UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA DEPARTAMENTO DE CIRURGIA E ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA Características seminais de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous, Linnaeus, 1766). JAQUELINE CANDIDO DE CARVALHO BOTUCATU - SP 2019 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA DEPARTAMENTO DE CIRURGIA E ANESTESIOLOGIA VETERINÁRIA Características seminais de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous, Linnaeus, 1766). JAQUELINE CANDIDO DE CARVALHO Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para Exame Geral de Defesa de Mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Animais Selvagens para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Teixeira Coorientador: Prof. Dr. João Carlos Pinheiro Ferreira BOTUCATU - SP 2019 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. TRATAMENTO DA INFORM. DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CÂMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE-CRB 8/5651 Carvalho, Jaqueline Candido de. Caracteristicas seminais de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) / Jaqueline Candido de Carvalho. - Botucatu, 2019 Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia Orientador: Carlos Roberto Teixeira Coorientador: João Carlos Pinheiro Ferreira Capes: 50504002 1. Cães - Reprodução. 2. Reprodução animal. 3. Sêmen - Criopreservação. 4. Ultrassonografia veterinária. 5. Preservação do sêmen. Palavras-chave: Cerdocyon thous; Reproducão animal; Sêmen. ii Nome do Autor: Jaqueline Candido de Carvalho Título: Características seminais de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous, Linnaeus,1766). COMISSÃO EXAMINADORA Prof. Dr. João Carlos Pinheiro Ferreira Membro do Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária FMVZ – UNESP – Botucatu/SP Profa. Dra. Fabiana Ferreira de Souza Membro do Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária FMVZ – UNESP – Botucatu/SP Prof. Dr. Nei Moreira Membro do Departamento de Biociências Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Palotina/PR Data da defesa: 24 de setembro de 2019. iii AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por sempre me guiar, me dando força para nunca desistir do meu sonho, colocando sempre pessoas maravilhosas em meu caminho. Ao meu filho Vinicius que compreendeu a distância e mesmo longe torce por mim. Ao amado companheiro Claudionor que apesar da dificuldade da distância física, dos contratempos enfrentados, decidiu ficar, me apoiar e me amar, sempre expressando seu orgulho e admiração. Aos meus pais Reginaldo e Conceição que sempre me apoiaram e me incentivaram a buscar minha felicidade, sendo um exemplo de perseverança e plasticidade diante da vida. Ao meu irmão Cleverson e sua companheira Tatiane que torcem pelo sucesso de minha empreitada, sabendo que não seria fácil, principalmente financeiramente. Ao meu querido orientador e professor Dr. João que foi um pai, sempre sanando minhas dúvidas dedicando-se com paciência e carinho, aos conhecimentos compartilhados, não teria ninguém melhor para pegar na minha mão e me conduzir tão bem durante estes anos, obrigada por estar aqui sempre que precisei, você foi é e sempre será um mestre, uma figura inspiradora com seu amor à docência transmitido a cada ensinamento, serei sempre uma grande admiradora. Obrigada por me conduzir. Ao amigo e parceiro de trabalho Fernando que sempre esteve ao meu lado durante o experimento a paciência, dedicação e apoio aplicado, tornando o experimento mais leve e divertido, pela grande amizade regada a risadas e sorvete. À Professora Dra. Fabiana, pela atenção e disponibilidade em responder meus questionamentos, pelo aceite em compor a banca, aos conhecimentos acrescentados na qualificação. Espero ainda aprender muito com a Dra. À amiga Laíza pela disposição e carinho em auxiliar sempre que precisei e pelas risadas inconfundíveis. Às amigas Ana Claudia Albuquerque e Luana Shaade pelo auxilio, leitura e sugestões durante a jornada. Ao Professor Dr. Papa por permitir a utilização do seu laboratório para a realização de minhas análises, pela paciência em auxiliar esclarecendo minhas dúvidas e pelo tempo disponibilizado em observar minhas amostras, sempre que necessário. iv Aos colegas Verônica e Lucas por auxiliar nas leituras de microscopia de luz de contraste diferencial (DIC) pelo ao tempo dispendido. Aos colegas que fiz durante este tempo na Universidade pelas palavras de apoio e pelos momentos de descontração. Ao Professor Dr. Nei, pelo aceite em compor a banca, seus conhecimentos serão muito importantes e enriquecedores. A todos os departamentos e funcionários que sempre me acolheram amavelmente. Agradeço principalmente ao Centro de Medicina e Pesquisa em Animais Selvagens, seus residentes e estagiários, pela cortesia, pela disponibilidade para as avaliações ultrassonográficas e pelos animais, e ao Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária pelo acolhimento de todos que fazem parte do quadro de funcionários. Aos animais que contribuíram para que o experimento fosse realizado. “O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código do Financiamento 001”. v LISTA DE FIGURAS CAPÍTULO 2 Figura. 1. Posicionamento do transdutor durante avaliação ultrassonográfica dos testículos de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) ........................................21 Figura. 2. Morfologia espermática de cachorro-do-mato (C. thous) mostrada com microscopia de luz de contraste de interferência diferencial .......................... 26 Figura. 3. Morfologia espermática de cachorro-do-mato (C. thous) observada pelo método de Karras modificado ......................................................................... 27 Figura. 4. Avaliação ultrassonográfica em Modo B, dos testículos de cachorro-do-mato (C. thous) ........................................................................................................ 28 Figura. 5. Avaliação ultrassonográfica da próstata de cachorro-do-mato (C. thous). .... 29 Fig. 1 Avaliação ultrassonográfica testicular de cachorro-do-mato (C. thous), modo Triplex doppler... ............................................................................................ 30 CAPÍLULO 3 Figura. 1. Eixo Hipotálamo-hipófise-gonadal, inibição hormonal diante do estresse. Adaptado de [60].............................................................................................51 vi LISTA DE TABELAS Tabela 1 Valores individuais e médios (EPM) das características seminais de cachorro- do-mato (C. thous)...........................................................................................................24 Tabela 2 Valores médios (EPM) dos defeitos morfológicos espermáticos de cachorro- do-mato (C. thous) avaliados pelo método Karras modificado ou em preparação úmida sob microscopia de luz de contraste de interferência diferencial (DIC)................................................................................................................................25 Tabela 3 Dimensões individuais e médias (EPM) da próstata de cachorro-do-mato (C. thous) mensuradas por ultrassonografia modo B..............................................................29 Tabela 4 Valores médios (EPM) dos índices Dopplerfluxométricos, observados nos testículos de cachorro-do-mato (C. thous)........................................................................29 ANEXOS Tabela 1 Resultados individuais e médios (EPM), das características seminais de cachorro do mato (C. thous), avaliados pelo Computer - Assisted - Sperm Analysis – CASA...............................................................................................................................65 vii SUMÁRIO RESUMO ....................................................................................................................................... 8 ABSTRACT...................................................................................................................................9 CAPÍTULO 1...............................................................................................................................10 CONSIDERAÇÕES INICIAIS....................................................................................................11 CAPÍTULO 2...............................................................................................................................14 TRABALHO CIENTÍFICO.........................................................................................................15 1. Introdução ............................................................................................................................17 2. Material e Métodos ..............................................................................................................18 2.1. Animais .......................................................................................................................18 2.2. Condicionamento dos animais à colheita seminal por manipulação digital do pênis.........................................................................................................................................18 2.3. Análise seminal ...........................................................................................................19 2.4. Morfometria espermática ........................................................................................... 20 2.5. Avaliação ultrassonográfica dos testículos e próstata .................................................20 3. Resultados ........................................................................................................................ ...22 4. Discussão ............................................................................................................................ 30 Referências .................................................................................................................................. 