UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES ELIANE WEIZMANN ARTE@TEMPO: As temporalidades da arte na rede São Paulo 2006 ELIANE WEIZMANN Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós- graduação em Artes do Instituto de Artes da UNESP, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestra em Artes na área de concentração Artes Visuais, linha de pesquisa Processos e Procedimentos Artísticos, sob a orientação da Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe. São Paulo 2006 ARTE@TEMPO: as temporalidades da arte na rede Banca Examinadora: Prof. Drº. Milton Terumitsu Sogabe Profª. Drª. Giselle Beiguelman Profª. Drª. Silvia Laurentiz Resumo Com o advento do computador, da internet e da web, ou seja, das mídias digitais, novos paradigmas temporais surgiram e uma nova relação espaço-tempo se impôs. Nessa dissertação analisamos as potencialidades temporais suscitadas pelas novas mídias e o seu desenvolvimento especificamente na arte criada com a rede mundial de computadores. Buscamos na história da arte referências da representação do tempo, abordando desde a impossibilidade da pintura de mostrar a passagem do tempo até as pesquisas de obras cinéticas que fizeram uso de mecanismos para assumir seu movimento transformativo em tempo real. As tecnologias e a interdisciplinaridade tiveram profunda influência nesse processo com a fotografia, o cinema, o vídeo, o computador, dentre outros, e as parcerias principalmente entre artistas e engenheiros. O mapeamento das diversas classificações de tempo que alguns pesquisadores pontuaram para determinadas mídias deram o subsídio necessário para introduzir a questão do tempo na arte digital. Estabelecemos nesse estudo um recorte do tema das artes digitais direcionando a pesquisa para os trabalhos realizados na web e com a internet. A partir de análises de trabalhos selecionados, entrevistas com os autores dessas obras e, ainda, com a apresentação de uma experiência prática da própria pesquisadora, surgiram reflexões a respeito do tempo real, tempo de conexão e visualização, as noções de efêmero e permanência, a desterritorialização, experiência do tempo e simultaneidade. Com essas informações pudemos fazer associações dos conceitos e das práticas que envolvem essas produções, procurando criar um discurso mais específico para a temporalidade aqui pesquisada. Palavras-chave: Arte, Tempo, Internet, Web. AbstractWith the coming of the computer, Internet and Web, in other words, of the digital media, new temporary paradigms appeared and a new space-time relationship was imposed. In this dissertation we analyzed the temporary potentialities raised by the new media and their development specifically in the art created with the world net of computers. We looked for references, in art history, of the representation of the time, approaching from the impossibility for painting of showing the passage of the time to the researches of kinetic works that made use of mechanisms to assume their transformative movement in real time. The technologies and the interdisciplinarity had deep influence in that process with the photography, cinema, video, computer, among others, and the partnerships mainly between artists and engineers. The mapping of the several classifications of time that some researchers punctuated for certain media gave the necessary subsidy to introduce the subject of the time in the digital art. We established in that study a cutting of the theme of the digital arts addressing the research for the works accomplished in the web and with the internet. Starting from analyses of selected works, interviews with the authors of those works and, still, with the presentation of a practical experience of the own researcher, reflections appeared regarding the real time, time of connection and visualization, the notions of ephemeral and permanence, the no territories, experience of the time and simultaneity. With those information we could make associations of the concepts and of the practices that involve those productions, trying to create a more specific speech here for the researched temporality. Key words: Art, Technology, Time, Internet, Web. Aos filhos Tiago e Luana. Ao Prof. Dr. Milton Terumitsu Sogabe pela sua dedicação, incentivo e paciência na orientação deste trabalho, mostrando-me de forma clara e objetiva o melhor caminho a ser percorrido. À Profª. Drª. Silvia Laurentiz e ao Prof. Dr. Mario Fernando Bolognesi, que auxiliaram no encaminhamento e enfoque da pesquisa. À Profª. Drª. Giselle Beiguelman pela oportuna orientação em momentos importantes deste percurso. Aos amigos Fernando Marinho e Leocádio Neto parceiros de criação da obra 011000 aqui analisada e responsáveis pelo projeto gráfico desta dissertação. À amiga Vera Sylvia Bighetti pelas preciosas dicas e pela produção do cd-rom da dissertação. Aos amigos Ricardo Barreto e Paula Perissinotto pela contribuição para a minha construção de conhecimento e pela confiança depositada ao longo dos últimos 10 anos. Ao Jorge Luiz Antonio e Selvina Maria da Silva pela revisão final. À mãe Berta Weizmann que mesmo sem compreender grande parte desta história torceu muito para o seu sucesso. Ao marido Ivo Hudler pelo estímulo, paciência e apoio em todos os momentos. Agradecimentos INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 O tempo e as mídias 1.1 O tempo nas artes: da pintura ao vídeo 1.2 Reflexões de tempos: da fotografia às tecnologias numéricas CAPÍTULO 2 Artes digitais 2.1 Arte na rede mundial de computadores 2.2 Análises de obras CAPÍTULO 3 011000 3.1 Descrição 3.2 Análise Conceitual CONSIDERAÇÕES FINAIS BIBLIOGRAFIA ANEXOS Anexo 1 Entrevista com Mark Napier Anexo 2 Entrevista com Jonathan Harris Anexo 3 Entrevista com Richard Wright Anexo 4 Entrevista com Reynald Drouhin Anexo 5 CD-ROM Sumário 19 23 24 38 41 47 48 67 68 74 79 0085 000 91 99 105 111 117 Índice das Imagens Capítulo 1 [1] Eadweard Muybridge, Descending Stairs and Turning Around, 1884-85. [2] Eadweard Muybridge, Child bringing a bouquet to a woman,1884-85. [3] Étienne-Jules Marey, Bird Flight, Pelican, 1886. [4] Claude Monet, série Rouen Cathedral, 1894. [5] Georges Seurat, A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte, 1884-86. [6] Edgar Degas, La Classe de Danse,1874. [7] Pablo Picasso, Les Demoiselles d’Avignon, 1907. [8] Fernand Léger, The City, 1919. [9] Giacomo Balla, Flight of the Swallows, 1913. [10] Umberto Boccioni, Unique Forms of Continuity, 1913. [11] Marcel Duchamp, Nude Descending a Staircase (Nº 2), 1912. [12] Marcel Duchamp, Rotary Glass Plates, 1923. [13] Marcel Duchamp, Rotorelief, 1935. [14] Naum Gabo, Kinetic Construction (Standing Wave), 1919-20. [15] Lászlo Moholy-Nagy, Light-Space Modulator, 1930. [16] Alexander Calder, Untitled, 1976. [17] Victor Vasarely, Vonal-Fegn, 1971. [18] Jesus Soto, Esfera Concorde, 1996. [19] Julio LeParc, Continuel-Lumière Cylindre, 1966. [20] Abraham Palatinik, Aparelho Cinecromático, 1955. [21] Ligia Clark, Bicho, 1960. [22] Andy Warhol, Eat, 1964. [23] Bill Viola, The Reflecting Pool, 1977-79. [24] David Goldenberg, Microwave and Freezerstills, 1992. Capítulo 2 [1] Michael Noll, Gaussian quadratic,1963. [2] Vera Molnar, Molndrian dérangé,1974. [3] Sonia Landy Sheridan, My New Black BookDrawing in Time, 1982. [4] Jeffrey Shaw, The legible city, 1990. [5] Christa Sommerer & Laurent Mignonneau, The interactive plant growing, 1992. [6] Edmond Couchot e Michel Bret, La plume et lê pissenlit, 1990. [7-9] Mark Napier, Riot, 2000. [10-12] Jonathan Harris, 10x10, 2004. [13-16] Richard Wright, The Bank of Time, 2001. [17-19] Reynald Drouhin, !C!, 2002. Capítulo 3 [1] Aloísio Magalhães em seu escritório, 1966. [2] Aloísio Magalhães em SUAPE - Cabo de Santo Agostinho PE. [3] Doorway to Brasilia Concepção e design de Aloísio Magalhães e Eugene Feldman, 1959. [4] Cartema Série preto e branco, 1974. [5] Cartema Série brasileira, 1972. [6] Cartema Série barroca, 1974. [7] Home page 011000. [8] Interface Conceito. [9] Impressão manual, fonte Memphis. Tipografia São Paulo. [10] Interface Rádio on line. [11] Interface Zero1um. [12] Interface Zero1dois. [13] Interface Zero1três. [14] Interface Zero2um. [15] Interface Crédito. [16] Interface On Picture. Considerações Finais [1] Imagem e texto construídos pela obra “Riot” a partir da navegação pelas obras “10x10” e “Riot” simultaneamente. [2] Imagem e texto construídos pela obra “Riot” a partir da navegação pelas obras “10x10” e “Bank of Time” e “011000” simultaneamente. [3] Imagem e texto construídos pela obra “Riot” a partir da navegação pelas obras “Riot”, “Bank of Time” e “10x10” simultaneamente. 1901 Introdução Desde o início das manifestações artísticas, o tempo foi uma pre- ocupação recorrente para os artistas. Cada período tratou do tema de maneiras diferentes, de acordo com o pensamento e com o desenvolvimento social e tecnológico da época. Hoje ve- mos surgir uma arte ligada à tecnologia digital, e com ela, novos paradigmas temporais emergiram. Procuramos, nesta dissertação, abordar a questão do tempo no contexto artístico, descrevendo, pelo ponto de vista da história da arte, como os artistas trabalharam a representação do tem- po. Partimos do Impressionismo até as artes em mídias eletrôni- cas e introduzimos as artes digitais e as consequentes mudanças de percepção temporal decorrentes da produção na rede. Nosso objetivo, portanto, é analisar as potencialidades tempo- rais suscitadas pelas novas mídias, e o seu desenvolvimento espe- cificamente na arte criada com a rede Internet. Para entender os diferentes aspectos dessa temporalidade, de- senvolvemos, no primeiro capítulo, a questão do tempo nas ar- tes, como os artistas lidaram com esse tema em diferentes épo- cas, e, também, apresentamos algumas reflexões de tempos, ou seja, análises sobre diferentes classificações de tempo que alguns pesquisadores pontuaram para determinadas mídias. Nesse capítulo, procuramos mostrar a preocupação dos artistas com a representação do tempo nas suas produções e de que for- ma eles se apropriaram dos avanços dos meios tecnológicos como ferramenta para desenvolver sua linguagem artística. Para isso fizemos um recorte dos movimentos e artistas que mais se desta- caram tanto na representação da velocidade e do movimento, como nas pesquisas para incorporar o tempo na obra. Tratamos, portanto, das primeiras experiências de registrar o movimento humano e animal do artista Eadweard Muybridge e do físico fran- cês Etienne Jules Marey, e sua conseqüente influência no surgimento do cinema. Abordamos o importante papel do ad- vento da fotografia e as mudanças decorrentes dela na pintura a partir do impressionismo. 