UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO LAURA CASTRO AZAMBUJA GONÇALVES CONECTIVIDADE ANIMAL PARA A CONSERVAÇÃO DE UM PRIMATA AMEAÇADO Rio Claro 2020 ECOLOGIA LAURA CASTRO AZAMBUJA GONÇALVES CONECTIVIDADE ANIMAL PARA A CONSERVAÇÃO DE UM PRIMATA AMEAÇADO Orientador: Prof. Dr. Milton Cezar Ribeiro Coorientadora: Dra. Milene Amâncio Alves Eigenheer Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Ecóloga. Rio Claro 2020 G635c Gonçalves, Laura Castro Azambuja Conectividade animal para a conservação de um primata ameaçado / Laura Castro Azambuja Gonçalves. -- Rio Claro, 2020 35 f. : fotos, mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Ecologia) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientador: Milton Cezar Ribeiro Coorientadora: Milene Amâncio Alves Eigenheer 1. Ecologia da Paisagem. 2. Corredores. 3. Ecologia animal. 4. Mico-leão-dourado. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Dedico este trabalho à minha avó Jeronima (in memorian). AGRADECIMENTOS Primeiramente gostaria de agradecer ao meu orientador Miltinho por todo apoio, contribuições e oportunidades que me proporcionou durante essa caminhada; e ao Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação (LEEC). Ao CNPq pela bolsa de iniciação científica (processo nº 144217/2020-1). À Milene, minha coorientadora, por toda paciência, ensinamentos, contribuições, conselhos, e por ter me guiado pelo mundo acadêmico. Suas orientações fizeram toda a diferença na minha trajetória. Sem ela nada disso seria possível. Ao Prof. Dr. Carlos Ramon Ruiz-Miranda pela oportunidade de estágio e ensinamentos. Aprendi muito sobre o a conservação do mico-leão-dourado e outros projetos desenvolvidos por ele e sua equipe. Esse estágio contribuiu muito para o meu crescimento e foi fundamental para este trabalho. À Camila Priante pela ajuda nos meus primeiros passos no QGIS, conselhos e abrigo durante o estágio. Aos professores e professoras do curso de Ecologia. Em especial as professoras Maria Inez e Zezé, que se dedicam muito ao curso e as viagens de campo. Fizeram toda a diferença com seus ensinamentos e inspiração. À turma Eco 16, composta por pessoas maravilhosas que contribuíram muito durante a minha trajetória. Pessoas extraordinárias que tive a sorte de encontrar. À toda a minha família em especial, minhas avós Jeronima e Vivi, minha mãe Rejamar e meu pai, José que sempre me apoiaram e respeitaram as minhas escolhas e me ajudaram a chegar até aqui. À minha irmã, amiga e companheira Marina, que sempre esteve ao meu lado e com quem sempre pude contar. À minha amiga de infância Gabriela Antoni que me apresentou à Ecologia e mudou a minha vida. À Amanda Viana, uma grande amiga que ganhei na graduação e que levarei para a vida. À República Lama: Victoria Godoi, Gabriela Brito, Letícia Bulascoschi e nosso agregado Willian Simione, pela companhia, conversas e risadas. E aos felinos Dom e Alê. Foi muito bom ter passado um pedacinho da minha graduação com todos vocês. À todas as pessoas que lutam por pautas importantes como a pesquisa e a conservação da biodiversidade e que são resistência em tempos de descaso e desmonte. “Only if we understand, can we care. Only if we care, will we help. Only if we help, shall all be saved.” (Jane Goodall) RESUMO Conservar espécies em ambientes fragmentados envolve decisões estratégicas sobre o uso da paisagem, uma vez que é fundamental manter a conexão entre áreas promovendo a movimentação da espécie-alvo, ligando organismos, populações, comunidades e até ecossistemas. A Mata Atlântica é um dos biomas mais fragmentados do país, sendo a expansão dos centros urbanos e a agropecuária os principais fatores de degradação. A perda de habitat e o isolamento de espécies são algumas de suas consequências, que podem levar ao declínio populacional e até mesmo a extinção de espécies. Manter a conectividade estrutural e funcional entre fragmentos de habitat auxilia a movimentação da fauna, processo essencial para a manutenção dos ecossistemas. Neste estudo buscamos identifica e analisar a funcionalidade de “corredores sob a perspectiva do animal” utilizando como modelo de estudo o mico-leão- dourado (Leontopithecus rosalia), uma espécie de primata endêmica e ameaçada da Mata Atlântica. Analisamos dados de movimentação de 3 indivíduos monitorados por colares GPS em fragmentos florestais na Bacia do Rio São João, estado do Rio de Janeiro e produzimos um mapa detalhado de cobertura e uso do solo em escala de 1:2500m nas áreas de ocorrência dos animais estudados. Estimamos os valores das áreas de vida, comprimento de passo e suas relações com a paisagem e buscamos identificar padrões de movimento em áreas de corredor (movimentos rápidos, paralelos e repetitivos). Nossa hipótese principal foi refutada, pois não identificamos áreas de corredor sob a perspectiva do animal. O uso do espaço, e consequentemente a movimentação dos indivíduos estudados foram predominantemente em áreas florestais, com baixo uso de outras classes da paisagem, como dutos de combustível e pastagem. O comprimento de passo em áreas florestais também foi em média menor que em outras áreas, mas também apresentou a maior variabilidade em distâncias percorridas entre pontos. Os resultados obtidos nesse estudo são de grande importância para o planejamento de conservação de uma espécie de primata altamente ameaçada, e poderão ser utilizados para uma maior compreensão dos impactos da fragmentação sob outras espécies de primatas brasileiros. Palavras-chaves: Leontopithecus rosalia. Corredor Ecológico. Wildlife Connectivity. Movimento Animal. Ecologia da Paisagem. ABSTRACT Conserving species in fragmented environments involves strategic decisions about the use of the landscape since it is essential to maintain the connection between areas promoting the movement of the target species, linking organisms, populations, communities and even ecosystems. The Atlantic Forest is one of the most fragmented biomes in the country, with the expansion of urban centers and agriculture and livestock the main factors of degradation. Habitat loss and species isolation are some of these consequences, which can lead to population decline and even species extinction. Maintaining structural and functional connectivity between habitat fragments helps the movement of fauna, an essential process for the maintenance of ecosystems. In this study we aimed to identify and analyze the functionality of “wildlife-based corridors” using the golden lion tamarin (Leontopithecus rosalia) as a study model, a species of endemic and endangered primate of the Atlantic Forest. We analyzed movement data from 3 individuals monitored by GPS collars in forest fragments in the São João River Basin, state of Rio de Janeiro and produced a coverage and land use map on a scale of 1: 2500m of the areas where they live. We estimate the values of living areas, step length and their relationship to the landscape and search to identify movement patterns in corridor areas (rapid, parallel and repetitive movements). Our main hypothesis was refuted, as we did not identify corridor areas from the animal's perspective. The landscape use and consequently, the movement of the studied individuals were predominantly in forest areas, with lower use of other landscape classes, such as pipelines and pasture. The step length in forest areas was on average smaller than in other areas, and presented a higher variability in distance between points. The results obtained in this study will be of great importance for the conservation planning of a highly endangered primate species and can be used to better understand the impacts of fragmentation on other species of Brazilian primates. Keywords: Leontopithecus rosalia. Ecological Corridor. Wildlife Connectivity. Animal Movement. Landscape Ecology SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8 2 OBJETIVOS ............................................................................................................... 12 3 MATERIAL E MÉTODO ......................................................................................... 14 3.1 Área de estudo............................................................................................................. 14 3.2 Coleta de dados de movimentação ............................................................................ 15 3.3 Classificação da paisagem ......................................................................................... 16 3.4 Análise dos dados........................................................................................................ 17 5 RESULTADOS............................................................................................................ 20 5.1 Área de vida ................................................................................................................ 20 5.2 Mapeamento e classificação da paisagem ................................................................ 21 5.3 Análise do movimento ................................................................................................ 23 5.3.1 Corredor sob a perspectiva do animal.......................................................................... 23 5.3.2 Métricas do movimento ................................................................................................ 23 5.3.3 Métricas do movimento e paisagem ............................................................................. 24 6 DISCUSSÃO................................................................................................................ 27 7 CONCLUSÃO............................................................................................................. 29 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 30 8 1 INTRODUÇÃO Com menos de 16% de vegetação nativa remanescente a Mata Atlântica é um dos biomas mais ameaçados do país (RIBEIRO et al., 2009). A expansão urbana e agropecuária são alguns dos fatores que contribuem para a fragmentação e perda de habitat, visto que grandes centros urbanos e 72% da população brasileira se encontram em área de Mata Atlântica (RIBEIRO et al., 2009). O processo de fragmentação, que inclui a perda e a fragmentação de habitat pode ter diversas consequências, como isolamento e dispersão de espécies, diminuição do fluxo gênico, redução da riqueza e da diversidade de espécies, e efeito de borda (FAHRIG 2017; RALLS et al. 2018). A diminuição no fluxo gênico pode levar à extinção de espécies por conta da endogamia, podendo ainda ocorrer aumento da competição e diminuição de níveis tróficos, afetando assim toda a comunidade (D´EON et al., 2002; FAHRIG, 2003). A conectividade entre fragmentos possibilita a movimentação da fauna, sendo um fator essencial para a conservação da biodiversidade e do habitat, assim como para a manutenção do equilíbrio nos ecossistemas (FAHRIG, 2003; HADDAD et al. 2015; TAYLOR et al., 1993). A conectividade pode ser classificada como estrutural, quando existem aspectos espaciais e estruturais