36 CAPÍTULO 3 .............................................................................................................................. 44 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................................... 45 5.1. Cerdocyon thous ......................................................................................................... 45 5.2. Conservação dos canídeos silvestres .......................................................................... 46 5.3. Biotécnicas aplicadas em canídeos selvagens ............................................................ 47 5.4. Colheita de sêmen em canídeos silvestres ................................................................. 48 5.4.1. Sazonalidade .......................................................................................................... 48 5.4.2. Cativeiro, estresse e dominância ............................................................................ 50 5.4.3. Eletroejaculação ..................................................................................................... 52 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 55 ANEXOS ..................................................................................................................................... 64 CARVALHO, J.C. Características seminais de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous, Linnaeus, 1766). Botucatu, 2019. 70p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. RESUMO O cão selvagem Cerdocyon thous, mais conhecido como cachorro-do-mato, estão suscetíveis a problemas como predação, caça e atropelamentos. A colheita e criopreservação do sêmen torna-se uma técnica auxiliar para a conservação ex situ, para tanto, estudos iniciais de caracterização seminal devem ser desenvolvidos. Esta espécie pode servir como modelo para espécies seriamente ameaças. O objetivo do trabalho foi realizar a colheita de sêmen por estimulação digital do pênis após o condicionamento dos animais, relatar as características seminais para a espécie, mensurar volume testicular e dimensões da próstata por ultrassom, além de relatar parâmetros Dopplerfluxométricos. Utilizamos machos adultos, (n=5), com idade média de 3 anos, (variando de 2 a 5 anos), pesando em média (± DP) 7 kg mantidos em cativeiro. O condicionamento teve início em maio de 2018, sendo que foram utilizados 13 ejaculados para as avaliações. Média e desvio padrão foram calculados. Com volume médio de 463,8 ± 164,9 µL e concentração de 393,2 ± 49,5 X 106 espermatozoides/mL, motilidade total 68,0 ± 1,7%, progressiva 48,8 ±1,4% e rápidos 57,2 ± 1,9%. Na avaliação morfológica foi encontrada alta prevalência de defeitos de cabeça (acrossomo, pequena anormal, diadema defect e formas teratológicas). O volume testicular 2,2 cm3 (±0,2) para o testículo esquerdo e 2,1 cm3 (±0,2) testículo direito, próstata com dimensão crâniocaudal e dorsoventral respectivamente, 2,3 cm (±0,2) e 1,5 cm (±0,1cm). Na avaliação ultrassonográfica modo Triplex doppler, a velocidade do pico sistólico (VPS) com maior média na artéria supra testicular e menor na artéria intratesticular. Concluímos que o condicionamento de C. thous à colheita de sêmen por estimulação digital do pênis é possível, o método é eficiente para a espécie, proporciona amostras viáveis, passíveis de avaliação; a técnica da ultrassonografia mostrou-se apropriada para as mensurações testiculares e prostáticas, a técnica ultrassonográfica modo Doppler foi capaz de identificar e mensurar o fluxo sanguíneo das artérias de interesse. Palavras chave: Cerdocyon thous, Reprodução animal, Ultrassonografia, Sêmen, Condicionamento animal. CARVALHO, J.C. Seminal characteristics of crab-eating fox (Cerdocyon thous, Linnaeus, 1766). Botucatu, 2019. 70p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Campus de Botucatu, Universidade Estadual Paulista. ABSTRACT The crab-eating fox Cerdocyon thous, known as the forest fox, is susceptible to problems such as predation, hunting and running over. Semen collection and cryopreservation becomes the main technique used for ex situ conservation. Therefore, initial studies of seminal characterization should be developed. This species can serve as a model for seriously threatening species. The objective of this study was to collect semen by digital penis stimulation after animal conditioning, to report seminal characteristics for the species, measure testicular volume and prostate dimensions by ultrasound, and report Triplex doppler velocometric parameters. We used 5 animals, males, adults, weighing 7 kg on average kept in captivity. The conditioning began in May 2018, 35 ejaculates were obtained, but just 13 were used for the evaluations. The results were expressed as average and standard error. The ejaculates presents 463.8µL ±164.9 of average volume, average concetration of 393.2 ±49.5 x 106 / mL, total motility average, progressive and rapid of 68 ±1.7%; 48.8 ±1.4%; 57.2 ±1.9% respectively. In the morphological evaluations, high prevalence of defects were observed (acrosomal injury, small abnormality and teratological forms). The testicular volume was 2.2 ±0.2 cm3 for the left testis and 2.1 ±0.2 cm3 right testis, prostate with cranio-caudal and dorsoventral dimensions respectively, 2.3 ±0.2 and 2.1 ±0.2cm. At Triplex doppler ultrasound evaluation, systolic peak velocity (SPV) with a higher mean in the supra-testicular artery and lower in the intratesticular artery, both in the right testis. We conclude that conditioning C. thous ands of seed crops by digital penis stimulation is possible, the method is efficient for one species, provides viable, testable samples; An ultrasound technique proved to be adjustable for testicular and prostate measurements, The Triplex doppler ultrasound technique was able to measure the blood flow of the arteries of interest. Keyswords: Cerdocyon thous, Animal reproduction, Ultrasound, Semen, Conditioning animal. CAPÍTULO 1 11 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Pertencente à subfamília Caninae, o Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766), é conhecido popularmente como cachorro-do-mato, lobete, lobinho, graxaim, graxaim do mato, raposinha-do-mato, raposão, guaraxo, guancito, fusquinho e rabo-fofo [1]. O C. thous é considerado um canídeo de porte médio monogâmico, organizado em uma sociedade facultativamente cooperativa, associado a auxiliares, formando um grupo social estendido [2]. Após os filhotes chegarem à idade adulta e se dispersarem do grupo, ainda circulam pelo mesmo território, indicando que o contato com os ancestrais é mantido [2]. Considerada uma espécie endêmica na América do Sul, habita vários biomas e tem facilidade de adaptação. A perda de habitat e a facilidade de obtenção de alimento em áreas urbanas, tem aproximado a espécie das residências e dos animais domésticos, ficando suscetível a problemas como predação, caça, disputas por alimentos com cães domésticos, e suscetibilidade às enfermidades de cães domésticos [1,3]. Além de ser a espécie mamífera mais atropelada no Brasil [4,5], o cachorro-do- mato sofre ainda com a caça na região da caatinga, onde por crendice popular sua gordura é utilizada para o tratamento de prolapso uterino em animais de produção [1,4,6]. Apesar de não estar na lista dos animais ameaçados de extinção [3] o número de indivíduos da espécie vem decrescendo progressivamente em várias áreas do Brasil [5,7], e parece ser apenas uma questão de tempo o declínio da sua população [8], sendo importante o desenvolvimento de medidas de conservação [9]. Desta forma, as biotécnicas reprodutivas são importâtes para o manejo genético de populações selvagens, pois permitem a troca de material genético entre populações de vida livre e de cativeiro aumentando variabilidade genética das populações [8,10,11]. Neste contexto, estabelecer métodos de eficientes de criopreservação do seminal e inseminação artificial é fundamental para a manutenção das espécies [11–13]. No entanto, devido à pouca disponibilidade de informações básicas sobre a anatomia e biologia reprodutiva das espécies selvagens, o uso de biotécnicas de reprodução assistida ainda é complexo [14]. 12 A colheita do sêmen nos animais selvagens exige a utilização de protocolos anestésicos que permitam a manipulação segura do macho durante os procedimentos de eletroejaculação [15]. Um dos obstáculos enfrentados neste método em canídeos, é a contaminação do ejaculado com urina [16] que, por sua característica físico-química, torna o meio inviável para a sobrevivência dos espermatozoides, por danificar irreversivelmente as membranas espermáticas [15,17–19]. Diversas estratégias vêm sendo utilizadas na tentativa de minimizar a contaminação do ejaculado dos animais selvagens por urina. Entre estas, destacam-se a busca por protocolos anestésicos específicos [17], o posicionamento restrito da probe na ampola retal na região dorsal à próstata [20,21], o uso de aparelhos de eletroestimulação capazes de emitir correntes elétricas de estimulação contínua (onda senoidal) ou alternadas (onda quadrática) [22] e o protocolo de eletroestimulação espécie específico [19,23]. Embora existam relatos de sucesso na obtenção de amostras seminais adequadas em algumas espécies selvagens [24], até o presente momento essa não é a realidade de muitos canídeos selvagens, incluindo o cachorro-do-mato. Apesar de existir um relato de colheita seminal com relativo sucesso nessa espécie, as amostras obtidas nesse estudo estavam contaminadas por urina e os escassos espermatozoides obtidos, que se encontravam imóveis, só puderam ser avaliados do ponto de vista morfológico [16], o que nestas condições tem valor questionável. O insucesso dos protocolos utilizados nas tentativas de colheita seminal por eletroejaculação em canídeos selvagens vem estimulando a busca por procedimentos alternativos. Devido à facilidade de manejo e à relativa docilidade desses animais, a colheita seminal por estimulação digital do pênis, tradicionalmente empregada nos canídeos domésticos, vem