2001 O trajeto dessa história passa pelo Cubismo com suas múltiplas perspectivas; pelo Futurismo, que procurava registrar o movi- mento e a velocidade das figuras no espaço; por Marcel Duchamp, com as pesquisas cinéticas; pelo manifesto realista, em que surge pela primeira vez o termo cinético; e ainda por uma referência ao tempo real nas artes, os móbiles, esculturas em movimento; pela arte óptica, que propõe a ilusão óptica do movimento; e pela arte cinética, que explora as possibilidades do movimento real a partir de aparatos mecânicos e tecnológicos. A interdisciplinaridade também foi abordada com projetos que envolviam diferentes áreas de investigação, como o grupo Fluxus com performances, filmes e vídeos, o EAT - Experiments in Art and Technology, referência de colaboração entre artistas e enge- nheiros. Finalmente citamos os vídeo-artistas, que adotam o vídeo como mídia expressiva, permitindo múltiplas experiências temporais. Ainda no primeiro capítulo fizemos um mapeamento das diver- sas classificações de tempo para compreender as diferenciações feitas por alguns autores como Paul Virilio, Arlindo Machado, Edmond Couchot e Ricardo Barreto. Pudemos refletir, a partir dessas classificações, sobre as variações de temporalidades nas diferentes mídias. No segundo capítulo, abordamos a arte digital em seus aspectos gerais para posteriormente focarmos mais na arte criada para a rede mundial de computadores. Analisamos alguns trabalhos se- lecionados, com o objetivo de compreender os novos paradigmas temporais propostos por essas produções artísticas. A seção sobre a arte digital está dividida em três partes: a primei- ra dá uma visão resumida do que é a arte digital, seus precurso- res, as principais exposições e festivais, e autores referenciais da área. A segunda faz um recorte desse amplo leque de produções para um olhar mais dirigido ao tema da dissertação, que é a arte na rede mundial de computadores. Nessa parte falamos um pouco das manifestações artísticas que a antecederam, do surgimento da Internet, e das características dessa produção. Na terceira parte, analisamos alguns trabalhos para, à partir de- les, questionar e teorizar os novos paradigmas temporais que a Internet potencializou. São eles “Riot” do artista norte-america- no Mark Napier, um navegador alternativo que se caracteriza pela efemeridade, pois ele não preserva seus dados; “10x10”, do artista norte-americano Jonathan Harris, uma exploração interativa das palavras e imagens que definem o tempo e que já tem uma proposta de captura, de arquivamento de dados; “The Bank ot Time”, do artista britânico Richard Wright, um salva- tela cuja questão é a ociosidade, o tempo inativo; e “!C!”, do artista francês Reynald Drouhin, um trabalho que usa webcams para abordar questões relacionadas à política, ao terrorismo, aos perigos da vida e à falta de privacidade. No terceiro e último capítulo, o tema foi a obra “011000”, realizada pela pesquisadora e seu grupo - Fernando Marinho e Leocádio Neto - que complementa a discussão iniciada no capítulo dois. “011000” é uma obra inspirada nos cartemas do artista e designer Aloísio Magalhães, que se apropria de webcams, rádios e jornais online para gerar composições algorítmicas. Nesse capítulo faze- mos uma descrição detalhada do projeto desde a sua concepção até as configurações das interfaces e traçamos uma análise 2101conceitual do trabalho, discutindo questões como efêmero e permanência, desterritorialização e o tempo na Internet. No Anexo, estão disponibilizadas todas as entrevistas, na ínte- gra, realizadas com os autores das obras analisadas e sua respec- tiva tradução para o português. Essas entrevistas foram cruciais para as análises das obras e para enriquecer a abordagem do tema dessa dissertação. 2301 James Joyce Num dia do homem estão os dias do Tempo, Desde aquele inconcebível dia inicial, em que um Terrível Deus prefixou dias e agonias, até aquele outro em que o ubíquo rio do tempo terreno retorne à sua fonte, que é o Eterno, e se apague no presente, o futuro, o ontem, o que agora é meu. Entre a alvorada e a noite, está a história universal. Desde a noite, vejo a meus pés os caminhos do hebreu, Cartago aniquilada, Inferno e Glória. Dai-me, Senhor, coragem e alegria para escalar o cume deste dia. Jorge Luis Borges, Elogio da sombra, Trad. do escritor e jornalista Rodolfo Konder Capítulo 1 O tempo e as mídias 2401 Capturar um instante no tempo sempre foi uma das maiores pre- ocupações dos artistas. Eles demonstraram, no decorrer da his- tória da arte, grande interesse pelas questões que envolviam o tempo. Para cada período da história da arte houve diferentes maneiras de representar o tempo. Elas variavam de acordo com os tipos de ferramentas disponíveis, as atividades sociais e econômicas, e os interesses que envolviam o pensamento de cada época. As mudanças de percepção temporal decorrentes do desenvolvi- mento tecnológico e da transformação acelerada do dia a dia, que ocorreram a partir do final do século XIX e início do século XX, alteraram a visão de mundo das pessoas, assim como o tipo de arte que elas gostavam. Para dar conta de assegurar as relações democráticas e de multiplicidades da vida moderna, novas posturas culturais foram necessárias. Muitos artistas queriam capturar os momentos fu- gazes da realidade e suas obras refletiam a influência do movi- mento e da velocidade. Neste primeiro capítulo trataremos das relações entre tempo e suas diferentes formas de representação nas artes, da pintura ao vídeo, e também apresentaremos algumas reflexões de tempos, ou seja, análises sobre diferentes classificações de tempo que al- guns pesquisadores pontuaram para determinadas mídias, desde a fotografia às novas tecnologias numéricas. Veremos a temporalidade na arte, criada para a rede, mais especificamente no segundo capítulo. 1.1 O tempo nas artes: da pintura ao vídeo Já no final da Idade Média e na Renascença foram constatadas as primeiras mudanças em relação ao tempo nas artes plásticas, quando a pintura a secco substituiu a pintura a fresco. O desejo de velocidade e a quantidade de encomendas não permitiam que o pintor demorasse na execução da obra. Para tanto, ele neces- sitava de uma técnica mais compatível com a nova atitude social. (WHITROW, 2005, p.25). Esse foi um dos primeiros sinais do que ainda estava por vir. A influência das técnicas e da velocidade já alterava a postura do artista em relação à obra de arte. A introdução dos meios tecnológicos na arte começou por volta de 1870, quando dois pioneiros do cinema estudaram o movi- mento atomístico em séries de fotografias. O artista Eadweard Muybridge (1830 -1904) e o físico francês Etienne Jules Marey (1830 -1904) fizeram seqüências fotográficas de movimentos humanos e animais. Em 1882, eles estudaram o movimento e sua decomposição com a técnica chamada cronofotografia, lite- ralmente, a fotografia do tempo, um método que analisava os movimentos através de séries de instantâneos feitos em interva- los de tempo curtos e iguais. Essas pesquisas exerceram forte in- fluência em artistas como o futurista Giacomo Balla e o dadaísta Marcel Duchamp, bem como foram a base para a criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumiére. [1-3] A fotografia foi a grande impulsionadora da revolução nas artes. Ela provocou uma crise na pintura ao proporcionar uma repre- sentação da realidade com a perfeição que a pintura tanto cobi- çara. Diante disso, os pintores procuraram outros desafios, abrindo 2501 [1] Eadweard Muybridge, Descending Stairs and Turning Around, 1884-85. [2] Eadweard Muybridge, Child bringing a bouquet to a woman,1884-85. [3] Étienne-Jules Marey, Bird Flight, Pelican, 1886. 2601 [4] Claude Monet, série Rouen Cathedral, 1894. [6] Edgar Degas, La Classe de Danse,1874.[5] Georges Seurat, A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte, 1884-86. 2701novas perspectivas para a arte. A fotografia trouxe a possibilida- de de capturar o movimento, de congelar um instante, que era a grande busca dos artistas daquele período. Já a descoberta do cinema, entre 1890 e 1896, antecipou o que viria a ser a maior influência artística do século XX. O cinema começou no laboratório do americano Thomas Alva Edison (1847-1935), que usou o mecanismo da vitrola como modelo para fazer imagens em movimento que pudessem ser vistas por meio de um visor. Em 1891, seu assistente William Kennedy Laurie Dickson (1860 -1935) criou uma máquina chamada Cinetoscópio e os filmes eram projetados em seu interior. A partir do aperfei- çoamento do Cinetoscópio, os irmãos Auguste (1862 - 1954) e Louis Lumière (1864-1948) idealizaram o cinematógrafo em 1895. O aparelho – uma espécie de ancestral da filmadora – era movido à manivela e utilizava negativos perfurados, substituin- do a ação de várias máquinas fotográficas para registrar o movi- mento. Eles realizaram também as primeiras projeções de filmes em telas para um público pagante. (RUSH, 1999, p.15) O cinema colocou a imagem no tempo, a representação em movimento. Imagem e movimento agora estavam munidos de possibilidades inimagináveis até então. O cinema reproduziu a mecanização, a agitação e a pressa dos tempos modernos. O filme expandiu a noção de presente com a experiência da si- multaneidade que ele sugeria. A técnica cinematográfica apon- tou a possibilidade de mostrar um mesmo evento de múltiplas perspectivas. Pela primeira vez se experimentou a suspensão do tempo da vida real para uma vivência simultânea dotada de uma duração diferente da cronológica, uma duração que pode ter ve- locidades e tempos variados. O espectador passou a experimentar o efeito de estar aqui e lá, no tempo do filme, simultaneamente. Por sua vez, na pintura, a dificuldade em representar o movi- mento de um objeto no tempo sempre foi para os pintores uma limitação frustrante. Os impressionistas tentaram representar o tempo mais diretamente com seqüências de pinturas do mesmo motivo em diferentes horários do dia, estações e condições cli- máticas. Tentaram, também, representar o movimento, mas tudo estava preso a um momento específico. (KERN, 1983, p.21). Claude Monet (1840 -1926) foi o primeiro a abandonar o estú- dio para pintar em frente ao motivo, e para captar o momento escolhido foi necessário mudar a técnica aplicada até então, pois precisava terminar rapidamente antes que houvesse mudanças na cena. Para tanto, passou a fixar as cores em pinceladas rápi- das, sem a preocupação com o acabamento. Um exemplo é a série de pinturas da Rouen Cathedral. [4] George Seurat (1859 -1891), Edgar Degas (1834 -1917) e ou- tros artistas não se limitaram às preocupações com os efeitos momentâneos da luz e, acompanhando os avanços científicos da época, fizeram uso das noções da ciência, da óptica e das máqui- nas para criar decomposições do movimento real. O pontilhismo surgiu da pesquisa científica da cor, em que a composição da obra se dá no olhar do expectador. A mistura dos pontos de cor pintados na tela causa a sensação de vibração e luminosidade na pintura. [5] Degas pintou o movimento humano a partir de ângulos inusita- dos e perspectivas assimétricas, similar ao tratamento dado pelos fotógrafos aos seus temas; em algumas de suas esculturas, ele capturou o momento de transição entre um movimento e outro, dando a sensação de movimento e imediação. [6] Os Cubistas tentaram ir além do instante com múltiplas perspec- 2801 tivas. Cubos, volumes e planos geométricos entrecortados re- constroem formas que se apresentam, simultaneamente, de vá- rios ângulos nas telas. Eles abandonaram a arte da imitação e pintaram uma realidade criada, colocando no plano pictórico novas dimensões espaciais. As três dimensões da geometria euclidiana mostram apenas os aspectos visíveis de um corpo num dado momento, os artistas cubistas subverteram esses conceitos criando uma quarta dimensão para contemplar suas necessida- des expressivas. (CHIPP, 1988, p.225). [7] Fernand Léger (1881-1955) mostrou especial interesse pelos as- pectos tecnológicos da vida contemporânea, representando o di- namismo com pinturas que incorporavam a máquina como ele- mento nos estudos de figura e paisagem. [8] Em seu filme expe- rimental, “Le ballet Mécanique” (1924), ele também fez uso das máquinas para apresentar uma dança visual de ritmos mecâni- cos, cuja preocupação primeira era justamente o ritmo e o movi- mento. As invenções cubistas mostraram o tempo na arte de for- ma inovadora, mas não constituiu uma experiência da passagem do tempo. Giogio De Chirico (1888 -1978) e depois Salvador Dali (1904 - 1989) tentaram representar o tempo através de pinturas com relógios, mas só ficou comprovada a incapacidade de tal repre- sentação nessa técnica. Os artistas modernos tentaram incorporar em suas obras o im- pacto da tecnologia no cotidiano. Os futuristas atraídos pelas máquinas, se inspiraram para novas possibilidades da arte cinética. Eles pretendiam representar o movimento real registrando o movimento e a velocidade das figuras no espaço. As pinturas e esculturas mostravam vários tempos em um só espaço. Em 1910, Marinetti, em seu Manifesto futurista, fez a apologia da veloci- dade e da mecânica. Ele dizia que “o mundo estava se enrique- cendo com uma nova beleza: a beleza da velocidade.” Para os pintores futuristas, “tudo mexe, tudo corre, tudo se transforma rapidamente”. Esse era o lema do Manifesto futurista, assinado por Umberto Boccioni (1882-1916), Carlo D. Carrà (1881), Luigi Russolo (1885-1947), Giacomo Balla (1871-1958) e Gino Severini (1883). (PERISSINOTTO, 2000). A pintura mostrava o novo dinamismo e a tecnologia do dia a dia e os escultores criavam formas fantásticas integrando o espa- ço vazio às composições. Giacomo Balla, por exemplo, estava in- teressado no dinamismo das formas, [9] enquanto Umberto Boccioni procurava explorar a simultaneidade e o movimento. Ele acreditava que o artista poderia encontrar uma forma de movimento contínuo que sugeriria o passado e o futuro imedia- tos de uma ação e isso geraria a interação entre objeto e ambi- ente. (KERN, 1983, p.120,122) [10] Marcel Duchamp (1887-1968) observou que “toda idéia de movimento e velocidade estava no ar” (DUCHAMP apud KERN, 1983, p.117); sua pintura “Nú descendo a escada” foi inspirada pelos estudos de Muybridge e pelas imagens em movimento. [11] Ele revolucionou as artes levantando questões que abalaram os alicerces das artes tradicionais. Com os ready mades, por exem- plo, ele perguntava “O que é arte?”