CIÊNCIAS BIOLÓGICAS LUCAS ZORDAN FERNANDES VARIAÇÃO NO GRAU DE FRUGIVORIA DAS AVES: UMA AVALIAÇÃO COM DADOS DE CIÊNCIA CIDADÃ Rio Claro - SP 2022 LUCAS ZORDAN FERNANDES VARIAÇÃO NO GRAU DE FRUGIVORIA DAS AVES: UMA AVALIAÇÃO COM DADOS DE CIÊNCIA CIDADÃ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências – Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas. Orientador: Prof. Dr. Marco Aurelio Pizo Ferreira Rio Claro - SP 2022 mailto:marco.pizo@unesp.br F363v Fernandes, Lucas Zordan Variação no grau de frugivoria das aves: uma avaliação com dados de ciência cidadã / Lucas Zordan Fernandes. -- Rio Claro, 2022 34 f. : tabs., mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Ciências Biológicas) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientador: Marco Aurelio Pizo 1. Ecologia de Aves. 2. Dieta de Aves. 3. Ciência Cidadã. 4. Grau de frugivoria. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. LUCAS ZORDAN FERNANDES VARIAÇÃO NO GRAU DE FRUGIVORIA DAS AVES: UMA AVALIAÇÃO COM DADOS DE CIÊNCIA CIDADÃ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências – Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas. BANCA EXAMINADORA: Prof. Dr. Marco Aurelio Pizo Ferreira Profa. Dra. Marina Corrêa Côrtes Dra. Karlla Barbosa Aprovado em: __ de _____________ de 20__ Assinatura do discente Assinatura do(a) orientador(a) 13 julho 22 Dedico este trabalho a Deus, aos meus pais que me deram a oportunidade de estar concluindo esta etapa e a meus amigos que sempre estiveram presentes em momentos adversos. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus professores e colegas de graduação por me acompanharem e me conduzirem por esta jornada e especialmente a meu orientador Prof. Dr. , pela sua disposição, paciência e ajuda com o trabalho.Marco Aurelio Pizo Ferreira mailto:marco.pizo@unesp.br RESUMO O estudo da dieta das aves permite entender fatores como o forrageamento, nutrição, além de outras características, como as relações ecológicas entre populações, comunidades e com o ecossistema em que as espécies estão inseridas, podendo ser útil para a conservação desses animais. Várias metodologias podem ser utilizadas para conduzir este tipo de estudo, porém cada uma delas contém vieses. Com base nisso, a ciência cidadã, que é um termo utilizado para definir a contribuição e participação em pesquisas científicas de cidadãos que não fazem parte do meio acadêmico e científico tradicional, como entusiastas, amadores e voluntários, têm surgido como uma alternativa. Plataformas como o WikiAves e eBird são ferramentas que observadores de aves utilizam para tornar públicas suas fotos ou registros de ocorrência e com isso contribuem para aumentar o conhecimento sobre elas. Entre os dados que podem ser obtidos nessas plataformas digitais, destacam-se a identificação de cada espécie, sua biologia e distribuição, além de sua dieta, que pode ser obtida observando-se as fotos registradas, tornando possível analisar, por exemplo, o grau de frugivoria (i.e. a contribuição relativa de frutos na dieta) das espécies de aves. Este tipo de metodologia pode conter alguns vieses, como diferenças no esforço amostral para diferentes espécies e itens alimentares inconspícuos ou subestimados, porém pode ser bastante útil em alguns casos. Com base nisso, o presente trabalho calculou os graus de frugivoria, por meio de imagens na plataforma WikiAves, entre espécies congenéricas dos gêneros Trogon (T. rufus, T. surrucura e T. viridis) e Euphonia (E. chloroctica e E. violacea), que possuem indícios de diferenças. Além disso, a variação geográfica intraespecífica em Turdus leucomelas, Thraupis sayaca e Myiarchus ferox, que são importantes, para entender o papel que essas aves desempenham na dispersão de sementes e suas respostas a alterações no habitat. Foram encontrados graus de frugivoria semelhantes aos fornecidos pela literatura, assim como variação congénerica no caso de Trogon. Não foi encontrada variação geográfica para as espécies estudadas. Podemos concluir então que os dados fornecidos pelo WikiAves podem ser utilizados para estudos com dieta de aves, desde que se tome os devidos cuidados para evitar certos vieses. Palavras-chave: Dieta; Metodologia; Ecologia; Grau de frugivoria; Ciência; cidadã; Wiki Aves ABSTRACT The study of the diet of birds allows us to understand factors such as foraging, nutrition and other characteristics, such as the ecological relationships between populations, communities and with the ecosystem in which the species are, which can be useful for its conservation. Several methodologies can be used to conduct this type of study, but each one of them contains biases. Based on this, citizen science, which