua personalidade são assentados, constituem um período crítico de seu desenvolvimento”. Os três primeiros anos de vida são fundamentais para o pleno e saudável desenvolvimento da pessoa, pois entende-se que as primeiras experiências do bebê corroboram a formação de sua arquitetura cerebral. Além disso, sabe-se que a qualidade das primeiras relações afeta o processo de desenvolvimento do cérebro (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014). Possibilitar à criança um desenvolvimento que respeite suas individualidades e necessidades requer conhecer os tópicos que influenciam o seu neurodesenvolvimento. Para Vilachan-Lyra, Queiroz, Moura e Gil (2018, p. 16) o neurodesenvolvimento pode ser caracterizado como: [...] um processo dinâmico de amadurecimento e transformação do cérebro. Ocorre ao longo da vida, principalmente na infância e adolescência. O desenvolvimento do nosso cérebro é um processo contínuo, que tem na primeira infância um período fundamental e decisivo. Para que ocorra de modo saudável, é fundamental um ambiente socioafetivo acolhedor e amoroso, na família, no ambiente escolar, e a oferta de experiências desafiadoras e promotoras de desenvolvimento. O valor atribuído às relações estabelecidas no decorrer da infância influenciam diretamente o desenvolvimento cerebral da criança, e diversas dificuldades enfrentadas na adolescência e fase adulta originam-se nas características dessas primeiras relações, pois: [...] é nos primeiros anos de vida que se estruturam os padrões das futuras relações pais-filhos. Os problemas dos adolescentes muitas vezes são apenas ecos de conflitos que começaram nestes primeiros anos. Os problemas que se mostram aos treze anos podem ser trabalhados rápida e eficazmente aos três anos (BOWLBY, 2020, p. 98). 13 Não se pode negligenciar que existe uma forte relação entre a qualidade dos vínculos estabelecidos e o desenvolvimento cerebral. Isso porque, quando a criança vivencia relações positivas, hormônios denominados neurotransmissores são secretados; tais hormônios induzem a uma sensação de bem-estar, por isso há uma relação dinâmica entre as particularidades dessas relações e o desenvolvimento cerebral do indivíduo (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014). Considerando que a vinculação estabelecida na infância entre adultos e crianças é essencial para o desenvolvimento da criança, faz-se necessário refletir sobre esses temas e problematizar como a creche pode garantir que vínculos sejam consolidados no interior da instituição entre professor e criança, visto que cada vez mais e mais cedo as crianças estão sendo matriculadas nas creches. Para ponderar sobre a qualidade das relações e, consequentemente, do trabalho da creche, é preciso examinar o que Corrêa (2003) e Sá-Chaves (2011) apontam. Segundo Corrêa (2003, p. 87) “[...] ‘qualidade’ não se traduz em um conceito único, universal e absoluto, de tal modo que diferentes setores da sociedade e diferentes políticas educacionais podem tomá-lo de modo absolutamente diverso”. Em Sá-Chaves (2011, p.20), têm-se que: [...] o conceito de qualidade é como tantos outros uma construção social, pelo que a sua matriz se explica na cultura, razão pela qual tantas vezes algo que para uns se apresenta com elevado nível de qualidade face aos padrões usados como referente, para outros e pelas mesmas razões, apresenta um baixo nível de qualidade, já que as referências são outras. Por ser esse conceito tão abstrato como aponta as autoras acima, ao longo deste trabalho, ao referir-se às relações firmadas na creche entre professor e criança como um atributo da qualidade do trabalho com bebês e crianças pequenas, não se tem a intenção de dizer que esse é o único ou mais importante fator, visto que o trabalho na creche envolve diversos temas, pois trata-se de algo complexo, que deve ser visto de vários ângulos, porém não se deve ignorar que os vínculos entre adultos e crianças referem-se a aspectos importantes do desenvolvimento da criança, como apontado acima. Portanto, é importante que os profissionais que atuem com bebês e crianças pequenas considere-no. Barbosa (2010, p. 2-3), ao falar da creche, aponta que: 14 [...] esse estabelecimento educacional tem como foco a criança e como opção pedagógica ofertar uma experiência de infância intensa e qualificada. Torna-se, assim, um espaço de vida coletiva onde, diferentemente do ambiente doméstico, os bebês convivam com um grupo de crianças pequenas. Nesse lugar, junto com seus amigos e amigas, sob a coordenação de adultos especializados, as crianças têm a possibilidade de experimentar, aprender e construir relações afetivas. O docente de creche exerce um papel significativo na vida da criança. Dessa forma, a relação que se estabelece entre professor e criança é muito relevante, pois o professor possui um papel fundamental no desenvolvimento da criança. Villela e Archangelo (2015, p. 100) apontam que: [...] a influência do professor na vida do aluno é importante para além do objetivo estrito de ensinar ou de proporcionar o desenvolvimento das crianças e dos jovens. Ela envolve a tarefa de integrar as diferentes expectativas que esses trazem às experiências escolares que sejam significativas em seus vários domínios. Especialmente quando o aluno é muito pequeno – mas não exclusivamente nesse período –, a participação do professor nesse processo é enorme. A Teoria do Apego, formulada por John Bowlby, oferece subsídios para se pensar o papel dos vínculos no processo de desenvolvimento do indivíduo, além de possibilitar meios para a reflexão de ações que podem colaborar para que apegos seguros sejam consolidados. Por meio da obra de Bowlby, é possível refletir sobre a relevância do apego no desenvolvimento humano, além de tratar como as separações, temporárias ou permanentes, afetam a criança. Ao se estudar mais profundamente, entende-se que Bowlby (1989; 2002; 2006) aponta que o apego é essencial para o desenvolvimento humano; sem isso, o desenvolvimento é comprometido, pois o autor aponta que já nascemos programados a estabelecer vínculos com outras pessoas. Para ele, “[...] a mais provável função do comportamento de ligação é, de longe, a proteção, principalmente contra os predadores” (BOWLBY, 2006, p. 173). O autor também aponta que: [...] a forte propensão de uma criança a se apegar à mãe e ao pai, ou a quem quer que esteja cuidando dela, pode ser compreendida como tendo a função de reduzir o risco de que algo de mau lhe aconteça. A melhor política, em termos de segurança, é estarmos próximos ou em fácil comunicação com alguém que possa nos proteger (BOWLBY, 1989, p. 85). 15 O apego é uma base de segurança para o bebê. Quando a figura de apego está presente, a criança tem mais segurança para explorar o ambiente, pois entende que ali existe alguém que se importa com ela. [...] seres humanos de todas as idades são mais felizes e mais capazes de desenvolver melhor seus talentos quanto estão seguros de que, por trás deles, existem uma ou mais pessoas que virão em sua ajuda caso surjam dificuldades (RODRIGUES; CHALHUB, 2009, p. 4). Pensando no âmbito da creche, o apego não pode ser negligenciado, pois a criança precisa encontrar naquele ambiente, em que permanece por várias horas do seu dia e que tem como objetivo garantir-lhe um desenvolvimento integral, alguém a quem se apegar, que lhe fornecerá segurança e confiança para explorar e para que possa se desenvolver de forma plena e saudável. De acordo com Gonzalez-Mena, (2015, p. 242), pensar o apego na educação infantil é necessário, pois: Nos níveis mais altos da educação, ninguém se preocupa se os alunos se apegam ao professor. É claro, ajuda se os alunos gostarem do professor, mas o desenvolvimento de uma ligação íntima não é necessariamente um pré-requisito para a aprendizagem. No entanto, na educação infantil é diferente, porque o apego é uma parte vital da atmosfera de aprendizagem. As crianças pequenas sentem-se seguras quando estão apegadas, portanto, têm mais liberdade para aprender. Além disso, quando os adultos e as crianças desenvolvem apego, eles se compreendem melhor; os adultos podem ser professores mais efetivos, e o processo de ensino-aprendizagem é mais aprimorado. Diante disso, após leituras acerca do papel do apego no desenvolvimento da criança e de estudos da Teoria do Apego de John Bowlby (1989; 2002; 2006; 2020), surge o problema o qual essa pesquisa, de cunho bibliográfico, propõe-se a responder: Quais as contribuições da Teoria do Apego para educação de bebês e crianças pequenas na creche? Como as ações do dia a dia da creche podem possibilitar a construção de relações de apego entre professor e crianças? Diante desse problema, o objetivo geral da pesquisa é: Reconhecer a importância dos princípios da Teoria do Apego para o desenvolvimento de bebês e crianças pequenas na creche. Desse objetivo geral, emanam três objetivos específicos, a saber: • Conhecer John Bowlby e compreender como surgiu a Teoria do Apego; • Identificar os aspectos e princípios fundamentais da obra de John Bowlby; 16 • Apontar sugestões de ações que influenciam positivamente a construção de relações de apego entre professor e criança na creche. Este trabalho encontra-se organizado em três seções. A primeira seção tem como objetivo principal apresentar John Bowlby ao leitor, contextualizar e fundamentar a Teoria do Apego. Por se tratar de um autor pouco explorado na área da educação, essa contextualização faz-se necessária para que haja um maior entendimento de suas ideias. A segunda seção tem por finalidade discutir, de maneira mais ampliada, os princípios e ideias da obra de John Bowlby. Nessa seção, discutem-se as principais ideias que influenciaram a construção e a consolidação do apego na obra Bowlbiniana, por se tratar de uma teoria extremamente rica e complexa; o objetivo da seção não é explorá-la em todos os seus aspectos, mas sim refletir acerca de seus conceitos principais. A Teoria do Apego conta com diversos autores que, após John Bowlby, deram continuidade nos estudos da vinculação humana; é importante esclarecer que, neste trabalho, são discutidas somente as ideias de Bowlby. Na última seção, apresentam-se sugestões de ações que influenciam positivamente a construção de relações de apego entre professores e crianças na creche, fundamentando-se nos aspectos trabalhados na seção anterior e nas ideias apresentadas por Janet Gonzalez-Mena e Dianne Widmeyer Eyer em seu livro “O cuidado com bebês e crianças pequenas na creche: um currículo de educação e cuidados baseado em relações qualificadas”. Apresentam-se seis sugestões de ações a serem incorporadas no dia a dia da creche. As duas primeiras estão focadas na tríade professor-criança-família, por entender que, para que professor e criança estabeleçam uma relação de apego segura, é essencial que este estabeleça uma relação de confiança com a família. As outras sugestões focam a relação professor- criança. Nesta seção, também há uma discussão do histórico da creche no Brasil e sobre o que apontam os documentos oficias acerca dessa instituição. Entende-se que essa discussão é necessária para que as ações apontadas não sejam pensadas como uma utopia, sem considerar as conquistadas da educação dos bebês e de crianças pequenas e o que os documentos oficiais apontam como fundamental a essa instituição. Por fim, há as considerações finais, em que se recapitulam os objetivos da pesquisa, demonstrando suas conclusões. 