. Em 1920 Duchamp criou uma obra a partir da sua pesquisa cinética, de movimento real e ilusão óptica, “Rotary Glass Plates”. Esse trabalho consiste em cinco pratos de vidro pintados e acom- panhados de motores, que quando acionados, produzem um efeito óptico tridimensional. Essa é uma das primeiras obras em que o observador interage, manipulando-a de fato. [12] Em 1935 ele criou “Rotorelief”, uma obra com 12 espirais em seis 2901 [8] Fernand Léger, The City, 1919. [7] Pablo Picasso, Les Demoiselles d’Avignon, 1907. [9] Giacomo Balla, Flight of the Swallows, 1913. [10] Umberto Boccioni, Unique Forms of Continuity, 1913. 3001 [11] Marcel Duchamp, Nude Descending a Staircase (Nº 2), 1912. [12] Marcel Duchamp, Rotary Glass Plates, 1923. [13] Marcel Duchamp, Rotorelief, 1935. [14] Naum Gabo, Kinetic Construction (Standing Wave), 1919-20. [15] Lászlo Moholy-Nagy, Light-Space Modulator, 1930. 3101discos, que são manipulados em um gramofone, também crian- do um movimento tridimensional. [13] O filme “Anemic Cinema” (1926), de Marcel Duchamp, cujo tí- tulo brinca com as letras da palavra cinema, põe em movimento esferas rotatórias ou rotoreliefs, que, ao girarem, provocam no espectador uma sensação estranha, em uma tentativa de produ- zir filmes estereoscópicos. Máquinas e artistas iniciavam uma relação que abriria múltiplos caminhos interdisciplinares de criação. Arte e tecnologia come- çavam um diálogo promissor. O desenvolvimento tecnológico foi fator determinante nas mu- danças de percepção e na maneira de experimentar o tempo. Alguns meios tecnológicos de comunicação foram absorvidos pelos artistas nos processos criativos. Por exemplo, o telefone, inventado em 1876, permitiu que as pessoas se comunicassem à distância em tempo real, e foi utilizado por Moholy Nagy (1895 -1946) em 1922 para criar os “Telephombilder”, quadros reali- zados a distância, a partir das diretrizes do autor, transmitidas por telefone. O rádio, 1912, abriu uma perspectiva nova para moradores das cidades, pois podiam dividir a mesma experiência simultaneamente. Orson Welles (1915 -1985) usou esse veículo para criar sua obra radiofônica “A Guerra dos Mundos”, 1938, uma simulação de invasão extraterrestre que aterrorizou os ou- vintes de rádio. Também a televisão, que surgiu por volta de 1920, foi amplamente explorada pelos vídeo-artistas. A estética artificial do mundo mecânico toma o lugar da estética natural do passado. Movimento e velocidade era o mote do manifesto realista de 1920 dos irmãos Naum Gabo (1890 -1977) e Anton Pesvner (1886 -1962). É nele que surge pela primeira vez o termo cinético e ainda uma referência ao tempo real nas artes. Eles dizem: “A única meta de nossa criação plástica é a nossa percepção do mundo sob os as- pectos de espaço e tempo”, e: “Nós proclamamos um novo ele- mento nas artes plásticas: os ritmos cinéticos, que são formas essenciais da nossa percepção do tempo real.” Para esses artis- tas, o tempo real era a recusa da obra como objeto estático. (PERISSINOTTO, 2000). O tempo real surge como elemento integrante da obra; o movi- mento introduzido na obra se dá em tempo real. O teor prático e teórico das investigações artísticas pressupõe o tempo real como aspecto de constituição e fruição. A partir desse momento, o movimento não é mais representado, ele acontece de fato. A arte deixa de ser apenas espacial para também assumir seu esta- do no tempo. As ambições dos artistas aumentaram: eles estavam interessados em respostas mais instantâneas tanto da obra como dos especta- dores. O movimento em tempo real trazia novas possibilidades estéticas e de interação. A obra “Kinetic Construction” (Standing Wave) 1919-20, de Gabo, é considerada como pioneira da arte cinética: um meca- nismo elétrico criava uma vibração nas barras de aço que esta- vam presas a ele, dando movimento e produzindo efeitos visu- ais. [14] Laszlo Moholy-Nagy termina, em 1930, com a ajuda de um en- genheiro e um técnico, a obra “Light-Space Modulator”, uma escultura cinética composta de cor, luz e movimento. [15] Os móbiles, esculturas em movimento, de Alexander Calder (1898 3201 -1976) são mais um exemplo de obras dinâmicas que têm como característica primeira o movimento em tempo real. Calder foi um artista da forma e do equilíbrio, que aliou com perfeição, arte e técnica. [16] Já na arte óptica, o movimento não é representado e também não acontece em tempo real. Seu movimento é perceptivo e se dá a partir de uma ilusão óptica, ou seja, o deslocamento e a percepção do espectador em relação à obra completam o pro- cesso de criação. As obras de Victor Vasarely (1908 - 1997), Jesús Soto (1923-2005) e Agam, por exemplo, propõem uma troca entre criador e observador. Nesse sentido, as obras interativas começam a entrar no cenário artístico. São obras que exigem mais do expectador: agora ele deixa de ser apenas observador contemplativo, sua ação/reação definem os caminhos propos- tos. [17] [18] Em contrapartida, na arte cinética o movimento não é um efeito perceptivo, mas um movimento real. As obras cinéticas propõem explorar as possibilidades do movimento. Elas estabelecem uma relação mais tênue entre espaço e tempo, transcendendo o obje- to estático: a obra acontece no tempo. Julio LeParc (1928-) estabeleceu uma nova linguagem utilizando luz, percepção, movimento e ilusão: “Continuel-Lumière Cylindre” de 1966, produz um efeito de luz e movimento, a partir do reflexo da luz em duas placas de metal que se movi- mentam. [19] O artista Abraham Palatinik (1928-) reuniu seus conhecimentos técnicos, científicos e artísticos para produzir pinturas em movi- mento nos “Aparelhos Cinecromáticos”. Eles são caixas de telas com lâmpadas que se movimentam por mecanismos acionados por motores. Posteriormente, Palatinik levou o movimento para seus objetos cinéticos tridimensionais. [20] Ligia Clark inicia, em 1960, as obras da série “Bichos”. São obras feitas de placas de metal e dobradiças que lhe permitem a articu- lação. O espectador pode manipulá-las criando diferentes confi- gurações. [21] Ainda podemos citar as obras de Jean Tinguely (1925-1991), como a máquina de desenhos: ela produzia uma música ao mesmo tem- po em que desenhava. Com essa obra ele mostrou que o que importava já não era mais o produto final, mas o processo, o acontecimento, a performance. Nesse período, por volta de 1950, Norbert Weiner pesquisava uma nova ciência, a cibernética, “que visava à compreensão dos fenômenos naturais e artificiais através do estudo dos processos de comunicação e controle nos seres vivos, nas máquinas e nos processos sociais”. A partir daí, as explicações e descrições dos fenômenos naturais estão baseadas na informação. (BITTENCOURT, 1998). Ele criou a noção de realimentação, no qual as máquinas dão o retorno de uma informação através do armazenamento de dados, similar aos seres humanos. Essa pesquisa abrangeu diversas áreas como a psicologia, a fisio- logia, a sociologia e a filosofia e também contribuiu na criação de sistemas inteligentes e interativos que estimularam os artistas que já estavam desenvolvendo obras com artefatos tecnológicos: Schöffer fez uso da cibernética, da eletrônica e da tecnologia avançada para a construção de obras interativas no campo das artes, da musicologia, da arquitetura, da televisão, do teatro e da medicina psicoterapêutica. O artista dá início à interação 3301 [21] Ligia Clark, Bicho, 1960. [16] Alexander Calder, Untitled, 1976. [17] Victor Vasarely, Vonal-Fegn, 1971. [18] Jesus Soto, Esfera Concorde, 1996. [19] Julio LeParc, Continuel-Lumière Cylindre, 1966. [20] Abraham Palatinik, Aparelho Cinecromático, 1955. 3401 [22] Andy Warhol, Eat, 1964. 3501da arte com um movimento eletrônico inteligente, que vai fu turamente possibilitar a interação digital e as propostas artísti cas que se utilizam de hardwares e softwares. (PERISSINOTTO, 2000). A interdisciplinaridade foi o grande ganho dessa explosão criati- va que ocorreu a partir do início do século XX. Arte e ciência, arte e engenharia, arte e tecnologia, essas relações se estabele- ceram fortemente e com elas novas propostas estéticas surgi- ram. O Fluxus, por exemplo, foi um movimento internacional dos anos 60 que inaugurou diversas inovações em performances, filmes e até vídeos. Participaram dele artistas, escritores, cineastas, e músicos. Foi o início de uma estética minimalista inspirada na poesia concreta, nos manifestos Dadaístas e na música experi- mental, estendendo-se inclusive ao cinema, tornando-se um ele- mento importante no desenvolvimento das artes tecnológicas. Nam June Paik (1932-), um dos artistas do Fluxus, subverteu o uso da televisão e criou verdadeiras esculturas de imagens em movimento. As performances do Fluxus eram eventos abertos nos quais o público era convidado a participar, abandonando a posição passiva de observador e personificando, assim, a máxi- ma de Duchamp: o observador completa a obra de arte. (RUSH, 1999, p.24-25) A performance foi uma saída para a expressão artística que pre- tendia fugir das telas de pintura para a ação propriamente dita, incorporando o espectador à obra. Ela surgiu de experimentos advindos de várias mídias, como o teatro, a dança, o cinema, o vídeo, e as artes visuais. A arte cinética trouxe para as obras, como elemento inovador, o movimento em tempo real. Já a performance foi a incorporação do tempo real e das manifestações multimídias simultâneas. Um exemplo da integração entre arte cinética e performance foi a parceria entre o artista Jean Tinguely e o engenheiro Billy Kluver que, em 1960, apresentaram a máquina auto-destrutiva “Hommage to New York”, uma performance que durou 27 mi- nutos. A partir dessa performance, outras parcerias aconteceram e no- vos modelos de produção artística surgiram. O EAT - Experiments in Art and Technology, uma instituição que surgiu em 1967 nos Estados Unidos, foi referência de colaboração entre artistas e engenheiros e promoveu diversos projetos interdisciplinares. Além das performances, outro exemplo dos anos 60 que incor- porou o tempo real nas artes, foram os filmes de Andy Warhol (1928-87). Ele produziu mais de sessenta, entre 1963 e 1968, buscando confundir o tempo real e o tempo fílmico. Entre eles, “Sleep” (1963), que apresenta o ator dormindo por seis horas em frente à câmera, ou “Eat” (1964), filme em que o ator come lentamente um cogumelo. Warhol também se aventurou na vídeo-arte. Para fazer “Factory diaries”, ele gravou centenas de horas de atividade no seu estúdio durante o ano de 1976. (RUSH, 1999, p.29, 115). [22] A video-arte surgiu em meados dos anos 60, mas foi a partir de 1965, quando o vídeo tornou-se acessível, com o lançamento da câmera de vídeo Portapak da Sony, que essa mídia foi integrada ao mundo das artes, tornando-se um dos grandes meios tecnológicos explorados pelos artistas nas vídeo-artes ou nas vídeo-instalações. 