UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Biociências Câmpus do Litoral Paulista A ICTIOFAUNA DE UM RIACHO COSTEIRO EM CANANEIA – SP: COMPOSIÇÃO, HISTÓRIA NATURAL E SEU USO NA IMPLEMENTAÇÃO DE ATIVIDADE DE TURISMO SUSTENTÁVEL GABRIEL RAPOSO SILVA DE SOUZA SÃO VICENTE – SP 2019 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” CÂMPUS DO LITORAL PAULISTA A ICTIOFAUNA DE UM RIACHO COSTEIRO EM CANANEIA – SP: COMPOSIÇÃO, HISTÓRIA NATURAL E SEU USO NA IMPLEMENTAÇÃO DE ATIVIDADE DE TURISMO SUSTENTÁVEL MESTRANDO: GABRIEL RAPOSO SILVA DE SOUZA ORIENTADOR: DOMINGOS GARRONE NETO Dissertação apresentada ao Câmpus do Litoral Paulista, UNESP, para a obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade de Ambientes Costeiros. SÃO VICENTE – SP 2019 Para Aline, minha companheira e melhor amiga. Aos meus pais, Rose e Marcos, meu porto seguro. Para minha irmã, Ariana, sempre ao meu lado. “O naturalista é um caçador civilizado. Ele vai sozinho ao campo e fecha a mente para tudo, exceto àquele lugar e tempo, de modo que a vida ao seu redor pressiona todos os seus sentidos e os pequenos detalhes crescem em significância. Ele começa a procura para qual sua cognição foi projetada. Sua mente começa a desfocar, concentrando-se em tudo, deixando de lado as tarefas comuns e convenções sociais”. – Edward O. Wilson AGRADECIMENTOS A Domingos Garrone Neto, pelos seis anos de amizade, parceria e orientação, no field e fora dele, na água doce e na salgada, sou eternamente grato pela dedicação e preocupação em ensinar como ser um profissional acima da média e me abrir tantas portas e oportunidades, muito obrigado parceiro! A Adriana Simoneti (Nana), por me acolher inúmeras vezes, com tanta paciência e carinho, e a Malu e Luana por sempre permitirem que o tio Gabriel levasse seu pai para o campo por tantos dias! Ao Vilmar Antônio Rodrigues, pela força dada às campanhas, enchendo a caçamba de tralhas pelos buracos e barros do caminho, sempre de bom humor e disposto a entrar nas maiores enrascadas. Ao Eduardo O. Santinelli, pela companhia e espetacular ajuda no campo, aguentando a água gelada (quase hipotérmica!) durante os meses de inverno, as picadas de tudo que é inseto durante os meses de verão, muitas vezes “quebrando um super galho” em situações que não pude estar presente, obrigado Santinelli! Aos amigos Bruno Ogata e Manuela A. N. Sales pela ajuda em algumas campanhas, principalmente em julho, onde a temperatura da água era de “doer a espinha”, a companhia de vocês foi demais. O “Chinelo” também agradece. Ao Daniel Scharman, pela hospitalidade e parceira desde o dia em que dois caras malucos apareceram no seu quintal com equipamentos aos montes e sumiram por algumas horas debaixo da água. Obrigado pela confiança, troca de experiências e, como não podia deixar de falar, das refeições preparadas no fogão a lenha! Ao pessoal do rio das Minas, Calú, Maria e Mari, e do Mandira, Seu Chico, Nei, Luis e Juca, pelo apoio e participação no projeto, trocando experiências e conhecimento ao longo desses dois anos. Ao Ley, por abrir as portas de sua casa e nos deixar mergulhar no “seu quintal”, muito obrigado. Ao Osvaldo T. Oyakawa por compartilhar seu conhecimento da ictiofauna da Mata Atlântica, auxiliando no campo e no MZUSP durante a triagem e identificação do material coletado. A Cristiano Burmester e André Noffs, pelo auxílio na obtenção de imagens incríveis na água, terra e ar, que ajudaram a ilustrar este trabalho de maneira excepcional. Ao Instituto Linha D’água, e seus coordenadores Marcos Rosa e Henrique Kefalas, que desde o início apostaram na nossa ideia e prestaram um apoio fundamental, sem o qual, todo este trabalho não teria sido possível, meu muito obrigado! A Gislene Torrente-Vilara e Fabio Cop Ferreira por me darem tantas dicas fundamentais na Qualificação. Vocês não imaginam o quanto foi importante! Aos eternos moradores da “Casa da Mãe Joana”, Pedro Bellini (Dollys), Lucas Antal (Meu P***), Rolando Ié (Papeixe) e Francisco Cammarota (Justin), por continuarem acolhendo o Tio. Sem bagunça no banheiro galera! A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por conceder a bolsa de Mestrado sem a qual, esta empreitada seria extremamente difícil. A Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Câmpus do Litoral Paulista (CLP) e Câmpus Experimental de Registro, por disponibilizarem pessoal e infraestrutura na realização de diversas atividades ao longo destes dois anos de trabalho. Aos funcionários do CLP, pela orientação e ajuda durante vários momentos ao longo desses dois anos. Por último, mas de forma alguma menos importante, meu eterno agradecimento à minha avó Maria Helena pelo apoio das mais diversas maneiras e a minha segunda família, Lourdes, Marcos, Juliana, Dona Elza e Artur, que são parte significativa na minha formação e carreira, muito obrigado! 1 SUMÁRIO RESUMO ..................................................................................................................................................... 2 ABSTRACT ................................................................................................................................................. 3 INTRODUÇÃO GERAL ............................................................................................................................. 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 – COMPOSIÇÃO DA ICTIOFAUNA DE UM RIACHO DA MATA ATLÂNTICA DO SUDESTE DO BRASIL............................................................................................................................. 12 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 12 MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................................... 13 RESULTADOS ...................................................................................................................................... 16 DISCUSSÃO ......................................................................................................................................... 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 24 CAPÍTULO 2 – HISTÓRIA NATURAL DE PEIXES DE UM RIACHO COSTEIRO DA MATA ATLÂNTICA, SUDESTE DO BRASIL: ASPECTOS GERAIS E DESCRIÇÃO DE DOIS COMPORTAMENTOS ENVOLVENDO A ALIMENTAÇÃO DO ACARÁ, Geophagus brasiliensis .. 29 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 29 MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................................... 31 RESULTADOS ...................................................................................................................................... 34 DISCUSSÃO ......................................................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................................................... 57 CAPÍTULO 3 – A ICTIOFAUNA COMO INTRUMENTO DE CONSERVAÇÃO DE RIACHOS NA MATA ATLÂNTICA E SEU USO NA IMPLEMENTAÇÃO DE TURISMO SUTENTÁVEL DE BASE COMUNITÁRIA: UM ESTUDO DE CASO ENVOLVENDO O PROJETO “PEIXES DO LAGAMAR”. .................................................................................................................................................................... 62 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 62 METODOLOGIA .................................................................................................................................. 64 RESULTADOS E IMPRESSÕES ......................................................................................................... 69 CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS..................................................................................................... 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 85 ANEXOS .................................................................................................................................................... 87 Anexo 1 .................................................................................................................................................. 87 Anexo 2 .................................................................................................................................................. 87 Anexo 3 .................................................................................................................................................. 88 Anexo 4 .................................................................................................................................................. 89 Anexo 5 .................................................................................................................................................. 90 Anexo 6 .................................................................................................................................................. 91 Anexo 7 .................................................................................................................................................. 92 Anexo 8 .................................................................................................................................................. 93 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................................................... 