17 SEÇÃO I JOHN BOWLBY E A TEORIA DO APEGO: ANTECEDENTES E INFLUÊNCIAS HISTÓRICAS E PESSOAIS Conhecer um pouco acerca da vida de um autor a ser estudado e o contexto histórico do surgimento de sua teoria é imprescindível para a compreensão dos conceitos e das ideias propostas, pois, tendo conhecimento do lugar de sua fala, do momento histórico que antecedeu e procedeu seus estudos, fica mais claro o entendimento de suas ideias. Tendo isso em mente, esta seção tem como objetivos apresentar John Bowlby ao leitor e contextualizar o surgimento da Teoria do Apego, demonstrando sua importância para os estudos acerca dos vínculos na infância. O intuito, ao apresentar John Bowlby, não é realizar uma biografia extensa e completa; trata-se apenas de uma contextualização para o leitor, visto que não se trata de um autor amplamente conhecido e estudado na área da educação. A vida de Bowlby foi dedicada a estudar o papel dos vínculos durante a infância e os prejuízos no desenvolvimento causados pelas perdas e separações, por isso sua vida funde-se à Teoria do Apego em diversos momentos. Sendo assim, esta seção não separará a biografia de John Bowlby do histórico de sua obra, mas unirá esses pontos para melhor compreensão. Esta seção encontra-se dividida em dois momentos. No primeiro momento, há uma contextualização histórica da vida de John Bowlby e do surgimento da Teoria do Apego, e, no segundo momento, faz-se uma rápida discussão acerca da utilização dos termos apego e vínculo. Espera-se, com esta seção, que o leitor conheça John Bowlby e os princípios, ideias e teorias que nortearam e influenciaram seus estudos. 1.1 John Bowlby: uma vida dedicada à Teoria do Apego John Bowlby foi um Psiquiatra e Psicanalista inglês, nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Advém de uma família abastada, foi criado por babás e, aos sete anos de idade, foi enviado a um colégio interno, por isso teve pouco contato com sua mãe, que era descrita como uma pessoa distante, preocupada em não mimar seus filhos. 18 A infância de Bowlby1 foi repleta de perdas e separações. Aos quatro anos de idade, sua estimada babá deixou o serviço, e a nova babá contratada era tida como uma pessoa fria. Como Bowlby já possuía pouco contato com sua mãe, como descrito acima, essa separação lhe causou grande sofrimento. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) também causou separações na família de John Bowlby. Isso porque seu pai, cirurgião do exército britânico, esteve na linha de frente durante a guerra. Com isso, Bowlby e seus irmãos recebiam poucas notícias do pai. Também por conta da guerra, como forma de proteger as crianças de possíveis ataques, John Bowlby e seus irmãos foram enviados a um colégio interno. Sua carreira acadêmica teve início em 1925, quando iniciou seus estudos no Trinity College Cambridge. A princípio, dedicou-se aos estudos das ciências naturais e, posteriormente, das ciências morais, tendo sempre um forte interesse pela psicologia do desenvolvimento. Em 1929, começou a estudar medicina na University College Hospital in London (ASSIS, 2006). Nesse mesmo período, Bowlby foi admitido na British Psychoanalytical Association, formando-se como analista em 1937, tendo sua primeira análise supervisionada por Melaine Klein. Entretanto, [...] a influência de Klein sobre seu trabalho seria paradoxal. Klein proibia Bowlby de conversar com os cuidadores de seus analisandos. Bowlby, porém, interessava-se pela transmissão transgeracional das dificuldades no apego e pelo entendimento de como um problema não resolvido em uma geração surgiria na geração seguinte. Bowlby empenhou-se em mostrar que as experiências reais das crianças, e não somente as fantasias, tinham efeitos significativos em muitos aspectos do desenvolvimento. Ele também desejava apoiar-se nos comportamentos como indicadores de representações internas, tanto da criança, quanto da mãe. A Escola Húngara teria, assim, grande influência para o trabalho de Bowlby, principalmente os textos de Ferenczi, Benedek e Hermann, uma vez que essa escola enfatizava a importância do laço entre o objeto primário e a mãe. Outras influências importantes em sua obra foram os trabalhos de Spitz e de Fairbairn e Suttie. Bowlby preocupava-se, sempre, que suas teorias psicanalíticas fossem consistentes com os achados científicos de outras áreas vizinhas, sendo muito interessado no estudo de etologia e evolução humana (ASSIS, 2006, p. 4). 1 John Bowlby: biografia (e a base de sua teoria do apego). Disponível em: https://maestrovirtuale.com/john-bowlby-biografia-e-a-base-de-sua-teoria-do-apego/. Acesso em 28 mar. 2020. 19 Após a Segunda Guerra Mundial, quando já atuava como diretor médico da Clínica Tavistock, em Londres, James Robertson uniu-se a Bowlby em uma investigação sistemática acerca dos “[...] problemas dos efeitos da separação da mãe nos primeiros anos infância sobre o desenvolvimento da personalidade” (BOWLBY, 2002, p. XI). Com essa investigação, Bowlby e Robertson concluíram que: [...] a perda da figura materna, quer por si mesma, quer em combinação com outras variáveis a serem ainda identificadas, pode gerar respostas e processos que se revestem do maior interesse para a psicopatologia. Não apenas isso; concluímos também que essas respostas e processos são mesmos que se sabe estarem ativos em indivíduos mais velhos ainda perturbados por separações que sofreram nos primeiros anos de vida. Entre essas respostas e esses processos e entre as várias formas de distúrbio estão, por um lado, a tendência para exigências excessivas no relacionamento com outros e para a ansiedade e a raiva quando tais exigências não são satisfeitas, como se verifica nas personalidades dependentes e histéricas; e, por outro lado, um bloqueio na capacidade para estabelecer e manter relações profundas, como se apresenta nas personalidades indiferentes e psicopáticas. (BOWLBY, 2002, p. XII) Foram as observações de Bowlby com Robertson que deram início à Teoria do Apego, por isso essas observações são fundamentais para a compreensão dos vínculos na infância e dos problemas ocasionados pelas separações e perdas na infância. Bowlby, em 1950, começou a assessorar a área de saúde mental das crianças sem lar da Organização Mundial da Saúde (OMS), pois, com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a OMS buscava entender melhor os efeitos que as separações causadas pela Guerra gerariam nas crianças. O relatório desse trabalho foi divulgado no ano seguinte, o que gerou mudanças nas práticas e nos cuidados institucionalizados e também nas visitas dos pais às crianças hospitalizadas. Sobre seu trabalho para a OMS, Bowlby (1989, p. 34) diz que: [...] fiz uma revisão sobre a evidência, então disponível, considerada de pouca importância, relativa às influências adversas, no desenvolvimento da personalidade, do cuidado materno inadequado durante a primeira infância; chamei a atenção para o desconforto intenso das crianças pequenas, que se acham separadas daqueles que conhecem e amam e fiz recomendações quanto à melhor forma de evitar, ou pelo menos diminuir, os efeitos maléficos a curto e a longo prazo. Conforme Assis (2006, p. 6), 20 A partir de 1950, Bowlby deu um fundamento cada vez mais biológico à sua teoria, fruto de seu interesse pela biologia darwiniana e pela etologia. [...] Bowlby convenceu-se de que entender o sistema de apego à luz da biologia evolucionária era o caminho certo a ser tomado. Suas primeiras teorizações sobre apego baseavam-se, também, nos conhecimentos adquiridos nestas duas áreas. Sua intenção era criar uma teoria psicanalítica sobre relação objetal e motivação em bases firmemente científicas. Apesar de trazer importantes conclusões acerca do papel e da importância das primeiras relações do bebê com sua mãe, Bowlby encontrou algumas barreiras, pois suas ideias eram contrárias ao que era pregado até a década de 50 do século passado. Isso porque, até então, acreditava-se que os vínculos eram formados e mantidos pelas necessidades de satisfação de alguns impulsos, como a alimentação durante a infância e o sexo na fase adulta; essas ideias foram postuladas por Freud (RAMIRES; SCHNEIDER, 2010). Bowlby, porém, acreditava que os bebês nasciam com a necessidade de formar vínculos, e que isso era o que lhes garantia a sobrevivência. Conforme Gomes e Melchiori (2012, p. 15, grifo das autoras), Contrapondo-se à Psicanálise, o fundador da Teoria do Apego defende que, em várias espécies de mamíferos, incluindo os humanos, a busca de proximidade da figura materna e sua preferência, em comparação a outros membros do grupo de origem, seria análoga ao imprinting observado em patos e gansos. Dessa perspectiva, o apego caracteriza-se, então, como um termo indicativo de comportamentos inatos que capacitam a criança a buscar, discriminar e manter, de modo ativo, proximidade e contato íntimo com um cuidador. Sobre essa diferença entre o que se tinha até o momento e o que era apontado por seus estudos, Bowlby diz que: Naquele tempo, era largamente aceito que a razão pela qual a criança desenvolve um forte laço com sua mãe é o fato de que esta a alimenta. Dois tipos de impulso são postulados, primário e secundário. O alimento é tido como primário; a relação pessoal, referida como “dependência”, como secundário. Essa teoria não me parecia se adaptar aos fatos. Por exemplo, se isso fosse verdade, uma criança de um ano ou dois deveria prontamente aceitar quem quer que a alimentasse e isso, claramente, não era o caso. Uma teoria alternativa, da escola húngura de psicanálise, postulava uma relação objetal primitiva desde o início. Em sua versão mais conhecida, aquela defendida por Melaine Klein, o seio materno é postulado como o primeiro objeto e a maior ênfase é dada ao alimento, à oralidade e à natureza infantil de “dependência”. Nenhum desses dados coincidiam com minha experiência com crianças (BOWLBY, 1989, p. 37). 