sendo testada em canídeos silvestres [25,26]. Este procedimento já foi aplicado com sucesso em lobos-guará, que após serem condicionados à contenção física, ejacularam por meio da estimulação digital do pênis [25,26]. Além da colheita e avaliação do sêmen, o estudo ultrassonográfico dos órgãos reprodutivos, podem contribuir para o estudo dos aspectos reprodutivos. Visto que a ultrassonografia é uma ferramenta importante para se estudar a biologia reprodutiva de populações cativas e selvagens [14], que vem sendo usada como método de avaliação dos órgãos genitais como, testículo, glândulas sexuais acessórias, útero e ovários. Essa 13 técnica, além de permitir a caracterização morfológica destes órgãos, também auxilia na detecção de afecções reprodutivas, muitas vezes assintomáticas [14,27]. A correta avaliação ultrassonográfica depende do conhecimento prévio das estruturas do sistema reprodutor [28]. Quando a ultrassonografia Modo B é associada ao Modo doppler colorido e modo pulsado, temos o modo Triplex doppler, que torna possível estudar o aporte sanguíneo dos órgãos, além da caracterização morfológica. Essas duas informações, avaliadas em conjunto, permitem inferências importantes sobre a função dos órgãos estudados [29]. Existem descrições importantes sobre os padrões de fluxo sanguíneo nos testículos de canídeos domésticos, obtidas por ultrassonografia Triplex doppler colorido e pulsado. Esses dados, fornecem informações valiosas para a avaliação andrológica, são desconhecidos nos canídeos selvagens [30,31]. Dada a escassez e importância do conhecimento reprodutivo anatômico e fisiológico do sistema genital masculino de C. thous, este estudo teve como objetivo condicionar os animais à colheita de sêmen por estimulação digital do pênis, estabelecer características seminais e morfológicas espermáticas da espécie, realizar a morfometria testicular e prostática, além de padrões circulatórios dos testículos de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous). O presente trabalho está dividido em três capítulos: o primeiro capítulo são as considerações iniciais, expondo a importância do estudo desenvolvido; o capítulo 2, abriga o trabalho científico encaminhado a publicação e o capítulo 3, aborda a revisão de literatura realizada. CAPÍTULO 2 15 Nas páginas a seguir encontra-se o manuscrito que será submetido à publicação na 1 revista Theriogenology no formato Original “Research Paper”. Após as considerações da 2 banca o artigo será corrigido, finalizado e submetido. 3 As normas da revista encontram-se no link abaixo: 4 https://www.elsevier.com/journals/theriogenology/0093-691X/guide-for-authors 5 6 Caracterização seminal e avaliação reprodutiva ultrassonográfica de cachorro-do-7 mato (Cerdocyon thous) 8 Jaqueline Candido de Carvalho*a, Fernando Evaristo da Silvab, Guilherme Rizzotoc 9 Carmell Rezende Dadaltob, Maria Jaqueline Mamprimb, Fabiana Ferreira de Souzab, 10 Carlos Roberto Teixeiraa, João Carlos Pinheiro Ferreirab. 11 12 aDepartamento de Cirurgia e Anestesiologia, Escola de Medicina Veterinária e Ciência 13 Animal, UNESP - Universidade Estadual Paulista, Botucatu, São Paulo, Brasil. 14 bDepartamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária, Escola de Medicina 15 Veterinária e Ciência Animal UNESP - Universidade Estadual Paulista, Botucatu, São 16 Paulo, Brasil. 17 cDepartment of Production Animal Health, Faculty of Veterinary Medicine, University 18 of Calgary, Calgary, AB, Canadá. 19 20 *Correspondência: Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária, 21 Escola de Medicina Veterinária e Ciência Animal (UNESP) - Universidade Estadual 22 Paulista, Rua Prof. Dr. Walter Maurício Correa, s/n, Botucatu, São Paulo 18681-681, 23 Brasil. Tel: 14 3880- 2121, E-mail: jaque.veterinaria@live.com 24 25 26 27 Resumo 28 29 O cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), é uma espécie suscetível a problemas como 30 predação, caça e atropelamentos, apesar de ser considerado uma espécie de menor 31 preocupação, segundo a International Union for Conservation of Nature (IUNC -redlist). 32 São escassos os dados científicos sobre os parâmetros reprodutivos dessa espécie, são 33 animais que podem servir como modelo experimental para espécies seriamente ameaças, 34 16 visto que grandes dificuldades são encontradas para a colheita seminal em canídeos 35 silvestres. O objetivo do trabalho foi realizar o condicionamento dos animais à colheita 36 de sêmen por estimulação digital do pênis, relatar as características seminais para a 37 espécie, mensurar volume testicular e dimensões da próstata por ultrassom, além de 38 relatar parâmetros Dopplerfluxométricos. Utilizamos machos adultos (n=5), com idade 39 média = 3 anos, (variando de 2 a 5 anos), pesando em média 7kg mantidos em cativeiro. 40 O condicionamento teve início em maio de 2018, sendo que foram utilizados 13 41 ejaculados para as avaliações. Média e desvio padrão foram calculados (± DP). Com 42 volume médio de 393,2 ± 178,0 µL e concentração de 463,8 ± 594,5 X 106 43 espermatozoides/mL, 203.892,5 ± 296.037,2 espermatozoides/ejaculado, motilidade total 44 68,0 ± 6,2%, progressiva 48,8 ±5,2% e rápidos 57,2 ± 6,8%. Na avaliação morfológica 45 foi encontrada alta prevalência de defeitos de cabeça (acrossomo, pequena anormal, 46 diadema defect e formas teratológicas). O volume testicular 2,2 ± 0,7 cm3 para o testículo 47 esquerdo e 2,1 ± 0,7 cm3 testículo direito, próstata com dimensão craniocaudal de 2,3 ± 48 0,4 cm e dorsoventral de 1,5 ± 0,3 cm. Na avaliação ultrassonográfica modo Triplex 49 Doppler velocidade do pico sistólico (VPS) com maior média na artéria supra testicular 50 e menor na artéria intratesticular ambas no testículo direito. Concluímos que o 51 condicionamento de C. thous à colheita de sêmen por estimulação digital do pênis é 52 possível, o método é eficiente para a espécie, proporciona amostras viáveis, passíveis de 53 avaliação; a técnica da ultrassonografia mostrou-se apropriada para as mensurações 54 testiculares e prostáticas, a técnica ultrassonográfica modo Triplex Doppler foi capaz de 55 mensurar o fluxo sanguíneo das artérias de interesse. 56 57 Palavras-chave: 1. Cerdocyon thous, 2. Reprodução animal, 3. Ultrassonografia, 4. 58 Sêmen, 5. Condicionamento animal. 59 60 61 62 63 64 65 66 17 1. Introdução 67 Primeiro canídeo sul americano descrito, o cão selvagem Cerdocyon thous 68 (Linnaeus,1766), mais conhecido como cachorro-do-mato, encontra-se distribuído na 69 maior parte da América do Sul; Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, sudeste da 70 Bolívia, Paraguai, Uruguai, nordeste da Argentina e quase todo o Brasil, com exceção da 71 Amazônia [1]. 72 De hábitos crepusculares e noturnos, os cachorros-do-mato são onívoros, gregários, 73 podendo ser encontrados em pares ou em grupos familiares estendidos; são 74 monogâmicos, com comportamento forrageiro [2]. 75 Apesar da espécie não ser considerada ameaçada de extinção [3], o número de 76 indivíduos vem diminuindo progressivamente, devido à fragmentação do habitat, pressão 77 antrópica, caça e atropelamento nas rodovias [4,5]. Esse cenário vem causando a perda 78 de precioso patrimônio genético [6] e suscita a necessidade de desenvolvimento de 79 estratégias voltadas à conservação à espécie [7]. 80 As biotécnicas reprodutivas são ferramentas importantes para a manutenção da 81 biodiversidade e enriquecimento genético das populações [8]. Contudo, para que sejam 82 implementadas com sucesso é indispensável o conhecimento anatômico e fisiológico da 83 espécie em questão [9], principalmente quando buscamos aplicar biotécnicas voltadas 84 preservação de amostras seminais, sendo nestes casos imprescindível que estás sejam 85 viáveis, para que então possam ser utilizadas nos programas de reprodução assistida [10]. 86 Um obstáculo ao uso das biotécnicas reprodutivas em canídeos selvagens é a 87 contaminação por urina das amostras seminais colhidas por eletroejaculação, o que as 88 torna inviáveis [11,12]. Várias tentativas sem sucesso vêm sendo feitas buscando a 89 adequação da técnica de eletroejaculação aos canídeos selvagens, envolvendo a 90 modificação dos protocolos anestésicos [13], posição do eletrodo na ampola retal, uso de 91 correntes elétricas contínuas ou alternadas e sequências de eletroestimulação [14]. Apesar 92 de existir um relato de colheita seminal por eletroejaculação em cachorro-do-mato, a 93 amostra obtida apresentou-se contaminada por urina, e os espermatozoides presentes 94 apresentavam-se imóveis [12]. 95 Devido ao insucesso da eletroejaculação em canídeos selvagens e a relativa 96 facilidade de manejo e docilidade de algumas espécies, tais como o lobos-guará 97 (Chrysocyon brachyurus) [15,16] e a raposa-do-ártico (Vulpis lagopus) [17], a técnica de 98 colheita seminal por estimulação digital do pênis, empregada no cão doméstico [18], vem 99 18 sendo empregada com sucesso nessas espécies, e portanto, apresenta-se como uma 100 alternativa possível para a colheita seminal no C. thous. 101 A ultrassonografia é uma importante ferramenta para o estudo dos órgãos 102 constituintes do aparelho genital masculino, sendo útil no diagnóstico de alterações 103 anatômica e vasculares [19,20]. Contudo, existem poucos estudos ultrassonográfico do 104 aparelho genital masculino do C. thous, todos limitado a avaliação ultrassonografica 105 modo B 106 O objetivo do presente estudo foi avaliar a possibilidade do condicionamento de 107 machos adultos C. thous à colheita seminal por estimulação digital do pênis e descrever 108 as características seminais, as dimensões e a arquitetura ultrassonográfica testicular e 109 prostática, bem como o padrão de vascularização testicular e do cordão espermático nesta 110 espécie. 111 2. Material e Métodos 112 O estudo foi conduzido de acordo com o Conselho Nacional de Controle e 113 Experimentação Animal, sob o protocolo 0190/2017, aprovado pelo Comitê de Ética na 114 Utilização de Animais e pelo Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade 115 (SISBIO) sob a permissão número: 60086.1. 