RESIDÊNCIA TERAPÊUTICA PROPOSTA DE UMA ARQUITETURA ACOLHEDORA Trabalho Final de Graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Departamento de Planejamento, Urbanismo e Ambiente – Faculdade de Ciências e Tecnologia, (FCT) da Universidade Estadual Paulista, (UNESP). Orientação de Kátia Maria Roberto de Oliveira Kodama e coorientação de Aline Alves Anhesim. PRESIDENTE PRUDENTE 2018 AGRADECIMENTO Aos meus Pais, Hélio Carlos de Souza Ramalho e Vanda Urder Ramalho e irmã Bruna Ramalho, pela dedicação incondicional mesmo com todas as dificuldades e pelos incentivos por mais essa conqunta. A minha companheira Paula de Azevedo, por está presente e me ajudar nas dificuldades de cada etapa. Agradeço também a meus amigos Lucas Barbosa e Pedro Morgado, pelos momentos descontraídos e aleatórios. A todos meus professores que contribuíram para esse aprendizado, em especial à Kátia Kodama e a Aline Anhesin, por todo o suporte e paciência ao longo deste trabalho. “O que melhora o atendimento é o contato afeitvo de uma pessoa com outra. O que cura é a falta de preconceito” Nise da Silveita Resumo O presente trabalho aborda questões relacionadas à humanização dos estabelecimentos destinados ao tratamento de portadores de síndromes psíquicas e emocionais, atentando-se para o modelo de Serviço Residencial Terapêutico (SRT). Coube ao projeto discutir a importância da arquitetura em tais espaços, a fim de propor uma Residência Terapêutica em Presidente Prudente. Assim, esse texto, apresenta uma análise histórica dos ambientes utilizados como instituições de tratamento dessas síndromes psíquicas e emocionais, desde os espaços que os antigos Gregos destinavam para esses tratamentos aos espaços atuais. Demonstra o quão recente é a preocupação com o bem-estar e convívio dos pacientes. Através do estudo das normas estabelecido pelo Ministério da Saúde em conjunto à leitura de bibliografia específica, além de análise de projetos da área da saúde, foi possível a elaboração de diretrizes projetuais e um projeto arquitetônico que indicam a concepção de um edifício que compreenda questões relacionadas à funcionalidade do lar e da residência, relacionada no mesmo ambiente com a assistência médica necessária, em um espaço aliado à ambientes mais favoráveis ao paciente em tratamento. O local de implantação na cidade de Presidente Prudente também foi obtido através de pesquisas e levantamentos. Palavras Chave: residência terapêutica, arquitetura hospitalar, saúde mental Sumário Apresentação ............................................................................................................. 7 1.1. Antiguidade: Grécia antiga e império Romano .......................................... 20 1.2. Idade Média .................................................................................................. 26 1.3. Renascimento .............................................................................................. 29 1.4. O Século XVII e a Institucionalização ......................................................... 31 1.5. A modernidade da Psiquiatria e a falsa-libertação .................................... 34 CAPÍTULO 2 - OS ESPAÇOS DA LOUCURA NO BRASIL ...................................... 38 2.1. Hospício Pedro II .......................................................................................... 40 2.2. Hospital de Barbacena – Minas Gerais ....................................................... 43 CAPÍTULO 3 – REFORMA PSÍQUIATRA BRASILEIRA ........................................... 51 3.1. História da reforma psíquiatra brasileira ......................................................... 51 3.2. Nise da Silveira ............................................................................................ 53 3.3. Núcleo de Assistência Psicossocial (CAPS) .............................................. 55 3.4. Serviço residencial terapêutico (SRT) ........................................................ 58 CAPÍTULO 4 - CONCEITOS PARA O AMBIENTE DE SAÚDE PSÍQUICA. ............. 65 4.1. O habitar e a casa ........................................................................................ 66 4.2. O ambiente para a saúde e o bem-estar ..................................................... 67 4.3. Terapia ocupacional e saúde psíquica ....................................................... 72 4.3.1. Arte terapia .............................................................................................. 73 4.3.2. Horto terapia. ........................................................................................... 75 4.3.3. Terapia Assistida por Animais (TAA) ....................................................... 76 CAPÍTULO 5 – REFERÊNCIA PROJETUAIS ........................................................... 80 5.1. Centro comunitário de Reabilitação Belmont ............................................ 80 5.2. Residência e Centro de dia para Problemas Psiquiátricos ....................... 82 5.3. Conclusão referências projetuais ............................................................... 85 CAPÍTULO 6 – A CIDADE DE ESTUDO .................................................................. 86 6.1. Presidente Prudente ...................................................................................... 88 6.2 A saúde mental em Presidente Prudente .................................................... 90 6.2.1. Residências Terapêuticas na cidade de Presidente Prudente. ................ 93 CAPÍTULO 7 – O TERRENO ................................................................................. 101 7.1. A escolha do terreno. ............................................................................... 108 7.2 Insolação e ventilação ................................................................................ 111 CAPÍTULO 8 – ESTUDOS DE PRÉ-PROJETO ..................................................... 113 8.1. Partido Arquitetônico ................................................................................ 116 8.2. Programa de necessidades ....................................................................... 119 8.3. Fluxograma................................................................................................. 122 8.4. Plano de massas ........................................................................................ 123 8.5. Implantação ................................................................................................. 127 8.6. Material Costrutivo ..................................................................................... 129 CAPÍTULO 9 – O PROJETO .................................................................................. 133 10. CONCLUSÃO ................................................................................................... 137 Bibliografia ............................................................................................................. 151 Apresentação A reforma psiquiátrica Brasileira defende e promove os avanços nos direitos dos portadores de sofrimento psíquico, desconstruindo o método de tratamento que isolava o portador do convívio social e o preconceito que cercam o transtorno, através de alternativas que insere essa população na vida urbana garantindo o conceito de liberdade, além do direito de receber cuidados e tratamentos, Nesse sentido, a arquitetura é agente importante na melhoria da qualidade dos espaços, promovendo novos locais de vivencia e integração mais humanizados que substitua progressivamente os hospitais psiquiátricos, de modo a contribuir com o tratamento e qualidade de vida dos pacientes, além de combater o preconceito e as diferenças. Assim como os espaços psiquiátricos, antes da reforma, representaram o estigma e a intolerância, a nomenclatura utilizada para categorizar o portador de sofrimento psíquico pode levar a uma série de preconceitos ou até representar uma caracterização errada da patologia. No texto será utilizado o termo “louco” no que refere as compreensões históricas do período que vai desde a Grécia antiga, idade média até a reforma psiquiátrica, a fim de mostrar o peso que se remete a palavra. Na atualidade, o texto passa a denominar os loucos como portadores de síndrome psicológica, ou portadores de sofrimento psíquico com o propósito de reduzir a etimologia e o preconceito. Com o objetivo de compreender a evolução dos lugares destinados à síndrome psíquica, esse texto irá abordar a sua trajetória e a percepção de como esses espaços foram concebidos desde a Grécia Antiga até os dias atuais, enfocando principalmente nos períodos onde ocorreram mudanças significativas na 8 forma de se perceber e atuar perante a loucura e em como a sociedade se relacionou com essas patologias. Na idade média a loucura era considerada uma dualidade. Para alguns, era uma forma de possessão demoníaca sendo que a “cura” só poderia ser alcançada através do exorcismo. Para outros, foi considerada uma forma de visão divina, mas ainda sendo excluída dos convívios sociais. No Renascimento surgiu entre os séculos XV e XVI a nau dos loucos, onde os loucos eram embarcados em navegações e expulsos de sua cidade, um símbolo de que a loucura não pertence a lugar nenhum, e está destinada ao naufrago. Assim Foucalt descreve a nau dos loucos como: [...] a navegação entrega o homem a incerteza da sorte: nela, cada um é confiado a seu próprio destino, todo embarque é, potencialmente, o último. É para o outro mundo que parte o louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca. Esta navegação do louco é simultaneamente a divisão rigorosa e a Passagem absoluta. (FOUCALT, 1972, p. 16) A partir do século XVII foi estabelecida uma relação entre a loucura e a internação, criando assim a institucionalização da saúde psíquica. Esse espaço nada tinha de assistência médica, mas sim de isolar o louco, pois ele perturba a ordem do espaço social. Um espaço para se vigiar e punir todos aqueles que incomodam. (FOUCALT,1972). De acordo com Goffman (1999), os sanatórios se enquadram em instituições totais: Toda instituição conquista parte do tempo e do interesse de seus participantes e lhes dá algo de um mundo; em resumo, toda instituição tem ·tendências de "fechamento". [...] Nas instituições totais, existe urna divisão básica entre um grande grupo controlado, que podemos denominar o grupo dos internados, e urna pequena equipe de supervisão. Geralmente, os internados vivem na instituição 9 e tem contato restrito com o mundo existente fora de suas paredes. (GOFFMAN, 1999, p. 16 – 18). No Brasil a primeira instituição psiquiátrica data no ano de 1841, denominada de Hospício Colônia Pedro II, onde abrigou os considerados loucos e aqueles que incomodavam o império. De acordo com relatos de Rey (1875) o hospício possuía um tratamento desumano a base de contenção e repressão. Os meios de repressão autorizados pelo regulamento incluem: a privação de visitas, de passeios e de outros tipos de recreação. Às vezes, a redução dos alimentos, numa proporção prescrita pelo médico, uma estadia na cela-forte e as duchas. A camisa de força é o único meio de contenção que vimos. Ela é utilizada da mesma forma que nos nossos asilos. (REY, 1875, p. 402). Assim, a institucionalização foi o modelo mais utilizado de espaço para a loucura durante todo o período histórico até as reformas psiquiátricas, porém algumas instituições ainda adota o modelo até os dias atuais. No fim da década de 70, muitos movimentos ligados à saúde denunciaram abusos cometidos em instituições psiquiátricas por motivo da precarização das condições de trabalho e procedimentos terapêuticos, bem como o reflexo do caráter autoritário do governo no interior de tais instituições. Essa repressão e autoritarismo chegou a casos estremos no Brasil, como no hospício colônia de Barbacena em Minas Gerais. Nesse hospício foi registrado mais de 60 mil mortes em ocorrências de tratamentos desumanos, sendo que 70% dos internados não tinham nenhum transtorno mental, de acordo com ARBEX (2013). 