is a term used to define the contribution and participation in scientific research by citizens who are not part of the traditional academic and scientific environment, such as enthusiasts, amateurs and volunteers, has emerged as an alternative. Platforms such as WikiAves and eBird are tools that bird watchers use to make their photos or occurrence records public and thus contribute to increasing knowledge about them. Among the data that can be obtained on these sites, the identification of each species, its biology and distribution, in addition to its diet, which can be obtained by observing the recorded photos, making it possible to analyze, for example, the degree of frugivory (i.e. the relative contribution of fruits to the diet) of bird species. This type of methodology may contain some biases, such as differences in sampling effort for different species and inconspicuous or underestimated food items, but it can be quite useful in some cases. Based on this, the present work calculated the degrees of frugivory, through images on the Wiki Aves platform, among congeneric species of the genera Trogon (T. rufus, T. surrucura and T. viridis) and Euphonia (E. chloroctica and E. violacea), which have evidence of differences, in addition to intraspecific geographic variation in Turdus leucomelas, Thraupis sayaca and Myiarchus ferox, which are important to understand the role these birds play in seed dispersal and their responses to changes in habitat. Frugivory degrees similar to those provided in the literature were found, as well as congeneric variation in the case of Trogon. No geographic variation was found for the species studied. We can therefore conclude that the data provided by WikiAves can be used for studies with diets of birds as long as the necessary care is taken to avoid certain biases. Keywords: Diet; Methods; Ecology; Frugivory degree; Citizen science; Wiki Aves. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Grau de frugivoria e itens alimentares obtidos a partir de registros do site WikiAves de duas espécies do gênero Euphonia (E. chlorotica e E. violacea). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Tabela 2 – Grau de frugivoria e itens alimentares obtidos a partir de registros do site WikiAves de duas espécies do gênero Trogon (Trogon surrucura e Trogon viridis) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Tabela 3 – Grau de frugivoria e itens alimentares obtidos a partir de registros do site WikiAves das espécies Myiarchus ferox, Thraupis sayaca e Turdus leucomelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Tabela 4 – Porcentagem de ocorrência dos itens alimentares mais frequentes para as espécies Euphonia chloroctica, E. violacea, Trogon surrucura, Trogon viridis, Myiarchus ferox e Thraupis sayaca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19 Tabela 5 – Comparação dos Graus de Frugivoria (em %) encontrados neste estudo e na literatura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 2 OBJETIVOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.1 OBJETIVO GERAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 3 MATERIAIS E MÉTODOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 3.1 Espécies estudadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 3.2 Coleta de dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 4 RESULTADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 4.1 Dados gerais da dieta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17 4.2 Variação congenérica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 4.3 Variação geográfica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .21 4.3.1 Variação por estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 4.3.2 Variação por bioma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23 5 DISCUSSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 5.1 Análise da dieta geral. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 5.2 Variação congenérica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 5.3 Variação geográfica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28 6 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 11 1 INTRODUÇÃO A dieta é um aspecto fundamental na vida das aves e a partir de seu estudo é possível compreender fatores como a nutrição e o forrageamento, além de outros aspectos relacionados à vida desses animais, suas interações ecológicas, como a predação e competição, e o papel que elas exercem no ecossistema (MALLET-RODRIGUES, 2010). Além disso, este tipo de estudo tem ajudado a identificar as preferências de presas, que moldam a evolução das aves (KISSLING et al., 2012). Ajuda ainda a entender mudanças na dieta como consequências de