116 117 2.1.Animais 118 Foram avaliados, durante os meses de julho a agosto de 2019, cinco cachorros-do-119 mato (C. thous) machos adultos, com idade entre 3 e 5 anos, pesando em média 7 kg. Os 120 animais, todos provenientes de vida livre, foram resgatados em situação de risco e 121 chegaram ainda filhotes ou jovens ao Centro de Medicina e Pesquisa em Animais 122 Selvagens (CEMPAS) da FMVZ – Unesp, Botucatu/SP. No CEMPAS os animais vêm 123 sendo mantidos de modo individual ou em duplas, onde mantêm contato com médicos 124 veterinários e tratadores. A alimentação oferecida consistiu em frutas, ração comercial 125 para cães, carne fresca, vísceras e água ad libitum. 126 127 2.2.Condicionamento dos animais à colheita seminal por manipulação digital do pênis 128 O condicionamento à colheita seminal por estimulação digital do pênis teve início 129 no mês de julho (inverno) de 2018 e estendeu-se até junho (inverno) de 2019. 130 19 Todas as atividades de condicionamento ocorreram dentro do recinto onde os 131 animais estavam alocados. Quando alojados em duplas, durante o condicionamento de 132 um indivíduo o outro era mantido em caixas de transporte, permanecendo, contudo, no 133 recinto. 134 Os procedimentos foram realizados diariamente ou a cada dois dias. Inicialmente 135 os animais foram familiarizados com a equipe de trabalho, que era composta por duas 136 pessoas permanentes; o contato inicial foi realizado com a equipe permanecendo fora do 137 recinto para o reconhecimento olfativo. Posteriormente adentrou-se ao recinto, e 138 progressivamente o tempo de permanência foi aumentando. Quando os animais passaram 139 a permitir a aproximação, iniciou-se o condicionamento para o consentimento do contato 140 físico, que se iniciou pela cabeça e progressivamente ser estendeu a outras áreas do corpo, 141 com flanco, pelve e pênis. 142 Uma vez condicionados a permitir o contato peniano, iniciaram-se os 143 procedimentos de colheita seminal, empregando-se a técnica preconizada ao cão 144 doméstico [18], que resumidamente consistia em estimular o pênis até a obtenção da 145 ereção, quando este era retirado do interior do prepúcio, exteriorizando-se o bulbo, que 146 era mantido sob pressão digital constante até que fosse obtida a ejaculação ou se 147 observasse a perda da ereção. 148 149 2.3.Análise seminal 150 O volume do ejaculado foi mensurado com auxílio de um pipetador automático; o 151 aspecto foi determinado visualmente, classificado de aquoso a leitoso, e a coloração 152 registrada como translúcida, opalescente ou esbranquiçada. 153 A concentração espermática foi determinada em câmara de Neubauer sob 154 microscopia de luz (aumento 400 X) após diluição (1:10) com formol salina. Os 155 resultados estão apresentados como o número de espermatozoides/mL. 156 As variáveis da cinética espermática foram avaliadas pelo sistema CASA 157 (Haminton-Thorne Computer-assisted sperm analysis, CASA System, versão 10 Ivos, 158 HTR-IVOS 10 Analyzer, Hamilthon Thorne Research, Bevely, MA, USA). A cinética 159 espermática foi avaliada por seleção automática de campo microscópico na temperatura 160 de 38ºC, em câmara de Markler, utilizando-se o set up para cães domésticos, de acordo 161 com a configuração do Centro de Estudos em Reprodução Animal (CERAN, FMVZ, 162 UNESP, Botucatu, Brasil) que incluiu a captura de imagem a 60 Hz, captura de imagem 163 de 30 quadros/segundo, contraste mínimo das células: 30, tamanho mínimo da célula: 30 164 20 pixels, intensidade celular: 40, VAP cut off: 70,0 µ/s, STR cut off: 80,0%; VAP cut off 165 for slow cells: 30 µ/s), VSL cut off for static cells:20 µ/s), light intensity: 3,600, light/ 166 photometer: 125, vídeo source/dark field: 60 Hz, static intesity pattern, min e max, 167 respectively, 0,48 and 1,45), alogation static pattern, min e max, respectively: 0 e 97 [18]. 168 Foram avaliadas a motilidade total (MT%), motilidade progressiva (MP%), 169 velocidade média do trajeto (VAP µm/s) velocidade retilínea (VSL, µm/s), velocidade 170 curvilínea (VCL - µm/s), amplitude do deslocamento lateral da cabeça (ALH, µm), 171 frequência de batimentos (BCF, Hz), retilinearidade (STR, %) e linearidade (LIN, %). 172 Para avaliação da morfológia dois métodos foram utilizados: preparações secas, 173 esfregaços corados pela técnica de Karras – modificado [21], avaliadas por microscopia 174 de luz, aumento de 1000X; ou preparações úmidas dos espermatozoides diluídos em 175 formol salino tamponado previamente aquecido, depositadas entre lâmina e lamínula e 176 avaliadas sob microscopia de luz de contraste de interferência diferencial (DIC), aumento 177 de 1000x (Eclipse 80i, Nikon) [22]. Independente do método, foram contadas 100 células, 178 que foram classificadas como normais ou portadoras de anormalidades morfológicas 179 maiores ou menores [23]. Os resultados estão expressos na forma de porcentagem. 180 181 2.4. Morfometria espermática 182 A amorfometria espermática foi realizada sob microscopia de luz, aumento de 183 1000X, empregando-se o software LAS EZ (Leica®, Leica Microsystems, Wetzlar, 184 Alemanha). Foram avaliadas 100 células morfologicamente normais de cada indivíduo 185 em esfregaços corados pela técnica de Karras-modificado. Em cada espermatozoide 186 registrou-se: largura da cabeça, comprimento de cabeça, comprimento da peça 187 intermediária, comprimento total da cauda e comprimento total do espermatozoide [24]. 188 189 2.5.Avaliação ultrassonográfica dos testículos e próstata 190 Ultrassonografia modo B 191 Após jejum alimentar e hídrico, respectivamente, de 12 e 6 horas, os animais foram 192 contidos fisicamente, com o auxílio de puçá, e submetido à contenção química com 193 midazolan i.m. (0,5mg/kg - Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos Ltd., São Paulo, 194 Brasil) e ketamina i.m. (10 mg/kg - Syntec, Cotia, São Paulo, Brasil) [25]. 195 A avaliação dos testículos e próstata foi realizada por ultrassonografia Modo B 196 (MyLab Alpha Unit - Esaote Healthcare, Sao Paulo, SP, Brazil) com transdutor linear 197 multifrequencial (4-13 MHz); a cada exame foram avaliados: ecogenicidade, ecotextura 198 21 e volume testicular, em dois planos, longitudinal e transversal; o volume foi calculado 199 utilizando a fórmula: comprimento x largura x espessura x 0,5236 (22). 200 Ultrassonografia Doppler 201 O modo Doppler colorido foi inicialmente realizado para o mapeamento vascular. 202 Posteriormente foi realizado o Doppler espectral, identificando-se a representação das 203 onda do fluxo arterial, e ralizando-se a mensuração em três ondas semelhantes 204 subsequentes com um ângulo de insonação inferior a 60º. 205 O tríplex Doppler forneceu informações qualitativas e semi quantitativas, 206 identificando-se o traçado espectral característico e mensurando a velocidade do pico 207 sistólico (VPS), índice de resistividade (IR) e índice de pulsatilidade (IP). Foram 208 avaliadas as seguintes artérias: supra testicular, localizada no cordão espermático; 209 capsular, próxima à cauda do epidídimo, e intratesticular (Fig.1), de acordo com o 210 proposto por Ortiz-Rodriguez et al. [26]. 211 212 213 214 215 216 217 218 219 220 221 222 223 224 225 Fig. 1. Posicionamento do transdutor durante avaliação ultrassonográfica dos testículos de 226 cachorro-do-mato (C. thous), para avaliação das artérias supra testicular (A), localizada no cordão 227 espermático, capsular (B), próxima à cauda do epidídimo, e intratesticular (C). 228 229 Para a avaliação prostática Modo B, o transdutor foi posicionado de forma 230 longitudinal por via abdominal, sendo movido caudalmente ao colo da bexiga até se obter 231 a imagem completa da próstata; uma vez identificada, foram mensurados seus 232 A B A B C C 22 comprimento e largura. Nos animais em que a próstata estava localizada intrapélvica, 233 impossibilitando a avaliação ultrassonográfica, foi realizada palpação transretal para 234 deslocá-la cranialmente, tornando assim possível sua mensuração. 235 Para todas as variáveis foram calculadas a média, como medida de tendência 236 central, e o desvio padrão, como medida da variabilidade dos dados. 237 3. Resultados 238 Após 30 dias de visitas constantes, com intervalos médios de dois dias, todos os 239 animais permitiram contato físico e a partir de 40 dias três deles começaram a permitir a 240 manipulação peniana. Em 50 dias, 2 animais (A e B), ambos com 3 anos de idades, 241 ejacularam, empregando-se a técnica de colheita de estimulação digital. Os demais, até o 242 presente momento (setembro 2019), permitem a manipulação do pênis, apresentam 243 ereção, mas sem ejaculação. 244 Uma vez iniciada a manipulação peniana os machos apresentaram vocalização e 245 sequencialmente ereção, permissão para exposição do pênis, ingurgitamento do bulbo e 246 reflexos pélvicos de cópula. Posteriormente, os reflexos pélvicos cessavam e os machos 247 levantavam um dos membros posteriores; nesse momento era realizado o movimento de 248 retroflexão do pênis em 180º, que passava a ficar direcionado em direção caudal. De 249 maneira geral, durante todas as etapas da colheita seminal os animais permaneceram 250 dóceis, exceto na fase final, após a retroflexão do pênis, quando o volume ejaculado 251 diminuía, os machos se tornaram agressivos e inquietos. 252 O ejaculado apresentou duas frações: a primeira, eliminada na forma de jato, 253 possuía aspecto translúcido; a segunda, com aspecto leitoso esbranquiçado, foi expelida 254 lentamente, formando gotas na região do óstio uretral externo; o tempo médio de colheita 255 foi de 6 minutos, sendo que após 10 minutos observou-se o término de ereção e regressão 256 do tamanho do bulbo peniano. 257 O volume do ejaculado, concentração espermática, número de espermatozoides por 258 ejaculado, motilidade total e progressiva, bem como o percentual de espermatozoides 259 rápidos estão expressos na Tabela 1, na forma de valores individuais de cada ejaculado, 260 média e desvio padrão. 