da paisagem conectando os fragmentos; ou funcional, que leva em conta a capacidade de movimentação e conexão para determinada espécie (FISCHER & LINDENMAYER, 2007; TISCHENDORF & FAHRIG, 2000). Uma das maneiras de aumentar a conectividade estrutural e diminuir os impactos do isolamento causado pela perda de habitat e fragmentação é a implementação de corredores ecológicos, que são faixas de vegetação nativa que ligam fragmentos, mantendo assim a conectividade (TISCHENDORF & FAHRIG, 2000). A relação entre ocorrência, abundância ou diversidade de fauna com atributos espaciais (i.e. tamanho das áreas, quantidade de habitat, efeito de borda etc.) pode ser um passo interessante para avaliar questões relacionadas a corredores ecológicos e a conectividade (MAGIOLI et al., 2015; MAGIOLI et al., 2016; MARTENSEN et al., 2012). No caso da Mata Atlântica, espécies arborícolas são mais dependentes das estruturas verticais das florestas, como é o caso de bicho-preguiças (SANTOS et al., 2016) e primatas (DA SILVA et al., 2015; GESTICH et al., 2019). Essas espécies, embora possam também se deslocar alguma distância em ambientes terrestres não florestais, são diretamente beneficiadas 9 com a ocorrência de estruturas florestais lineares (i.e. corredores), contribuindo assim para a manutenção da conectividade funcional das mesmas. Entretanto, a conexão espacial por meio da vegetação não necessariamente promove uma conectividade funcional efetiva, uma vez que nem todos os processos ecológicos são facilitados ou mantidos por conexões estruturais da paisagem (FISCHER & LINDENMAYER, 2007; UEZU et al., 2005). Estudos mostram a importância de se considerar os padrões de movimentação das espécies na implementação de corredores ecológicos (LAPOINT et al., 2013; OSIPOVA et al., 2018; SCHARF et al., 2018). Dessa forma, para que a faixa de vegetação realmente cumpra sua função é necessário levar em conta os hábitos e dados de movimentação da fauna, e de preferência associar esses à qualidade do habitat dos ambientes avaliados (LAPOINT et al., 2013; OSIPOVA et al., 2018; SCHARF et al., 2018). Os “corredores sob a perspectiva do animal” são regiões que indivíduos utilizam apenas como passagem, apresentando padrões de movimentação como velocidade e mudança na direção do movimento diferentes de quando estão forrageando ou próximo ao oco onde dormem (LAPOINT et al., 2013). O método definido por LaPoint e colaboradores (2013) estabelece que corredores sob a perspectiva do animal são áreas em que os movimentos dos indivíduos são mais rápidos, paralelos e repetitivos. Analisar os padrões de movimentação para implementar corredores sob a perspectiva do animal pode ser uma estratégia interessante para assegurar a movimentação da fauna e promover a conectividade da vida selvagem — wildlife connectivity — ou como intitulamos neste trabalho conectividade animal (LAPOINT et al., 2013; OSIPOVA et al., 2018; SCHARF et al., 2018). O mico-leão-dourado (MLD, Leontopithecus rosalia), uma das espécies símbolo da Mata Atlântica, está classificado como em perigo (EN) pela IUCN e pelo Ministério do Meio Ambiente (ICMBIO/MMA, 2018; KIERULFF, 2008) e sua distribuição potencial é restrita ao interior do Estado do Rio de Janeiro (CULOT et al., 2019; KIERULFF & RYLANDS, 2003). Os MLDs são considerados uma espécie-chave para a manutenção dos ecossistemas, uma vez que desempenham importante papéis ecológicos, como a dispersão de sementes, contribuindo com a manutenção da vegetação e da biodiversidade (LAPENTA & PROCÓPIO DE OLIVEIRA, 2008; RUIZ-MIRANDA et al., 2008). Devido a diminuição das áreas de habitat disponíveis (em decorrência da perda e fragmentação de habitat), os MLDs tendem a se deslocar entre vários fragmentos, complementando assim recursos necessários e mantendo suas populações (ASCENSÃO et al., 2019; MORAES et al., 2018; RUIZ-MIRANDA et al., 2008). 10 No entanto, uma grande barreira estrutural para ao movimento da espécie são as estradas pavimentadas (ASCENSÃO et al., 2019; LUCAS et al., 2019; MORAES et al., 2018). Em 1960 a população de micos-leões-dourados (MLDs) na natureza era menor que 200 indivíduos, o que levou a espécie a ser considerada quase extinta (COIMBRA-FILHO & CÂMARA, 1996). A Associação-Mico-Leão-Dourado (AMLD) foi criada em 1992 com o objetivo de proteger os MLDs e conservar a biodiversidade da Mata Atlântica (AMLD, 2019). A AMLD, em conjunto com cientistas, organizações não governamentais e sociedade civil, estabeleceu inúmeros projetos voltados à conservação do MLD, e atualmente é estimado que existam cerca de 2.500 indivíduos em vida livre (DIETZ et al., 2019). Existem alguns fatores cruciais para garantir a sobrevivência da espécie, incluindo o aumento das áreas de vegetação nativa e da conectividade entre os fragmentos, evitando o isolamento entre diferentes populações e garantindo seu fluxo gênico (MORAES et al., 2018; RUIZ-MIRANDA, et al., 2008). Os esforços e campanhas para salvar a espécie da extinção chamaram a atenção do público para a conservação de seu habitat, o que influencia na conservação da Mata Atlântica e de outras espécies que vivem no mesmo habitat (DIETZ et al., 1994; RAMBALDI, 2002) Por ser um espécie endêmica e ameaçada, que ocorre apenas em uma pequena região no interior do estado do Rio de Janeiro, a conectividade entre os fragmentos de habitats florestais é extremamente importante para assegurar a manutenção de suas populações (KIERULFF et al., 2012; MORAES et al., 2018; RUIZ-MIRANDA et al., 2008; SANTOS, 2018). Lucas e