MATHEUS TEIXEIRA JORNALISMO IMERSIVO PROFUNDO COMO EXPERIÊNCIA ÉTICA E ESTÉTICA Bauru 2024 MATHEUS TEIXEIRA JORNALISMO IMERSIVO PROFUNDO COMO EXPERIÊNCIA ÉTICA E ESTÉTICA Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (Faac) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Comunicação, sob a orientação do professor doutor Laan Mendes de Barros. Bauru 2024 Teixeira, Matheus. Jornalismo imersivo profundo como experiência ética e estética / Matheus Teixeira. – Bauru, 2024. 404 f. : il. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (Faac), Bauru. Orientador: doutor Laan Mendes de Barros. 1. Jornalismo imersivo. 2. Ética. 3. Experiência estética. 4. Realidade virtual. 5. Interações. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design. II. Título. II III —————————————————————————— Ao menino Matheus Teixeira dos anos 90, que queria ser cientista quando crescesse (“você” conseguiu!). IV AGRADECIMENTOS A Deus e à minha família (que, devido aos estudos, nem sempre consegui dar a atenção que merecia), porque sem eles eu não chegaria a lugar algum. Aos meus pais, Sergio Luiz Teixeira e Maria Auxiliadora Bravo Teixeira, pelo suporte incondicional (emocional, logístico e financeiro) aos meus estudos não só ao longo do doutorado, mas por mais de três décadas. À jornalista e minha professora-inspiração, doutora Thaisa Sallum Bacco, que me ajudou a reconquistar a minha esperança e a minha resiliência a tempo. Aos amigos e doutorandos Ana Lúcia Nishida Tsutsui, Carolina Gois Falandes e Thiago Seti Patricio, por me ouvirem, apoiarem e compartilharem conhecimentos. Ao amigo Vitor Araujo Pompei de Oliveira, por introduzir as narrativas imersivas não ficcionais a mim há sete anos. À amiga e futura jornalista Maria Clara Catuchi Cosso, por contribuir com algumas diagramações de figuras. Ao colega Vitor Alves Ferreira, fundador da 9V, empresa de inteligência artificial, por ter permitido, gratuita e gentilmente, que os processos de transcrição fossem acelerados por meio de seu incrível software, MAIA. Aos queridos entrevistados António Alberto Castro Baía Reis, Eduardo Ericsson Acquarone, Fábio Ozorio Giacomelli, Luciellen Souza Lima e Vera Daisy Barcellos Costa, que reservaram espaços em suas agendas para pacientemente conversar comigo e permitir o avanço da ciência. À Fundação Inova Prudente, em nome de Diego Luis Pereira Andreasi e de Gabriel Nicolas das Neves Silva, por prestativamente ter me dado a oportunidade de acessar de graça o Laboratório de Realidade Virtual e Aumentada para a realização da pesquisa de campo. Ao meu orientador, doutor Laan Mendes de Barros, e aos membros das bancas, doutores Alessandra Teixeira Primo (qualificação), Denis Porto Renó (defesa), Katarini Giroldo Miguel (defesa), Liliane de Lucena Ito (defesa), Michelle Roxo de Oliveira (qualificação) e Rogério Christofoletti (defesa), por terem aceitado contribuir com o meu trabalho. Ao assistente administrativo da Unesp, Silvio Carlos Decimone, que acompanhou meu percurso acadêmico desde antes da entrada no mestrado até a pós-defesa do doutorado. A todos que não estão citados aqui, mas que de alguma forma me ajudaram em meu percurso acadêmico. E a quem ler esta tese e puder absorver pelo menos um pouco de conhecimento. V —————————————————————————— “A realidade virtual é, então, uma realidade que se pode tocar e sentir, ouvir e ver através dos sentidos reais – não só com ouvidos ou olhos imaginários”. (Derrick de Kerckhove) VI TEIXEIRA, Matheus. Jornalismo imersivo profundo como experiência ética e estética, 2024. 404 f. Trabalho de Conclusão (Doutorado em Comunicação) – Faac – Unesp, sob a orientação do Prof. Dr. Laan Mendes de Barros, Bauru, 2024. RESUMO A presente investigação de doutorado em Comunicação começou com a intenção de responder quais são os cuidados éticos e estéticos que os jornalistas brasileiros devem tomar no exercício do jornalismo imersivo profundo/JIP (De la Peña et al., 2010, p. 293), aquele em realidade virtual (RV) imersiva, em realidade mista multissensorial ou vídeo em 360° consumido imersivamente com uso de óculos de vídeos estereoscópicos. O autor colocou como objetivo geral a ser contemplado: problematizar quais são, no Brasil, as possibilidades e os desafios estéticos e os limites éticos para o JIP. Para atingir tal objetivo, percorreu o seguinte desenho metodológico: pesquisa bibliográfica e leituras exploratória, seletiva, analítica e interpretativa; mapeamento exploratório de produções jornalísticas imersivas profundas realizadas no Brasil de 2020 a 2024; análise de quatro produções de JIP; questionário à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); e entrevistas em profundidade com três jornalistas pesquisadores. Como