94 2 RESUMO Neste trabalho estudamos a composição, distribuição e história natural da comunidade de peixes em um riacho litorâneo da Mata Atlântica. Além disso, relatamos um estudo de caso envolvendo a utilização desta ictiofauna como ferramenta de divulgação e conscientização ambiental, no âmbito do projeto “Peixes do Lagamar”. Conduzimos os estudos ictiofaunísticos em três trechos do rio das Minas, no município de Cananeia, litoral sul do estado de São Paulo. Apesar de estar localizado, em sua maior parte, dentro do Parque Estadual do Lagamar de Cananeia, o rio das Minas não possuía registros a respeito de sua ictiofauna. Realizamos observações diretas (mergulho livre) e indiretas (BRUVS – Baited Remotely Underwater Video Station) durante dois anos (2017 e 2018) e coletas tradicionais (covo, picaré, puçá etc.) somente em uma campanha (set./2017). Ao todo, registramos 31 espécies, pertencentes a 14 famílias e cinco ordens, com 28 espécies no trecho a jusante, 17 no trecho intermediário e seis a montante, fato que esteve relacionado ao gradiente altitudinal existente entre os pontos de coleta. Descrevemos dois comportamentos para Geophagus brasiliensis: i) uma nova tática de forrageamento e ii) uma associação alimentar do tipo “nuclear-seguidor” com o lambari Deuterodon iguape. De forma complementar, realizamos estudos de capacidade de suporte no rio das Minas e em um outro riacho da região, o rio Mandira, identificando áreas com potencial de receber visitantes para a prática de atividades de flutuação e sugerindo medidas de manejo para esse fim. Promovemos cursos de capacitação para os moradores do entorno desses riachos, objetivando formar condutores locais aptos a fornecerem informações a respeito da ictiofauna e de turismo subaquático de mínimo impacto. Além disso, produzimos diferentes materiais que auxiliaram na disseminação e execução do projeto, além de promover a divulgação da fauna de peixes de riacho e a necessidade da sua conservação. A riqueza de espécies observada para o rio das Minas foi superior ao que se conhece para outros riachos litorâneos da Mata Atlântica, demonstrando a importância dos inventários em áreas relevantes para a conservação deste bioma. A descrição de dois novos comportamentos para peixes de riachos ressaltou a importância dos estudos naturalísticos para o melhor conhecimento das interações existentes nestes ambientes. A união de pesquisa e extensão reforçou o potencial de ações dessa natureza em transformar a realidade de pequenas comunidades, apresentando novas opções de fonte de renda e educação ambiental, utilizando os peixes de riachos e estes ambientes como cenário. Palavras-chave: peixes de riacho, métodos não letais, Geophagus brasiliensis, turismo de base comunitária, Mata Atlântica. 3 ABSTRACT In this work, we study the composition, distribution and natural history of the fish community in a coastal stream of the Atlantic Forest. In addition, we report a case study involving the use of this ichthyofauna as a tool for dissemination and environmental awareness, within the scope of the "Peixes do Lagamar" project. We conducted the ichthyofaunistic studies in three stretches of the Rio das Minas, in the municipality of Cananeia, south coast of the state of São Paulo. Despite being located, for the most part, within the Lagamar de Cananeia State Park, the Rio das Minas had no records regarding its ichthyofauna. We conducted direct observations (snorkelling) and indirect observations (BRUVS - Baited Remotely Underwater Video Station) for two years (2017 and 2018) and traditional captures (fish trap, seine net, dip net and hook) in only one campaign (sep/2017). In total, we recorded 31 species, belonging to 14 families and five orders, with 28 species in the downstream section, 17 in the intermediate section and six upstream, a fact that was related to the altitudinal gradient existing between the collection points. We describe two behaviours for Geophagus brasiliensis: i) a new foraging tactic and ii) a "nuclear-follower" food association with tetra Deuterodon iguape. In addition, we carried out studies of carrying capacity in the Rio das Minas and another stream in the region, the Rio Mandira, identifying areas with potential to receive visitors for the practice of flotation activities and suggesting management measures for this purpose. We promote training courses for residents of the areas close of these streams, aiming to train local guides able to provide information on the ichthyofauna and underwater tourism with minimal impact. In addition, we produced different materials that aided in the dissemination and execution of the project, as well as promoting the dissemination of the stream fish fauna and the need for its conservation. The species richness observed for the Rio das Minas was superior to what is known for other coastal streams of the Atlantic Forest, demonstrating the importance of inventories in areas relevant to the conservation of this biome. The description of two new behaviours for stream fish emphasized the importance of naturalistic studies to better understand the interactions existing in these environments. The union of research and extension reinforced the potential of such actions in transforming the reality of small communities, presenting new sources of income and environmental education, using the stream fish and these environments as scenery. Keywords: stream fish, non-lethal methods, Geophagus brasiliensis, community-based tourism, Atlantic Forest. 4 INTRODUÇÃO GERAL A região Neotropical é de grande importância, contribuindo para o conhecimento global da ictiofauna de água doce com aproximadamente 6.255 espécies de peixes (BIRINDELLI, SIDLAUSKAS 2018), o que equivale a cerca de 40% de todas as 15.600 espécies da ictiofauna de água doce do planeta (REIS et al. 2016). O Brasil, com aproximadamente 3.200 espécies é o país que abriga o maior número delas (DIAS et al. 2016). Apesar desta importante contribuição, o Brasil ainda carece de informações acerca da biologia básica, taxonomia, sistemática e história natural da ictiofauna de rios e riachos do país (NOGUEIRA et al. 2010; REIS et al. 2016). Azevedo et al. (2010) relataram que o número mais preciso de espécies de peixes de água doce no Brasil ainda é difícil de estimar, devido à falta de informações em bacias hidrográficas inteiras, principalmente em regiões mais remotas e de difícil acesso, por conta da carência de pesquisadores e infraestrutura em algumas regiões do país, além da necessidade de revisões taxonômicas em diversos grupos. Frente a este cenário, pesquisadores vêm buscando preencher as lacunas de conhecimento sobre a ictiofauna de água doce brasileira (DIAS et al. 2016). Estudos recentes indicaram que a quantidade de trabalhos sobre peixes de rios e riachos brasileiros cresceu significativamente nas últimas duas décadas (BIRINDELLI, SIDLAUSKAS 2018), com destaque para as regiões centro-oeste e sudeste do Brasil (DIAS et al. 2016). Mesmo com o importante progresso alcançado nos últimos 20 anos, o conhecimento e o registro da diversidade de peixes na região Neotropical precisa continuar aumentando, frente às ameaças de degradação ambiental causadas por fatores antrópicos como urbanização, práticas agrícolas não sustentáveis, poluição, retirada da vegetação natural, construção de hidrelétricas e barragens (REIS et al. 2016; FREDERICO et al. 2018) e, no caso do Brasil, o risco iminente no corte de investimentos para a pesquisa (BIRINDELLI, SIDLAUSKAS 2018). Dentre os diferentes tipos de ambientes de água doce, os riachos Neotropicais vêm atraindo a atenção dos ictiólogos por representarem importante fonte de novas espécies de peixes (DIAS et al. 2016). Com características que os distinguem de outros corpos de água doce, os riachos podem ser definidos como rios de baixa ordem (i.e., menor ou igual a quatro), com largura e profundidade reduzidas, velocidade de correnteza relativamente alta, pouca incidência de luz solar devido à cobertura de vegetação ripária densa, água transparente e com baixa temperatura, alternância entre áreas de remanso e corredeira, fundo irregular caracterizado por predominância de areia grossa, cascalho e rochas, além do acúmulo de folhiço em decomposição nos poços e remansos (CASTRO 1999; SAZIMA et al. 2001; OYAKAWA 5 et al. 2006; MENEZES et al. 2007; ABILHOA et al. 2011; LOBÓN-CERVIÁ et al. 2016). As espécies de peixes que habitam os riachos são, em sua grande maioria, de pequeno porte (i.e., menor que 15 cm de comprimento), possuem alto grau de endemismo e estima-se que representam mais de 50% de todas as espécies de peixes de água doce da região Neotropical (CASTRO 1999; MARCENIUK et al. 2011). Quando comparados aos rios de maior porte, os riachos possuem a ictiofauna ainda pouco explorada (FREDERICO et al. 2018), podendo existir diversas espécies sob sério risco de extinção sem ao menos terem sido descritas ou estudadas quanto a sua biologia básica e história natural (NOGUEIRA et al. 2010). Castro (1999) atribuiu ao tamanho reduzido e, consequentemente, a menor capacidade de locomoção a grandes distâncias, uma das principais causas para a distribuição geográfica mais restrita das espécies de peixes de riachos, quando comparadas às espécies de grande porte que ocupam diversos rios da região Neotropical. Nogueira et al. (2010) realizaram um estudo no qual foram identificadas 819 espécies de peixes de riachos brasileiros com distribuição restrita, o que equivale a pouco mais de 25% da ictiofauna de água doce do país (DIAS et al. 2016), ocupando uma área de aproximadamente 5% do território nacional (NOGUEIRA et al. 2010). Somado