PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO UM MODELO PROCESSUAL PARA AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO CONSELHO EDITORIAL ACADÊMICO Responsável pela publicação desta obra Marta Lígia Pomim Valentim Plácida Leopoldina V. A. Costa Santos João Batista Ernesto de Moraes JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO UM MODELO PROCESSUAL PARA AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR © 2012 Editora Unesp Cultura Acadêmica Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.culturaacademica.com.br feu@editora.unesp.br Editora afiliada: Este livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) CIP – Brasil. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ G731p Grácio, José Carlos Abbud Preservação digital na gestão da informação: um modelo processual para as instituições de ensino superior / José Carlos Abbud Grácio. – São Paulo, SP: Cultura Acadêmica, 2012. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-333-5 1. Preservação digital. 2. Documentos eletrônicos. 3. Gerenciamento da informação – modelos. 4. Tecnologia de informação e comunicação. 5. Universi- dades e faculdades. 6. Cultura organizacional. I. Autor. II. Título. 12-8603 CDD: 025.840285 CDU: 002.1-028.27-049.34 AGRADECIMENTOS À minha esposa, Maria Cláudia Cabrini Grácio, que nos momentos di- fíceis me deu todo seu apoio, incentivo e confiança. Você faz parte desta conquista. Aos meus filhos, Caio e Paula, razão de ser da minha vida e que me fazem ter orgulho de ser pai. Aos meus pais, Élio (em memória) e Olinda, que, com seus esforços, me deram educação e estudo para que eu pudesse ter uma profissão, uma família e chegasse até aqui. Às Professoras Doutoras Bárbara Fadel, Marta Lígia Pomim Valentim e Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos, pelo apoio e pelas valio- sas contribuições. A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, colaboraram para a reali- zação deste livro. A Deus, por tudo e por todos que colocou em minha vida. SUMÁRIO Prefácio 9 Introdução 13 1 Gestão da informação 19 2 Cultura organizacional 41 3 Preservação digital 51 4 Preservação digital: aspectos organizacionais 83 5 Preservação digital: aspectos legais 97 6 Preservação digital: aspectos técnicos 109 7 Modelo processual de preservação digital para gestão da informação 155 Considerações finais 199 Referências bibliográficas 205 PREFÁCIO Marta Lígia Pomim Valentim Discorrer sobre a preservação digital e como as instituições e os sujeitos organizacionais vêm tratando os problemas relacionados a ela é extremamente importante para a sociedade contemporânea. Este livro apresenta um modelo processual de preservação digital que pode ser aplicado em instituições de en- sino superior (IES), pois debate desde a formulação de uma política institucio- nal até os aspectos técnicos necessários para a gestão eficiente desse novo desa- fio organizacional. Atualmente, a preservação digital tem sido objeto de preocupação crescen- te para diferentes tipos de organização, haja vista a quantidade de conteúdos produzidos em formatos eletrônicos e digitais, cuja preservação deve ser pen- sada para médio e longo prazo. Nessa perspectiva, este livro apresenta um aprofundamento das discussões atinentes às questões mais relevantes da pre- servação digital, com especial enfoque nas IES. As IES são produtoras de informação e conhecimento e geradoras de obje- tos eletrônicos e digitais relativos à produção científica, acadêmica, didática, tecnológica, artística e cultural, além das informações acadêmico-administra- tivas internas que apoiam essa produção, tanto em nível de investigação, de ensino, de pós-graduação e graduação, como em nível de extensão, formando a memória e a história da instituição. No Brasil ainda existem poucas iniciativas voltadas à preservação digital e algumas tratam de soluções pontuais para informações digitais específicas. Evidencia-se também que são poucos os modelos de gestão que abordam todos os aspectos relacionados à preservação digital em IES. Nesse contexto, este li- vro contribuirá de forma decisiva para as IES que necessitam de modelos de gestão voltados à preservação digital, e em especial para os campos de conheci- mento da Ciência da Informação, da Ciência da Computação, dos Sistemas de Informação, de Administração e Direito. 10 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO As instituições contemporâneas e os sujeitos organizacionais incorporaram as tecnologias de informação e comunicação (TICs) para desempenhar suas atividades e tarefas cotidianas, estabelecendo-se assim uma dependência natu- ral em relação à informação armazenada em meio eletrônico e digital. Nesse contexto, surgem problemas específicos como, por exemplo, a obsolescência tecnológica de equipamentos (hardware), de programas de computador (soft- ware), de suportes de armazenamento (formato, mídia), de acesso e recuperação (servidor, storage), além da quantidade de informação armazenada nesse meio. Desse modo, a preservação digital é extremamente importante, pois, como seu próprio significado infere, ela “preserva” o patrimônio intelectual em formato eletrônico/digital de uma determinada organização. A quantidade de informação produzida por docentes, discentes e funcio- nários em uma IES é significativa, tanto em relação à variedade de conteúdos (texto, imagem fixa, imagem em movimento, som etc.), como em relação à variedade de suportes (papel, eletrônico, digital), demonstrando a necessida- de do estabelecimento de uma política institucional voltada à preservação digital que contemple estratégias de preservação. Uma política de preserva- ção digital deve estabelecer diretrizes que garantam a qualidade e a autenti- cidade da informação, de forma que possa ser acessada e recuperada no futu- ro em uma plataforma tecnológica distinta da utilizada quando de sua criação. Assim, uma política de preservação digital deve contemplar todas as etapas do processo, envolvendo a preservação física, lógica e intelectual dos objetos eletrônicos e digitais. Nessa perspectiva, este livro apresenta uma política de preservação digital destacando os aspectos administrativos, financeiros, legais e técnicos mais re- levantes, com especial enfoque em relação ao comprometimento da alta admi- nistração no que tange à formulação de uma política institucional. O livro des- taca a importância de a instituição definir os tipos de produção que devem ser preservados; os modelos, padrões e iniciativas que serão aplicados (estratégias de preservação); a definição de responsabilidades no que tange ao processo de preservação; a destinação formal de recursos financeiros para a implantação e a manutenção da política; a definição de quesitos técnicos aplicados visando manter e preservar a autencidade dos documentos eletrônicos e digitais (meta- dados, formatos, suportes, mídias etc.); a aplicação de direitos autorais em re- lação aos documentos produzidos, conforme legislação em vigor; a infraestru- tura tecnológica adequada para garantir a armazenagem, o acesso e a recuperação (repositórios digitais); e uma equipe multidisciplinar capacitada nas atividades de preservação (criação de uma comissão permanente de preser- vação digital). PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 11 Este livro é atual e importante para qualquer IES, pois, além de destacar todas as etapas que uma política de preservação digital deve conter, enfatiza a necessidade de se planejarem e definirem estratégias para o armazenamento e o uso de recursos de informação eletrônica e digital para um longo período de tempo. Evidencia que a preservação digital é um desafio para as IES, pois mui- ta informação eletrônica e digital já foi perdida, tanto por falta de conhecimen- to sobre o tema como por falta de uma cultura de preservação. É uma leitura fundamental para cientistas da informação, administradores, tecnólogos e advogados que querem compreender de forma aprofundada todas as questões relacionadas à preservação digital. Por último, este livro certamen- te será útil do ponto de vista didático para cursos das áreas de Ciência da Infor- mação, Ciência da Computação, Sistemas da Informação, Administração e Direito, pois fornece conteúdo para professores e alunos desses campos cientí- ficos explorarem. INTRODUÇÃO Na sociedade atual, tanto os cidadãos como as instituições têm presenciado uma mudança de cultura na utilização das informações em relação à forma de comunicação e organização advinda principalmente da invenção e da popula- rização dos computadores e do surgimento da Internet, influenciando a intera- ção entre as pessoas e o acesso, o intercâmbio e o compartilhamento de infor- mações. Esse contexto tem afetado a rotina das pessoas e das instituições, trazendo benefícios e desafios, como um maior acesso e utilização da informa- ção digital, mas também uma maior dependência desse tipo de informação. Por ser um ambiente aberto, a Internet por meio de sua infraestrutura tec- nológica tornou-se um dos meios mais utilizados para o armazenamento, a dis- seminação, a busca e a recuperação de informações digitais, em que as pessoas podem postar informações e torná-las disponíveis para acesso livre ou não. No universo digital, para atender adequadamente às demandas das pessoas e das instituições por informações e serviços que crescem com a evolução das tecnologias de informação e comunicação (TICs), exige-se cada vez mais o tra- tamento adequado das informações nele disponibilizadas e das tecnologias de informação utilizadas no armazenamento e no acesso dessas informações. Esse universo digital, que tem como uma de suas características o ambiente tecnológico e científico em constante mudança e evolução, tem demonstrado a necessidade de preservar adequadamente um novo tipo de patrimônio – a in- formação digital – armazenada nos computadores e nos suportes digitais, a fim de mantê-la acessível durante um longo período de tempo e minimizar a in- fluência do fenômeno da obsolescência tecnológica que a atinge. Nesse contexto, surge um grande desafio a ser enfrentado: a preservação das informações digitais, principalmente em função das ininterruptas mudan- ças e avanços das TICs e do ambiente no qual essas informações estão inseri- das, e, com ele, uma nova área de pesquisa – a preservação digital. 14 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO Um dos desafios a serem enfrentados na preservação digital se refere à ob- solescência tecnológica dos equipamentos (hardware), dos programas de com- putador (software), dos suportes de armazenamento, além das mudanças cons- tantes nos formatos dos arquivos. Além da obsolescência, outros desafios são: a necessidade de uma cultura de preservação digital, tanto nos criadores da informação digital como nas instituições responsáveis em preservá-la; o elevado custo das ações de preservação digital, que exigem recursos financeiros permanentes no orçamento das instituições; a implan- tação de um modelo de gestão que atenda às características da preservação digital. Assim, esses desafios requerem da preservação digital a busca de soluções para a recuperação (futura) das informações armazenadas em meio digital. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultu- ra (Unesco) aponta que a preservação digital “[...] requer um esforço susten- tado por governos, criadores, editores, indústrias e instituições que lidam com o patrimônio digital”, enfatizando a necessidade de cooperação entre países com o objetivo de “[...] garantir a criação, a difusão e a preservação do patrimônio digital e acesso constante a esse patrimônio” (United..., 2003, tradução nossa). Portanto, a preservação digital envolve aspectos técnicos, legais, administrativos e culturais, por lidar com um patrimônio institucio- nal: a informação digital. Entretanto, para preservar a informação digital é preciso definir o que é a preservação digital, analisar os aspectos que a norteiam, investigar como as pessoas e as instituições estão tratando os problemas relacionados a ela, exami- nar como gerenciar esse novo desafio e verificar qual modelo de gestão pode ser aplicado para que uma instituição defina claramente como preservar infor- mações disponíveis em formato digital. Para Arellano (2004, p.16), é necessária a definição clara de políticas de preservação digital que sejam aplicadas sob um modelo de gestão, com metas, ações e responsabilidades bem definidas, e ressalta: [...] o desafio é muito mais um problema social e institucional do que um problema técnico, porque, principalmente para a preservação digital, de- pende-se de instituições que passam por mudanças de direção, missão, ad- ministração e fontes de financiamento. Para esse autor, a preservação da informação digital é um dos grandes desa- fios do século XXI, e diversas iniciativas de âmbito mundial se multiplicam na busca de soluções, principalmente para as informações relacionadas ao desen- volvimento científico e tecnológico de seus países de origem. PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 15 Pesquisas [National... (1997); United... (2003); Conselho... (2004); Boeres; Arellano (2005); Gatenby (2006); Online... (2006)] têm demonstrado uma preocupação cada vez maior das instituições1 com o problema da preservação digital, mas também mostram que a maioria ainda carece de maior sistemati- zação das atividades relacionadas ao tema e de uma cultura de preservação di- gital por parte dos agentes que deveriam estar envolvidos nessas atividades. Entre essas estão as Instituições de Ensino Superior (IESs), públicas ou pri- vadas, que, de acordo com a Lei no 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, são responsáveis pela educação superior do país (Brasil, 1996) e es- tão credenciadas, de acordo com o Decreto no 5.773 (Brasil, 2006), como facul- dades, centros universitários ou universidades. O decreto destaca que somente as universidades se caracterizam pela indissociabilidade do ensino, da pesqui- sa e da extensão. De acordo com as diretrizes da Educação Superior, disponíveis no Plano Nacional de Educação (Lei no 10.171, de 2001), um país que aspira a ser desen- volvido e independente necessita de um forte sistema de Educação Superior. Nesse contexto, a importância das IESs, principalmente as universidades e centros de pesquisa, sustenta-se na constatação de que a produção do conheci- mento é a base do desenvolvimento científico e tecnológico que cria o dinamis- mo das sociedades atuais (Brasil, 2001). Desse modo, essas instituições têm informações digitais relevantes para elas próprias e para a sociedade e necessi- tam ser preservadas para estar disponíveis no futuro como um registro do co- nhecimento produzido. A responsabilidade pela preservação desse conjunto de informações passa pelo tratamento dos aspectos envolvidos na preservação digital e pela gestão das equipes de profissionais envolvidos. A gestão adequada das equipes pode minimizar problemas que levam à perda parcial ou total das informações a serem preservadas, e dentre esses pro- blemas destacam-se: adulteração da informação contida no documento digital; definição de formatos e suportes não adequados nas atividades de migração e refrescamento, talvez irrecuperáveis no futuro; alteração ou perda da estrutura dos documentos digitais originais; perda da informação e/ou dos metadados de conteúdo e de preservação. Outra preocupação é a necessidade de conhecimento das leis e das normas sobre preservação digital, que no Brasil são escassas. Para isso é necessário que as IESs conheçam as leis existentes (internacionais e nacionais) por meio da 1 Entende-se instituição como a organização ou o mecanismo social inserido na sociedade e em interação com ela, portanto de interesse social, e organizada sob certas regras e normas. Como exemplos citam-se as instituições financeiras, religiosas, políticas, educacionais, en- tre outras. 16 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO participação de profissionais da área jurídica nas atividades de gestão, além de definir institucionalmente, quando necessários, regulamentos, normas, porta- rias e leis próprias. Apesar de as discussões sobre a preservação digital serem uma preocupação crescente no contexto atual, existe a necessidade de um aprofundamento das questões relativas ao tema, uma vez que ainda há poucas iniciativas nacionais e algumas tratam de soluções pontuais para informações digitais específicas. Também é possível observar que não existem, nas IESS, modelos de gestão que abordem todos os aspectos relacionados à preservação digital. As IESs devem se envolver nas questões relativas à preservação digital pelas seguintes razões: suas características de ambiente de inovação; por desenvolve- rem novas pesquisas cujos resultados são destinados à sociedade; por contarem com um conjunto extenso de informações digitais – de ensino, pesquisa e exten- são – relevantes para o desenvolvimento científico, político, econômico e social do país. Assim, dadas essas características, as IESs precisam de uma gestão efi- ciente para a preservação das informações digitais sob sua custódia. Portanto, é necessário um modelo processual de gestão para preservar a in- formação digital de uma IES, que envolva os aspectos da preservação digital e tenha como base modelos de gestão da informação que atendam às necessida- des das instituições e tratem das questões tecnológicas, culturais, administra- tivas, gerenciais e operacionais. O modelo, por ser abrangente e geral, busca atender e adequar-se a qualquer tipo de IES, a todo tipo de objeto digital e a todo tipo de informação acadêmica produzida por seus docentes, funcionários e discentes como parte da história e da cultura das instituições. Este livro tem os seguintes objetivos: • analisar os conceitos e as características da informação digital, da cultura organizacional e da gestão da informação; • apresentar os principais modelos de gestão da informação; • examinar os desafios e as ameaças para a preservação digital; • apresentar o conceito de preservação digital, suas características e as principais iniciativas nacionais e internacionais; • identificar os principais aspectos que envolvem a preservação digital e como eles se inserem nas IESs; • propor um modelo de gestão para os processos envolvidos na preservação digital e identificar como os aspectos se relacionam com cada processo dentro das características e das necessidades das IESs. Pode-se observar, na literatura, uma carência de modelos de gestão para preservação digital que abordem políticas, critérios e aspectos para a preserva- PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 17 ção de longo prazo nas IES, fato que demonstra que as instituições desconhe- cem o assunto ou, quando o conhecem, centralizam suas atividades de preser- vação em ações específicas. A proposta de um modelo processual de preservação digital para gestão da informação surgiu do conjunto de aspectos e da análise de três modelos de gestão da informação: o Modelo Processual de Administração da Informação de Choo, o modelo de Davenport e Prusak chamado Processo de Gerenciamento da Informa- ção, e o modelo de McGee e Prusak intitulado Processo de Gerenciamento de In- formações. Observou-se que esses modelos poderiam ser utilizados como base para um modelo processual de preservação digital para gestão da informação. A hipótese é que um modelo de gestão venha contribuir para uma adminis- tração eficiente da preservação digital, organizando e padronizando os proces- sos envolvidos, bem como preencher uma lacuna identificada na literatura. Nesse sentido, a preservação digital, em uma IES, deve ser pautada pela ado- ção de um modelo processual de preservação digital para a gestão das informa- ções sob custódia da instituição, por meio da administração dos processos en- volvidos e dos aspectos organizacionais, legais e técnicos relacionados a cada processo. O modelo deve estar inserido na cultura organizacional e nas TICs existentes e disponíveis na instituição. O desenvolvimento deste livro foi organizado de acordo com os seguintes capítulos: O Capítulo 1 – Gestão da informação – trata do referencial teórico referente às questões da informação, do conhecimento e da gestão da informação, e como a preservação digital se relaciona com todas elas. Com base nessas definições, apresentam-se três modelos de gestão da informação. O Capítulo 2 – Cultura organizacional – analisa os conceitos relacionados à cultura, à cultura organizacional, à cultura informacional e ao comportamento informacional, e suas relevâncias para a gestão da informação e para a preser- vação digital. O Capítulo 3 – Preservação digital – descreve a informação digital, suas características, seus desafios e seus problemas, principalmente no contexto das IESs. A partir dessa descrição, define a preservação digital e analisa suas carac- terísticas e principais iniciativas. Baseado nesses estudos, propõe-se um con- junto de quinze aspectos divididos em três grupos que caracterizam a política de preservação digital: organizacional, legal e técnico. No Capítulo 4 – Preservação digital: aspectos organizacionais –, são apre- sentados os cinco aspectos organizacionais relativos à preservação digital: ob- jetivos da instituição, equipe multidisciplinar, responsabilidades, recursos fi- nanceiros e atos administrativos. 18 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO No Capítulo 5 – Preservação digital: aspectos legais –, são apresentados os dois aspectos legais relacionados à preservação digital: leis e direitos autorais. No Capítulo 6 – Preservação digital: aspectos técnicos –, são apresentados os oito aspectos técnicos relacionados à preservação digital: seleção e descarte; modelos, padrões e iniciativas; metadados; autenticidade; infraestrutura tec- nológica; repositórios institucionais; estratégias de preservação, e suporte. O Capítulo 7 – Modelo processual de preservação digital para gestão da in- formação – propõe um Modelo Processual de Preservação Digital para Gestão da Informação para as IESs, a partir da constatação da carência na literatura de modelos de gestão voltados para a preservação digital. A proposta é baseada nos três modelos de gestão da informação apresentados no Capítulo 1 e geren- cia os processos e os aspectos da preservação digital. As Considerações finais oferecem uma síntese dos assuntos abordados e apontamentos quanto a possibilidades de trabalhos futuros. 1 GESTÃO DA INFORMAÇÃO A informação sempre foi uma ferramenta importante para pessoas e ins- tituições ao longo dos tempos, uma vez que é insumo para aquisição de co- nhecimento e tomada de decisão, o que possibilita o crescimento e o desen- volvimento da sociedade. É notório que o registro das experiências passadas propicia um importante conjunto de informações, por meio do qual se apren- de e se obtém conhecimento. Dessa forma, preservar os registros da história e das experiências vividas ou construídas pela sociedade ou pelas organiza- ções constitui uma atividade essencial para o aprendizado e para a geração de conhecimento. A Ciência da Informação tem papel importante por tratar da informação e do conhecimento, insumos necessários para o desenvolvimento da sociedade atual. Para Saracevic (1999, p.1.062, nossa tradução), muitos esforços são des- tinados às questões relativas ao tratamento da informação e do conhecimento, e a Ciência da Informação é um campo que tem um papel importante nesse contexto por [...] lidar não somente com a avalanche crescente de artefatos, registros do conhecimento, ou objetos, mas também por lidar com as pessoas que preci- sam, usam e interagem com esses registros para a sua subsistência e resolu- ção de problemas. Entendemos que a Ciência da Informação tem três características que motivam sua existência e evolução: sua natureza interdisciplinar e a relação de constantes mudanças entre essas disciplinas; sua relação com a tecnologia da informação e sua evolução; sua participação ativa na evolução da sociedade da informação e das relações sociais e humanas. 