3601 No cinema as imagens aparecem inteiras em seqüências de fotogramas fixos, intercalados por quadros pretos para que as imagens não se sobreponham, enquanto no vídeo, as imagens são ininterruptas, ele se utiliza do suporte eletrônico, que é ca- racterizado por possuir uma série de linhas de retículas que são varridas por um feixe de elétrons. A tradução de um campo visu- al para sinais de energia elétrica gera a imagem, que é gravada linha após linha, assim as imagens vão se formando gradualmen- te. Essas imagens são inscrições no tempo. Nam June Paik foi o primeiro a usar o vídeo como instrumento artístico. Para ele e outros vídeo-artistas contemporâneos seus, o maior atrativo do vídeo era sua capacidade de transmissão ins- tantânea. Essa instantaneidade foi elementar, pois a questão do tempo sempre foi o conceito central nas explorações desses ar- tistas. Enquanto o filme precisava ser tratado e processado, o vídeo gravava e revelava o tempo instantâneo. Muitos vídeo- artistas como Bruce Nauman (1941-) deixavam a fita gravando até o fim, rejeitando deliberadamente a edição convencional. (Rush, 1999, p.83, 101). Bill Viola (1951-) sempre teve como preocupação a passagem do tempo. “The Reflecting Pool” (1977-79) é um vídeo em que um homem sai de uma floresta e pára diante de uma piscina. Ele salta para cima e o tempo congela abruptamente. A partir desse ponto, todo o movimento e mudanças na cena são limitados aos reflexos e ondulações na superfície da lagoa. A imagem fixa do homem que saltou permanece na cena durante um certo tempo e vai lentamente desaparecendo. O tempo é estendido e pontu- ado por uma série de cenas que são vistos somente nos reflexos da água. Ao final o homem sai da água e volta para a floresta. Nesse vídeo a suspensão do tempo se dá simultaneamente ao tempo sucessivo e linear. [23] Sandra Kogut (1965-) explora a multiplicidade e a simultaneida- de em sua obra videográfica. Como escreve Arlindo Machado (1996): ... ela desenvolve uma estética da saturação, do excesso (a máxima concentração de informação num mínimo de espaço- tempo) e também da instabilidade (ausência quase absoluta de qualquer integridade estrutural ou de qualquer sistemati- zação temática ou estilística). Ela utiliza uma técnica que abre novas janelas dentro do quadro, possibilitando ver várias imagens, vozes e textos simultaneamente. Algumas propostas de vídeo-instalações abarcaram o tempo real e a participação do público. Utilizando câmeras de vigilância, os visitantes eram vistos e viam a si mesmos dentro das instalações. Eles deixavam de ser apenas observadores para se tornar performers. O vídeo permite múltiplas experiências temporais. Experiência de um presente em tempo real, ou diferentes tempos com ima- gens pré-gravadas mostradas simultaneamente às outras em tem- po real. Um trabalho que exemplifica essas temporalidades é a instalação “Microwave and Freezerstills”, que David Goldenberg apresentou em 1992, no London Museum of Installation. O ar- tista usou câmeras de vídeo para que o público pudesse ver a si mesmo em salas espelhadas nas quais eram impossibilitados de entrar. Passado, presente e futuro desvaneciam em fractais de auto-projeções. (Rush, 1999, p.124). [24] Esse trabalho mostra, mais uma vez, que, a partir da arte cinética, o que importa é o processo e não a obra acabada. 3701 [24] David Goldenberg, Microwave and Freezerstills, 1992. [23] Bill Viola, The Reflecting Pool, 1977-79. 3801 1.2 Reflexões de Tempos: da fotografia às tecnologias numéricas Vários autores contemporâneos procuraram classificar o tempo com o objetivo de diferenciar conceitualmente o tempo de cada mídia. Assim, diferentes tipos e características de tempos foram observados conforme a mídia analisada. Paul Virilio, por exemplo, define o tempo da fotografia como tempo-luz, um tempo diferente do tempo cronológico que é li- near, cotidiano, sucessivo e que não pára. O tempo-luz é o tem- po que se expõe: “o tempo de exposição da placa fotográfica é, portanto, apenas a exposição do tempo”. Depois, com o cinema e o vídeo, esse tempo já não é mais interrompido, ele é o tempo- luz contínuo. (VIRILIO, 1984, p.110). Arlindo Machado distingui o tempo simultâneo em duas situa- ções diferentes: a do tempo real e a do tempo presente. O tempo real para ele já era conhecido no cinema em algumas obras que fugiam da narrativa tradicional, em que “havia uma coincidência entre o tempo vivido pelos personagens na narrati- va e o tempo vivido pelos espectadores na sala de projeção”, ou seja, os cortes, caso houvessem, não alteravam o fluxo contínuo do tempo da cena, por exemplo os filmes de Andy Warhol. Essa mesma coincidência entre o tempo simbólico e o tempo de exi- bição acontece na vídeo-arte, na qual é comum a exibição do material em seu estado bruto, sem passar por uma edição, como alguns vídeos de Bruce Nauman. O tempo presente, ainda segundo Machado, é o mesmo que Edmond Couchot chama de tempo direto, ou seja, o tempo da emissão e recepção que é exclusiva da televisão e dos circuitos fechados de vídeo, que mostram o tempo de exibição como um tempo presente ao expectador. A televisão foi a primeira mídia que possibilitou fazer transmissões diretas ao vivo mostrando o aqui e agora dos eventos, sem qualquer manipulação prévia, fi- cando sujeita às instabilidades do acaso e do imprevisto. A vídeo- arte também explora essas possibilidades dos eventos ao vivo, em ambientes de circuito fechado, em que várias câmeras liga- das a monitores captam imagens do espectador. Este ao ver-se em múltiplas projeções, passa a explorar o campo, criando ver- dadeiras performances. (MACHADO, 1988, p.69-82). Como exemplo podemos citar a instalação “Microwave and Freezerstills”, de David Goldenberg. Edmond Couchot, diferentemente de Alindo Machado, conside- ra o tempo real uma especificidade das tecnologias numéricas, pois, segundo Couchot, o tempo real é o tempo de resposta dos computadores. O tempo real muda os mecanismos do tratamento e da circulação das informações, e sua característica é a interatividade entre homem e computador. Para ele, esse é o tempo da virtualidade, da simulação, não tem passado, nem fu- turo, está sempre num presente contínuo. (COUCHOT, 2002, p. 101-106.) Em 1995, Paul Virilio publica um artigo no qual estabelece uma relação do tempo real com o ciberespaço. Nesse artigo, ele afir- ma que o ciberespaço é uma nova forma de perspectiva diferen- te da perspectiva do audiovisual já conhecida. Ele anuncia que estamos vendo surgir neste contexto o grande evento do século XXI: a perspectiva do tempo real, na qual prevalece o imediatismo. A invenção da perspectiva do tempo real irá suplantar a perspec- tiva do espaço real, inventado pelos artistas italianos do Quattrocento. Agora, o tempo real e a instantaneidade prevale- 3901cem sobre o espaço e a superfície. A perspectiva do espaço do Renascimento, voltado à cópia das aparências, com seu ponto de vista único, é substituída por outra perspectiva que tem pon- tos de vista móveis e mutantes, trazendo uma nova mudança na percepção do mundo. Essa mudança de percepção do tempo, bem como o modo de lidar com o tempo real, é constatada por Couchot: Viver em tempo real está-se tornando o novo modo de vida, cada vez mais obsecante, do mundo. E como todos já fizeram a experiência, o tempo real não espera. Exclui toda espera, toda temporalização. Nele o menor atraso se torna intolerável. (COUCHOT, 2002, p. 105). Outra importante contribuição para levantar novas questões so- bre o tempo das redes é a do pesquisador e artista Ricardo Barreto. Ele chamou esse tempo de tempo catatônico (anarco-tempo-vir- tual). Para ele, o tempo catatônico é o “tempo das redes não lineares, numa conexão estreita de tempo e espaço virtual”. Tem- po e espaço criam um novo tipo de relação, na medida em que o espaço na rede se desfaz em infinitas conexões e esse espaço, assim como o tempo, é não linear e também não homogêneo. Barreto conclui que suspensão e salto são as duas faces do tem- po catatônico. As telas dos computadores digitais permanecem num estado de suspensão temporal à espera da interação do usu- ário, e o salto se dá no fluxo temporal das informações, com a possibilidade de suspensão a qualquer momento. (BARRETO, 2003, p.16, 17) Essas diferentes análises classificatórias do tempo nos dão o su- porte necessário para compreendermos o tempo nas artes cria- das para a rede mundial de computadores. 4102 O termo arte digital refere-se à criação artística baseada em téc- nicas computacionais. Essas produções são os resultados de um diálogo interdisciplinar entre arte, ciência e tecnologia que faz uso das linguagens tecnológicas para propor uma nova experi- mentação estética. Tudo começou nos sistemas de defesa militar. A guerra fria foi a grande impulsionadora dos avanços tecnológicos nos anos de 1950 e 1960. O primeiro computador digital foi o ENIAC de 1946. As pesquisas para os primeiros microcomputadores acon- teceram na década de 60, mas apenas nos anos 80 é que eles se tornaram mais acessíveis e passaram a ser efetivamente usados pelos artistas. Capítulo 2 Arte digital 4202 No início o computador era apenas um instrumento de cálculo, de- pois passou a ser um editor de textos também, para finalmente possibilitar a edição de imagens. Nas primeiras experiências com objetivos estéticos estava se descobrindo o modo de fazer, de como tratar as imagens, e aos poucos os artistas foram conquistando uma poética própria, abrindo novas possibilidades de criação. O computador opera com números, esses números traduzem cada ponto de um determinado objeto em sinal binário. Podemos dizer que a imagem desse objeto gerada pelo computador é a represen- tação plástica de expressões matemáticas. Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. Quase todas as informações podem ser codificadas dessa forma. Tanto imagens como textos e sons podem ser digitalizados. Arlindo Machado (1993) explica que, no universo do computador, o que as pessoas chamam de imagem são apenas matrizes matemá- ticas. Colocadas em relação a um sistema de coordenadas x, y, e z, esses valores numéricos podem ser totalmente alterados através de operações matemáticas e podem gerar imagens diferentes entre uma atualização e outra. Essas imagens são manipuláveis ad infinitum. A atualização de uma imagem não esgota as outras múltiplas possibilidades de visualizá-la. A visualização de cada ima- gem numérica é um dos resultados de um infinito processo combinatório. Os artistas introduziram novas formas de produção ao usar as tecnologias digitais. As primeiras experiências artísticas no compu- tador foram com imagens abstratas e manipulação de imagens. São considerados como os primeiros artistas digitais o americano A. Michael Noll e os alemães Frieder Nake e Georg Nees. Noll come- çou produzindo imagens abstratas em 1963 como “Gaussian Quadratic”. Juntos, os três organizaram a primeira mostra de arte computacional em 1965, chamada Computer Art em Nova York. [1] Em 1968 a exposição Cybernetic Serendipity que aconteceu em Londres sob curadoria de Jasia Reichardt mostrou diversos aspectos da arte computacional apresentando robôs, poesia, música entre outras produções. Vera Molnar também é citada como pioneira na arte computacional, ela usou a técnica da repetição evocando a sensibilidade minimalista para criar trabalhos de desenhos de linhas, como na obra “Molndrian Dérangé” 1974. [2] Nesta mesma época, Edward Zajec criava animações computado- rizadas articulando som e imagem. No primeiro capítulo, vimos, a partir das primeiras experimentações cinéticas de Marcel Duchamp, a integração da interatividade como mais uma maneira de fruição do espectador com a obra de arte. Nas artes digitais, a interação do usuário é a essência do trabalho, ele depende disso para dar o sentido da obra, tanto aquele já esta- belecido pelo artista como aquele que o interator, ou interagente, ou fruidor-operador irá criar. Enquanto a obra de arte em mídias tradicionais nos remete a uma postura contemplativa, nas obras digitais é imprescindível uma ação: é na experiência do interator com a obra que ela acontece, uma experiência de interação que exige um feedback em tempo real. Depois da manipulação das imagens, a interatividade foi o fator inovador do uso dos computadores na arte. 4302 [1] Michael Noll, Gaussian quadratic,1963. [2] Vera Molnar, Molndrian dérangé,1974. 4402 [5] Christa Sommerer & Laurent Mignonneau, The interactive plant growing, 1992. [3] Sonia Landy Sheridan, My New Black BookDrawing in Time, 1982. [4] Jeffrey Shaw, The legible city, 1990. [6] Edmond Couchot e Michel Bret, La plume et lê pissenlit, 1990. 