1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - FCT CÂMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGG ADRIANO AMARO DE SOUSA TERRITÓRIO E MOBILIDADE SOCIAL: O NIKKEI COMO PROFISSIONAL LIBERAL NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP. Presidente Prudente/SP Maio/2019 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - FCT CÂMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE Programa de Pós-Graduação em Geografia - PPGG ADRIANO AMARO DE SOUSA TERRITÓRIO E MOBILIDADE SOCIAL: O NIKKEI COMO PROFISSIONAL LIBERAL NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP. Tese elaborada junto ao Programa de Pós- Graduação em Geografia da FCT/UNESP, para obtenção do título de Doutor em Geografia. Orientação: Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito. Presidente Prudente/SP Maio/2019 3 4 5 “Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutamos para que o melhor fosse feito... Não somos o que deveríamos ser, não somos o que iremos ser, mas graças a Deus não somos o que éramos”. (Martin Luther King) 6 Aos Meus pais Conceição e Gedes (inmemorian) 7 Agradecimentos - A Deus pela vida e pelas oportunidades; - Dedico este trabalho aos meus pais Gedes e Conceição pelo amor (incondicional), apoio (acreditar/apostar em mim) e suporte (emocional, espiritual e financeiro); - Ao Francisco Adegilzo Do`or pelo carinho, atenção e compreensão pelas ausências; - Ao Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito pela orientação, paciência e confiança. Ele se tornou um grande amigo. Muito obrigado pela força, atenção e compreensão; - Ao Prof. Dr. Marcos Aurélio Saquet pelo estímulo, referência e amizade. Minha entrada no doutorado foi pela sua confiança e aposta nesse projeto. Muito obrigado! - E aos professores da banca de qualificação Denise Bomtempo e Márcio Catelan cujas orientações foram importantíssimas para o resultado desta tese. E pelas considerações importantíssimas na defesa da tese. A Denise Bomtempo sempre sendo uma referência e um estímulo para pensarmos na mobilidade pela geografia. Muito obrigado; - A Profa. Dr. Viviane Veiga Shibaki pelas valiosas contribuições na defesa, pela parceria de trabalho na Fatec Barueri e pela amizade. Muito Obrigado! - A família “Amaro de Sousa” e “Silva” pelo amor e cuidado pelo afeto e cuidado. Aos meus irmãos Ademir e Adilson, a minha cunhada Cilene e aos meus sobrinhos Felipe, João Gabrieli e Davi. Em especial as tias Élida, Jocila e Nivalda. Aos tios Gelson, Sebastião e Joaquim. Aos os primos: Cláudia, Marisa, Marta, Izabel, Paulinho, Eliane, José Cruz, Emerson, Dico, Silvino, Mau, Matheus e Gabriela. A Tiana, Rosa e Dinho pelo incentivo e carinho. E a todos 8 os familiares de modo geral. Em especial a prima Marisa e seu esposo Teruo por acreditar no trabalho e auxiliar nas entrevistas; - Aos amigos da vida: Marcos, Eliane, Fernando, Júlio Andrade e Janete. E todos do JOCASB (Marlei, Luciene, Rodrigo, Letícia, Luiz, Juliana, Roberta, Valeria, Eduardo, Mara, Rogério, Luciano, Marcinha e Cláudia Rodrigues). E pelo estímulo inconsciente do amigo de infância Silvio de Freitas na minha formação. - Aos amigos de São Paulo: A Cileide e sua família (Alyrio e Aline) pela acolhida, amizade e proximidade amo muito vocês! E a Família Cavalcante (Jair, Celi, Patricia, Daniela e Jú) pela amizade, pelas festas, pelas adversidades e pela alegria nos encontros; - Aos professores do Programa de Pós-Graduação da FCT/UNESP (Marcos Saquet, Antônio Tomaz Jr., Bernardo Mançano, Márcio Catelan, Carminha, João Osvaldo, Arthur Magon, Maria Therezinha, Nécio Turra Neto, Marcelo Carvalhal, Nivaldo Hespanhol, Rosangela Hespanhol e Yoshie Ferrari). E o Prof. Dr. Milton Hirokazu Shimabukuro da computação/matemática pelo apoio e suporte; - Aos amigos da pós: Marcos Campos, Guilherme Claudino, Larrisa e Rizzia pela convivência, afinidades, ajuda mútua e bem querer. E a Natália e ao Rhafael pelo cotidiano nas disciplinas e no campus universitário. E aos amigos que fiz na pos-graduação: Joyce, Langa, Mariana (Japa), Diego Elias, Baltazar, Carla, Hellen, César, Luísa, Rafael Monteiro, Nino, Fredi, Ari, Maria Joseli, Mariana Ricardo, Sidney, Priscila, Ana Terra, Paulo e Washington. E a Cristina Tondato companheira e amiga no doutorado do Centro Paula Souza (vencemos mais essa!). Vocês foram demais. Obrigado! - Aos amigos de Jandira/SP da Faculdade Eça de Queirós pelo trabalho e cotidiano, em especial ao amigo Prof. Alexandre Pereira Barbosa, Prof. João Cláudio Santana e Prof. Marcos Roberto Buri. Foi muito bom trabalhar com vocês! São minhas referências! - Aos professores, funcionários e alunos da ETEC Albert Einstein (Vaninha, Val, Débora, Rosângela, Marli, Silvia, entre outros), FATEC de Barueri (Alair, Cinthia, 9 Eliana, Givan, Ricardo, Eik, Liliane, Cristina, entre outros) e FATEC Itaquaquecetuba (Francisco Tavares, Regina, Maikol, Cláudio, etc.) que me estimularam nessa caminhada. - Aos amigos do curso de Graduação em Geografia que estão comigo na pós- graduação: Carla, Diego Elias, Elienai, Alyson, Veloso, Joseli, Fernanda Correia, Vanessa, Gerson (PJ) e Rodolfo Finatti. E aos amigos do curso de Economia na Unitoledo: Izabel, Julio Andrade, Antônia, Janete, Regiane, Márcio, Ricardo, Letícia, Alessandra, Michele, Jaqueline, Juliane, Jussara e Ana Cláudia. - Agradeço a Parceria Unesp e Centro Paula Souza porque sem essa oportunidade eu não teria concluído o doutorado. - Agradeço aos funcionários da pós-graduação: Aline, Chintia, Yvonete, Lincon, André, entre outros. E aos funcionários da biblioteca. Sem vocês a nossa vida ficaria muito difícil. Valeu pelo apoio, pela disponibilidade e pela amizade. - Agradeço aos amigos da Universo das Alianças (Dayana, Luciana, Aryane, Ricardo, Tchu, Lucas e Gustavo). Ao Salomão pela proximidade e bem-querer. E ao meu Xico! - Agradeço ao Renan/Paulo/Natália/Lorena pelo auxílio nas transcrições das entrevistas. E, em especial ao Paulo e Ari pela confecção dos mapas. Obrigado! - Muito obrigado! Aos nikkeis profissionais liberais (advogados, arquitetos, engenheiros civis, dentistas e médicos) pelo tempo e atenção dispensados nesse trabalho. - E a todos que contribuíram de alguma forma e vivenciaram esse momento comigo. Obrigado!!! 10 Resumo A presente tese tem por objetivo compreender a trajetória de mobilidade espacial e social dos profissionais liberais nikkeis no município de Presidente Prudente/SP, por meio dos estratos ocupacionais centralizados nas especialidades de advocacia, de arquitetura, de engenharia civil, de medicina e de odontologia, vislumbrando uma dinâmica de mobilidade para o estudo pelo território e pela territorialidade, dentro de uma escala temporal entre as décadas de 1950-1980, sendo o sujeito da pesquisa o nikkei a partir da segunda (nissei) e da terceira (sansei) geração de descendentes de japoneses no Brasil. Para tanto, os aspectos teórico-metodológicos estão balizados pelos depoimentos orais dos 16 entrevistados nikkeis, que estão descritos e analisados pela literatura especializada da ciência geográfica, através dos conceitos de território de possibilidades e de mobilidade diferenciada. Nessa perspectiva, a mobilidade espacial e social dos profissionais liberais nikkeis tem na educação à motivação para os múltiplos deslocamentos, que perpassam por alguns municípios estratégicos (família, colônia, escola e pensão), no intuito de oferecer o ensino ao nissei e sansei, já que o município de origem nos idos de 1950/1960/1970 não possuía o curso ginasial e o colegial. E muito menos o cursinho preparatório para o vestibular que geralmente era localizado nos grandes centros urbanos (São Paulo/SP, Rio de Janeiro/RJ e Curitiba/PR). Coube aos isseis (1° geração) depois da II Guerra Mundial estimular as famílias que se reterritorializaram no Oeste Paulista para investir na educação dos filhos. Enquanto isso a família nipo-brasileira territorializada permanecia no trabalho da lavoura ou do comércio e, posteriormente, quem passou a ter mais mobilidade na família nipo-brasileira foi o filho nikkei escolhido para o estudo. Todavia, a mobilidade diferenciada (percurso/estratégia/valorização intelectual) dos profissionais liberais nikkeis pela historia oral (vida/estudo/carreira) na tese se apresentou como um projeto familiar pelo incentivo e custeamento dos estudos dos filhos, no âmbito de ter um filho doutor, dando notoriedade, prestígio e status para o sobrenome da família na sociedade receptora local. E, também, era um projeto individual sobre o ponto de vista do nikkei que tinha que se destacar nos estudos para poder entrar numa faculdade pública e/ou renomada. Por fim, o município de Presidente Prudente/SP foi o território de possibilidades para os profissionais liberais nikkeis (tanto os naturais quanto os de fora) que aqui instalaram seus escritórios, consultórios, clínicas e hospitais, sendo um lugar de oportunidades e de negócios para os profissionais que investiram nas carreiras dos segmentos liberais especializados. Palavras-chave: território, mobilidade espacial e social, família, profissional liberal e nikkei. 11 Abstract The aim of this thesis is to understand the spatial and social mobility trajectory of the nikkei liberal professionals in the municipality of Presidente Prudente/SP, through the occupational strata centralized in the specialties of advocacy, architecture, civil engineering, medicine and dentistry, (nissei), and the third (sansei) generation of descendants of the nissei, from the Japanese in Brazil. To that end, the theoretical- methodological aspects are based on the oral statements of the 16 nikkei interviewees, who are described and analyzed by the specialized literature of geographic science, through the concepts of territory of possibilities and differentiated mobility. In this perspective, the physical and social mobility of the nikkei liberal professionals has in the education to the motivation for the multiple displacements, that pass through some strategic municipalities (family, colony, school and pension), in order to offer the education to nissei and sansei, already that the municipality of origin in the years 1950/1960/1970 did not have the junior and high school. And much less the preparatory course for the vestibular that was generally located in the great urban centers (São Paulo/SP, Rio de Janeiro/RJ and Curitiba/PR). It was up to the Isseis (1° generation) after World War II to encourage the families that reterritorialized themselves in the West of São Paulo to invest in the education of their children. In the meantime the Japanese-territorialized Japanese family remained in the work of farming or commerce, and later, those who became more mobile in the Japanese-Brazilian family were the nikkei children chosen for the study. However, the differentiated mobility (path/strategy/intellectual valorization) of nikkei liberal professionals in oral history (life/teaching/career) in the thesis was presented as a family project for the encouragement and funding of children's studies, in the scope of having a child doctor, giving notoriety, prestige and status to the family surname in the local receiving society. And it was also an individual project from the point of view of nikkei that had to stand out in the studies to be able to enter a public and / or renowned faculty. Finally, the municipality of Presidente Prudente/SP was the territory of possibilities for nikkei liberal professionals (both natural and outsiders) who installed their offices, clinics, clinics and hospitals here, being a place of opportunity and business for the professionals who invested in the careers of the specialized liberal segments. Keywords: territory, social mobility, family, liberal Professional and Nikkei. 