21 Conforme Bowlby (2006, p. 168), a grande diferença entre a Psicanálise e a Teoria do Apego (nessa citação denominada de “teoria da ligação”), encontra-se no fato de que: Embora incorpore muito do pensamento psicanalítico, a teoria da ligação difere da psicanálise tradicional ao adotar um certo número de princípios que derivam das disciplinas relativamente novas da etologia e teoria do controle; assim fazendo, está habilitada a dispensar conceitos tais como os de energia psíquica e impulso, e estabelecer laços com a psicologia cognitiva (BOWLBY, 2006, p. 168). Em seus estudos, Bowlby percebeu que os seres humanos nascem com a necessidade de estabelecer vínculos com outras pessoas, como já dito anteriormente, e, para ele, essa vinculação não estaria ligada necessariamente ao indivíduo que alimentava esse bebê, mas sim à pessoa que lhe prestava cuidados e pela forma como esse cuidados eram realizados. Ao dissertar sobre a Teoria do Apego, Pantalena (2010, p. 23) aponta que: A Teoria do Apego apresenta como características: ser prospectiva, ter enfoque na patogenia e no comum e usar a observação direta. Os dados primários usados por Bowlby são as observações de crianças muito pequenas, perspectiva oposta à da psicanálise, que parte de um sintoma ou informações que remetem à infância, numa visão retrospectiva. A partir de 1950, Bowlby se aproxima do psicólogo comparativista Harry Harlow. Harlow elaborou um importante estudo com macacos Rhesus, no qual observou que os macacos, que foram abruptamente separados de suas mães, apresentavam comportamentos anormais como movimentos estereotipados e sucção obsessiva de partes do corpo, mesmo tendo boa saúde, fato que Bowlby também verificou nas crianças. Dando continuidade a seus estudos, Harlow colocou na gaiola dos macacos modelos de macacos construídos em arame, que alimentavam os filhotes, e modelos de macacos em pelúcia, que não ofereciam alimento. Com isso, Harlow percebeu que, quando esses macacos, que interagiam somente com a “mãe de arame” e “mãe de pelúcia”, eram colocados em situações reais de interação com outros animais, mostravam-se socialmente inaptos. Também observou que os macacos preferiam a “mãe de pelúcia”, pois, mesmo não oferecendo alimento, encontravam nessa figura aconchego (GOMES; MELCHIORI, 2012). 22 Outra importante influência para John Bowlby e a Teoria do Apego foram as pesquisas de Renè Spitz. De acordo com Benelli e Sagawa (2000, p. 23), Em sua pesquisa com bebês, Spitz pretendeu realizar uma investigação experimental e rigorosa, como uma continuidade linear e explícita da teoria freudiana da sexualidade. Spitz quer explicar como se configura o surgimento do psiquismo, ou seja, qual é a origem das relações objetais, sinônimo do objeto libidinal freudiano. Com seus estudos, Spitz demonstrou a vital importância existente na relação mãe-bebê, trazendo dois importantes conceitos: depressão anaclítica e hospitalismo. A depressão anaclítica refere-se à privação afetiva parcial; já o hospitalismo, à privação afetiva total (PIO, 2007). Tanto a depressão anaclítica quanto o hospitalismo são extremamente nocivos ao desenvolvimento das crianças, trazendo danos, em muitos casos, permanentes na estrutura e no funcionamento psíquico. Conforme aponta Spitz (1979, p. 249 apud PIO, 2007, s/p), “[...] a depressão analítica e o hospitalismo demonstram que uma grande deficiência nas relações objetais leva a uma parada no desenvolvimento de todos os setores da personalidade”. As ideias de Renè Spitz eram semelhantes às ideias de Bowlby, pois, assim como Spitz, Bowlby também era enfático ao falar acerca da importância dos vínculos iniciais para o desenvolvimento saudável das crianças. Acerca de todas essas observações e estudos presentes até o momento, John Bowlby afirma que: Na medida em que psicólogos e psicanalistas tentaram explicar a existência de vínculos afetivos, quase sempre foram invocadas as razões de alimento e sexo. Assim, na tentativa de explicarem por que uma criança se liga à mãe, teóricos da aprendizagem (Dollard e Miller, 1950; Sears, Maccoby e Levin, 1957) e psicanalistas (Freud, 1938) supuseram, cada um por seu lado, que isso se deve ao fato de a mãe alimentar o bebê. Na tentativa de compreenderem por que adultos se ligam uns aos outros, o sexo foi comumente considerado a explicação óbvia e suficiente. Entretanto, quando as provas são minuciosamente examinadas, verifica-se que essas explicações são insuficientes. Atualmente, há provas abundantes de que, não só entre as aves mas também entre os mamíferos, os filhos ligam-se a objetos maternos apesar de não serem alimentados por essa fonte (Harlow e Harlow, 1965; Cairns, 1966), e de que os vínculos afetivos entre adultos não são, de modo algum, necessariamente acompanhados por relações sexuais; ao passo que, inversamente, relações sexuais ocorrem, com frequência, independente de quaisquer vínculos afetivos persistentes (BOWLBY, 2006, p. 98-99, grifo do autor). 23 A Teoria do Apego foi apresentada formalmente em 1959. Apesar de ter contado com a importante parceria e colaboração de Mary Ainsworth, a autoria da Teoria é atribuída a John Bowlby, pois foi ele quem revolucionou o pensamento científico da época acerca dos vínculos mãe-criança (GOMES; MELCHIORI, 2012). A Teoria surgiu, então, após observações de Bowlby acerca do cuidado inapropriado na infância, e também por conta da ansiedade e do desconforto que as separações das crianças de seus cuidadores geravam nos pequenos. Quando se debruçou a estudar as consequências do cuidado materno na primeira infância, Bowlby surpreendeu-se com os resultados adversos que a separação da figura materna causam no desenvolvimento da criança. Essa Teoria está profundamente relacionada com os problemas ocasionados pela Segunda Guerra Mundial, porque a comunidade científica queria compreender quais os efeitos no psiquismo infantil das separações causadas pela guerra e a importância dos cuidados maternos (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005; GOMES, 2011). Os estudos de Bowlby encontram-se fundamentados na psicanálise, na biologia evolucionária, na psicologia do desenvolvimento, na teoria dos sistemas de controle, nas ciências cognitivas e na etologia. A ênfase de Bowlby na etologia se dá pela forma como ele entende o apego. Isso porque ele “[...] concebe o vínculo de apego como uma estratégia de adaptação fundamental do homo sapiens ao ambiente, isto é, uma necessidade tão primária quanto a satisfação da fome ou da sede” (GOMES; MELCHIORI, 2012, p. 13, grifo das autoras). De acordo com Ramires e Schneider (2010), a Teoria do Apego possui três fases. A primeira refere-se aos estudos de Bowlby. A segunda fase relaciona-se aos estudos de Mary Ainsworth acerca de suas observações da relação mãe-bebê na Uganda. Já a terceira fase iniciou-se com um movimento para o nível de representação. As principais pensadoras dessa fase são Mary Main, Nancy Kaplan e Jude Cassidy. Essa terceira fase pode: [...] ser considerado um divisor de águas na pesquisa sobre o apego, essas autoras relatam uma forte correlação entre as representações das mães acerca do seu relacionamento com objetos primários e o comportamento de apego dos seus bebês [...] (RAMIRES; SCHNEIDER, 2010, p. 27). 24 Entretanto, é importante esclarecer que, apesar dessa divisão das fases da Teoria do Apego, essa pesquisa focará apenas a primeira fase da Teoria, utilizando- se das ideias da John Bowlby acerca da temática. Gurgel (2011, p. 7), ao dissertar sobre os impactos da Teoria do Apego de John Bowlby, afirma que esta “[...] fez surgir uma nova maneira de se pensar o vínculo mãe- bebê e os efeitos que a separação precoce causa no desenvolvimento humano”. Bowlby e seus estudos trouxeram grandes mudanças para o pensamento da época; ele procurou utilizar, em suas pesquisas, um rigor científico que não estava presente na psicanálise (GOMES; MELCHIORI, 2012). Gomes (2011, p. 20) apresenta uma boa síntese acerca da Teoria do Apego. A autora aponta que: [...] a ideia básica sublinhada por Bowlby consiste no fato de que crianças precisam de uma mãe amorosa – que pode ser uma mãe substituta – para se transformarem em adultos emocionalmente saudáveis. Nesse contexto, experiências de perda, luto e separação, mesmo separações pequenas, na primeira infância, podem ser prejudiciais para o processo desenvolvimental da criança. Assim, a Teoria do Apego de John Bowlby compreende que, sem um adulto com o qual a criança possa estabelecer uma relação de apego, seu desenvolvimento estará prejudicado, pois é essencial para o desenvolvimento infantil sentir-se seguro, amado e protegido, pois, sem esses sentimentos, o desenvolvimento será comprometido. Bowlby (2006, p. 153) aponta que “[...] uma autoconfiança bem alicerçada desenvolve-se paralelamente à confiança num dos pais, o qual proporcionará à criança uma base segura a partir da qual ela realizará suas explorações”. As ideias da Teoria do Apego de Bowlby, por unir-se a outras importantes áreas, como a etologia: [...] representaram o ponto de partida para o desenvolvimento de uma nova teoria da motivação humana, que integra aspectos da biologia moderna e inclui afeto, cognição, sistemas de controle e de memória, além dos aspectos envolvidos no desenvolvimento, sustentação e provimento dos laços de apego (DALBEM; DELL’AGLIO, 2005, p.2). Além disso, a Teoria tornou-se importante porque: 25 [...] desencadeia, com o próprio Bowlby e colaboradores, e posteriormente também com outros pesquisadores, um enorme investimento na pesquisa sobre as relações primárias e sobre o bebê. Em decorrência disso, tem-se hoje um quadro extremamente extenso e minuciosamente comprovado sobre as competências sociais do recém-nascido, suas pré-adaptações para a vinculação, o desenvolvimento do vínculo em diferentes contextos, as consequências da ausência de vinculação e inúmeros outros aspectos relacionados ao conceito de apego (CARVALHO; POLITANO; FRANCO, 2008, p. 235). Foi graças aos estudos de Bowlby que se descobriu que: Para desenvolver-se normalmente, a criança precisaria ter durante os primeiros anos de vida uma relação afetiva contínua e íntima com sua mãe ou mãe substituta permanente. A ênfase foi colocada na continuidade dessa com uma pessoa, sugerindo, como corolário, que deveria ser evitado o cuidado materno partilhado ou múltiplo para crianças menos de três anos. [...] acrescentou que essa relação íntima, afetiva e contínua com a mãe, em que ambas encontrem satisfação, é imprescindível para a saúde mental do indivíduo. Segundo ele, várias formas de neuroses e desordens de caráter, sobretudo psicopatias, podem ser atribuídos seja à privação do cuidado materno, seja