10 A partir daí, surgiram movimentos de trabalhadores de saúde psíquica, que colocaram em evidência a necessidade de uma reforma psiquiátrica no Brasil, criando a partir de lutas políticas, melhores condições trabalhistas e a necessidade de tirar o tratamento da saúde psíquica das instituições como os manicômios. Assim, novas alternativas mais humanizadas foram criadas, dentre elas os programas de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e as Serviços de Residências Terapêuticas (SRT). As residências terapêuticas são um modelo alternativo de moradia para a inserção de portadores de síndromes psíquicas na comunidade, através de um processo histórico de desinstitucionalização. O programa é voltado para aqueles portadores que estão a muito tempo internados em hospitais psiquiátrico e que não tem suporte familiar e social, garantindo uma maior autonomia para questões básicas do dia-a-dia e inserindo-os no meio social. Esse modelo de atendimento tem crescido muito no Brasil desde a sua implantação. Sua principal característica normativa é estar localizado dentro do perímetro urbano, muitas vezes em residências já existentes que são adaptadas para receber os portadores. A cidade de Presidente Prudente possui atualmente seis residências terapêuticas em atividade, totalizando em média 60 pacientes. Porém esse número não supre a demanda, já que em 2015 o Hospital psiquiátrico São João foi desativado por motivos administrativos, e seus pacientes foram transferidos de maneira provisória para o hospital Bezerra de Benezes. Como a tendência é a progressiva desativação dos hospitais, a demanda em Presidente Prudente tende a aumentar. Ainda, segundo a assessoria técnica de gabinete de Saúde Mental da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, Rosângela Elias, considera que as residências terapêuticas sejam o atendimento mais adequado para eles. ROBERTO (2015). 11 Justificativa Até o ano de 2015 a saúde psiquiátrica na cidade de Presidente Prudente estava restrita a hospitais privados credenciados pelo SUS, possuindo três unidades que existiam desde os anos 50: o Hospital Psiquiátrico São João, o Hospital Alan Kardeck e o Hospital Bezerra de Menezes. Através de decisão do Ministério da Saúde os repasses de convênios para manter os leitos foram diminuídos, além da portaria Lei 10.2161, de 2001, que estimula a diminuição do número de hospitais psiquiátricos, fazendo com que os Hospitais São João e Alan Kardeck encerrassem suas atividades. Essas instituições juntamente com clinicas públicas e particulares atendiam uma média de 100 internações. FONSECA (2016), ROBERTO (2015). As instituições, acima mencionadas, da cidade foram fechadas sem que houvesse um planejamento adequado para promover o atendimento a grande demanda de portadores de síndromes psíquicas, possuindo apenas atendimentos em dois CAPS voltados para o às pessoas com transtornos, e seis Residências Terapêuticas que atendem em médias 60 pessoas, além de contar com o ambulatório do hospital universitário e o hospital psiquiátrico Bezerra de Menezes. A partir dos levantamentos realizados, este Trabalho Final de Graduação (TFG), irá apresentar como proposta um projeto de residência terapêutica para a 1 LEI N 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001: Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra. Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo. 12 cidade de Presidente Prudente, a fim de direcionar diretrizes para a realizações de novas unidades de Residências Terapêuticos (SRT). Ainda, como forma de integração desses portadores de síndromes psíquicas será sugerido também um espaço para a produção e geração de lucro com o propósito de relacionar o trabalho como medida terapêutica e auxiliar nos custos da residência, bem propiciar autonomia para seus residentes. Assim o projeto irá avaliar o modelo atual vigente de SRTs, onde o portador de síndromes psíquicas é que se adapta aos espaços presentes na moradia. Nesse sentido, o projeto pretende propor uma arquitetura que se molda às necessidades do portador, ampliando a caracterização de espaço residencial. A reinserção dos usuários no convívio social através das moradias SRTs, possuem um grande desafio, ou seja, o de possibilitar um sentido de pertencimento ao local e cotidiano da vida urbana para os portadores de síndrome psíquica que há muito tempo foram isoladas em hospitais psiquiátricos. Ainda, o que se tem observado é que em sua maioria as residências terapêuticas são implantadas fora do perímetro central urbano e possuem restritos acessos ao convivo social. Segundo goffman (1999) o momento em que é libertado da instituição pode gerar conflitos nos pacientes. Evidentemente, independentes do modelo de serviço, existem boas razões para que um paciente tenha receio quanto à alta no hospital. Por exemplo, já sofreu o estigma de ser um doente mental e, com esse status reduzido, tem prospectos ainda mais reduzidos fora do hospital; além disso, no momento em que está preparado para receber alta, tende a ter aprendido a manejar “os fios” do hospital e a 13 ter conquistado uma posição desejável no “sistema de enfermarias”. (GOFFMAN,1999, p 306 – 307) Portanto, esse trabalho visa propor um espaço arquitetônico que promova a inserção social e também reintrodução dos portadores de síndromes psíquicas em uma rotina e costumes domésticos básicos como: a ida ao mercado, preparo da alimentação, higienização, em fim uma rotina de cotidiano, visto que essas pessoas estão acostumadas a vida hospitalar onde as atividades são restritas e acompanhadas por enfermeiros. O projeto também pretende criar um local que garanta a geração de renda através das oficinas terapêutica, principalmente de atividades artesanais e permacultura. Propondo assim um espaço que integre os moradores na vida residencial e urbana além de contar com o suporte médico necessário. 14 15 Metodologia Para a realização do Trabalho final de graduação, fez-se um levantamento Bibliográfico, para situar os aspectos históricos dos espaços destinados ao tratamento dos portadores de síndrome psíquica e de como essas pessoas foram tratadas desde a antiguidade até os dias atuais, a partir de diversas publicações, teses e livros. Os autores que responderam aos propósitos principais deste texto foram: Foucault (1972), Miquelin (1992), Rosen (1980). Para compreender a situação atual do tratamento psiquiátrico em Presidente Prudente foram realizadas pesquisas em publicações disponibilizadas pelo Ministério da Saúde além de reportagens de jornais. A partir dos levantamentos teóricos, percebeu-se a necessidade de compreender a rotina dos espaços da Rede de atenção psicossocial de Presidente Prudente. Nesse sentido foi realizado uma pesquisa de campo e feito visitas ao Centro de atenção psicossocial Maracanã (CAPS II) e na Residência Terapêutica localizada no bairro Residencial Universitário. Esses procedimentos apontam e identificam a necessidade de reformulação dos espaços destinados ao atendimento dos portadores síndromes psíquicas em residências terapêuticas. Após esses procedimentos de reconhecimentos e entendimentos do objeto estudado e proposto, foi necessário compreender as normas estabelecidas pela Portaria nº- 106/GM/MS, BRASIL (2002) para a implantação de uma Residência Terapêutica. De acordo com as normativas, foi necessário localizar um bairro onde possuísse ambulatórios, um centro de atenção psicossocial, e um local de comercio básicos, ou seja, delimitar a implantação do projeto, o que foi feito a partir de pesquisar em representação dos mapas urbanos de Presidente Prudente, através de 16 imagens do satélite do Google Earth Maps e de arquivos em Autocad fornecido pelo departamento de Planejamento da Prefeitura Municipal da Cidade. Por fim buscou-se exemplos, através de referências projetais de residências terapêuticas, possibilitando a indicação de diretrizes que embasarão o projeto arquitetônico em fontes bibliográficas e em projetos disponibilizados pelas redes temáticas. Ainda, como forma de organização das estruturas cognitivas deste trabalho, foi utilizada a criação de mapas conceituais ou mapas mentais. Os Mapas Conceituais são representações visuais que utilizam diferentes diagramas para organizar e ordenar o conhecimento, foi desenvolvido na década de 70 pelo pesquisador norte-americano Joseph Novak que se baseou na teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel. A aprendizagem significativa se dá quando uma nova informação adquire significado para o aprendiz através de uma espécie de retenção de aspectos relevantes na estrutura cognitiva preexistente do indivíduo gerando uma interação entre o novo conhecimento e o já existente, na qual ambos se modificam. (CAVELLUCCI, 2009) Os mapas mentais se constituem em diagramas propostos pelo psicólogo inglês Tony Buzan, são destinados a gestão de informações e de conhecimento. São destinados a compreensão e solução de problemas, memorização e aprendizado. Os mapas mentais procuram representar visualmente ideias e conceitos, traçar os relacionamentos de causa, efeito, para que se possa planejar ações e estratégias para alcançar objetivos específicos. (CAVELLUCCI, 2009). Esse procedimento metodológico possibilitou a gestão e planejamento do que será proposto neste texto, a baixo é apresentado o percurso do diagrama que sintetiza a estruturação deste TFG. (Figura 1) https://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Novak https://pt.wikipedia.org/wiki/Aprendizagem_significativa https://pt.wikipedia.org/wiki/David_Ausubel https://pt.wikipedia.org/wiki/Aprendizagem https://pt.wikipedia.org/wiki/Ancoragem https://pt.wikipedia.org/wiki/Estrutura_cognitiva https://pt.wikipedia.org/wiki/Tony_Buzan https://pt.wikipedia.org/wiki/Gest%C3%A3o_da_informa%C3%A7%C3%A3o https://pt.wikipedia.org/wiki/Gest%C3%A3o_do_conhecimento https://pt.wikipedia.org/wiki/Problema https://pt.wikipedia.org/wiki/Mem%C3%B3ria https://pt.wikipedia.org/wiki/Aprendizado 17 Figura 1 – mapa mental do desenvolvimento do projeto : Fonte: Elaborado pelo autor. 18 19 20 CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA DA LOUCURA E SEUS ESPAÇOS 1.1. Antiguidade: Grécia antiga e império Romano Na Grécia Antiga, até aproximadamente 600 a.C., através de Homero e Hesíodo2 que registraram boa parte da mitologia grega, as crenças eram baseadas em seres e forças sobrenaturais que serviam de base narrativa para responder diversas questões como: suas origens, fenômenos, doenças e destinos. Assim a loucura foi interpretada como expressão e produto de uma intervenção divina, através do delírio que alguns privilegiados podiam ter acesso a verdades divinas, mas apesar do seu discurso, os desprovidos de razão precisavam ser mantidos numa distância, separando o sagrado das experiências terrenas. O autor Peter Pál Pelbart (1989), inicia seu livro “Da Clausura do Fora ao Fora da Clausura” com o mito de Ajax3, um herói de muitas vitórias. De acordo com a lenda, após a morte de Aquiles4, Ajax e Ulisses5 disputaram a armadura do herói morto. Com a ajuda da deusa Atena6, o conselho resolveu dar a armadura para Ulisses, fato que encheu Ajax de raiva e decepção fazendo com que ficasse atormentado, e procurou enfrentar Ulisses e seus soldados, porem por um acesso de loucura confundiu um rebanho de ovelhas com soldados do inimigo, matando 2 Homéro e Hesíodo: Ambos poetas gregos, responsáveis por relatos históricos da antiguidade, suas principais obras respectivamente são: Ilíada e Os Trabalhos e os dias. 3 Ajax: Personagem da mitologia grega, referido como o Grande, o mais valente de todos os guerreiros, descrito na obra Ilíada de Homero. 