12 ÍNDICE INTRODUÇÃO............................................................................................20 1. MOBILIDADE E TERRITÓRIO: SUBSÍDIOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA MOBILIDADE POPULACIONAL NA GEOGRAFIA..............................................27 2. TERRITORIALIDADE E IMIGRAÇÃO FAMILIAR JAPONESA NO BRASIL........57 3. A MOBILIDADE ESPACIAL E SOCIAL DOS NIKKEIS NO OESTE PAULISTA: DE LAVRADOR À PROFISSIONAL LIBERAL.........................................................77 4. A TRAJETÓRIA DO NIKKEI COMO PROFISSIONAL LIBERAL NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP...................................................................98 CONCLUSÃO............................................................................................ 189 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................194 ANEXOS 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................20 1. MOBILIDADE E TERRITÓRIO: SUBSÍDIOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA MOBILIDADE POPULACIONAL NA GEOGRAFIA..............................................27 1.1 – Geografia e mobilidade: primeiras aproximações.................................28 1.2 – Território, mobilidade e des-re-territorialização...................................35 1.3 – Território, rede e mobilidade...............................................................42 1.4 – Da mobilidade espacial à mobilidade social: o trabalho em questão.......49 1.5 – Síntese sobre a mobilidade-permanência na geografia.........................55 2. TERRITORIALIDADE E IMIGRAÇÃO FAMILIAR JAPONESA NO BRASIL.......57 2.1 – Territorialidade e temporalidade: aspectos conceituais para a leitura das famílias japonesas......................................................................................58 2.2 – O território e a territorialidade familiar japonesa feudal.........................62 2.3 – A territorialidade familiar japonesa patriarcal.......................................66 2.4 – A dimensão familiar da territorialidade nipo-brasileira..........................69 2.5 - A imigração familiar tutelada nipo-brasileira........................................74 3. A M OBILIDADE ESPACIAL E SOCIAL DOS NIKKEIS NO OESTE PAULISTA: DE LAVRADOR À PROFISSIONAL LIBERAL.........................................................77 3.1 - Mobilidade espacial e social dos nikkeis no interior paulista...................80 3.2 - A geo-história da mobilidade populacional do nikkei em Presidente Prudente/SP...............................................................................................90 4. A TRAJETÓRIA DO NIKKEI COMO PROFISSIONAL LIBERAL NO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE PRUDENTE/SP...................................................................98 4.1 - A mobilidade espacial e social dos nikkeis profissionais liberais médicos...................................................................................................102 4.2 - A mobilidade espacial e social dos nikkeis profissionais liberais dentistas..................................................................................................136 4.3 - A mobilidade espacial e social dos nikkeis profissionais liberais arquitetos e engenheiros.............................................................................................159 4.4 - A mobilidade espacial e social dos nikkeis profissionais liberais advogados...............................................................................................173 CONCLUSÃO.............................................................................................189 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................194 ANEXO 14 LISTA DE QUADRO Quadro 1: Os profissionais liberais nikkeis em Presidente Prudente 1950- 1980..........................................................................................................99 Quadro 2: A mobilidade nikkei para os estudos dos profissionais liberais médicos...................................................................................................131 Quadro 3: As famílias nipo-brasileiras dos médicos estudados.....................135 Quadro 4: As principais características indenitárias dos médicos entrevistados nikkeis.....................................................................................................135 Quadro 5: A mobilidade nikkei para os estudos dos profissionais liberais dentistas..................................................................................................155 Quadro 6: As famílias nipo-brasileiras dos dentistas estudados....................158 Quadro 7: As principais características indenitárias dos dentistas entrevistados nikkeis.....................................................................................................158 Quadro 8: A mobilidade nikkei para os estudos dos profissionais liberais engenheiros/arquitetos..............................................................................170 Quadro 9: As famílias nipo-brasileiras dos engenheiros/arquitetos estudados................................................................................................172 Quadro 10: As principais características indenitárias dos engenheiros/arquitetos entrevistados nikkeis................................................................................172 Quadro 11: A mobilidade nikkei para os estudos dos profissionais liberais advogados...............................................................................................184 Quadro 12: As famílias nipo-brasileiras dos advogados estudados................187 Quadro 13: As principais características indenitárias dos advogados entrevistados nikkeis.................................................................................187 LISTA DE FIGURA Figura 1: Esquema teórico-metodológico da mobilidade espacial e social dos profissionais liberais nikkeis.......................................................................188 15 LISTA DE MAPAS Mapa 1: Municípios de origem dos entrevistados nikkeis profissionais liberais.......................................................................................................26 Mapa 2: População de cor amarela em Presidente Prudente/SP.....................97 Mapa 3: As principais cidades que ofertam o ensino básico para os entrevistados nikkeis.................................................................................100 Mapa 4: A localização das principais universidades em que os nikkeis entrevistados se formaram........................................................................101 Mapa 5: A trajetória da mobilidade espacial e social do médico nikkei Sizuvo Iamada....................................................................................................132 Mapa 6: A trajetória da mobilidade espacial e social da médica nikkei Elza Akiko Natsumeda Utino......................................................................................133 Mapa 7: A trajetória da mobilidade espacial e social do médico nikkei Neiw Oliveira Iamada........................................................................................134 Mapa 8: A trajetória da mobilidade espacial e social do dentista nikkei Izumi Sakuma....................................................................................................156 Mapa 9: A trajetória da mobilidade espacial e social da dentista nikkei Marcia Hideko Sakuma Ohashi..............................................................................157 Mapa 10: A trajetória da mobilidade espacial e social do engenheiro nikkei Luiz Takashi Katsutani.....................................................................................171 Mapa 11: A trajetória da mobilidade espacial e social do advogado nikkei Mituru Mizukava..................................................................................................185 Mapa 12: A trajetória da mobilidade espacial e social do advogado nikkei Teruo Taguchi Miyashiro.....................................................................................186 16 LISTA DE FOTOS Foto 1: Fachada do Hospital Iamada..........................................................107 Foto 2: Inauguração da clínica do dr. Ritoji Uchida em 1936.......................111 Foto 3: A localização do consultório da dra. Flora Yamashita.......................116 Foto 4: Fachada do consultório do primo o dr. Mário Gakiya.......................123 Foto 5: Empresa Condor: frota de ônibus...................................................124 Foto 6: A fachada do consultório do dr. Péricles Otani................................127 Foto 7: A localização do consultório do dr. Izumi Sakuma...........................142 Foto 8: O consultório médico da família Anzai.............................................146 Foto 9: A localização do consultório dr. Luiz Nagai......................................149 Foto 10: A fachada do consultório da dr. Márcia Sakuma............................153 Foto 11: A localização do escritório do dr. Mituru Mizukava........................176 Foto 12: O escritório de advocacia do dr. Teruo Myashiro..........................179 17 LISTA DE ENTREVISTADOS E1 – Sizuvo Iamada (médico). E2 – Tadashi Uchida (médico). E3 – Elza Akiko Natsumeda Utino (médico). E4 – Neiw Oliveira Iamada (médico). E5 – Flora Sumiko Maehara Yamazaki (médico). E6 – Oscar Haruo Higa (médico). E7- Péricles Taqueshi Otani (médico). E8 – Izumi Sakuma (Dentista). E9 – Augusto Anzai (Dentista). E10 – Luiz Tomoyuki Nagai (Dentista). E11 – Márcia Hideko Sakuma Ohashi (Dentista). E12 – Jorge Aramaki (Engenheiro Civil). E13 – Luiz Takashi Katsutani (Engenheiro Civil). E14 – Hélio Hirao (Arquiteto). E15 – Mituro Mizukava (advogado). E16 – Teruo Taguchi Miyashiro (advogado). VISITA EXPLORATÓRIA E RELATOS DE CAMPO V1 – Rodrigo Lemos Arteiro (Diretor da OAB seção P.Prudente/SP). V2 – Sergio Tibiriçá Amaral (Coordenador do Curso de Direito Toledo Prudente). V3 - Yoshie Ussami Ferrari Leite – (Professora e Coordenadora aposentada da graduação do Departamento de Educação da UNESP-PP e Professora na Pós-graduação em Educação na UNESP-PP). 