à descontinuidade na relação da criança com uma figura materna durante os primeiros anos de vida (ROSSETTI-FERREIRA, 1984, p. 4, grifos da autora). A Teoria do Apego é relevante não somente para os estudos da Psicologia, sua área de origem, mas também para a área da Educação, apesar de ser pouco explorada e conhecida nessa área. Ao se ter conhecimento acerca da Teoria e observar as relações que são estabelecidas da creche, nota-se o quanto compreender a Teoria é válido para auxiliar nas relações que ali são estabelecidas. Conforme aponta Pantalena (2010, p. 24), “conhecer o comportamento de uma criança e entendê-lo dá meios ao educador para avaliar e construir novas práticas”. Se o educador desconhece os aspectos fundamentais do desenvolvimento, e os vínculos fazem parte desses aspectos fundamentais, não poderá possibilitar ao bebê e à criança pequena na creche um desenvolvimento pleno e saudável, desconhecendo as especificidades da faixa etária que educa. A Teoria do Apego, como já apontado, inaugurou uma nova forma de se pensar a vinculação humana e suas implicações no desenvolvimento. Bowlby (2006, p. 168) faz uma importante síntese de sua teoria. O autor aponta que: 26 O que, por uma questão de conveniência, designo como teoria da ligação, é um modo de conceituar a propensão dos seres humanos a estabelecerem fortes vínculos afetivos com alguns outros, e de explicar as múltiplas formas de consternação emocional e perturbação da personalidade, incluindo ansiedade, raiva, depressão e desligamento emocional, a que a separação e a perda involuntária dão origem (BOWLBY, 2006, p. 168). Conhecer todos esses aspectos, pessoais, históricos e conceituais, que influenciaram Bowlby em seus estudos possibilitará que os conceitos e as ideias fundamentais da Teoria do Apego, que são abordados na próxima seção, sejam melhor compreendidos. 1.2 Apego e vínculo: similaridades e diferenças Antes de finalizar esta seção, uma importante discussão se faz necessária para que se possa seguir na leitura, pois, ao se falar em Teoria do Apego, uma grande questão surge: as similaridades e diferenças entre apego e vínculo. Podem esses dois termos serem considerados sinônimos ou trata-se de ideias divergentes? Não existe um consenso entre os pesquisadores da área acerca dessa questão, e sobre a palavra correta a ser utilizada, se apego ou vínculo. Isso porque alguns autores entendem que apego e vínculo/vínculos afetivos podem ser caracterizados como sinônimos, e até mesmo denominam a Teoria do Apego como Teoria da Vinculação. Ramires e Schineider (2010, p. 27, grifo nosso) afirmam que “Apego, diferentemente de comportamento de apego, é um tipo de vínculo afetivo.” Na sequência as autoras afirmam que: [...] o conceito de apego diz respeito a uma subvariedade de vínculo afetivo, no qual o senso de segurança de alguém está estreitamente ligado ao relacionamento. Os vínculos afetivos e os apegos são estados ou representações internas e sua existência pode ser observada através dos comportamentos de apego (RAMIRES; SCHNEIDER, 2010, p. 27, grifo das autoras). No entendimento das autoras, o apego é uma subvariedade do vínculo afetivo, sendo que o que diferencia o apego do vínculo afetivo é que, no apego, o senso de segurança está intimamente ligado à relação, pois, quando o apego está presente na relação, a presença do outro proporciona segurança, algo que não acontece nos vínculos afetivos. 27 Porém, nem todos os autores possuem esse mesmo pensamento. Essa divergência acontece pois, para muitos, houve um equívoco na tradução do termo utilizado por Bowlby no inglês – attachment – para o português. Muitos estudiosos da Teoria do Apego acreditam que o termo attachment seria melhor traduzido para o português como vínculo, e não como apego2. Ainda sobre esse equívoco de tradução e sinônimo de vínculo e apego, Carvalho, Politano e Franco (2008, p. 235) afirmam que: Bowlby (2002, 2004ab) concebe o vínculo afetivo mãe-filho (ou adulto cuidador-criança), denominado por ele de attachment (apego, na tradução para o português), como uma adaptação fundamental da espécie humana, uma necessidade tão primária quanto a satisfação da fome ou sede (CARVALHO; POLITANO; FRANCO, 2008, p. 235, grifo das autoras). Fica claro que, para as autoras citadas acima, vínculo e apego são sinônimos, porém a tradução para o português optou pela utilização do termo apego. Essa ambiguidade na tradução pode ser percebida nos próprios livros de Bowlby traduzidos para o português, o leitor pode notar que, nas citações realizadas acima da obra de John Bowlby de 2006, utiliza-se o termo “teoria da ligação”. Nota-se, portanto, que o tradutor da obra optou por referir-se à Teoria do Apego como Teoria da Ligação, demonstrando a ambiguidade nas traduções. Por reconhecer o apego como uma subvariedade do vínculo afetivo e por assentir os equívocos de tradução, é importante esclarecer que, neste trabalho, apego e vínculo serão tomados como sinônimos, podendo, em alguns trechos, ser utilizada a palavra apego e, em outros, a palavra vínculo, por entender que isso não causa nenhuma perda das ideias de John Bowlby e por reconhecer que ambas as palavras empregam de maneira correta o que é expresso pela Teoria do Apego. Diante do exposto até o momento, a fim de enriquecer esta pesquisa, evitar repetições e buscando embasamento para ela, torna-se pertinente explorar os trabalhos que se embasaram na Teoria do Apego. Para conhecer o que já havia sido produzido, utilizou-se da estratégia “teoria do apego” AND bowlby AND creche. A pesquisa foi realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) 2 Em seu curso online “Teoria do Apego”, disponibilizado pelo Instituto Aripe em 2019, o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral afirma que houve um equívoco na tradução do termo Attachment para o português, sendo o termo melhor compreendido como vínculo. 28 do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), em dezembro de 2019. Essa busca trouxe três resultados, que são apresentados no quadro a seguir: Tabela 1 – Teoria do Apego na produção científica Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) Título Autora Universidade Programa Tipo Ano Separações mãe-bebê: diversos sentidos na construção de uma relação Marisa Vasconcelos Ferreira Universidade de São Paulo Programa de Pós- Graduação em Psicologia Dissertação 2000 O ingresso da criança na creche e os vínculos iniciais Eliane Sukerth Pantalena Universidade de São Paulo Programa de Pós- Graduação em Educação Dissertação 2010 A relação mãe-bebê e a adaptação a um berçário: suas influências mútuas Karina Machado Rocha Gurgel Universidade de Brasília Programa de Pós- Graduação em Psicologia Clínica e Cultura Dissertação 2011 Fonte: Elaboração própria, 2020. A leitura na íntegra das dissertações relevou uma ausência de materiais que pensem a Teoria do Apego no dia a dia da creche, pois, apesar de trazerem em seu conteúdo válidas interpretações sobre vínculos, apenas a dissertação de Eliane Sukerth Pantalena traz algumas reflexões relacionadas à Teoria do Apego no dia a dia creche, pensando na vinculação professor-criança e seu papel no processo de inserimento da criança na instituição; as demais dissertações focam a relação mãe- bebê. No trabalho de Marisa Vasconcelos Ferreira, há uma crítica à obra de John Bowlby. Isso porque a autora a interpreta como naturalista e afirma que ela sobrecarrega a mãe da criança, visto que, na interpretação de Ferreira, Bowlby aponta que somente a mãe deve incumbir-se do cuidado da criança. Na dissertação intitulada “A relação mãe-bebê e a adaptação a um berçário: suas influências mútuas”, a autora se propõe a investigar como o vínculo mãe-bebê influencia no processo de adaptação da criança na creche, e como é influenciado pela entrada do bebê na instituição. 29 Ao observar os resultados obtidos com o levantamento bibliográfico, nota-se que há uma escassez de pesquisas que tratem do papel do apego no desenvolvimento da criança, articulando com o trabalho da creche. Com base nos resultados obtidos por meio do levantamento bibliográfico, percebe-se que, apesar de reconhecerem a importância dos vínculos, há uma escassez de discussões que tratem da temática na creche e que pensem na qualidade da relação estabelecida entre professor e criança. Outro ponto de interesse encontra-se no fato de que, dos três resultados obtidos, apenas um estava ligado a um programa de Pós-Graduação em Educação, os demais eram da área da Psicologia, demonstrando a escassez de pesquisas que tratem de vínculos professor-criança na educação. Observa-se, ainda, que é cada vez mais urgente que os professores de creche conheçam as ideias e conceitos defendidos pela Teoria do Apego e as incorporem em seu trabalho diário. Pensar acerca do apego no dia a dia da creche possibilita que bebês e crianças pequenas possuam um desenvolvimento pleno e saudável, em que sejam respeitadas as necessidades e singularidades dessa faixa etária. Além disso, o professor, ao considerar a questão dos vínculos na educação infantil e o seu papel, demonstra compreender as especificidades do trabalho com crianças pequenas e entendimento sobre o desenvolvimento humano. Com isso, percebe-se que essa pesquisa é relevante pois reflete acerca do papel dos vínculos no desenvolvimento da criança, fundamentado nas ideias da Teoria do Apego de John Bowlby, pensando em ações que consolidam e fortalecem o vínculo professor-criança na creche. Isso porque: Hoje sabemos o quão vitais são as necessidades de apego. Sabemos, também, que os bebês precisam de interações contínuas, recíprocas e positivamente reativas quando ficam fora de casa por longos períodos de tempo durante o dia (GONZALEZ-MENA; EYER, 2014, p. 104). Esclarecidos esses pontos, na próxima seção, discute-se, de forma mais ampliada, os principais conceitos e ideias trazidos por Bowlby na Teoria do Apego, pensando nos conceitos que implicam diretamente o desenvolvimento dos vínculos na infância e que, quando desconhecidos, podem causar prejuízos no desenvolvimento dos bebês e crianças pequenas que estão na creche. Depreende-se que os conceitos trabalhados na próxima seção devem ser explorados nos cursos de formação de professores, para que estes estejam aptos a 30 acolher e responder às necessidades das crianças, de forma a possibilitar a elas um desenvolvimento pleno e saudável. 