resultados, considera-se que o JIP está adormecido no Brasil e, quando praticado, centra-se em vídeos em 360° bidimensionais. Portanto, as oportunidades estéticas são “imergir mais fundo” para proporcionar imersão e sensação de presença maiores: é preciso empregar avatares, gráficos, não linearidade narrativa, imagens geradas por computador, RV imersiva, 360° volumétrico, direcionamento do olhar, áudio imersivo, seis graus de liberdade, interação mútua e multissensorialidade. Quanto aos limites éticos, orbitam ações que visem preservar a integridade e a precisão jornalísticas e a privacidade e a segurança dos experienciadores. Ao término, a tese proposta inicialmente foi ratificada: a equipe jornalística deve pensar para além da ambiência tecnológica e refletir criticamente sobre como a narrativa imersiva poderá ser construída para ser coesa, coerente, ética e estética. Desta maneira, os profissionais tenderão a lançar mão do JIP para servir aos propósitos jornalísticos, com respeito a seus princípios deontológicos, e não ao entretenimento, nem à ficção, tampouco ao sensacionalismo. Palavras-chave: Jornalismo imersivo. Ética. Experiência estética. Realidade virtual. Interações. VII ABSTRACT The present doctoral research in Communication began with the intention of answering which aesthetic and ethical care Brazilian journalists should take when practicing deep immersive journalism/DIJ (De la Peña et al., 2010, p. 293), that is, journalism in immersive virtual reality (VR), multisensory mixed reality or 360-degree video consumed immersively through head-mounted display. The author set the following general objective: to problematize the possibilities, aesthetic challenges, and ethical limits of DIP in Brazil. To achieve this objective, the following methodological approach has been adopted: bibliographic research and exploratory, selective, analytical, and interpretative readings; exploratory mapping of deep immersive journalistic productions carried out in Brazil from 2020 to 2024; analysis of four DIJ productions; a questionnaire to the Brazilian Federation of Journalists (Fenaj, in Portuguese), and in-depth interviews with three journalist-researchers. As a result, it is considered that DIJ is dormant in Brazil and, when practiced, focuses on two-dimensional 360-degree videos. Therefore, the aesthetic opportunities involve “immersing deeper” to provide greater immersion and a sense of presence: it is necessary to employ avatars, graphics, non-linear narratives, computer-generated imagery, immersive VR, volumetric 360-degree, gaze direction, immersive audio, six degrees of freedom, mutual interaction, and multisensoriality. As for ethical limits, they revolve around actions aimed at preserving journalistic integrity and accuracy, as well as the privacy and security of the experiencers. In conclusion, the initially proposed thesis has been ratified: the journalistic team must think beyond the technological environment and critically reflect on how the immersive narrative can be constructed to be cohesive, coherent, ethical and aesthetic. In this way, professionals will tend to use DIJ to serve journalistic purposes, with respect to its deontological principles, and not entertainment, fiction, or sensationalism. Keywords: Immersive journalism. Ethics. Aesthetic experience. Virtual reality. Interactions. VIII RESUMEN La presente investigación doctoral en Comunicación comenzó con el objetivo de contestar cuáles son los cuidados éticos y estéticos que los periodistas brasileños deben tomar en el ejercicio del periodismo inmersivo profundo/PIP (De la Peña et al., 2010, p. 293), aquel en realidad virtual (RV) inmersiva, en realidad mixta multisensorial o video 360 grados consumidos inmersivamente mediante el uso de gafas estereoscópicas. El autor ha puesto como objetivo general a ser contemplado: problematizar cuáles son, en Brasil, las posibilidades y los desafíos estéticos y los límites éticos para el PIP. Para alcanzar este objetivo, se realizó el siguiente diseño metodológico: búsqueda bibliográfica y lecturas exploratoria, selectiva, analítica e interpretativa; mapeo exploratorio de producciones periodísticas inmersivas profundas realizadas en Brasil desde 2020 hasta 2024; análisis de cuatro producciones de PIP; cuestionario a la Federación Brasileña de Periodistas (Fenaj, en portugués); y entrevistas en profundidad con tres periodistas investigadores. Como resultado, se considera que PIP está dormido en Brasil y, cuando se practica, se centra en videos en 360 grados bidimensionales. Por lo tanto, las oportunidades estéticas son “sumergirse más profundamente” para proporcionar una mayor inmersión y sensación de presencia: es necesario emplear