18 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACEA - Associação Cultural Esportiva Nipo-brasileira de Araçatuba ACAE - Associação Cultural Esportiva Nipo-brasileira de Pres. Prudente APCD - Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas APEA - Associação Prudentina de Esporte e Cultura APEC - Associação Prudentina de Educação e Cultura CAU - Conselho de Arquitetura e Urbanismo CPS - Centro Paula Souza CREA - Conselho Regional de Engenheiros e Arquitetos CREA CREMSP - Conselho Regional de Medicina CRO - Conselho Regional de Odontologia CRO DAE - Departamento de Água e Esgoto DAEE - Departamento de Água e Energia Elétrica DAEE ETEC - Escola Técnica Estadual - CPS FAMEMA - Faculdade de Medicina de Marília FATEC - Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP FCT - Faculdade de Ciência e Tecnologia - UNESP FMIT - Faculdade de Medicina de Itajubá FMUSP - Faculdade de Medicina da USP FOL - Faculdade de Odontologia de Lins FOUSP - Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo FUVEST - Fundação Universitária para o Vestibular. GAsPERR - Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais HCFMUSP - Hospital das Clínicas da Fac. de Medicina da Univ. de São Paulo IAMPEPS - Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. INCOR - Instituto do Coração INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social ITE - Instituição Toledo de Ensino MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra OAB - Ordem dos Advogados do Brasil POLI - Escola Politécnica da USP SAMBRA - Sociedade Agroindustrial Mamona Brasil SUS - Sistema Único de Saúde TDR - Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização UBS - Unidade Básica de Saúde 19 UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro UFF - Universidade Federal Fluminense UFMS - Universidade Federal do Mato Grosso do Sul UFPR - Universidade Federal do Paraná UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UNAERP - Universidade de Ribeirão Preto UNESP - Universidade Estadual Paulista UNICAMP - Universidade de Campinas UNIMED - Confederação Nacional das Cooperativas Médicas UNOESTE - Universidade do Oeste Paulista USP – Universidade de São Paulo VUNESP - Vestibular da Universidade Estadual Paulista 20 INTRODUÇÃO A mobilidade populacional pela ciência geográfica é a motivação para a construção desta tese, sempre relacionando migração e território, a fim de apreendermos o par dialético mobilidade-permanência. Damos destaque para permanência e suas nuances para fazer a leitura da mobilidade social no espaço geográfico. Advertimos que permanência não é sinônimo de território estático, a permanência está em constante movimento, acompanhando a dinâmica da produção territorial e das suas territorialidades. Na permanência quem se desloca mais espacialmente são as mercadorias, já os sujeitos tendem mais a permanecer no seu habitat (trabalho/produção), sendo que na permanência emerge novas oportunidades de mobilidade social (renda, diferenciada e virtual) no território. A mobilidade social também é considerada como mobilidade vertical que se refere a mudança de status sociais que aqui será pesquisada pelo nikkei, pois o mesmo é brasileiro com descendência japonesa. Tal mobilidade vertical tem na educação o ápice do movimento via especialização do trabalho. Sendo assim, este estudo mostra o panorama de uma comunidade nikkei se inserindo no quadro étnico da sociedade brasileira procurando sua territorialização e ascensão social na sociedade receptora. Todavia, visualizamos o profissional liberal nikkei via qualificação educacional superior pelo filho escolhido (vide capítulo 4) sendo o escopo dessa tese1. Nela, posteriormente, temos as filhas e os outros membros da família 1 Nos estudos sobre imigração japonesa denota uma importante presença dos imigrantes japoneses e seus descendentes na lavoura até meados da década de 1960/70. Conforme afirma Sousa (2010), poucos migrantes se tornaram indústrias. Todavia, Cardoso (1959/1963) sinalizou em 1960, o interesse dos nikkeis pelo ensino superior. Já o presente estudo vem mostrar que a partir de 1990, uma boa parcela dos filhos dos nipônicos ao longo do tempo se tornaram profissionais liberais urbanos, em virtude das condições/adaptações vigentes do capitalismo contemporâneo (como visualizaremos nos capítulos a seguir). Esse movimento para se transformar em profissionais liberais especializados autônomos teve inicio de 1950 a 1980 no Brasil, fazendo a mobilidade do campo para a cidade, sendo um período de mobilidade ascendente na geohistória recente dos nikkeis. 21 que também se graduaram em nível universitário. Mas, como eram de famílias menos abastadas e migrantes tiveram toda uma estratégia/percurso para alcançar tal empreitada, sendo que: [...] a escolaridade formal é um fator decisivo na determinação do tipo de ocupação oferecida a um individuo e do volume de remuneração que ele pode receber pelo seu trabalho, seria de transcendental importância, numa sociedade democrática, que o sistema educacional selecione e encoraje os possuidores de melhores aptidões, independente de sua origem social. Não pode haver igualdade de oportunidade se houver acesso desigual à educação superior. Este princípio é bem reconhecido em nossa ideologia igualitária, a doutrina tradicional afirma que “a educação deve proporcionar oportunidades a meninos e meninas, sem exceção”. No entanto, as oportunidades educacionais não são, na verdade, oferecida igualmente a todos. A oportunidade de um jovem ir para a universidade são particularmente afetadas pela condição econômica e profissional de seus pais” (MAYER, 1967, p. 54). Sendo assim, o fator educacional é a mola propulsora para a mobilidade espacial e social. Para Mayer (1967), a sociedade norte-americana se constitui como lócus da teoria da mobilidade social, pois o seu par dialético educação e igualdade, sempre que possível caminharam juntos na mobilidade ascendente. Como não existe igualdade no capitalismo, em virtude da desigualdade de classes e de renda, os pobres e os migrantes têm mais dificuldades para acessar a mobilidade social. No capitalismo tardio brasileiro, vemos que as famílias de imigrantes japoneses e seus descendentes, somente depois do final da II Guerra Mundial, que definitivamente passaram a se fixar no país. E uma grande parcela deles se assentou no espaço rural na pequena propriedade agrícola. O meio rural era estruturado de forma familiar/colônia via redes nipônicas (sociais/técnicas), em que o filho do imigrante japonês passou a estudar fora de casa para ser um profissional liberal, entrando em processo de mobilidade espacial, para futuramente com o título de doutor realizar a mobilidade social. Nesse sentido, a presente tese tem por objetivo compreender a trajetória de mobilidade espacial e social dos profissionais liberais nikkeis no município de 22 Presidente Prudente/SP, por meio dos estratos ocupacionais centralizados nas especialidades de advocacia, de arquitetura, de engenharia civil, de medicina e de odontologia, vislumbrando uma dinâmica de mobilidade para o estudo pelo território e pela territorialidade, dentro de uma escala temporal entre as décadas de 1950-1980, sendo o sujeito da pesquisa o nikkei a partir da segunda (nissei) e da terceira (sansei) geração de descendentes de japoneses no Brasil. Portanto, entendemos como nikkeis nessa tese as gerações de nipo- brasileiros constituídas no país que se deram pelas seguintes características: issei (1º geração), nissei (2º geração), sansei (3º geração) e ionsei (4º geração). Os nikkeis frequentemente são todas as gerações nascidas no Brasil: nissei, sansei e ionsei. Já o issei é o imigrante japonês no Brasil e toda a raiz geracional deriva dele (SAITO, 1961). Os profissionais liberais nikkeis, conforme Cardoso (1963), que fizeram paulatinamente a mobilidade espacial e social no território brasileiro, foram embrionariamente os nisseis (2° geração) e sansei (3° geração). De modo geral, a pergunta da pesquisa está balizada em “como o município de Presidente Prudente se apresenta como território de possibilidades para os descendentes de japoneses? Em especial para os profissionais liberais nikkeis?” Portanto, a valorização pelos aspectos intelectuais acompanha os nipo-brasileiros desde os tempos do Japão pelo gosto e cuidado com a educação e cultura. Com isso, a ideia de se livrar do colonato e se tornar sitiante já denota a vontade de ascensão social do nipo-brasileiro, mas o desejo de educar os filhos para que não sejam caboclos brasileiros2 era prioridade. A partir dessas questões que elaboramos a nossa hipótese de que tornar-se o filho doutor (advogado, engenheiro e médico) era um projeto familiar em que a família trabalhava para poder estudar o filho em outra cidade. E, também, era individual sobre o ponto de vista do nikkei que tinha que se destacar nos estudos para poder entrar numa faculdade pública renomada. Dando destaque para o sobrenome da família no lugar de origem lhes rendendo 2 Conforme Sakurai (1993). 23 prestigio e dinheiro. Ganhar dinheiro no sítio não tinha o mesmo status de ganhar dinheiro e ser reconhecido como um intelectual influente na sociedade urbana-“industrial”. Já na metodologia privilegiamos o procedimento da historia oral3 no intuito de mapear a trajetória de vida, de estudo e de carreira dos profissionais liberais nikkeis, levando em consideração três momentos: 1) mobilidade espacial da família do Japão até sua chegada em Presidente Prudente/SP; 2) formação educacional do nikkei do primário à universidade; 3) aspectos gerais sobre a carreira de profissional liberal dos nikkeis. Os sujeitos selecionados foram indicados inicialmente por membros do conselho de classe (OAB, APCD, CREMSP, CAU e CREA) e por pessoas próximas (amigos e conhecidos da colônia japonesa) que tinham contatos com os protagonistas da pesquisa. A pesquisa tem um critério que é verificar os profissionais liberais que estão atuando no mercado de trabalho e, também, os aposentados que já prestaram serviços no município entre as décadas de 1950 a 1980. Tal período de análise caracteriza a mobilidade ascendente4 dos nikkeis em Presidente Prudente/SP fazendo um resgate dos migrantes pioneiros nas profissões especializadas (advocacia, arquitetura, engenharia civil, medicina e odontologia). Foram entrevistados 165 profissionais liberais nikkeis, tanto nascidos/residentes no município quanto os não-nascidos que moram ou prestam serviços neste lugar por muitos anos, 3 Segundo Meihy (2002, p.13), “a história oral é um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à vida social de pessoas”. As modalidades da história oral são: historia oral de vida, historia oral temática e tradição oral. Nessa perspectiva, utilizaremos o procedimento da história de vida que “se define como o relato de um narrador sobre a sua existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu” (QUEIROZ, 1988, p. 20). 4 Já a partir de 1980, a economia brasileira entra recessão e emergiu concomitantemente o movimento dekassegui. 5 Os entrevistados foram os que aceitaram a participar da pesquisa, sendo: sete médicos, quatro dentistas, dois engenheiros civis, dois advogados e um arquiteto. A pesquisa iniciou com o levantamento dos nomes dos profissionais nikkeis: conselho de classe e lista telefônica. Depois com as indicações fomos fazer uma visita em clínicas e escritórios para explicar e convidá-los para fazer parte da pesquisa. Os que aceitaram fazer parte da pesquisa marcamos, posteriormente, uma data para realizar as entrevistas. Elas foram feitas em diversos lugares: casa, apartamento, universidade, clínicas, consultório e escritórios. Em cada espaço (casa/trabalho) tivemos que lidar com o tempo e a disponibilidade do entrevistado (teve entrevista de 25 minutos e entrevista de duas horas – média de cerca de 60 minutos). O trabalho de campo da tese foi realizado em duas etapas: a) primeira – de agosto a novembro de 2017 antes da qualificação; b) segunda – de março a outubro 2018. As entrevistas foram autorizadas pelos entrevistados. E deixamos aqui o questionário da entrevista no anexo da tese. 24 mostrando, assim, a dinâmica da mobilidade-permanência dos sujeitos interno/externo neste território (vide mapa 1). Doravante, a temática de pesquisa sobre imigração japonesa me acompanhou durante a graduação e o mestrado trabalhando com a imigração e a industrialização no Oeste Paulista sob o viés das empresas nipo-brasileiras privadas. Ambas foram financiadas pela agência de fomento FAPESP. Ligado ao grupo de pesquisa do GAsPERR inserido no Projeto Temático da FAPESP “O mapa da industria no Estado de São Paulo”, na iniciação científica sob a orientação do professor Prof. Dr. Eliseu Savério Sposito. A dissertação de mestrado foi defendida em 2010, com o trabalho intitulado “O vôo do tsuru. O empresariado nipo-brasileiro: de colono a industrial” com a orientação do Prof. Dr. Marcos Aurélio Saquet, também, dentro desse projeto temático. Aqui, nessa trajetória estruturamos minha formação na geografia pela geografia econômica, pela geografia da indústria e pela geografia da população. Depois ficamos cerca de três anos e meio de experiência