alterações naturais e de ordem antropogênica (HOENIG, 2021). O papel que as aves desempenham no ecossistema também é de extrema importância, já que ao consumir frutos, muitas delas realizam o trabalho de dispersão de sementes, que é fundamental para manutenção das florestas (PIZO; GALETTI, 2010). Com base nisso, estudar a frugivoria dessas espécies se torna essencial para entender esse papel, assim como a dependência dessas aves aos frutos e suas respostas a alteração de habitat e a flutuação sazonal em sua abundância (GOMES et al., 2022). Entender essa dinâmica é o objetivo de muitos dos estudos com aves frugívoras, já que, assim, torna-se possível estabelecer padrões de distribuição e disponibilidade de recursos no ecossistema (SMITH; ROTENBERRY, 1990), além de obter informações suficientes para a conservação e manejo deste grupo de animais (ONTIVEROS et al., 2005). Porém, muitos problemas e dificuldades surgem ao realizar estudos sobre a dieta de aves frugívoras, envolvendo a falta de informações, escolha da metodologia e padronização de termos. Segundo LOPES et al. (2016), termos utilizados para se referir à dieta das aves não são padronizados e isso pode causar erros de comunicação, como por exemplo, a utilização de termos não quantitativos e subjetivos, que consequentemente podem ser interpretados de diversas formas dependendo do autor. Inferências subjetivas sobre morfologia, comportamento e disponibilidade de alimento, constantemente são utilizadas e são questionadas em estudos empíricos (ROSENBERG; COOPER, 1990). Isso pode ser preocupante, pois as análises da dieta das aves são frequentemente utilizadas para estudos que necessitam de dados quantitativos. A falta de informações também é um motivo de 12 dificuldades neste tipo de estudo, como por exemplo, a não compreensão clara da relação entre a seleção do local de forrageamento, disponibilidade de alimentos e a dieta (ROSENBERG; COOPER, 1990). Além desta questão, outra dificuldade em se estudar a dieta das aves surge em relação à escolha do tipo de metodologia empregada no estudo, tanto para a coleta de dados como para a análise da dieta. Enquanto métodos tradicionais de coleta, seja envolvendo a observação de forrageamento (diretamente ou por meio de fotografias e câmeras trap) ou a análise do conteúdo gástrico, fecal e estomacal, possuem uma forte base de dados, eles apresentam falhas na identificação taxonômica e detecção de presas pequenas (SYMONDSON, 2002), pois itens alimentares podem ser inconspícuos ou subestimados. Casos em que a análise é feita a partir de amostras presentes no organismo (e.g. análise do conteúdo estomacal) podem ocasionar um distúrbio na população local, além de ser um método invasivo que depende do sacrifício de indivíduos. Além desses já citados, outros métodos manuais utilizados são a regurgitação forçada, em que são utilizados produtos químicos eméticos, mas que não necessariamente refletem totalmente o conteúdo estomacal, e a coleta da egagrópila (massa de matéria não digerida que algumas aves regurgitam), que é comum em aves de rapinas (ROSENBERG; COOPER, 1990), mas que também contêm alguns vieses, já que o conteúdo presente é composto majoritariamente de ossos sem pouca ou nenhuma matéria mole. Outros métodos que têm sido utilizado para estudo da dieta das aves e tem evoluído nos últimos anos é a análise em laboratório molecular, principalmente de sequências de DNA retiradas das fezes, onde é realizada a extração do DNA, e em seguida a determinação da presa alvo a ser identificada através de marcadores moleculares (barcoding; ANDO et al, 2020). Essa metodologia possui alguns benefícios, como a identificação das presas com precisão e contribuição com informações nutricionais, porém também falha em quantificar o número de presas e sua biomassa (PIÑOL et al., 2015). A análise e amostragem da dieta envolve a organização e identificação das presas e apresentação dos resultados, que pode ser feita por frequência de cada item alimentar, por porcentagem do volume e do peso e a porcentagem de ocorrência, como por exemplo, o grau de frugivoria (GF), que representa a porcentagem de 13 frutos que compõem a dieta de determinada espécie de ave e será utilizado neste trabalho. Outro método que pode ser utilizado para se estudar a ecologia e a dieta das aves é por meio de publicações em plataformas de ciência cidadã, como o WikiAves e o eBird, que são usadas frequentemente para registrar fotografias e ocorrências de aves no Brasil e no mundo. O termo ciência cidadã tem sido utilizado para descrever a participação de pessoas em pesquisas que não fazem parte do meio científico profissional, como entusiastas e amadores, sejam envolvidos no