colaboradores (2019) analisaram a resposta espacial, uso do espaço e área de vida de MLDs a infraestruturas lineares (estradas pavimentadas e não pavimentadas, dutos de combustíveis e linhas de alta tensão), que indicaram que essa espécie evita estradas pavimentadas. A área de vida foi maior em grupos mais distantes dessas estruturas e dentro das Unidades de Conservação, com animais utilizando principalmente as áreas florestais (LUCAS et al., 2019). Apesar de revelar importantes aspectos sobre o uso do espaço pelo MLD, essas análises apresentaram algumas restrições pelo período limitado de coleta de dados (apenas 5 pontos por dia). Novos estudos, especialmente os realizados com tecnologias avançadas como o uso de colares/mochilas GPS (Global Positioning System) irão permitir uma compreensão detalhada do uso do espaço e padrões de movimentação do MLD, auxiliando na conservação dessa importante espécie. 11 Entender os padrões de movimentação e uso do espaço por MLDs é essencial para conhecer melhor a ecologia da espécie. Além disto, compreender a existência ou não de corredores sob a perspectiva do animal pode possibilitar a implementação de corredores funcionais que promovam a conectividade da vida selvagem e a conservação da espécie (LAPOINT et al., 2013; SCHARF et al., 2018). 12 2 OBJETIVO E HIPÓTESES Esta pesquisa é parte do projeto “Avaliação do efeito de faixas de dutos na conectividade da paisagem para a Mastofauna e análise da eficácia de estruturas de travessias de fauna” conduzido em uma parceria de diversas instituições, incluindo o Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação (LEEC/–UNESP), Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) – Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e a Associação Mico-Leão- Dourado (AMLD). Neste estudo pretendemos responder às seguintes perguntas: (a) Os micos-leões-dourados possuem corredores sob a perspectiva do animal dentro de sua área de vida? (b) Os padrões de movimentação da espécie são diferentes em áreas de corredor sob a perspectiva do animal? (c) Como varia a paisagem de áreas de corredor em relação a áreas de não corredor sob a perspectiva de micos-leões-dourados? Nossa hipótese para a primeira pergunta foi de que os animais possuem áreas que funcionam como corredores dentro de sua área de vida (Figura 1a). Como hipótese alternativa, os animais não possuem áreas utilizadas como corredores dentro de sua área de vida, apresentam apenas movimentos exploratórios em toda a área de vida. Nossa hipótese para a segunda pergunta foi que os padrões de movimentação são diferentes entre áreas de corredor sob a perspectiva do animal e áreas de uso exploratório, com velocidade e comprimento de passo maior nas áreas de corredores (Figura 1b). Nossa hipótese para a terceira pergunta foi que áreas de corredor sob a perspectiva do animal serão mais heterogêneas, com uma maior quantidade de classes de uso da paisagem, enquanto áreas de não corredor serão predominantemente florestais (Figura 1c). Caso as hipóteses 2 e 3 não se confirmassem, analisaríamos as mesmas questões, mas em toda a área de vida dos indivíduos estudados. 13 Figura 1: Hipóteses de padrões na movimentação de determinado indivíduo de MLD. As pegadas representam as localizações e a linha preta tracejada indica a área de vida (a) Movimento incluindo corredores sob a perspectiva de determinado indivíduo. A seta vermelha indica a área de corredor sob a perspectiva do animal e as linhas pretas contínuas indicam áreas de movimento exploratório. (b) Diferentes padrões de movimento em áreas de corredor sob a perspectiva do animal e áreas de movimento exploratório. As setas cinzas indicam o comprimento de passo (maior em áreas de corredor devido a um movimento mais rápido e menos exploratório). (c) Áreas de corredor e de não-corredor sob a perspectiva do animal em relação a heterogeneidade da paisagem. Áreas de não-corredor, movimentos exploratórios, são representadas pela maior densidade de árvores (paisagem homogênea). E área de corredor, representada pela presença antrópica, poucas árvores e gramíneas (paisagem heterogênea). 14 3 MATERIAL E MÉTODO 3.1 Área de estudo Este estudo foi desenvolvido em fragmentos florestais em áreas privadas na Área de Proteção Ambiental (APA) da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado, no interior do estado do Rio de Janeiro, localizada nas coordenadas 22º 20' e 22º 50' de latitude sul e 42º 00' e 42º 40' de longitude oeste (BRASIL, 2008; Figura 2). A região apresenta interferências antrópicas devido ao desenvolvimento agrícola e a expansão urbana; área total da APA é de 150.300 hectares (BRASIL, 2008; SEMA, 2001). O clima predominante é o tropical úmido (BRASIL, 2008). Caracterizada como uma área importante para a preservação dos recursos hídricos, conservação do mico-leão-dourado e da Mata Atlântica, a APA foi criada em 2001 (BRASIL, 2008; RUIZ-MIRANDA et al., 2008). Figura 2: Mapa de uso e ocupação do solo da área de estudo, APA da Bacia do Rio São João/Mico- Leão-Dourado. Os pontos indicam áreas com presença de Mico-Leões-Dourados (MLDs) e as áreas coloridas representam as classes de paisagens presentes na legenda. O quadrado vermelho indica a localização dos grupos estudados nesse trabalho. Definição das abreviações no mapa: SJRB: Bacia do Rio São João, REBIO União: Reserva Biológica da União, PDA: Reserva Biológica de Poço das Antas. As siglas Imbau, VR, BE, AVI, AVII e Serra indicam localidades com grupos de micos sendo acompanhados historicamente pela AMLD. Fonte: Adaptado de Moraes et al., 2018. 