4 Aquiles: na mitologia grega, foi um grande herói, principal personagem da obra Ilíada de Homero. 5 Ulisses: Personagem de Ilíada e da odisseia de Homero, na mitologia grega foi um dos maiores guerreiros. 6 Atenas: na mitologia grega foi a deusa da civilização, da sabedoria, das artes, da justiça e da estratégia em batalhas. 21 todas elas. Ulisses ao saber os feitos de Ajax, temeu a sua loucura e pela primeira vez não ousou enfrentar um inimigo que o afronte. O Mito de Ajax, demostra a intensidade de pavor, medo e a assombrosa visão da Loucura, além de ilustrar que as questões humanas eram respondidas de acordo com a interpretação místico- religiosa. Com o surgimento da filosofia entre os gregos no século VII a.C., a compreensão do mundo passa a ser questionada de modo racional. O autor PELBART (1989), descreve que Platão classifica a loucura em dois grandes gêneros: a primeira como Loucura Humana, produzida através de doenças pelo desequilíbrio do copo. A segunda por aspectos místicos que se baseavam nas antigas crenças e associavam o portador da loucura como um dom divino. A loucura passa a ser considerada como uma relação entre a desrazão e a representação divina compreendida por poucos. Essa loucura entre os gregos poderia ser combatida através de rituais por meio de purificação do mal ou de incômodos sucessivos, que teria o poder de limpar e eliminar as impurezas causadas pela loucura. Uma das magias se denominava de ritual Coribante7, que consistia em purificar o louco possuído pelo Daemon8, por meio de uma dança acompanhada de uma música. Tal ritual provocava algum tipo de relação psicológica em pessoas com diagnostico de loucura, causando uma reconciliação do sujeito com a divindade que o atormenta. Uma vez identificado o deus causador do mal, o ritual também poderia passar por sacrifícios de animais, a fim de realimenta a divindade. PELBART (1989). 7 Coribantes: divindades da mitologia grega, na qual em seu nome se realizavam cultos dionisíaco no século V. aC. 8 Daemon: palavra de origem grega na antiguidade, que representa a divindade como elemento natural. 22 Nesse período, segundo MIQUELIN (1992) havia na Grécia Antiga três tipos de edifícios voltados para a saúde: o público, privado e religioso. Sendo este último voltado para a assistência ao louco, e, específico ao culto do deus 9. Sua arquitetura era formada por um pátio estruturado por pórticos ornamentados que abrigava a estátua do deus, esse espaço foi denominado de templo. A implantação do templo (Figura 2) de acordo com KOCH (2012) era localizada fora da cidade e próximo à água corrente para auxiliar no tratamento, pois acreditava que a água poderia purificar a alma. A busca da cura também poderia ser determinada pela interpretação dos sonhos dos pacientes, esse tratamento era feito pelos sacerdotes, Um dos templos de culto a deusa Askepieia, foi o de Corinto datado a partir de 300 a.C, descrito por KOCH (2012), que possui a área sagrada delimitada pelo nivelamento da colina, próximo a nascente de água, implantado ao lado da Lerna, um complexo multifuncional utilizado para tomar banho e passear, contribuindo para o tratamento dos doentes. 9 Asklepieia: deus da cura e da medicina na mitologia grega. 23 Figura 2: Askepieion de Corinto no período helenístico, Fonte: MELFI 2007, p. 295, apud KOCH, 2012, p. 46. Os romanos, em suas conquistas, sofreram grande influência grega em sua cultura, inclusive no culto a deusa Asklepieia. Os templos romanos seguiram os moldes da arquitetura dos templos gregos, porém, apresentaram um grande aprimoramento nas instalações físicas e dos sistemas de abastecimentos de água e de esgoto sanitário. O edifício hospitalar romano teve mais expressão na arquitetura das Termas (Figura 3), que consistia em um conjunto de banhos de diferentes 24 temperaturas, sauna, salas de repouso, e piscinas descobertas, as aguas teriam uma função terapêutica MIQUELIN (1992). Figura 3: termas de Badenweiler, aprox 70 d.C. fonte: Atlas d architecture mondiale, apud Mequelin 1992, p. 32. Os construtores romanos, de acordo com MIQUELIN (1992), edificaram as termas geralmente no lado sul ou sudoeste dos balneários para explorar o calor natural do sol. Em estruturas mais antigas, o calor era obtido com braseiros simples. Com o tempo, se tornou comum os romanos utilizarem um sistema de aquecimento por circulação de ar quente em baixo do piso e através das paredes, pois as fontes naturais poderiam auxiliar na terapia. Após o colapso do Império Romano e a formação do Império Bizantino, tiveram ascensão os conceitos budistas, cristãos e mulçumanos, essa valorização dos pensamentos religiosos refletiram nos edifícios. O espaço voltado aos doentes mentais nesse período está mais presente no modelo hospitalar islâmico, cuja 25 construção previa a separação dos pacientes segundo as patologias, áreas para atendimentos e consultas externas. Assim reservavam uma área para acolher os enfermos “agitados” ou “melancólicos”, como no edifício Bimaristam. (Figura 4). MIQUELIN (1992). Figura 4: Planta baixa e fachada do hospital Bimaristan, Altura 662 Pixels. Largura 577 Pixels. 72 dpi, 32 Bit CMYK. 360 kb. Formato JPG - Fonte: Arch net, disponível em: . Acesso Jul. 2017. 26 1.2. Idade Média Na Idade média, sob a influência do cristianismo acreditava-se que o mundo era um todo organizado de acordo com os desígnios de Deus. A loucura nesse período era vista como uma ambiguidade, para alguns a relacionavam com a demonologia cristã através de seus dogmas vinculavam os loucos ao pecado e à culpa e os condenados por faltas morais, associado às possessões e práticas de bruxaria. Em casos breves, a loucura foi vista como uma representação da pureza e da ingenuidade, sendo os loucos isolados a uma distância considerável da sociedade, e recebiam caridades por aqueles que tinham um grande poder aquisitivo. ROSEN (1980). Segundo os preceitos cristãos descritos por LE GOFF (1983/1984). Os Loucos eram classificados como: os mais furiosos e frenéticos que ainda tinham a chance de se tratar em hospitais especializados; os melancólicos que eram relacionados com humores malignos e que necessitava de um padre afim de orientar o caminho de Deus; e os possessos que somente o exorcismo poderia libertar. A cura da loucura nesses tempos era feita através de cerimônias religiosas em que se expeliam os demônios ou espíritos doentios das pessoas possuídas. Segundo a Igreja Católica, o ritual de cura se define pela ação de expulsar espíritos malignos de indivíduos, locais e objetos subjugados por estas entidades. Esses possessos eram submetidos a um ritual praticado por alguém com autoridade para tal fim, como os padres. O processo de expulsão podia incluir orações e juramentos. Segundo PESSOTTI (1994), a publicação mais relevante é de 1576 com o título compendio dell’ Arte Essorcistica, et Possibilitada dele mirabili et Stupende 27 Operazioni Deli Demonio, (Figura 5) escrito por Menghius em 1576, a obra consistia em identificar tipos e graus de possessão e aplicar orações para a cura. Figura 5: Livro Compendio Dellarte essorcistica. , Altura 588 Pixels. Largura 475 Pixels. 150 dpi, 24 Bit CMYK. 905 kb. Formato JPEG - Fonte: CSUN oviatt Library, Disponível em: Acesso Jul. 2017. Os edifícios hospitalares na idade média mantiveram a singularidade utilizada no império Bizantino e Islamismo, com uma tipologia composta por pavilhões muito similares, a qual os espaços funcionavam como uma instituição assistencialista onde se misturavam doentes, loucos, devassos e diversos outros excluídos da sociedade. Embora, a inserção dos conhecimentos empíricos na atuação dos estabelecimentos http://library.csun.edu/SCA/Peek-in-the-Stacks/Demons 28 e o avanço dos procedimentos farmacêuticos e cirúrgicos foram significantes e influenciaram até os dias atuais. MIQUELIN (1992). O hospital geral de Hôtel-Dieu (Figura 5) construído entre os séculos VII e XVII, localizado em Paris foi um dos primeiros hospitais na idade média feito para abrigar todas as patologias. Sua planta era composta por naves10, divididas em salas amplas com apenas duas janelas para os trancafiados serem observados, e quartos pequenos onde os loucos eram mantidos amarrados nas camas como forma de custódia. ROSEN (1980). Figura 6: mapa da área do Hôtel-die de Paris, meados do século XVI, Fonte: VIECELI, 2014, p 39 10 Nave: na arquitetura, se refere a uma tipologia de espaço fechado, muito utilizado na arquitetura de espaços religiosos da antiguidade e era medieval. 29 1.3. Renascimento No período do Renascimento o mundo assistiu a profundas transformações no campo da política, da economia, das artes e da ciência. Inspirada nos antigos valores greco-romanos retomados pelos artistas que vivenciaram a decadência de um paradigma e o nascimento de um universo totalmente diferente. Este movimento representou, portanto, uma profunda ruptura com um modo de vida mergulhado nas sombras do fanatismo religioso, para então despertar em uma esfera materialista e antropocêntrica. Agora o centro de tudo se deslocava do Divino para o Humano, daí a vertente renascentista conhecida como Humanismo. A loucura na renascença passa a dominar todas as fraquezas humanas sendo considerada uma representação que vai contra os preceitos racionais do período. Sendo assim, os lugares deveriam estar limpos e para isso seria necessário excluir aqueles que não participam do mercado de trabalho, tais como: mendigos, velhos, prostitutas, leprosos, sifilíticos e loucos. Foi instalado um verdadeiro ‘’ projeto de limpeza’’ das cidades. A ‘’Nau dos loucos’’ foi à embarcação que levavam essas pessoas rejeitadas pela sociedade para serem deportadas para fora das cidades. FOUCAULT (1972). Os loucos, segundo FOUCAULT (1972) eram colocados em barcos e navios e carregados para cidades longe das suas terras. A terra do louco representa o não lugar, pois se encontra distante de todos e não pertencente a nenhum. Dessa forma, a água simboliza esta territorialidade com a qual a loucura será presenteada pelo ocidente. http://www.infoescola.com/literatura/humanismo/ 30 Figura 7: Pintura a nau dos insensatos - Hieronymus Bosch, 1492 , Altura 599 Pixels. Largura 309 Pixels. 600 dpi, 24 Bit CMYK. 72,6 kb. Formato JPEG - Fonte: scuola beato angelico, Disponível em: < https://imagensamadasdotcom.files.wordpress.com/2013/07/a-nau-dos-insensatos-bosch.jpg > Acesso Jul. 2017. 31 No final do século XV, o pintor holandês Hieronymus Bosch acabaria por compor uma de suas mais conhecidas obras intituladas, “A Nau dos Loucos” (Figura 7). Segundo FOUCAULT (1972), Bosh critica através de símbolos, a forma que a loucura é tratada mostrando que todos os homens estão propensos a tais vícios e perturbações. Esses barcos que levavam sua carga insana de uma cidade para outra. Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes, quando não eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos. Esse costume era frequente particularmente na Alemanha em Nuremberg, durante a primeira metade do século XV, registrou-se a presença de 62 loucos, 31 dos quais foram escorraçados. Nos cinqüenta anos que se seguiram, têm-se vestígios ainda de 21 partidas obrigatórias, tratando-se aqui apenas loucos detidos pelas autoridades municipais. (FOUCAULT, 1972, p. 9). A Loucura no renascimento teve seu aspecto sombrio, burlesco e natural no espírito humano, razão pela qual, seria justificável o seu afastamento se esta, ao mesmo tempo, representasse o que há de trágico e defeituoso no homem. 