desenvolvimento da pesquisa (perguntas), na coleta de informações no campo ou fornecendo dados, geralmente de forma voluntária (SPAZZIANI et al., 2021). A ciência cidadã permite que informações possam ser coletadas de forma mais rápida, com maior abrangência e menor custo, uma vez que estão disponíveis para toda a população. Devido a isso, tem se transformado em uma forma emergente de obtenção de dados na comunidade científica (BARBOSA et al., 2021). Além disso, a ciência cidadã contribui para a expansão do conhecimento científico (BONNEY et al., 2009), já que ao envolver os cidadãos comuns, este é difundido, criando uma consciência coletiva. Segundo Coxen (2017), os dados de ocorrências baseados em ciência cidadã, como aqueles que se pode obter no eBird, podem ser tão valiosos quanto os coletados por ornitólogos e cientistas profissionais. No WikiAves, que é a ferramenta mais popular entre os observadores de aves no Brasil, com mais de 40000 usuários e 4000000 de registros (WikiAves, 2022). No site é possível obter a identificação da ave, sua biologia, local e data do registro, assim como informações sobre comportamento, dieta e canto. De acordo com Barbosa (2021), baseado nesses dados é possível realizar estudos de fenologia migratória, qualidade do habitat e ecologia urbana. Só com base na plataforma WikiAves já foram publicados 651 trabalhos, porém a maior parte desses estudos trata da distribuição, comportamento e lista de espécies de aves em um determinado local, sendo poucos (2,9%) sobre a ecologia (BARBOSA et al., 2021). Dentre estes, nenhum trabalho foi realizado sobre a dieta das aves e, mais especificamente, sobre a frugivoria desses animais. Indo além, poucos trabalhos publicados na literatura estudaram o grau de frugivoria (i.e., contribuição dos frutos para a dieta) das aves, e várias delas possuem lacunas em relação a essa informação. 14 Dados fornecidos pela ciência cidadã podem, de fato, ter algum viés, já que a maior parte dessas informações vem de cidadãos comuns cujo objetivo não é necessariamente participar de trabalhos científicos, o que pode afetar o esforço da pesquisa, a qualidade e a distribuição espacial desses dados (COOPER et al., 2012). Ainda assim, diversas pesquisas na área da zoologia baseadas no conceito de ciência cidadã já foram realizadas e diversos estudos mostram a confiabilidade e qualidade desses dados (DANIELSEN et al., 2014). Além destes já citados, estudos da dieta das aves baseados em fotos do WikiAves podem conter vieses a favor de certos itens alimentares, como frutos, já que são mais facilmente fotografados do que insetos, por exemplo, que ficam menos visíveis no bico do animal. Porém, comparações intragenéricas e geográficas de uma mesma espécie são mais confiáveis, já que a chance de fotografar certa espécie com determinado item alimentar é a mesma. 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Avaliar, de acordo com os resultados obtidos, se plataformas como o WikiAves podem ser utilizadas para estudos sobre o grau de frugivoria e análise geral da dieta das aves. Para isso, os graus de frugivoria obtidos no presente estudo foram contrastados com os dados fornecidos na literatura e valores da base de dados de Elton Traits (Wilman et al.. 2014), a mais utilizada atualmente para obter o grau de frugivoria das aves. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Calcular, com base nas imagens fornecidas pelo WikiAves, o grau de frugivoria de algumas espécies de aves Neotropicais: 15 1- Para variação congenérica nos gêneros Trogon (Trogon viridis, T. surrucura, and T. rufus), que segundo Pizo (2007) apresentam variação de acordo com o tamanho, e Euphonia (Euphonia chlorotica e E. violacea), que possuem diferenças de habitat que poderiam resultar em diferenças no grau de frugivoria. 2- Para variação geográfica nas espécies Turdus leucomelas, Thraupis sayaca e Myiarchus ferox, que apresentam na literatura diferentes graus de frugivoria, o que, segundo Gomes et al. (2022) pode resultar em diferentes propensões à variação geográfica. Segundo estes autores, quanto maior o grau de frugivoria, maior esta propensão. 