15 3.2 Coleta de dados de movimentação Os dados de movimentação foram coletados por pesquisadores da Associação Mico- Leão-Dourado (AMLD), que realizaram a captura de indivíduos de MLDs e os equiparam com colares GPS (Q4000ER GPS, Telemetry Solution®, Figura 3). Os MLDs vivem em grupos sociais, tendendo a se mover em grupo (PERES, 1989). Sendo assim, apenas um indivíduo em cada grupo foi equipado com o colar GPS. Figura 3: Um dos indivíduos do estudo sob anestesia sendo equipado com colar GPS. Fonte: Talitha Mayumi Francisco As coletas de MLDs seguiram o protocolo para a captura de indivíduos da espécie descrito por Dietz e colaboradores (1994), onde armadilhas foram instaladas e cevadas com bananas. As armadilhas coletaram todos os indivíduos de um grupo, que foram manejados (anestesiados, pesados e examinados por veterinários) em conjunto – no entanto, apenas o macho mais pesado do grupo foi equipado com o colar GPS (DIETZ et al., 1994). Todos os procedimentos foram realizados seguindo rigorosamente os princípios de ética animal, sendo os mesmos realizados exclusivamente por especialistas da AMLD. A princípio a expectativa da equipe era de equipar oito indivíduos de MLDs com colares GPS, porém devido à dificuldades nas capturas, associadas a suspensão de atividades de campo como medida de prevenção a pandemia de coronavírus, apenas 3 indivíduos de 3 grupos diferentes foram equipados com GPS. 16 Este estudo exigiu alta resolução temporal e espacial dos dados, sendo necessário adquirir dados em um curto intervalo de tempo. Desta forma, os colares coletaram coordenadas a cada 10 minutos. A coleta de dados foi durante os meses de julho, agosto e setembro de 2019, período de seca na região do estudo (BRASIL, 2008). Cada grupo teve a sua localização coletada em dias alternados por dois meses nos horários em que os indivíduos permanecem mais ativos - no período diurno, das 7h até às 15h50, com um intervalo sem coleta de pontos das 11h até às 14h. Dois indivíduos (Tam02 e Tam03) tiveram os pontos coletados durante os meses de julho e agosto de 2019 e o terceiro (Tam04) durante os meses de agosto e setembro de 2019, sendo que o último apresentou problemas técnicos de razões desconhecidas, reduzindo o número de dias de coleta de pontos. Como utilizamos dados de movimentação disponibilizados pela AMLD, não foi necessário submeter esse projeto ao comitê de ética da UNESP. 3.3 Classificação da paisagem Utilizando o plugin QuickMap Services do software QGIS 3.4.9 (QUANTUM, 2019), a partir de imagens do Google Satellite refinamos o mapeamento da paisagem previamente realizado por Moraes et al. (2018). O refinamento foi realizado apenas nas áreas de ocorrência dos indivíduos estudados e que foi definida utilizando a Estimativa de Densidade por Kernel de 100% de probabilidade de uso, baseada nas localizações GPS dos animais estudados, a estimativa foi feita no software R 4.0.2 (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2020). Para um maior detalhamento dos limites de cada classe da paisagem, em uma escala de 1:2500 metros. Classificamos as áreas em 12 classes de cobertura e uso do solo, são elas: floresta, reflorestamento, stepping stones, clareira, pastagem, silvicultura, dutos de combustíveis (figura 4), solo exposto, edificações, rodovia BR-101, estrada de terra e corpos d’água. As áreas classificadas como stepping stones (trampolins ecológicos) são aquelas em que há vegetação arbórea remanescente, o que pode facilitar o deslocamento e dispersão de indivíduos de MLDs na área. 17 Figura 4: Área do duto de combustível na área de vida de um dos indivíduos monitorados. Fonte: Ruiz-Miranda et al., 2018. 3.4 Análise dos dados Existem corredores dentro das áreas de vida dos micos? Utilizamos o método proposto por LaPoint et al., (2013) para definir e identificar áreas de corredores sob a perspectiva do animal a partir de padrões de movimentos rápidos, paralelos e repetitivos dos indivíduos. As áreas de corredores sob a perspectiva do animal foram definidas de acordo com os padrões de movimentação dos indivíduos, assumindo que em áreas de corredores há mudanças na velocidade, direção do movimento e repetições em comparação às regiões de uso exploratório. As análises estatísticas dos padrões de movimentação e área de vida foram feitas utilizando o pacote ‘adehabitatLT’ no software R 4.0.2 (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2020). A área de vida e área nuclear foi calculada utilizando a Estimativa de Densidade por Kernel, método Kernel (KDE) nas regiões com 95% a 50% de distribuição de utilização, respectivamente (WORTON et al., 1989). As áreas com 50% de distribuição de utilização foram definidas com área nuclear ou core area. 18 A partir da função ‘corridors’, do pacote ‘move’ analisamos os dados dos padrões de movimentação obtidos (KRANSTAUBER et al., 2017). As áreas que apresentam movimentos paralelos, repetitivos e velocidades mais altas são identificadas como área de corredor ecológico sob a perspectiva do animal (LAPOINT et al., 2013). A função para detecção dos corredores sob a perspectiva do animal é descrita detalhadamente em LaPoint et al. (2013) e as etapas envolvidas dentro da função são apresentadas brevemente a seguir. Após o cálculo da área de vida, é calculada a velocidade e a variação na direção no movimento dos animais. O comprimento de passo corresponde a distância percorrida entre duas localizações subsequentes. Para cada passo, calcula-se seu ponto