à capacidade reduzida de locomoção de peixes de pequeno porte (CASTRO 1999), as características geográficas e a história geológica destes ambientes (RIBEIRO 2006) contribuem significativamente para a destacada diversidade ictiofaunística encontrada nos ambientes de riachos (THOMAZ, KNOWLES 2018). A história da ictiofauna dos riachos costeiros brasileiros teve início com a separação dos continentes sul-americano e africano, entre 98 e 93 milhões de anos atrás, com a ocorrência de diversos processos geológicos que foram moldando o relevo e a conformação das bacias costeiras do Cretáceo até os dias atuais (OYAKAWA et al. 2006; RIBEIRO 2006). As bacias costeiras do leste do Brasil são formadas por diversos riachos que formam pequenas bacias hidrográficas parcialmente isoladas pelo relevo, a montante, e pela influência da água salgada, a jusante (ABILHOA et al. 2011; THOMAZ, KNOWLES 2018). Por conta disso, as espécies de peixes que habitam os riachos costeiros brasileiros evoluíram isoladamente, porém com alguns eventos esporádicos de dispersão entre as bacias hidrográficas localizadas no interior do continente (RIBEIRO 2006; MARCENIUK et al. 2011; THOMAZ, KNOWLES 2018). Esta trajetória biogeográfica dos riachos da costa brasileira é responsável pela elevada diversidade ictiofaunística, com cerca de 500 espécies com a proporção de endemismo chegando a 95% (BIZERRIL 1994; THOMAZ, KNOWLES 2018). 6 A relação existente entre o ecossistema de riacho e a vegetação do seu entorno é fundamental para a manutenção da ictiofauna (CETRA, PETRERE-JR 2007). Segundo o conceito do Rio Contínuo (sensu Vannote et al. 1980), quanto menor a ordem de um rio, maior será a contribuição da matéria orgânica proveniente da vegetação ripária como base da produtividade primária do riacho, fornecendo recursos alimentares de origem alóctone como sementes, frutos, flores e insetos terrestres, os quais fazem parte da dieta de diversas espécies de peixes (ZENI, CASATTI 2014; GONÇALVES et al. 2018). Ainda, diversos autores destacam que em ecossistemas de riachos, onde o volume de água é relativamente menor, a influência da vegetação ripária é fundamental para regular o fluxo de água, fornecer matéria orgânica e substratos para o desenvolvimento de algas e perifíton que formarão a base da cadeia trófica, além de proteção às espécies de peixes que ocupam esses ambientes (SABINO, CASTRO 1990; OYAKAWA et al. 2006; CETRA, PETRERE-JR 2007; MENEZES et al. 2007; ABILHOA et al. 2011; ZENI, CASATTI 2014; LEITE et al. 2015; GONÇALVES et al. 2017; GONÇALVES et al. 2018). Por conta de sua distribuição restrita (NOGUEIRA et al. 2010), elevada proporção de endemismo (THOMAZ, KNOWLES 2018), características biogeográficas particulares (RIBEIRO 2006) e grande dependência da vegetação ripária para sua sobrevivência (CETRA, PETRERE-JR 2007; ZENI, CASATTI 2014; GONÇALVES et al. 2018), os peixes dos riachos costeiros brasileiros encontram-se sob constante ameaça de origem antrópica. Na região Neotropical, o desmatamento começou com a colonização dos europeus e se intensificou no Século XX com o aumento demográfico (TABARELLI et al. 2010). Acompanhando a tendência mundial, cerca de 66% da população brasileira se concentra na região costeira (i.e., 0–200km da costa), segundo dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2010). Com esta ocupação e concentração demográfica, o bioma Mata Atlântica, que se distribui ao longo da costa sul, sudeste e leste do Brasil, teve sua cobertura natural reduzida a atuais 12,4% (SOSMA 2019). A região do país onde o bioma Mata Atlântica encontra-se mais preservado é a região do litoral sul do estado de São Paulo (BARRELLA et al. 2014). Parte desta característica deve- se a um importante mosaico de Unidades de Conservação com diferentes níveis de restrição e modalidades de uso na região, totalizando uma área de aproximadamente 11.000 km² sob algum tipo de proteção (BARRELLA et al. 2014). Além disso, esta região é reconhecida e classificada pela UNESCO como Reserva de Biosfera (LINO, MORAES 2005) e, recentemente, foi incluída na lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional (Sítio Ramsar) (RAMSAR 2018). 7 Apesar de sua importância na conservação da Mata Atlântica, a quantidade de informações a respeito da ictiofauna de riachos no litoral sul do estado de São Paulo ainda é incipiente. Nesse contexto, nosso objetivo foi realizar um estudo acerca da comunidade de peixes no rio das Minas, um riacho litorâneo localizado no município de Cananeia, contemplando a composição de espécies, sua história natural e sua utilização como ferramenta de divulgação e conscientização ambiental através da implementação de uma atividade de turismo de mergulho. Para tal, as seguintes questões foram abordadas: 1. Quais espécies de peixes ocorrem na área de estudo? 2. Como estas espécies estão distribuídas ao longo do riacho? 3. Quais as peculiaridades no comportamento de algumas espécies? 4. É possível implementar uma atividade turística de mergulho de flutuação para observação de peixes em ambientes de riacho na Mata Atlântica? Por estar inserido em região com alto grau de preservação da Mata Atlântica, os dados aqui obtidos poderão ser utilizados como referência para futuros estudos com a ictiofauna de riachos litorâneos deste bioma. Além disso, estas informações serão úteis para subsidiar ações de manejo na região, mais especificamente no Parque Estadual do Lagamar de Cananeia (PELC), na qual parte da área de estudo está inserida. Com o intuito de ordenar o trabalho e facilitar a sua leitura, organizamos o conteúdo da dissertação em capítulos, como se segue: No Capítulo 1 caracterizamos a comunidade de peixes presente no rio das Minas através de uma lista de espécies, com informações a respeito de sua distribuição no local de estudo. O Capítulo 2 apresenta um estudo naturalístico a respeito dessa ictiofauna, com destaque para a descrição de dois comportamentos: o primeiro trata do comportamento de movimentação de objetos pelo acará, Geophagus brasiliensis, e o segundo descreve o comportamento de associação alimentar do tipo “nuclear-seguidor” entre o lambari, Deuterodon iguape, e o acará, G. brasiliensis. Cada uma das descrições foi submetida a periódicos para sua publicação. Adicionalmente, com base no conteúdo dos Capítulos 1 e 2, estamos elaborando um manuscrito a ser submetido para algum periódico do campo da ecologia. Finalmente, o Capítulo 3 traz um estudo de caso envolvendo a implementação de uma atividade de turismo de mínimo impacto para a observação de peixes de riacho através da flutuação. Este estudo foi elaborado no âmbito do Projeto “Peixes do Lagamar”, através do apoio financeiro do Instituto Linha D’água, com o intuito de divulgar os resultados obtidos na presente dissertação, contribuir para a geração de renda das comunidades situadas no entorno da área de estudo e diminuir a distância entre sociedade, academia e biodiversidade, através da 8 observação subaquática de peixes. Essas ações permitiram a produção de vasta gama de materiais didático-instrucionais, alguns dos quais estão anexados a este documento, e suas experiências serão compartilhadas com a comunidade científica por meio da publicação de um artigo científico em periódico da área do turismo. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABILHOA, V.; BRAGA, R. R.; BORNATOWSKI, H.; VITULE, J. R. Fishes of the Atlantic Rain Forest streams: ecological patterns and conservation. In: GRILLO, O. Changing diversity in changing environment. Rijeka: InTech, 2011. 392p. AZEVEDO, P. G.; MESQUITA, F. O.; YOUNG, R. J. 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Dentre os vertebrados presentes na Mata Atlântica, os peixes de riachos são os menos estudados (OYAKAWA et al. 2006; MENEZES et al. 2007; GONÇALVES 2012). Com a maioria das espécies apresentando um tamanho do corpo reduzido (i.e., 15 cm de comprimento) (CASTRO 1999), a ictiofauna de riachos compreende de 70 a 80% das 390 espécies de peixes de água doce do estado de São Paulo (ABILHOA et al. 2011; OYAKAWA, MENEZES 2011; BARRELLA et al. 2014; CERQUEIRA et al. 2016). Além disso, essas espécies apresentam distribuição restrita, considerável grau de endemismo, elevada dependência da vegetação ripária para sua alimentação, reprodução e proteção (SABINO, CASTRO 1990; CASATTI et al. 2001 SAZIMA et al. 2001; OYAKAWA et al. 2006; CETRA, PETRERE-JR 2007; MENEZES et al. 2007; SERRA et al. 2007; ABILHOA et al. 2011; ZENI, CASATTI 2014; LEITE et al. 2015; LOBÓN-CERVIÁ et al. 2016; GONÇALVES et al. 2017; GONÇALVES et al. 2018) e pouco ou nenhum valor comercial, com exceção de algumas espécies explotadas pelo mercado de peixes ornamentais (OYAKAWA, MENEZES 2011; AMARAL et al. 2015; CERQUEIRA et al. 2016; AZEVEDO et al. 2017). Apesar do aumento de trabalhos sobre a ictiofauna de riachos nas últimas duas décadas (AZEVEDO et al. 2010; DIAS et al. 2016; BIRINDELLI, SIDLAUSKAS 2018), algumas regiões ainda carecem de informações. Oyakawa, Menezes (2011) apontaram que das quatro grandes bacias hidrográficas do estado de São Paulo (Bacia do Alto Paraná, Bacia do Ribeira de Iguape, Bacia do Paraíba do Sul e Bacia Litorânea), as bacias Paraíba do Sul e Litorânea, também denominada como Bacia do Leste (BIZERRIL 1994), são as menos inventariadas. A Serra do Mar é uma cadeia montanhosa com altitudes que ultrapassam os 2.000 metros, estendendo-se paralelamente à costa brasileira, entre