1.4. O Século XVII e a Institucionalização Politicamente o século XVII na Europa é caracterizado pela monarquia absolutista. O rei concentrava todos os poderes, criando leis próprias, impostos e demais tributos além de interferir em assuntos religiosos. A sociedade através de medidas mercantilistas, tinha uma fraca mobilidade social e eram obrigados a aumentar a sua produção a fim de contribuir com a riqueza nacional, aqueles que 32 não tinham condições de produzir ou se recusassem eram punidos através das instituições. Nesse cenário histórico, a loucura segundo FOUCAULT (2000), contradiz com a racionalização da época, considerada irracional e sem capacidade para a produção. Assim, surgem as grandes internações, amplamente praticada pelo poder absolutista no século XVII, podendo espontaneamente ou compulsoriamente recolher qualquer indivíduo apontado pela família como louco, delinquente e até mesmo os miseráveis e marginalizados. A não razão do século XVI constituía uma espécie de ameaça aberta cujos perigos podiam sempre, pelo menos de direito, comprometer as relações de subjetividade e da verdade. O percurso da dúvida cartesiana parece testemunha que no século XVII esse perigo está conjurado e que a loucura foi colocada fora do domínio no qual o sujeito detém seus direitos à verdade: domínio este que, para o pensamento clássico, é a própria razão. Doravante, a loucura está exilada. (FOUCAULT, 1972, p. 47). Muitas dessas instituições não foram construídas para a finalidade de abrigar essas pessoas que foram retiradas da sociedade. Esses eram espaços que antes foram destinados ao local de abrigo e recolhimento de portadores de lepra, um local histórico de exclusão daqueles que estão à margem do espaço urbano. Nesses edifícios foram adaptados e instalados sem considerar a mínima qualidade de vida humana, onde se praticava a repressão e tortura como forma de caminho para a cura. [...] estranho que tenha sido justamente o racionalismo quem autorizou essa confusão entre o castigo e o remédio, está quase identidade entre o gesto que pune e o gesto que cura. Ele supõe um certo tratamento que, na articulação precisa entre a medicina e a 33 moral, será ao mesmo tempo uma antecipação sobre os castigos eternos um esforço na direção do restabelecimento da saúde. (FOUCAULT, 1978, p. 99). O Hospital Gérneal de Paris, (Figura 8) foi construído em 1656, de acordo com ROSEN (1980), foi dividido em três unidades: Bicêtre para os homens, La Pitié para jovens e La Saltêtrière para mulheres. Grande parte dos ‘marginais’ foram levados para internação essas unidades, com o intuito apenas de retirar da sociedade e não de cura. Figura 8: O Hôspital Gérneal de Paris, Altura 500 Pixels. Largura 287 Pixels. 150 dpi, 24 Bit CMYK. 52 kb. Formato JPEG - Fonte: archivos genbriand, Disponível em: < http://www.archivosgenbriand.com/salle_enf_trouv.jpg > Acesso Jul. 2017. 34 No fim do século XVIII, a insalubridade nos locais onde abrigava os loucos, trouxe uma série de doenças, criando uma situação de calamidade e pânico na população que passou a temer um contágio da “podridão” fomentada pela loucura. Com isso, o local onde o louco era abrigado foi questionado de modo a serem isolados em espaços exclusivos. Essa divisão apenas transferiu os loucos em espaços ainda mais afastados da sociedade, com os mesmos tratos desumanos, no entanto, foi a partir de então, possível identificar as diferentes patologias presentes na loucura. FOUCAULT (1978). 1.5. A modernidade da Psiquiatria e a falsa-libertação Com a industrialização dos meios de produção no século XVIII baseado na operação da máquina a vapor, cuja fonte de energia principal era o carvão, provocou profundas alterações no espaço das cidades, que passaram a crescer de forma acelerada em virtude da grande oferta de empregos e da mecanização do campo, que foi um dos fatores que provocaram o êxodo rural. A modernização compreende e comparara a loucura em contraponto com a razão, pois uma fundamenta a outra apesar de ser oposta, de acordo com Foucault (1978), a loucura só passa a ter sentido no próprio campo da razão. “[...]pois a verdade da loucura é seu interior à razão, ser uma de suas figuras, uma força que em uma necessidade momentânea a fim de melhor certificar-se de si mesma”. FOUCAULT (1978, p. 42). A psiquiatria moderna surge com o espaço de internação e tratamento do louco, denominado de manicômio. A partir do século XVII, a medicina incorporou um saber terapêutico, e novas práticas para o seu tratamento, assim, o pensamento 35 difundido por Pinel11 (1745-1826) e Esquirol12 (1772-1840), promoveram uma inovadora reforma hospitalar que ficou conhecida como “tratamento moral”, banindo tratamentos antigos, tais como sangrias, vômitos induzidos, purgações e ventosas, substituindo-as por tratamento que inclui terapias ocupacionais, sendo um dos primeiros a libertar os pacientes dos manicômios e das correntes, propiciando-lhes liberdade de momentos por si só terapêutica. O tratamento moral utilizado por Pinel foi considerado por muitos com o um “mito de humanização” no sistema psiquiátrico, revolucionando a filosofia do atendimento asilar, quebrando grilhões e cadeados, saneando a imundície das celas, porém, ainda tratando os loucos como prisioneiros sob vigia. FOUCAULT (1978). O local da loucura institucionalizada passa a ser distante do convivo social. Segundo GOFFMAN (2001), toda instituição tem tendência de “fechamento”, embora algumas apresentam essas características mais que outras. Uma instituição pode ser definida como total quando existe uma barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas na edificação. Seu "fechamento" ou seu caráter total é simbolizado pela barreira a relação social com o mundo externo e por proibições a saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico - por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. (GOFFMAN, 1999, p, 16) Nesses locais institucionalizados a arquitetura passou a ser muito importante na organização dos espaços. Sendo desenvolvidos mecanismos e dispositivos de 11 Philppe Pinel: Pioneiro do tratamento de doentes mentais e um dos percursores da psiquiatria moderna. Formado em medicina pela Universidade de Tolouse(França), dirigiu os hospitais de Bicêtre e Salpêtrière. 12 Jean-Étienne Dominique Esquirol: Foi um Psiquiatra francês, reformador das instituições psiquiátricas da época, fundou o primeiro curso para tratamento das enfermidades mentais. 36 vigilância, para disciplinar e criar uma hierarquia física no indivíduo. Dentre esses meios, pode-se destacar o Panóptico (Figura 9), modelo criado por Jeremy Bentham, utilizado para o domínio da distribuição de corpos em diversificadas superfícies. VIECELI (2014). Figura 9: modelo de Panóptico, Altura 811 Pixels. Largura 613 Pixels. 69 dpi, 24 Bit CMYK. 53,9 kb. Formato JPEG - Fonte: obviou smag, disponível em:< https://goo.gl/EAabGx> Acesso Jul. 2017. https://goo.gl/EAabGx 37 O Panóptico possui a planta em formato de anel, com celas pequenas divididas que dava tanto para o interior quanto para o exterior, a qual havia um pátio com uma torre de vigilância no centro. Essa disposição das celas tinha como objetivo maior controle por parte do vigilante, já que a visão poderia atravessar todo o espaço. FOUCAULT (1997) “O Panóptico [...] deve ser compreendido com um modelo generalizável de funcionamento; uma maneira de definir as relações de poder com a vida quotidiana dos homens” FOUCAULT (1997, p. 169). Este espaço foi um modelo a ser seguido por diversas instituições, inclusive o Manicómio, pois permite organizar o lugar através da ordem, do controle e da hierarquia, seguindo o princípio da punição psicológica através do próprio espaço. VIECELI (2014) 38 39 40 CAPÍTULO 2 - OS ESPAÇOS DA LOUCURA NO BRASIL Até 1841, o Brasil não disponibilizava de nenhum estabelecimento ou recursos apara o tratamento da loucura. Os alienados eram de responsabilidade dos familiares, poderiam andar pelas ruas livremente, porem aqueles que demonstrarem alguma ameaça a população, poderiam ser presos em hospitais não especializados ou até em prisões. Essa situação foi agravada com a vinda da Família Real, em 1808, que trouxe consigo uma grande quantidade de pessoas à cidade do Rio de Janeiro implicando na necessidade de adequar e aparelhar a colônia com instituições, hospitais e profissionais, para atender às necessidades da então capital do Império. FONSECA (2012). 2.1. Hospício Pedro II Desde 1830, os primeiros protestos pela criação de um asilo adequado para os loucos foram inspirados pelas mudanças do método de tratamento francês, baseados nos trabalhos de médicos como Philippe Pinel (1745-1826), Jean Etienne Dominique Esquirol (1772-1840) e outros, que advogavam um tratamento mais humano para os doentes e um local específico para abrigá-los. Assim, só em 1841 foi estabelecido o Hospício Pedro II, sendo o primeiro hospital Brasileiro, voltado ao tratamento dos portadores, o autor do projeto foi o Engenheiro José Domingos Monteiro. FONSECA (2012) 41 Figura 10: Mapa do hospício de Pedro II, Altura 567 Pixels. Largura 800 Pixels. 96 dpi, 24 Bit CMYK. 52,9 kb. Formato JPEG - Fonte: Mostra virtual ccms. Disponível em:< http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/mapas.php> Acesso Jul. 2017. Sua arquitetura (Figura 10) inspira-se na Maison Nationale de Charenton, na França. O edifício de linhas neoclássicas, planejado inicialmente para comportar 300 pacientes, é concebido como um grande retângulo, enquadrando quatro grandes pátios internos, separados por um corpo central. No centro da construção, em destaque, fica a capela. TEIXEIRA (1988) O Médico Rey (1875) do Asile des Aliénés Sainte-Anne na França, em sua publicação “L'hospice Pedro II et les aliénés au Brésil”, descreveu que o edifício foi implantado em um bairro salubre, em uma área distante e sem a orientação de um http://www.ccms.saude.gov.br/hospicio/mapas.php 42 alienista13 na concepção do plano de necessidades, tendo que passar por diversas ampliações. O tratamento nesse hospício é à base de meios de contenção como o uso da camisa de força, utilização de celas forte, redução da alimentação, e isolamento como meios de repressão, impedindo o louco do convício familiar e social, assim a arquitetura tinha que se estabelecer a fim de garantir a eficiência do tratamento. O médico Philipe Rey descreve os espaços: [...]As duas partes laterais formam duas alas simétricas que integram o edifício central. A ala esquerda é ocupada pelos homens, a ala direita pelas mulheres. No térreo, ao redor de um pátio central, há uma galeria com: 1. do lado da fachada, seis quartos particulares, com uma ou duas camas, um dormitório, dois quartos particulares, uma sala de reuniões; 2. do lado do prédio central, há uma enfermaria para doenças intercorrentes, um dormitório para os incuráveis, uma sala para os guardas; 3. do lado livre, oito células e um dormitório.[...] dois refeitórios adjacentes, um para os pensionistas e outro para os indigentes, se encontram na continuação do quarto lado e, vinculando-o aos atendimentos gerais, completam assim o retângulo. [...] No piso térreo se encontram os agitados, os paralíticos, os epilépticos e os idiotas. (REY, 1875, p.383). Em relatórios estatísticos (Tabela 1), o médico demostra que os índices de mortalidade no hospício eram altos, chegando a ser comparado a campos de concentração. 13Alienista: termo que era utilizado para identificar o médico especialista em doenças mentais. 