3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 ESPÉCIES ESTUDADAS Para realização deste trabalho foram selecionadas espécies de aves Neotropicais, sendo, para variação congenérica, duas espécies de gaturamos do gênero Euphonia (E. chloroctica e E.violacea) que apresentam uma porcentagem de frutos na dieta próxima a 100% (Wilman et al., 2014) mas que diferem quanto ao ambiente em que vivem (E. chloroctica tende a viver em ambientes mais secos que E. violacea, onde os frutos podem ser mais escassos; ISLER e ISLER, 1987) e três espécies de surucuás do gênero Trogon (T. surrucura, T. rufus e T. viridis) que, segundo Pizo (2007), apresentam uma diferença no grau de frugivoria diretamente proporcional à média da massa corporal da espécie. Assim, em T. viridis (86,7 g), 66% dos itens alimentares são frutos, em T. surrucura (75 g) são 25% e em T. rufus (52.8 g), 14,3%. Para variação geográfica foram selecionadas três espécies que são amplamente distribuídas pelo Brasil: Myiarchus ferox, Thraupis sayaca e Turdus leucomelas e que, conforme Gomes et al. (2022), possuem grau de frugivoria de 9,5 %, 66.4 %, 64.9 %, respectivamente. 3.2 COLETA DE DADOS 16 Foi utilizada a base de dados on-line do site WikiAves (http://www. wikiaves.com.br/). Utilizando-se o sistema de busca do site, foi realizada uma pesquisa com o nome de cada uma das espécies estudadas e aplicado o filtro para a exibição das fotos com a data máxima de 5 de janeiro de 2022. As fotos de cada espécie foram analisadas e foi feito um levantamento do tipo de alimento que cada indivíduo carregava ou continha no bico, que foi então classificado em seis categorias: artrópodes, minhocas, frutos (quando a ave estava com uma semente, pedaços de frutos ou se alimentando de um fruto inteiro), néctar (quando a ave estava com o bico dentro da corola de uma flor), flor (quando a ave estava com uma flor inteira ou em partes no bico) e outros (quando a ave estava com outro tipo de alimento no bico, como folhas e outros tipos de animais). Para as espécies Thraupis sayaca, Turdus leucomelas e Myiarchus ferox foi registrada a cidade, estado e bioma de cada foto. Não foram considerados registros de aves se alimentando de frutos colocados propositalmente por humanos, em comedouros, já que, nesse caso, há uma interferência humana direta, o que poderia enviesar o grau de frugivoria. Fotos em que não foi possível identificar o tipo de alimento e fotos em sequência do mesmo indivíduo também foram descartadas, assim como as em que as aves estavam apenas próximas a frutos, sem uma clara interação com eles. Além disso, foi feita a identificação de cada fruto e artrópode no menor nível taxonômico e assim quantificou-se sua frequência para cada espécie. O cálculo do grau de frugivoria de cada espécie foi feito somando-se o número de registros de frutos e dividindo-o pela soma total de registros analisados. Para a análise da variação geográfica, foram registrados também as cidades e estado de cada registro, que fará parte da análise.. A plataforma MapBiomas Brasil v6.0 (https://mapbiomas.org/) foi usada para atribuir o bioma a cada cidade de um registro. Foi definido um número amostral mínimo de 20 registros por espécie para as análises. Testes de qui-quadrado feitos com o programa BioEstat v5.3 foram utilizados para todas as comparações realizadas entre o tipo de alimento e o número total de registros com alimentos de cada estado e bioma. https://mapbiomas.org/ 17 4 RESULTADOS 4.1 DADOS GERAIS DA DIETA O número de fotos analisadas de Euphonia chloroctica foi de 13346 e para E. violacea foi de 12021. Considerando ambas as espécies, o número de fotos com alimentos foi de 1345. As duas espécies apresentaram ampla predominância de frutos, com 1290 e 1296 registros, respectivamente, com uma vasta variedade de espécies. Dos registros identificados para E. chloroctica, destacam-se frutos de ervas-de-passarinho (famílias Loranthaceae e Santalaceae), da goiaba (Psidium guajava), aveloz (Euphorbia tirucalli) e biribá (Annona sp.; Tabela 4) Para E. violacea, também destacaram-se frutos das ervas-de-passarinho e biribá, além da banana (Musa paradisae), embaúba (Cecropia spp.) e frutos do gênero Rhipsalis (Tabela 4). Outros registros apontam que essas espécies também se alimentam de néctar de flores, partes da própria flor, pequenos artrópodes e, no caso de E. violacea, moluscos (Tabela 1). Tabela 1 - Grau de frugivoria e itens alimentares obtidos a partir de registros do site WikiAves de duas espécies do gênero Euphonia (E. chlorotica e E. violacea) . TIPO DE ALIMENTO E. chlorotica E. violacea Artrópode 10 13 Flor 23 5 Fruto 1290 1296 Néctar 22 23 Outros 0 8 TOTAL 1345 1345 Grau de Frugivoria (%) 95,91 96,35 Para o gênero Trogon, foram analisadas 11827 e 5699 fotos, 375 e 238 das quais apresentavam alimentos para Trogon surrucura e T. viridis, respectivamente. 