o Rio de Janeiro e norte de Santa Catarina. A combinação de um clima tropical chuvoso com as encostas íngremes e diversas escarpas ao longo de sua formação é responsável pela criação de diversas micro- bacias fluviais, cujos pequenos riachos fluem paralelamente entre si, através da Mata Atlântica e em direção ao 13 Oceano Atlântico (MAZZONI, LOBÓN-CERVIÁ 2000; OYAKAWA et al. 2006; RIBEIRO 2006; RIBEIRO et al. 2006; ABILHOA et al. 2011; GONÇALVES 2012). Devido à exposição constante a pressões antrópicas decorrentes da concentração humana na região costeira (RIBEIRO et al. 2009; ABILHOA et al. 2011), os riachos litorâneos estão sob grande ameaça e a falta de informação sobre a sua ictiofauna (MAZZONI, LOBÓN- CERVIÁ 2000; SAZIMA et al. 2001; OYAKAWA, MENEZES 2011; GONÇALVES, BRAGA 2013) é cada vez mais preocupante (MAZZONI, LOBÓN-CERVIÁ 2000; MENEZES et al. 2007), principalmente por ser tratar de uma área tão importante para a biodiversidade de peixes (MAZZONI et al. 2018). Além da falta de informação básica acerca dos ambientes de riachos litorâneos, a implementação de ações efetivas para a conservação destes ecossistemas é afetada por conta da falta de integração dos ambientes terrestres com os ambientes de água doce (BARRELLA et al. 2014). Não relacionar e compreender a interdependência destes dois sistemas acaba favorecendo o entendimento dos ambientes terrestres e seus organismos, enquanto que os riachos e sua ictiofauna acabam ficando de lado na maioria das ações de manejo e conservação (NOGUEIRA et al. 2010). Casatti et al. (2001) afirmam que o levantamento das espécies de peixes presentes em um determinado local é o primeiro passo para a obtenção de informações necessárias para a compreensão da biologia e dos processos ecológicos que influenciam a comunidade de peixes deste local, subsidiando ações de manejo e conservação (MENEZES et al. 2007; GONÇALVES 2012), além de embasar diversas outras pesquisas científicas (CASSATI 2005). Sendo assim, o objetivo deste estudo foi determinar a composição de espécies presentes no rio das Minas, assim como sua distribuição ao longo de um gradiente longitudinal, preenchendo uma importante lacuna no conhecimento ictiofaunístico da Bacia do Leste. Além disso, pelo fato de o local de estudo estar inserido em uma área muito preservada, estes dados servirão de referência e poderão ser utilizados na comparação de estudos conduzidos em áreas com diferentes graus de impacto ambiental. Em um contexto local, disponibilizaremos nosso trabalho para a gestão do PELC o qual poderá utilizá-lo na elaboração do seu plano de manejo. MATERIAL E MÉTODOS Local de estudo O rio das Minas (24°59'28.30"S, 48°7'46.78"O) é um riacho da Bacia Costeira do Litoral Sul de São Paulo (Figura 1), localizado no Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape-Cananeia- Paranaguá e dentro do Mosaico de Unidades de Conservação do Lagamar, uma área 14 reconhecida e classificada pela UNESCO como Reserva da Biosfera (LINO, MORAES 2005) e, recentemente, incluída na lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional (Sítio Ramsar) (RAMSAR 2018). Parte do rio das Minas está inserida no Parque Estadual do Lagamar de Cananeia (PELC), uma Unidade de Conservação (UC) de proteção integral criada em 2008, com uma área total de mais de 40 mil ha (FUNDAÇÃO FLORESTAL 2019). O rio das Minas é um típico riacho litorâneo, com trechos de cachoeiras e corredeiras, formação de poços com maiores profundidades e desaceleração do fluxo d’água, além de trechos com características lênticas quando mais próximo da planície costeira e com influência das marés (OYAKAWA et al. 2006; BARRELLA et al. 2014). O clima da região é subtropical úmido, sem uma estação seca proeminente (GONÇALVES et al. 2017). A precipitação média anual é de 1.300-2.200 mm, sendo as maiores concentrações nos meses mais quentes e úmidos (outubro a abril) e as menores nos meses de maio a setembro, com temperaturas anuais médias variando de 20 a 24°C (GONÇALVES, BRAGA 2013). Figura 1 – Localização da área de estudo no litoral sul do estado de São Paulo (a). No detalhe (b), o rio das Minas (linha amarela) com a marcação dos três pontos de coleta: (c) Poço da Cachoeira (RMPC); (d) Piscina Natural (RMPN); (e) Poço do Ley (RMPL). Créditos: Google Earth®. Coleta de dados As coletas foram realizadas em três pontos distribuídos ao longo de um trecho de 1.200 metros: (i) Poço da Cachoeira (RMPC), 83 metros de altitude (24°59'28.95"S; 48°7'55.76"O); (ii) Piscina Natural (RMPN), 56 metros de altitude (24°59'29.22"S; 48°7'45.82"O); e (iii) Poço do Ley (RMPL) 19 metros de altitude (24°59'43.60"S; 48°7'25.42"O) (Figura 1). Não foi possível realizar coletas em pontos mais à montante devido à dificuldade de acesso, tratando- se de um local com vegetação densa, alto grau de preservação e acentuado aclive. 15 O estudo foi conduzido ao longo de dois anos (2017 e 2018), nas estações seca (maio a setembro) e chuvosa (outubro a abril), totalizando 12 campanhas de aproximadamente três dias cada. Os dados foram obtidos através de três abordagens distintas: (i) observação direta, (ii) observação indireta e (iii) coleta (Figura 2). As duas primeiras abordagens apresentaram um caráter não invasivo, com observações diretas por meio de mergulho livre (snorkelling sensu SABINO 1999) e indiretas, através da utilização de filmagens (BRUVS - Baited Remotely Underwater Video Station), realizadas com câmera de vídeo (GoPro®) e isca como atrator (Figuras 2a e 2b, respectivamente). Vale ressaltar que a utilização de filmagens é inédita para a obtenção de dados sobre a ictiofauna em riachos litorâneos da Mata Atlântica, tendo sido utilizada com intuito de complementar a obtenção de dados acerca da composição de espécies do rio das Minas, principalmente daquelas com comportamento críptico e menor distância de fuga e, portanto, de difícil observação durante os mergulhos. A terceira abordagem utilizada foi a coleta com a utilização de picaré, armadilha tipo covo e puçá (Figura 2c), com o principal objetivo de obter espécimes-testemunho (COTEC/FF Proc. SMA n. 260108 – 000.164/2017). As observações direta e indireta foram feitas durante o dia (09h-16h) e durante a noite (20h- 22h) e as coletas foram realizadas somente na campanha de setembro de 2017 durante o dia e durante a noite (09h-21h). Os espécimes coletados foram acondicionados em sacos plásticos e fixados em solução de formol 10% por pelo menos seis dias, para então serem transferidos em solução de etanol 70% para posterior identificação. No laboratório, os peixes foram identificados utilizando manuais e chaves de identificação (OYAKAWA et al. 2006; MENEZES et al. 2007; GONÇALVES et al. 2017) e, em alguns casos, com apoio de especialista (Dr. Osvaldo Takeshi Oyakawa, MZUSP). Os espécimes-testemunho foram depositados na coleção do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP 124079-124116). Figura 2 – Métodos de coleta de dados utilizados, com abordagens não invasivas (a, mergulho livre (snorkelling); b, BRUVS) e invasiva (c, rede do tipo “picaré”). 16 Análise dos resultados A riqueza de espécies de peixes foi considerada como o número de espécies presentes em cada um dos pontos de coleta (RMPC, RMPN e RMPL). A abordagem utilizada para estimar a riqueza de espécies foi a curva de acumulação de espécies, ou curva do coletor (MAGURRAN 2013). Também foi realizado o cálculo de Constância de Ocorrência, agrupando as espécies de peixes registradas em três categorias: (i) constantes, para as espécies presentes em mais de 50% das coletas realizadas; (ii) acessórias, com presença entre 25 e 50% das coletas; e (iii) acidentais, para as espécies presentes em menos de 25% das coletas. Para esse cálculo, cada campanha foi considerada como uma coleta e uma observação. RESULTADOS Foram registradas 31 espécies, pertencentes a 14 famílias e cinco ordens (Tabela 1). As ordens mais representativas foram Siluriformes com 14 espécies e Characiformes com 12 espécies, representando 45,2% e 38,7%, respectivamente (Figura 3). As ordens menos representativas foram Perciformes com três espécies (9,6%) e Cyprinodontiformes e Synbranchiformes, com uma espécie cada (3,2%). Em relação às famílias, Characidae e Loricariidae foram as mais representativas quanto ao número de espécies, com sete e seis, respectivamente, seguidas por Heptapteridae com cinco espécies e Crenuchidae com três espécies (Figura 4). O ponto de coleta com o maior número de espécies de peixes registradas foi RMPL, seguido por RMPN e RMPC (Figura 5). A constância de ocorrência ao longo das campanhas é apresentada na Tabela 2, com um maior número de espécies constantes e a curva do coletor na Figura 6, com tendência de estabilização da riqueza a partir da nona campanha. Tabela 1 – Lista de espécies de peixes registradas no rio das Minas, Cananeia, com sua ocorrência em cada um dos pontos de estudo: Poço da Cachoeira (RMPC), Piscina Natural (RMPN) e Poço do Ley (RMPL), além da representatividade das ordens nos pontos de estudo. As ordens e famílias seguem a sequência proposta por Oyakawa et al. (2006) e as espécies encontram-se em ordem alfabética dentro das famílias. ORDEM/Família/Espécie PONTOS DE COLETA RMPC RMPN RMPL SILURIFORMES 50% 53% 39% Callichthyidae Scleromystax barbatus (Quoy & Gaimard, 1824) X Loricariidae Ancistrus multispinis (Regan, 1912) X X Hypostomus interruptus (Miranda, 1918) X X Isbrueckerichthys alipionis (Gosline, 1947) X 