261 O espermatozoide de C. thous apresentou cabeça ovalada, com o acrossomo 262 ocupando aproximadamente dois terços da área total da cabeça. Os resultados das 263 avaliações da morfologia espermática, realizadas sob microscopia de luz DIC e pela 264 técnica de Karras modificado, estão apresentados na Tabela 2 e ilustrados nas Figs. 2 e 3. 265 23 A média e desvio padrão das medidas espermáticas foram: largura da cabeça: 3,67± 266 0,38 µm, comprimento da cabeça: 5,53 ± 0,47 µm, comprimento do capuchão acrossomal: 267 3,55 ± 0,74 µm, comprimento de peça intermediária: 10,34 ± 2,57 µm, comprimento da 268 cauda: 47,29 ± 3,65 µm, e comprimento total do espermatozoide: 62,45 ± 5,24 µm.269 24 Tabela 1 270 Valores individuais e médios (desvio padrão) das características seminais de cachorro-do-mato (C. thous). 271 Animal Ejaculado Vol Conc NTE MT MP RAP (µL) (x 106/mL) (x 106 espermatozoides) (%) (%) (%) A 1 80 152,20 12.176 67 42 52 2 480 2242,50 1.076.400 69 55 51 3 720 138,70 99.864 80 58 71 4 500 425,00 212.500 73 52 63 5 102 242,00 24.684 70 53 64 6 450 259,00 116.550 57 43 50 Média (DV) 388,7 (249,6) 576,6 (822,5) 275,3 (397,0) 69,3 (7,6) 50,5 (6,5) 58,5 (8,7) B 1 470 421,0 197.870 73 50 62 2 500 88,2 44.100 66 46 54 3 440 210,7 92.708 72 50 61 4 490 1095,0 536.550 67 47 54 5 210 177,0 37.170 68 50 60 6 310 161,0 49.910 64 49 53 7 360 417,0 150.120 58 40 48 Média (DV) 397,1 (108,3) 367,1 (345,5) 158, 22 (373,6) 66,9 (5,0) 47,4 (3,6) 56,0 (5,1) Média Total (DV) 393,2 (178,4) 463,7 (594,4) 217,4 (304,0) 68 (6,2) 48,8 (5,1) 57,2 (6,8) Abreviações: A e B: identificação dos animais; Números ao lado das letras (A e B): número do ejaculado; Vol: volume; Conc: concentração; NTE: 272 espermatozoides por ejaculado; MT: motilidade total; MP: motilidade progressiva; RAP: percentagem de espermatozoides rápidos; DV: desvio padrão. 273 25 Tabela 2 274 Valores médios e desvio padrão dos defeitos morfológicos espermáticos de cachorro-do-275 mato (C. thous) avaliados pelo método Karras modificado ou em preparação úmida sob 276 microscopia de luz de contraste de interferência diferencial (DIC). 277 Morfologia espermática [27] Karras Modificado DIC Normais 2,0 (1,0) 0,0 (0,0) Defeitos maiores 96,8 (3,7) 97,8 (2,6) Acrossomo 13,2 (7,1) 2,3 (1,2) Formato e contorno 0,0 (0,0) 4,8 (3,8) Sub. desenvolvida 0,0 (0,0) 2,9 (2,1) Isolada patológica 4,6 (3,4) 2,3 (1,3) Estreita na base 3,5 (1,9) 1,4 (0,5) Piriforme 1,3 (0,5) 1,0 (0,0) Pequena Anormal 35,6 (11,0) 42 (22,4) Pouch formation 3,0 (1,7) 3,7 (1,2) Diadema defect. 10,8 (7,2) 3,8 (2,0) Knobbed 4,7 (1,7) 5,3 (7,3) Gota citoplasmática proximal 1,6 (1,2) 0,0 (0,0) Formas teratológicas 14,8 (10,1) 38,5 (25,1) Desfibrilação 1,3 (0,5) 1,0 (0,0) Fratura 2,3 (1,7) 2,0 (0,0) Edema 2,3 (1,6) 1,0 (0,0) Pseudogota 2,5 (2,1) 1,0 (0,0) Fortemente dobrada ou enrolada 2,3 (1,4) 1,0 (0,0) Dobrada com gota 3,0 (0,0) 2,5 (0,7) Enrolado na cabeça 3,4 (3,8) 0,0 (0,0) Defeitos menores 3,2 (3,9) 2,1 (2,6) Delgada 2,0 (0,6) 2,3 (1,5) Gigante 1,3 (0,5) 0,0 (0,0) Peq. normal 1,0 (0,0) 5,7 (2,5) Abaxial 1,0 (0,0) 0,0 (0,0) Dobrada ou enrolada 1,0 (0,0) 0,0 (0,0) Gota citoplasmática distal 3,4 (3,7) 3,0 (0,0) Total de defeitos 100,0 (0,0) 99,9 (0,3) 278 26 Fig. 2. Morfologia espermática de cachorro-do-mato (C.thous) avaliada sob microscopia de luz de contraste de interferência diferencial (DIC). (A) espermatozoide normal; (Ba) contorno anormal de cabeça, gota citoplasmática proximal, cauda fortemente dobrada; (Bb) contorno anormal de cabeça (piriforme), edema e aplasia segmentar de peça intermediária; (C) cabeça pequena anormal; (Da) implantação abaxial da cauda e gota citoplasmática distal; (Db) contorno anormal de cabeça, gota citoplasmática distal e cauda fortemente dobrada; (E) fratura de colo; (F) forma teratológica; (G) diadema defect e gota citoplasmática proximal; (H) cabeça delgada; (I) diadema defect.; (J) pouch formation, gota citoplasmática distal, cauda fortemente dobrada. 27 Fig. 3. Morfologia espermática de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) observada pelo método de Karras modificado. (A) espermatozoide normal; (B) contorno anormal e gota citoplasmática distal; (C) pequena anormal; (D) diadema defect; (E) forma teratológica; (F) implantação abaxial e cauda dobrada; (G) cabeça isolada patológica; (H) implantação abaxial; (I) pequena anormal e cauda fortemente enrolada; (J) aplasia segmentar de peça intermediária; (K) forma dupla. Espermatozoides com implantação abaxial de cauda foram frequentemente encontrados, assim como gota citoplasmática distal e anormalidades morfológicas de cauda; contudo, devido ao método de contagem dos defeitos, que sempre priorizava o registro do defeito mais grave de cada espermatozoide, esses achados ficaram subestimados. Na avaliação física, as gônadas, todas localizadas dentro da bolsa escrotal, apresentaram-se simétricas, de consistência fibroelástica, e sem aderências entre elas e a 28 bolsa escrotal. Quando avaliadas por ultrassonografia todas também apresentaram margens regulares, ecotextura homogênea e linha mediastinal hiperecogênica evidente. Os volumes dos testículos direito e esquerdo foram, respectivamente, 2,2 ± 0,7 cm3 e 2,1 ± 0,7 cm3. As imagens ultrassonográficas dos testículos estão apresentadas na Fig. 4. Antes das avaliações ultrassonográficas da próstata, esta foi palpada por via transretal. Essa manobra foi particularmente útil para a sua localização, por acesso ultrassonográfico abdominal, nos casos de pouca repleção vesical. Em todos os animais foi possível a visualização da próstata por abordagem abdominal, na região hipogástrica, caudal à bexiga urinária e ventral ao cólon descendente distal. A glândula apresentou margens regulares, ecotextura homogênea, e aspecto bilobada com a uretra prostática ao centro. As medidas e as imagens prostáticas estão apresentadas, respectivamente, na Tabela 3 e na Fig. 5. Na avaliação Doppler espectral as artérias supra testiculares e capsulares apresentaram fluxo sanguíneo de característica bifásica, com picos sistólicos evidentes, seguidos por diminuição gradual do fluxo diastólico, caracterizando assim baixa resistência vascular. As artérias intratesticulares exibiram tendência a apresentar padrões monofásicos, sem diástole marcada. Os resultados velocimétricos e seus índices estão apresentados na Tabela 4 e ilustrados nas Fig. 6 e 7. Fig. 4. Imagem ultrassonográfica modo B dos testículos de cachorro-do-mato (C. thous). (A) secção transversal dos testículos evidenciando o mediastino como um ponto hiperecogênico central; (B) secção testicular longitudinal, evidenciando mediastino como uma linha hiperecogênica central. Nas duas imagens observa-se o aspecto ultrassonográfico homogêneo do parênquima testicular. 29 Tabela 3 Dimensões individuais e valores médios (desvio padrão) da próstata de cachorro-do-mato (C. thous) mensuradas por ultrassonografia modo B. Animais A B C D E Média (DV) CC (cm) 2,4 1,7 2,3 2,1 2,8 2,3 (0,4) DV (cm) 1,2 1,4 1,4 1,4 2,0 1,5 (0,3) Abreviações: CC: crâniocaudal, DV: dorsoventral. Fig. 5. Imagem ultrassonográfica modo B da próstata de cachorro-do-mato (C. thous). (A) (seta) evidenciando localização da glândula acessória; (B) mensuração da próstata. Tabela 4 Valores médios e desvio padrão dos índices Dopplerfluxométricos de artérias testiculares de cachorro-do-mato (C. thous). Abreviaturas: VPS: velocidade de pico sistólico; IR: índice de resistividade; IP: índice de pulsatilidade. Variáveis Testículo esquerdo Testículo direito VPS (cm/s) IR (cm/s) IP (cm/s) VPS (cm/s) IR (cm/s) IP (cm/s) Artéria supra- testicular 13,70 (4,07) 0,62 (0,05) 1,03 (0,15) 14,08 (4,42) 0,62 (0,02) 1,05 (0,14) Artéria capsular 13,08 (2,22) 0,55 (0,06) 0,88 (0,20) 11,36 (2,59) 0,59 (0,04) 1,05 (0,17) Artéria intratesticular 11,66 (2,48) 0,51 (0,07) 1,00 (0,20) 9,00 (1,53) 0,61 (0,06) 1,06 (0,09) A B 30 Fig. 6. Imagens representativas das avaliações ultrassonográfica testicular de cachorro-do-mato (C. thous), modo Triplex Doppler. (A) Vascularização do cordão espermático, captação de ondas monofásicas características de fluxo venoso; (B) artéria testicular no cordão espermático, com ondas de padrão bifásico de baixa intensidade; (C) artéria capsular, com ondas de padrão bifásico, (D) artéria testicular; (E) artéria intratesticular, com ondas de padrão bifásico. 4. Discussão Este estudo, de modo inédito, descreve a possibilidade do condicionamento de cachorro-do-mato para a colheita seminal por estimulação digital, demonstrando a possibilidade do método ser aplicado com sucesso a indivíduos dessa espécie, assim como já demonstrado em lobos guará [15,16] e em raposas-do-ártico [17]. 