avatares, gráficos, narrativa no-lineal, imágenes generadas por ordenador, RV inmersiva, 360 grados volumétrico, audio inmersivo, seis grados de libertad, interacción mutua y multisensorialidad. En cuanto a los límites éticos, prevalecen acciones que tienen como objetivo preservar la integridad y la precisión periodística y la privacidad y la seguridad de los experimentadores. Al final, la tesis inicialmente propuesta fue ratificada: el equipo periodístico debe pensar más allá de la ambientación tecnológica y reflexionar críticamente sobre cómo se puede construir una narrativa inmersiva para que sea cohesiva, coherente, ética y estética. De esta manera, los profesionales tenderán a echar mano del PIP para servir a propósitos periodísticos, con respeto a sus principios deontológicos, y no al entretenimiento ni a la ficción, tampoco al sensacionalismo. Palabras clave: Periodismo inmersivo. Ética. Experiencia estética. Realidad virtual. Interacciones. IX LISTA DE DIAGRAMAS Fluxograma 1 – A relação entre midiatização e mediações ........................................................ 50 Fluxograma 2 – Mapas metodológicos das mediações, de Jesús Martín- -Barbero ...................................................................................................................................... 53 Fluxograma 3 – Mapa das Mutações Comunicacionais e Culturais Contemporâneas II, de Jesús Martín-Barbero ................................................. 54 Diagrama 1 – Estética da Comunicação Social .................................................................................... 60 X LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Em 2018, no Hyper Festival Brazil, em um dos meus primeiros contatos práticos com as narrativas imersivas ............................................................. 23 Figura 2 – São 10.594 doutores brasileiros com vínculo ao jornalismo localizados no Currículo Lattes ............................................................................................... 29 Figura 3 – Apenas 0,6% dos doutores com vínculo ao jornalismo também apresentam ocorrências de jornalismo imersivo ......................................................... 30 Figura 4 – Ferramenta de busca avançada de dissertações e teses da BDTD ............. 32 Figura 5 – Roda do jornalismo de inovação ............................................................................................ 44 Figura 6 – Domicílios brasileiros com acesso à internet, de 2015 a 2022 ......................... 48 Figura 7 – Presidente Lula e jornalistas na inauguração da TV digital brasileira .......... 72 Figura 8 – Evolução da televisão no Brasil .............................................................................................. 74 Figura 9 – Nuvem de palavras com características da (sensação de) presença .......... 81 Figura 10 – Personagem do ator Tom Cruise em ângulo holandês no filme Missão: Impossível ........................................................................................................................ 83 Figura 11 – Glória Maria a 60 m de altura, em passagem gravada em maio de 2001 ......................................................................................................................................................... 83 Figura 12 – Trecho do 1º capítulo de A Sangue Frio ........................................................................ 85 Figura 13 – Gone Gitmo, produção reconhecida como seminal do jornalismo imersivo ............................................................................................................................................... 91 Figura 14 – Como percorrer os 360° na realidade virtual não imersiva ............................... 92 Figura 15 – Gone Gitmo em RV imersiva simula privação de liberdade ............................. 94 Figura 16 – Colagem mostra o projeto jornalístico finlandês Truth about the war ....... 95 Figura 17 – Fotos volumétricas e em 360° da British Broadcasting Corporation (BBC) mostram túneis do grupo Estado Islâmico, no Iraque ........................... 97 Figura 18 – Greenland Melting, obra de Nonny de la Peña e outros profissionais, é um vídeo volumétrico para ser consumido em RV ............................................. 98 Figura 19 – Vídeo mono (imagem de cima) de Greenland Melting foi dimensionalizado para ganhar volume (imagem debaixo) ................................ 99 Figura 20 – 1ª vista da videoesfera é selecionada no momento da edição ................... 100 Figura 21 – Alto-falantes ao redor do experienciador reproduzem áudio imersivo ... 101 Figura 22 – Experiência de RA do The Washington Post sobre negro morto após abordagem policial; parceria com Empathetic Media ........................... 