20 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO Um dos pesquisadores que buscou conceituar a Ciência da Informação foi Borko (1968, p.5, nossa tradução), que a define como [...] uma ciência interdisciplinar que investiga as propriedades e o compor- tamento da informação, as forças que governam o fluxo e o uso da informa- ção e as técnicas, tanto manual como mecânica, de processamento da infor- mação para o armazenamento, recuperação e disseminação ideal. Esse autor também destaca a importância da relação entre teoria e prática e seus componentes de ciência pura e aplicada, pois investiga tanto a informação em sua função de objeto, como sua aplicação prática, fornecendo um “corpus teórico sobre informação que propiciará a melhoria de várias instituições e procedimentos dedi- cados à acumulação e à transmissão de conhecimento” (Borko, 1968, p.4). Foskett (1980) apresenta a Ciência da Informação como uma área interdis- ciplinar (Biblioteconomia, Computação, Psicologia, Comunicação e Linguís- tica), relacionada aos problemas da comunicação e da transferência do conhe- cimento organizado. Le Coadic (1996) define Ciência da Informação como o estudo das proprie- dades gerais da informação (natureza, gênese e efeito), dos processos e sistemas de construção, comunicação e uso dessa informação. Destaca-se nas definições de Saracevic, Borko e Fosket a preocupação com a questão interdisciplinar da Ciência da Informação, por tratar da informação inserida em vários contextos, como as tecnologias de informação, a comunica- ção, as relações sociais, as relações humanas, registro, armazenamento, recu- peração e uso de informação, linguística e outros. Outra característica é a informação como objeto principal de estudo e seu propósito de gerar conhecimento nos indivíduos e nos seus espaços de convi- vência, proporcionando um instrumento modificador da consciência humana e de evolução da sociedade, aliando os conceitos teóricos a aplicações práticas. Mason (1990) afirma que os profissionais da informação devem ter como objetivo disponibilizar a informação certa, da fonte certa, para o cliente certo, no momento certo, no formato certo e a um custo compatível. Informação e conhecimento Considerando as definições de Ciência da Informação, apresentamos a vi- são de alguns autores sobre o conceito de informação, objeto principal de estu- do da área, conforme a linha de atuação de cada um. PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 21 Barreto (1999, p.168) define informação como “[...] conjuntos significan- tes com a competência e a intenção de gerar conhecimento no indivíduo, em seu grupo e na sociedade”, conhecimento que tem como objetivo promover o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade em que ele vive. Le Coadic (1996) define informação como o sangue da Ciência da Informa- ção, ou seja, só interessa se circula e, sobretudo, se circula livremente, tendo como objetivo final o seu uso e os resultados que são obtidos por ela. Para Barite (2001, p.43), a informação é pública e social, e está disponível, podendo ser medida (como os bits em um banco de dados) ou apresentada de modos distintos para propósitos diferentes. O autor ainda define “dado” como “toda unidade autônoma de saber”, e informação como [...] todo conjunto organizado de dados. Tanto os dados como a informa- ção em que esses são organizados são realidades objetivas que podem es- tar fora (nos espaços sociais destinados à informação) ou dentro de nós (em nossas memórias). Santos e Sant’Ana (2002) definem informação como “[...] um conjunto fi- nito de dados dotado de semântica que tem a sua significação ligada ao contex- to do agente que a interpreta ou recolhe e de fatores como tempo, forma de transmissão e suporte utilizado”. Dessa maneira, se o dado é um registro autônomo que, isolado, não tem significado, a informação é um conjunto de dados dotado de significado que, ao circular de forma estruturada e organizada, permite o acesso das pessoas ao seu uso e interpretação, gerando novos conhecimentos a partir de conhecimen- tos prévios existentes. Nesse sentido, os dados são matéria-prima para a informação que, por sua vez, também o é para o conhecimento. Se a informação é o dado organizado e estruturado com significado, o conhecimento pode ser entendido como a in- formação adquirida e internalizada por uma pessoa, a partir de conhecimentos prévios. Estudiosos da Ciência da Informação apresentam, na literatura da área, di- versas definições para o conceito de conhecimento, algumas das quais são apresentadas a seguir. Para Dahlberg (1995), o conhecimento é algo que pode ser adquirido por um indivíduo, por meio da própria reflexão, com as informações de que ele dispõe, como um processo individual que não pode ser transferido. Barite (2001, p.44) define conhecimento como o processo intelectual ou emocional que um indivíduo realiza a fim de entender um fenômeno do 22 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO mundo exterior e compreender seu resultado, reafirmando ou alterando suas concepções. Para Santos e Sant’Ana (2002), conhecimento pode ser conceituado como [...] um conjunto de informações contextualizadas e dotadas de semântica inerente ao agente que o detém, seja a mente humana ou não, e seu conteú- do semântico se dará em função do conjunto de informações que o com- põem e de suas ligações com outras unidades de conhecimento, e do proces- so de contextualização. Para que possa gerar conhecimento em um indivíduo, a informação pre- cisa chegar até ele, ou seja, precisa circular e ser transmitida em um inter- valo de tempo que atenda às necessidades do usuário e em um formato compreensível. Mas, para chegar até o indivíduo, a informação deve estar registrada e armazenada, seja na mente das pessoas ou em dispositivos como computadores, livros e outros. Nesse contexto, é importante a atua- ção de arquivos, bibliotecas e museus, que se caracterizam por registrar, armazenar e disponibilizar as informações institucionalizadas, permitindo o acesso das pessoas a elas. Nesse sentido, tudo pode ser traduzido em informação, ou seja, tudo é por- tador de informação, mas nem sempre ela pode ser traduzida em conhecimen- to. Isso depende do indivíduo e de sua competência para produzir conheci- mento a partir de uma informação. Para obter conhecimento é necessário que o indivíduo tenha acesso à informação e um conhecimento prévio que lhe per- mita entender a informação acessada. O conhecimento pode ser dividido em dois tipos: tácito e explícito. A dife- rença entre ambos é ilustrada por vários autores, entre os quais citamos Nonaka e Takeuchi (1997) e Valentim (2003). Esses autores definem que o conhecimento tácito é pessoal e está na mente das pessoas; são informações acumuladas ao lon- go da vida, ligadas à experiência pessoal e ao seu modo de ser e pensar sendo, portanto, subjetivo. Devido a essas características, sua formulação e transferên- cia para outras pessoas tornam-se mais difícil. Como exemplos têm-se os valo- res, as ideias, as experiências, as práticas, as percepções, entre outros. Já o conhecimento explícito é aquele registrado em algum suporte, de forma estruturada, que pode ser explicitado por meio de uma linguagem formal, tor- nando disponível seu acesso. Pode ser formalizado por meio de textos, plani- lhas, imagens e outros, além de estar disponível em algum tipo de suporte, seja ele digital ou não, como papel, discos magnéticos, CD-ROM, nas redes de computadores e outros. PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 23 Apesar de serem conceitos distintos na Ciência da Informação, a informa- ção e o conhecimento estão fortemente relacionados. O surgimento da infor- mação digital foi um catalisador para a relação entre eles, pois ampliou as pos- sibilidades de suporte para o registro das informações produzidas pelos indivíduos e agilizou seu acesso. Entretanto, essa agilidade demandou a neces- sidade de se criarem mecanismos para facilitar o acesso às informações. Nesse contexto, as organizações, as instituições e as pessoas necessitam adaptar-se às constantes mudanças e avanços no ambiente informacional no qual estão inseridas, acompanhando a dinâmica da informação e do conheci- mento que estas podem gerar. Se o conhecimento está na mente das pessoas, é necessário criar mecanismos para aproveitá-lo, ou seja, criar uma gestão ade- quada dos conhecimentos para que eles possam contribuir na geração de novos conhecimentos. Assim, deve-se dar importância à interação, à informação e ao conhecimento. Dessa forma, a organização do conhecimento, a organização da informação, a gestão do conhecimento e a gestão da informação tornam-se im- portantes áreas de estudos. Gestão da informação e do conhecimento A organização do conhecimento tem um papel importante na questão do acesso à informação, pois procura oferecer subsídios teóricos ao tratamento da informação. Para Barite (2001), a organização do conhecimento tem por objetivo otimi- zar a circulação do conhecimento nas sociedades. Segundo o autor, uma de suas premissas é que o conhecimento se obtém a partir da informação e, ao socializar-se, transforma-se novamente em informação. Para Brascher (2008, p.5-6), a organização do conhecimento está relaciona- da à cognição e aos conceitos, e o resultado da cognição é o conhecimento e não a informação. Essa característica a distingue do conceito de organização da in- formação que tem como objeto os registros de informação e o objeto físico. Para a autora, a organização da informação tem como objetivo “[...] possibili- tar o acesso ao conhecimento contido na informação” que necessita ser organi- zada por meio da descrição física e de conteúdo dos objetos informacionais, entendidos como unidades de informação organizável, como textos, imagens, sons, páginas web, entre outros. A descrição do objeto informacional está relacionada ao suporte de infor- mação e é definida como a representação da informação, ou seja, “[...] um con- junto de elementos descritivos que representam os atributos de um objeto in- 24 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO formacional específico” (Brascher, 2008, p.5). Portanto, para Brascher, a organização da informação está relacionada com os registros de informação, e trata dos objetos físicos. A descrição do conteúdo está relacionada ao conheci- mento, e a organização do conhecimento trata do mundo da cognição, das ideias e dos conceitos. Para Choo (2003), a organização do conhecimento está relacionada à capa- cidade de integrar os processos de criação de significado (interpretar as infor- mações do ambiente externo e estar atento às necessidades de mudanças), de construção do conhecimento (como uma organização cria e utiliza suas informa- ções para conversão em conhecimentos) e de tomada de decisão (processamento e análise das informações) com o objetivo de gerar uma ação, chamada ação organizacional. Na estrutura das organizações do conhecimento de Choo, durante a criação de significado, as informações são necessárias para indicar as mudanças no ambiente e para reduzir dúvidas. Na construção do conhecimento, as informa- ções são utilizadas para complementar o conhecimento e identificar formas de realizar essa ação, e para a tomada de decisão, as necessidades estão relaciona- das com a fixação de limites, a seleção de preferências e a limitação da busca (Choo, 2003, p.405). Nesse contexto, [...] a criação de significado depende da construção de um consenso míni- mo. A construção do conhecimento depende do compartilhamento do co- nhecimento tácito e explícito dos membros da organização. A tomada de decisões depende de regras e preferências que preservem o que a organiza- ção aprendeu no passado e garantam sua viabilidade futura. (Choo, 2003, p.402) A Figura 1 mostra a estrutura proposta por Choo. PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 25 Figura 1 – As organizações do conhecimento. Fonte: Choo (2003, p.31). O conhecimento em uma organização é disseminado e transmitido quando se consegue relacionar os conhecimentos tácito e explícito, que são comple- mentares e interdependentes. Esse relacionamento proporciona aos seus mem- bros um crescimento nos conhecimentos adquiridos, a partir de novas infor- mações, sejam elas formais ou informais. Um dos aspectos importantes para atingir esse objetivo é a criação de pro- cessos capazes de converter o conhecimento tácito em explícito, pois dessa for- ma o conhecimento tácito é transformado em informação registrada e disponi- bilizada para a organização e para as pessoas, podendo ser transformada em novos conhecimentos, criando um ciclo de processos de conversão contínuo e complementar. Conversão da informação Interpretação da informação Processamento da informação Tomada de decisões Construção do conhecimento Criação de significado Ação organizacional 26 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO Nesse processo, é importante que a organização disponha de políticas e es- tratégias que permitam preservar a informação registrada, para que a mesma possa ser utilizada