31 Contudo, apenas dois cachorros-do-mato apresentaram a sequência completa de reflexos, que culminaram com a ejaculação. Esse resultado pode estar relacionado ao local em que os animais estavam alojados durante o estudo. O CEMPAS, é um centro localizado dentro do Hospital Veterinário da FMVZ/Unesp. O local apresenta grande movimentação de alunos, funcionários e técnicos. Durante os procedimentos de colheita, ficou evidente que barulhos de aparecimento súbito, bem como a movimentação das pessoas interferiram no processo, fazendo com que alguns animais entrassem em estado de alerta e perdessem a ereção. Recomenda-se, portanto, que as tentativas de colheitas sejam feitas em ambientes reservados, isolados e calmos. Outro fator que interferiu no processo de condicionamento, foram as mudanças de recintos a que os animais foram submetidos. que isto acontecia, observa-se que os mesmos se apresentavam mais agitados, alertas e agressivos, provavelmente devido ao processo adaptativo ao novo ambiente. A técnica de colheita utilizada neste estudo resultou na obtenção de amostras seminais contendo espermatozoides móveis, permitindo a realização da avaliação cinética, funcional e morfológica do sêmen. Este é o primeiro relato das características seminais de C. thous, obtidas a partir de ejaculados não contaminados com urina. O método de colheita permitiu a caracterização da sequência da expulsão do ejaculado, que apresentou apenas duas frações: uma de aspecto límpido, eliminada rapidamente, e outra de aspecto leitoso, eliminada lentamente, aspectos semelhantes aos descritos para as duas primeiras frações do ejaculado do cão [28]. Contudo, as frações ejaculatórias diferiram e em número com as observada nos cães domésticos, nos quais o ejaculado é composto por três frações [29,30], e no lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), que apresenta apenas uma fração [16]. Um comportamento importante observado durante as colheitas seminais foi o progressivo aumento da agressividade e das tentativas dos animais de se desvencilharem da contenção, à medida que terminava a eliminação da segunda fração espermática. Esse comportamento pode estar relacionado ao fato do C. thous ser uma presa potencial quando em vida livre. Após o término da segunda fração os machos tentavam evadir antes do desengurgitamento total do bulbo peniano, o que torna o coito mais rápido e pode ser uma importante estratégia de redução de risco de predação. O volume ejaculado C. thous, com média de 393,2 µL, foi próximo ao observado no lobo-guará (0,5 a 1,3 mL), [16] sendo, contudo, inferior ao relatado para o cão doméstico, cujo ejaculado, quando consideradas suas três frações, varia de 1 a 40 mL 32 [28]. Todavia, quando se considera apenas a segunda fração do ejaculado canino, que variar de 0,5 a 1,0 mL [31], o volume obtido no nosso estudo não foi tão discrepante. O volume ejaculado no cão varia em função da idade e do tamanho dos animais [28]. Os achados do presente estudo sinalizam que o menor volume do ejaculado do cachorro-do- mato, pode estar relacionado ao seu menor peso (7 kg), quando comparado aos dos cães (20,6 a 54,1 kg – [20]) e dos lobos guará (25 kg – [16]). O volume ejaculado dos canídeos recebe expressiva contribuição do fluido prostático, que é responsável por cerca de 95% de seu volume total [32], sendo portanto influenciado pelo tamanho e funcionalidade dessa glândula. Cães adultos, pesando acima de 25 kg apresentam próstata com dimensões médias de 3,09 cm por 2,93 cm (comprimento x altura) [33] tamanho este, superior ao observado nos animais do presente estudo (2,3 x 1,5 cm). A diferença de tamanho prostático pode ser uma importante explicação para o baixo volume ejaculado pelo C. thous. O tamanho prostático observado neste estudo foi discretamente maior do que o já descrito para cachorros do mato com idade variando 8 meses a 1 ano [1]. Como o tamanho prostático é influenciado pela idade e maturidade sexual [34], o fato de termos utilizados animais de 3 a 5 anos no nosso estudo pode ser a razão da diferença observada. A motilidade espermática total observada nos ejaculados cachorro-do-mato, apesar do elevado percentual de espermatozoides apresentando alterações morfológicas, foi apenas discretamente menor à observada no lobo-guará (76.1%) [16], raposa-do-ártico (> 70%) [17] e cão doméstico (88 – 96%) [20,35], submetido ao mesmo método de colheita do sêmen. O comprimento e a largura da cabeça dos espermatozoides do C. thous foram similares as descritas para cães domésticos (respectivamente, 5,4 e 3,5 µm) [36] e lobos- vermelho (5,69 e 3,81µm) [37], e menores que as descritas para as capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris; 6,85 e 4,0 µm) [38] e Great anteater (Myrmecophaga tridactyla; 9,2; 5,1 µm) [24]. A concentração espermática, o número total de espermatozoides no ejaculado e o tamanho testicular do cachorro-do-mato foram, respectivamente, de aproximadamente 32%, 21,89% e 18% dos observados em cão doméstico pesando 33-42 kg [35]. Considerando que o volume testicular está diretamente relacionado com o número de espermatozoides no ejaculado, uma vez que o tamanho do testículo reflete o volume ocupado pelo componente responsável pela espermatogênese, os túbulos seminíferos [40, 41], essa comparação sugere que a técnica empregada neste estudo para a colheita do 33 sêmen do cachorro-do-mato foi adequada para a obtenção de um ejaculado representativo da espécie. Considerando ainda o número total de espermatozoides por ejaculado obtidos neste estudo e o observado em ejaculados de cachorro-do-mato ao lobo-guará [16], a produção espermática do cachorro-do-mato foi muito superior, visto que o lobo guará tem volume testicular cerca de 6 vezes maior e ejacula apenas cerca de 52% do número de espermatozoides presentes no ejaculado do cachorro-do-mato. O alto percentual de defeitos espermáticos encontrados em nosso estudo também foi descrito em outras espécies selvagens, como coiotes (Canis latrans) [40], cão- selvagem-africano (Lycaon pictus) [41], lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) [16], lobo- vermelho (Canis rufus) [42], tamaduá (Myrmecophaga tridactyla) [24,43] e onça pintada (Panthera onca) [44]. Essa ocorrência pode ser influenciada por fatores, tais com a sazonalidade reprodutiva observada em carneiros [45], pôneis [46] e lobos-guará [16]; distúrbios hormonais, afecções testiculares e alterações senis [47], longos intervalos entres as cópula/ejaculações [48]. Como os animais no presente estudo apresentaram excelente libido, eram jovens e saudáveis, e não apresentavam sinais clínicos de afecções reprodutivas, é pouco provável que as anormalidades morfológicas encontrados fossem em decorrência desses motivos. Em relação a sazonalidade, não existe consenso na literatura sobre a sazonalidade reprodutiva do cachorro-do-mato, contudo, as colheitas seminais foram realizadas nos meses de julho e agosto de 2019, época considerada como favorável a reprodução desses animais [2,49] e, portanto, se houve efeito sazonal, esse foi positivo. Outra possibilidade para a presença de elevado número de formas anormais nos ejaculados é baixa variabilidade genética das populações [48,50–52], posto que a espermatogênese anormal é também associada a genes específicos, podendo ser portanto de origem hereditária [53–55]. O fato dos animais estudados serem oriundos da mesma região sugere que essa é uma possibilidade que não pode ser descartada. Defeitos de cabeça como: diadema defect e pounch formation, constantemente presentes no ejaculados deste estudo, que estão associadas à falha na condensação da cromatina [53–55] e indicam que houve dano ao material genético [56], são considerados defeitos primários [57] não compensatórios [53–55]. Esses defeitos podem ser consequência de insultos, como o estresse térmico, que quando mantidos de modo permanente, podem agravar ainda mais o quadro [55]. Não foram observados defeitos espermáticos exclusivos, e sim uma variedade de alterações concomitantemente, sugerindo que estes pode estar relacionados à fatores 34 ambientais [27]. Fatores ambientais como as condições inadequadas de cativeiro,que resultem em estresse constante [58] e/ou deficiência nutricional [59] podem ser responsáveis por importantes alterações reprodutivas que interferem diretamente na eficiência reprodutiva das espécies [60,61]. As dietas oferecidas aos animais silvestres em cativeiro são muitas vezes formuladas a partir das oferecidas aos animais de produção, e muitas vezes não atendem exigências nutricionais espécie-específica [62]. A suplementação vitamínica e mineral para animais cativos tem sido implementada com sucesso, proporcionando melhora da qualidade seminal em onça-pintada (Panthera onca), reduzindo o percentual de defeitos primários [59]. Estudo andrológicos em tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), demonstraram que animais de vida livre apresentam maior porcentagem de formas espermáticas normais [24], quando comparados a animais cativos [43], sinalizam para a importância da influencia do cativeiro na qualidade seminal. A implantação abaxial de cauda, que foi um achado comum no cachorro-do-mato, apresentou-se com aspectos semelhantes ao descrito em equinos, ou seja, sem a presença de cauda acessória ou fossa de implantação secundária [63]. A implantação abaxial de cauda também foi relatada em tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) como um achado constante nas amostras seminais em animais de vida livre [24] e em cativeiro [43]. A avaliação ultrassonográfica modo B do parênquima testicular do C. thous revelou que este apresenta aspecto semelhante ao dos outros mamíferos, como cães [35], bovinos [19,75] e gatos [76], apresentando ecogenicidade homogênea, modificada apenas pela presença da linha mediastinal hiperecóica. Apesar da ultrassonografia testicular apresenta-se como um importante método auxiliar nas avaliações andrológicas dos animais [56,57,60], ela não pode ser parâmetro isolado para seleção reprodutiva, pois cães com padrão ecográfico modo B sem alterações podem ser inférteis [79]. Contudo, no presente estudo esta avaliação foi importante para certificar que os animais estudados não apresentavam alterações morfológica importantes nos órgãos reprodutivos. Por meio da avaliação Doppler colorido foi possível determinar o aspecto tortuoso da artéria supra testicular, já descrito em garanhões e cães [26,80]. As velocidades de pico sistólico foram maiores nas artérias supra testiculares e menores nas capsulares, semelhante ao descritos em cães domésticos [80]. Dessa forma os valores encontrados servirão de parâmetros de normalidade na avaliação do VPS em C. thous e mais estudos serão necessários para identificar se a infertilidade dessa espécie, causa 35 redução do VPS das artérias supra testiculares e capsular assim como em caninos domésticos. Quanto ao IR e IP na artéria supra testicular, os valores encontrados foram superiores quando comparados a literatura consultada para cães com peso entre 10 e 13kg [35]. Mas esses índices não diferiam em animais férteis ou inférteis em estudos pretéritos, pois pode haver redução do fluxo sanguíneo sem alteração da resistência do leito vascular [20]. Estes dados podem auxiliar na avaliação reprodutiva de forma não invasiva. Assim como, os índices de velocidade do pico sistólico e de resistividade, são considerados parâmetros importantes para se inferir a fertilidade em homens [81]. Os resultados deste estudo indicam que os valores dos índices obtidos estão dentro do esperado, pois o pico da velocidade sistólica na artéria supra testicular foi superior as demais artérias avaliadas, um achado comum em cães domésticos, e os valores obtidos para o peso do C. thous e volume testicular parecem próximos aos observados em cães, onde animais com maior peso e volume testicular apresentam índices menores, quando comparados aos cães menores com menor volume testicular [35]. Este estudo demonstrou a possibilidade de condicionamento de machos C. thous cativos para a colheita seminal pela técnica de estimulação digital, e permitiu a obtenção de ejaculados livres da contaminação por urina, permitindo assim a determinação das características seminais dessa espécie. A avaliação ultrassonográfica modo B permitiu a mensuração de testículos e próstata e forneceu informações relacionada aos padrões ultrassonográficos destes órgãos. A avaliação Doppler permitiu a caracterização dos padrões de fluxo sanguíneo dos testículos, dados estes que poderão servir de parâmetros para futuras avalições andrológicas e desenvolvimento de biotécnicas reprodutivas nesta espécie. 