17 Kronichthys cf. lacerta (Nichols, 1919) X X Rhineloricaria sp. X Schizolecis guntheri (Miranda Ribeiro, 1918) X X Trichomycteridae Trichomycterus zonatus (Eigenmann, 1918) X Pseudopimelodidae Microglanis cottoides (Boulenger, 1891) X X Heptapteridae Acentronichthys leptos Eigenmann & Eigenmann, 1889 X Imparfinis sp. X X Pimelodella transitoria (Miranda Ribeiro, 1907) X X X Rhamdia quelen (Quoy & Gaimard, 1824) X X Rhamdioglanis transfasciatus Miranda Ribeiro, 1908 X PERCIFORMES 17% 12% 11% Cichlidae Geophagus brasiliensis Haseman, 1911 X X Gobiidae Awaous tajasica (Lichtenstein, 1822) X X X Centropomidae Centropomus parallelus Poey, 1860 X CHARACIFORMES 33% 35% 43% Curimatidae Cyphocharax santacatarinae (Fernandez-Yepez, 1948) X Characidae Astyanax sp1. (sensu OYAKAWA et al. 2006) X X Astyanax ribeirae Eingenmann, 1911 X Deuterodon iguape Eigenmann, 1907 X X X Hollandichtys multifasciatus (Eigenmann & Norris, 1900) X Hyphessobrycon griemi Hoedeman, 1957 X Mimagoniates microlepis (Steindachner, 1876) X Oligosarcus hepsetus (Cuvier, 1817) X X Crenuchidae Characidium japuhybense Travassos, 1949 X X Characidium lanei Travassos, 1967 X X X Characidium pterostictum Gomes, 1947 X X Characidium sp. X X Erythrinidae Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) X CYPRINODONTIFORMES 0% 0% 4% Poeciliidae Phalloceros reisi Lucinda 2008 X SYNBRANCHIFORMES 0% 0% 4% Synbranchidae Synbranchus marmoratus Bloch, 1795 X 18 Figura 3 – Porcentagem das ordens de peixes coletados no rio das Minas, Cananeia –SP. Figura 4 – Contribuição das famílias da assembleia de peixes do rio das Minas, Cananeia – SP. Figura 5 – Número de espécies registradas em cada um dos pontos de coleta (colunas), em relação ao gradiente de altitude (linha pontilhada). 0% 10% 20% 30% 40% 50% 23% 19% 16% 10% 3% Characidae Loricariidae Heptapteridae Crenuchidae Curimatidae Trichomycteridae Pseudopmelodidae Callichthyidae Cichlidae Gobiidae Centropomidae Erythrinidae Poeciliidae Synbranchidae Montante 6 17 Jusante 28 10 20 30 40 50 60 70 80 90 0 5 10 15 20 25 30 RMPC RMPN RMPL g ra d ie n te d e al ti tu d e (m et ro s) n º es p éc ie s 19 Tabela 2 – Constância de ocorrência das espécies de peixes registradas no rio das Minas, Cananeia – SP. Constantes presentes em mais de 50% das amostras; Acessórias registradas entre 25 e 50% das campanhas; Acidentais presentes em menos de 25% das campanhas. Obs.: as espécies Characidium japuhybense, C. lanei e C. pterostictum não foram consideradas nesta análise devido à dificuldade de identifica-las durante os mergulhos, sendo consideradas somente em nível de gênero. Constantes Acessórias Acidentais Deuterodon iguape Astyanax sp1. Cyphocharax santacatarinae Mimagoniates microlepis Oligosarcus hepsetus Astyanax ribeirae Characidium spp. Rhamdioglanis transfasciatus Hollandichtys multifasciatus Geophagus brasiliensis Rhineloricaria sp. Hyphessobrycon griemi Scleromystax barbatus Trichomycterus zonatus Hoplias malabaricus Awaous tajasica Centropomus parallelus Acentronichthys leptos Rhamdia quelen Imparfinis sp. Pimelodella transitoria Isbrueckerichthys alipionis Ancistrus multispinis Kronichthys cf. lacerta Hypostomus interruptus Microglanis cottoides Schizolecis guntheri Phalloceros reisi Figura 6 – Curva de acumulação de espécies (curva do coletor). DISCUSSÃO A predominância das ordens Siluriformes e Characiformes já era esperada para o rio das Minas, visto que esse mesmo padrão é comum e recorrente em riachos da Mata Atlântica (ARANHA et al. 1998; CASTRO 1999; UIEDA, BARRETO 1999; SAZIMA et al. 2001; CASATTI et al. 2001; CASATTI 2005; OYAKAWA et al. 2006; ABILHOA et al. 2011; CERQUEIRA et al. 2016; SANTOS et al. 2017; GONÇALVES et al. 2017). Além disso, ao compararmos o número de espécies registradas no rio das Minas com trabalhos feitos em outros riachos da Mata Atlântica (e.g., CASATTI et al. 2001; ESTEVES, LOBÓN-CERVIÁ 2001; 0 5 10 15 20 25 30 35 ri q u ez a n amostral (campanhas) 20 CASATTI 2005; GOMIERO, BRAGA 2006; GONÇALVES, BRAGA 2013) observamos algumas semelhanças na riqueza e composição das espécies. Sazima et al. (2001) sugeriram que riachos localizados em áreas preservadas de Mata Atlântica apresentam cerca de 30 espécies de peixes, o que também corrobora com os achados do presente estudo, onde 31 espécies foram registradas. Casatti et al. (2001) também identificaram as ordens Siluriformes e Characiformes como sendo as mais representativas em riachos da bacia do alto rio Paraná – SP, com 45 e 41%, respectivamente. No rio das Minas, em Cananeia – SP, estas duas ordens também foram mais representativas. Uma similaridade em relação à representatividade, 50% para Siluriformes e 33% para Characiformes, também foi encontrada por Casatti (2005) em um riacho de primeira ordem no Parque Estadual Morro do Diabo, sudeste do Brasil, e por Gonçalves et al. (2017) na Estação Ecológica Juréia-Itatins, em Peruíbe – SP. Tais observações puderam ser atribuídas às características físicas desses locais, com predominância de ambientes de corredeiras e rochas submersas, características típicas de riachos costeiros, o que beneficia espécies mais bentônicas que utilizam essas estruturas para abrigo e captura de alimento, como os Siluriformes (MANNA et al. 2017). Desta forma, se amostrássemos a ictiofauna de locais mais a jusante, com velocidade de corrente menor, fundo arenoso com poucas rochas e maior profundidade, provavelmente veríamos outra situação. Ferreira, Petrere Jr (2009) e Gonçalves, Braga (2013) realizaram estudos com a ictiofauna em pontos de amostragem desde áreas próximas às cabeceiras até regiões estuarinas no sudeste do Brasil. Nesses estudos, as ordens Characiformes e Siluriformes continuaram sendo as mais representativas, porém com a inversão entre elas, sendo a primeira mais representativa. É provável que as características dos rios mais a jusante, como maior profundidade, seriam ocupadas preferencialmente por espécies de coluna d’água, como os peixes da ordem Characiformes (CASATTI 2005; FERREIRA et al. 2010). Da mesma forma, a ausência de microhabitats preferencialmente ocupados por espécies de cascudos, como corredeiras e fundos de cascalho e rochas, contribuiriam para a diminuição da ocorrência destas e outras espécies de Siluriformes (SAZIMA et al 2001; CASSATI 2005; FERREIRA et al. 2010). O aumento do número de espécies em decorrência da diminuição da altitude vai de encontro ao conceito do Rio Contínuo (VANNOTE et al. 1980), que estabelece que existe mudança nos padrões espaciais, com um gradiente de montante à jusante, relacionados a diferenças nas propriedades físicas e químicas dos riachos, aumentando a riqueza de espécies 21 em direção à boca do rio (FERREIRA et al. 2010; VIEIRA et al. 2018). A diferença encontrada na composição de espécies nos três pontos de coleta pode estar relacionada a este gradiente longitudinal, com um incremento na heterogeneidade local e estabilização das variáveis hidrológicas (UIEDA, BARRETO 1999; SAZIMA et al. 2001; UIEDA, UIEDA 2001; CASATTI 2005; MAZZONI et al. 2006; VEIRA et al. 2018), favorecendo a ocupação do ambiente por um número maior de espécies em locais mais a jusante. Já em áreas a montante, próximo às cabeceiras e com alta declividade, é comum observarmos diminuição da riqueza e diversidade de peixes de riachos (CASATTI 2005; GOMIERO, BRAGA 2006; CARMASSI et al. 2012). Esse fato foi observado no trecho mais a montante (RMPC), no qual a baixa riqueza observada provavelmente esteve relacionada com a dificuldade da maioria das espécies em transpor barreiras físicas, como um trecho de corredeiras com alto declive logo à jusante do RMPC. Mazzoni, Lobón-Cerviá (2001) e Mazzoni et al. (2018) também atribuíram a redução na quantidade de espécies a montante a esta capacidade limitada dos peixes de riachos em passar por quedas e cachoeiras. A ocorrência das seis espécies de peixes presentes no ponto de coleta a montante (Deuterodon iguape, Microglanis cottoides, Characidium lanei, Awaous tajasica, Pimelodella transitoria e Imparfinis sp.) corrobora com estudos feitos sobre a migração de peixes de riachos costeiros (MAZZONI et al. 2018). Contudo, no presente estudo, as espécies de peixes como as do gênero Characidium (Characidae), o gobídeo A. tajasica, o lambari D. iguape e os bagrinhos M. cottoides, P. transitoria e Imparfinis sp. demonstraram ser capazes de transpor o trecho de quedas e corredeiras existente entre o ponto RMPC e o ponto RMPN, a exemplo do que já havia sido atestado em outros locais para espécies pertencentes a grupos semelhantes (MAZZONI, IGLESIAS-RIOS 2012; MAZZONI et al. 2018). Outro aspecto relevante que pôde ser observado nos pontos amostrados foi a segregação por classe de tamanho e ao longo do gradiente altitudinal, dos indivíduos de D. iguape. A espécie demonstrou ser abundante ao longo do estudo e em todos os pontos de coleta. Contudo, apenas indivíduos de maior porte (comprimento total - CT, > 9cm) foram observados no trecho a montante (RMPC) e os indivíduos com tamanhos intermediários (CT, 5-9cm) e menores (CT, < 5cm) predominaram nos pontos RMPN e RMPL, respectivamente. Esse fato já foi observado para algumas espécies de lambaris do gênero Astyanax em riachos costeiros (ABILHOA et al. 2011), onde a maior proporção de indivíduos jovens é encontrada nos trechos de planície, normalmente nos baixos cursos, enquanto os indivíduos maiores estão concentrados nas terras mais altas. A explicação mais