profissional (ensino básico e superior) e resolvi voltar para fazer o doutorado. Mas, agora, pela parceria Centro Paula Souza e Unesp pelo programa de qualificação docente em outubro de 2014. Quando elaborei a proposta de projeto de doutorado, lembrei-me da sugestão do parecerista da Fapesp6, que para continuar a pesquisa sobre os empresários nipo-brasileiros o terreno seria mais escasso, como o meu trabalho com os industriais apontava(m) para a mobilidade espacial e social, a sugestão foi trabalhar com os profissionais liberais nikkei, aceitei o desafio pelo seu caráter ímpar e praticamente inédito. Aprovado o trabalho inicio as orientações do doutorado com o Prof. Dr. Marcos Aurélio Saquet, concomitantemente com as disciplinas em 2015, posteriormente com o campo em 2017-2018. Passando-se dois anos na pós-graduação, quando já estava finalizando os créditos, o Prof. Marcos me avisa da sua saída do programa de Pós- Graduação e me pediu para que eu arrumasse um outro orientador. Fiquei um bom tempo sem orientação e, posteriormente, o Prof. Eliseu Spósito assumiu a 6 https://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/64299/adriano-amaro-de-sousa/ acesso 16/02/19. https://bv.fapesp.br/pt/pesquisador/64299/adriano-amaro-de-sousa/ 25 orientação. O Eliseu me fez um pedido, pelo meu pouco tempo para qualificar, que eu entrasse de licença do trabalho. A partir de agosto de 2017, sai das minhas atividades docentes na ETEC Albert Einstein (Casa Verde/SP), por seis meses sendo prorrogado por mais seis meses. A licença remunerada foi negada, então, para fechar a tese pedi a licença não remunerada. Com a licença pude fazer o trabalho de campo de agosto-novembro de 2017, caso contrário seria inviável a possibilidade das entrevistas por depoimentos orais realizadas com os profissionais liberais sujeitos da pesquisa nos seguintes locais: clínicas, hospitais, escritórios, residências, universidades e prefeitura. Foi um “chá de cadeira” nos lugares que os entrevistados eram da área da saúde, mas conseguimos realizar cerca de 16 entrevistas, cada entrevista teve em média 60 minutos de gravação. Por fim, consegui finalizar meu campo em outubro/2018 já quase na pré-defesa. Assim, a tese está estruturada em quatro capítulos iniciando com essa nota introdutória, sendo que primeiro capítulo se trata da mobilidade espacial e social como uma possibilidade nos estudos da geografia pelo território. Já o segundo capítulo faz uma discussão com as territorialidades das famílias nipo- brasileiras e suas articulações com os nikkeis. Já o terceiro capítulo vem trazendo a geo-história dos nikkeis no interior paulista tendo centralidade em Presidente Prudente/SP. O quarto capítulo mostra a trajetória de mobilidade espacial e social dos nikkeis em busca do estudo para se tornar doutor com a carreira de profissional liberal. Por fim, apresentamos uma nota de considerações finais. 26 27 1. MOBILIDADE E TERRITÓRIO: SUBSÍDIOS TEÓRICO- METODOLÓGICOS DA MOBILIDADE POPULACIONAL NA GEOGRAFIA. A mobilidade na geografia tem no território o movimento do acontecer pelas relações sociais, fruto do que Santos (2009) chamou de quadro da vida, pois é no território “que desembocam as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência” (p. 9). Portanto, a ciência da produção do espaço se impõe(m) como condição primordial na existência do indivíduo e, sobretudo, nas suas relações com a coletividade. Tal condição social precede, antes de mais nada, de um contexto geográfico balizado na dinâmica territorial e na sua interação com a natureza. Vizualizaremos, o movimento do acontecer aqui pelas relações sociais (pessoas), por meio das múltiplas escalas (geográfica/temporal) configuradas na modernidade, tendo centralidade no espaço e no território pelos pares dialéticos mobilidade-permanência. É na era da globalização que vivenciamos um intenso movimento de fluxos de mercadorias, de circulações de informações e de deslocamentos de pessoas. Sendo este último, o movimento populacional centrado na mobilidade pelos fatores conceituais históricos-descritivos-analíticos e as diversas abordagens de territórios. Assim, a estrutura do capítulo procura compreender os aspectos da mobilidade na geografia via os clássicos dessa ciência, procurando relacionar os conceitos de território-mobilidade-rede para a dinâmica populacional e, por fim, apontar as condicionantes da mobilidade espacial e social na migração para o trabalho. Todavia, utilizamos como procedimentos metodológicos a revisão bibliográfica da literatura especializada sobre mobilidade e território nas ciências humanas. Contudo, o capítulo tem como finalidade compreender a mobilidade-permanência dos sujeitos migrantes e as suas interfaces com a geografia pelo método dialético. Ademais, os sujeitos migrantes da pesquisa 28 são os nikkeis (descendentes de japoneses), permanentes/territorializados no município de Presidente Prudente/SP, que de vez em quando, são ativados em meio à base teórica do capítulo, sob a égide da mobilidade do trabalho. 1.1 Geografia e mobilidade: primeiras aproximações. O trabalho seminal (ou mais consistente) sobre mobilidade na geografia tem referência em Max Sorre, que compreende a mobilidade como de objetos (transportes) e de pessoas (deslocamentos humanos). Cabendo a este último, o termo rico em análises para trabalhar com os conceitos de nomadismo e de migração. Já os objetos são meios que favorecem a circulação e o povoamento da Terra (ocupação ou colonização) através dos oceanos e dos continentes. Sorre (1984), por sua vez, desenvolve uma teoria geográfica para as ciências socais tendo como base o movimento no “território7” . O que a terra encerra? Evidentemente, o homem e suas obras. Existe uma geografia humana como existe uma geografia botânica e uma geografia zoológica. Para todas, a noção de domínio, de área e de extensão é essencial, pois são geografias, disciplina do espaço. Os gregos denominavam o ecúmeno à área de extensão do homem. Estas palavras abarcam dois elementos associados: a ideia de um espaço terrestre com limites e a ideia de ocupação pelo homem, esta última implicando fixação, estabilidade. E nos deparamos pela primeira vez com o tema fundamental do arraigamento ao solo, da permanência (p. 126). As ciências da natureza e as ciências do(s) homem(ns) conhecem os fenômenos da mobilidade e da permanência, sejam pelas explicações históricas ou pelas explicações ecológicas, abarcando o movimento da vida humana ou animal/vegetal. Ambas têm abordagens no território sendo o homem o mais dotado de mobilidade. Porém, a análise geográfica como nos propõe(m) Sorre 7 A palavra “território” com aspas significa que, Sorre (1984) não trabalha explicitamente com o conceito território, mas com o conceito de paisagem e de região. Por meio dele, apreendemos um território via o ecúmeno dos homens, cuja ocupação do espaço tem noção de domínio (controle/limite) e apropriação (ocupação e permanência), no qual, explico mais para frente nesse mesmo sub-item. 29 (1984), procura aproximar sociedade e natureza, tendendo mais para a geografia humana8 com o conceito de permanência quando ocorre o equilíbrio/estabilidade entre habitat e recurso. Assim, “o estudo dos vínculos entre homem e meio – as ações, relações, interações – explica o fenômeno do arraigamento” (SORRE, (1984 p. 127). Sendo o ecúmeno a expressão de apropriação e de solo habitável, transformada pela ação do homem se configurando em espaço geográfico, dando possibilidades de territorialização aos migrantes no território. O conceito de “território” que podemos apreender em Sorre (1984), esteve associado ao apego/fixação do homem ao solo na efetivação da vida humana e as suas relações com os recursos naturais, porém o mesmo, estava mais próximo do conceito de região da geografia possibilista. Desse modo, embrionariamente, temos uma noção de concepção de “território” em Sorre iniciada a partir da geografia humana, como disciplina do espaço que tem no domínio e na extensão de áreas (por limites) a efetivação da ocupação do homem. Ou seja, aproximando-se praticamente do conceito que conhecemos como território hoje (RAFFESTIN (1993), HAESBAERT(2004), SAQUET(2007)), tanto como apropriação (ocupação) quanto dominação (poder), porém tal conceito em Sorre é areal e material. Posteriormente, o conceito de território na geografia ganha fôlego via uma abordagem área-rede, multiescalar e (i)material do território influenciada em Deleuze e Guatarri. Por sua vez, a base da qual extraímos sumariamente o conceito de território em Sorre (1984) tem centralidade no tripé equilíbrio-habitat-recurso pela perspectiva vidaliana do conceito de gênero de vida. Por gênero de vida Sorre entende que são os elementos que dão a coesão interna de um grupo via acúmulo de técnicas efetivadas em um determinado território-região/solo-meio. 8 “A geografia humana é a parte da Geografia Geral que trata dos homens e suas obras desde o ponto de vista de sua distribuição na superfície terrestre [paisagens humanas]. É a descrição do ecúmeno” (SORRE, 2008, p. 137). De modo geral, a “Geografia, no sentido etimológico, significa descrição da terra. E com um consenso geral, da Terra, contudo o que contém e do que é inesperável, de tudo o que vive na superfície e a anima, da humanidade que a transforma e enriquece com traços novos. Pensando nessa última, os gregos falavam do ecúmeno”. (SORRE, 2008, p. 137). 30 Nesse período, o conceito de território vigente e consolidado era o de Ratzel9 da escola alemã determinista, que difere do simulacro de “território” que apontamos em Sorre, pois Ratzel entende o território como solo e como Estado- Nação numa perspectiva geopolítica. Já Sorre compreende o “território” como lócus do arraigamento para as condições de vida econômico-politico-cultural numa escala regional: pela diferenciação de áreas intra-nacionais e pela valorização da paisagem. Ademais, Ratzel tem uma concepção naturalista do território pela posse do solo (controle do espaço) e pela política na escala (inter)nacional, para Sorre território-região tem uma concepção possibilista cujos vínculos homem e meio explica a permanência pelo ecúmeno. Por fim, temos hoje a concepção do território relacional e multiescalar balizado em Raffestin (1984) pelo sistema territorial (tessituras, nós e redes) que dá mobilidade e comunicação às redes materiais e imateriais da coexistência humana e suas artificialidades. Todavia, a mobilidade territorial na modernidade pode ser uma perturbação das noções de habitat (meio10) e de trabalho (subsistência) na nova ordem global (flexibilização e tecnificação), não atendendo as necessidades dos migrantes. Dentre eles destacamos o camponês11, como um errante da mobilidade rural-rural, rural-urbana e urbana-industrial apreendido pelas ciências humanas como em Guedes (2013) e em Martins (1983). São sujeitos sem direito ao habitat e sem condições de trabalho digno, sendo 9 O pensamento de “[...] Ratzel dá uma importância central ao território na solidez do Estado, que fez uma abordagem naturalizada do território, ligado ao Estado-Nação. O solo é o elemento fundamental do Estado e sua unidade, condicionando, entre outros fatores, ao crescimento espacial dos Estados. Vale apena chamar a atenção, mais uma vez, para o caráter ideológico evidente no discurso e na Geografia ratzeliana, que em alguns momentos justifica o expansionismo do Estado alemão” (RIBAS, 2000, p. 170). 