36 Referências [1] Berta A. Cerdocyon thous. Am Soc Mammal 1982;71:3–6. doi:10.1644/870.1.Key. [2] Brady CA. Reproduction, growth and parental care in Crab‐eating foxes. Int Zoo Yearb 1978;18:130–4. doi:10.1111/j.1748-1090.1978.tb00243.x. [3] Courtenay O, Maffei L. Crab-eating Fox (Cerdocyon thous). 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Os representantes atuais da família Canidae são tradicionalmente agrupados em três subfamílias: a) subfamília Caninae, com os gêneros Canis, Alopex, Vulpes, Fennecus, Urocyon, Nyctereutes, Dusicyon, Cerdocyon, Atelocynus e Chrysocyon; b) subfamília Simocyoninae, com os gêneros Speothos, Cuon e Lycaon; e c) subfamília Otocyoninae, com o gênero Otocyon [34]. O C. thous, conhecido popularmente como cachorro-do-mato, foi o primeiro canídeo sul americano descrito na literatura, com ampla distribuição geográfica no continente e que possui facilidade em se adaptar a condições climáticas extremas [1,35]. São animais de porte médio, pesando de 4 a 7 Kg, de hábitos crepusculares e noturnos não apresentam dimorfismo sexual, organizado em sociedade monogâmicas, sendo aparentemente tolerante a perturbações antrópicas, porém não à urbanização [1,35]. Apesar de classificado pela International Union for Conservation of Nature (IUCN) em situação menos preocupante, least concern (LC) [36], apresenta declínio de sua população, fato este provavelmente associado a com sua intensa interação antrópica que resulta em altos índices de atropelamento e abate por caça [4,37]. Por serem animais onívoros e oportunistas, seu hábito alimentar lhe confere grande importância ecológica, influenciando diretamente na dinâmica do ecossistema como dispersor de sementes [35], de Eugenia umbeliflora que ingeridas por cachorro-do-mato germinam mais rápido [38], espécie de planta muito utilizada como anti-hipertensivo e antirreumático na cultura popular [39]. O cahorro-do-mato é ainda um predador que tem papel importante como regulador populacional de pequenos roedores [38]. 46 O cachorro-do-mato é monogâmico [35], atinge a maturidade sexual por volta de um ano de idade, e os acasalamentos ocorrem nos meses de agosto e setembro, com gestação durando por volta de 59 dias, com uma ninhada que pode variar de 2 a 5 filhotes [40]. 5.2.Conservação dos canídeos silvestres O Brasil é um dos países mais ricos em biodiversidade tanto em sua fauna quanto em flora. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2019) há o registro de 114.848 espécies, com 8.964 vertebrados, sendo 720 mamíferos. Contudo, 1.173 estão ameaçadas de extinção, os mamíferos contam com um total de 110 espécies incluídas nesta lista. Sendo assim, o MMA (2018) criou a estratégia nacional para conservação de espécies ameaçadas de extinção pela Portaria nº 444, busca desta forma, colocar todas as espécies ameaçadas de extinção sob alguma medida de conservação até 2022. Criando o Programa Nacional de Conservação das Espécies Ameaçadas de Extinção (Pró-Espécies). As pesquisas direcionadas para a manutenção de carnívoros selvagens teve início há muitas décadas, porém somente algumas espécies de canídeos estão incluídas em programas de reintrodução e reprodução em cativeiro, já que possuem status de maior preocupação diante dos levantamentos [41]. A ação antrópica nociva na natureza como o aquecimento global, fragmentação das florestas, degradação dos ambientes naturais, levando ao processo de extinção de muitas espécies [42], consequentemente a perda de indivíduos, reduz a variabilidade genética das populações [6,42–45], aumentando assim a possibilidade desta população presentar uma alta incidência de alelos deletérios devido à endogamia destas populações reduzidas [44]. A International Union for Conservation of Nature (IUCN) reconheceu o papel fundamental que a reprodução em cativeiro pode desempenhar para a conservação, propõe que vertebrados com menos de 1000 indivíduos na natureza devem ser considerados para programas de reprodução em cativeiro [46]. O objetivo é preservar, nos próximos 200 anos, pelo menos 90% da variabilidade genética existente na população de origem. 47 Atualmente no Brasil apenas um canídeo brasileiro, o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), é considerado quase ameaçado, near threatened (NT), segundo a (IUCN), que em sua última atualização em 2015, refere que existem 17.000 indivíduos adultos na natureza [47]. Aqueles indivíduos que conseguem permanecer nestas áreas degradadas muitas vezes sofrem com a alteração da sincronicidade reprodutiva, podem ainda, vir à óbito decorrente da caça ou atropelamentos [5,37,48–50]. Desta forma, podemos selecionar indivíduos e utilizar gametas de vários animais para o incremento genético nestas populações [51] evitando assim, a perda da variabilidade gênica[52]. Realizando a manutenção e preservação genética das espécies, é possível colher amostras de germoplasma de duas formas: ex situ, quando mantemos estes indivíduos fora do seu ambiente natural; ou in situ, quando são mantidos em seu habitat. Em biotecnologias do sêmen existem duas possibilidades de manutenção da genética: in vivo, já utilizando em programas de inseminação artificial ou transferência de embrião; e in vitro, reservando este material, com a formação de bancos de germoplasma [52,53] facilitando sua aplicabilidade e aproveitando ao máximo a genética do indivíduo. Com diversos relatos na literatura sobre a elevada incidência de defeitos espermáticos, que são associados à homozigose das espécies selvagens [42,54–56], que pode ainda ser responsável por redução na adaptabilidade, crescimento e desenvolvimento [52], o investimento em biotecnologias reprodutivas podem auxiliar estas populações. 5.3.Biotecnologia do sêmen em canídeos selvagens O uso de biotecnologias reprodutivas aparece então como uma oportunidade de introduzir novos espécimes em um grupo, aumentar a variabilidade genética das populações remanescentes, além de formar uma reserva biológica capaz de reintroduzir futuramente espécies que estejam extintas in situ [22,52,57–60]. A formação de bancos de germoplasma é uma estratégia importante para a manutenção da diversidade genética, que poderá ser utilizada na reprodução destes indivíduos ameaçados. Há ainda a possibilidade de uma reserva biológica que supera a capacidade de mantenedores como os zoológicos[15,61,62]. 48 As biotecnologias utilizadas em espécies silvestres geralmente são extrapoladas de espécies domésticas, porém essas técnicas de reprodução assistida não são necessariamente eficientes para as espécies selvagens, uma vez que, não são animais domesticados, sendo mais sensíveis às interações, que causam estresse e consequentemente, pode gerar alterações, hormonais, do comportamento reprodutivo e da fisiologia reprodutiva [63]. Além disso, os mecanismos reprodutivos entre grupos de animais são altamente variados, podem ser distintos até mesmo entre os indivíduos da mesma espécie [49]. Contudo, ainda é necessário desenvolver técnicas eficientes para a colheita de sêmen em várias espécies selvagens, devido às diferenças espécie-específicas, que tornam a reprodução e a colheita de sêmen ainda mais difícil [64]. 5.4.Colheita do sêmen em canídeos silvestres Existem vários fatores que podem interferir na reprodução dos animais selvagens, fatores intrínsecos como dominância e sazonalidade; e extrínsecos como a oferta de alimento, organização social, fragmentação de florestas, proximidade com humanos [65,66], densidade populacional, condição corporal, área disponível para forrageiro e a proporção macho : fêmea [67]. 5.4.1. Sazonalidade em canídeos silvestres A variação da claridade entre dias mais curtos e dias mais longos, é captada por células fotorreceptoras da retina, recebida nos núcleos supra quiasmáticos, localizados no hipotálamo e por vias eferentes neurais e humorais transmitem as informações, fazendo com que a produção de melatonina ocorra [68]. A melatonina é um hormônio secretado pela glândula pineal, responsável por sinalizar ao organismo quando a noite chega. Em circunstâncias normais, suas concentrações plasmáticas são maiores durante o inverno (noites longas) [68]. Esta variação é uma sinalização transitória que organiza as funções dependentes da duração do dia, definindo estações ao longo do ano, que são importantes para a adaptação dos organismos como comportamento, reprodução e troca da pelagem em algumas espécies [67,69]. 