por seus membros quando necessário. Sem o registro dos conhecimentos tácitos, por meio de processos bem definidos, a organização corre o risco de perder informações importantes, tanto para a tomada de deci- são como para o registro de sua história. A partir dos conhecimentos tácitos e explícitos e dos fluxos formais e infor- mais das informações, é necessário entender como deve ser tratada a adminis- tração desses conhecimentos e informações nas organizações, e nesse contexto se inserem os conceitos de gestão do conhecimento e gestão da informação. Para Leite (2005), a gestão do conhecimento se refere “[...] às melhores for- mas de como as organizações criam, compartilham e utilizam tanto o conheci- mento disponível explicitamente quanto o conhecimento que reside na mente de seus membros”. Para Valentim (2003), a gestão do conhecimento [...] atua essencialmente nos fluxos informais de informação e no conheci- mento tácito, resgatando informações internas fragmentadas e transfor- mando-as em representações estruturadas e significativas (conhecimento explícito) capazes de auxiliar o processo de inteligência competitiva, assim como corrigir ações em situações críticas, identificar oportunidades e gerar atividades antecipativas frente à concorrência. Dessa forma, a gestão do conhecimento busca: o desenvolvimento da cul- tura organizacional que valorize o conhecimento; o mapeamento e o reconhe- cimento dos fluxos informais de informação; o tratamento, a análise e a agre- gação de valor às informações, utilizando as TICs; a transferência do conhecimento ou a socialização do conhecimento no ambiente organizacional; a criação e a disponibilização de sistemas de informação empresariais de dife- rentes naturezas (Valentim, 2003). Davenport e Prusak (1998, p.19) destacam a dificuldade de gerenciar o co- nhecimento, mas o consideram a informação mais valiosa porque [...] alguém deu à informação um contexto, um significado, uma inter- pretação; alguém refletiu sobre o conhecimento, acrescentou a ele sua própria sabedoria, considerou suas implicações mais amplas. Para os meus propósitos o termo também implica a síntese de múltiplas fontes de informação. PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 27 Os autores também apontam as dificuldades de incorporar o conhecimento nas máquinas, pelas necessidades de categorização e localização, e de transfe- rência entre as pessoas ou grupos, apontando a importância do envolvimento humano nesse processo de transformação de dados em informação e de infor- mação em conhecimento. Portanto, por lidar também com informações que não estão registradas e que se inserem nos fluxos informais, a gestão do conhecimento tem no fator humano um de seus aspectos principais e mais relevantes, lidando com a ne- cessidade de compartilhar, socializar e usar o conhecimento dentro da estru- tura organizacional e utilizando, quando possível, as TICs como ferramenta de apoio. Complementando essas atividades surge a gestão da informação, que busca administrar os fluxos formais de informação tendo como objeto o co- nhecimento explícito. Para Valentim (2002), a gestão da informação “[...] trabalha no âmbito do conhecimento explícito, ou seja, são dados e informa- ções que já estão consolidados em algum tipo de veículo de comunicação” e lida essencialmente com os fluxos formais de informação. Ele destaca que os principais objetivos da gestão da informação são: prospecção, seleção, obten- ção e mapeamento dos fluxos formais; tratamento, análise, armazenamento, disseminação, mediação e uso das TICs, e criação de produtos e serviços. Pode-se acrescentar a esses objetivos a preservação, tanto da informação di- gital como da não digital. Ponjuán Dante (2007) apud Moraes e Fadel (2008b, p.29) define a gestão da informação como [...] o processo mediante o qual se obtêm, se desenvolvem, ou se utilizam recursos básicos (econômicos, físicos, humanos, materiais) para o manejo da informação no âmbito e para a sociedade a qual serve. Tem como ele- mento básico a gestão do ciclo de vida do recurso, e ocorre em qualquer organização. A gestão da informação é definida por Choo (2003, p.403) como a “[...] administração de uma rede de processos que adquirem, criam, organizam, dis- tribuem e usam a informação” e tem como objetivo básico utilizar os recursos de informação e a capacidade de informação da organização para aprender e se adaptar às mudanças de ambiente. Valentim (2004) apresenta um quadro (Quadro 1) que aponta os principais aspectos da gestão da informação e da gestão do conhecimento. 28 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO Quadro 1 – Aspectos da gestão da informação e da gestão do conhecimento. GESTÃO DA INFORMAÇÃO GESTÃO DO CONHECIMENTO ÂMBITO Fluxos formais ÂMBITO Fluxos informais OBJETO Conhecimento explícito OBJETO Conhecimento tácito ATIVIDADES BÁSICAS • Identificar demandas e necessidades de informação. • Mapear e reconhecer fluxos formais. • Desenvolver a cultura organizacional. positiva em relação ao compartilhamento/ socialização de informação. • Proporcionar a comunicação informacional de forma eficiente, utilizando tecnologias de informação e comunicação. • Prospectar e monitorar informações. • Coletar, selecionar e filtrar informações. • Tratar, analisar, organizar, armazenar informações, utilizando tecnologias de informação e comunicação. • Desenvolver sistemas corporativos de diferentes naturezas, visando o compartilhamento e o uso de informação. • Elaborar produtos e serviços informacionais. • Fixar normas e padrões de sistematização da informação. • Retroalimentar o ciclo. ATIVIDADES BÁSICAS • Identificar demandas e necessidades de conhecimento. • Mapear e reconhecer fluxos informais. • Desenvolver a cultura organizacional positiva em relação ao compartilhamento/ socialização de conhecimento. • Proporcionar a comunicação informacional de forma eficiente, utilizando tecnologias de informação e comunicação. • Criar espaços criativos dentro da corporação. • Desenvolver competências e habilidades voltadas ao negócio da organização. • Criar mecanismos de captação de conhecimento gerado por diferentes pessoas da organização. • Desenvolver sistemas corporativos de diferentes naturezas, visando o compartilhamento e o uso de conhecimento. • Fixar normas e padrões de sistematização de conhecimento. • Retroalimentar o ciclo. Fonte: Valentim (2004). PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 29 No Quadro 1, observa-se que o uso das TICs é comum tanto na gestão do conhecimento como na gestão da informação, pois ambas estão inseridas nos avanços e nas mudanças das tecnologias e dos sistemas de comunicação. Ou- tros aspectos observados é que ambas buscam: identificar necessidades para o mapeamento dos fluxos formais e informais; inserir o compartilhamento e o uso da informação e do conhecimento na cultura organizacional e no desenvol- vimento de sistemas corporativos; sedimentar normas e padrões de sistemati- zação; produzir modificações no ciclo de geração e de armazenamento de no- vos conhecimentos e de novas informações. Observa-se também que a gestão da informação busca, a partir da coleta, do tratamento e do armazenamento da informação, desenvolver produtos e serviços que possibilitem o uso da informação; e a gestão do conhecimento está mais voltada para o desenvolvimento de espaços e mecanismos que possibili- tem o compartilhamento e o uso do conhecimento entre os membros da orga- nização, por meio de espaços e atividades, como reuniões, eventos e outras. A gestão da informação deve gerir as informações registradas que são pro- duzidas e recebidas, independentemente de serem digitais ou não e do tipo do suporte utilizado para seu armazenamento, e que, por motivos legais ou insti- tucionais, serão utilizadas por pessoas ligadas à instituição ou de fora. Moraes e Fadel (2008a, p.36) ressaltam que a gestão da informação requer [...] um domínio dos diferentes tipos de informações que se manejam na organização; a dinâmica de seus fluxos (representados em diversos proces- sos que transitam em cada informação); o ciclo de vida da cada informação (incluída a gestão de geração de informação, onde quer que ela ocorra); e o conhecimento das pessoas sobre o manejo da informação e de sua cultura informacional. Especificamente, dentro das IESs, reconhecidas como organizações de pro- dução de conhecimento científico, a gestão da informação é estratégica e se faz também no contexto digital. Esse contexto cresce mais a cada dia, em função de ser um ambiente que permite um processo de comunicação ágil, menos dis- pendioso, que atinge um público maior, que facilita a interação entre os mem- bros das comunidades científicas, e potencializa a socialização do conhecimen- to. Além das informações científicas, as IESs têm utilizado o contexto digital para o fluxo da informação acadêmica e administrativa. Entretanto, toda a gestão do conhecimento científico, acadêmico e administrativo produzido em 30 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO formato digital está permeada pela TICs e suas especificidades, entre elas a preservação digital. Segundo Choo (2003, p.403), a informação, para se tornar estratégica para uma organização, precisa ser transformada em conhecimento, e isso é possível por meio da administração dos recursos de informação, das ferramentas tecno- lógicas e dos padrões de política, que constituem a infraestrutura tecnológica para a administração da informação na organização do conhecimento. Para Moraes e Fadel (2008a, p.35), [...] as organizações, cada vez mais, se dão conta de que a informação é um recurso estratégico que tem custo, preço e valor. Sendo assim, existe a ne- cessidade de ela ser gerenciada assim como o são os recursos financeiros, materiais e humanos. É importante que as organizações valorizem seus recursos humanos e os façam compreender a importância do valor da informação e do conhecimento que, juntamente com as tecnologias de informação, formam a base para o bom desempenho profissional (Valentim, 2003). Para Moraes e Fadel (2008a, p.36), a forma para uma organização alcançar uma vantagem competitiva é “[...] utilizar abordagens e métodos de gestão mais voltados às pessoas” e “propiciar a interação com a informação e com o conhecimento”. As autoras evidenciam que a gestão da informação possui papel fundamental porque propicia a melho- ria dos fluxos informacionais, agregando dinamicidade, valor e controle, através de métodos, técnicas, procedimentos e ferramentas de gestão que otimizam o desempenho da organização, mas sempre com foco nas pessoas que participam do processo. Portanto, apesar de os dois modelos de gestão se voltarem para os mesmos objetivos, ou seja, subsidiarem as atividades e a tomada de decisão nas organi- zações, a gestão do conhecimento tem como objeto o conhecimento tácito, no âmbito dos fluxos informais (reuniões, experiências, conhecimento etc.), e a gestão da informação trabalha com o conhecimento explícito, registrado em alguma forma de suporte, no âmbito dos fluxos formais (web, pen-drive, DVD, papel etc.). A gestão da informação nas organizações deve trabalhar com as informa- ções digitais e não digitais, e a utilização das tecnologias de informação e comu- PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 31 nicação, principalmente os computadores e a Internet, têm colaborado para auxiliar a administração desse complexo de informações. Entretanto, as orga- nizações que focam seus investimentos financeiros na aquisição de tecnologias e na capacitação de seus funcionários, deixam para segundo plano o investi- mento na gestão das informações relevantes para a organização. Dessa forma, não se alcança um avanço significativo na recuperação e no uso das informa- ções necessárias para a organização. É preciso também o investimento na ges- tão adequada dos processos envolvidos para que os recursos tecnológicos e humanos possam efetivamente atender às demandas das pessoas pelas infor- mações necessárias. A gestão da informação, ao tratar de informação registrada, possibilita a aquisição do conhecimento contido nessa informação por parte das pessoas no momento que elas desejam e no formato que possibilite o acesso correto, a par- tir da gestão adequada dos processos envolvidos. Destaca-se que a preservação digital está fortemente relacionada com a ges- tão da informação por tratar da preservação da informação registrada, com o objetivo de mantê-la acessível por um longo período de tempo, independente- mente do suporte a ser utilizado. Elaborar um modelo de gestão da informação “[...] depende de cada orga- nização, de cada caso, pois as necessidades, interesses, problemas, demandas etc., são próprios de cada organização” (Moraes; Fadel, 2007, p.110). Nesse sentido, analisaram-se três modelos de gestão da informação disponíveis na literatura. Modelos de gestão da informação Os modelos teóricos de gestão da informação trabalham no âmbito dos flu- xos formais e com a informação registrada a partir dos conceitos de modelo, processo e gestão da informação. Sayão (2001, p.83) define modelo como “[...] uma criação cultural, um ‘mentefato’, destinado a representar uma realidade ou alguns dos seus aspec- tos, a fim de torná-los descritíveis qualitativa e quantitativamente e, algumas vezes, observáveis”. O autor afirma que [...] os modelos são aproximações altamente subjetivas, no sentido de não incluírem todas as observações e mensurações e medições associadas, mas, como tais, são valiosas por ocultarem detalhes secundários e permitirem o aparecimento dos aspectos fundamentais da realidade. 