10 Sobre o estudo do meio na geografia humana, levamos em consideração, o meio social indissociável do meio natural. Segundo Sorre (2008,, p. 140), “ao estudar o meio natural vem somar-se o domínio do meio social, ou melhor dito, dos meios sociais. Quantos fatos ficam inteligíveis se não se considera sua influência! Nossa a ideia de ambiente se enriquece e se complexifica, já indicou Vidal de La Blache ao referir-se ao meio natural”. Dessa complexa noção de meio natural e meio social emergiram conceitos fundamentais na geografia humana como: o de situação, a ideia de área de extensão e, por fim, o conceito ligado às atividades humanas e as propriedades do meio, o gênero de vida. 11 O imigrante japonês não foi camponês, no máximo lavrador, porque não era posseiro e nem fez parte da luta pela terra, como o trabalhador brasileiro. Era um lavrador arrendatário que, posteriormente, pelo pequeno capital e de forma coletiva/familiar adquiriu o primeiro lote de terra. Sem questionar o capitalismo, latifúndio e o êxodo rural. 31 forçados a estarem em mobilidade constante, sempre em busca da sobrevivência (individual/familiar). Visualizamos mobilidade e instabilidade, com características próximas ao conceito de Max Sorre em Guedes (2013), sendo reveladoras na exemplificação da análise na perturbação do habitat/moradia e das condições de trabalho no capitalismo vigente. Nesse sentido, conforme Guedes (2013), a mobilidade espacial do campesinato brasileiro apresenta traços de nomadismo (deslocamento como recurso), porém alguns camponeses posseiros, buscam incessantemente a permanência. Com isso, sempre estando em condições adversas ao capital, logo se desterritorializando constantemente (perda do domicílio, conflito com o patrão, mal remuneração, trabalho insalubre, perseguições, entre outros). Já, Martins (1983, p. 17), afirma que “o camponês brasileiro é desenraizado, é migrante e é itinerante”. Ao nosso ver, o camponês por não ter acesso à terra e as formas dignas de trabalho (nem em Guedes e muito menos em Martins) vive um constante, frenético e esquizofrênico des-re- territorializar12. Este contexto de luta pela terra difere do imigrante japonês e seus descendentes no país que não participava de movimentos sociais. Porém, compreendemos a mobilidade do nipo-brasileiro desde quando era colono para o café e, que somente se tornou sitiante, com o trabalho familiar e com as práticas da solidariedade da comunidade étnica no Brasil. Logo depois alguns deles realizaram a migração rural-urbana com pequenos negócios no comércio da cidade. Tudo isso foi realizado de forma coletiva (colônia ou tutelada pelo Estado japonês) e, em menor proporção, pelo esforço individual/familiar (próprio/condição). De modo geral, tradicionalmente a circulação de grupos humanos é objeto de estudo da geografia, conforme Becker (1997), desde as invasões dos povos bárbaros asiáticos até os migrantes dos novos tempos o homem se põem em movimento seja(m): a) pela hegemonia do território; b) porque fogem de perseguições étnicas; c) para procuram obter novas terras em outro local; d) 12 Conforme Martins (1979, 1983 e 1986). 32 por buscarem melhores oportunidades de trabalhos; e) ou simplesmente são nômades. Contudo, os fatores estruturais (econômicos e políticos) condicionam o surgimento e o desdobramento dos fluxos migratórios (inter)nacionais, que neste caso visualizamos os nipônicos no Brasil. Portanto, ressaltamos as migrações internas visando a busca pela (re)territorialização que ocorreram no Brasil, nas décadas de 1950/60, com intensos fluxos populacionais marcados pela crescente concentração fundiária e pela industrialização nos centros urbanos do sudeste brasileiro. Tal escassez de terras rurais eclodiu movimentos sociais de resistências como o MST (Movimento dos Sem-Terra). Portanto, os deslocamentos interestaduais deram- se em 1970/80 pelas migrações de nordestinos para o Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo) e de sulista para o Centro-Oeste e Amazônia (BECKER, 1997). Já em 1980/90 emergiu o fenômeno das migrações pendulares (intermunicipais) e emigração brasileira para o centro da economia-mundo (Estados Unidos – União Europeia – Japão). Essas migrações internas/externas têm em Sorre (1984), a compreensão dos deslocamentos pelas novas formas de colonização em áreas desocupadas e pela monocultura típicas de empresas de colonização no capitalismo moderno/racionalizado. Mas, acrescentamos aos argumentos de Sorre que, sobretudo, temos na expropriação do homem do campo o ápice da grande mobilidade interna no Brasil, sendo que esses sujeitos ficavam perambulando no território nacional a procura de habitat e de trabalho, logo a mercê do capital e suas formas de controle/exploração. Qual a razão arbitrária para recusar aos deslocamentos de mão- de-obra rural ou ao êxodo rural o nome das migrações que o uso comum lhes confere? Com muita razão, o geógrafo atento às condições de povoamento da Terra não consentiria em levantar barreiras entre os fatos de invasão ou de colonização e as migrações. Houve sem dúvida invasões militares sem futuro, houve formas de colonização que visam exclusivamente à exploração, sem transferência de grupo humano. Mas quantas invasões não foram, pura e simplesmente, translações de povos? E o que dizer das colônias de povoamento? O geógrafo não pode se isolar num atualismo estreito. Para ele “as migrações são a expressão da mobilidade do ecúmeno” (SORRE, 1984, p. 125). 33 Eis que esses deslocamentos populacionais (inter)nacionais em busca de trabalho nos chama atenção para fazermos a distinção entre migrações permanentes e migrações temporárias, conforme poderemos visualizar ambas, na migração do nikkei no território brasileiro pela sua incessante busca da mobilidade-permanência. A busca por condições materiais de reprodução social articulada as forças sociais e produtivas locais dadas pelo modo de produção, favoreceu a possibilidade da espacialização dos migrantes, efetivando a permanência dele no novo território pela interação sociedade e natureza. A permanência proporcionada pela dinâmica migratória tem centralidade no habitat/equilíbrio (na terra habitável em Sorre) em um determinado espaço geográfico, tanto para os homens quanto para os animais, que fazem os deslocamentos sazonais ou permanentes. A migração dos homens tem sua matriz histórica pelos movimentos migratórios para a “terra prometida” em busca de ouro ou de terras virgens. Os deslocamentos de animais têm na explicação ecológica a circulação pelo planeta (aves e peixes) para alimentação e reprodução biológica. Para Sorre (1984, p. 127), “a mobilidade dos elementos da cobertura vegetal exige que se recorra a uma explicação histórica”, por conta das interferências ocorridas no uso e ocupação do solo pelos homens, transformando a primeira natureza em segunda natureza. A dialética mobilidade-permanência sob o viés ecológico e histórico nos interessa mais, pela explicação histórica que são dos homens13, vista pelo o sistema econômico capitalista que é contraditória, desigual e combinada. O movimento surge como única realidade, a permanência como ilusão causada pela mobilidade atenuada, imperceptível, e às vezes também pelo emprego simultâneo de duas escalas diferentes de mobilidade. A estabilidade, expressão de um 13 “O homem da Geografia é o homem das conexões e dos conjuntos. Conexões próximas entre os elementos das combinações locais (relevo, clima, vegetação, obras do homem), conexões remotas entre os fatos de toda a classe na superfície da Terra (a prosperidade das semeaduras europeias depende da marcha das depressões oriundas das Américas)” [...] “A Geografia humana registra a repercussão em todas as partes dos acontecimentos que ocorrem nos países mais distantes, independente que envolve todos os pontos do ecúmeno, sua tendência sintética não nos convida separar jamais os traços da ordem humana do seu contexto físico e vivo” (SORRE, 1984, p.138). 34 equilíbrio precário de forças, é sempre relativa, jamais absoluta. A análise ecológica, instrumento essencial do geógrafo, deve ser esclarecida pelo conhecimento da evolução. Em contrapartida, é bem verdade que o conhecimento de cada um dos momentos passados, objeto das disciplinas históricas, reclama um sentido ecológico. Mas não é este nosso propósito agora. A explicação científica do complexo local não se satisfaz com uma visão estática: é necessário acrescentar a ela o sentido da mobilidade e, portanto, das migrações (SORRE, 1984, p. 128). Dialeticamente a permanência é a negação da mobilidade. O habitat para os grupos humanos é a sua estabilidade no território sendo a expressão do arraigamento. A permanência imprimiu a superação das adversidades e possibilitou o enquadramento do sujeito migrante no desenvolvimento territorial do lugar pelas suas territorialidades e pelas suas constituições de redes (migratória/social) no campo e na cidade. Em geral, o deslocamento de certa forma desestabiliza o habitat, porém, não existe mobilidade sem condições de residência/pouso, mesmo que precário. A dialética mobilidade-permanência esta presente na dinâmica do território conduzindo a mobilidade populacional nos estudos geográficos. Todavia, a mobilidade e a permanência no interior do Estado de São Paulo, em meados da década de 1920-40, como nos diria Monbeig (1998), perpassam pela conformação do “território-região” em área de fronteira agrícola, de frentes de ocupação e povoamento e de empresas de colonização. Se aproxima da abordagem de Sorre (1984), porque seus procedimentos teóricos e metodológicos na formação do território, levam em consideração as explicações sociais (homem) e as explicações naturais (ecológicas), na ocupação do espaço geográfico pela colonização via terras virgens e monocultura. Monbeig (1998) compreende o “território” numa concepção areal pela delimitação política e administrativa. Nesse sentido, Saquet (2007) analisou o avanço da marcha pioneira para o povoamento no interior paulista, nesse espaço floresta e homens se confundiam, na formação territorial. Por sua vez, ao nosso ver, a temática colonização-migração-natureza ligam teórico- metodologicamente os autores Pierre Monbeig e Marx Sorre. 35 A propósito, há similaridade com Monbeig (1998[1952]). Para este pesquisador, o conceito de região é central. No entanto, ao se referir às relações sociais, está apreendendo aspectos da dinâmica socioespacial e de relações de poder: uma região corresponde ao enraizamento, aos interesses materiais de fazendeiros e comerciantes em sua área de atuação, mantendo as relações diversas e constantes com os responsáveis pelas ferrovias, por exemplo. Adota o conceito de franja pioneira, em consonância com Isaiah Bowman: o processo de colonização tem irregularidades e direções confusas, sem um front regular (SAQUET,2007, p. 65). A concepção de “território” em Monbeig tem uma abordagem material por intermédio de zonas de ocupação social, cujo movimento no espaço se deu pela penetração dos migrantes vias redes de circulação (estradas e ferrovias), favorecendo, assim, a mobilidade-permanência com o processo de colonização e a monocultura do café e do algodão no interior paulista, nele visualizamos os migrantes japoneses e seus descendentes (nikkei). Para Saquet (2007), as relações de poder na franja pioneira eram dívidas entre o Estado e as forças marginais no controle da produção de mercadorias, da contratação da mão-de- obra e da posse da terra. Ademais, visualizamos que é dentro deste contexto complexo que encontramos os japoneses e seus descendentes na frente de expansão paulista construindo os seus territórios (colônia, sítio, associação nipo-brasileira, produção de mercadorias, entre outros) a partir da mobilidade espacial/social efetivada pelo desenvolvimento regional balizado em terras virgens e baratas, dando possibilidade do migrante japonês de permanência no Oeste Paulista, em especial em Presidente Prudente/SP, como pequeno sitiante. 