43 Tabela 1 - Nacionalidade dos internados que morreram no período de 1869-1970 e 1873 a 1874 Fonte: Rey (1875), in Revista Latinoamericana de Psicologia Fundamental (2012, p. 385) 2.2. Hospital de Barbacena – Minas Gerais Após a criação do primeiro hospício nacional e a crescente demanda de pacientes, surgiu a necessidade da construção de outros espaços destinados a internação no Brasil principalmente nas regiões Sudeste, Nordeste e Norte. Em Minas Gerais o primeiro hospício surgiu por questões da modernização urbana e da distância significativa da região para a capital, pois até então, os loucos eram enviados pelas famílias para o hospício nacional ou transferidos para a Santa Casa. O hospital de assistência aos alienados em Minas Gerais foi implantado em 1903, na cidade de Barbacena por questões politicas. LUCIMAR (2007) 44 Figura 11:Hospício colônia de Barbacena, Altura 811 Pixels. Largura 352 Pixels. 96 dpi, 24 Bit CMYK. 131 kb. Formato JPEG - Fonte: Mostra virtual ccms. Disponível em:< https://goo.gl/Lbd4bb > Acesso Jul. 2017. Inspirado nos modelos das colônias agrícolas, o espaço do hospício (Figura 11) possuía mais de 8 milhões de metros quadrados e era isolado da cidade e cercado por uma extensa muralha que impedia a visão das atividades que acontecia em seu interior, o acesso ao local se dava através de um trem, conhecido como “trem de doido”. Quando a locomotiva desacelerava, já nos fundos do Hospital Colônia, os passageiros se agitavam. Acuados e famintos, esperavam a ordem dos guardas para descer, seguindo em fila indiana na direção do desconhecido. Muitos nem sequer sabiam em que cidade tinham desembarcado ou mesmo o motivo pelo qual foram despachados para aquele lugar. (ARBEX, 2013, p. 25) 45 O hospital (Figura 11) era destinado para a contenção dos indesejáveis, com função de higienização e sanitário da localidade. Estima-se que cerca de 70% dos internados não tinham qualquer diagnóstico de transtorno psíquico, eram enviadas pessoas não agradáveis e incômodas para alguém com mais poder, como opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos, epiléticos, alcoolistas, meninas grávidas e violentadas por seus patrões, esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, filhas de fazendeiros que perderam a virgindade antes do casamento, entre outros grupos marginalizados na sociedade. Tornou-se conhecido pelo público na década de 1980, pelo tratamento desumano que oferecia aos pacientes. O psiquiatra italiano Franco Basaglia taxou a instituição como um campo de concentração nazista (Figura 12), Figura 13). ARBEX (2013). Os pacientes do Colônia morriam de frio, de fome, de doença. Morriam também de choque. Em alguns dias os eletrochoques eram tantos e tão fortes que a sobrecarga derrubava a rede do município. Nos períodos de maior lotação, 16 pessoas morriam a cada dia e ao morrer, davam lucro. Entre 1969 e 1980, mais de 1.800 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos passaram a ser decompostos em ácido, no pátio da Colônia, na frente dos pacientes ainda vivos, para que as ossadas pudessem ser comercializadas. (ARBEX 2013, p. 23). Com o alto índice de mortalidade no Colônia, o cemitério próximo já não possuía mais espaço para comportar tantos mortos. Visando uma alternativa, funcionários corruptos encontraram no tráfico de corpos uma maneira de amenizar a situação e lucrar com isso. Diversas Universidades ao redor do país encomendavam os restos mortais das vítimas do Colônia para seus Laboratórios https://pt.wikipedia.org/wiki/Franco_Basaglia https://pt.wikipedia.org/wiki/Franco_Basaglia https://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_de_concentra%C3%A7%C3%A3o 46 Anatômicos, como por exemplo a Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Quando a procura era baixa, os corpos eram meramente dissolvidos em ácido. Até o início de 1980, cerca 60 000 pacientes morreram. Entre estes mortos, 1.853 tiveram seus corpos vendidos para faculdades de medicina. Atualmente, 190 pacientes em situação de baixa sobrevida, são tratados no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Após o fechamento, seus pouquíssimos sobreviventes foram transferidos para abrigos de melhores condições e por direito, passaram a receber indenização do Estado. Figura 12: Hospício colônia de Barbacena, Altura 811 Pixels. Largura 352 Pixels. 96 dpi, 24 Bit CMYK. 131 kb. Formato JPEG - Fonte: Mostra virtual ccms. Disponível em:< https://goo.gl/Lbd4bb > Acesso Jul. 2017. https://pt.wikipedia.org/wiki/Faculdade_de_Medicina https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_Federal_de_Minas_Gerais https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_Federal_de_Minas_Gerais 47 Figura 13: Pacientes no hospital Colônia de Barbacena , ano não informado, Fonte: ARBEX , 2013, p 22 (editado pelo autor) 48 Atualmente (Figura 14) restam menos de 200 sobreviventes da Colônia, foram transferidos para residências terapêuticas em busca de dignidade humana para reaprender o convivo social. O local da edificação ainda abriga o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena e conta com 171 pacientes em regime de internação. Figura 14: Hospício colônia de Barbacena, Altura 211 Pixels. Largura 852 Pixels. 96 dpi, 24 Bit CMYK. 131 kb. Formato JPEG - Fonte: Mostra virtual ccms. Disponível em:< http://www.ebc.com.br/cidadania/2015/08/mesmo-com-fim-de-hospicio-barbacena-ainda-registra-171- pacientes> Acesso Jul. 2017 49 50 51 CAPÍTULO 3 – REFORMA PSÍQUIATRA BRASILEIRA 3.1. História da reforma psíquiatra brasileira Nos anos 60 era vigente o modelo institucional presente nos manicômios, como espaço para o tratamento da loucura, através da política da Previdência Social (OS) sendo que muitos possuíam uma gestão privada. Segundo Amarante (1995, p. 107), “[...] política privatizante da Previdência Social termina por produzir excesso de atos de assistência médica. Sejam atos corretos e necessários, ou desnecessários, fraudes, abusos de toda a sorte”. Através da precarização do sistema privado de saúde, e dos movimentos sociais cria-se uma nova gestão que prioriza a saúde pública. A partir daí manteve-se em extensão num processo de elaboração de direitos e organizações espaciais e de mudanças de práticas de tratamento feito até então. O processo de reforma psiquiátrico no Brasil surgiu no fim da década de 1970, a partir de movimentos militantes de direito a saúde como o Movimento de trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), núcleos estaduais de saúde mental do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), Comissões de Saúde Mental dos Sindicatos dos Médicos, Movimento de Renovação Média (REME), entre outros. Em respostas as denúncias sobre a privatização da assistência psiquiátrica através da previdência social, a mercantilização da loucura, e a forma desumana que eram tratados os portadores de distúrbios mentais. AMARANTE (1995) A partir de então a desinstitucionalização, de acordo com AMARANTE (1995), teve início na década de 80, através do II Congresso Nacional do MTSM em Bauru, 52 SP, no qual instala-se o movimento de luta antimanicomial, que se caracteriza pela luta de direitos das pessoas com sofrimento mental, a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por serviços abertos de tratamento e o direito fundamental a liberdade. O Movimento contribuiu para uma reestruturação dos espaços para a inclusão social das pessoas portadoras de síndrome psíquica, com a criação do Centro de atenção psicossocial (CAPS), residências terapêuticas (SRTs) e oficinas de geração de renda. Tem como fundamentos não apenas uma crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde mental, mas também - e principalmente - uma crítica estrutural ao saber e às instituições psiquiátricas clássicas, dentro de toda a movimentação político-social que caracteriza a conjuntura de redemocratização. (AMARANTE, 1995, p.143) A Luta antimanicomial ainda persiste nos anos atuais, pois mesmo sendo uma política reconhecida e fixada através de leis, ainda há setores conservadores que defendem o retorno dos hospitais psiquiátricos, além da necessidade de ampliação dos serviços complementares como as residências terapêuticas, oficinas de geração de renda e trabalhos com arte e cultura, procdiemntos defendidos pela médica Nise da Silveira. O modelo atual de Política Nacional de Saúde Mental, é comporto pela A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com proposta de assegurar a livre circulação de pessoas com sofrimento mental pelos serviços da comunidade e pela cidade. Em outras palavras, é uma rede de saúde mental integrada e articulada nos diferentes pontos de atenção para fins de atender a pessoas com sofrimento mental e/ou consequente do uso de substâncias psicoativas. 53 3.2. Nise da Silveira As primeiras ideias da humanização do tratamento ao portador de síndrome psíquica, ocorreu em 1944 no Hospital Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, através das lutas da renomada médica e pioneira da psicologia Junguiana no Brasil Nise da Silveira (Figura 15), quando foi criado a Seção de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação, que era considerada uma psicoterapia não verbal, única e apropriada à reabilitação de psicóticos. SILVEIRA (1981). Figura 15:,O encontro de Nise de Azevedo e Carl Jung Altura 800 Pixels. Largura 300 Pixels. 96 dpi, 24 Bit CMYK. 131 kb. Formato JPEG - Fonte: Mostra virtual ccms. Disponível em:< https://culturaeviagem.wordpress.com/2015/01/13/o-dia-em-que-a-alagoana-nise-da-silveira- conheceu-carl-jung-mais-um-encontro-de-genios/> Acesso Jul. 2017 54 O alcance desta terapia foi além das formas convencionais de psicoterapia, ao usar as expressões das artes, principalmente os desenhos e pinturas como forma de tratamento, através da criatividade e representação. A terapia ocupacional permitia a eles, segundo suas próprias palavras, "a expressão de vivências não verbalizáveis que no psicótico estão fora do alcance das elaborações da razão e da palavra". (SILVEIRA, 1981, p. 19) Nise da Silveira transformou essa realidade ao implementar uma metodologia de intervenção, iniciada pelos ateliês de expressões das emoções, disponibilizando recursos criativos para serem manuseados, sentidos e percebidos. O primeiro atelier foi de costura e bordado; em seguida, o de desenho, pintura e modelagem. Eram atividades alimentadas pelo afeto dos monitores que iam ao encontro das pessoas em sofrimento psíquico, nos corredores e pátio do hospital. Eles os acompanhavam durante as atividades, além da presença de Nise que os atendia individualmente e participava do dia a dia, no processo de criação. Nesse laboratório de criação e convivência havia também recitais de literatura, encenações teatrais, produção em cinema, música e dança (MELLO, 2009). Meu trabalho não se inspirou na psiquiatria atualmente predominante, caracterizada pela escassa atenção que concede aos fenômenos intrapsíquicos em curso durante a psicose. Ao contrário, meu interesse maior desde cedo se dirigiu no sentido de penetrar, pouco que fosse, no mundo interno do esquizofrênico (SILVEIRA, 1981, p. 11). 