49 Os ritmos biológicos reprodutivos podem ser alterados para a adaptação de uma espécie, e ser ajustáveis para os indivíduos, diante de pressões ambientais. Portanto, exige um planejamento experimental, para que a coleta de dados e análise dos mesmos sejam fidedignos à dinâmica destes organismos, visto que a variabilidade, é natural aos sistemas vivos [67]. Nascimentos geralmente ocorrem em estações que proporcionem melhores condições para a sobrevivência da prole nas espécies selvagens, sendo assim, geralmente apresentam um período reprodutivo determinado. Contudo, a sazonalidade reprodutiva em cativeiro pode ser alterada dificultando a implementação de programas de reprodução assistida [70]. O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) apresenta uma sazonalidade bem marcada no hemisfério sul, com melhor qualidade espermática nos meses de março a julho [26]. Já no hemisfério norte, esta mesma espécie, apresenta um período reprodutivo que vai de outubro a janeiro [71], evidenciando a influência direta das regiões na sazonalidade reprodutiva destes animais. Em lobo-guará, utilizando a técnica de estimulação digital do pênis a porcentagem de espermatozoides apresentando defeitos dentro da estação reprodutiva foi de 50,1%, fora da estação de 65,7% [26], comprovando > % de defeitos, mesmo com o uso da técnica de colheita por estimulação digital do pênis, que possibilita a obtenção de um ejaculado livre da contaminação por urina. A raposa-vermelha (Vulpes vulpes) apresenta uma atividade testicular bem definida, com maior atividade entre os meses de fevereiro a março no hemisfério norte [70]. Já a raposa-do-ártico (Alopex lagopus l.) a estação reprodutiva se estende até o mês de abril [72]. Diferentemente da espécies citadas anteriormente, em cativeiro, as fêmeas de cachorro-vinagre (Speothos venaticus) podem ser ocasionalmente poliéstricas, com atividade reprodutiva ao longo do ano no hemisfério Norte [73]. Estudos descrevem épocas distintas de atividade reprodutiva para o C. thous, na Amazônia observou-se apenas um estro por ano em animais de vida livre, com início dos nascimentos de agosto a setembro [2]. No Sul do país, em um fragmento da Mata 50 Atlântica, no Parque Estadual de Itapuã, animais de vida livre, produzem uma prole por ano com nascimentos nos meses de outubro a dezembro [45]. Na Virginia, Estados Unidos, os nascimentos ocorreram ao longo do ano, sem sazonalidade marcada [73]. No mesmo parque outro estudo realizado descreve dois partos por ano [40], o que sugere ausência de sazonalidade da espécie. Apesar das variações indicarem ausência de sazonalidade, os estes relatos podem representar uma resposta a interferências; do cativeiro, disponibilidade de alimento, e pressão ambiental [74]. 5.4.2. Cativeiro, estresse e dominância em canídeos selvagens O cativeiro deve proporcionar uma dieta similar aquela ingerida em vida livre, considerando a época do ano e fase da vida, tendo em mente que animais cativos gastam menos energia que animais de vida livre [75]. Cuidados devem ser tomados evitando o sobrepeso e a desnutrição, pois são fatores que levam à redução da concentração [76] e da motilidade espermática total [77]. Diante da mudança de habitat, novos estímulos são apresentados ao indivíduo, gerando estresse, e apesar da resposta ao estressor ser individuo dependente, estas interferências geram algum nível de estresse [78]. O estresse pode ser classificado de duas formas: eustresse, quando ocorre aumento dos níveis de glicocorticoide por um período curto, apenas para gerar uma resposta imediata (luta ou fuga), ou distresse, quando o agente estressor permanece, mantendo altos níveis de glicocorticoides por longos períodos, gerando danos fisiológicos ao indivíduo [79] (Figura 1) e podem ser responsáveis por alterações na saúde e bem-estar, frequentemente relacionados à situação de estresse crônico [78]. 51 Figura 1. Eixo Hipotálamo-hipófise-gonadal, inibição hormonal diante do estresse. Adaptado de [79]. A dominância é estressante, está associada à organização social de algumas espécies de canídeos, onde disputas estabelecem a dominância no grupo. O início da estação reprodutiva também pode sinalizar o início das disputas pela dominância do grupo, onde há presença de comportamentos mais agressivos; onde o vencedor terá melhores possibilidades de gerar descendentes [80]. O estresse gerado pelas disputas territoriais e reprodutivas, causa o aumento dos níveis de glicocorticoide circulante [63,65]. Este aumento em níveis constantemente elevados podem causar supressão hormonal [63], inibindo a produção dos andrógenos testiculares [81], reduzindo os níveis de testosterona (Figura 1) [82]. Interessantemente, em lobo-cinzento (Canis lupus) e cachorro-selvagem-africano (Lycaon pictus), machos alfa mesmo com elevados níveis de glicocorticoides circulantes, mantem os maiores níveis de testosterona quando comparados aos subordinados, não 52 houve supressão reprodutiva [63,65], o que desperta a necessidades de mais estudos para o correto entendimento do mecanismo fisiológico reprodutivo nos canídeos [83]. Aumento dos níveis de testosterona associados a altos níveis de glicocorticoides durante a estação reprodutiva foram descritos em cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) [17], lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), [26]. Estudos afirmam que a supressão reprodutiva ocorra a nível cognitivo e não hormonal [80]. Altos níveis de glicocorticoides presentes nos animais que vivem em sociedade hierárquica é considerado “estresse social”, e um custo da dominância, não uma consequência de subordinação. Sociedades com organizações similares podem não apresentar o mesmo comportamento [63], em cativeiro este comportamento pode ser agravado, gerando até mesmo auto mutilação [75], mas é tido como necessário para a adaptação [79]. O enriquecimento ambiental surge como uma ferramenta, que visa aproximar as características do cativeiro com o habitat natural de cada animal, tornando o ambiente atrativo e diversificado, evitando a ociosidade e, consequentemente, o estresse [54], Proporcionando assim melhores taxas reprodutivas em animais cativos [84]. 5.4.3. Eletroejaculação em canídeos selvagens A técnica de eleição para a colheita de sêmen em animais selvagens é a eletroejaculação, baseada na estimulação elétrica da glândula acessória, de forma controlada sob o reflexo ejaculatório, por meio de uma sonda composta por eletrodos, que devem ser posicionados no assoalho pélvico sob a próstata, os eletrodos emitem estímulos elétricos de forma a estimular a rede nervosa que supre os órgãos reprodutivos, causando a contração da glândula acessória e dos ductos deferentes, fazendo com que a ejaculação ocorra [85]. O correto posicionamento da probe na ampola retal, deve ser exatamente sob a próstata para que a estimulação elétrica aja apenas na glândula prostática, evitando estimular a musculatura da vesícula urinária, que causaria contração e expulsão do 53 conteúdo, o esvaziamento prévio da vesícula urinária também é indicada por autores, seja por cateterismo ou cistocentese [20,21]. Contudo, para a aplicação do método é necessário um protocolo anestésico eficiente, efetivo e seguro para todo o procedimento [22,86]. Muitos protocolos já foram testados para a colheita de sêmen em cachorro-do-mato, sem sucesso. como tiletamina e zolazepam, cetamina e xilazina, cetamina, xilazina e atropina, cetamina e midazolam, e cetamina e acepromazina [17]. Outra preocupação é com o protocolo de eletroestimulação a ser utilizado, diversos protocolos são citados [85], o mais utilizado em carnívoros selvagens consiste em uma série de 80 estímulos divididos em 3 séries: 30 (série 1:10 estimulações 2, 3 e 4V), 30 (série 2:10 estimulações 3, 4 e 5V) e 20 (série 3:10 estimulações 4 e 5V), o estimulo é gerado em cerca de 1 segundo, da voltagem 0 até a desejada, durando por 2 a 3 s na voltagem desejada e regressando diretamente para a voltagem 0 por 3 s, é preciso um descanso de 10 min entre as séries [87], pode ocorrer o aquecimento da mucosa, por isso os estímulos não devem ser contínuos [88]. Ainda há a necessidade de adequação do protocolo a cada espécie e necessária, já que cada um tem sua peculiaridade. Apesar do sucesso obtido através da eletroejaculação em várias espécies animais, como jaguatiricas [21,89,90], onça-pintada [18], pumas [91], chitas [92], lince-ibérico [59], bicho-preguiça [93], onça-parda [94], gato-do-mato- pequeno [95,96] e tamanduá [97], esses esforços vêm sendo infrutíferos nos canídeos silvestres, existindo grande dificuldade na recuperação de espermatozoides viáveis com concentrações mínimas necessárias para que possam ser utilizados em técnicas de reprodução assistida [20,87]. Há dificuldade em colher amostras livres de urina em canídeos selvagens, o que está diretamente associada à técnica de eleição e a necessidade de um protocolo anestésico que não proporcione o relaxamento das estruturas do sistema urinário, que pode inviabilizar a utilização das amostras [15,19,22,98]. 54 Alternativas como a sondagem e esvaziamento da bexiga, por cateterismo vesical, com posterior lavagem da vesícula urinária, é sugerida por autores, porém sem sucesso para obter amostras viáveis, que possam ser utilizadas em biotecnologias reprodutivas em cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) [16]. A contaminação do ejaculado com urina, gera danos aos espermatozoides, alterando a permeabilidade da membrana plasmática, levando à morte [98]. Sendo assim, alternativas que visam reduzir este fator vem sendo testadas por procedimentos como o esvaziamento prévio da vesícula urinária ao condicionamento dos animais a colheita por estimulação digital do pênis, que foi realizado com sucesso em lobo-guará [25,26,99]. Diante das dificuldades associadas a técnica da eletroejaculação alguns experimentos já utilizaram o método de estimulação digital em canídeos silvestres como uma estratégia alternativa, já foi aplicada a espécies de canídeos selvagens com sucesso, após o condicionamento prévio dos animais [26,100]. Em lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) há uma diferença sazonal na qualidade do ejaculado colhido por estimulação digital, porém mesmo fora da estação reprodutiva a porcentagem de espermatozoides vivos foi de 62% de espermatozoides e na estação reprodutiva de 88%, apresentando ótimos resultados [26]. 55 R