1.2 Território, mobilidade e des-re-territorialização. É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se 36 apropriar de um espaço, concreta e abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143). Para compreendermos a mobilidade é necessário entender que o território está contido no espaço e vice-versa, sendo o espaço anterior ao território que, por sua vez, o território é um espaço apropriado e determinado por uma relação social que tem ênfase nas relações de dominação. Segundo Raffestin (1984) “o território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou trabalho, seja energia ou informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder” (p. 144). Sendo que a energia no território vincula-se no ato de dominação pelo uso empreendido da força e, por outro lado, a informação no espaço geográfico encontra-se no campo da apropriação apoiada pela via da comunicação. Logo, “o poder se enraíza no trabalho [...] o trabalho é a energia informada” (p. 56). Portanto, a produção territorial que promove mobilidade advém da comunicação e da informação entre os modos de produção e o espaço, assentada na construção de malhas, nós e redes para a compreensão da formação territorial dinamizada pela relação social trabalho. Tal formação esta pautada nas relações de poder14 e redes de circulação/comunicação. Já o território como política em Gottmann (1973), aborda o mesmo como “plataforma para oportunidade do que como um abrigo para a segurança” (p. 534), levando em consideração o desenvolvimento e a soberania que, ao nosso ver, possibilita a mobilidade territorial pelas políticas migratórias receptivas e pelas políticas públicas dos Estados (Nação, província e município) que assenta 14 Duas outras abordagens avançam na discussão das relações de poder no/do território. Michael Foucault (1985) considera o poder para além do Estado (instituições, empresas, cotidiano, entre outros). Já Marcelo Lopes de Souza (1995), numa outra concepção, estabelece as relações de poder no campo de tensão (conflito) balizado pelas diferenças culturais de grupos sociais distintos, superando, assim, as teias de relações do Estado. Porém, Raffestin (1993) faz uma crítica a Ratzel sobre o poder máximo do Estado desconsiderando outras formas de poder que emerge da sociedade. Entende a relação de poder a partir de dois atores: “o ator sintagmático combina todas as espécies de elementos para “produzir”, latu sensu, uma ou várias coisas. O Estado é um ator sintagmático por excelência quando empreende uma reforma agrária, organiza o território, constrói uma rede rodoviária etc. [...] um ator paradigmático deriva de uma divisão classificatória operada com base em critérios que os indivíduos têm em comum” (RAFFESTIN, 1993, p. 40-41). 37 no lugar o indivíduo - permanência. Ora promovendo acesso à propriedade e as condições de subsistências dos migrantes, ora “facilitando” o acesso aos meios de produção dos trabalhadores em nichos de mercados (bens de consumo não duráveis e bens de capital). Aqui, a mobilidade territorial é tratada como movimento de força de um coletivo no território, que faz o migrante e o Estado criar estratégias para a territorialização e/ou mobilidade social, dependendo do processo histórico e das condições do capitalismo vigente - favorável ou não ao alienígena/estrangeiro. Todavia, não podemos esquecer que a circulação é um conceito importante em Gottmann, conforme afirma Saquet (2007, p.181), sendo que a “circulação permite organizar o espaço e é no decorrer deste processo que o espaço se diferencia15”. Gottmann articula as noções de povoamento e habitat relativamente próximo do que Sorre (1984) abordou como equilibro e habitat. Ambas as noções orientam o conceito de território e de permanência que fundamenta a relação dialética mobilidade-permanência na dinâmica socioespacial. Tal circulação sempre esteve associada com a técnica e a sua relação com o espaço geográfico. Para Santos & Silveira (2002), as técnicas são “as formas de fazer e regular a vida” (p.24) a partir do território usado. O território são as formas, mas o território usado são os objetos e as ações, sinônimo de um espaço humano, espaço habitado. Mesmo a análise da fluidez posta ao serviço da competitividade, que hoje rege as relações econômicas, passa por aí. De um lado, temos uma fluidez virtual, oferecida por objetos criados para facilitar essa fluidez e que são, cada vez mais, objetos técnicos. Mas os objetos técnicos dão se não uma fluidez virtual, porque a real vem das ações humanas, que são cada vez mais ações informadas e normatizadas (SANTOS, 2004, p. 16). 15 “Gottmann combina as noções de povoamento e habitat, que já tinham certa tradição de uso na geografia. [...] Fluidez e circulação de pessoas e mercadorias são noções e processos fundamentais que estão na base da divisão e organização espacial, substantivando territórios a partir da dominação econômica e política. A fluidez e a circulação favorecem o fortalecimento dos mercados, a concorrência, os contatos e as transformações, acirrando conflitos entre os agentes econômicos e o Estado. É a partir dessa complexa relação que Jean Gottmann, criativamente combina proteção e segurança com oportunidades e possibilidades, elementos que induzem a elaborar, mais adiante, a noção de iconografia como um mecanismo para a proteção e segurança diante dos avanços da circulação e consequentemente desestabilização” (SAQUET, 2009, p. 178-179). 38 Sucintamente, Santos (2002) aborda o conceito de território usado, sendo que este está vinculado às dimensões do espaço via as técnicas que operam na produção territorial de forma global-local, dentro de uma abordagem econômico-material. De modo geral, ao nosso ver, o território em Milton Santos é uma composição dialética dos objetos e das ações mediadas pelas relações sociais, que são ativadas em redes pelas técnicas interligando lugares/pessoas via informação e dinheiro. Esse território é compreendido como sinônimo de espaço geográfico socialmente organizado e híbrido, cuja escala de análise vai da totalidade ao lugar (vice-versa), sempre acompanhada pelas relações de normatização/regulação. E, por fim, o território pode ser considerado usado por dois atores: os hegemônicos como recurso (econômico- material) e os hegemonizados como abrigo (nos dizeres de Gottmann: proteção e plataforma de oportunidades). Dentro de uma perspectiva de um território que visualiza o sujeito, Haesbaert (2004) apresenta também como Gottmann (1973), o território pela vertente política ou jurídico-político tendo ênfase no Estado, nas instituições e nos grupos socais que apropriam e dominam os espaços geográficos. Porém, a vertente política não pode ser analisada sozinha, mas em consonância com a vertente econômica (produção material das corporações global/local e contradição social) e a vertente cultural (simbólica e identitária). O território contemporâneo (globalizado, fragmentado e em constante movimento) tem centralidade numa visão integradora, pois a leitura do território não pode ser considerada econômica e nem estritamente política. Ele deve ser analisado pelas diferentes vertentes proporcionando formas de usos socioterritorial variadas possibilitando múltiplas mobilidades. Assim, o território é zona (área, fronteira e limite), o território é rede (espaço-tempo, movimento, fluidez e interconexão) e o território é aglomerado de exclusão (área de desordem social e pobreza estrutural). Chama a atenção com a globalização para o processo de desterritorialização (econômico) e reterritorialização16 (político-cultural) de 16 Para Haesbaert (2006), a reterritorialização corresponde a formação de novos territórios com uma nova apropriação política e simbólica do espaço por meio de redes. Por sua vez, “enquanto a desterritorialização é promovida especialmente para as redes nacionais-globais dos complexos agroindustriais capitalistas, a reterritorialização gaúcha tem um importante componente 39 grupos sociais e empresas na escala mundial/local, sob um ritmo frenético de criação e destruição de territórios, fazendo emergir a multiterritorialidade dos fenômenos do espaço geográfico. Por fim, o conceito de território em Haesbaert tem centralidade nas dimensões política e cultural. Numa outra perspectiva, Saquet (2003) colabora destacando não somente as vertentes político-culturais, mas, sobretudo, a dimensão a econômica, por que o território é constituído de relações sociais e (i)materialidade. Também, o mesmo é produto da relação sociedade-natureza e de condição para reprodução social, balizada pelo exercício do poder espaço- temporalmente, tendo no movimento do território a possibilidade de apreendermos a mobilidade e a permanência como dialética, pelas diversas abordagens do território (T-D-R) e do desenvolvimento econômico. Saquet (2003) nos orienta sobre a noção de território pelo viés econômico e suas estratégias de territorialização. Um território não é construído e, ao nosso ver, não pode ser definido apenas enquanto espaço apropriado política e culturalmente com a formação de uma identidade regional e cultural/política. Ele é produzido, ao mesmo tempo, por relações econômicas, nas quais as relações de poder inerentes as relações sociais estão presentes num jogo contínuo de dominação e submissão, de controle dos espaços econômico, político e cultural. O território é apropriado e construído socialmente, fruto do processo de territorialização (p. 24). Por sua vez, numa relação intrínseca com o conceito de tempo e espaço Saquet (2003) apresenta quatro possibilidades para compreender o território: a) relações de poder; b) redes de circulação e comunicação; c) identidades simbólicas e culturais; e, por último d) a natureza exterior ao homem. O território é marcado pelo resultado do processo histórico das relações sociais. É produto e condição de articulação existente entre o tempo histórico e os coexistentes. Além do mais, o território integra as múltiplas dimensões: econômica, política, social e cultural. Por isso, o território é móvel, dinâmico e politico-cultural e se revela nítida na escala local. [...] Esse processo promove o que ele de multiterritorialidade, como múltiplas relações vividas por diferentes indivíduos e grupos sociais, em distintas escalas de interação” (HAESBAERT, 1997, p. 257). 40 multidimensional17 está sempre em constante transformação como o movimento da sociedade e do espaço geográfico. Esse movimento no território analisou as dimensões das relações socioespacias pelas forças econômicas e pelos processos sociais que determinam a desterritorialização e a reterritorialização. Para contextualizar a mobilidade e a permanência, temos o exemplo dos migrantes italianos no Sul do Brasil em Saquet (2003), centrado nas reflexões de TDR das obras de Deleuze & Guatarri, de Raffestin (1993) e de Haesbart (1997). A partir da seguinte reflexão dialética corroboramos com a ideia de Saquet (2003) de que: A des-territorialização e a re-territorialização são contraditórios mas complementam-se; coexistem no tempo e podem coexistir no espaço; são inseparáveis e são movidas pela relação EPC, sendo que as redes estão e atuam em ambos os processos. A des- territorialização num lugar significa reterritorialização noutro, promovendo a mobilidade da força do trabalho e suas características culturais. É um processo inerente a natureza contraditória do espaço e do território (SAQUET, 2003, p. 218). Nesse sentido, essa tal reflexão sobre os italianos, nos remete a compreender a mobilidade do trabalho dos migrantes nikkeis no processo de desterritorialização desencadeando fluxos migratórios para o interior paulista, entre as décadas de 1920-60, devido expropriação do homem do campo articulada a baixa remuneração nas lavouras. Logo os nikkeis se reterritorializaram política e culturalmente reproduzindo novos e velhos elementos (língua, produção, associações, religião, influência, símbolo, dominação etc.) de modos de vida cotidianos voltados para a coexistência. A reterritorialização dos nikkeis esta voltada à dinâmica econômica e pela busca do trabalho autônomo como pequeno sitiante/comerciante, a possibilidade de permanência em áreas de terras virgens e de colonização cujo foco tem centralidade nas pequenas propriedades, sendo que foi campo fértil para a 17 “Em outras palavras, o território significa heterogeneidade e traços comuns; apropriação e dominação historicamente condicionadas; é produto e condição histórica e trans-escalar; com múltiplas variações, determinações, relações e unidade. É espaço de moradia, de produção, de serviços, de mobilidade, de des-organização, de arte, de sonhos, enfim, de vida (objetiva e subjetivamente). O território é processual e relacional, (i)material, com diversidade e unidade, concomitantemente” (SAQUET, 2006, p. 83). 