31 SEÇÃO II A TEORIA DO APEGO: IDEIAS E CONCEITOS FUNDAMENTAIS O contexto histórico e pessoal certamente influenciou John Bowlby a estudar como se dá a vinculação entre mãe e bebê e os efeitos da separação para o desenvolvimento da criança, porém é importante ter claro que sua teoria pode ser usada não apenas para estudar essa vinculação inicial entre mãe e filho, mas também para se pensar todas as relações vivenciadas no decorrer da vida. Como apontado na seção anterior, o objetivo não é trabalhar todos os aspectos da Teoria do Apego, pois trata-se de uma Teoria extensa e profunda. O objetivo aqui é estudar os pontos fundamentais para o desenvolvimento saudável dos bebês e crianças pequenas na creche, e que deveriam ser adotados no dia a dia da creche. Para dar início a essa discussão acerca dos pontos fundamentais da Teoria do Apego, faz-se necessário conhecer o que John Bowlby aponta como apego. Ele conceitua o apego “[...] como uma forma fundamental de comportamento, com sua própria motivação interna distinta da alimentação e do sexo, e de igual importância para a sobrevivência” (BOWLBY, 1989, p. 39). O autor ainda aponta que: [...] não sentimos amor e nem pesar por um ser humano qualquer, mas apenas por um ou alguns seres humanos em particular. O núcleo daquilo que eu chamo de “vínculo afetivo” é a atração de que um indivíduo sente por um outro indivíduo (BOWLBY, 2006, p.95-96, grifo do autor). O apego é essencial para sobrevivência e desenvolvimento humano, pode ser considerado como uma força inata, pois os seres humanos nascem com a necessidade de estabelecer vínculos com outras pessoas, visto que os bebês humanos nascem dependentes dos cuidados de outras pessoas. Os vínculos entre mãe e filho começam a se formar ainda no período gestacional e duram toda a vida. A teoria do apego considera a propensão para estabelecer laços emocionais íntimos com indivíduos especiais como sendo um comportamento básico da natureza humana, já presente no neonato em forma germinal e que continua na vida adulta e na velhice. Durante a primeira infância, os laços são estabelecidos com os pais (ou pais substitutos), que são procurados para proteção, conforto e suporte. Durante a adolescência saudável e a vida adulta esses laços persistem, sendo, no entanto, complementados por novos laços, comumente de natureza heterossexual. Embora alimento e sexo tenham, às vezes, papéis importantes nas relações de apego, a relação de apego existe por si só e tem função primordial de sobrevivência – proteção (BOWLBY, 1989, p. 118). 32 Bowlby (2002) afirma que o desenvolvimento do apego possui fases, entretanto, é válido esclarecer que: Quando nasce, um bebê está muito longe de ser uma tabula rasa. Pelo contrário, não só ele está equipado com um certo número de sistemas comportamentais prontos para serem ativados como cada sistema já está predisposto a ser ativado por estímulos que se enquadram em uma vasta gama, a ser finalizado por estímulos que se incluem numa outra e igualmente vasta gama, e a ser fortalecido ou enfraquecido por estímulos de ainda outros tipos (BOWLBY, 2002, p. 329, grifo do autor). Essas fases não são fases fechadas e não apresentam claras fronteiras entre elas. As quatro fases são denominadas por Bowlby (2002) como: • Fase 1: orientação e sinais com discriminação limitada da figura; • Fase 2: orientação e sinais dirigidos para uma figura discriminada (ou mais de uma); • Fase 3: manutenção da proximidade com uma figura discriminada por meio de locomoção ou de sinais; • Fase 4: formação de uma parceria corrigida para a meta. Na fase 1, o bebê apresenta comportamentos específicos em relação às pessoas, porém sua capacidade para identificar uma pessoa está estreitamente limitada aos estímulos auditivos e olfativos. Essa fase dura do nascimento até por volta das 8-12 semanas de vida do bebê. O modo como um bebê se comporta em relação a qualquer pessoa ao seu redor inclui a orientação para essa pessoa, movimentos oculares de acompanhamento, estender o braço e agarrar, sorrir e balbuciar. Com frequência, um bebê deixa de chorar ao ouvir uma voz ou ver um rosto. Cada um desses tipos de comportamento infantil, na medida em que influencia o comportamento de quem lhe faz companhia, pode aumentar o tempo em que um bebê se mantém próximo a essa pessoa (BOWLBY, 2002, p. 330-331). Na segunda fase, o bebê já começa a apresentar certa preferência pela mãe. Isso porque, assim como na primeira fase, o bebê se comporta de modo amistoso em relação às pessoas, mas com a mãe essa amistosidade é mais acentuada. Geralmente essa fase vai até o sexto mês de vida do bebê. Na fase três, as preferências do bebê ficam mais evidentes, e agora o bebê passa a seguir a mãe quando ela se afasta e a demonstrar grande alegria quando 33 esta regressa. Também nessa fase, o bebê começa a utilizar a mãe como uma base segura para suas explorações. Unindo-se a isso, o bebê passa a expressar menos respostas amistosas, pois suas experiências estão mais nítidas. Nessa fase, o bebê elege suas figuras de apego subsidiárias e começa a tratar os desconhecidos com cautela. A terceira fase tem início por volta do 6º mês e estende-se por todo o segundo e até parte do terceiro ano de vida da criança. Sobre essa fase, Bowlby (2002, p. 331) aponta que: Durante esta fase, alguns dos sistemas mediadores do comportamento de um bebê em relação à mãe tornam-se organizados em termos de correção para a meta, e torna-se então evidente o apego do bebê à figura materna. Na quarta fase, a criança e a mãe desenvolvem uma relação de parceria. Isso porque a criança apresenta uma visão de mundo mais refinada do que nas fases anteriores, e o seu comportamento é mais flexível. Bowlby (2002, p. 332) afirma que: [...] pode-se afirmar que a criança passa a adquirir um discernimento intuitivo sobre os sentimentos e motivos da mãe. Uma vez atingido este ponto, estão lançadas as bases para o par desenvolver um relacionamento mútuo muito mais complexo, ao qual dou o nome de parceria. O papel do apego é de proteção da espécie, pois o apego faz com que o sujeito busque a presença de alguém que transmita segurança, por isso, quando os seres humanos se sentem ameaçados de alguma forma, buscam a proteção e a segurança proporcionada pela sua figura de apego. É essencial para seu desenvolvimento que a criança tenha uma figura de apego, alguém que lhe transmita essa segurança e que deve estar atento às suas necessidades físicas e emocionais. Os cuidadores da criança, em casa ou na creche, precisam assumir esse papel de figura de apego. Bowlby (2006, p.175) afirma que: O comportamento dos pais, e de qualquer pessoa que se incumba do papel de cuidar da criança, é complementar do comportamento de ligação. A função de quem dispensa esses cuidados consiste em, primeiro, estar disponível e pronto a atender quando solicitado, e, segundo, intervir judiciosamente no caso de a criança ou a pessoa mais idosa de quem se cuida estar prestes a meter-se em apuros. Não só isso constitui um papel básico, como existem provas substanciais de que o modo como é desempenhado pelos pais determina, em grau considerável, se a criança será mentalmente saudável ao crescer (BOWLBY, 2006, p.175). 34 Para que o adulto seja efetivamente uma figura de apego para criança, precisa estabelecer um vínculo de qualidade com a criança, estar atento às suas necessidades e respeitar suas singularidades. A figura de apego é aquela com quem a criança tem liberdade de se expressar, de expor seus sentimentos, emoções, medos e inseguranças, por isso é importante que não somente na família, mas também na creche a criança encontre essa figura, visto que estará nesse ambiente por muitas horas, e precisa sentir-se acolhida e segura. A presença da figura de apego, como dito, proporciona à criança segurança. Diante disso, quando essa pessoa se afasta, a criança utiliza-se dos recursos do comportamento de apego para evitar a separação. O comportamento de apego refere-se a qualquer comportamento utilizado por um indivíduo para manter proximidade com outro. Para Bowlby (2002, p. 224-225), Na maioria das espécies, os jovens mostram mais de um tipo de comportamento que resulta em proximidade entre eles e a mãe. Por exemplo, o chamado vocal de um jovem atrai a mãe para junto dele, seus movimentos locomotores levam-no para perto dela. Como ambos os tipos de comportamento, assim como outros, têm a mesma consequência, ou seja, a proximidade, é útil contar como um termo geral que abranja a todos; e para esse sim é usado comportamento de apego. Qualquer forma de comportamento juvenil que resulte em proximidade pode, portanto, ser considerada um componente do comportamento de apoio. São exemplos de comportamento de apego: chorar, engatinhar na direção do cuidador, protestar sua saída, assim, o papel do comportamento de apego é diminuir o risco de a criança se encontrar em perigo (BOWLBY, 1989). Os comportamentos de apego estão mais presentes na infância, entretanto perduram de alguma forma por toda a vida do indivíduo, modificando o tipo e a intensidade. Conforme Bowlby (2006, p. 171), 35 [...] o comportamento de ligação é concebido como qualquer forma de comportamento que resulta em que uma pessoa alcance ou mantenha a proximidade com algum outro indivíduo diferenciado e preferido, o qual é usualmente considerado mais forte e (ou) mais sábio. Embora seja especialmente evidente durante os primeiros anos da infância, sustenta-se que o comportamento de ligação caracteriza os seres humanos do berço à sepultura. Inclui o choro e o chamamento, que suscitam cuidados e desvelos, o seguimento e o apego, e também os vigorosos protestos se uma criança ficar sozinha ou na companhia de estranhos. Com a idade, a frequência e intensidade com que esse comportamento se manifesta diminuem gradativamente. No entanto, todas essas formas de comportamento persistem como parte importante do equipamento comportamental do homem. Nos adultos, elas são especialmente evidentes quando uma pessoa está consternada, doente ou assustada. Os padrões de comportamento de ligação manifestados por um indivíduo dependem, em parte, de sua idade atual, sexo e circunstâncias, e, em parte, das experiências que teve com figuras de ligação nos primeiros anos de sua vida. Outra importante ideia da Teoria do Apego que se completa aos conceitos de figura de apego e comportamento de apego é a ideia de base segura. A base segura é caracterizada por Bowlby (1989, p. 25) como: [...] a provisão, por ambos os pais, de uma base segura a partir da qual uma criança ou um adolescente podem explorar o mundo exterior e a ele retornar certos de que serão bem-vindos, nutridos física e emocionalmente, confortados se houver um sofrimento e encorajados se estiverem amedrontados. Essencialmente, estar disponível, pronto para responder quando solicitado, para encorajar e, talvez, dar assistência, porém só intervindo ativamente quando for claramente necessário. Ter uma base segura é fundamental para a saúde mental dessa criança. A ausência dessa base causa insegurança e medo na criança, pois não encontrará a segurança que necessita para que possa se desenvolver de forma plena e saudável. Os primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento do indivíduo, por isso a importância de um olhar especial para a infância. Bowlby (2006, p. 141) afirma que: [...] o padrão de relações familiares que uma pessoa experimenta durante a infância se reveste de uma importância tão decisiva para o desenvolvimento de sua personalidade. Visto sob esta luz, o funcionamento da personalidade saudável em toda e qualquer idade reflete, em primeiro lugar, a capacidade do indivíduo para reconhecer figuras adequadas que estão dispostas e aptas a proporcionar-lhe uma base segura, e, em segundo lugar, a sua capacidade para colaborar com essas figuras em relações mutuamente gratificantes. 