102 Figura 23 – Apresentador Cesar Tralli no estúdio de jornalismo da TV Globo com RA e IA .................................................................................................................................... 103 Figura 24 – Apresentadora Lidiane Shayuri no estúdio de jornalismo da TV Record com RA ............................................................................................................................ 104 XI Figura 25 – Tadeu Schmidt e Fernanda Garay, apresentadores da Central Olímpica da TV Globo, na estreia do programa .................................................... 104 Figura 26 – Como o telespectador consegue ver a RA não imersiva ................................ 105 Figura 27 – Óculos de transparência ótica para acesso à RA imersiva ........................... 106 Figura 28 – Óculos com vídeo transparente para acesso à RA imersiva ........................ 106 Figura 29 – CAVE, estrutura de vanguarda em realidade mixada ....................................... 108 Figura 30 – vDen leva interações sociais da realidade física à virtual .............................. 109 Figura 31 – Vivenciador sente que está atravessando deserto da região fronteiriça .......................................................................................................................................... 110 Figura 32 – Os três graus de liberdade a partir da movimentação de pescoço .......... 112 Figura 33 – Experienciador pode passear pela videoesfera na RV imersiva ............... 112 Figura 34 – Explicação sobre a realidade estendida ..................................................................... 114 Figura 35 – A Telesphere Mask, de 1957, é o 1º HMD do mundo ....................................... 115 Figura 36 – O Sword of Damocles, de 1968, é o 1º HMD para realidade mista ......... 116 Figura 37 – Sensorama, de 1956, inspirou as “salas de cinema em 6 dimensões” ...................................................................................................................................... 117 Figura 38 – Captura da 1ª fotografia esférica, tirada no ano de 1997 ............................... 117 Figura 39 – Sistema de RA permitia passeio pela Universidade de Colúmbia ............ 118 Figura 40 – A família Dammann se apresenta em Harvest of Change ............................. 119 Figura 41 – Refugiado Chuol, sul-sudanês de 9 anos, personagem de The Displaced .......................................................................................................................................... 120 Figura 42 – Meta Quest Pro, avançado óculos de RM ................................................................. 122 Figura 43 – Modelo usando o Apple Vision Pro, o HMD mais tecnológico do mundo .......................................................................................................................................... 122 Figura 44 – Flamera, à esquerda, e Butterscotch Varifocal, à direita ................................ 123 Figura 45 – Postagem de jornalista no Instagram em 24 de maio de 2022, apagada no mesmo dia .......................................................................................................... 131 Figura 46 – Vídeo sobre cotidiano de indígenas da aldeia caruara, na periferia de Manaus/AM, esconde equipamentos e equipe ............................................... 136 Figura 47 – Kiya, produção de De la Peña e Al Jazeera, aborda violência de gênero por meio de computação gráfica .................................................................... 148 Figura 48 – Busca de vídeos indexados em sites e nas principais mídias sociais ... 152 Figura 49 – Busca por vídeos nos canais do YouTube de veículos que anteriormente haviam produzido conteúdos de JIP ............................................ 152 Figura 50 – Análises com Oculus GO de produções jornalísticas imersivas profundas .......................................................................................................................................... 156 XII Figura 51 – JIP brasileiro atual ainda não explora a RV imersiva nem a RM multissensorial ............................................................................................................................... 164 Figura 52 – Living in the Unknown é um exemplo de JIP que usa transmidialidade ........................................................................................................................... 173 Figura 53 – Interesse mundial pelo termo “broadcast journalism” (jornalismo de radiodifusão) sempre foi superior do que por “immersive journalism” (jornalismo imersivo) ................................................................................................................. 