41 atração de japoneses e seus descendentes, para construir seu habitat e plataforma de oportunidades (como veremos aqui no capítulo 2 e 3). Além disso, a desterritorialização18 é indissociável da reterritorialização, pois o movimento que gera o abandono do território na mobilidade espacial da população, faz emergir a necessidade de recriação de um novo território, em um outro espaço geográfico. Ou seja, é um complexo jogo de estar arraigado e de estar em migração. Para Haesbaert (2004, p. 127), “a vida é um constante movimento de desreterrritorialização e reterritorialização [abandonar territórios, fundar novos]. A escala espacial e temporal é que são distintas”. Sendo assim, Sorre (1984) procurou analisar o habitat e o equilíbrio na dinâmica migratório, por meio de um “território” material-areal-móvel sob os aspectos da sociedade- natureza, se aproximando do conceito de des-re-territorialização que conhecemos por Claude Raffestin. Em síntese, o estudo de Sorre estava voltado para a mobilidade e para a permanência sob os aspectos ecológicos e históricos, conforme a citação abaixo, sendo o movimento do pensamento sorreano “apegado” inconscientemente ao conceito de T-D-R de Raffestin. Quando o equilíbrio entre os recursos de uma comunidade e suas necessidades é rompido, ou mesmo quando ameaça romper-se, essa comunidade pode ser abandonada por uma parcela, algumas vezes pela maioria de seus membros, que parte para agregar-se a outro habitat ou fundar um novo. O habitat original é, em algumas vezes, totalmente abandonado. As migrações tem caráter definitivo. A mobilidade, que se manifestou sob pressão das necessidades, desaparece com a constituição do novo habitat, podendo ressurgir se este novo habitat não atender às esperanças dos migrantes (SORRE, 1984, p. 130-131). 18 ”A desterritorialização é inseparável de reterritorialização correlativas. É que a desterritorialização nunca é simples, mais sempre múltipla e composta: não apenas porque participa a um só tempo por formas diversas, mais porque fazem convergirem velocidades e movimentos distintos, segundo os quais se assinalam a tal ou qual momento um “desterritorializado” e um desterritorializante” (DELEUZE & GUATARRI, 1997, p. 224). Tais conceitos foram formulados na filosofia e na psicologia pelo “território do desejo” tendo centralidade nos agenciamentos coletivos de enunciação e nos agenciamentos maquínicos, a fim de expressar e dar conteúdo a des-reterritorialização. Logo esses conceitos não foram pensados na geografia, porém, de certa forma todo agenciamento tem extensões e conexões territoriais. Ademais, Deleuze & Guatarri apontam a indissociabilidade do processo de desterritorialização e de reterritorialização. Cabe a geografia fazer uma relação entre o processo de mobilidade espacial/social populacional e os processos de desterritorialização e reterritorialização para compreender a perda e o retorno do sujeito ao território. 42 De modo geral, a permanência pode ser relacionada ao equilíbrio dinâmico entre o recurso e a comunidade em Sorre dando o suprimento das necessidades básicas do território favorecendo a fixação. Nessa perspectiva, de movimento (mobilidade-permanência) alia-se ao trabalho e suas relações de poder difundidas no espaço geográfico tendo centralidade na produção territorial via Raffestin. Mas, somente, como plataforma de oportunidade em Gottmann que a permanência se consolida no território dando abrigo e segurança aos sujeitos migrantes se territorializarem dentro do modo de produção capitalista desigual-combinada-desterritorializador. Por fim, as T-D- R´s de Raffestin mostram que esses movimentos (abandono e recriação de territórios), estão cada vez mais acelerados com a modernização e a globalização, emergindo múltiplos territórios, logo múltiplas des-re- territorializações. Assim, as reflexões realizadas aqui pelos autores supracitados acima sobre território-mobilidade e suas derivações pelas TDR`s (territorialização, desterritorialização e reterrritorialização) tem centralidade no pensamento geográfico (inter)nacional via abordagem crítica do território mediante a perspectiva multidimensional, escalar e temporal. 1.3 Território, rede e mobilidade A noção de mobilidade a partir do território-rede-técnica tem relevo na produção do espaço geográfico em Santos (2009) na escala global/local. Esse espaço geográfico acontece por intermédio das relações sociais, da natureza, da artificialidade e do conhecimento devido ao tempo-histórico e das coexistências pela análise da totalidade do espaço. De modo sintético ele compreende que “o espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não consideramos isoladamente, mas como um quadro único no qual a história se dá” (p.50). As ações estão associadas ao processo social que materializam 43 produtos, do outro lado, os objetos são as representações das coisas, sendo ambas em constante transformação. Tais sistemas se apresentam no território usado, sendo sinônimo de espaço geográfico, tendo o conteúdo de cunho técnico e social para apreender as formas espaciais dos objetos e das ações (movimentos/mobilidades) pelo meio técnico-científico-informacional19, por uma configuração territorial racionalizada e normatizada. Os sistemas de objetos compõem os fixos que são territoriais construídos na superfície (prédios, edificações, ruas, casas entre outros) por meio de construções humanas que favorecem o quadro da vida. São também objetos técnicos com sua base material de infra-estrutura como energia (hidrelétrica, indústria petroquímica, etc), transporte (auto-pistas, portos, aeroportos, etc), informação (computador, internet, etc) e comunicação (telecomunicações). Tais objetos técnicos são os fixos/fluxos territoriais que foram construídos por processos históricos contraditórios e intencionais interligando os espaços geográficos locais e distantes pelo movimento (bens materiais e imateriais), característico do período atual da velocidade do capital e da informação, acelerando a fluidez territorial do local para o global e vice-versa. Com eles apreendemos o mundo, segundo Santos (2009), em tempo real pela fusão da ordem temporal com a ordem espacial dos objetos, tendo centralidade nos agentes econômicos e políticos que promovem a competitividade territorial e a guerra dos lugares, pois não são todos os territórios que são dotados de objetos técnicos. Entendemos que para cada fixo muitos outros fluxos foram sendo ativados no território usado desencadeando redes de conexões contínuas e descontinuas. Sendo, assim, fixos e fluxos dão o tom da dinâmica da sociedade em movimento. Dessa forma, o movimento articulado com a noção de mobilidade espacial populacional via desterritorialização e reterritorialização, como vimos no sub-item anterior, nos faz compreender o migrante nikkei no interior paulista pelas redes (técnicas/sociais), em especial no município de 19 O meio técnico-científico-informacional emergiu em meados da década de 1970, tendo centralidade na junção da ciência com a técnica, dando ênfase para a relevância da informação que adquire um papel primordial na lógica de acumulação e reprodução ampliada do capital (SANTOS, 2009). 44 Presidente Prudente/SP. Mas, antes, é necessário compreender os fluxos de Santos associados pelas redes de Raffestin, como um conjunto de nós-linhas- redes do sistema territorial, sendo produto e meio da produção dos atores hegemônicos. Contudo, já numa escala/movimento um pouco mais letárgica temos os atores homogenizados, também, nesse processo. Esses sistemas de tessituras, de nós e de redes organizadas hierarquicamente permitem assegurar o controle sobre aquilo que pode ser distribuído, alocado e/ou possuído. [...] Esses sistemas constituem o invólucro no qual se originam as relações de poder. Tessituras, nós e redes podem ser muito diferentes de uma sociedade para a outra, mas estão sempre presentes (RAFFESTIN, 1993, p. 151). De modo geral, as redes estão baseadas no sistema territorial de Raffestin (1993), tendo centralidades nas linhas que interligam e ativam os nós pelos objetos técnicos, tal sistema territorial perpassa pela superfície (não na sua totalidade). Porém, as redes têm ênfase nas áreas mais dinâmicas da densidade econômica (os espaços luminosos de Santos), favorecendo o transporte e a circulação de materiais (pessoas, bens e serviços), sobretudo, dos atores hegemônicos pelo modo de produção capitalista vigente. Apresento, ainda, mesmo que para uma estratégia de poder territorial (político e econômico) é necessário desenvolver a comunicação e a circulação, ambas pressupõem a existência da rede, buscando a interação espacial para acelerar o movimento do dinheiro e da informação assentada no sistema territorial. Conforme, Santos (2009, p 270), “a existência das redes é inseparável da questão do poder. A divisão territorial do trabalho resultante atribui a alguns atores um papel privilegiado na organização do espaço”. Todavia, a rede está no território sendo a base da fluidez espacial e, sobretudo, essa técnica tem seu acúmulo de conhecimento, convergindo ao conceito difundido de meio técnico-científico-informacional. A idade dos objetos técnicos mostra a sua contribuição para a sociedade do movimento pela sua longevidade, distribuição, funcionamento, controle e regulação. Com isso, temos três momentos da técnica na produção e na vida, a partir de Santos 45 (2009): a) pré-mecânico, estrutura a circulação na rede de pequenas cidades com consumo limitado e poucos itens trocados; b) mecânica intermediário, o consumo se amplia moderado e o Estado controla indiretamente o mercado mundial; e, c) fase atual, predomínio do período técnico-científico-informacional pelas redes técnicas e objetos que conecta a economia mundial. Contudo, ao nosso ver, a evolução espaço-temporal do movimento da técnica demonstra as relações sociais que estruturaram os fluxos pela rede e que dela se sustenta(m) e depende(m), transformando o território pelo modo de produção vigente (tecnificado e normatizado). Eis que para Raffestin (1993), as redes são flexíveis e apoiadas por um substrato da realidade concreta via evolução das técnicas (circulação e comunicação) como ideal de poder em tempo real. A rede aparece, desde então, como fios seguros de uma rede flexível que pode se moldar conforme as situações concretas, por isso mesmo, se deformar para melhor reter. A rede é proteiforme, móvel e inacabada, e é desta falta de acabamento que ela tira sua força no espaço e no tempo: se adapta as variações do espaço e as mudanças que advém do tempo. A rede faz e desfaz as prisões do espaço, tornando território: tanto libera quanto aprisiona. È porque de ela ser o “instrumento” por excelência do poder (RAFFESTIN, 1993, p. 204). Nesse sentido, para Santos (2009), existem duas matrizes de redes: a) as redes técnicas são todas as infraestruturas que permite o transporte de matéria por pontos terminais; b) já a rede social compreende as pessoas, mensagens e valores. Além do mais, a rede é uma mera abstração criada pelo homem estimulando a produção e circulação não sendo uniforme em todos os espaços. E onde as redes existem, elas não são uniformes. Num mesmo subespaço há uma superposição de redes, que inclui redes principais e redes afluentes ou tributárias, constelações de pontos e traçados de linhas. Levando em conta o seu aproveitamento social, registram-se desigualdades no uso e é diverso o papel dos agentes no processo de controle e de regulação do seu funcionamento (SANTOS, p. 2009, 268). 