18 Para T. rufus, só foram encontrados 4 registros, todos com artrópodes, e por isso não foi possível fazer nenhuma análise. Artrópodes destacaram-se para ambas as espécies (Tabela 2), especialmente os insetos das ordens Orthoptera, além de larvas. O segundo item alimentar mais presente foi de frutos, como o do palmito-juçara (Euterpe edulis), pitanga (Eugenia uniflora), seriguela (Spondias purpurea) e cinamomo (Melia azedarach) para T. viridis (Tabela 4). Além disso, foram observados ovos de outras aves para ambas as espécies e pedaços de flores, anfíbios e moluscos para T. surrucura. Tabela 2 - Grau de frugivoria e itens alimentares obtidos a partir de registros do site WikiAves de duas espécies do gênero Trogon (Trogon surrucura e Trogon viridis). TIPO DE ALIMENTO T.surrucura T.viridis Artrópode 271 135 Flor 3 0 Fruto 97 102 Outros 4 1 TOTAL 375 238 Grau de Frugivoria (%) 25,86 42,85 Para Myiarchus ferox, Thraupis sayaca e Turdus leucomelas foram analisados, respectivamente, 5493, 15862 e 21612 registros e encontrados 123, 2618 e 880 fotos com algum tipo de alimento. Para M. ferox, o item mais frequente foi artrópodes, destacando-se insetos da ordem Hymenoptera, Orthoptera, Lepidoptera e Hemiptera (Tabela 4) como vespas, mariposas e cigarras, seguido de frutos, flores e néctar. A espécie apresentou GF baixo (Tabela 3). Para T. sayaca, a grande maioria de registros foi de frutos (Tabela 3), com ampla variedade de espécies como amora (Morus nigra), mamão (Carica papaya), banana, aroeira 19 (Schinus terebenthifolia), butiá (Butia sp.) e figo (Ficus sp.). Além disso, foram observados registros com artrópodes como cupins (Isoptera), flores, principalmente do ipê-amarelo (Handroanthus albus), ipê-rosa (Handroanthus heptaphyllus) e canudo-de-pito (Senna bicapsularis; Tabela 4), além de néctar, brotos e folhas. Já para espécie T. leucomelas, foi registrado uma dieta bastante generalista, com várias espécies de frutos, seguido de artrópodes (com destaque para larvas) e minhocas (Tabela 3). Além disso, houve registros de outros tipos de alimentos como flores, néctar, lagartixas, moluscos, pequenos anfíbios e camundongos. Os dados de dieta e grau de frugivoria obtidos através da plataforma WikiAves nos mostram alguns dados semelhantes aos fornecidos pela literatura (Tabela 5) Tabela 3 - Grau de frugivoria e itens alimentares obtidos a partir de registros do site WikiAves das espécies Myiarchus ferox, Thraupis sayaca e Turdus leucomelas. TIPO DE ALIMENTO Myiarchus ferox Thraupis sayaca Turdus leucomelas Artrópode 102 120 247 Flor 2 173 1 Fruto 17 2234 489 Minhoca 0 0 117 Néctar 1 48 1 Outros 1 43 25 TOTAL 123 2618 880 Grau de Frugivoria (%) 13,82 85,33 55,45 Tabela 4 - Porcentagem de ocorrência dos itens alimentares mais frequentes para as espécies Euphonia chloroctica, E. violacea, Trogon surrucura, Trogon viridis, Myiarchus ferox e Thraupis sayaca. Euphonia chloroctica Euphonia violacea 20 720 registros 256 registros Erva de passarinho (Loranthaceae e Santalaceae) 33,8 Erva de passarinho (Loranthaceae e Santalaceae) 11,1 Goiaba (Psidium guajava) 17,2 Banana (Musa paradisae) 11,1 Aveloz (Euphorbia tirucalli) 10,5 Biribá (Annona) 11,1 Biribá (Annona) 10,5 Embaúba (Cecropia) 9,5 Rhipsalis sp. 9,5 Trogon surrucura Trogon viridis frutos (30 registros) frutos (45 registros) Palmito-juçara (Euterpe edulis) 40 Palmito-juçara (Euterpe edulis) 46,6 Pitanga (Eugenia uniflora) 30 Cinamomo (Melia azedarach) 15,5 artrópodes (198 registros) Pitanga (Eugenia uniflora) 11,1 Larvas 55,5 Seriguela (Spondias purpurea) 11,1 Orthoptera 27,7 artrópodes (100 registros) Larvas 43 Orthoptera 25 Myiarchus ferox Thraupis sayaca 64 registros flores (51 registros) Orthoptera 21,8 Ipê-amarelo (Handroanthus albus) 64,7 Hemiptera 20,3 Canudo-de-pito (Senna bicapsularis) 17,6 Lepidoptera 20,3 Ipê-rosa (Handroanthus heptaphyllus) 17,6 Hymenoptera 15,6 frutos (1017 registros) Mamão (Carica papaya) 23,3 Aroeira (Schinus) 9,1 21 Figo (Ficus) 8,5 Banana (Musa) 6,4 Amora (Morus alba) 6,1 Butiá (Butia) 6,1 Tabela 5 - Comparação dos Graus de Frugivoria (em %) encontrados neste estudo e na literatura (x: não possui o dado no estudo). ESPÉCIE Este estudo Wilman et al (2014) Gomes et al (2022) Pizo (2007) Euphonia chloroctica 95,91 100 x x E. violacea 96,35 100 x x Trogon surrucura 25, 86 x 38,9 25 T. viridis 42, 85 x 53,7 66 Myiarchus ferox 13,82 x 9,5 x Thraupis sayaca 85,33 50 66.4 x Turdus leucomelas 55,45 x 64.9 x 4.2 VARIAÇÃO CONGENÉRICA Não houve diferença entre as duas espécies de Euphonia (E. chloroctica e E. violacea) em relação ao grau de frugivoria (X² = 0,147, p = 0,54). Houve diferença no GF das duas espécies de Trogon (X² = 19,170, p < 0,0001; Tabela 2). 