178 Figura 54 – Pesquisas científicas mundiais sobre jornalismo de radiodifusão são quase 3,5 vezes maiores do que as sobre jornalismo imersivo ................. 184 Figura 55 – Jornalista Eduardo Ericsson Acquarone ..................................................................... 293 Figura 56 – Teixeira entrevista Acquarone, em junho de 2024 .............................................. 303 Figura 57 – Jornalista Fábio Ozorio Giacomelli ................................................................................. 311 Figura 58 – Teixeira entrevista Giacomelli, em junho de 2024 ............................................... 319 Figura 59 – Jornalista Luciellen Souza Lima ....................................................................................... 330 Figura 60 – Teixeira entrevista Lima, em junho de 2024 ............................................................ 336 Figura 61 – Pesquisador António Alberto Castro Baía Reis ..................................................... 386 Figura 62 – Teixeira entrevista Baía Reis, em abril de 2023 .................................................... 394 Figura 63 – Banca de defesa em 26/09/2024 – A partir da esq.: prof. Katarini Miguel e Laan Mendes de Barros, eu, prof. Rogério Christofoletti (on-line), prof. Denis Renó e Liliane Ito; ao fundo: Silvio Decimone, servidor administrativo da Unesp ......................................................................................................... 404 XIII LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Teses brasileiras sobre jornalismo imersivo, de 2018 a 2022 ........................ 33 Quadro 2 – Fases metodológicas desta pesquisa de doutorado ............................................. 38 Quadro 3 – Grupos que passaram por intervenções metodológicas ..................................... 38 Quadro 4 – A futura “nova” televisão digital brasileira ..................................................................... 73 Quadro 5 – Imersão tecnológica ou sistêmica ....................................................................................... 78 Quadro 6 – As fases do jornalismo moderno ......................................................................................... 86 Quadro 7 – Diretrizes éticas e estéticas para o jornalismo imersivo profundo ............ 141 Quadro 8 – Produção nacional de JIP entre 2020 e 2024 ......................................................... 153 Quadro 9 – Análise de Brasil atinge a nefasta marca de 500 mil mortos pela Covid .................................................................................................................................................... 157 Quadro 10 – Análise de Sergio Aguiar fala sobre a participação na Maratona de Jerusalém ............................................................................................................................... 158 Quadro 11 – Análise de Tartaruga Marinha ......................................................................................... 159 Quadro 12 – Análise de Vídeo 360: Por dentro do Hospital de Campanha de Minas Gerais ................................................................................................................................ 161 XIV LISTA DE SIGLAS 2D Duas dimensões 3D Três dimensões 4G Internet móvel de 4ª geração 5G Internet móvel de 5ª geração 6G Internet móvel de 6ª geração ABDI Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial Abert Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão ABI Associação Brasileira de Imprensa ACM (em inglês) Association for Computing Machinery Ancine Agência Nacional do Cinema Aner Associação Nacional de Editores de Revistas ANJ Associação Nacionais de Jornais ATSC 3.0 (em inglês) Sistema 3.0 do Comitê do Sistema Avançado de Televisão AVI Ambiente virtual imersivo BBC (em inglês) British Broadcasting Corporation BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAVE (em inglês) Experiência audiovisual em ambiente virtual automatizado CEP Comitê de Ética em Pesquisa CGI Comitê Gestor da Internet no Brasil ou imagens geradas por computador (sigla em inglês) CGTN (em inglês) China Global Television Network CID Classificação Internacional de Doenças CNN (em inglês) Cable News Network CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico XV CNS Conselho Nacional de Saúde Compós Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Conep Comissão Nacional de Ética em Pesquisa Covid-19 (em inglês) Doença causada por coronavírus, descoberta em 2019 DGP Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil DTV TV Digital Brasileira DVD (em inglês) Disco digital versátil EBC Empresa Brasil de Comunicação EDUFBA Editora da Universidade Federal da Bahia EQM Experiência de quase morte ESPM Escola Superior de Propaganda e Marketing EUA Estados Unidos da América Faac Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design Fenaj Federação Nacional dos Jornalistas Fórum SBTVD Fórum do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre Fundepi ou Fundação Inova Fundação de Educação, Pesquisa e Inovação de Presidente Prudente Prudente “Vicente Furlanetto” GIF (em inglês) Formato de intercâmbio gráfico GJOL Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line HDR (em inglês) Alto alcance dinâmico HMD (em inglês) Head-mounted display ou helmet-mounted display IA Inteligência artificial IAG Inteligência artificial generativa Iands (em inglês) Associação Internacional de Estudos de Quase Morte XVI IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICT4D (em inglês) Tecnologias de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento IEEE Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação Ipsress (em inglês) Indução de sofrimento psicossomático em realidade virtual JIP Jornalismo imersivo profundo LabArte- Mídia Laboratório de Arte, Mídia e Tecnologias Digitais LED (em inglês) Diodo emissor de luz LGPD Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais Libras Língua Brasileira de Sinais LTC Livros Técnicos e Científicos MBRTV Museu Brasileiro de Rádio e Televisão MCom Ministério das Comunicações Miat (em italiano) Instituto de Artes e Tecnologia do Multiverso MIS Museu da Imagem e do Som “Chico Albuquerque” MIT (em inglês) Instituto de Tecnologia de Massachusetts MOBJOR Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Mobilidade Nasa (em inglês) Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço, dos EUA Nasdaq Associação Nacional de Corretores de Títulos de Cotações (em inglês) Automáticas Nephi-Jor Hipermídia e Linguagem NFC (em inglês) Comunicação por campo de proximidade NFT (em inglês) Código não fungível XVII NHK (em japonês) Nippon Hōsō Kyōkai OBTED Observatório Brasileiro de Televisão Digital e Convergência Tecnológica ONU Organização das Nações Unidas PPGCOM Programa de Pós-Graduação em Comunicação QR Code (em inglês) Código de resposta rápida RA Realidade aumentada Rede CNT Central Nacional de Televisão RM Realidade mixada, misturada ou mista ROI (em inglês) Retorno sobre o investimento RTVE (em espanhol) Radiotelevisión Española RV Realidade virtual RV2 Realidade virtual virtual RVR Realidade virtual real SARS- -CoV-2 (em inglês) Coronavírus de tipo 2 da síndrome respiratória aguda grave SBPJor Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo SBT Sistema Brasileiro de Televisão SECNS Secretaria-Executiva do Conselho Nacional de Saúde Senac Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial Siggraph Conferência do Grupo de Interesse Especial em Computação Gráfica (em inglês) e Técnicas Interativas SIP (em (espanhol) Sociedade Interamericana de Imprensa TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TDIC Tecnologia Digital de Informação e Comunicação TECND Tecnologia e Narrativas Digitais TIC Tecnologia da Informação e Comunicação XVIII UBI Universidade da Beira Interior UEPB Universidade Estadual da Paraíba UFBA Universidade Federal da Bahia UFC Universidade Federal do Ceará UFMA Universidade Federal do Maranhão UFPB Universidade Federal da Paraíba UFSC Universidade Federal de Santa Catarina Unesp Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” UOL Universo Online USP Universidade de São Paulo VR (em inglês) Realidade virtual X-reality ou XR (em inglês) Realidade digital ou realidade estendida XIX LISTA DE SÍMBOLOS % Por cento ° Grau(s) geométrico(s) ª Numeração ordinal (feminino) K Mil vezes m Metro(s) m² Metro(s) quadrado(s) º Numeração ordinal (masculino) R$ Real (moeda) US$ Dólar (moeda) XX SUMÁRIO (Clicável) PRÓLOGO ...................................................................................................................................................................... 22 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 25 2 NASCE UM EXPERIENCIADOR ............................................................................................................... 42 2.1 A sociedade em midiatização .............................................................................................................. 43 2.2 Pessoas, grupos sociais e mediações ......................................................................................... 50 2.3 A experiência estética ................................................................................................................................ 