médio (ponto entre duas localizações), sua velocidade (m/min) e seu azimute (-180º ≤ azimute <180º). Passos com velocidade maior que 75% de todas as velocidades por animal são considerados passos dentro do corredor, pois indicam que o indivíduo está se movendo mais rápido nessa área. Para cada ponto médio é calculado um buffer (um círculo que delimita uma área) de raio igual a metade do comprimento do passo do movimento. Para identificar os movimentos paralelos é calculado o pseudo-azimute de todos os pontos médios utilizando a função: 2 (ângulo observado + 180º). Caso o resultado seja maior que 360º deverá ser subtraído 360º e caso seja menor que 360º, nenhum valor será subtraído ou adicionado. A partir daí calcula-se a variação circular do pseudo-azimute de todos os pontos médios dentro dos buffers de cada ponto médio. Os pontos médios com velocidade maiores que 75% de todas as velocidades do animal que também possuem baixa variância demonstram que nesses pontos, os animais apresentam “comportamento de corredor”, ou seja, se movem rapidamente, paralelamente e repetidamente na região. Para definir o corredor sob a perspectiva do animal, identifica-se concentrações de pontos médios onde o animal apresenta “comportamento de corredor”, considerando apenas os pontos médios com ao menos outros 2 pontos médios dentro da sua área de influência (buffer). Após essa etapa, são delimitados os limites dos corredores sob a perspectiva do animal usando uma estimativa de densidade de Kernel similar à utilizada para definir as áreas de vida. Os padrões de movimentação são diferentes nas áreas com diferentes classes da paisagem? 19 Uma vez que não identificamos áreas de corredores sob a perspectiva do animal, modificamos a pergunta 2 proposta inicialmente, a fim de compreender como ocorrem os padrões de movimentação de acordo com a paisagem. Calculamos a métrica de movimentação ‘comprimento de passo’ para cada um dos indivíduos e associamos os resultados obtidos às classificações da paisagem. Verificamos qual é a classe mais utilizada por cada indivíduo, a partir da frequência de localizações e de comprimento de passo e a densidade dos comprimentos de passos para cada classe da paisagem. Todas as análises foram realizadas utilizando o software R 4.0.2 (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2020). Para obtermos a métrica do comprimento de passo separamos as trajetórias de cada indivíduo, ou seja, uma sequência de passos conectando sucessivas localizações de um animal, levando em conta assim a ordem espacial e temporal do movimento (CALENGE, 2015; TURCHIN, 1998). Uma vez que os dados não são contínuos pois foram coletados em dias alternados, cada novo dia de coleta foi considerado como uma trajetória nova. Calculamos as trajetórias utilizando o pacote ‘adehabitatLT’ (CALENGE, 2006). Para cada trajetória foram calculados os comprimentos de passo entre cada localização. Comparamos os comprimentos de passo de cada indivíduo utilizando o teste de Kruskal-Wallis e o post-hoc Nemenyi utilizando o pacote ‘PMCMR’. Após esta etapa calculamos a frequência dos comprimentos de passo das áreas de uso exploratório. Essas frequências foram utilizadas para comparação entre as diferentes classes aplicando mais uma vez o teste de Kruskal-Wallis. 20 4 RESULTADOS 4.1 Área de vida Foram 21 dias de coleta do Tam02 totalizando 465 localizações, 22 dias do Tam03 com 474 pontos e 8 dias de coleta do Tam04 resultando em 169 pontos. A partir dos dados de localização obtidos calculamos a área de vida (95% de probabilidade de uso) e área nucleares (50% de probabilidade de uso) dos indivíduos. A maior estimativa de área de vida foi a do indivíduo Tam04 com 86,71 hectares e 30,33 hectares de área nuclear. O indivíduo Tam03 com 73,80 hectares de área de vida e 23,30 hectares de área nuclear. Já o Tam02 teve a menor estimativa de área de vida e área nuclear com respectivamente 18,29 hectares e 11,64 hectares (Figura 5). Figura 5: Áreas de vida para os 3 indivíduos de Micos-leões-dourados (MLDs) presentes na área de estudo. Cada cor representa um indivíduo, as áreas maiores são as áreas de vida, as áreas centrais em tons mais escuros são as áreas nucleares, os pontos as localizações obtidas pelos colares GPS e a linha laranja indica os dutos de combustíveis presentes na área. O mapa inferior à direita indica a localização da área de estudo dentro do estado do Rio de Janeiro. 21 4.2 Mapeamento e classificação da paisagem A classificação da paisagem indicou que a cobertura predominante na área de vida de todos os indivíduos é a floresta (Figura 6). Figura 6: Mapa de cobertura e uso do solo com os dados de localizações, área de vida e área nuclear dos indivíduos de Micos-leões-dourados (MLDs) na Bacia do Rio São João - RJ. O mapa inferior à direita indica a localização da área de estudo dentro do estado do Rio de Janeiro. O indivíduo Tam02 tem área de vida de 18,29 hectares com 97,15% de área de floresta, é a maior porcentagem da classe nas áreas de vida dos indivíduos, 2,35% corresponde a área de duto e apenas 0,50% de pastagem. Já o indivíduo Tam03 com 73,80 hectares teve a menor proporção de floresta dentro da área de vida com 68,04% e também é indivíduo o com maior proporção de área de pastagem com 27,61%, e a estrada de terra com 0,07% foi a classe com a menor extensão. As outras classes dentro da área de vida do indivíduo Tam03 são: duto (2,32%), stepping stones (1,31%), edificações (0,25%), clareira (0,19%), corpos d’água (0,12%) e solo exposto (0,09%), ao todo são 9 classes. 