aceita para a existência desse padrão nos riachos litorâneos da 22 Mata Atlântica, o que inclui o rio das Minas, sugere que durante as enchentes os ovos, as larvas e os pequenos indivíduos são arrastados rio abaixo, para as porções mais baixas, de planície. À medida que as formas jovens se desenvolvem, elas aumentam sua capacidade natatória e passam a explorar os trechos a montante, acima de corredeiras e quedas, onde se reproduzem e completam o ciclo. Essa dinâmica permite uma permanência de longo prazo em todo o rio e faz com que essa migração ontogenética não fique restrita ao período das cheias, podendo ser observada ao longo de todo o ano, relacionada com os constantes pulsos hidrológicos aos quais os ambientes de riachos estão sujeitos (ABILHOA et al. 2011). Em riachos litorâneos, algumas características de sua ictiofauna podem evidenciar o grau de preservação do ecossistema (SAZIMA et al. 2001). A presença de espécies de peixes predadores que ocupam posições mais altas na cadeia alimentar pode ser um bom indicador da integridade biótica do riacho (CETRA, PETRERE-JR 2007). Desta forma, a observação de cardumes do predador de topo de cadeia Oligosarcus hepsetus (i.e. 11 a 29 indivíduos), tanto no ponto mais a jusante (RMPL) quanto no ponto de coleta intermediário (RMPN), pode ser usada como indicador de elevado grau de preservação do rio das Minas. Vale ressaltar que a riqueza de espécies observada no rio das Minas, além de refletir o elevado grau de preservação do curso d’água e do seu entorno (boa parte inserido dentro de uma unidade de conservação de proteção integral), chama a atenção para a existência de táxons ainda não descritos e mesmo de espécies que estão passando por revisões taxonômicas – o que eleva seu grau de vulnerabilidade. Dentre esses, temos uma espécie de charutinho do gênero Characidium, que está em processo de revisão taxonômica para posterior descrição (Osvaldo T. Oyakawa – MZUSP - com, pess.), uma espécie de lambari do gênero Astyanax, que já havia sido observada em outros riachos da região e denominado como Astyanax sp.1 “picopeva” por Oyakawa et al. (2006), e o cascudo Ancistrus multispinis que possivelmente faz parte de um complexo de espécies e está sob revisão (Osvaldo T. Oyakawa - MZUSP, com. pess.). Isso destaca a necessidade do contínuo esforço que deve ser feito em relação à coleta de dados, revisões taxonômicas e descrição de novas espécies de peixes dos riachos litorâneos brasileiros (NOGUEIRA et al. 2010; AZEVEDO et al. 2010; REIS et al. 2016; BIRINDELLI, SIDLAUSKAS 2018), principalmente em ambiente nos quais a ictiofauna está sob forte impacto antropogênico (OYAKAWA et al. 2006; REIS et al. 2016; FREDERICO et al. 2018). Até recentemente, ecossistemas de água doce (e.g., rios e riachos) quase não eram considerados no processo de criação de Unidades de Conservação (UCs), atuando, na maioria das vezes, como um marcador dos limites das UCs e não necessariamente incorporados a elas 23 (BARRELLA et al. 2014; AZEVEDO-SANTOS et al. 2018; FREDERICO et al. 2018). Porém, na última década, a conservação dos rios e riachos passou a atrair mais atenção nas discussões e no planejamento de novas UCs, levando em consideração as particularidades e as vulnerabilidades as quais os organismos que ocupam estes ecossistemas estão sujeitos, frente a impactos antrópicos iminentes (FREDERICO et al. 2018). A importância do levantamento de dados sobre a ictiofauna de riachos de ambientes bem preservados foi enfatizada por Sazima et al. (2001), Casatti (2005) e Costa et al. (2017) por servir de referência para outros estudos realizados em áreas sob forte pressão antrópica. Desta forma, a composição de espécies presentes no rio das Minas servirá como base de dados referente a um ecossistema de riacho litorâneo com suas características naturais, ou seja, sem a modificação decorrente de impacto antrópico. O fato de espécies de peixes de riachos dependerem da vegetação marginal, a ocupação de micro-habitats específicos, pequeno porte e alto grau de endemismo (SABINO, CASTRO 1990; CASATTI et al. 2001; SAZIMA et al. 2001; UIEDA, UIEDA 2001; OYAKAWA et al. 2006; CETRA, PETRERE-JR 2007; MENEZES et al. 2007; SERRA et al. 2007; ABILHOA et al. 2011; ZENI, CASATTI 2014; LEITE et al. 2015; LOBÓN-CERVIÁ et al. 2016; GONÇALVES et al. 2017; GONÇALVES et al. 2018), reforça a necessidade do conhecimento cada vez maior desta ictiofauna em particular, para que sua conservação seja garantida (CASTRO 1999; CASATTI et al. 2001; GONÇALVES, BRAGA 2013). Apesar da semelhança dos resultados obtidos com estudos conduzidos em outros locais, particularidades referentes ao rio das Minas devem ser consideradas. A riqueza de espécies do local já é maior do que a encontrada em outros riachos estudados, atribuindo ao rio das Minas grande importância para abrigar essa ictiofauna. Além disso, este estudo preenche uma lacuna no conhecimento acerca da ictiofauna de riachos litorâneos de São Paulo e, principalmente, do litoral sul do estado. Por fim, os dados sobre a comunidade de peixes presentes no rio das Minas poderão atuar como bioindicadores e referência de um local preservado, auxiliando futuras estratégias de conservação e manejo dos riachos litorâneos da região. 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABILHOA, V.; BRAGA, R. R.; BORNATOWSKI, H.; VITULE, J. R. Fishes of the Atlantic Rain Forest streams: ecological patterns and conservation. In: GRILLO, O. Changing diversity in changing environment. Rijeka: InTech, 2011. 392p. AMARAL, C. R. 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Nos riachos litorâneos, além das características do ambiente influenciarem a diversidade morfológica e comportamental dos peixes (SAZIMA 1986; SABINO, CASTRO 1990; SAZIMA et al. 2001), a história geológica dos riachos da bacia costeira, formando diversas pequenas bacias hidrográficas isoladas (MAZZONI, LOBÓN- CERVIÁ 2000; RIBEIRO 2006; OYAKAWA et al. 2006; RIBEIRO et al. 2006; ABILHOA et al. 2011; GONÇALVES 2012), é considerada como responsável pela ocorrência de cerca de 500 espécies de peixes distribuídas ao longo da costa brasileira, com uma taxa de endemismo beirando 95% (BIZERRIL 1994; THOMAZ, KNOWLES 2018). Para acessar informações a respeito da comunidade de peixes em riachos, diversos métodos são empregados. Grande parte delas requer que se colete e, na maioria das vezes, sacrifique os indivíduos. Esses métodos são fundamentais para responder diversos aspectos a respeito da comunidade ictiofaunística de um determinado local. Porém, para ambientes onde fatores naturais favorecem a aplicação de métodos de observação direta e/ou possuem restrições de coleta, como unidades de conservação de proteção integral, a aplicação de abordagens menos invasivas pode ser aconselhável para reduzir ao máximo o impacto causado na ictiofauna. Diversos trabalhos (e.g., SAZIMA 1986; SABINO, CASTRO 1990; ZUANON, SABINO 1998; SAZIMA 2001; UIEDA, UIEDA 2001; GONÇALVES 2012; GONÇALVES, CESTARI 2013), além de empregarem técnicas habituais de coleta de dados (e.g., picaré e puçá), também realizaram observações diretas através de mergulho. Segundo estes autores a integração de diferentes tipos de abordagens foi fundamental para obter informações sobre a distribuição espacial, o comportamento alimentar, o período de atividade, as relações inter e intraespecíficas 30 e a utilização dos recursos presentes no ambiente pelas assembleias de peixes (SAZIMA 1986; SABINO, CASTRO 1990; SAZIMA, MACHADO, 1990; CASATTI, CASTRO 1998; SAZIMA 2001; MANNA et al. 2017). A história natural dos peixes de riachos Neotropicais é pouco conhecida quando comparado ao conhecimento taxonômico e ecológico a respeito dessas espécies (COSTA 1987; SABINO 1999) e, consideravelmente, menor em relação a espécies de peixes marinhos, principalmente em ecossistemas recifais (SAZIMA 1986; UIEDA 1995; SABINO et al. 2016). Apesar disso, alguns trabalhos feitos em riachos da região costeira do Brasil foram pioneiros e, através de abordagens naturalísticas, descreveram a composição da comunidade ictiofaunística, com seus padrões de distribuição, uso do hábitat e comportamentos alimentares e reprodutivos (SAZIMA 1986; SABINO, CASTRO 1990; UIEDA 1995; SAZIMA et al. 2001; GONÇALVES 2012; GONÇALVES, CESTARI 2013; 2018). O entendimento destes e outros padrões apresentados pela ictiofauna de riachos litorâneos, sobretudo com o levantamento naturalístico, é fundamental para a compreensão das relações entre os peixes e o ambiente no qual estão inseridos, servindo de base para outros estudos (SABINO 1999). Sazima (1986), de forma pioneira, e Sabino et al. (2016) em um momento mais atual, mergulharam com diferentes espécies de peixes marinhos e de água doce (incluindo diversas espécies de riachos), procurando por convergências adaptativas e características morfológicas e comportamentais preditoras de determinadas interações, como associações alimentares. Uieda (1995) e Gonçalves (2012) destacaram a importância dos estudos naturalísticos para auxiliar a interpretação de dados ecomorfológicos. Sabino (1999) demonstrou que os dados obtidos por abordagens naturalísticas ajudam a interpretar as análises estatísticas que buscam detectar diferenças morfológicas entre espécies próximas, procurando ampliar a divulgação de estudos dessa natureza. Abilhoa et al. (2011) também destacaram a importância da utilização de coleta de dados por meio de observação direta como uma