32 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO Um modelo tem como característica modelar alguma coisa de forma expla- natória, seletiva e redutiva “[...] que, pela eliminação de detalhes acidentais, permite o aparecimento de alguns aspectos fundamentais relevantes ou inte- ressantes do mundo real sob alguma forma generalizada”, o que possibilita que essa coisa possa ser visualizada e compreendida de forma mais ampla, algo que de outra forma seria difícil (Sayão, 2001, p.85). Entende-se processo como um conjunto de atividades sequenciais ou não, necessárias para a consecução de um objetivo, realizadas a partir de uma entra- da para gerar um resultado. Utiliza a infraestrutura e os recursos humanos e materiais para atingir seu objetivo, seguindo normas, métodos e/ou técnicas. Norma é aquilo que se estabelece como base ou medida para a realização ou a avaliação de alguma coisa (Dicionário, 2009); técnica é a maneira ou jeito espe- cial de executar ou fazer algo; e método é o conjunto de técnicas a serem reali- zadas para se chegar a determinado fim (Gil, 1999, p.26). Os modelos de gestão da informação devem ser pautados em uma infraes- trutura que abranja as TICs, os recursos de informação, as pessoas que fazem parte dos processos e as políticas e os padrões adotados em uma organização. Todos eles devem também estar baseados na cultura organizacional. Adota- mos três modelos clássicos de gestão da informação que servirão de base para a proposta final: Choo (2003); McGee e Prusak (1994); e Davenport e Prusak (1998), apresentados a seguir. Modelo processual de gestão da informação de Choo Ao analisar a informação organizacional em termos de necessidade, busca e uso da informação, Choo (2003, p.403) sugere um Modelo Processual de Administração da Informação, composto de um ciclo contínuo de seis proces- sos correlatos, descrito como “[...] uma rede de processos que adquirem, criam, organizam, distribuem e usam a informação”. Os seis processos pro- postos por Choo (2003) são: necessidades de informação; aquisição de infor- mação; organização e armazenamento de informação; produtos/serviços/ distribuição da informação; uso da informação; comportamento adaptativo. O modelo proposto tem o objetivo de criar estratégias de administração da informação, e o autor afirma que “[...] no coração da organização do conhecimento está a administração dos processos de informação que cons- tituem a base para criar significado, construir conhecimento e tomar deci- sões” (Choo, 2003, p.17). Dessa forma, o modelo enfatiza a informação como peça fundamental para a tomada de decisão dentro das organizações. Por ser um modelo cíclico, as decisões geram novas informações que, ao PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 33 serem registradas, podem ser utilizadas para outras decisões a serem toma- das no futuro. A Figura 2 mostra o Modelo processual de administração da informação e a relação entre os processos que o compõem. Figura 2 – Modelo processual de administração da informação. Fonte: Choo (2003, p.404). No diagrama da Figura 2, o processo de identificação das necessidades de informação surge de situações e experiências específicas a partir de problemas e incertezas, que tornam a informação significativa para os indivíduos em de- terminadas situações (Choo, 2003, p.405). Nesse contexto, as necessidades de informação, por estarem relacionadas com várias questões, são “[...] incertas, dinâmicas e multifacetadas, e uma es- pecificação completa só é possível dentro de uma rica representação de todo o ambiente em que a informação é usada” (ibidem, p.419). Taylor (1991) apud Choo (2003, p.406) sugere que a identificação das ne- cessidades passa pela determinação dos grupos de usuários que utilizam a in- formação, pelo reconhecimento dos problemas, pelo ambiente profissional e social onde estão inseridos e pelas formas de resolver o problema. Segundo Choo (2003), a aquisição da informação (Figura 2) é um processo crítico e complexo, pois envolve duas demandas opostas: a necessidade de lidar com uma quantidade grande e variada de informações próprias e externas à organização, e a necessidade da capacidade cognitiva do homem para lidar com esse universo complexo. Essa variedade de informação “[...] deve ser adminis- trada de modo que as informações coletadas reflitam a complexidade do am- biente, sem sobrecarregar os usuários com excesso de informação” (Choo, 2003, p.419). Para isso, é necessário que a seleção e o uso das fontes de infor- mação (humanas, textuais e on-line) sejam continuamente planejados, monito- rados e avaliados (ibidem, p.407). Para Choo (2003, p.408), a eficiência na gestão da variedade de informação disponível passa pelo envolvimento do maior número de pessoas possível na Necessidade de informação Organização e armazenamento de informação Aquisição de informação Produtos/serviços de informação Distribuição da informação Uso da informação Comportamento adaptativo 34 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO coleta de informações, pois essas são as informações mais valiosas que a orga- nização tem. É necessário criar mecanismos para identificar, relatar e partilhar as informações. Nesse contexto, as tecnologias da informação podem auxiliar na adminis- tração da variedade de informação, criando ferramentas (automáticas ou não) de armazenamento e recuperação das informações necessárias. Outra medida complementar relaciona-se ao envolvimento do maior número de pessoas de diferentes áreas, que possuam conhecimento, experiência e acesso às informações, criando rotinas e normas para sistematizar o armazenamento e o uso das informações. No processo de organização e armazenamento da informação, presente no modelo de Choo, o conjunto de informação deve ser organizado e armazenado em algum tipo de sistema de informação, com o objetivo de permitir sua busca e recuperação, uma vez que a informação representa um componente impor- tante da sua memória e serve de fonte para futuros debates, discussões, diálo- gos e tomada de decisão (ibidem, p.409). Choo (2003, p.409) ressalta a importância, para as organizações, do arma- zenamento de informações relativas aos casos de sucesso e de insucesso que possam ser usados para contribuir com a organização na tomada de decisão. Entretanto, o registro de casos de insucesso pode passar pela resistência das pessoas em expor suas dificuldades e deficiências. Dessa forma, busca-se registrar a informação resultante do conhecimento dos indivíduos, e elaborar um sistema de armazenamento e classificação que permita a recuperação dessas informações, oferecendo acesso ao conhecimento explícito armazenado. Para Choo (2003, p.412), é de grande importância a disponibilização das informações, via organização e armazenamento, que permita não somente res- ponder perguntas, mas também gerar ações e decisões, uma vez que a principal função da gestão da informação “[...] é garantir que as necessidades de infor- mação dos membros da organização sejam atendidas com uma mistura equili- brada de produtos e serviços”. Assim, o processo de desenvolvimento de produtos e serviços de informação no modelo proposto por Choo (2003) deve gerar produtos e serviços com pro- priedades que também agreguem valor à informação. Taylor (1986) apud Choo (2003, p.412) identifica as seguintes propriedades para os produtos e serviços oferecidos: facilidade de uso, que busca reduzir as dificuldades para utilização de produtos e serviços; redução de ruído, por meio da exclusão de informações indesejadas e inclusão de informações úteis; qualidade, que deve dar segurança ao usuário sobre a excelência do produto ou do serviço e incluir PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 35 entre suas ações a cobertura adequada das informações a serem pesquisadas e a atualização dos dados e do vocabulário de acesso; adaptabilidade, que é a adaptação às mudanças do ambiente e às necessidades dos usuários; economia de tempo e economia de custos, que se baseiam na resposta rápida às necessida- des dos usuários e na economia que o produto ou o serviço proporciona. Essas propriedades agregadas aos produtos e serviços aumentam a confiança do usuário na qualidade dos produtos e dos serviços oferecidos. O objetivo do processo de distribuição da informação é promover e facilitar a partilha de informações disseminando-as pela organização, “[...] de maneira que a informação correta atinja a pessoa certa no momento, no lugar e no for- mato adequados”, auxiliando na criação de significados, na construção do co- nhecimento e na tomada de decisão (Choo, 2003, p.414). Para isso, são neces- sários canais de comunicação eficientes que possibilitem que a informação atinja a pessoa no momento certo, em um formato compreensível. Dentre es- ses canais, destacam-se no ambiente digital as comunicações realizadas por computadores ligados em rede e à Internet, que permitem a partilha remota de informações de maneira rápida. Para Choo (2003, p.415), o processo de uso da informação constitui-se em um mecanismo “[...] dinâmico de pesquisa e construção que resulta na criação de significado, na construção de conhecimento e na seleção de padrões de ação”. A informação pode ter vários significados dependendo do ambiente e das interpretações das pessoas que a utilizam. Assim, as decisões e as ações de um grupo dependem da troca e da interpretação da informação e da comple- mentação com o conhecimento tácito. O processo de comportamento adaptativo, proposto por Choo (2003), é re- sultado do uso eficiente da informação e pode ser entendido como “[...] a sele- ção e a execução de ações dirigidas para objetivos, mas que também reagem às condições do ambiente”, interagindo com ações de outras organizações (ibi- dem, p.404). Modelo de gestão da informação de Davenport e Prusak Davenport e Prusak (1998, p.173) entendem o gerenciamento informacio- nal como um processo que, ao definir seus passos, permite o aperfeiçoamento e as mudanças necessárias para seu melhoramento e o definem como “[...] um conjunto estruturado de atividades que incluem o modo como as empresas ob- têm, distribuem e usam a informação e o conhecimento”. Os autores ressaltam que, nessa estrutura, são necessárias a nomeação de um gerente de processo, a identificação dos clientes, cooperação entre as áreas 36 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO da organização e definição de métodos, técnicas e ferramentas orientadas para a informação. O modelo de gestão da informação denominado processo de gerenciamento da informação, proposto por Thomas Davenport e Laurence Prusak (1998), define quatro etapas, apresentadas na Figura 3. Determinação das exigências Obtenção Distribuição Utilização Figura 3 – O processo de gerenciamento da informação. Fonte: Davenport e Prusak (1998, p.175). A etapa de determinação das exigências envolve a definição das necessidades informacionais do cliente, que pode ser um funcionário, um gerente, um usuá- rio etc. É considerada uma tarefa difícil, pois busca identificar as necessidades do cliente e o modo pelo qual ele utiliza a informação. Davenport e Prusak (1998, p.176) apontam que “[...] entender