22 Já o indivíduo Tam04 tem 11 classes em 86,71 hectares de área de vida, sendo a floresta a de maior extensão com 84,00% da área, pastagem com 6,70% é a segunda classe com maior proporção na sua área de vida. As outras classes presentes são: reflorestamento (5,24%), dutos de combustíveis (0,99%), silvicultura (0,66%), rodovia BR-101 (0,42%), solo exposto (0,31%), edificações (1,48%), stepping stones (0,11%), estrada de terra (0,05%) e clareira (0,04%). Figura 7. Porcentagem de cobertura das classes da paisagem nas áreas de vida (Home range 95%) de cada indivíduos de Micos-leões-dourados (MLDs) na Bacia do Rio São João - RJ. Assim como na área de vida a classe predominante na área nuclear de todos os indivíduos é a floresta. A área nuclear do indivíduo Tam02 (área de 1,4 ha) é composta apenas por floresta. Já a área nuclear do Tam03, 23,30 hectares é constituída por 97,56% de floresta, 5,24% de pastagem, 0,21% dutos de combustíveis e apenas 0,04% de stepping stones. O indivíduo Tam04 tem a maior extensão de área nuclear com 26,84 hectares e 98,28% dessa área é constituída por florestas, 1,48% de pastagem, 0,81% de dutos de combustíveis e 0,15% de área de clareira. 23 Figura 8. Representação da porcentagem de cobertura das classes da paisagem nas áreas nucleares (core area) de cada indivíduo de Micos-leões-dourados (MLDs) na Bacia do Rio São João - RJ. 4.3 Análises dos movimentos 4.3.1 Corredor sob a perspectiva do animal Não foram encontrados comportamentos de corredor dentro da área de vida em nenhum dos três indivíduos acompanhados nesse estudo. 4.3.2 Métricas do movimento Os indivíduos Tam02 e Tam03 apresentam comprimento de passo semelhantes (42,67 e 44,43 metros respectivamente), porém o indivíduo Tam03 possui desvio padrão maior indicando que o animal percorreu maiores distâncias entre um ponto e outro. Já o indivíduo Tam04 possui o maior valor de comprimento de passo 63,02 metros, maior mediana e valores maiores nos quartis superiores e inferiores (primeiro e terceiro quartil). Após gerar os valores do comprimento de passo e desvio padrão fizemos os testes estatísticos de Kruskal-Wallis e o post-hoc Nemenyi para verificar se a diferença entre os indivíduos é significativa. No teste de Kruskal-Wallis encontramos o valor de chi-quadrado = 24 24.058; grau de liberdade (df) = 2p e o valor de p = 5.967e-06, isto é, a diferença entre os indivíduos é estatisticamente significativa, eles se comportam de maneiras diferentes. Figura 9. Comprimento de passo em metros por indivíduo. Nos retângulos estão representados os quartis superiores e inferiores, a linha grossa nos retângulos representa a mediana e os pontos desagregados, outliers, são os pontos fora dos quartis que representam os passos mais longos (distância percorrida maior). 4.3.3 Métricas do movimento e paisagem A partir dessas análises notamos que a maior densidade e variação de passos é em área de floresta, que também é a classe com mais localizações seguida pelas áreas de duto e pastagem, em ordem decrescente. Devido a insuficiência de pontos coletados nas outras classes não foi possível calcular a densidade de comprimento de passos nessas áreas. Além das classes floresta, duto e pastagem apenas áreas de stepping stones, reflorestamento e edificações possuem pontos de localização de MLDs, porém cada classe possui apenas um ponto coletados. O que indica que os MLDs não se deslocam, ou se deslocam muito pouco, para outras regiões e se movimentam a maior parte do tempo em florestas, dutos e pastagem. 25 Figura 10. Densidade comprimento de passos de micos-leões-dourados para as classes da paisagem duto, floresta e pastagem na Bacia do Rio São João - RJ. A média do comprimento do passo em áreas de edificações e reflorestamento foi maior do que em florestas e menor do que a média em áreas de pastagem. Já o comprimento de passo em área de stepping stones foi menor do que os quartis inferiores das outras classes representadas no gráfico (Figura 11). Mesmo apresentando a maior variação no comprimento de passo, em média o passo em áreas de floresta é menor do que nas outras áreas. A densidade de passos curtos (25 metros) em áreas de floresta é maior. Áreas de duto e pastagem possuem densidade menor do que florestas e passos mais longos. A pastagem apresenta comprimento de passo maior e menor densidade de passos do que dutos e florestas. O teste estatístico de Kruskal-Wallis indicou que a variação entre comprimento de passo e paisagem é não significativo. No entanto, é possível que esse resultado seja um reflexo da baixa quantidade de pontos para a maioria das classes. 26 Figura 11. Comprimento de passo de micos-leões-dourados por classe da paisagem na Bacia do Rio São João (RJ). As classes duto, floresta e pastagem apresentam quartis, pontos máximos e mínimos, pois possuem maior número de pontos coletados. Já as classes edificações, reflorestamento e stepping stones, devido à pouca quantidade de pontos não possuem essas representações. Apenas na classe floresta há outliers. 