poderosa ferramenta para uma melhor compreensão e preenchimento de lacunas associadas ao comportamento alimentar de algumas espécies de peixes em riachos costeiros. Todos esses trabalhos salientaram a importância do material alóctone na dieta dos peixes e da vegetação marginal como abrigo e fonte de alimento, corroborando a ideia de íntima relação entre os peixes de riachos e a mata ciliar. Frente às constantes ameaças que os ecossistemas de riachos costeiros enfrentam, decorrentes da concentração humana na região costeira (OYAKAWA et al. 2006; RIBEIRO et al. 2009, ABILHOA et al. 2011), entender os padrões de distribuição, preferência e utilização de habitats e movimentação (migração) das espécies de peixes de riachos é fundamental para 31 ajudar a propor medidas de conservação em riachos costeiros da Mata Atlântica (MAZZONI et al. 2011; MAZZONI, IGLESIAS-RIOS 2012; GONÇALVES, CESTARI 2013; MAZZONI et al. 2018). Devido às características naturais, como transparência da água e pouca profundidade, os riachos costeiros se mostram bastante promissores para a utilização de técnicas de obtenção de dados através da utilização de observação direta (SABINO, CASTRO 1990; SABINO 1999; SAZIMA et al. 2001). Neste contexto, serão apresentados aspectos da história natural da ictiofauna do rio das Minas, com a descrição da distribuição dessas espécies ao longo do riacho, utilização dos diferentes microhabitats, período de atividade e comportamentos relacionados à alimentação e reprodução de algumas dessas espécies, com o principal objetivo de fornecer informações sobre suas relações inter e intraespecíficas em um trecho preservado da Mata Atlântica. Adicionalmente, serão apresentados dois comportamentos que ainda não haviam sido descritos para o ciclídeo Geophagus brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824). O primeiro trata de uma nova tática de forrageamento para esta espécie, focada na obtenção de itens alimentares, ao que tudo indica macroinvertebrados escondidos sob objetos depositados no substrato. O segundo é um comportamento de associação alimentar do tipo “nuclear-seguidor” entre o acará G. brasiliensis e o lambari Deuterodon iguape Eingenmann, 1907, espécies nuclear e seguidora, respectivamente. MATERIAL E MÉTODOS Área de estudo O rio das Minas (24°59'28.30"S, 48°7'46.78"O) (Figura 1) é um riacho da Bacia Costeira do litoral sul do estado de São Paulo, com características típicas deste ambiente, ou seja, trechos de cachoeiras e corredeiras, formação de poços com maior profundidade e desaceleração do fluxo d’água e trechos com características lênticas quando mais próximo da planície costeira, com certa influência das marés nessas áreas (OYAKAWA et al. 2006; BARRELLA et al. 2014). O clima da região é classificado como subtropical úmido, sem uma estação seca proeminente (GONÇALVES et al. 2017). A precipitação média anual fica em torno de 1.300 a 2.200 mm, sendo as maiores concentrações nos meses mais quentes e úmidos (outubro a abril) e as menores precipitações entre os meses de maio a setembro, com temperaturas anuais médias variando entre 20 a 24°C (GONÇALVES, BRAGA 2013). Além de parcialmente inserido no Parque Estadual do Lagamar de Cananeia (PELC), o rio das Minas faz parte de uma região com mais de 11.000 km² de Unidades de Conservação (UCs), sendo cerca de 4.216 km² de proteção integral e 7.932 km² de uso sustentável (BARRELLA et al. 2014). 32 Figura 1 – Localização do rio das Minas, município de Cananeia, na região costeira do sul do estado de São Paulo. Coleta de dados Os dados foram coletados no período de janeiro de 2017 a dezembro de 2018, totalizando 12 campanhas com cerca de três dias cada. Para as coletas, foram escolhidos três trechos ao longo de um gradiente longitudinal no rio das Minas (Figura 2): (i) Poço da Cachoeira (RMPC), com 83m de altitude (24°59'28.95"S; 48°7'55.76"O); (ii) Piscina Natural (RMPN), com 56m de altitude (24°59'29.22"S; 48°7'45.82"O) e (iii) Poço do Ley (RMPL), com 19m de altitude (24°59'43.60"S; 48°7'25.42"O). O Poço da Cachoeira foi o trecho mais a montante no qual foram realizadas as observações subaquáticas. Este ponto possui uma área com aproximadamente 30m de comprimento e 50m de largura, logo a jusante de uma queda d’água com cerca de 15m de altura. Com um ambiente homogêneo, o RMPC apresenta substrato de cascalho e rochas, com profundidades que chegam aos 5m na região mais central do poço, com suas margens compostas quase que exclusivamente por rochas (Figura 2a). O trecho médio (RMPN) está localizado em uma área de remanso, formando um extenso poço, com 75m de comprimento e 17m de e profundidade máxima de 2,5m. Este trecho médio também abriga microhabitats com diferentes tipos de cobertura de substrato e profundidades (Figura 2b). O trecho mais a jusante (RMPL) também pode ser classificado como um poço, com a presença de diferentes microhabitats, com substrato de areia, cascalho, rochas e estruturas vegetais submersas. Suas dimensões são de aproximadamente 80m de comprimento por 20m de largura, com profundidade máxima de 2m na região central do poço. Neste ponto, diferentemente do RMPC e do RMPN, há alguma interferência humana nas margens do riacho, com sinais de remoção de parte da vegetação marginal (Figura 2c). 33 Figura 2 – Locais onde foram realizados os mergulhos para observação subaquática da ictiofauna do rio das Minas. Poço da Cachoeira (RMPC), a; Piscina Natural (RMPN), b; Poço do Ley (RMPL), c. Os dados foram coletados através de duas abordagens: não invasiva e invasiva. A metodologia invasiva consistiu em coletas de peixes com a utilização de petrechos como covos, picaré, puçá e linha/anzol. Esta abordagem foi utilizada com o objetivo de coletar espécimes- testemunho (COTEC/FF Proc. SMA n. 260108 – 000.164/2017; MZUSP 124079-124116), visto este ser o primeiro estudo desenvolvido para conhecimento da ictiofauna neste riacho. A coleta de dados com metodologia não invasiva foi realizada através da observação direta e indireta, durante o dia e a noite. As observações diretas foram feitas por meio de mergulho livre (snorkelling sensu SABINO 1999), sendo registradas as espécies de peixes ao nível de espécie e, em alguns casos, em nível de gênero e estimado o comprimento total (CT) dos indivíduos através da comparação com um objeto de tamanho conhecido (e.g., palma da mão). As observações indiretas foram feitas através da utilização de filmagem (BRUVS - Baited Remotely Underwater Video Station), que consiste em uma estrutura munida de uma câmera de vídeo (GoPro®) e um atrator (isca) (Figura 3). Vale ressaltar que esta última abordagem é inédita para a obtenção de dados sobre a ictiofauna em riachos costeiros da Mata Atlântica, tendo sido utilizada com intuito de complementar a obtenção de dados acerca da composição de espécies do rio das Minas, principalmente daquelas com comportamento mais críptico e, portanto, de difícil observação durante os mergulhos. Durante os mergulhos foi possível observar a distribuição das espécies de peixes presentes nos três trechos amostrados (RMPC, RMPN e RMPL), caracterizando a forma como essa ictiofauna explora o ambiente, assim como o período de maior atividade das espécies (diurno ou noturno), técnicas de forrageamento, posição na coluna d’água e preferência por microhabitats. Para isso, as descrições foram feitas por espécie, porém somente para as espécies observadas diretamente e com uma frequência de ocorrência que pôde proporcionar uma análise mais completa. 34 Figura 3 – BRUVS utilizado na coleta de dados através da observação subaquática indireta. Para a descrição dos comportamentos específicos do acará G. brasiliensis, foram realizadas observações subaquáticas através do mergulho (snorkelling) durante o dia, entre 10h e 14h, durante os meses de abril a agosto de 2018. Durante as sessões de observação, as técnicas de amostragem utilizadas foram “Ad libitum” e “amostragem de sequência” (MARTIN, BATESON 1986), com as informações sendo anotadas em pranchetas de PVC. Complementarmente, fotografias e filmagens subaquáticas foram produzidas com o intuito de auxiliar e conferir as observações feitas in situ, baseados na metodologia apresentada por Sazima (1986) e Sabino (1999). O CT dos indivíduos de G. brasiliensis foi estimado através da comparação com objetos com comprimento conhecido (e.g., palma da mão). Os peixes foram identificados durante as observações subaquáticas de acordo com Oyakawa et al. (2006) e Oyakawa, Menezes (2011), sem a necessidade de capturar os animais. RESULTADOS Composição e distribuição da ictiofauna Ao todo, foram registradas 31 espécies de peixes pertencentes a cinco ordens e 14 famílias (Tabela 1), com o trecho mais a jusante concentrando o maior número de espécies (N=28), seguido pelo trecho intermediário (RMPN) e o local mais a montante (RMPC) com 17 e seis espécies, respectivamente. Dentre o total de espécies registradas, somente quatro não foram observadas durante o mergulho, sendo registras somente através das coletas. Tabela 1 – Lista de espécies de peixes de riachos registradas no rio das Minas, Cananeia – SP, com o tipo de registro para cada uma: D – direto, I – indireto e C – coleta. As ordens e as famílias seguem a sequência proposta por Oyakawa et al. (2006) e as espécies encontram-se em ordem alfabética dentro das famílias. ORDEM/Família/Espécie REGISTRO D I C SILURIFORMES Callichthyidae Scleromystax barbatus (Quoy & Gaimard, 1824) X