bem o assunto requer várias pers- pectivas – política, psicológica, cultural, estratégica – e as ferramentas corres- pondentes, como a avaliação individual e organizacional”. Dessa forma, “[...] determinar as exigências informacionais é muito mais ambíguo e complexo” do que os processos usualmente utilizados de montar um grupo de profissio- nais para conversar com o cliente e identificar o que ele precisa por meio de perguntas e respostas. É preciso mais do que isso: é necessário definir o proble- ma e a situação, e acompanhar de perto as atividades do cliente, observando-o atentamente. Essa observação leva ao conhecimento “[...] da informação es- truturada e não estruturada, a formal e a informal, a não computadorizada e a computadorizada” (Davenport; Prusak, 1998, p.178). A etapa de obtenção de informações consiste em “[...] várias atividades: ex- ploração do ambiente informacional; classificação da informação em uma es- trutura pertinente; formatação e estruturação das informações”, e deve consti- tuir-se em um sistema de aquisição contínuo (ibidem, p.181). A atividade de exploração do ambiente informacional envolve a de coleta constante de informações, com sua seleção e estruturação nos formatos deseja- dos dentro da organização. Segundo Davenport e Prusak (1998, p.184), essas informações são obtidas de três fontes: especialistas externos, como publica- PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 37 ções ou fontes formais; fontes confiáveis, como instituições ou pessoas com credibilidade; boatos internos da própria organização. A atividade de classificação da informação busca criar mecanismos que fa- cilitem a obtenção da informação através da criação de categorias. Essas cate- gorias dependem das pessoas que as definem e devem ser revisadas periodica- mente para atender às necessidades da organização. A última atividade da etapa de obtenção de informações, a formatação e estruturação das informações, deve fazer parte da rotina das organizações, pois, para Davenport e Prusak (1998, p.186), “[...] o exercício de encontrar a melhor forma para a informação determina quanto ela será aceita e utilizada”. Assim, a forma e a estrutura, ao fazerem parte do processo de gerenciamento da informação, possibilitam a quem busca a informação uma maneira mais efi- ciente de assimilá-la. Um exemplo são os documentos que por terem estrutura e forma dão significado à informação. A etapa de distribuição consiste no “[...] passo seguinte e está ligada ao modo como a informação é formatada” e “[...] envolve a ligação de gerentes e funcionários com a informação de que necessitam”, abrangendo tarefas que façam que essas pessoas recebam a informação no formato desejado (ibidem, p.189). Essa etapa envolve a escolha da estratégia a ser utilizada na difusão da in- formação, a saber, se a informação deve ser divulgada para os usuários ou pro- curada por eles. Na divulgação, são escolhidas as informações a serem disponi- bilizadas e enviadas, bem como o formato utilizado, ao passo que na procura pelos usuários a tarefa de escolher a informação desejada e os mecanismos de busca fica sob a responsabilidade das pessoas interessadas na informação. Na divulgação, os usuários são agentes passivos, e na procura, são ativos, pois são estimulados a buscar a informação de seu interesse. A escolha pela melhor es- tratégia (ou por ambas) deve estar relacionada ao tipo de informação desejada e ao perfil dos usuários e da empresa. A etapa de uso da informação é o final do processo e busca avaliar se as in- formações estão sendo utilizadas ou não pelos usuários. Davenport e Prusak (1998, p.195-7), por considerarem essa etapa bastante pessoal, propõem qua- tro maneiras de aperfeiçoá-la: estimar quanto a informação está sendo acessada e o perfil das pessoas, como o número de acessos a um banco de dados ou a um repositório de informações digitais; utilizar ações simbólicas, como recompen- sas e prêmios, para estimular o maior uso da informação; criar um contexto institucional certo para o uso das informações, como reuniões regulares; e usar a informação mediante a institucionalização da avaliação de desempenho, que pode gerar recompensas e punições. 38 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO Modelo de gestão da informação de McGee e Prusak James McGee e Laurence Prusak propõem um modelo de gestão da informa- ção composto de tarefas e o denominam Processo de Gerenciamento de Infor- mações, em que o processo é definido como “[...] um conjunto de tarefas conec- tadas logicamente que de um modo geral cruzam limites funcionais e têm um proprietário responsável por seu sucesso final” (McGee; Prusak, 1994, p.114). O modelo busca ser genérico, pois a informação recebe ênfase de acordo com o segmento e com o tipo de organização em que é utilizada, bem como cada tarefa assume um determinado nível de importância dependendo da or- ganização (ibidem, p.107). Os papéis de gerenciamento são desempenhados por quatro categorias: as bibliotecas das empresas, a área de informática (essas duas consideradas a áreas responsáveis pela gerência das informações), a área usuária e os assistentes exe- cutivos. A área usuária trabalha normalmente com um tipo específico de infor- mação e geralmente cria suas redes de fornecedores de informação, ao passo que os assistentes executivos são funcionários que assessoram as tarefas de pla- nejamento, relatórios e produção de apresentações (ibidem, p.110-3). Entre- tanto, observa-se que a gerência da informação pode envolver outros profissio- nais, como arquivistas, profissionais da Ciência da Informação, profissionais da área jurídica e outros. O modelo é descrito na Figura 4. Figura 4 – Tarefas do processo de gerenciamento de informações. Fonte: McGee e Prusak (1994, p.108). A tarefa de identificação de necessidades e requisitos de informação é aponta- da como a mais importante do processo e deve levar em consideração todas as exigências dos usuários, mesmo as mais básicas, com o objetivo de tornar o sistema estratégico e útil. Identificação de necessidades e Requisitos de Informação Classificação e Armazenamento de Informação Distribuição e disseminação de Informação Análise e Uso da Informação Desenvolvimento de Produtos e Serviços de Informação Tratamento e Apresentação da Informação Coleta/Entrada de Informação PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 39 McGee e Prusak (1994, p.115-6) reconhecem três pontos importantes nes- sa tarefa: a necessidade de se ter uma variedade de fontes de informação para a organização, chamada de “variedade necessária”; o fato de os usuários não re- conhecerem algumas vezes suas necessidades informacionais; a tarefa de aqui- sição e coleta de informações da fonte de origem ou de quem a desenvolve in- ternamente. A tarefa de coleta/entrada de informação vem após a identificação das ne- cessidades dos usuários e tem como objetivo desenvolver “[...] um plano siste- mático para adquirir a informação de sua fonte de origem ou coletá-la (eletrô- nica ou manualmente)”, e deve ser realizada por especialistas em conteúdo, juntamente com profissionais de sistemas (ibidem, p.117). As tarefas de classificação e armazenamento de informação e de tratamento e apresentação da informação, apesar de estarem representadas separadamente na Figura 4, devem ser planejadas em conjunto, cada uma com suas especificidades. A classificação e o armazenamento “[...] pressupõem a determinação de como os usuários poderão ter acesso às informações necessárias e selecionar o melhor lugar para armazená-las” e deve levar em consideração os aspectos técnicos para atingir esses objetivos. O tratamento e a apresentação devem ser planejados conjunta- mente com os usuários da informação (ibidem, p.118). Ressalta-se a necessidade de cooperação dos usuários para definição das interfaces, dos esquemas de classifi- cação, dos recursos de armazenamento e do estilo de apresentação que melhor os atendam. Outro ponto a ser considerado é oferecer aos usuários resultados conci- sos e objetivos que atendam às suas necessidades informacionais. A tarefa de desenvolvimento de produtos e serviços de informação deve focar os produtos e serviços que atendam às demandas dos usuários por informa- ções. McGee e Prusak (1994, p.121) destacam que os usuários devem contri- buir para esse desenvolvimento, pois “[...] mesmo com o atual estágio do de- senvolvimento tecnológico, um sistema de informações precisa de alguns agentes humanos para liberar com eficiência informações externas em tempo hábil”, ou seja, é enfatizada a importância de serviços que façam a filtragem de informações externas importantes para a organização, bem como complemen- tem essas informações com outras relevantes e associadas ao assunto. Dessa forma, é importante a interação entre os produtos desenvolvidos para acesso e recuperação da informação e a ação humana por meio de pessoas treinadas para oferecer serviços que auxiliem os usuários em suas buscas. A tarefa de distribuição e disseminação da informação visa criar condições para que a informação alcance seu destino, buscando atitudes proativas para antecipar necessidades dos usuários e negociando serviços especiais que pos- sam atendê-los. 40 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO A última tarefa, análise e uso da informação, busca analisar se as informa- ções são relevantes no processo de tomada de decisão. Embora a maioria das definições e dos modelos apresentados de gestão da informação e suas abordagens tenha sido construída sob a perspectiva das or- ganizações empresariais, elas podem ser aplicadas em outras instâncias, como as IESs, que também lidam com informação e com o conhecimento, apesar de inseridas em outro contexto e com outras características culturais. Entretanto, o objetivo é o mesmo, ou seja, difundir o conhecimento disponível nas institui- ções e organizações, e para que esse conhecimento esteja disponível é necessá- rio estar registrado e preservado. As IESs têm atualmente uma grande quantidade de informação produzida em formato digital que deve ser preservada, tanto em termos de conteúdo como de suporte que devem ser adequados para acesso futuro e para constru- ção do conhecimento e da memória. Da mesma forma que para as organizações, a gestão da informação também pode ser aplicada à preservação digital nas IESs, por meio de processos que possibilitem a gestão das atividades envolvidas. Entretanto, para definir um modelo e seus processos, é necessário entender o contexto cultural em que as IESs estão inseridas, bem como o que é a preservação digital e os aspectos rela- cionados a ela. Para Choo (2003, p.403), acima dos recursos de informação, das ferramen- tas tecnológicas e dos padrões de política, a transformação da informação em conhecimento é moldada pela cultura organizacional, ou seja, “[...] pela ma- neira como a organização interpreta seus propósitos e sua agenda, e pela espe- cificação de regras, rotinas e papéis”. Assim, as decisões e ações definidas para a preservação digital também são moldadas pela cultura organizacional. 