36 Percebe-se que as experiências vividas na infância impactam toda a vida do indivíduo, portanto é fundamental para o bom desenvolvimento que as primeiras experiências e os primeiros cuidadores sejam qualificados, que compreendam o papel e a importância que exercem na vida da criança, considerando as individualidades de cada sujeito. No âmbito da creche, que entendam sobre o desenvolvimento infantil e as especificidades da docência na creche, pois esses primeiros cuidadores devem desempenhar o papel de figuras de apego e bases seguras para a criança. Sentir-se querido, amado e seguro é essencial para a vida de qualquer indivíduo; pensando nas crianças, a ausência desses sentimentos causará impactos negativos no desenvolvimento, afetando várias áreas de suas vidas. Segundo Bowlby (2006, p. 140), [...] o tipo de experiência que uma pessoa tem, especialmente durante a infância, tem grande influência sobre o fato de ela esperar ou não encontrar mais tarde uma base pessoal segura, e também sobre o grau de competência que possui para iniciar e manter relações mutuamente gratificantes, quando a oportunidade se oferece. Agora conhecendo a importância que os vínculos iniciais exercem no desenvolvimento infantil, é necessário esclarecer que o sucesso desses vínculos não cabe unicamente ao adulto, pois Bowlby considera a criança o principal elemento dessa relação. Para o autor, [...] o parceiro que tem o papel mais importante para determinar se a interação se desenvolve de forma feliz ou não é a criança e não a mãe. Algumas crianças nascem difíceis, prossegue a discussão, e as relações adversas da mãe para com ela são esperadas (BOWLBY, 1989, p. 57). Por isso, quando o vínculo criança-adulto apresenta dificuldades, o problema pode estar não na insuficiência desse adulto em atender e conhecer a criança, mas sim na dificuldade da própria criança. Além disso, há de se pensar na rede de apoio que esse adulto possui para que possa se dedicar ao cuidado da criança; seja na família ou na creche, o adulto precisa sentir-se amparado para que possa desempenhar sua função em relação à criança de forma satisfatória. Mesmo o apego sendo algo inato aos seres humanos, é importante esclarecer que os vínculos não são estabelecidos de imediato, são parte de uma construção, 37 como visto nos parágrafos anteriores acerca das fases do desenvolvimento do apego. Sobre isso, Rossetti-Ferreira (1984, p. 7) aponta que: O apego surge no decorrer do primeiro ano de vida da criança, sobretudo a partir do segundo semestre, permanecendo intenso durante a primeira infância e passando a diminuir ou modificar suas formas de expressão entre três e quatro anos de idade. Daí em diante, os comportamentos de apego tornam-se menos evidentes, tanto quanto à frequência com que ocorrem como quanto à sua intensidade. Entretanto, persistem como parte importante do repertório comportamental do homem, não apenas durante a infância, como também durante a adolescência e idade adulta, quando novas relações de apego se estabelecem. A fala de Rosseti-Ferreira (1984), apoiada nas ideias de Bowlby (2002), manifesta a idade em que o apego fica mais evidente na primeiríssima infância – três primeiros anos de vida. É nos três primeiros de vida da criança que a creche atua, tendo a educação infantil como papel, conforme a legislação educacional nacional, proporciona-lhe um desenvolvimento integral (BRASIL, 1996). Por isso a necessidade que professores e gestores da educação infantil tenham conhecimento das ideias da Teoria do Apego e introduzam essas ideias e princípios no dia a dia da creche, para que, de fato, possam proporcionar aos bebês e crianças pequenas de suas instituições um desenvolvimento integral, como aponta a legislação. É evidente que conhecer a Teoria do Apego não é único requisito necessário para o trabalho com crianças pequenas, muitos outros conhecimento são necessários, porém é válido esclarecer que a ausência desses conhecimentos impossibilitará, em muitos casos, que, por exemplo, os professores sejam, para os bebês e crianças, pequenas figuras de apego e bases seguras, e que compreendam e acolham os seus comportamentos de apego, pois muitos acreditam que esse é um papel exclusivo da família, desconhecendo que a criança, já a partir da segunda fase do desenvolvimento do apego, passa a eleger suas figuras de apego, e então os professores podem atuar como figuras de apego subsidiárias3. Este trabalho defende que os cursos de formação de professores trabalhem com seus alunos os aspectos fundamentais da Teoria de Apego para que, quando estiverem nas creches, esses alunos compreendam melhor as necessidades dos bebês e crianças pequenas para que essas tenham um desenvolvimento pleno e 3 A ideia de figura de apego subsidiário é melhor explorada nos parágrafos seguintes. 38 saudável, pois não como há como adotar as sugestões apresentadas na próxima seção se o docente desconhece o papel dos vínculos no desenvolvimento. Bowlby concluiu, com seus estudos, que os primeiros anos de vida e que as primeiras relações estabelecidas entre cuidador-criança são essenciais para a estruturação do psiquismo, pois a Teoria do Apego defende que são nos primeiros anos de vida que as crianças definem como irão se relacionar com as outras pessoas ao longo da vida com base nessa primeira relação. O ponto fundamental de minha tese é que existe uma forte ligação causal entre as experiências de um indivíduo com seus pais e sua capacidade posterior para estabelecer vínculos afetivos, e que certas variações comuns dessa capacidade, manifestando-se em problemas conjugais e em dificuldades com os filhos, assim como nos sintomas neuróticos e distúrbios de personalidade, podem ser atribuídos a certas variações comuns no modo como os pais desempenham seus papéis (BOWLBY, 2006, p. 178). Bowlby, em seu livro derivado de seu relatório para a OMS, afirma que: [...] o que se acredita ser essencial à saúde mental é que o bebê e a criança pequena tenham a vivência de uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe (ou mãe substituta permanente – uma pessoa que desempenha, regular e constantemente, o papel de mãe para eles), na qual ambos encontrem satisfação e prazer. É esta relação complexa, rica e compensadora com a mãe, nos primeiros anos, enriquecida de inúmeras maneiras pelas relações com o pai e com os irmãos, que os psiquiatras infantis e muitos outros julgam, atualmente, estar na base do desenvolvimento da personalidade e saúde mental (BOWLBY, 2020, p.3-4). Assim, se as primeiras relações não são relações de qualidade, nas quais a criança pode experimentar um apego seguro4 e/ou se há separações, isso poderá lhe ocasionar diversos problemas, que certamente impactarão seu desenvolvimento. As longas separações durante os primeiros anos de vida deixam marcas profundas na personalidade da criança. Tais crianças podem ser emocionalmente retraídas e isoladas, apresentam dificuldades para estabelecer vínculos afetivos com outras pessoas, tendo amizades superficiais ao longo da vida (BOWLBY, 2020). Ainda segundo Bowlby (1989), a capacidade de estabelecer laços emocionais com outras pessoas é apontada como elemento do efetivo funcionamento da saúde 4 Os tipos de apego, suas características e impactos no desenvolvimento, são aprofundados nos parágrafos seguintes. 39 mental e da personalidade, e necessita-se de figuras de apego não apenas na infância, mas por toda a vida. Para que aconteça uma relação de apego entre o bebê e seu cuidador, é necessário que esse adulto ofereça à criança cuidados de qualidade, pois um pressupõe o outro. Se o cuidado é inadequado, criança e cuidador não vivenciarão uma relação de apego seguro, por isso, o sucesso para o desenvolvimento está nos cuidados que são prestados ao bebê. Bowlby (1989, p.17) afirma que “[...] ter um filho e cuidar dele é apostar alto. Mais do que isto – um cuidado bem-sucedido é a chave para a saúde metal da geração seguinte.” Ao cuidar de uma criança, seja no âmbito familiar ou da creche, ao construir com ela uma relação de apego, na qual há segurança e respeito, estaremos garantindo qualidade e saúde para sua infância e vida futura. Pensar em cuidados de qualidade na creche não se refere a manter a criança limpa e alimentada. É claro que esses aspectos são importantes, porém restringir o trabalho na creche a isso denota uma visão assistencialista ao trabalho com bebês e crianças pequenas, ideia que este trabalho não defende. Quando se fala em cuidados de qualidade, pensa-se em cuidados que respeitem e conheçam as singularidades do desenvolvimento infantil, que atendam às necessidades das crianças e que estejam fundamentados em conhecimentos pedagógicos. Os cuidados prestados aos bebês e às crianças pequenas na creche devem preocupar-se com aspectos físicos, emocionais, sociais e cognitivos do desenvolvimento da criança. De acordo com Spada (2007, p. 98), É inegável que o cuidado, entendido como um conjunto de medidas que garantam a integridade física, psíquica e emocional da criança, faz parte da rotina diária de educadores e demais profissionais que atuam junto às crianças de até três anos na creche. Mas, deve-se refletir sobre a perspectiva de cuidado que norteia as ações desses profissionais. O cuidado pode englobar elementos como: observação das necessidades infantis no tocante à saúde, bem-estar, segurança e proteção; manutenção de um ambiente que favoreça trocas afetivas entre as crianças e entre essas e educadores e demais funcionários que atuem junto a elas; planejamento de um espaço que permita descobertas, que estimule a inteligência e ofereça à criança materiais lúdico-pedagógicos adequados ao seu desenvolvimento. O cuidar, quando atinge tais dimensões, pode contribuir demasiadamente ao desenvolvimento infantil e, inclusive, pôr fim a anos de práticas assistencialistas que primaram por uma ‘educação da conformidade’. 