X X Loricariidae Ancistrus multispinis (Regan, 1912) X X 35 Hypostomus interruptus (Miranda, 1918) X X Isbrueckerichthys alipionis (Gosline, 1947) X Kronichthys cf. lacerta (Nichols, 1919) X Rhineloricaria sp. X Schizolecis guntheri (Miranda Ribeiro, 1918) X X Trichomycteridae Trichomycterus zonatus (Eigenmann, 1918) X X Pseudopimelodidae Microglanis cottoides (Boulenger, 1891) X Heptapteridae Acentronichthys leptos Eigenmann & Eigenmann, 1889 X Imparfinis sp. X Pimelodella transitoria (Miranda Ribeiro, 1907) X X Rhamdia quelen (Quoy & Gaimard, 1824) X X Rhamdioglanis transfasciatus Miranda Ribeiro, 1908 X PERCIFORMES Cichlidae Geophagus brasiliensis Haseman, 1911 X X Gobiidae Awaous tajasica (Lichtenstein, 1822) X X X Centropomidae Centropomus parallelus Poey, 1860 X CHARACIFORMES Curimatidae Cyphocharax santacatarinae (Fernandez-Yepez, 1948) X Characidae Astyanax sp1. (sensu OYAKAWA et al. 2006) X Astyanax ribeirae Eingenmann, 1911 X Deuterodon iguape Eigenmann, 1907 X X X Hollandichtys multifasciatus (Eigenmann & Norris, 1900) X Hyphessobrycon griemi Hoedeman, 1957 X Mimagoniates microlepis (Steindachner, 1876) X X Oligosarcus hepsetus (Cuvier, 1817) X X Crenuchidae Characidium japuhybense Travassos, 1949 X X Characidium lanei Travassos, 1967 X X Characidium pterostictum Gomes, 1947 X X Characidium sp. X X Erythrinidae Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) X CYPRINODONTIFORMES Poeciliidae Phalloceros reisi Lucinda 2008 X X SYNBRANCHIFORMES 36 Synbranchidae Synbranchus marmoratus Bloch, 1795 X História natural das espécies observadas O andrezinho Scleromystax barbatus (Callichthyidae) é um peixe bentônico, com hábitos diurnos e ocupa áreas próximas à margem (0,2-0,7m de profundidade) (Figura 4a). Utiliza seus barbilhões para tatear o substrato, na maioria das vezes arenoso ou com cascalhos cobertos por uma fina camada de sedimento, à procura de itens alimentares, podendo forragear sozinho ou em grandes cardumes (> 85 indivíduos) (Figura 5). Esta espécie foi registrada somente no trecho mais a jusante (RMPL), com indivíduos de vários tamanhos (CT 5-10cm). Muito arisco em relação ao observador, não permite a sua observação a uma distância menor que 40cm. O cascudo Ancistrus multispinis (Loricariidae) possui hábitos bentônicos, assim como os outros membros dessa família, foi observado em regiões mais próximas à margem (0,8-0,2m de profundidade) e sempre associado a substrato rochoso ou com cascalho (Figura 4b). Indivíduos dessa espécie foram observados tanto durante o dia quanto à noite, com o registro de juvenis (CT <5cm) mais frequente no período diurno. Machos adultos puderam ser facilmente reconhecidos pela presença de tentáculos na região anterior da cabeça. Indivíduos desta espécie só não foram registrados no trecho mais a montante (RMPC). O cascudo Hypostomus interruptus (Loricariidae) esteve sempre associado ao fundo, junto às rochas, sendo observado somente durante a noite, quando saía das frestas nas quais permanece durante o dia (Figura 4c). Os maiores indivíduos registrados tinham cerca de 30cm (CT), porém jovens também foram observados (CT <5cm). A espécie não foi registrada no trecho mais a montante (RMPC). O cascudo Rineloricaria sp. (Loricariidae) apresentou comportamento críptico e hábitos bentônicos. Indivíduos dessa espécie foram observados durante o dia, sempre sobre o substrato de areia e cascalho (Figura 4d). A espécie permitiu a aproximação do observador, não se movendo, mesmo a distancias inferiores a 30cm. Esse fato ocorreu diversas vezes, possivelmente devido à eficiente camuflagem proporcionada pela coloração da espécie, sendo facilmente confundida com o substrato. Todas as suas ocorrências estiveram associadas às áreas marginais, mais rasas (0,3-0,6m de profundidade), e seu registro foi feito somente no trecho mais a jusante (RMPL). O cascudinho Schizolecis guntheri (Loricariidae) é um peixe bentônico, com hábitos diurnos e sempre associado a estruturas submersas (e.g., galhos e troncos), ocupando áreas mais 37 rasas (0,4-0,9m de profundidade) e próximas à margem, com o substrato de cascalho e rochas (Figura 4e). Com uma coloração críptica, S. guntheri se confunde facilmente com o substrato no qual está associado, muitas vezes passando despercebido pelo observador. Esta espécie só foi registrada no trecho mais a jusante (RMPL) e os maiores indivíduos não ultrapassaram 5cm de CT. O pequeno bagre Pimelodella transitoria (Heptapiteridae) foi observado em todos os trechos estudados, com indivíduos de tamanhos variados (CT 4,0-12cm) e, na maior parte das vezes, sobre substrato de cascalho e rochas (Figura 4f). Ativo tanto durante o dia quanto de noite, P. transitoria utiliza seus barbilhões bem desenvolvidos para tatear o substrato buscando potenciais itens alimentares que, muitas vezes estão escondidos sob rochas. Foram observados indivíduos forrageando em locais rasos (0,4-0,8m de profundidade) sozinhos ou em pequenos cardumes (2-5 indivíduos). Curiosamente, durante o dia a espécie foi observada em atividade apenas em regiões sombreadas do riacho, enquanto que durante a noite indivíduos de P. transitoria puderam ser observados em diferentes locais dos pontos amostrados. O jundiá Rhamdia quelen (Heptapteridae) é uma das maiores espécies de peixes presentes nos riachos costeiros da Mata Atlântica, com hábitos noturnos. Como característica típica dos peixes desta família, utilizam os barbilhões bem desenvolvidos para tatear o substrato à procura de presas. Indivíduos desta espécie foram observados em diferentes profundidades (0,3-2,0m) e sobre diferentes tipos de substratos, porém nunca nadando a mais de 0,2m do fundo. A aproximação do observador era bem difícil, com o animal se movendo para longe já a uma distância de 0,5m, com uma aproximação maior sendo possível somente quando o indivíduo se encontrava repousando entre rochas (Figura 4g). O registro desta espécie também foi feito nos dois trechos mais a jusante do riacho (RMPL e RMPN). Apesar de ser considerada uma espécie de hábitos noturnos, foi possível registrar indivíduos de R. quelen saindo durante o dia para forragear, atraídos pelas iscas acopladas ao BRUVS (Figura 6), o que destaca a eficácia do método para obter informações a respeito da composição de espécies de peixes de riachos. O único representante da família Cichlidae foi Geophagus brasiliensis, registrado nos dois trechos a jusante (RMPN e RMPL), durante o ano todo (Figura 4h). Indivíduos dessa espécie foram observados ativos somente durante o dia, em diferentes profundidades (0,4- 2,5m), sobre diferentes substratos. Contudo, foi possível notar a distribuição horizontal, vertical e longitudinal para esta espécie, com indivíduos menores (CT <8cm) ocupando áreas mais próximas às margens, com profundidades inferiores a 0,6 metros e forrageando sobre a areia ou 38 sobre a rocha, além de maior abundância de juvenis no trecho mais a jusante (RMPL). Já os indivíduos maiores (CT >8cm) foram observados em locais mais fundos (0,8-2,5m de profundidade), forrageando sobre o substrato rico em matéria orgânica e detritos (e.g., folhiço). A partir do mês de setembro, foi possível observar mudança no comportamento de G. brasiliensis ̧com o registro da alteração da coloração e a ocorrência de comportamento de corte entre indivíduos maiores (CT >12cm). Durante este período, o dimorfismo sexual para esta espécie se tornou evidente, com os machos apresentando coloração mais chamativa, com os primeiros raios das nadadeiras pélvicas em um tom azulado, manchas circulares com a coloração azul e brilhante no opérculo e maior contraste nas colorações da margem das nadadeiras dorsal, caudal e anal, além do desenvolvimento de uma protuberância na porção anterior do topo da cabeça e maior tamanho em relação às fêmeas (Figura 7). Já nos meses de dezembro a fevereiro, era possível observar casais em ninhos, geralmente feitos próximos à margem sobre o substrato rochoso ou sob estruturas submersas (e.g., troncos de árvores caídas), em comportamento de cuidado parental, com algumas dezenas de filhotes (Figura 7). Durante este período, machos e fêmeas foram observados investindo contra indivíduos de outras espécies, principalmente Deuterodon iguape, quando estes se aproximavam do ninho e dos filhotes. Esse comportamento agonístico predominou durante o período no qual os casais estavam acompanhados dos filhotes, sendo os machos os principais envolvidos nessas interações com outras espécies. O góbio-de-rio Awaous tajasica (Gobiidae) foi registrado nos três trechos estudados, com indivíduos de diferentes tamanhos (CP 5-15cm), ativos durante o dia e a noite (Figura 4i). Com hábitos bentônicos, A. tajasica foi observado forrageando sobre o substrato de areia e rocha, sendo que no primeiro caso ele ingeria grande quantidade de areia junto com possíveis itens alimentares. A espécie ocupou os diferentes microhabitats do riacho, desde margens de remansos com fundo arenoso a trechos de corredeira e substrato com cascalho. Awaous tajasica possui uma coloração críptica, sendo facilmente confundido com o fundo ao qual sempre está associado. O robalo-peva Centropomus parallelus (Centropomidae) foi observado somente no trecho mais a jusante (RMPL), em cardumes de 15 a 20 indivíduos (CT 15-30cm) e nos meses de verão (janeiro e fevereiro) (Figura 4j). Durante as observações, foi possível registrar que os peixes desta espécie ocupavam áreas com maior velocidade