4502 Uma referência consensual dos primeiros trabalhos com sistemas interativos é a artista Sonia Sheridan. Ela participou da seção de imagem numérica da exposição Electra, 1983, organizada por Frank Popper e Edmond Couchot. Seu trabalho permite que o usuário misture foto e desenho, obtendo o resultado em tempo real. Dessa exposição participaram também Tom de Witt, Nelson Max e Roy Ascott. Roy Ascott é considerado um dos pais da arte telemática e também um dos precursores da arte computacional. [3] Outras exposições foram representativas do avanço das pesquisas em arte e tecnologia e das diferentes propostas de trabalhos dos artistas. Como exemplo, podemos citar o Ars Eletrônica, em Linz, Áustria, que acontece anualmente desde 1979. A exposição Os Imateriais, 1985, em Paris, organizada, principalmente por Jean François Lyotard, onde participaram entre outros, Edmond Couchot e Michel Bret com um dispositivo interativo em três dimensões. Ou ainda a 42ª Bienal de Veneza de 1986, que mostrou o primeiro videodisco interativo “Lorna” (1979-83) criado por Linn Hershman- Neeson. Há instituições que mantêm arquivos sobre esse tipo de arte: o ISEA, Sociedade Internacional das Artes Eletrônicas, que foi criado em 1990, possui um arquivo online, além de promover um simpósio internacional de arte eletrônica; e o ZKM, Centro de Arte e Novas Mídias, em Karlsuhe, na Alemanha, que vem atuando desde 1999 como um importante espaço de pesquisa e desenvolvimento em arte e tecnologia; dentre outros. Os artistas foram aos poucos dominando as diversas técnicas das imagens de síntese e se familiarizando com a linguagem de progra- mação, podendo avançar ainda mais nas possibilidades interativas e estéticas dos meios digitais. Jeffrey Shaw realizou uma instalação, “The legible city”, 1988-91, em que o visitante intervém na imagem virtual pedalando uma bi- cicleta fixa no chão. A ação do usuário ativa a projeção de uma cidade simulada constituída por letras tridimensionais que formam palavras e sentenças e mudam conforme a “passagem” do visitan- te. [4] Christa Sommerer e Laurent Mignonneau criaram a obra “The interactive plant growing”, 1992. Trata-se de uma instalação numa sala, com uma projeção num telão e uns vasos de plantas distribuídos em frente a esta tela. Essas plantas, quando tocadas, mandam impulsos para o compu- tador através de sensores. Dependendo da intensidade do toque, a figura é calculada e desenhada na tela pelo computador. Cada planta cresce de forma diferente na tela, preenchendo todo espa- ço do telão e, para interromper, basta tocar no cactus. Por meio de hardware e software, essa obra atinge vários níveis de interação: uma interação sensitiva e perceptiva, que depende da presença física do espectador, e que comanda a interação entre o seu sistema. (PERISSINOTTO, 2000) [5] Edmond Couchot e Michel Bret também criaram uma instalação interativa, “La plume et lê pissenlit”, 1990: nesse trabalho, a interface de comunicação com a obra é o sopro. Um sensor capta o sopro do interator que age sobre as imagens projetadas na tela. [6] Os avanços nas pesquisas das diversas técnicas, as propostas inova- doras interdisciplinares e as possibilidades de subversão dos meios tecnológicos possibilitaram o surgimento de inúmeros projetos re- lacionados à arte, tecnologia e ciência. Em Information Arts, de Stephen Wilson (2002) constatamos o potencial criativo dos artistas distribuído em 945 páginas. Sua pes- quisa abrange artistas que estão produzindo no limiar entre a inves- 4602 meira grande exposição e conferência sobre arte/tecnologia, o even- to Arteônica. Em 1985, acontece a exposição Arte e Tecnologia, organizada por Julio Plaza e Arlindo Machado, no MAC/USP, e de- pois, em 1999/2000, tivemos na II Bienal do Mercosul, a mostra de Arte e Tecnologia denominada Ciberarte: zonas de interação, orga- nizada por Diana Domingues; ainda em 1999, o Itaú Cultural deu início a uma série de projetos dedicados às questões da arte, ciência e tecnologia. O File - Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, organizado por Paula Perissinotto e Ricardo Barreto, surgiu em 2000 com a proposta de estimular e divulgar pesquisas e trabalhos em lingua- gens eletrônicas: o festival acontece anualmente off-line e perma- nece online de forma cumulativa, possuindo hoje um arquivo com aproximadamente 1200 trabalhos. A XXV Bienal Internacional de Artes Plásticas, que aconteceu em 2002, incluiu em seu espaço expositivo uma seção dedicada à arte eletrônica sob a curadoria de Christine Mello. E finalmente o prog:ME, organizado por Carlo Sansolo e Érika Fraenkel, que apresentou em 2005 o primeiro evento de novas mídias no Rio de Janeiro. Outros eventos podem ser citados como os vinculados às universi- dades que promovem debates sobre a cultura digital, ou ainda o Prêmio Sérgio Motta que estimula e promove o reconhecimento da Arte-Tecnologia no Brasil. Arlindo Machado, Silvia Laurentiz e Fernando Iazzetta (2002) fize- ram ampla pesquisa sobre o percurso da arte tecnológica no Brasil dando um panorama bem abrangente sobre o tema. Priscila Arantes (2005) também publicou sua pesquisa sobre artistas e obras da ciberarte no Brasil. tigação científica e as novas tecnologias, assim como textos de teó- ricos que discutem e analisam essa nova produção e finalmente ofe- rece uma ampla lista de organizações, publicações, conferências, museus, centros de pesquisa e programas educacionais da área. O autor divide seu levantamento em tópicos apresentando as rela- ções conceituais e práticas entre arte e biologia (microbiologia, eco- logia), arte e física (sistemas não lineares, nanotecnologia), arte e matemática (fractais, vida artificial), robótica, arte e telecomunica- ções (telepresença, web art), arte e computadores (games, realida- de virtual). No Brasil as pesquisas com arte e telecomunicações datam já do início de 1970 com obras desenvolvidas a partir de experiências com xérox, super 8 e vídeo, e na década de 80 com fax, videotexto, vídeophone entre outros. Por volta dos anos de 1990, os artistas brasileiros começaram a desenvolver trabalhos com as tecnologias digitais. A primeira experiência em arte computacional foi de Waldemar Cordeiro, em 1968. O primeiro experimento de Cordeiro com computador (e possi- velmente a primeira experiência artística dessa espécie na Amé- rica Latina) aconteceu em 1968, quando o artista teve acesso a um computador IBM 360/44 da Faculdade de Física da USP e à orientação profissional do físico também italiano Giorgio Moscati. O experimento produziu a série Beabá, também conhecida como Conteúdo Informativo de Três Consoantes e Três Vogais Tratadas por Computador, nome derivado do fato de as imagens serem produzidas aplicando as probabilidades estatísticas de ocorrência de determinadas letras na língua portuguesa. (ITAÚ CULTURAL, 2002) Alguns eventos e festivais mostraram o avanço dessa produção. Por exemplo, em 1971, Cordeiro organiza na Faap, São Paulo, a pri- 4702 2.1 Arte na rede mundial de computadores Não podemos falar de arte na rede sem apresentar algumas mani- festações artísticas que a antecederam, pois algumas potencialidades da Internet já estavam semeadas em produções anteriores a ela. Na década de 60 a arte postal, mail art, por exemplo, tratou de forma bem contundente a comunicação em rede, as idéias de compartilhamento, intercâmbio e interferência global já eram seu modus operandi. Já nos anos de 1970 a necessidade de maior velocidade no processo de transmissão de idéias fez com que os artistas procurassem novos meios de comunicação mais compatíveis com as suas intenções. Foi o início das experimentações entre arte e telecomunicações, utili- zando SSTV (Slow Scanning Television), telefone, fax, computado- res pessoais, entre outras. A rede mundial de computadores surge devido ao aumento do in- teresse das pessoas pelos computadores, à grande quantidade de dados armazenados pelo mundo todo, e a possibilidade de troca de informações e de comunicação instantânea. O que deu origem à Internet foi o desenvolvimento de uma tecnologia de redes que não possuía uma unidade centralizadora. A intenção era que ela fosse constituída por várias redes, permi- tindo múltiplos caminhos para o fluxo de informação. Essa tecnologia, desenvolvida pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (DARPA) na década de 60, tinha por objetivo garantir a segurança das in- formações do sistema norte-americano, defendendo-se de possí- veis ataques soviéticos. Em 1969 foi criada uma pequena rede experimental de computa- dores, ARPAnet, pela Advanced Research Projects Agency do De- partamento de Defesa dos Estados Unidos, para permitir compar- tilhamento de recursos computacionais como troca eletrônica de dados e a execução remota de programas entre pesquisadores em universidades e outras instituições. A ARPAnet viria a ser o embrião da rede internet. (PRADO, 2003, p.41) A Worldwide Web (www) surgiu apenas em 1989, criada pelo cien- tista inglês Timoty Berners-Lee. A Internet reuniu tudo que os aparatos tecnológicos anteriores já haviam desenvolvido, a comunicação instantânea do telefone, a possibilidade das pessoas dividirem a mesma experiência simultane- amente, tal como ocorreu com o rádio e ainda a transmissão de informação como se deu com a televisão. Assim como muitos artistas subverteram os meios de comunicação para criar obras de arte, outros também começaram a usar a rede para criar trabalhos artísticos não lineares e interativos. O tempo, que desde a arte cinética, e mais enfaticamente no cinema e no vídeo, já era tema de pesquisa dos artistas, na arte na rede ele pas- sou a ser crucial. A arte na rede está em sintonia com as caracterís- ticas intrínsecas da Internet, ou seja, imediatismo, tempo real, desterritorialização. Existem dois tipos de trabalhos veiculados na Internet, os que são produzidos “para” a rede e os que são produzidos “com” a rede. Os que são produzidos para a rede são trabalhos interativos que possuem banco de dados próprio e sua navegação varia de acordo com a interação do interator dentro das possibilidades delimitadas pelo autor. Estes trabalhos poderiam, por exemplo, ser gravados 4802 em cd ou dvd e não sofreriam nenhuma alteração no seu funciona- mento. Os que são produzidos com a rede são trabalhos que de- pendem da sua conectividade para acontecer, eles fazem uso dos dados da rede, do fluxo de informações para gerar sua navegação. São obras que só existem online. O computador se alimenta dos dados da rede em tempo real para responder à ação do interator. As classificações desses tipos de obras são muitas: web art, net art, arte generativa, software art, code art, arte do protocolo, cada qual com as suas especificidades e variando conforme o autor. O Ars Eletrônica foi o primeiro festival a incluir a categoria de web art em 1995. O SIGGRAPH98 também teve júri especial para web art. Já o ZKM sob a direção de Peter Weibel, fez a exposição Net Condition, 1999, com a intenção de mostrar como o artista vê a interação entre sociedade e tecnologia. O Walker Art Center também dedicou esforços para viabilizar projetos de arte na rede. O primeiro museu a integrar arte na Internet foi o Whitney Museum of American Art. (WILSON, 2002, p.561- 564). As bifurcações de caminhos de pesquisa e produção de trabalhos na rede passam pela telepresença, realidade virtual, vida artificial, multiusuários, browsers alternativos, narrativas interativas, webcams, salva-telas, recombinações de dados, e muitos outros que já existem e ainda surgirão. 2.2 Análises de obras Os trabalhos selecionados como exemplos para análise são trabalhos produzidos com a rede, conforme descrito no item 2.1. Para esta pesquisa nos interessaram as obras que só existem se estiverem na rede, cujos dados são advindos dela, o seu banco de dados tende a ser aberto, indeterminado, mutante, aleatório, e não fechado, já pré-determinado. Portanto, o pré-requisito desta seleção foi que o trabalho fosse completamente dependente da Internet. Durante o período de pesquisa e levantamento de obras procuramos as que tivessem forte relação com as questões do tempo, seja como tema ou como estrutura de navegação e composição visual. Muitas obras poderiam fazer parte desta seleção e a dificuldade de escolher quatro dentre todas foi muito grande, porém, as discussões propostas por grande parte delas eram similares, e optamos por fazer a seleção to- mando como pressuposto diferentes abordagens de temporalidades. Os trabalhos escolhidos apresentam características e propostas temáticas bem diferenciadas entre si, e cada um aborda questões que dizem respeito à arte na rede, à mídia digital e à rede propriamente dita. Para a nossa pesquisa eles serão analisados pelo viés do tempo na rede e pela forma com que cada trabalho se situa nesse contexto. “Riot” é um navegador alternativo que se caracteriza pela efemeridade, ele não preserva seus dados, “10x10” é uma explo- ração interativa das palavras e imagens que definem o tempo e já tem uma proposta de captura, de arquivamento de dados, “The Bank of Time” é um salva-tela cuja questão é a ociosidade, o tempo inativo e finalmente “!C!” um trabalho que usa webcams para abor- dar questões relacionadas à política, ao terrorismo, aos perigos da vida e à falta de privacidade. 