40 É muito importante que aqueles que prestam cuidados aos bebês, na creche ou na família, estejam emocionalmente saudáveis e preparados para essa tarefa tão valiosa, pois “[...] os seres humanos, desde a infância, são mais sensíveis às atitudes emocionais daqueles que os cercam do que a qualquer outra coisa” (BOWLBY, 2006, p. 32). Os bebês são extremamente sensíveis à forma como são manipulados, a voz e as expressões do cuidador, por isso, se o adulto não está emocionalmente preparado para esse cuidado com o bebê, certamente a criança irá perceber e sofrerá com isso. Além disso, se não se encontra preparado, o adulto não estará atento às necessidades demonstradas por esse bebê, que passará por estresses desnecessários. Não é apenas cuidar, mas é pensar na qualidade e na eficácia desse cuidado. Além da compreensão intelectual, que eu não menosprezo, é sobretudo da sensibilidade dos pais para as reações de seu bebê e da capacidade, sobretudo da mãe, para se adaptar intuitivamente às necessidades dele que nasce uma prática eficaz de cuidar das crianças (BOWLBY, 2006, p. 33). No seio familiar, os vínculos começam a ser construídos durante a gestação, e após o nascimento da criança, passam a ser fortalecidos por meio dos cuidados que são prestados a esse bebê. Na creche, o professor não conta com o período gestacional, tudo é muito mais veloz, visto que o professor precisa, em pouco tempo, cuidar de uma criança que até pouco tempo não conhecia, por isso é importante que não apenas na família os cuidados sejam encarados como momentos para a construção e o fortalecimento dos vínculos, mas também na creche. De acordo com Soares (2017, p. 17), “o vínculo afetivo com o adulto é fundamental para o desenvolvimento pleno e o momento dos cuidados é o mais propício para que ele aconteça.” Por isso é muito importante que a o cuidador esteja emocionalmente preparado para exercer sua função, para que que se torne uma figura de apego, de fato, acessível à criança, constituindo-se também como uma base segura. Não é apenas estar com o bebê de corpo presente, mas é ter disponibilidade afetiva para ele, estar presente e em contato de verdade com a criança, atento às suas necessidades e compreendendo os sinais emitidos. 41 O cuidado com o bebê não pode ser realizado de forma mecânica, corrida, desatenta. Esse é um momento íntimo entre cuidador e bebê e fundamental para a construção e o fortalecimento dos vínculos. Nesse momento, deve haver toques delicados, falas tranquilas, trocas de olhares, que respeitem o bebê em suas necessidades e singularidades. Enquanto uma criança está na presença incontestada de uma figura principal de apego, ou a tem ao seu alcance, sente-se segura e tranquila. Uma ameaça de perda gera ansiedade, e uma perda real, tristeza profunda; ambas as situações podem, além disso, despertar cólera (BOWLBY, 2002, p. 259). Muitos cuidadores acreditam que, para educar adultos emocionalmente fortes e autônomos, é preciso que, durante a infância, as crianças sejam desencorajadas a procurá-los nos momentos de aflição, e que quando bebês devem ser deixadas chorando por estarem fazendo “manha”. Não é isso que a Teoria do Apego defende. Bowlby (1989, p. 26) afirma que “[...] os emocionalmente mais estáveis e que aproveitam ao máximo as oportunidades são aqueles cujos pais, ao mesmo tempo que encorajavam a autonomia de seus filhos, estão disponíveis e prontos para responder quando requisitados”. A criança precisa sentir que é importante e que faz diferença na vida de alguém, precisa sentir que existe alguém que se preocupa e que estará a sua disposição quando for necessário. Se a criança é tratada com indiferença, não desenvolverá com aquele adulto um apego seguro, que é o tipo ideal de apego, no qual a criança apresenta segurança para explorar o mundo porque sabe que há uma base segura à sua espera, e os três primeiros anos são essenciais estabelecer esses vínculos; o começo da vida é fundamental para o desenvolvimento psíquico. Para ser um bom cuidador, é preciso apresentar acessibilidade e responsividade, pois isso constrói e fortalece os vínculos. A responsividade refere-se ao ato de responder às necessidades do bebê, diz respeito à quantidade e qualidade dessas respostas. É quantitativa porque é preciso verificar a sincronia, o tempo da resposta do cuidador e a prontidão desse cuidado, e qualitativa porque é preciso analisar a adequação da resposta, isto é, se o bebê foi atendido conforme a necessidade do seu pedido, esse ponto depende da interpretação do cuidador acerca dos sinais emitidos pela criança.5 5 AMARAL, Alexandre Coimbra. Teoria do Apego. 01-22 ago. 2019. Notas de aula. 42 Ainda acerca dos cuidados, Bowlby (2020, p. 69) afirma que: Os cuidados maternos com uma criança não se prestam a um rodízio; trata-se de uma relação humana viva, que altera tanto a personalidade da mãe quanto a do filho. [...] a provisão de cuidados maternos não pode ser considerada em termos do número de horas por dia, e, sim, em termos do prazer que a mãe e a criança obtêm da companhia um do outro. Se deseja-se ter adultos felizes, autônomos e confiantes, é preciso que, durante a infância, tenha-se vivenciado experiências qualificadas, relações de apego seguro com seus cuidadores, com cuidados qualificados. Tudo isso pressupõe a autonomia e a confiança em si e nos outros no decorrer da vida; quando, porém, houve na infância a ausência dessas experiências positivas de cuidado, de figuras de apego e de uma base segura, isso resultará em relações de apego resistentes ou evitantes. O cérebro da criança é moldado pelas relações que são estabelecidas com os adultos, por isso é tão importante estar atento aos toques, olhares e falas nesses momentos, para que sejam tempos sensíveis e de qualidade para a construção dos vínculos criança-cuidador.6 Existe, atualmente, uma literatura considerável sobre natureza dos laços da criança à sua mãe, referida tradicionalmente como dependência e, agora concebida como apego e busca de cuidados. Em termos gerais, o resultado do comportamento de apego é que um indivíduo, normalmente aquele menos capacitado a se tornar bem- sucedido, mantém proximidade e/ou comunicação com um outro indivíduo, que é tido como mais capacitado. Esse comportamento é especialmente ativado pela dor, fadiga ou qualquer coisa assustadora e, também pela inacessibilidade que a figura de apego estabelece ou parece estabelecer. Embora concebido como sendo, em parte, pré- programado, existem agora provas abundantes de que o modelo especial, resultante da organização do comportamento de apego durante o desenvolvimento, é muito influenciado pela forma como as crianças recebem as respostas de suas figuras de apego, que são, na grande maioria dos casos, sua mãe e seu pai. Resumindo, parece claro que um cuidado sensível e amoroso resulta no desenvolvimento da confiança que a criança tem de que os outros a ajudarão, caso ela necessite, e no tornar-se visivelmente autoconfiante e corajosa em suas explorações do mundo, cooperativa com os outros e, também – ponto muito importante – complacente e prestativa com outros em situações aflitivas (BOWLBY, 1989, p. 86, grifo nosso). 6 NABINGER, Sylvia. A importância da segurança afetiva no início da vida. 28 mai. 2020. Notas de aula. 43 É conhecido que a forma como a criança estabelece sua primeira relação com seus cuidadores influenciará a forma como se relacionará por toda a vida, isso por causa dos modelos de apego. Mary Ainsworth7 foi pioneira nesses estudos, e John Bowlby os descreveu em suas obras. De acordo com Bowlby (1989; 2002) há três modelos principais de apego: apego seguro, apego resistente e ansioso e apego ansioso com evitação. No apego seguro, quando a criança demonstra a necessidade da presença do cuidador, este rapidamente surge, atendendo à solicitação, segundo Bowlby (1898, p. 121). Nesse modelo, “[...] o indivíduo está confiante de que seus pais (ou figuras paternas) estarão disponíveis oferecendo resposta e ajuda, caso ele se depare com alguma situação adversa ou amedrontadora”. Essa segurança que o apego seguro proporciona transmite à criança confiança. Dessa forma, sente-se mais corajoso para explorar o mundo. Esse modelo é promovido por cuidadores que sempre atendem às necessidades das crianças, e estão atentos e sensíveis a eles. Sempre oferecem à criança respostas amáveis quando são procurados pelo pequeno. Bowlby (2002, p. 419) aponta como principal característica dos bebês seguramente apegados “[...] serem ativos nas brincadeiras, de buscarem contato quando afligidos por uma separação breve e de serem prontamente confortados e logo voltarem a absorver-se nas brincadeiras”. Os bebês e as crianças pequenas precisam encontrar alguém que lhe cuidem com afeto, que olhe nos olhos com ternura, com toques sensíveis e respeitosos, que estejam atentos às suas necessidades físicas e emocionais e que respondam a elas, pois isso é primordial para a visão que construirão de si mesmos, dos outros e do mundo. Conforme Bowlby (2006, p. 146), 7 Mary Ainsworth formou-se em Psicologia do Desenvolvimento na Universidade de Toronto (Canadá). Mudou-se para Londres e começou a trabalhar com John Bowlby, realizando pesquisas acerca dos efeitos da separação das crianças de suas mães. Em 1953, mudou-se para Uganda, onde desenvolveu importantes pesquisas sobre os modelos de apego. Disponível em: https://amenteemaravilhosa.com.br/mary-ainsworth-biografia-contribuicoes/. Acesso em 18 ago. 2019. 