55 3.3. Núcleo de Assistência Psicossocial (CAPS) Os CAPS (Núcleo de Assistência Psicossocial) se estruturam como serviços de atendimento diário. Organizam-se de forma a que o usuário, caso necessite, possa frequentar o serviço diariamente, e é oferecida uma gama de atividades terapêuticas diversificadas e o acolhimento por uma equipe interdisciplinar. Procura- se oferecer ao usuário a maior heterogeneidade possível, seja nas pessoas com quem possa vincular-se seja nas atividades em que possa engajar-se. Os centros de Atenção Psicossocial (CAPS) surgiram em São Paulo no ano de 1987 com recursos federais e de caráter público, porém somente em 1992 que foi previstos normativas em relação ao centro, através da Portaria/SNAS nº 224 14 - 29 de janeiro de 1992, atualizada pela Portaria nº 336 15- 19 de fevereiro de 2002, são serviços públicos de saúde mental, destinados a atender indivíduos com transtornos mentais além de estimular a formação de grupos de convivência. Houve um constante crescimento de serviços desde a criação dos primeiros CAPS, mantendo uma taxa anual de aumento relativamente estável, o que aponta para a consolidação desse modelo de atenção para pessoas com transtornos mentais e com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, bem 14 Portaria/SNAS nº 224: Institui, na área da saúde mental, diretrizes, normas para o atendimento ambulatorial (Unidades Básicas, Centro de Saúde, Ambulatório, NASF, CAPS), normas para o atendimento hospitalar (Hospital Dia, Serviço de Urgência Psiquiátrica em Hospital Geral, Leito ou Unidade Psiquiátrica em Hospital Geral, Hospital Especializado em Psiquiatria). 15 Portaria GM/MS nº 336, de 19 de fevereiro de 2002 – Atualiza a Portaria MS/SAS nº 224, de 29 de janeiro de 1992 e estabelece que os Centros de Atenção Psicossocial poderão constituir-se nas seguintes modalidades de serviços: CAPS I, II, III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional, conforme disposto nesta Portaria. 56 como para a ampliação de ofertas de cuidado de base territorial e comunitária. BRASIL (2015). Os espaços arquitetônicos do CAPS são em sua maioria, adaptados de antigas construções, já que a lei não determina planos de espaços e tipologias a seguir, nem estabelece um plano de necessidades para a instalação do programa, sendo em sua maioria moldado a partir da sua demanda e da espacialidade adquirida. O gráfico (Gráfico 1) apresenta a expansão anual dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) desde o ano de 1998. Gráfico 1: Série histórica da expansão dos CAPS (Brasil, dez/1998 a dez/2014) Fonte: Brasil, Ministério da Saúde, Saúde Mental em Dados, Ano 10, nº 12, outubro de 2015. 57 Há diversas modalidades de CAPS: I, II, III, álcool e drogas (AD) e infanto-juvenil. Os CAPS III e CAPS AD III funcionam 24 horas. (Figura 16). Figura 16: Diferenças entre o porte populacional e as atividades dos CAPS. Fonte: Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011 - Fonte: senad disponível em:< http://www.aberta.senad.gov.br/medias/original/201704/20170424-094953-001.pdf > Acesso Jul. 2017 58 3.4. Serviço residencial terapêutico (SRT) Os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) estabelecidos através da portaria nº- 106/GM/MS16, de 11 de fevereiro de 2000, é um programa de moradias voltadas para os portadores de síndrome psíquica que até então possuem um longo período de internação em hospitais psiquiátricos, ou hospitais de custódia. Este programa permite um tratamento mais humanizado e eficiente, uma vez que a residência é inserida dentro da malha urbana em zoneamento residencial, possibilitando aos portadores maiores autonomia no espaço e exercício da cidadania como forma de inclusão social. BRASIL (2015). [...] entende-se como Serviços Residenciais Terapêuticos, moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e que viabilizem sua inserção social. (BRASIL, 2004) Esse serviço é fundamental para a desinstitucionalização dos espaços de saúde psíquica, através da relocação de usuários que passaram longos anos em hospitais psiquiátricos e manicómios, para moradias no espaço, de modo que não ocorram perdas de suas relações sociais no período que ficou internado nos hospitais. Inseridos em uma residência pretende-se que os pacientes reconstruam nesse espaço sua identidade e relações sociais. O quadro a baixo (Tabela 2) apresenta a distribuição dos 289 SRTs já habilitados em funcionamento no país até dezembro de 2014. 16 Portaria nº- 106/GM/MS: cria os Serviços Residenciais Terapêuticos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); 59 Tabela 2: Distribuição dos Serviços Residenciais Terapêuticos por UF (Brasil, dez/2014) Fonte: Brasil, Ministério da Saúde, Saúde Mental em Dados, Ano 10, nº 12, p. 23, outubro de 2015. 60 De acordo com os artigos 2º A e 2º B da portaria nº - 106/GM/MS, as SRTs podem ser divididas em Tipo I e Tipo II, sendo. BRASIL (2000). • TIPO I: moradias destinadas a pessoa com transtornos mentais em processo de desinstitucionalização, devendo acolher no máximo oito moradores, sendo que cada grupo de moradores deverá ter um suporte técnico de uma equipe de saúde mental, além de ter um cuidador de referência mediante a necessidade de cada moradia. • TIPO II é destinada a pessoas que necessitam de cuidados intensivos específicos, de apoio técnico diário de forma permanente, sendo possível abrigar até dez moradores, tendo uma equipe de profissionais técnicos como acompanhamento integral. Os recursos finenceiro para a manutenção e despesas das residências também esta previsto na portaria, bem como onde será aplicado de acordo com a tabela (Tabela 3). : • Fica estabelecido recurso financeiro de custeio mensal no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para cada grupo de oito moradores de SRT Tipo I e R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada grupo de dez moradores de SRT Tipo II, conforme aplicação de gastos descritos na Tabela 1 constante do anexo II desta Portaria. 61 Tabela 3: Recurso financeiro para a Residencia terapeutica (Brasil, dez/20140 Fonte: Ministério da Saude. Disponível em: Acesso: Jun 17. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3090_23_12_2011_rep.html 62 A portaria das SRTs em Saúde psíquica, no artigo 6º define as características espaciais que as moradias deverão possuir: • As SRT devem apresentar estrutura física implantada fora dos limites de unidades hospitalares gerais ou especializada. • O espaço físico deverá contemplar de maneira mínima: o Dimensões específicas compatíveis para abrigar um número máximo de dez pessoas, acomodados na proporção de até três dormitórios; o sala de estar com mobiliário adequado ao conforto e boa comodidade; o dormitórios com camas e armários; o copa e cozinha com equipamentos necessários e garantia de, no mínimo, três refeições diárias. Em nenhum momento a portaria especifica quais são as dimensões mínimas, também não cita norma que possa servir de referência para contemplar esses requisitos. As SRTs têm aumentado significamente nos últimos anos, tratando-se um programa recente muito das residências ativas atualmente ainda não estão cadastradas, sendo fundamental que os gestores façam as solicitações de habilitação junto ao ministério da saúde. O quadro a baixo (Grafico 2) mostra a evolução das residências habilitadas entre os anos de 2013 e 2014. BRASIL (2015) 63 Gráfico 2: Série Histórica da Habilitação de Serviços Residenciais Terapêuticos (Brasil, dez/2014) Fonte: Brasil, Ministério da Saúde, Saúde Mental em Dados, Ano 10, nº 12, p. 24, outubro de 2015. As SRTs são moradias peculiares, pois possuem moradores com características muito próprias, o espaço precisa ser adaptado/construído como um espaço de tratamento e autonomia sem deixar a característica essencial de um Lar. Os cuidadores das RT’s têm um papel fundamental para ajudar os moradores nas tarefas (cozinhar, lavar, passar, tomar remédio), nos conflitos e dilemas (surtos psicóticos, desentendimentos entre os usuários), e apoiá-los quanto ao convívio social com a comunidade e incentivá-los à autonomia. BRASIL (2004). O processo de reabilitação psicossocial deve buscar de modo especial a inserção do usuário no convívio com a sociedade, nesse sentido é prioritário que sua implantação ocorra no perímetro urbano, fora das unidades hospitalares e que as 64 SRTs tenham como suporte comunitário os serviços do CAPS e ambulatórios, que garantem que outros aspectos além das necessidades do morar sejam saneados. Além de serem locais agradáveis e bem arborizados para garantir passeios e encontros nas áreas públicas. BRASIL (2004). 65 66 CAPÍTULO 4 - CONCEITOS PARA O AMBIENTE DE SAÚDE PSÍQUICA. 4.1. O habitar e a casa Existem várias teorias sobre as verdadeiras razões que levaram o homem primitivo a construir sua primeira morada. Um discurso de consenso de pesquisadores sobre o assunto defende que o homem edificou sua primeira casa pela necessidade de proteção contra quaisquer inimigos e as difíceis condições do tempo. Dessa forma, habitar tem sentido de lugar que abriga, refugia e protege de fatores como o clima, a natureza selvagem ou de outros seres humanos. Sendo assim, através da casa é reconhecida uma experiência além da arquitetura e da simples descrição das coisas, podendo ser vistas como valores poéticos onde a habitação é instrumento de proteção para a alma humana. Neste sentido, o conceito de habitar é inerente à consciência humana, onde cada pessoa tende a procurar um lugar. BACHELARD (1974). A casa, portanto, possui um sentido de aconchego e proteção que fica alojado em nossas memórias desde a infância nos espaços em que crescemos, criamos e habitamos. Nesse sentido, segundo o filósofo Alain de Botton (2007), o lar não é apenas um refúgio físico, mas também psicológico, sendo uma forma de representação física da identidade humana. Assim ao construir uma casa ou decorar um cômodo, as pessoas querem demostrar quem são, lembrar-se de si próprias e ter sempre em mente como elas poderiam idealmente ser. “Construímos pelo mesmo motivo que escrevemos: para registrar o que é importante para nós” DE BOTTON (2007 p.123). 67 No âmbito jurídico, a moradia é um Direito fundamental garantida pela constituição Brasileira de 1988 no artigo 6º17, tendo aplicabilidade plena e condicionada pelo Poder Público, ou seja, as políticas públicas têm que garantir o acesso a esse direito além da sua eficácia. Contudo, a definição de habitar não é limitada à ideia da casa como unidade habitacional e identidade pessoal, mas também é necessário compreender o sentido da moradia presente no contexto urbano, ou seja, o viver a cidade estabelecendo relações sociais e autonomia. Sendo assim, a casa tem um sentido maior de intervenção do espaço urbanos, como um local privado que se articula com o espaço pública. 4.2. O ambiente para a saúde e o bem-estar A Psicologia Ambiental estuda o homem em seu contexto físico e social. Busca suas inter-relações com o ambiente, atribuindo importância às percepções, atitudes, avaliações ou representações ambientais, ao mesmo tempo considerando os comportamentos associados a elas. COSTEIRA (2004) Nesse sentido a elaboração de um espaço voltado para a assistência à saúde deve propiciar a satisfação do usuário, por meio do conforto ambiental, físico e psicológico, além de atender as demandas médicas, assim, o espaço da SRT tem como característica principal ser um ambiente residencial sem transparecer os 17 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015). 68 serviços médicos que também estará presente no local, além de ser um espaço que contribua para a reabilitação e qualidade de vida do portador de síndrome psíquica. Com o intuito de propiciar o bem-estar dos espaços voltados ao tratamento dos portadores de sofrimento psicológico, o autor Costeira (2004) destaca os conceitos ambientais que possibilita melhor qualidade nos projetos desses espaços voltados a saúde. O autor descreve que esses conceitos [...]incorporam a visão do paciente que é atendido nestes estabelecimentos, trazendo para seus espaços os signos e valores que encontramos em nossas casas e uma integração dos ambientes com o espaço exterior onde o mesmo será implantado. (COSTEIRA, 2004, p. 79). Nesse sentido, COSTEIRA (2004) elabora alguns requisitos fundamentais que possibilite o bem-estar para ambientes voltado a reabilitação de pacientes, e, neste trabalho, foram organizados através do mapa mental a baixo:( Figura 17) 69 Figura 17: Requisitos fundamentais para o bem-estar dos pacientes: Fonte: Costeira, 2004. Elaborado pelo autor. 