4.3 VARIAÇÃO GEOGRÁFICA 4.3.1 Variação geográfica por estado 22 Para variação geográfica por estado em M. ferox, apenas dois estados apresentaram dados suficientes para análise (Minas Gerais e São Paulo) e não houve variação no GF entre eles (X² = 2,808, p = 0,09). Em T. sayaca, não houve variação no GF (X² = 11,475, p = 0,4), porém há que se destacar uma pequena diferença entre os estados com dados suficientes para análise (Figura 1a; Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo). Em T. leucomelas, também não houve diferença no GF entre os estados (X² = 3,328, p = 0,91; Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) mas assim como em T. sayaca, foi observada uma pequena variação entre alguns estados (Figura 1b). a) b) 23 Figura 1 - Mapas ilustrando variação geográfica no Grau de Frugivoria de Thraupis sayaca (a) e Turdus leucomelas (b) entre estados brasileiros 4.3.2 Variação por bioma Para variação por bioma, a espécie Myiarchus ferox apresentou dados suficientes para apenas dois biomas (Cerrado e Mata Atlântica; Figura 2), porém não houve diferença entre eles (X² = 0,058, p = 0,8). Para Thraupis sayaca, a variação também não foi significativa (X² = 2,492, p = 0,25; Figura 2). Turdus leucomelas, assim como as espécies antecedentes, não apresentou variação entre biomas (X² = 4,751, p=0,2), com o Pampa apresentando o maior GF, seguido da Mata Atlântica, Cerrado, Amazônia e Caatinga (Figura 2). a) 24 b) c) 25 Figura 2 - Variação no grau de frugivoria para as espécies Myiarchus ferox (a), Thraupis sayaca (b) e Turdus leucomelas (c) entre biomas brasileiros. Os números sobre as barras indicam o número de registro para cada bioma. 5 DISCUSSÃO 5.1 ANÁLISE DA DIETA GERAL Para as espécies de Euphonia, o GF foi parecido ao proposto por Wilman et al. (2014), que compilou dados da literatura. Para as espécies de Trogon os resultados de GF foram semelhantes aos publicados por Pizo (2007). Para T. viridis o valor encontrado foi menor, e isso pode ser explicado pela diferença na metodologia, já que o estudo citado foi conduzido a partir de observações no campo, onde pode ser mais difícil a observação de artrópodes, enquanto para as fotografias é possível aplicar zoom. Em relação ao estudo de Gomes et al. (2022), cuja metodologia utilizada foi a análise de fezes e do conteúdo estomacal o GF obtido foi menor para as duas espécies, o que pode ser explicado pelo fato de que neste tipo de estudo a identificação do alimento se torna mais difícil e assim certos itens podem ser subestimados, o que pode acabar resultando em divergências do GF. 26 Porém a relação entre GF e massa corporal foi mantida nos três estudos (Trogon surrucura com menor massa e menor GF que T. viridis; Tabela 5). Para Myiarchus ferox, o GF foi parecido com o estudo de Gomes et al. (2022), assim como em Turdus leucomelas. Em Thraupis sayaca, o GF encontrado neste estudo foi consideravelmente maior que o estudo de Wilman et al (2014) e Gomes et al. (2022), o que faz sentido, já que a observação de fotos pelo Wiki Aves pode subestimar alguns itens alimentares, como artrópodes (Tabela 5). Para as espécies de Euphonia (E. chloroctica e E. violacea) foram encontrados registros de consumo de algumas espécies de plantas que são destacadas na literatura e que são de extrema importância para essas espécies como as ervas-de-passarinho das famílias Lorantaceae e Santalaceae (CAZETTA; GALETTI, 2007), biribás (Anonna sp.; PARRINI et al., 2017), Psidium guajava (BARBOSA DA SILVA et al. 2013, DA SILVA, 2021) e aveloz (Euphorbia tirucalli) na dieta de E. chloroctica e embaúba (Cecropia; ONIKI et al., 1994), banana (Musa sp.; PÉREZ-RIVERA, 1991; JOHNSON, 2000) e Rhipsalis (GUARALDO, 2009 & 2013) para E. violacea. Entre os itens alimentares citados nos resultados nas espécies de Trogon destacam-se insetos da ordem Orthoptera e uma grande quantidade de larvas, como por exemplo de Lonomia spp. (FAVALESSO et al., 2020), além de moluscos e o palmito-juçara (Euterpe edulis), que já foi documentado para T. surrucura em outros trabalhos (DA SILVA, 2015; BARROSO et al., 2010). Para Myiarchus ferox, foi encontrada uma preferência por artrópodes, como outros estudos confirmaram, e um grau de frugivoria similar ao fornecido pela base de dados Elton Traits 1.0 (WILMAN et al., 2014). Entre os itens alimentares observados nota-se uma grande quantidade de lepidópteros, como já constatado por Pinheiro e Cintra (2017), que são frequentemente utilizados também para alimentação de filhotes em espécies do gênero Myiarchus segundo Greeney e Dyrcz (2011). Entre as aves que tiveram artrópodes como itens mais consumidos (M. ferox spp.), além dos já citados destacam-se insetos das ordens Hemiptera, Hymenoptera, Phasmatodea, Mantodea e Neuroptera, como outros estudos já relataram (LOPES et al., 2005; FACCIO et al., 2018). 