4902 Riot http://www.potatoland.com/riot/ “Riot” (2000) é um trabalho do artista americano Mark Napier. Trata-se de um navegador alternativo que funciona como um browser tradicional, porém a diferença é que ao contrário do browser convencional, “Riot” constrói sua página combinando textos, ima- gens e links das últimas páginas navegadas por qualquer usuário do “Riot”. Ela é uma obra multiusuários, ou seja, várias pessoas po- dem navegar no trabalho simultaneamente e todos sabem que es- tão compartilhando do mesmo espaço. Os interatores podem digitar na barra de endereços uma url ou escolher uma que já está lá dispo- nível, cada nova entrada de url soma-se à anterior em novas dobras de dados. As pessoas podem navegar através do “Riot” em um ou em muitos sites diferentes que estão ali misturados entre si. Ele mescla conteúdos e ideologias rompendo com as fronteiras limitantes dos domínios, tornando-se, portanto, permeável, mutante e inconstante. “Riot” procura dissolver noções tradicionais de território, proprie- dade e autoridade ao quebrar as convenções territoriais como do- mínios, sítios e páginas. O resultado é uma composição complexa e aleatória pautada pelo excesso e que está em eterna metamorfose variando conforme a interação do usuário. As primeiras experiências com a visualização de dados simultâneos na tela do computador datam de 1972 quando Alan Kay, pesquisa- dor da Xerox PARC, inventou as janelas sobreponíveis. Com elas foi possível explorar as possibilidades dos espaços concomitantes, de ver dois documentos ao mesmo tempo, e ainda ziguezaguear entre eles com um único clique no mouse. As janelas sobreponíveis deram profundidade, sugerindo uma abor- dagem mais tridimensional à interface, um espaço-tela em que era possível entrar, ganhando níveis de profundidade. (JOHNSON, 2001, p. 39, 64.) Uma interface baseada em janelas promove a multiplicidade nesse espaço-tela subdividindo-o em multiespaços para ações multitarefas. A simultaneidade proporcionada por esta interface do computador produz relações riquíssimas, e possibilita novas experimentações artísticas. “Riot” transgride os efeitos das janelas decompondo os sites acessados em intersecções de dados. No “Riot” o espaço não está compartimentado em janelas, mas diluído num espaço catatônico que tem a duração da interação. Cada novo usuário que interage no trabalho promove uma reconfiguração dos sites que já estão ali. “Riot” lida com o acúmulo, mas não estoca informação, ele é uma espécie de palimpsesto digital onde as camadas não se sobrepõem, nem negam umas às outras, mas se recombinam. “Riot” é um trabalho que se caracteriza pela multiplicidade. Ele se configura através de uma multiplicidade heterogênea, temporal, baseada na experiência real do interator. Poderíamos dizer que se trata de uma multiplicidade criativa, na medida em que a interação dos multiusuários que compartilham o espaço do trabalho gera sem- pre novas composições, estas nunca se repetem e estão em cons- tante suspensão a espera de uma nova intervenção. Nada está pro- gramado ou pré-determinado, a composição está a deriva e a dire- ção que vai seguir depende das escolhas individuais dos usuários. Na sua entrevista, Mark Napier escreve que “Riot” opera num in- tervalo de tempo bastante curto, ele responde à ação do interator instantaneamente e cada click do usuário tem um impacto imedia- to no comportamento do trabalho. “Riot” não prioriza a constru- ção de uma história da obra, portanto, o visitante fica sempre aten- to às suas próprias ações. Napier vê seu trabalho como uma performance, tanto pela resposta em tempo real à interação do espectador como pela própria existência da obra dentro de um pro- cesso maior na rede. 5002 A performance demanda uma ação no tempo, ela é sempre um ato em tempo real e caso ela se repita, nunca será igual. “Riot”, visto como uma performance incorpora o tempo no desenvolvi- mento da sua técnica. A questão temporal para Napier não está baseada numa especificidade do computador e sim na percepção do espectador com relação ao computador. Um diálogo acontece entre a máqui- na (as regras e as ações do trabalho artístico) e o usuário. Nesse diálogo, o tempo tem um papel crucial. A percepção em relação ao tempo mudou radicalmente no início do século sob forte influência dos avanços tecnológicos alterando a visão de mundo das pessoas. Hoje, mais do que nunca, esses avan- ços ditam a velocidade e o comportamento das pessoas. Na arte o processo é idêntico, afinal ela sempre foi e sempre será fruto do seu tempo. Segundo Napier: ao longo da história, a arte funcionou para revelar a mídia daquele momento na história, e a arte na Internet não é diferente, ela reflete a mídia do nosso tem- po. “Riot” é um trabalho totalmente produzido com a rede, qualquer mudança que ocorra, seja nas configurações de HTML ou nas re- gras dos domínios tornará a obra obsoleta. “Riot”, assim como a rede, não tem uma estrutura determinada, não tem início, nem fim, as únicas coisas que são imutáveis nele, segundo Napier, é o algoritmo que forma o trabalho e as regras que compõem o comportamento da obra, estas são as verdadeiras formas do trabalho. Portanto, a obra não está no seu resultado final, ele inexiste, a obra é a performance gerada pelo algoritmo e pelas regras estipuladas pelo artista/programador, é ele também quem ditará a experiência de tempo no trabalho. Podemos concluir que o tempo no “Riot” é uma experiência pro- movida pelo seu autor e será através da percepção que o interator irá se relacionar com essa temporalidade. Estamos tratando de uma idéia de diferentes tempos privados, ou ainda, tempos individuais que variam de pessoa para pessoa de acordo com o seu envolvimento com o trabalho. [7-9] 5102 [7] [8] Mark Napier, Riot, 2000. 5202 [9] Mark Napier, Riot, 2000. 5302 10x10 (‘ten by ten’) http://tenbyten.org/ “10x10” (2004) é um trabalho do artista americano Jonathan Harris. Trata-se de uma exploração interativa das palavras e imagens que definem o tempo. O resultado é um apanhado de instantâneos do nosso mundo. De hora em hora, “10x10” rastreia as principais fon- tes de notícias internacionais e faz um elaborado processo de análi- se lingüística no texto das notícias mais importantes. Depois desse processo, automaticamente ele conclui quais são as palavras que mais se destacaram, sendo escolhidas as 100 principais, com as 100 imagens correspondentes. “10x10” coleta as 100 palavras e ima- gens que mais interessam em uma escala global, e as apresenta numa única imagem, numa tentativa de encapsular aquele momento no tempo. No decorrer de dias, meses, e anos, “10x10” deixa um ras- tro dos acontecimentos acumulados de hora em hora. Nesse senti- do, um arquivo em constante evolução está sendo formado, base- ado em eventos mundiais proeminentes, sem nenhuma interven- ção humana. O trabalho é formado por uma grade com 100 ima- gens, cada imagem representa um único momento no tempo, acessando cada uma delas podemos ir além da imagem e nos aprofundar na notícia referente a esta imagem. Quanto mais uma imagem se repete, mais importante é a sua notícia. A interação do usuário não altera a composição do trabalho. As imagens estão fixas na grade montada pelo autor, ao clicar em uma das imagens ou palavras, abre-se uma janela destacando a imagem selecionada e os links para as notícias. O interator então clica nos links e “desloca-se” da interface de “10x10” ao ser redirecionado para a origem daquela imagem. O espectador passeia através des- tas imagens rumo à notícia na íntegra. “10x10”, diferentemente de “Riot”, dá grande ênfase à história da peça. Ele gera de hora em hora um arquivo histórico através de imagens e palavras. O trabalho acumula camadas de tempo como faixas sedimentares que registram os eventos passados. A última hora capturada é sempre mais uma camada que é adicionada ao trabalho. Cada imagem da obra é um retalho de uma colcha de acontecimentos simultâneos. Elas representam o movimento dinâ- mico do mundo e procuram dar conta de representar seus momen- tos únicos. Estes ao se unirem criam uma espécie de fotonovela da história humana. A proposta de “10x10” de encapsular um instante no tempo re- monta à mesma preocupação que os artistas tiveram desde os primórdios das artes. O surgimento da fotografia foi o grande salto para essa busca ansiosa. Um dos maiores méritos da fotografia na época foi a possibilidade de construir registros históricos através de um procedimento técnico mais veloz e mais realístico que a pintura. Nesse contexto, segundo o próprio autor, “10x10” tem um pé no passado e outro no presente. Se por um lado ele faz uso de instan- tâneos fotográficos, remetendo a uma mídia que existe há 100 anos, para criar seu mosaico de imagens, por outro a técnica pela qual elas são capturadas e apresentadas só é possível via Internet. O trabalho é permeado por questões que se aplicam à história dos registros midiáticos, fotografia, mídias jornalísticas, ambos inseridos num discurso contemporâneo da cultura digital. “10x10” representa a esquizofrenia do mundo e procura represen- tar o interstício entre o passado e o presente mediado pela ubiqüi- dade característica da Internet. Sua temporalidade trafega por cur- tos espaços de tempo compassados de hora em hora em tempo real. Jonathan Harris faz uso da rede para concretizar seu projeto de 5402 produção de um rastro narrativo dos acontecimentos. Segundo o próprio artista na sua entrevista: Se a Internet não mudasse tão depressa, as imagens do mundo que aparecem em “10x10” não poderiam ser tão ágeis e é justa- mente a natureza interativa, não linear e efêmera da Internet que permite que “10x10” produza instantâneos do mundo de hora em hora. (Harris, 2006) [10-12] 5502 [10] [11] Jonathan Harris, 10x10, 2004. 5602 [12] Jonathan Harris, 10x10, 2004. 5702 The Bank of Time http://www.theBankofTime.com “The Bank of Time” (2001) é um trabalho do artista britânico Richard Wright. Trata-se de um salva-telas que administra seu tem- po inativo. Ele usa o tempo ocioso do computador para cultivar plantas virtuais em seu desktop. O tempo inativo de cada usuário do salva-tela é somado e enviado para um site que contabiliza e exibe o tempo numa tabela de desempenho. As pessoas no mundo todo podem comparar seus desempenhos com os dos outros. Seu tempo inativo é transformado em um investimento, fazendo um paralelo com o mercado financeiro, onde o dinheiro trabalha para você. No “The Bank of Time” o crescimento acontece com a ociosi- dade, alimentando uma economia do tempo perdido. A base deste trabalho é um gigantesco banco de dados de mais de três mil fotos de plantas crescendo. O salva-tela envia a contagem do tempo oci- oso para o banco de dados do site e este atualiza as imagens das plantas conforme o aumento da soma do tempo, carregando ima- gens do crescimento correspondente a esse acúmulo de tempo. As plantas crescem em tempo real e depois que cada planta “amadu- rece” ela se deteriora e morre. O usuário, então, pode escolher outra planta para crescer e dar continuidade ao ciclo até terminar o estoque de plantas. Quanto mais tempo inativo o usuário acumu- lar, mais rápido a planta crescerá. Isto também significa que ele subirá no ranking de desempenho. Segundo Wright logo todo mundo estará se esforçando para desperdiçar o máximo de tempo possível. Os salva-telas deram a primeira indicação de como o computador também pode estruturar os períodos de inatividade e ausência cri- ando outros objetivos como, por exemplo, proteger as telas. “The Bank of Time” cria uma economia desse tempo irracional e sem propósito. Ele promove, através do acúmulo de tempo ocioso, uma ação criativa, este tempo é o alimento que faz as plantas digitais crescerem. Wright acredita que o computador tem o potencial de aproveitar todos os segundos para alguma forma de trabalho, convertendo todo o tempo improdutivo em tempo proveitoso, quase eliminan- do a noção de ‘tempo livre’. “The Bank of Time” lida com várias temporalidades, a primeira é sobre o tempo stand by, quando não acontece nenhuma interação com o computador, este tempo é individual de cada pessoa, ele varia de acordo com as necessidades e hábitos de cada um. De acor- do com o autor em sua entrevista: este tempo pode ser manipula- do, os interatores podem controlar seus