70 Além da organização espacial, um ambiente possui vários aspectos sensoriais como o aroma, os sons, e as cores, que podem estimular as emoções dos portadores, podendo até acelerar o processo de reabilitação e promover a qualidade ambiental. O estudo dos efeitos que os aspectos sensoriais do ambiente podem proporcionar é um dos princípios da Psiconeuroimunologia18 (PNI), onde é exigida a compreensão, sobretudo das ações de experiências individuais sendo muito importante para compreender como as emoções podem influenciar no início e curso das doenças. GAPPELL (1991) Deste modo, segundo GAPPELL (1991) apud HOREVICZ, E. C. S; CUNTO, I. C (2007), o bem-estar físico e emocional é influenciado por seis diretrizes: luz, cor, som, aroma, textura e forma. Estes elementos do ambiente têm impacto no psicológico e no físico dos indivíduos e devem ser aplicados na concepção projetual do estabelecimento voltado a saúde, de modo a proporcionar melhorias no tratamento. Para melhor compreensão da influência dos elementos mencionados no ambiente o quadro abaixo elucida: (Figura 18). 18 Psiconeuroimunologia: criada por Robert Ader, é a área da ciência que relaciona o Psiquismo, Neurologia e Imunologia, ou seja, é o campo de estudo que compreende a interação do psiquismo no sistema nervoso e sua influência sobre a imunidade e, por consequência, da saúde do ser humano de uma forma geral. 71 Figura 18: Elementos que influenciam o bem-estar no ambiente hospitalar. Fonte: GAPPELL (1995) apud HOREVICZ, E. C. S; CUNTO, I. C (2007), 1995. Elaborado pelo autor. 72 4.3. Terapia ocupacional e saúde psíquica As oficinas terapêuticas surgem num processo que visa restabelecer a cidadania da pessoa com transtornos mentais através da desconstrução do modelo asilar de atenção à saúde mental. Dessa forma, as oficinas passam a exercer papel primordial, tanto como elemento terapêutico quanto como promotoras de reinserção social através de ações que envolvem o trabalho, a criação de um produto, a geração de renda e a autonomia do sujeito. RIBEIRO; OLIVEIRA (2005) Uma oficina se torna terapêutica de fato quando dá ênfase na relação terapeuta-paciente, promove o pertencimento a um grupo, a convivência e a comunicação com o outro. Para isso, o usuário deve ser sujeito do processo, criar autonomia no pensar, ter autonomia de planejar o próprio trabalho e participar do processo de gestão. A terapia ocupacional iniciou no Brasil em 1959 sendo uma prática de assistência hospitalar com o objetivo de ocupar os pacientes. Com o advento das reformas psiquiátricas no final dos anos 70, a terapia ocupacional foi muito importante para a reabilitação e bem-estar dos portadores de sofrimento psíquico por meio das atividades voltado a complexidade da vida cotidiana da pessoa. RIBEIRO; OLIVEIRA (2005) Com a implantação da rede de serviços alternativos como as SRT e a CAPS, o terapeuta ocupacional passa a ter uma prática voltada para atender os pacientes graves fora da internação psiquiátrica, ajudando o portador em suas necessidades com toda a complexidade da sua condição socioeconômica e cultural com o objetivo de restabelece sua saúde mediante sua (re)inclusão social. 73 Existem diversas formas de atividades utilizadas como terapia que auxiliam no tratamento do portador de síndrome psíquica, como a arte terapia, equino terapia, horti terapia. 4.3.1. Arte terapia Figura 19: – Sem titulo, pintura de Emygio de Barros (1895 – 1986), Fonte: SILVEIRA , 1981, p 97. A arte como forma de abordagem terapêutica no Brasil, foi introduzida e difundida por Nise da Silveira nos anos 40, no Centro Psiquiátrico Nacional do Engenho de Dentro no Rio de Janeiro. As experiências tinham como objetivo buscar 74 outras formas de tratamento questionando as praticadas no hospital até então como, o tratamento à base de lobotomia19, eletrochoque e coma insulínico20. Os portadores de problemas mentais produziam pinturas e modelagens em ateliês, nessas atividades, manifestavam suas expressões afetivas, e posteriormente poderiam ser analisadas cientificamente. A pintura a cima (Figura 19) foi produzida pelo artista Emygdio de Barros, diagnosticado como esquizofrênico, frequentou o ateliê de artes do Setor de Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR) do Centro Psiquiátrico Nacional (atualmente Instituto Municipal Nise da Silveira), no bairro carioca do Engenho de Dentro. SILVEIRA (1981) As imagens do inconsciente objetivada na pintura tornam-se passíveis de certa forma de trato, ainda que não haja nítida tomada de consciência de suas significações profundas. Retendo sobre cartolinas fragmentos do drama que está vivenciando dês ordenadamente, o indivíduo da forma a suas emoções, despotencializa figuras ameaçadoras. (SILVEIRA, 1981, p.18) O método da arte terapia utiliza práticas artísticas através dos princípios fundamentais à concepção da arte como atividade expressiva e criativa: não se trata apenas da expressão da subjetividade, da objetivação de emoções, sentimentos e pensamentos em uma forma artística de atividades de diversas linguagens como: desenho, música, arte modelagem, dramatização, entre outras. Com finalidade terapêutica, para a promoção da saúde e da qualidade de vida se revelando uma grande abordagem na psicologia social. REIS (2014) 19 Lobotomia: é uma técnica psicocirúrgica onde há a intenção de eliminar doenças mentais ou modificar os comportamentos ditos inadequados através da extração da área cerebral afetada, atualmente não é mais utilizada pois provoca alterações na personalidade do paciente. 20 Coma insulínico: grave indução por ampla dose de insulina exógena que resulta em coma ou estado profundo de inconsciência. 75 4.3.2. Horto terapia. A Horticultura consiste em um instrumento de terapia psicossocial com o objetivo principal de envolver os portadores de síndrome psíquica com a natureza no tratamento das suas necessidades especiais. O desenvolvimento de atividades manuais relacionadas ao manejo de plantas e hortaliças, tem se mostrado muito benéfico na ação complementar ao tratamento de portadores de síndrome psíquica, promovendo melhorias através dos sentidos e da mente, trabalhando questões sociais, cognitivas, físicas, psicológicas, auxiliando no alivio do estresse e agregando saberes, a partir de recursos naturais. Essa atividade por meio da terapia em comunidade tem como objetivo de desenvolver cidadania através de oficinas que se tornam um elemento primordial de expressão, de liberdade e da convivência membros diferentes dos grupos, além de ser um tratamento através do contato direto com a terra, podendo possibilitar até geração de renda. RIGOTTI (2011) Os benefícios cognitivos envolvem aprendizado de novas habilidades e a linguagem, através da Terapia Hortícola, os pacientes podem melhorar o seu processo de tomada de decisão e resolução de problemas e habilidades, bem como aprender a seguir instruções complexas. Eles são capazes de trabalhar com independência e ao mesmo tempo aumentar a consciência do mundo à sua volta. RIGOTTI (2011). 76 4.3.3. Terapia Assistida por Animais (TAA) A Terapia Assistida por Animais (TAA), também conhecida por pet terapia, zooterapia ou terapia facilitada por animais, tem sua prática realizada por profissionais da área de saúde, com o objetivo de promover o desenvolvimento físico, psíquico, cognitivo e social dos pacientes. Não se trata de uma prática para substituir terapias e tratamentos convencionais, mas um complemento, uma nova linha de pesquisa, objetivando melhorar a qualidade de vida de pessoas comumente ignoradas pela sociedade, como no caso de pacientes com deficiências físicas, sensoriais, mentais e motoras, além daqueles que se encontram nos centros penitenciários DOTTI (2005). A TAA tem sido eficaz para o tratamento de portadores de sofrimento psíquico. Durante o TAA há produção e liberação do hormônio endorfina no corpo do paciente, o que resulta sensação de bem-estar e relaxamento, assim como diminuição na pressão arterial e no nível do hormônio cortisol. O trabalho exige uma equipe multidisciplinar, composta por médicos veterinários, psicólogos, médicos, enfermeiros, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais, capacitados para escolher o método adequado, acompanhar as atividades e o bem-estar dos animais e dos pacientes. DOTTI (2005). Para a prática de TAA, os cães são os animais mais utilizados devido a sua sociabilidade, fácil adestramento e maior aceitação por parte das pessoas, no entanto, outros animais podem ser utilizados, como: gatos, coelhos, tartarugas, cavalos, aves. Porém, o emprego de animais na terapia exige algumas precauções, como a prevenção da disseminação de doenças, principalmente as zoonoses, esse controle deverá ser periódico e realizado por um médico veterinário. Também é 77 necessário treinar os animais para evitar agressões por mordeduras e arranhaduras, ainda é necessário detectar possíveis alergias, fobias e aversões causadas pelo contato com animais nos próprios pacientes. 78 79 80 CAPÍTULO 5 – REFERÊNCIA PROJETUAIS Para a elaboração do projeto residencial terapêutico e do centro de terapias comunitários além da exposição de fundamentos teóricos sobre os temas abordados no presente trabalho, também se fez necessário analisar e conhecer outros projetos que se relacionem de alguma maneira com a proposta aqui apresentada. Ou seja, em cada caso foi necessário buscar elementos que contribuíssem para o desenvolvimento do futuro projeto, tais como a relação entre os ambientes, os acessos, o programa de necessidades e fluxos, o materiais utilizados e sistemas construtivos adotados e relação com o entorno. Com este foco, foram pesquisadas várias obras que pudessem sugerir soluções para a elaboração do projeto. 5.1. Centro comunitário de Reabilitação Belmont O Centro Comunitário de Reabilitação Belmont (Figura 20), localizado na Australia, foi projetado pelo arquiteto Billard Leece Partnership. Esse espaço oferece um programa ativo e com objetivo centralizado na reabilitação dos pacientes com síndrome psíquica O Centro comunitário é conectado com um Centro de saúde através de uma passarela, possibilitando o suporte ambulatório. MARTINS (2013). http://www.archdaily.com.br/br/tag/belmont 81 Figura 20: Centro Comunitário de Reabilitação Belmont. Croquis realizados pelo autor a partir de pesquisas em imagens disponíveis no archdaily : Fonte , Acessado em: Ago 2017 http://www.archdaily.com.br/br/tag/belmont http://www.archdaily.com.br/br/01-155486/centro-comunitario-de-reabilitacao-de-belmont-slash-billard-leece-partnership http://www.archdaily.com.br/br/01-155486/centro-comunitario-de-reabilitacao-de-belmont-slash-billard-leece-partnership 82 Sua edificação é voltada para um pátio interno, onde ocorrem terapias e demais atividades ao ar livre, em grupo. A materialidade do edifício também procura ter um envolvimento com o ambiente natural, sendo feito de Madeira cipreste branca, tendo ainda a função de conforto térmico. A fachada é articulada com janelas auto sombreadas e brises para aproveitar o conforto do jardim. A madeira e o vidro expressam a forma e desenho da fachada e criam um edifício não- institucional e cativante, apresentando facilidades construtivas e de manutenção. 5.2. Residência e Centro de dia para Problemas Psiquiátricos O edifício projetado pelo escritório de arquitetura Aldayjover Arquitectura y Paisaj, está localizado em Barcelona na Espanha. O projeto trata de uma residência e centro de apoio para portadores de síndrome psíquicas. A construção está cercada por um pátio interno com uma vegetação que pode ser vista em todos os três pavimentos superiores, proporcionando um ambiente agradável e conforto térmico. MARTINS (2013) O projeto articula as funções de moradia e atendimento médico setorizando por níveis e não por volumes, diminuindo assim os descolamentos verticais, (Figura 21). 