27 Para Thraupis sayaca foi encontrada uma dieta predominante de frutos, assim como outros estudos apresentam (GOMES et al., 2022), porém houve uma pequena diferença, que pode ser explicada pela diferença de metodologia, já que no estudo citado foram realizadas análises de amostras fecais, gástricas e intestinais, diferentemente do presente estudo, em que o número de artrópodes pode ser subestimado pelos motivos já explicados acima. Foi encontrada uma grande variedade de frutos, principalmente aqueles de árvores frutíferas presentes em casas, fazendas e áreas urbanizadas (como Morus spp, Ficus spp, Carica papaya e Musa spp), o que faz sentido já que trata-se de uma ave urbana. Além disso, também foi constatada uma grande quantidade de registros de consumo de ipê-amarelo e ipê-rosa (Handroanthus spp), como já relatado em alguns estudos (SILVA et al., 2021). Para Turdus leucomelas, apesar de haver alguma predominância de frutos, apresentou uma dieta bastante generalista, com grau de frugivoria semelhante ao publicado por Gomes et al. 2022, com registros de predação de camundongos, como registrado pela primeira vez por de Mafia et al. (2014), também utilizados como alimentação de filhotes. 5.2 VARIAÇÃO CONGENÉRICA Para variação congenérica, o GF nas duas espécies do gênero Euphonia (E. chlorotica, E. violacea) não variou, ao contrário do que era esperado já que E. chlorotica vive em ambientes mais secos, onde, teoricamente, a disponibilidade de frutos é menor. Isso indica que as duas espécies se alimentam de itens alimentares semelhantes, mesmo vivendo em habitats diferentes. De fato, espécies deste gênero são mais restritas a frutos e assim é mais provável que ocorra variação, porém em espécies em que o GF é muito próximo a 100% é provável que essa variação não exista (GOMES et al., 2022). Outra possibilidade é que os itens alimentares que não correspondem a frutos nessas aves (e.g.,artrópodes) são muito pequenos e, consequentemente, são de difícil registro nas fotos, levando à semelhança no GF estimado. Para Trogon os resultados foram semelhantes aos publicados por Pizo (2007), segundo o qual a porcentagem de frutos na dieta aumenta conforme 28 aumento na massa corporal. Para T. rufus, que possui menor peso e, consequentemente, menor GF, não foram encontrados dados suficientes para fazer análise, porém os 4 registros foram de artrópodes, presumindo assim que a dieta dessa espécie realmente seja baseada em artrópodes, com menor GF em comparação com as outras duas espécies congenéricas. 5.3 VARIAÇÃO GEOGRÁFICA Para Myiarchus ferox, não houve variação por estado nem por bioma, o que pode ser explicado pela falta de dados suficientes, ou por essa espécie possuir dieta baseada majoritariamente em artrópodes, o que faz com que seja mais difícil ocorrer qualquer tipo de variação (GOMES et al., 2022). Ainda segundo Gomes et al. (2022), alguma variação geográfica foi constatada para algumas espécies frugívoras, como por exemplo na espécie Turdus migratorius nos Estados Unidos (ALDRICH; JAMES, 1991). Apesar de Gomes et al. (2022) propor uma propensão a variação geográfica em espécies cujo grau de frugivoria é grande, neste estudo para Turdus leucomelas e Thraupis sayaca, não houve diferença significativa na variação por estado e por bioma, o que sugere uma procura de frutos semelhante, independente da região. 6 CONCLUSÃO Levando-se em conta o que foi observado, podemos concluir que, apesar dos vieses aqui apresentados, principalmente com relação à identificação dos itens alimentares e diferenças no esforço amostral, os dados obtidos através da plataforma WikiAves podem sim ser usados para estudo da dieta nas aves. Assim, se forem tomados todos os cuidados para minimizar esses vieses, informações retiradas desta plataforma, seja de identificação de itens alimentares (espécies de frutos e animais) ou para estimar o grau de frugivoria de cada espécie, podem ser bastante úteis. Isso se prova para variação congenérica no gênero Trogon, que refletiu os dados obtidos em campo por Pizo (2007), assim como em Euphonia que apresentou um alto GF, em acordo, portanto, aos resultados obtidos por outros 29 autores. Resultados que diferiram de outros estudos, como em Thraupis sayaca, podem eventualmente ser explicados pela diferença nas metodologias empregadas para estimativa do GF. Já para variação geográfica, que também possui pouca informação, não houve diferenças entre biomas e entre estados. Assim, outros estudos, com espécies em que já se documentou alguma variação geográfica, deverão ser realizados para verificar a possibilidade deste tipo de estudo usando dados de ciência cidadã. 30 REFERÊNCIAS ANDO, H., MUKAI, H., KOMURA, T., DEWI, T., ANDO, M., ISAGI, Y. (2020). Methodological trends and perspectives of animal dietary studies by noninvasive fecal DNA metabarcoding. Environmental DNA. 2. 391-406. BARBOSA, K. V. de C., DEVELEY, P. F., RIBEIRO, M. C., & JAHN, A. 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