27 5 DISCUSSÃO Esse é o primeiro estudo que buscou compreender corredores sob a perspectiva do animal com primatas tropicais. Apesar de nossa hipótese principal não ter sido corroborada, encontramos resultados importantes sobre a movimentação e o uso do espaço pelo mico-leão- dourado (MLD). Todos os indivíduos estudados apresentaram apenas comportamentos exploratórios, sem presença de corredores sob o ponto de vista do animal. Uma vez que o MLD é arborícola e poucos pontos de localização foram registrados fora das áreas de floresta é possível que a escolha da espécie não tenha sido a ideal para este estudo. Diversos outros estudos que encontraram os corredores sob a perspectiva do animal foram conduzidos com espécies menos exigentes em relação a qualidade de habitat (SCHARF et al., 2018, LAPOINT et al, 2013) e não dependentes de árvores para sua movimentação (OSIPOVA et al., 2018, SCHARF et al., 2018). Outros fatores que podem ter influenciado essa análise são relacionadas ao baixo número de indivíduos monitorados, ao curto período de monitoramento, e principalmente, a influência de infraestruturas lineares como rodovia, estradas e dutos de combustível que exercem forte pressão na movimentação e uso do espaço por essa espécie (LUCAS et al., 2019). Apesar das áreas de vida incluírem regiões como edificações antrópicas e até mesmo a rodovia, sabemos que isso é um reflexo da análise utilizada, que inclui a probabilidade de uso pelos animais, sem considerar a paisagem. Quando analisamos os pontos de localização obtidos pelos colares GPS, vemos que todos os indivíduos utilizam principalmente as áreas florestais, dificilmente ultrapassando suas bordas. Isso reitera a forte necessidade da vegetação florestal para locomoção do MLD (DA SILVA et al., 2015; GESTICH et al., 2019) e indica que a presença de estruturas lineares limita a movimentação dos MLDs em áreas fragmentadas (LUCAS et al., 2019). Os indivíduos Tam02 e Tam04 apresentaram tamanho e configuração da área de vida bem diferentes, apesar de estarem na mesma região. Essa diferença pode ser um reflexo da menor quantidade de pontos do indivíduo Tam04, assim como do fato que essa é uma espécie de comportamento territorial e a proximidade entre dois grupos pode alterar os padrões de movimento, restringindo e inibindo o uso do espaço por um dos grupos (BAKER & DIETZ, 1996; RUIZ-MIRANDA et al., 2006). 28 A maior variação no comprimento de passo está relacionada ao tamanho da área de vida, indicando que os indivíduos que usaram espaços maiores, em alguns momentos se deslocam por maiores distâncias. Indivíduos com maior tamanho de área de vida e área nuclear apresentam maior desvio padrão e majoritariamente passos curtos. A maioria dos passos nas áreas de florestas são mais curtos, indicando que esta é a área onde os animais mais exploram. Na floresta é onde também houve maior variação nos comprimentos de passo, com algumas distâncias bastante altas entre duas localizações. Essa variação é esperada, uma vez que a floresta representa a maior parte das áreas de vida dos MLDs e, consequentemente os indivíduos passam mais tempo nessas áreas, apresentando diversidade de comportamentos, como forrageio, busca de parceiros, comportamento territorial e fuga de predadores e essa diferença de comportamentos é refletida no comprimento de passo dos animais. A densidade de passos no duto foi maior do que em áreas de pastagem. Isso reflete a necessidade dos MLDs por áreas florestais, uma vez que os dutos são áreas de aproximadamente 20 metros de largura, sem vegetação arbórea, que separam fragmentos florestais. Os animais estão dispostos a atravessar essas áreas curtas para chegar a um fragmento próximo, mas não distâncias maiores como as de pastagens. Embora não tenhamos encontrado áreas de corredores dentro das áreas de vida dos MLDs, esse estudo mostra a importância da vegetação florestal para os MLDs e mesmo com diferenças nos padrões de movimento entre os indivíduos, as alterações da paisagem podem restringir o uso do espaço pela espécie. Observamos que os indivíduos acompanhados não saíram da sua área para ir até outros fragmentos próximos e isso pode levar ao isolamento dos grupos, fator de risco para essa espécie ameaçada (ASCENSÃO et al., 2019; MORAES et al., 2018; RUIZ-MIRANDA et al., 2008), demonstrando a importância de corredores funcionais conectando fragmentos que estão separados por áreas alteradas e sem vegetação florestal. Alterações e supressões da vegetação florestal podem impactar negativamente na conservação da espécie, pois influenciam no tamanho da área de vida dos indivíduos de MLDs e em seus padrões de movimentação. 29 6 CONCLUSÃO Mesmo que não tenhamos identificado o corredor sob a perspectiva da espécie esse estudo é o primeiro a fazer análises de corredor a partir de dados de movimentação animal para micos-leões-dourados (MLD) e o primeiro a utilizar dados de movimento em fina escala para essa espécie, com coletas de dados a cada 10 minutos. Nossos resultados indicam que há diferenças entre os padrões de movimentação e o uso do espaço pelos MLDs nas classes da paisagem, sendo que a espécie é altamente dependente de regiões florestais. Essas informações podem ser utilizadas como ferramenta nas decisões e implementações de políticas públicas que busquem evitar e mitigar impactos negativos de interferências humanas, não só para MLD, mas também para várias espécies arborícolas da região. Estudos sobre movimentação animal são imprescindíveis como ferramenta na implementação de políticas públicas e ações de conservação, pois ajudam a entender como a fauna usa o espaço ao realizar atividades essenciais e as consequências das alterações e interferências antrópicas (FRASER et al., 2018; KAYS et al., 2015). As alterações muitas vezes são inevitáveis e medidas de mitigação tem papel fundamental para proteger e conservar a biodiversidade para garantir a sobrevivência da vida selvagem. 30 REFERÊNCIAS AMLD. 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