2 CULTURA ORGANIZACIONAL Neste capítulo, são apresentadas algumas considerações relativas aos con- ceitos de cultura, cultura organizacional, cultura informacional e comporta- mento informacional, que evidenciam sua relevância para a gestão da informa- ção e para a preservação digital. A cultura organizacional está relacionada à cultura e para entendê-la é ne- cessário antes entender o conceito de cultura. Schein (2001, p.29) indica que a cultura está associada às características e às propriedades de um grupo e a sua experiência em comum, e a partir dessa experiência é que se começa a formar uma cultura. Para o autor, ambas têm sua importância. A cultura importa porque é um poderoso e muitas vezes ignorado con- junto de forças latentes que determinam o comportamento, a maneira como se percebem as coisas, o modo de pensar e os valores, tanto individuais como coletivos. A cultura organizacional em particular importa porque os elementos culturais determinam a estratégia, os objetivos e o modo de ope- ração da empresa. (Schein, 2001, p.29) A cultura organizacional surgiu com a necessidade de entender o chamado milagre japonês, nas décadas de 1970 e 1980, pois na época a cultura japonesa trouxe avanços importantes para sua economia e era necessário entender as causas desse desenvolvimento. Observou-se que a cultura dos japoneses esta- va ligada à sua filosofia de vida que era levada para as organizações de forma natural e aplicadas nas suas atividades (Woida; Valentim, 2006, p.26-7). Nesse sentido, os processos envolvidos na preservação digital estão relacio- nados com a cultura organizacional, pois utilizam estratégias para atingir os ob- jetivos de preservação definidos pela instituição, de acordo com a cultura e as 42 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO pessoas envolvidas. Assim, a cultura organizacional influencia a forma como as instituições desenvolvem esses processos e a aceitação ou não da preservação. A cultura está baseada em diversos componentes. Freitas (1991, p.12) define um conjunto de elementos essenciais para sua composição, que busca direcionar a ação dos membros da organização, por meio da linguagem verbal, de atos com- portamentais e de artefatos físicos. O Quadro 2 mostra esses elementos. Quadro 2 – Elementos da cultura. Elemento Descrição Valores São os princípios compartilhados e considerados importantes para uma organização, por exemplo, o aluno em uma IES, a inovação em uma empresa de tecnologia, o cliente em um mercado de vendas, e outros. Devem ser valorizados por direcionarem os objetivos de uma organização e normalmente existem por longos períodos de tempo. Crenças e Pressupostos Significam o que as pessoas aceitam como verdade em um organização. Auxiliam e agilizam as tomadas de decisões, que assim tendem a ser mais acertadas. A partir do momento que a decisão tomada é acertada e passa a ser válida, torna-se um pressuposto inquestionável. Ritos, Rituais e Cerimônias Representam atos comportamentais e são atividades planejadas e próprias de cada organização, oriundos das oportunidades surgidas, das crenças e dos valores incorporados, com consequências práticas e efetivas. Como exemplos podem ser citadas as cerimônias de recepção de calouros em uma IES, as promoções em uma empresa, e outros. Estórias e Mitos As estórias são narrativas históricas, verdadeiras ou fictícias, que, baseadas em fatos reais, descrevem o que as pessoas realizaram de importante para a organização. Os mitos são histórias consistentes do passado e do presente, relacionadas com os valores da organização. Tabus Buscam a orientação do comportamento dentro da organização por meio de proibições, do que não é permitido e de aspectos disciplinares da cultura, não sendo visível, mas presente no dia a dia das pessoas. Heróis São pessoas influentes que contribuem para o crescimento e o desenvolvimento, influenciando outras pessoas e transmitindo os valores da cultura organizacional. Podem ser natos ou até criados para atingir algum objetivo. Normas São os artefatos físicos pelos quais é registrado e acessível para as pessoas o que se espera delas. São maneiras de padronizar e difundir os valores e os comportamentos aceitos e esperados. Comunicação É a transmissão, recepção e circulação de informações entre as pessoas de uma organização, desde a comunicação formal até a informal. A comunicação tem um papel importante na cultura organizacional, pois é por meio dela que os elementos da cultura são disseminados e também é por ela que as culturas são mudadas, criadas e sustentadas. Fonte: Freitas (1991, p.12-37). PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 43 A cultura pode existir em vários níveis que necessitam ser entendidos e ad- ministrados. Para entender melhor a cultura organizacional, Schein (2001, p.31) propõe dividi-la em três níveis (Quadro 3) de acordo com a percepção. Quadro 3 – Níveis da cultura Nível Descrição Artefatos São estruturas e processos organizacionais visíveis; é o que se vê, ouve e sente, ou seja, é o que está visível ao se observar uma organização, mas pode não ser suficiente para entender a cultura, podendo causar uma interpretação equivocada. Valores casados Estão relacionados a estratégias, objetivos e filosofias, que são conhecidos a partir de conversas com as pessoas que expliquem como a organização funciona, ou seja, por que fazem o que fazem. Certezas tácitas compartilhadas São inconscientes; são crenças, percepções, pensamentos e sentimentos pressupostos, ou seja, são crenças, valores e certezas sedimentadas ao longo do tempo, através da história da organização. Fonte: Schein (2001, p.31-6). A avaliação adequada e conjunta dos três níveis propostos pelo autor per- mite entender a cultura organizacional presente em uma organização, possibi- litando melhor gestão por meio do conhecimento adquirido e da forma pela qual as pessoas estão inseridas no contexto cultural. Schein (2001, p.40) afirma que a cultura analisada em múltiplos níveis “[...] torna claro que a cultura é complexa e deve ser analisada em cada nível antes de ser compreendida”; tem as características de ser profunda, ampla e estável, e essa estabilidade é “[...] difícil de mudar porque representa o apren- dizado acumulado de um grupo – as formas de pensar, de sentir e de perceber o mundo que fizeram o sucesso do grupo” (ibidem, p.36). Assim, as mudanças necessárias nas organizações ou nas instituições, cau- sadas pelas novas TICs, estão relacionadas a questões culturais, sendo impor- tante para essas mudanças o entendimento de quais elementos serão afetados e como as pessoas ou os grupos reagirão a essas mudanças. Um elemento impor- tante para a aceitação das TICs nas organizações é [...] a habilidade das organizações em relação à construção de valores cultu- rais que visem um comportamento positivo no uso das novas tecnologias, com o intuito de transformar informação em conhecimento, de maneira a implantar a fórmula “geração/disseminação/apropriação” do conhecimen- 44 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO to como meio de atingir a excelência organizacional. (Moraes; Fadel, 2007, p.103) Dessa forma, Schein (2001, p.35) afirma que: [...] a essência da cultura são esses valores, crenças e certezas apreendidos em conjunto, que são compartilhados e tidos como corretos à medida que a organização continua a ter sucesso. É importante lembrar que eles resultam de um processo de aprendizado em conjunto. Assim, observa-se que “[...] não existe cultura certa ou errada, melhor ou pior, a não ser em relação ao que a organização está tentando fazer e ao que o ambiente em que ela opera permite” (Schein, 2001, p.37). Schein (1992) apud Moraes e Fadel (2008b, p.32) entende que a cultura organizacional é [...] um padrão de pressupostos básicos compartilhados que um grupo aprendeu ao resolver seus problemas de adaptação externa e integração in- terna e que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir com relação a esses problemas. Dessa forma, o autor relaciona a cultura organizacional a elementos de compartilhamento de conhecimento e experiências entre um grupo de pessoas que, por meio do aprendizado, definiu o que é válido e deve ser passado para outras pessoas que venham a fazer parte do grupo, com o objetivo de resolver problemas que possam surgir ao longo do tempo. Valentim (2003) define a cultura organizacional como “[...] a visão e a forma de agir convencionada entre os indivíduos de uma determinada orga- nização”. Os indivíduos influem na cultura organizacional e também são influenciados por ela, no seu cotidiano. Desse modo, a cultura organizacio- nal “[...] perpassa toda a organização, sendo sua essência a relação entre as pessoas, tanto no ambiente interno como no ambiente externo à organiza- ção” (Valentim, 2003). Para Srour (1998) apud Woida e Valentim (2006, p.29-30), na cultura organizacional “[...] os indivíduos aprendem e transmi- tem a cultura que dela partilham” e ela “[...] é construída no decorrer do tempo, na convivência entre as pessoas, possuindo peculiaridades que a dife- renciam das demais culturas”. PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 45 Da mesma forma que a cultura organizacional precisou de tempo para ser construída, sedimentada e assimilada pelos membros da instituição, as mu- danças advindas da preservação digital também necessitam. É preciso um tempo para a adaptação das pessoas à nova estrutura e para que ela se insira na cultura organizacional. Como a preservação digital pertence a um contexto de constantes avanços, as mudanças no caso da preservação digital ocorrerão com frequência. No entanto, assim que a preservação digital estiver inserida na cul- tura organizacional, os avanços poderão ser assimilados pela instituição com maior rapidez e aceitação. Srour (1998) apud Woida (2008, p.86) afirma que a cultura necessita de tempo para se tornar parte do cotidiano das pessoas, isto é, “[...] tempo para construir, tempo para assimilar, tempo para praticar e tempo para adaptar, rei- niciando parte do processo”. Para Fadel (2009, p.4), “[...] sendo a cultura organizacional o resultado de um longo processo de existência de uma organização, a necessidade de mudan- ça pode ser tornar um processo demorado e doloroso”. Assim, qualquer pro- cesso de preservação digital deve ser elaborado levando em consideração essas características, ou seja, um processo lento por envolver uma mudança de cul- tura na organização, relacionada a questões técnicas, e uma mudança de com- portamento individual e coletivo. A importância da cultura organizacional na preservação digital está relacio- nada com a necessidade de mudanças, ou seja, como administrar a necessidade de baixa resistência às mudanças que os processos de preservação digital exigem da instituição. Isso implica trabalhar com os comportamentos, os valores das pessoas e dos grupos, suas crenças e como deve ocorrer sua participação, inserção e interação com as atividades envolvidas, sejam elas individuais ou coletivas. Assim, a implementação de um modelo para preservação digital, seja numa IES ou numa organização de outra natureza, depende, além dos aspectos admi- nistrativos, legais e tecnológicos, de fatores relacionados à cultura organizacio- nal, como valores, crenças, rituais, mitos, normas, processos de comunicação e o comportamento organizacional, entendido por Moraes e Fadel (2008b, p.34) como “[...] elementos marcados pela subjetividade e complexidade do am- biente informacional”. Dentro das instituições, compostas de pessoas atuando frequentemente em grupos, e do contexto informacional, principalmente aquele inserido nas novas tecnologias e nos avanços da informação e da comunicação, tem-se como parte da cultura organizacional a cultura em relação à informação, chamada de cultu- ra informacional, que trata mais especificamente da informação como elemento inserido nas organizações, nas TICs e o modo pelo qual as pessoas utilizam 46 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO essa informação. Davenport e Prusak (1998, p.110) entendem a cultura infor- macional como um “[...] padrão de comportamentos e atitudes que expressam a orientação informacional de uma empresa”, abrangendo os valores e as cren- ças dos grupos de pessoas ou da própria organização, e a forma como utilizam a informação. Dessa forma, a cultura informacional busca mostrar aos membros de uma organização a importância da informação para a mesma, no sentido de utilizá- -la como meio para alcançar seus objetivos. Para isso mobiliza a capacidade das pessoas e dos grupos, aliada às TICs e aos sistemas de informação, tornando a interação e a troca de informações uma aliada da organização e das pessoas. Woida e Valentim (2006, p.40) entendem a cultura informacional [...] como um conjunto de pressupostos básicos, composto de princípios, valores, crenças, ritos e comportamentos positivos em relação à construção, socialização, compartilhamento e uso de dados, informação e conhecimen- to no âmbito corporativo. As autoras destacam que os pressupostos são construídos coletivamente por meio da atuação positiva, na organização, de lideranças exercidas por pes- soas influentes e por meio de alianças entre indivíduos, que buscam construir, socializar, compartilhar e usar os dados, as informações e os conhecimentos (Woida; Valentim, 2006, p.41). O estabelecimento, pela organização, de padrões e atitudes relacionadas à cultura informacional permite entender como as pessoas e os grupos utilizam a informação. Nesse sentido, surge o conceito de comportamento informacional que, para Woida (2008, p.99), é “[...] o resultado da incorporação e da prática de elementos e processos