46 Tudo isso pode ser visualizado, pelo período atual da globalização que altera o padrão geográfico favorecendo a circulação de determinados lugares, dando ênfase nos fluxos e na inovação dos produtos. A ciência espacial é valorizada pelas grandes corporações que se organiza(m) em rede para difundir a informação e comunicação dando mobilidade ao capital e suas formas de acumulação. Depois elegem os pontos/nós para a reprodução ampliada do capital gerando a guerra dos lugares. O espaço tecnificado tem no Estado um dos grandes produtores de fixo territoriais para a difusão da rede técnica e social. Logo estimula a velocidade da circulação e informação nos lugares (global/local) pelas verticalidades dos atores hegemônicos. As redes constituem uma realidade nova que, de alguma maneira justifica a expressão verticalidades. Mas além das redes, antes das redes, apesar das redes, depois das redes, com as redes, há o espaço, porque as redes constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns. O território, hoje, pode ser formando de lugares contíguos e de lugares em rede. São, todavia, os mesmos lugares, os mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalizações diferentes, quiças divergentes ou opostas (SANTOS, 2009, pg 16). Portanto, as redes sociais dos migrantes na modernidade criam e recriam novos territórios e estratégias de sobrevivência na escala internacional, se deslocando para o centro sitema-mundo (Estados Unidos – União Europeia – Japão), como nos diria Wallerstein. Pelas redes sociais os sujeitos estabelecem percursos (circulação) e nós (parada estratégica e orientação/informação para um novo destino ou permanência) na busca por proteção/segurança no caso dos refugiados e dos imigrantes “ilegais”. Já os outros trabalhadores procuram lugares para ganhar dinheiro (oportunidades) no mercado de trabalho da sociedade de destino. Tal rede tem como laços/vínculos a solidariedade e a afetividade estando em complementaridade as redes técnicas e seus objetos. Santos (2005), compreende esse movimento migratório de forma geográfica da seguinte forma: 47 O território, como propõem Santos (1999), usado indistintamente por todos os homens, articulado ao movimento da população no espaço internacional, é rico em possibilidades. A rede forma um espaço social onde é tecida uma variabilidade de ações intersubjetivas, com relações de poder, conflito, consenso, força, dissenso e sentimentos de solidariedade e compaixão. Nesse sentido trazem a dimensão do território à rede social implica inserir a política, não só a institucional, mas a que se faz no espaço imediato/cotidiano da migração. Colocar o território no ponto nodal, significa sobretudo reconhecer que o movimento da população é um dos elementos fundamentais da história do território e, ao se territorializar, a migração torna-se uma questão da sociedade e não só dos migrantes em sua invisível rede de solidariedade doméstica (p. 70). Por sua vez, essas redes sócias que são fortemente difundidas nas ciências humanas não incluem em suas análises as redes como técnicas/sociais, nem tão pouco, compreende o território e sua abordagem territorial (TDR). Sua análise de território é reduzida a proximidade/distância, relações de vizinhas, enraizamento, controle e conflito (SANTOS, 2005). Deixando de lado a produção espacial que compõe o lugar e o território no qual estão inseridas as redes migratórias. As redes técnicas e sociais produzem interações espaciais que fomentam a dinâmica do movimento entre territórios, conforme a complexidade e intensidade dos fluxos que se interagem por funcionalidades e assimetrias, a partir de centros urbanos e suas hinterlândias, tendo diferenciações entre as cidades. As interações espaciais constituem um amplo e complexo conjunto de deslocamento de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o espaço geográfico. Podem apresentar maior ou menor intensidade, variar segundo a frequência de ocorrência e, conforme a distância e direção, caracterizar-se por diversos propósitos e se realizar através de diversos meios e velocidades (CORRÊA, 1997, p. 279). Desse modo, as transformações nas interações espaciais se deram pelas mudanças: nas funções urbanas, no processo de urbanização, na melhoria dos transportes (ferroviário, rodoviário e aeroviário), na difusão da comunicação (telégrafo, telefone, satélite e internet) e na microeletrônica (computador e 48 biotecnologia). Para Corrêa (1997), as interações “geram um duplo e complementar processo, o de especialização e o de integração, alterando a natureza, a intensidade e os padrões espaciais de interações”. Essas interações espaciais acontecem na escala da curta e da longa distância(s) entre as cidades20 de magnitude semelhantes, envolvendo um complexo fluxo de mercadorias, pessoas, capital e informação que são resultado do capitalismo moderno na atualidade. Essa noção da mobilidade pelo território-rede-técnica faz sentido com as interações espaciais pela interligação com as relações de produção (produção/circulação) e com outros elementos (habitat, vizinhança) do modo de vida na cotidianidade. Haesbaert (2004) sinteticamente descreveu a rede geográfica como uma dimensão abstrata em movimento no território sempre em conexão, de modo que nos coloca para refletir: Pensando a rede não apenas enquanto mais uma forma (abstrata) de composição do espaço, no sentido de um ‘conjunto de pontos e linhas’, numa perspectiva euclidiana, mas como o componente territorial indispensável que enfatiza a dimensão temporal-móvel do território e que, conjugada com a ‘superfície’ territorial, ressalta seu dinamismo, seu movimento, suas perspectivas de conexão (‘ação à distância, como destaca Machado, 1998) e ‘profundidade’ relativizando a condição estática e dicotômica (em relação ao tempo que muitos concedem ao território enquanto território-zona num sentido mais tradicional) (HAESBAERT, 2004, p. 286-87). Assim, essa tal mobilidade na atualidade tem sua estrutura de noção/conceito na tríade (território, rede e meio técnico científico- informacional) que explica o movimento das pessoas e do capital pelas interações espaciais e pelas diversas escalas geográficas (local/global) no capitalismo contemporâneo. Sendo que as redes técnicas são infra-estruturas que consente a circulação (i)materal pelo transporte e seus veículos (navio, trem, ônibus e avião) balizado por estações e terminais. Já as redes sociais são movimentos de pessoas e informações. Contudo, não existe mobilidade 20 “A rede urbana é uma forma espacial, isto é, uma expressão fenomênica particular de processos sociais que se realizam em um amplo território envolvendo mediações diversas que se verificam nas cidades”. (CORRÊA, 2004, p. 37). 49 populacional sem redes técnicas que são meio/condição de circular e, por conseguinte, na migração ocorre com mais frequência redes de amizades (sociais) pelas informações sobre o novo território/habitat. Ademais, a dinâmica das redes técnicas/sociais estão presentes, também, no estudo da mobilidade do trabalho, como veremos no próximo sub-item. 1.4 Da mobilidade espacial à mobilidade social: o trabalho em questão. O trabalho é uma relação social difundida pela informação e energia (Raffestin, 1993), geradora de valor espaço-temporalmente, por conseguinte, a força de trabalho é demarcada pelo poder, via de regra, estabelece no espaço a separação do trabalho e do não-trabalho: quem são dos donos dos meios de produção (capitalistas) e quem são os vendedores da força de trabalho (operários/trabalhadores). Pelo não-trabalho compreendemos que são os donos do excedente da produção, o contratante da força de trabalho e os detentores da mais-valia. Sendo, assim, toda relação de trabalho21 e o campo de poder envolto nele, tem uma base espacial propagada pelo sistema territorial (tessituras, nós e linhas para Raffestin), expandido pela circulação e comunicação no território favorecendo o desenvolvimento do capitalismo do, mesmo modo, ampliando as desigualdades sociais com a exploração do trabalho. Nesse sentido, a exploração do trabalho no território pode ser analisada pela gênese do capital que tem seu ponto de partida na teoria econômica de Marx. Tal exploração está assentada na mais-valia da seguinte forma: “o dinheiro converteu em capital, o capital em mais-valia transformando-se em 21 Para Santos (1996), “o trabalho é a aplicação, sobre a natureza, da energia do homem, diretamente ou como prolongamento do seu corpo através de dispositivos mecânicos, no propósito de reduzir a sua vida e a do grupo” (p. 119). Dessa forma, o trabalho é nada mais que uma “atividade criadora que permite ao homem existir, criar produtos necessários à produção e reprodução da sua existência e consequentemente criar sua própria organização espacial” (p. 119). 50 capital adicional” (MARX, 1964, p. 11), fechando-se assim, o ciclo vicioso da acumulação do capital primitivo. A essência do capital primitivo está fundamentada na separação entre o produtor e os meios de produção. Em suma, a origem do capital empresarial está fundamentada na exploração do trabalhador a outrem, sob forma de salário. Todavia, “esta dolorosa, esta espantosa expropriação do povo trabalhador, eis as origens do capital, eis a gênese do capital” (MARX, 1964, p. 117). O desenvolvimento do sistema econômico no capitalismo tem seu tripé na produção-circulação-consumo, sendo que mercadorias e pessoas tornam-se móveis, necessitando a submissão do trabalhador a mobilidade do capital a baixos salários, criando o exercito industrial de reserva. É desse exercito e/ou para não fazer parte dele que os trabalhadores se sujeitam a mobilidade (sobrevivência) saindo do lugar de origem e indo para regiões receptoras ao trabalho migrante explorado. Para compreender a mobilidade espacial da força de trabalho via circulação e (re)produção ampliada do capital, Gaudemar (1977) afirma que, a migração não é determinada por ações individuais, mas por um conjunto de fatores que atendem as demandas do capital. Logo, o indivíduo é obrigado a se sujeitar as normas de (i)mobilidade imposta pelo capital, vendendo, assim, o seu único produto é a força de trabalho. Historicamente, a mobilidade da força de trabalho tem suas bases em Marx pela leitura de Gaudemar (1977), que nos apresenta a seguinte contradição entre trabalho livre e mobilidade do trabalho, conforme a citação abaixo, nos instiga a refletir: [...] se afirmou que o capitalismo começava com a exploração da força de trabalho, é necessário acrescentar que ele só poderia nascer uma vez que o trabalhador tivesse adquirido esta mobilidade, não no sentido apologético que a teoria clássica reconheceu, do homem inteiramente livre de seu destino, ator de sua própria história, mas no sentido de contrariedades que lhes são impostas por esta procura de emprego (p. 192). De mane