padrões de ação e inativi- dade, e assim acelerar o processo de crescimento da sua planta. Neste sentido, o trabalho propõe uma interação às avessas, ou seja, diferentemente dos outros trabalhos de net art, a não interação do usuário é que influencia o desdobramento da obra, e o único con- trole que este interator tem sobre o trabalho é o seu tempo de ociosidade. Esse tempo é um tempo não cronológico, pois não é linear. Ele é capturado nos intervalos das ações, ou seja, quando o computador é acionado para efetuar alguma tarefa a contagem do tempo pára e só recomeça quando o salva-tela é ativado novamen- te. Nesse momento a tela do computador permanece num estado de suspensão temporal à espera da interação do usuário. O outro tempo é o tempo de conexão com a Internet, pois a atua- lização das imagens das plantas depende da contabilização do tem- po feito pelo banco de dados do site. Portanto o avanço no desen- volvimento das plantas está vinculado ao tempo de conexão e desconexão da Internet. Cada vez que o computador é conectado 5802 à Internet o novo estado da planta é atualizado em tempo real. Podemos ainda considerar um terceiro tempo que é o tempo simul- tâneo, em que o computador está inativo, o salva-tela está rodan- do e o usuário está ou contemplando a queda da chuva digital que preenche a tela vagarosamente, ou cumprindo outra tarefa não relacionada ao computador. “The Bank of Time” só acontece quanto o interator está ocupado com outra função. “The Bank of Time” faz analogias entre o ciclo temporal da nature- za e a experiência do tempo artificial dos computadores. Se por um lado ele mostra o ciclo completo de crescimento e deterioração na natureza, ou seja, a planta nasce, cresce e morre, por outro lado esse evento só acontece com a contagem de um tempo artificial, não linear. Tanto na natureza como no salva-tela o crescimento da planta requer paciência, porém no salva-tela o interator pode agilizar o processo ficando mais tempo inativo. Assim como uma planta, de certa forma, o trabalho também chega ao fim. Quando acaba o estoque de plantas, ele até continuará funcionando como um sal- va-tela e a chuva digital continuará caindo, porém a tela passará a exibir imagens que indicam que o tempo expirou para este usuário e exibirá citações sobre o tema de efemeridade. Desse modo “The Bank of Time” se tornará finalmente, segundo o autor, um jardim de recordação. Na entrevista dada a Matthew Fuller em 2002 Wright explica que “The Bank of Time” é tecnicamente uma animação de uma planta crescendo, mas as logísticas desta animação foram reconfiguradas. Cada quadro da animação é controlado pelo tempo inativo do usu- ário. Quanto mais tempo inativo eles acumulam, mais rápido a ima- gem é atualizada. Ele é uma reconstrução da representação cinemática do tempo baseada numa nova organização instaurada pelo tempo computacional. Na mesma entrevista ele faz mais uma referência ao cinema afir- mando que como um filme de Andy Warhol, “The Bank of Time” tem muito a ver com a experiência de duração. Warhol procurou em seus filmes confundir o tempo real e o tempo fílmico, mostran- do uma ação num fluxo contínuo do tempo da cena. O cinema já havia mudado a nossa percepção sobre a passagem do tempo, per- mitindo, por exemplo, comprimir a história da vida de uma planta em poucos segundos, e então assistir o movimento coreográfico do seu crescimento. Segundo Wright “The Bank of Time” inverte esse ponto de vista, ele considera de suma importância para o trabalho que o usuário encontre um modo de ‘sentir’ a passagem dessa nova medida de tempo. Para ele o trabalho intensifica a experiência dos nossos próprios ciclos de tempo através da imagem de uma planta. 5902 [13] Richard Wright, The Bank of Time, 2001. 6002 [14] [15] Richard Wright, The Bank of Time, 2001. 6102 6202 [16] Richard Wright, The Bank of Time, 2001. 6302 !C! http://www.incident.net/works/ici/ “!C!” 2002 é um trabalho do artista francês Reynald Drouhin. Tra- ta-se de um trabalho que usa webcams para abordar questões rela- cionadas à política, ao terrorismo, aos perigos da vida e à falta de privacidade. O artista coloca nove imagens diferentes de webcams na tela e elas mudam randomicamente em tempo real. Ao selecio- nar uma delas, ela abrirá numa janela maior e começará a conta- gem regressiva do tempo enquanto frases de alarme piscam para colocar o usuário de prontidão à espera de algum acontecimento. Atenção! Algo aconteceu! — Atenção! Algo vai acontecer! — Aten- ção! Algo acontece! Essas são as frases que aparecem para criar um clima de expectativa enquanto o interator observa a imagem da webcam. Segundo o autor em sua entrevista: “!C!” põe em cena imagens de webcams captadas da internet em uma visualização global (multijanelas como tela de controle, ou seja, uma forma de vigiar o mundo). Essas webcams são atualizadas o tempo todo pela própria programação do trabalho, ou seja, o sistema capta sempre a última imagem que a câmera pegou. Nesse sentido o trabalho apresenta nove janelas simultâneas que mostram em tempo real lugares diferentes, com suas diversidades, fuso-horário, como também as câmeras que já não estão mais no ar, ou estão desligadas tempora- riamente. Tanto as webcams operantes como aquelas que já não estão mais transmitindo apontam para um tempo que tem uma duração ou ainda uma temporalidade relativa ao momento da visualização como escreveu Drouhin. Quando ocorre a substituição das imagens na tela, aquelas que saíram tornam-se passado perdido e novas câmeras são carregadas mos- trando uma ação num instante presente. Cada atualização de câmeras permite, ainda segundo Drouhin, a reatualização do passado, pois num processo randômico as webcams reaparecerão com imagens atualizadas, ou seja, com as últimas imagens obtidas pela câmera. Se na fotografia o que vemos é um passado preservado, com as webcams temos uma constante renovação do presente, sem regis- tro, sem arquivo, apenas passagem de instantes fluidos que duram o tempo da captura. Para o autor as múltiplas janelas de “!C!” reforçam a idéia de con- trole dando a ilusão da ubiqüidade, de ver todos os lugares simulta- neamente. Elas permitem também visualizar um confronto entre as imagens das câmeras, possibilitando inclusive criar narrativas com sentidos diferentes a partir de cada conjunto de câmeras. Nos trabalhos que usam webcams o acaso e a aleatoriedade são fatores integrantes na sua constituição, pois as webcams utilizadas são apropriações feitas de bancos de dados e estão sujeitas às vari- ações que podem ocorrer com cada uma delas. Elas podem mudar de direção, de posição, ser desligadas, sofrer danos temporários, etc. Essas suscetibilidades são incorporadas em “!C!” como parte de uma duração arbitrária, que depende tanto do banco de dados como do tempo de visualização de cada interator. Faremos outras abordagens relacionadas a trabalhos com webcams no próximo capítulo, onde será apresentada a obra “011000” . 6402 [17] [18] [19] Reynald Drouhin, !C!, 2002. 6502 6703 Capítulo 3 011000 www.etceterart.net/011000 “011000” foi realizado como trabalho de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu em Design de Hipermídia na Universi- dade Anhembi Morumbi em 2004. Participaram desse projeto Eliane Weizmann, Fernando Marinho e Leocádio Neto. O título, além de fazer uma alusão ao código binário do compu- tador, que opera com zeros e uns, também significa que o resul- tado obtido com o trabalho é um entre outros mil que estão em potencial. A proposta do projeto foi fazer uma conexão entre design e arte, não se tratando apenas de uma transposição de procedimentos, mas de uma transgressão da idéia inicial dos Cartemas de Aloísio Magalhães para uma interface interativa e criativa. 6803 Este texto sobre a peça “011000” foi parcialmente extraído da monografia 011000 possibilidades criativas entre os Cartemas e a hipermídia (WEIZMANN, et al, 2004). “011000” é um trabalho de net art inspirado nos Cartemas, de Aloísio Magalhães. Ele foi reconhecidamente um dos persona- gens principais da história do design brasileiro, deixou uma obra expressiva, extremamente particular, coerente e atual. Foi tam- bém um grande artista e aí encontra-se sua qualidade primordi- al: a valorização da visualidade. Essa característica permeava to- das as suas ações na arte, no design e na gestão cultural. [1-3] O Cartema é fruto da sensibilidade e maturidade visual de Aloí- sio Magalhães. Nessa obra, verificam-se procedimentos formais comuns à sua produção artística e de design. Curiosamente, du- rante uma atividade própria do design, Aloísio vislumbrou com- posições a partir da apropriação de imagens impressas em série. Dedicou-se, então, à produção de colagens com cartões-postais, que, posteriormente, foram denominadas Cartemas. [4-6] O uso do cartão-postal como unidade de composição do Cartema estava inserido no contexto artístico-brasileiro da época que, desde os anos 60, trazia objetos do cotidiano para dentro do discurso artístico. Ao apropriar-se do cartão-postal, Aloísio Magalhães apresentou uma nova forma de olhar e usar as imagens impressas nele. As composições inusitadas surgidas nos Cartemas deram um novo sentido a essas imagens. Com o advento da Internet, a viagem imaginária dos cartões- postais tornou-se mais realística e dinâmica, pois, com um único clique do mouse, salta-se de um lado para outro do mundo em segundos. Velocidade e imediatismo são características fundamen- tais desse salto, assim como quantidade e multiplicidade. “011000” faz uma associação do cartão-postal com webcams, rádios e jornais on line, possibilidades que a mídia digital e a Internet oferecem de conhecer um lugar em tempo real. Assim como Aloísio apropriou-se dos cartões-postais como matéria ar- tística, este trabalho apropria-se dos dados disponíveis na rede mundial de computadores, para gerar composições que dialo- gam com o seu meio. Essas composições estão constantemente se transformando, pois, além da interação do usuário, os dados acessados no trabalho são sempre atualizados em tempo real, portanto, cada entrada no “011000” será diferente. Combinatórias de sons, imagens e textos de diversas localidades, estabelecem múltiplas leituras, numa ciberviagem potencial. Cada uma dessas mídias sugere um caminho inspirado nos Cartemas. A repetição, o recorte, a sobreposição, o espelhamento, a simul- taneidade, o jogo caleidoscópico são palavras-chave na elabora- ção deste trabalho de net art. 3.1 Descrição Em “011000” estabelece-se uma relação entre os cartões-postais e as webcams, essa relação também foi expandida para outras maneiras de conhecer um lugar como, por exemplo, suas notíci- as, escritas, dialetos, músicas e sonoridades, através dos jornais e rádios on line. As webcams são aparelhos que captam e transmitem imagens de locais públicos ou privados. Uma vez disponibilizadas na Internet, 6903 [1] Aloísio Magalhães em seu escritório, 1966. [3] Doorway to Brasilia Concepção e design de Aloísio Magalhães e Eugene Feldman, 1959. [2] Aloísio Magalhães em Suape, Cabo de Santo Agostinho - PE. 7003 [4] Cartema Série preto e branco, 1974. 7103 [5] Cartema Série brasileira, 1972. [6] Cartema Série barroca, 1974. 7203 [10] Interface Rádio on line [7] Home page 011000. [8] Interface Conceito. [9] Impressão manual, fonte Memphis. Tipografia São Paulo. 