da cultura informacional da organização que valoriza a informação”. Para Davenport e Prusak (1998, p.110), o comportamento informacional “[...] se refere ao modo como os indivíduos lidam com a informação. Inclui a busca, o uso, a alteração, a troca, o acúmulo e até mesmo o ato de ignorar os informes”. Assim, ao contrário da cultura informacional que está relacionada a grupos de pessoas, o comportamento informacional envolve atos individuais. No caso das IESs, seus principais valores estão relacionados aos alunos de graduação e pós-graduação e, em algumas instituições, à pesquisa e ao atendi- mento da comunidade (extensão). Outro valor importante dessas instituições está no conhecimento que sua comunidade (docentes, discentes e funcioná- rios) tem; e a disseminação desse conhecimento passa pelo comportamento informacional e pela cultura das pessoas e da organização em relação à forma PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 47 pela qual a informação pode ser transformada em conhecimento e esse nova- mente em informação. Portanto, administrar o comportamento informacional auxilia no desenvol- vimento e na divulgação do conhecimento por meio da produção de informação. Entretanto, apesar de as TICs deverem estar inseridas nesse processo, auxilian- do na obtenção e na disseminação do conhecimento organizacional, Davenport e Prusak (1998, p.112) afirmam que elas “[...] podem auxiliar a obter e a dissemi- nar o conhecimento organizacional, mas são de pouca ajuda se o pessoal envolvi- do ainda não estiver predisposto a usar ativamente a informação”. As TICs abrangem produtos e serviços relacionados ao hardware, ao soft- ware e à comunicação, com o objetivo de dispor de equipamentos, de progra- mas e de meios de comunicação que permitam a interação entres pessoas e en- tre pessoas e máquinas, utilizando tecnologias novas e avançadas. As TICs têm impacto na sociedade, na sua cultura e nas pessoas, pois trazem a necessi- dade de mudanças de comportamento, ou seja, mudanças na maneira de pen- sar e de agir. Portanto, as TICs dependem do fator humano para sua utilização adequada, isto é, de um comportamento positivo em relação à novidade, caso contrário estão fadadas ao esquecimento e à obsolescência. Para que isso não ocorra na organização, faz-se necessária a capacitação das pessoas para a utili- zação das novas TICs a serem implantadas. Davenport e Prusak (1998, p.114) definem três tipos de comportamento ligados à informação (Quadro 4), que buscam melhorar o ambiente informa- cional e devem ser conhecidos e utilizados pelas pessoas. Quadro 4 – Tipos de comportamento. Tipo de comportamento Descrição Compartilhamento de informações É o ato voluntário de colocar o conhecimento adquirido à disposição de outras pessoas por meio da informação compartilhada. Administração da sobrecarga de informações É o ato de filtrar as informações mais relevantes para a necessidade atual, informações originadas em vários ambientes, sejam eles externos ou organizacionais. Redução de significados múltiplos É o ato de lidar com os vários significados que a informação pode ter. É um problema importante a ser resolvido para a comunicação entre as pessoas e também para os sistemas de informação. Fonte: Davenport e Prusak (1998, p.114-126). As TICs são um elemento importante para atingir o objetivo de melhorar o ambiente informacional, proposto por Davenport e Prusak (Quadro 4), pois, 48 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO por meio dos seus produtos e serviços (hardware, software e comunicação), per- mitem: agilizar e otimizar o processo de compartilhamento de informações, por exemplo, pelo uso de ferramentas de disponibilização e acesso à informa- ção via Web; administrar a sobrecarga de informações, por exemplo, por meio de banco de dados e software que permitam filtrar as informações necessárias e relevantes; reduzir os vários significados que a informação pode ter, por exem- plo, por meio da utilização de vocabulário controlado. Outro aspecto importante do comportamento informacional refere-se ao uso da informação pelas pessoas, a saber, como elas selecionam ou ignoram o que é relevante para suas necessidades em meio à grande quantidade de infor- mações que normalmente estão disponíveis para a resolução de um problema (Choo, 2003, p.107). Choo sustenta que “[...] o uso da informação envolve a seleção e o processamento da informação, de modo a responder a uma pergun- ta, resolver um problema, tomar uma decisão, negociar uma posição ou enten- der uma situação” (ibidem) e, dessa forma, obtém-se como resultado uma mu- dança no conhecimento da pessoa ou na sua forma de agir. A cultura organizacional, a cultura informacional e o comportamento in- formacional sofrem alterações ao longo do tempo, mudando seus conceitos, suas particularidades e sua influência nas organizações, nas pessoas e nos gru- pos, pois estão inseridos nos contextos das novas TICs, do avanço dos estudos e dos enfoques da época sobre esses temas, da globalização e das formas como a informação e o conhecimento são utilizados. Lidar com a informação requer uma mudança positiva de comportamento das pessoas e dos grupos nas orga- nizações. Da mesma forma, a preservação digital e a gestão dos processos en- volvidos devem trabalhar com as pessoas e com os grupos dentro de uma ins- tituição, implicando mudanças de comportamento e de cultura, inclusive da própria instituição, ou seja, são necessárias adequações no comportamento informacional, na cultura informacional e na cultura organizacional. Em entrevista concedida em 2009, Luciana Duranti, professora da Univer- sity of British Columbia e diretora-geral do Projeto Interpares, aponta que os principais desafios do projeto, em sua 3a fase de aplicação prática, são “[...] a falta de recursos e a cultura organizacional. O primeiro é complementado pelo segundo” e afirma que, apesar do interesse das empresas em participar do pro- jeto, “[...] torna-se claro que os funcionários da organização não têm tempo para trabalhar conosco e, caso o façam, tão logo os requisitos necessários come- cem a ser desenhados, eles se dão conta de que não têm tempo, conhecimento ou dinheiro” (Lacombe; Duranti, 2009, p.87). O Projeto Interpares é definido como “uma iniciativa acadêmica de pesquisa em preservação digital, especifi- camente voltada para os documentos arquivísticos, de enorme alcance” (La- PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 49 combe; Duranti, 2009, p.82). Pode-se observar nessa declaração que a mudan- ça na cultura organizacional é tão importante quanto as questões financeira e técnica, pois, se as pessoas não aceitarem as mudanças necessárias para a im- plantação de políticas de preservação digital em uma IESS, elas não se realizam ou se realizam parcialmente. É importante entender que a preservação digital busca preservar informa- ções relevantes para o conhecimento e para a tomada de decisão, auxiliando no desenvolvimento e no crescimento das organizações por meio de instrumentos que proporcionem às pessoas o armazenamento, a busca e a recuperação de informações em formato digital, ampliando-as, compartilhando-as e dissemi- nando-as de maneira segura e rápida. 3 PRESERVAÇÃO DIGITAL Há séculos, o papel tem-se configurado como o principal suporte para o re- gistro, a difusão e a perpetuação da informação e do conhecimento. Entretanto, com os avanços tecnológicos ocorridos foi possível presenciar o surgimento de uma nova forma de suporte à informação: o meio digital. Com o surgimento desse universo digital, adveio uma explosão de informações armazenadas nesse suporte que necessitam de tratamento adequado para acesso a elas. Os avanços das TICs trouxeram também uma mudança de cultura nas or- ganizações e nos indivíduos, que passaram a ter acesso a maior quantidade de informações e de maneira muito mais rápida, em tempo real e mais interativo, mudando a relação de tempo e espaço entre a informação e o usuário, enten- dendo-se usuário como o “ator social em situação de conhecimento” (Barite, 2001, p.39), ou seja, um agente integrado na sociedade, que busca informações para satisfazer suas necessidades de conhecimento. Esse contexto insere o in- divíduo em um ambiente de dependência cada vez maior da informação digi- tal, que pode estar em um documento em formato digital, um e-mail, um site da Internet, um vídeo etc. Informação digital Diferentemente da informação registrada em papel, a informação digital surge com novas características, entre elas a possibilidade de dissociação entre o suporte e a informação registrada, pois nesse novo ambiente a informação pode ser transferida de um suporte digital para outro. Essa característica pos- sibilita uma difusão maior da informação, como nunca se havia presenciado, mas também torna possível sua perda ou a modificação do conteúdo original 52 JOSÉ CARLOS ABBUD GRÁCIO nessas transferências, atribuindo à informação disponível no formato digital maior fragilidade de integridade em relação à informação disponível em papel. Se a informação tem como objetivo gerar conhecimento no indivíduo, no grupo e na sociedade, a informação digital pode ser definida como um tipo de informação com os mesmos objetivos, mas com características específicas re- ferentes à sua forma de produção, organização, administração, distribuição, acesso e preservação, bem como quanto aos suportes de armazenamento. Ferreira (2006, p.21) denomina as informações armazenadas em meio digital de objetos digitais, definidos como todo e qualquer objeto de informação que pode ser representado por meio de uma sequência de dígitos binários, como tex- tos científicos, bancos de dados, fotos digitais, vídeos, páginas Web, software etc. A informação digital apresenta algumas características principais: • É representada por meio de uma sequência de bits;1 • Necessita de um formato para sua representação; • É registrada em um objeto digital; • Está armazenada em um suporte digital; • Necessita de um hardware que possibilite o registro, o armazenamento e o acesso ao suporte digital; • Necessita de um software que faça a correta interpretação dos bits que representam a informação digital, tanto para seu registro e armazena- mento como para sua recuperação; • Necessita de um software que faça a representação da informação armaze- nada, seja ela disponibilizada digitalmente, como em um monitor de computador, seja ela disponibilizada não digitalmente, como em papel por meio do processo de impressão; • Necessita de mecanismos que possibilitem sua busca e recuperação em suportes digitais; • Pode estar representada em objetos digitais distintos; • Pode estar armazenada em suportes digitais diferentes, dada sua caracte- rística de o conteúdo estar dissociado do suporte, diferentemente das in- formações em papel; • Permite mudanças no seu conteúdo por meio de software e por essa carac- terística dificulta a garantia de sua autenticidade; • Permite o compartilhamento através de redes de computadores, o que significa que pode ser trocada por um grande número de pessoas e de forma bastante rápida; 1 Sigla para dígito binário, em inglês binary digit, que compreende a menor unidade de infor- mação digital, podendo assumir dois valores: zero ou um. PRESERVAÇÃO DIGITAL NA GESTÃO DA INFORMAÇÃO 53 • Pode ser armazenada em grande quantidade em suportes que ocupam pouco espaço físico, como DVDs, fitas e outros. Esse espaço pode ser otimizado com o uso de ferramentas de compressão de dados que dimi- nuem o tamanho dos arquivos digitais; • Passa por processos constantes de readequação ao contexto digital, devi- dos a mudanças e avanços constantes nas TICs; • Por ser recente, insere-se em uma cultura em rápida expansão, mas que ainda não atingiu toda a sociedade como o papel. Outro conceito que surge com a informação digital é o de documento digi- tal. Entretanto, para entender esse conceito é necessário antes entender o que é um documento. A partir das definições de informação e conhecimento, pode-se chegar ao conceito de documento, entendido como toda informação armazenada em um suporte com o objetivo de registrar algum conhecimento, ou seja, é o registro de um conjunto de informações, independente do suporte utilizado, resultado de conhecimento, para gerar novos conhecimentos (Bodê, 2007). Como exem- plos, podemos citar livros, artigos, revistas, jornais, filmes, vídeos, gravaçõ