44 [...] a autoconfiança e a capacidade para confiar nos outros são fruto de uma família que fornece sólido apoio à sua prole, combinado com o respeito por suas aspirações pessoais, senso de responsabilidade e aptidão para lidar com o mundo. [...] Esse mesmo padrão de autoconfiança baseada numa ligação segura com uma figura em quem se confia, e desenvolvendo-se a partir desta, pode ser observado desde o primeiro ano de vida de uma criança. No apego resistente e ansioso, a criança nunca sabe o que esperar de seus cuidadores, pois, em alguns momentos, é atendida em suas necessidades, em outros, não, o que a deixa confusa. Nesse modelo, o bebê oscila entre a busca pelo cuidado e a resistência ao contato e à interação com o cuidador (BOWLBY, 2002). Bowlby (1989, p. 121-122) afirma que: [...] o indivíduo se mostra incerto quanto à disponibilidade de receber resposta ou mesmo ajuda por parte de seus pais, caso necessite. Por causa dessa incerteza, ele tende, constantemente, à ansiedade de separação, a ficar “grudado” e a ficar ansioso quanto à exploração do mundo. Esse modelo, onde fica evidente o conflito, é promovido por pais que se mostram disponíveis e prestativos em algumas ocasiões e não em outras, é promovido por separações e, como mostram as descobertas clínicas, por ameaças de abandono como meio de controle. Essa dualidade é extremamente prejudicial à criança, que fica insegura em relação aos cuidados e à proteção de seus cuidadores, sem saber o que esperar dessas pessoas; vive em uma constante incerteza nessa relação, sem saber o que precisa fazer para receber cuidado e atenção, com medo de ser abandonada. No modelo do apego ansioso com evitação, a criança espera ser rejeitada por seu cuidador, e muitas vezes é mais carinhosa com um estranho do que com seu próprio cuidador. Isso porque ela nunca encontra cuidado e proteção com seus cuidadores, pois esses não entendem e nem atendem a suas necessidades emocionais. Dessa forma, há uma distância entre o bebê e o cuidador. Esse modelo, onde o conflito está mais escondido, é resultado de constante rejeição por parte da mãe, sempre que o indivíduo a procurava a fim obter conforto e proteção. Os casos mais extremos são resultado de rejeições repetidas (BOWLBY, 1989, p. 122). A falta de apegos seguros na infância trará diversas consequência à vida e ao desenvolvimento da criança, isso porque nos modelos de apego resistente e ansioso 45 e ansioso com evitação, a criança vive em um ambiente estressante para ela, pois a incerteza, a ansiedade, a insegurança e o medo que seus cuidadores transmitem fazem com que esteja a todo momento alerta. Na fase adulta, isso poderá causar depressão, sintomas neuróticos, fobias, atrasos no desenvolvimento, entre outros. Muitos daqueles que são encaminhados a psiquiatras são indivíduos ansiosos, inseguros, geralmente descritos como superdependentes ou imaturos. Em condição de estresse, tendem a desenvolver sintomas neuróticos, depressão ou fobia. As pesquisas revelam que eles estiveram expostos a pelo menos um, e geralmente mais de um, de certos padrões típicos da parentalidade patogênica, os quais incluem: a) ausência persistente de respostas de um ou ambos os pais ao comportamento eliciador de cuidados, da criança, e/ou depreciação e rejeição marcada; b) descontinuidades da parentalidade, ocorrendo mais ou menos frequentemente, incluindo períodos em hospital ou instituição; c) ameaças persistentes por parte dos pais de não amar a criança, usadas como meio para controla-la; d) ameaças, por parte dos pais, de abandonar a família, usadas ou como método disciplinar a criança ou como uma forma de coagir o cônjuge; e) ameaças por parte de um dos pais de abandonar ou mesmo de matar o outro, ou então de cometer suicídio (estas ameaças são mais comuns do que se poderia supor); f) indução de culpa à criança, afirmando que o comportamento dela é ou será responsável pela doença ou morte de um dos pais (BOWLBY, 2006, p. 180). De acordo com Gurgel (2011), o nascimento da vida psíquica no bebê inicia-se na relação que este estabelece com seu cuidador inicial. Desse modo, se essa relação é de apego seguro, este bebê terá mais segurança do que outros bebês, e irá estender essa confiança para outras pessoas. É importante ter claro que o apego, conforme a teoria Bowlbiana apresenta, oferece aos seres humanos um porto seguro. Isso quer dizer que, ao recorrer à figura de apego, a criança não deseja que esta resolva seus problemas, mas que lhe fornece segurança emocional, pois é disso que precisa no momento. O apego oferece à criança uma base segura, que irá encorajá-la a novas experiências e explorações, o que possibilitará que tenha um bom desenvolvimento, pois terá confiança para arriscar e aprender. O cuidador exerce um importante papel para que a relação de apego seja consolidada, entretanto é importante esclarecer que, para Bowlby, isso não cabe 46 apenas ao adulto, mas também ao bebê. Esse assunto já foi abordado em parágrafos anteriores, mas cabe aqui uma outra citação a esse tema. Bowlby afirma que: Embora existam provas abundantes mostrando que o tipo de cuidados que um bebê recebe de sua mãe desempenha um importante papel na determinação do modo como se desenvolve seu comportamento de apego, não se deve jamais esquecer em que medida a própria criança inicia a interação e influencia a forma como ela adota (BOWLBY, 2002, p. 251). Isso porque o bebê chora, protesta, busca interação com seu cuidador e força esse cuidador a olhar e interagir, voltando sua atenção a ele. Se, porém, o bebê não chora, não protesta, não busca interação, provavelmente o cuidador não voltará sua atenção a esse bebê, pois entenderá que está tudo bem com ele. Além de chorar, o que nunca é facilmente ignorado, um bebê, com frequência, chama persistentemente e, quando é atendido, orienta-se para a mãe ou outra companhia e desfaz-se em sorrisos. Mais tarde, acolhe-se e se aproxima dela, esforçando-se por atrair sua atenção, de mil maneiras sedutoras. [...] O padrão de interação que gradualmente se desenvolve entre um bebê e sua mãe só pode ser entendido como resultante das contribuições de cada um e, em especial, do modo como cada um, por seu turno, influencia o comportamento do outro (BOWLBY, 2002, p. 252). Assim como as características do bebê influenciam a forma como o cuidador cuida do bebê, a forma como esse cuidador foi cuidado em sua infância também é importante. Isso porque as experiências vivenciadas ao longo da vida constituem a base para ser um cuidador, pois não se nasce mãe, pai ou professor, mas torna-se por intermédio das vivências e experiências ao longo da vida. Todos os detalhes são aprendidos, alguns durante a interação com os bebês e crianças e muitos através da observação de como outros pais se comportam. O processo começa na infância desse futuro pai, na forma como seus pais o tratam e a seus irmãos/irmãs (BOWLBY, 1989, p. 20). Além disso, Bowlby (1989) afirma que o comportamento de cuidados possui raízes biológicas, o autor afirma que: O comportamento de cuidados nos seres humanos não é, certamente, produto de alguns instintos parentais invariáveis, mas também não é correto considerá-lo um mero produto de aprendizagem. O comportamento de cuidados, como eu o vejo, tem fortes raízes biológicas, o que explica as emoções muito fortes a ele associadas; mas a forma específica que o comportamento toma em cada um de nós é modificada pela nossa experiência – especialmente durante a infância, adolescência, antes e durante o casamento, e com cada criança (BOWLBY, 1989, p. 20). 47 Se durante a infância o indivíduo não vivenciou uma relação de apego seguro, independentemente da razão dessa falha, essa ausência só poderá ser curada através de terapia. Sobre isso, Ramires e Schneider (2010, p. 31) afirmam que: Uma criança pode ter experimentado relacionamentos de apego com pais e/ou cuidadores que evidenciaram capacidade para compreender e atribuir sentidos apropriados para sua vida emocional. Se essa experiência houver falhado, ou apresentar lacunas significativas, poderá ser resgatada no contexto de uma relação terapêutica que proporcione uma base segura, uma escuta sensível e empática, capaz de proporcionar uma identificação e regulação apropriada dos estados emocionais, e uma reorganização dos modelos representacionais internos do self, do outro e do mundo como um lugar mais acolhedor e prazeroso de se viver. A Teoria de Apego é válida não somente para compreender o papel dos relacionamentos iniciais, mas também dos relacionamentos posteriores, por isso sua compreensão é importante não somente para psicólogos, mas para pais, professores e cuidadores em geral, para que compreendam o seu papel na vida dos bebês que cuidam e compreendem o papel vital do apego no desenvolvimento da criança. John Bowlby, como apontado no capítulo anterior, é o fundador da Teoria do Apego, e suas pesquisas trouxeram importantes mudanças na forma de se pensar os vínculos com os bebês. Após Bowlby, diversos pesquisadores têm reforçado e ampliado as ideias apresentadas pelo autor, demostrando a atualidade e importância de sua teoria. Quando se fala em estudar e utilizar a Teoria do Apego no contexto da creche, muitos podem pensar que se trata de olhar assistencialista para a educação dos bebês e crianças pequenas, focando exclusivamente o cuidado. É preciso esclarecer que não é isto que essa pesquisa demonstra ou defende. Na educação infantil, há a indissociabilidade entre o cuidar e o educar e é preciso respeitar a especificidade das crianças na creche8. Também não se defende que o professor de creche deve assumir uma postura de mãe com a criança. Villela e Archangelo (2015, p. 100) são muito claros ao falarem acerca do papel do professor de educação infantil. Os autores afirmam que “[...] até o final da educação infantil, a professora exerce uma fortíssima influência sobre o aluno e tende a ocupar um importante lugar em sua vida afetiva.” (VILLELA; ARCHANGELO, 2015, p. 100). 8 Essa discussão é ampliada na próxima seção. 48 Este trabalho não defende que o professor ocupe o lugar da mãe da criança, mas que compreenda o papel que exerce no desenvolvimento da criança e que, com base nos conceitos e ideias apresentadas pela Teoria do Apego, forneça as bases para um desenvolvimento pleno e saudável do bebê e da criança pequena. Com isso, faz-se necessário recorrer a Bowlby, quando o autor utiliza-se do termo “figura de apego subsidiária”, pois, com as leituras e estudos realizados até aqui, compreende-se que esse é o papel que o professor de creche deve exercer na vida do bebê, não ocupando o lugar que cabe à mãe e à família, mas agindo como uma figura que, no espaço da instituição, é a pessoa de referência da criança. Bowlby (2002, p. 380) afirma que: [...] embora seja usual a mãe natural de uma criança ser a sua principal figura de apego, o papel pode ser efetivamente assumido por outras pessoas. As provas de que se dispõe evidenciam que, desde que uma figura substituta se comporte de um modo maternal em relação a um bebê, este a tratará da mesma maneira que uma outra criança trataria sua mãe natural. O apego subsidiário provido pelo professor na creche não enfraquecerá o vínculo desse bebê com sua figura principal. Bowlby (2002) afirma que o que acontece é que, quanto mais forte o vínculo construído com a figura principal, maiores são as possibilidades de esse bebê firmar vínculos com figuras subsidiárias. Em contrapartida, quanto mais fraco o vínculo inicial, maiores as dificuldades para este bebê confiar em outras pessoas. Gonzalez-Mena e Eyer (2014) apresentam diferenças entre o apego principal e o apego subsidiário aos professores. Para as autoras, o apego aos professores na creche é muito importante, mas é claro que apresenta diferenças em relação ao vínculo estabelecido com a famí