7303 são passíveis de apropriação e manipulação. Cada quadro de imagem que uma webcam gera é único, e está em contínua re- novação. A última imagem tirada sempre substitui a anterior. Portanto, as composições geradas no “011000”, a partir das imagens das webcams, serão sempre diferentes: o sistema carre- ga a última imagem capturada. Os jornais e rádios on line são adaptações da leitura do cartão- postal, na medida em que eles também representam um lugar. Através das rádios ouve-se o idioma, a sonoridade e as notícias. Nos jornais, além do idioma e suas diferentes grafias, existem as imagens fotográficas de um fato, uma personalidade ou um pro- duto anunciado. As diferenças de interface entre eles proporcio- nam diversas possibilidades de combinações, gerando estruturas inovadoras dentro do trabalho. A obra “011000” é composta de seis interfaces: home page [7], conceito [8], dois ambientes interativos de criação, galeria “On picture” e créditos. A linguagem visual escolhida para a interface de “011000” utili- za elementos tipográficos, numa referência à produção editorial de Aloísio Magalhães em O Gráfico Amador. Os títulos e botões do site foram impressos em tipografia manual e depois digitalizados e manipulados. [9] As imperfeições ocasionais do processo de impressão manual fazem parte da composição: são elementos que relacionam o mecânico e o digital, assim como as instabilidades do ambiente digital também estarão presentes na peça, nas possíveis falhas do sistema de atualização das webcams, jornais e rádios on line. [10] Optou-se por uma navegação intuitiva, na qual o interator vai descobrindo os espaços de informação e criação. Esses espaços estão interconectados por um menu fixo. Na primeira interface, além do texto, com o conceito do traba- lho também encontram-se vários exemplos dos Cartemas do Alo- ísio Magalhães. Os espaços de criação, denominados “zero1mil” e “zero2mil” utilizam webcams e jornais on line, respectivamente, para a ge- ração de novas imagens. As rádios on line podem ser acessadas em qualquer um dos espaços de criação onde será possível, si- multaneamente, ver e ouvir lugares e sons distintos. O espaço “zero1mil” oferece 3 possibilidades de manipulação de imagens de webcams: “zero1um”, “zero1dois” e “zero1três”. Em cada um desses espaços, 5 webcams diferentes são acessadas em tempo real. [11] “zero1um” apresenta inicialmente uma composição de imagens próxima ao Cartema. Ao clicar nas webcams carregadas, aciona- se um sorteio randômico de posições que gera novas composi- ções. Os módulos da composição podem ser arrastados por toda a tela, desconstruindo a composição original. “zero1dois” é um pincel imagético que, ao ser arrastado pelo mouse, multiplica a imagem por ele carregada. O programa re- gistra o movimento feito pelo interator, que pode criar camadas de imagens diferentes a partir das webcams disponibilizadas. [12] “zero1três” apresenta, inicialmente, uma composição próxima ao Cartema, porém com módulos transparentes e sobrepostos. Entretanto, os toques sobre as webcams, além do sorteio, esti- cam infinitamente os módulos da composição. Esses também são “arrastáveis” por toda a interface. Nesse espaço criativo, há, ain- 7403 da, um botão que troca, randomicamente, a cor do background, oferecendo mais um recurso compositivo. [13] Nesses espaços criativos é possível apagar a composição para reiniciá-la. O espaço de criação seguinte utiliza os jornais on line e denomi- na-se “zero2um”. Nele, botões com logotipos de jornais acessam jornais de diversas nacionalidades. [14] No “zero2um”, os logotipos estão ligados ao seu respectivo en- dereço eletrônico, e, ao selecioná-los, eles abrem cada um em uma camada, que são arrastáveis e podem se sobrepor, possibili- tando combinatórias variadas. O interator pode navegar dentro de cada camada, ora o link permanece dentro da própria janela do jornal, ora ele sai da interface do “011000” e abre direto o endereço acessado. O espaço para créditos permite a correspondência com os auto- res de “011000”, acesso a instituições culturais cujo acervo pos- sui- Cartemas originais de Aloísio Magalhães e também arquivo pdf com a monografia de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu na íntegra. [15] Por fim há uma interface denominada “on picture”. Ela é a “ga- leria” do site. Todas as composições criadas nas interfaces de webcams, “zero1um”, “zero1dois” e “zero1três”, são feitas pelo interator a partir da escolha da imagem. Ele, se quiser, poderá salvar a sua composição no “on picture”. [16] 3.2 Análise Conceitual “011000” traz algumas discussões ao propor um contraponto entre capturas analógicas e digitais, e ao expor questões sobre o próprio meio digital e a Internet. Os cartões-postais, matéria-prima dos Cartemas de Aloísio Ma- galhães são fotografias, fragmentos de um passado que se quer preservar. Como escreveu Jonathan Harris em sua entrevista, as fotografias são artefatos do mundo físico, pertencendo a uma mídia que existe há 100 anos. No ambiente digital da Internet, os artefatos como as webcams, jornais e rádios on line estão no tempo, apresentando uma constante renovação do presente, sem registro, sem arquivo, apenas passagem de instantes fluidos que duram o tempo da atualização. Em “011000”, discutimos as noções de efêmero e permanência, fazendo o paralelo entre fotografia e mídias digitais on line. Como escreveu Napier em sua entrevista, o que permanece nos traba- lhos de net art é o seu algoritmo, são as regras que compõem o comportamento da obra, mas a composição e as imagens são efêmeras, elas têm a duração da visualização e da interação. A idéia do trabalho não é capturar e registrar um instante no tempo e, sim, ter uma experiência desse tempo naquele instan- te. “011000”, que não preserva nem sedimenta sua própria his- tória, mas estimula a interação e convida o interator a deixar seu rastro de passagem pela obra no “on picture”. O ato de salvar no “011000” (interface “on picture”) tem uma conotação diferente do padrão estabelecido, pois aqui apenas a posição das imagens será registrada, ou ainda o seu modelo. 7503 [11] Interface Zero1um. [12] Interface Zero1dois. [13] Interface Zero1três. [14] Interface Zero2um. 7603 [15] Interface Crédito. [16] Interface On Picture. 7703 Ele salva a ação, o comportamento do interator. As imagens, no entanto, serão carregadas em tempo real, ou seja, toda vez que “on picture” for acessado as composição salvas ali serão atualizadas em tempo real, ver-se-á a mesma estrutura que fora salva, porém, as imagens serão do instante acessado. A duração dessa imagem está estritamente vinculada a um tempo remoto de conexão e desconexão. Salvar uma imagem no “011000” não significa que ela será preservada ou arquivada, ela será sem- pre renovada, ou, segundo Drouhin, em sua entrevista, ela será sempre a “reatualização do passado”. Outra abordagem do trabalho é a desterritorialização. Esse con- ceito é compreendido como mobilidade, deslocamento, fluxo, salto sem limites territoriais. Por exemplo, em cada uma das interfaces de webcams são apresentadas cinco imagens de luga- res diferentes. Assim como na obra “!C!” o fato delas carrega- rem em tempo real e aparecerem simultaneamente já gera um confronto entre elas a partir de suas diversidades, fuso-horário, clima, paisagem, entre outras. A interface de interação com webcams chamada “zero1dois”, além de apresentar as cinco webcams simultaneamente, permite criar a partir do movimento feito pelo interator camadas de ima- gens diferentes das webcams disponibilizadas. Similar ao proces- so que acontece no “Riot”, ela mistura diferentes localidades numa composição, rompendo com as noções de fronteiras e ter- ritórios, ela junta o que está compartimentado, ela cria associa- ções com as dissimilitudes localizadas. Ambos os casos lidam com a desterritorialização, com a idéia de mobilidade, de fluxos, ou seja, de estar em rede. Poderíamos dizer que essas composições trazem questões de um tempo “glocal”, termo usado por Paul Virilio (1995), em que ele escre- ve sobre a substituição do termo “global” para “glocal”, uma idéia de que o local tornou-se, por definição, global, e o global, local. Essas noções que dividem o que é global e local perdem o sentido em trabalhos como “Riot” e “011000”, na medida em que o que prevalece não são as distinções territoriais e de domí- nios e, sim, o amálgama que surge dessas interfaces. A simbiose entre o global e o local é o indício de um tempo muito peculiar que somente as manifestações em rede podem experimentar. Já na interface que utiliza os jornais on line e denomina-se “zero2um”, acontece algo próximo ao trabalho “10x10”: o interator, ao navegar nas camadas de jornais on line, pode saltar da interface do “011000” para acessar a informação cujo link abre em outra janela sobreposta ao mesmo tempo. Essa ação nos remete às janelas sobreponíveis criadas por Alan Kay, já cita- das anteriormente, que possibi l itou explorar os espaços concomitantes, de ver dois documentos ao mesmo tempo, e ain- da ziguezaguear entre eles com um único clique no mouse. 79 As mudanças de percepção temporal foram ocorrendo durante todo o período da história da arte, conforme vimos no primeiro capítulo. O desenvolvimento tecnológico e a transformação ace- lerada do dia-a-dia alteraram a visão de mundo das pessoas, as- sim como o tipo de arte que era produzida. Com o advento do computador, das mídias digitais, e da rede mundial de computadores, novos paradigmas temporais surgi- ram e uma nova relação espaço-tempo se impôs. Para compreendermos melhor essa temporalidade, fizemos um apanhado de conceitos e reflexões sobre diferentes classificações de tempos relativos a algumas mídias, como fotografia, cinema, televisão, vídeo e mídias computacionais, que deram o subsídio necessário para introduzirmos a questão do tempo na arte digital. Estabelecemos, neste estudo, um recorte do tema das artes digi- tais direcionando a pesquisa para os trabalhos realizados com a internet. Analisamos obras de diferentes abordagens sobre a questão do tempo e entrevistamos os artistas que as produzi- ram. No terceiro capítulo, apresentamos uma experiência prática da autora, em parceria com Fernando Marinho e Leocádio Neto. Considerações finais 80 Com essas informações, pudemos fazer associações dos concei- tos e das práticas que envolvem essas produções, dialogando com as reflexões de tempos descritas anteriormente. Abordamos, através das obras apresentadas, questões que estão embutidas em cada uma delas, como o tempo real, tempo de conexão e de visualização, as noções de efêmero e permanência, a desterritorialização, experiência do tempo e simultaneidade. Esses são temas que norteiam a maioria das produções artísticas na internet. As relações estabelecidas entre todos os trabalhos analisados e os respectivos discursos dos artistas e pesquisadores estão inseridos no contexto do tempo real do ciberespaço, pois nele não há pas- sado, nem futuro, está sempre num presente contínuo e essa temporalidade é potencializada pela rede mundial de computa- dores, em que prevalece o imediatismo e a simultaneidade. James Joyce afirma que o presente é o único lugar real da expe- riência. (JOYCE apud KERN, 1983, p.86). Se afirmamos que o tempo do ciberespaço está num presente contínuo, então estamos no caminho certo para experimentar. A internet é uma mídia que proporciona a experiência do tempo real e do tempo simultâneo. Idéias, palavras, sons e imagens se deslocam pelo ciberespaço, atravessando a duração, permane- cendo suspenso à espera da interação. Vivenciamos hoje a elaboração de novos conceitos e novas pos- turas frente à arte. Aos poucos vai constituindo-se uma estética própria da cultura digital e um discurso integrado com a prática artística. Nossa ambição nessa pesquisa não era chegar a conclusões, e, sim, apresentar alguns aspectos de um presente artístico que ain- da estamos construindo. Portanto, esse estudo continua acompanhando os desdobramen- tos da linguagem eletrônica, simultaneamente ao desenvolvimen- to dos projetos pessoais práticos que, assim como no “011000”, abarcam os conceitos discutidos aqui. 81 [1] Imagem e texto construídos pela obra “Riot” a partir da navegação pelas obras “10x10” e “Riot” simultaneamente. 82 [2] Imagem e texto construídos pela obra “Riot” a partir da navegação pelas obras “10x10” e “Bank of Time” e “011000” simultaneamente. 83 [3] Imagem e texto construídos pela obra “Riot” a partir da navegação pelas obras “Riot”, “Bank of Time” e “10x10” simultaneamente. 85 Bibliografia 86 ARANTES, Priscila. Panorama da ciberarte no Brasil. In LEÃO, Lucia (org.). O chip e o caleidoscópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo: Senac São Paulo, 2005, p. 295-310. BARRETO, Ricardo. A Anarco-Cultura. In: BARRETO, Ricardo; PERISSINOTTO, Paula (org.). Novas Mídias New Medias. São Paulo: File, 2003, p. 14-19. BEIGUELMAN, Giselle. Link-se. São Paulo: Peirópolis, 2005. Benjamin, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: ______. Magia e Técnica, Arte e política. Tradução: Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985, p.165-196 . BITTENCOURT, Guilherme. Computação e Computador. Florianópolis, 1998. Disponível em < http://www.das.ufsc.br/gia/computer/>. Acesso em: 18 maio 2005. CHIPP, Herschel B. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1988 COUCHOT, Edmond. O tempo real nos dispositivos Artísticos. In L