83 Figura 21: residência e centro dia para problemas psiquiátricos. Croquis realizados pelo autor a partir de pesquisas em imagens disponíveis no archdaily, Fonte . Acessado em: Ago 2017 As residências se encontram no primeiro e segundo nível (Figura 22) possuindo uma planta baixa com separação interna padrão, organizado por um corredor no centro que dá acesso para os quartos distribuídos na lateral, a cozinha e a sala estão conectadas sem possuir divisórias. No subsolo a área é separada para serviços hospitalares e administração, o primeiro andar localiza a cozinha e o 84 refeitório, além de uma área que oferece atividades. Todos os espaços possuem visão para o jardim externo. Figura 22 :plantas do projeto residência e centro dia para problemas psicossocial. , Altura 567 Pixels. Largura 567 Pixels. 72 dpi, 24 Bit CMYK. 113 kb. Formato JPEG - Fonte: CSUN oviatt Library, Disponível em: 85 5.3. Conclusão referências projetuais Realizada as análises, foi possível concluir que é notória nos dois projetos, uma preocupação com os fluxos dos ambientes e setorização dos espaços. Ainda, verifica-se que o espaço externo é muito presente, criando integração entre os espaços verdes tornando o ambiente mais agradável. O caráter estético está presente, e é aliado do conforto ambiental, acústico, funcionalidade. Nesse sentido, foi importante ter estudado os dois ambientes de tratamento psicológico e clínico por transmitirem um aspecto humanizado. 86 87 88 CAPÍTULO 6 – A CIDADE DE ESTUDO 6.1. Presidente Prudente A cidade está localizada (Figura 23) no extremo oeste do Estado de São Paulo. Constituída em Município no ano de 1921, originou-se da economia cafeeira, através do loteamento de terras à beira da Estrada de Ferro Sorocabana. Atualmente a cidade é pólo comercial e considerada Capital do Oeste Paulista, graças ao seu polo visto que a cidade, graças a sua privilegiada localização geográfica, tornou-se ponto de passagem para aqueles que se dirigiam para o Paraná e Mato Grosso. ABREU (1972). Sua formação foi marcada pelo surgimento de dois núcleos urbanos separados pela ferrovia: Vila Goulart e Vila Marcondes. De 1920 a 1950 aproximadamente, o centro econômico da cidade se localizava na Vila Marcondes – Zona Leste da cidade, porém após uma reestruturação da Vila Goulart, após os anos 50, fez com que o centro econômico e político fosse transferido para a atual área. Este fato associado às limitações físicas naturais, que na época dificultavam a apropriação do espaço, fez com que a Vila Marcondes, com sua topografia acidentada, fosse perdendo seu destaque. ABREU (1972). 89 Figura 23–mapa de Presidente Prudente. Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente. Acessado em: Ago 2017, modificado pelo autor. 90 6.2 A saúde mental em Presidente Prudente De acordo com o Censo Psicossocial dos Moradores em Hospitais Psiquiátricos do Estado de São Paulo, no ano de 2008, haviam 58 hospitais psiquiátricos no Estado, localizados em 38 municípios de 15 Departamentos Regionais de Saúde (DRS). (Figura 24). BRASIL (2008). Figura 24–Localização dos hospitais psiquiátricos do Estado de São Paulo. Fonte: SES – SP, 2008. Disponível na internet:< http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e- conteudos-de-apoio/publicacoes/saude-mental/censo_psicossocialSP.pdf>Acessado em: Ago 2017. 91 A região de Presidente Prudente possuía até então, três hospitais localizados na cidade, e um hospital localizado em Pirapozinho, com gestão Estadual de natureza privada e Filantrópica. (Tabela 4) BRASIL (2008). Tabela 4–relação dos hospitais psiquiátricos da Região de Presidente Prudente. Fonte: SES – SP, 2008. Disponível na internet:< http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e- conteudos-de-apoio/publicacoes/saude-mental/censo_psicossocialSP.pdf>Acessado em: Ago 2017. Grifo do autor. 92 No momento da realização do Censo em todo o estado de São Paulo, foi analisado que os hospitais psiquiátricos de Presidente Prudente, juntos, atendiam um total de 336 moradores informados pela instituição, mas somente 253 moradores foram localizados nos hospitais, essa diferença se dá pelo número de óbitos e altas. (Tabela 5). BRASIL (2008). Tabela 5–relação do numero de moradores em Hospitais Psiquiátricos. Fonte: SES – SP, 2008. Disponível na internet:< http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e- conteudos-de-apoio/publicacoes/saude-mental/censo_psicossocialSP.pdf>Acessado em: Ago 2017. Grifo do autor. 93 Atualmente o número de hospitais psiquiátricos tem reduzido muito em todo o País, na cidade de Presidente Prudente o Hospital psiquiátrico São João foi desativado por motivos administrativos, e seus pacientes foram na maioria transferidos de maneira provisória para o hospital Bezerra de Benezes, ou transferidos para as Residências Terapêutica que iniciaram suas atividades na cidade em 2015. Como a tendência é a progressiva desativação dos hospitais, a demanda por serviços terapêuticos em Presidente Prudente tende a aumentar. ROBERTO (2015). 6.2.1. Residências Terapêuticas na cidade de Presidente Prudente. A cidade possui cinco residências terapêuticas, que atendem juntas uma média de 50 pacientes. As SRT começaram a ser implantadas na cidade no ano de 2015, No mapa abaixo destacan-se suas localizações. (Figura 25). 94 Figura 25–Localização das SRTs em Presidente Prudente. Fonte: Google Maps. Acessado em: Ago 2017, grifo do autor. Todas as residências da cidade estão instaladas em áreas mistas sendo residenciais e comerciais, da cidade. As Residências também possuem uma distância considerável de aproximadamente 5km do Centro de Atendimento Psicossocial voltado a Transtorno (CAPS II – Maracanã), sendo que a portaria nº- 106/GM/MS do ministério da saúde recomenda que as Residências terapêuticas estejam próximas a uma unidade do CAPS, com atendimento voltado a transtorno. CAPS II Bairro localizado na cidade 95 6.2.2 – Análise e estudo da Residência Terapêutica I de Presidente Prudente Para o entendimento da funcionalidade e espaço da Residência Terapêutica, foi necessário o conhecimento de uma unidade já existente, a fim de compreender as reais necessidades bem como destacar os exemplos ou as ineficiências. Foi realizada uma visita a primeira Residência terapêutica de Presidente Prudente, onde foi elaborado um levantamento sobre a funcionalidade, infraestrutura, acessibilidade, e principalmente programas de uso. A visita foi acompanhada pela atual Coordenadora de Saúde mental do município, Marly Fernandes dos Santos, que esclareu dúvidas e forneceu resposta valiosas que muito contribuíram para este projeto. A Residência Terapêutica I foi inaugurada em 2015, através de uma parceria entre a Prefeitura do Munícipio e o Ministério da Saúde. Está localizada na Rua Manoel de Jesus Rodrigues, 247, no Residencial Universitário. (Figura 26) De acordo com a Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo de Presidente Prudente, o bairro encontra-se em uma ZR3 – Zona Residencial de alta densidade populacional de ocupação horizontal e vertical. Em tal Zona é permitida a construção de residências unifamiliares, multifamiliares, horizontais e verticais, assim como comércio e serviço vicinal e de bairro (Figura 26) O bairro está localizado em uma área periférica da cidade, próximo à rodovia Julio Budiski. Seu principal acesso dá-se através da avenida Manoel Goulart, sendo esta também a principal via para as linhas de ônibus e eixo comercial do bairro, com importantes serviços e atividades. 96 Figura 26–mapa de zoneamento. Fonte: Prefeitura Municipal de Presidente Prudente. Acessado em: Ago 2017, modificado pelo autor. A SRT análizada abriga no total 10 mulheres que anteriormente eram moradoras e pacientes do Hospital Psiquiátrico São João. Além das moradoras, a SRT conta com oito cuidadores que trabalham em dois turnos, entre as 7h e ás 19h e das 19h até as 7h, totalizando 24h de atendimento, há também um coordenador psicólogo que é responsável pela Residência terapêutica. Residencia terapeutica I Bairro localizado na cidade 97 O edifício não foi construído para abrigar a Residência Terapêutica, mas sim, alugado e adaptado para os moradores portadores da síndrome psíquica (Figura 27). Figura 27–croqui da residência terapêutica I Pres Prudente. Fonte: autor. Sem escala. Nov 2017 98 A residência possui uma planta baixa ortogonal, construída em alvenaria e dividida em nove áreas, sendo: três quartos, uma sala, uma cozinha, uma sala de jantar, dois banheiros e uma garagem, O expaço não contempla nenhuma área reservada para os funcionários e nem para cuidados médicos dos moradores. Figura 28–Espaço interno da residência terapêutica I Pres Prudente. Fonte: autor. Nov. 2017 99 Figura 29–Espaço interno da residência terapêutica I Pres. Prudente. Fonte: autor. Nov. 2017 Os espaços possuem dimensões reduzidas e foram adaptados para abrigar a grande quantidade de moradores. Os três quartos são divididos para acomodar os moradores, sendo que dois deles possuem três camas cada, e um possuem quatro camas sendo um beliche (Figura 28). A sala possui uma televisão e três sofás, totalizando seis acentos (Figura 29). A Residência não tem nenhuma forma de adaptação para acessibilidade, possuindo uma área estreita de passagem pelos cômodos, e como revestimento do piso utiliza cerâmica em toda a área. Com a visita feita na residência, fica notório a importância de um espaço mais amplo, capaz de atender de maneira confortável e eficaz, com acessibilidade e segurança, todas as necessidades dos pacientes e dos funcionários. É observado também a falta de áreas destinadas a atividades terapêutica, já que o CAPS responsável por essas atividades fica muito distante da área. 100 101 102 CAPÍTULO 7 – O TERRENO A proposta apresentada envolve uma residência terapêuticas inseridos em perímetro urbano com acesso fácil, além de apontar diretrizes para um melhor espaço para a arquitetura de SRTs. Sendo assim, para a escolha da área de intervenção, foi necessário levar em conta algumas características singulares referentes a este tipo de projeto. Segundo a portaria nº- 106/GM/MS do ministério da saúde, é recomendado que as unidades de SRT sejam implantadas próximas a um serviço de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), além de um edifício público voltado a saúde, a fim de dar suporte necessário para a moradia. De acordo com a biografia estudada, há a necessidade de um espaço que permita uma reinserção social dos pacientes que também possibilite privacidade e calmaria ao longo do tratamento, logo, a proximidade de vias muito movimentadas, ou centros de comercio, pode ser prejudicial. Para ilustrar os principais pontos utilizado para esta seleção, segue o diagrama a baixo (Figura 30): 103 Figura 30: Mapa de fatores para a seleção da região onde será implantado o projeto: Fonte: Elaborado pelo autor. 104 Através dos requisitos apresentados, foi escolhido um lote em uma região da cidade que atendiam as especificações necessárias. O Bairro está localizado na região Norte da cidade e tem como principal via de acesso às avenidas Salim Farah Maluf e Juscelino Kubitschek, seu principal referencial é proximidade com o estádio Paulo Costantino “Prudentão”, (Figura 31) Figura 31– Imagem Aérea do bairro jd Maracanã em relação a cidade de Presidente Prudente. Fonte: Google Earth. Acessado em: Ago 2017, modificado pelo autor. 105 Localizado em uma área amplamente