58 3 ESTÉTICAS DO JORNALISMO IMERSIVO ..................................................................................... 68 3.1 As interações ..................................................................................................................................................... 69 3.2 A imersão e a presença ............................................................................................................................. 78 3.3 O jornalismo (sistemicamente) imersivo .................................................................................... 86 3.3.1 Jogos jornalísticos ........................................................................................................................................ 91 3.3.2 Pós-fotografia e vídeos em 360° ........................................................................................................ 95 3.3.3 Áudio imersivo .............................................................................................................................................. 100 3.3.4 Realidade aumentada ............................................................................................................................. 102 3.3.5 Jornalismo imersivo profundo ........................................................................................................... 106 3.3.6 Metaversos ..................................................................................................................................................... 113 3.4 Breve história da imersão sistêmica ........................................................................................... 114 4 A ÉTICA JORNALÍSTICA ........................................................................................................................... 124 4.1 Limites éticos ao jornalismo imersivo profundo .............................................................. 135 4.1.1 Interlocução entre JIP e códigos deontológicos ................................................................... 143 5 POSSIBILIDADES E DESAFIOS AO JIP NO BRASIL .......................................................... 150 5.1 Oportunidades estéticas ....................................................................................................................... 162 5.2 Entraves éticos .............................................................................................................................................. 171 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................ 176 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................................... 186 GLOSSÁRIO .............................................................................................................................................................. 226 Apêndice A – Contatos com os departamentos de jornalismo das emissoras .......................de TV.............................................................................................................................................. 231 XXI Apêndice B – Questionário aplicado à Comissão Nacional de Ética da Fenaj ............ 265 Apêndice C – Contatos com jornalistas envolvidos em produções ..... . . . . . . . . .identificadas na Fase 2 ..................................................................................................... 270 Apêndice D – Entrevista com o jornalista Eduardo Ericsson Acquarone ......................... 292 Apêndice E – Entrevista com o jornalista Fábio Ozorio Giacomelli ..................................... 310 Apêndice F – Entrevista com a jornalista Luciellen Souza Lima ............................................ 329 Apêndice G – TCLEs / Anuência de Dados e Termos de Autorização de Uso .......................de Imagem ................................................................................................................................. 346 Anexo A – Protocolo submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa ...................................... 361 Anexo B – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa .......................... 373 Anexo C – Cartas de Anuência Institucional ........................................................................................ 380 Anexo D – Entrevista com o pesquisador António Alberto Castro Baía Reis ............... 385 EPÍLOGO ...................................................................................................................................................................... 403 22 PRÓLOGO —————————————————————————— “Isto é uma ordem: sê firme e corajoso”. (Josué 1:9) Não gosto de utilizar a 1ª pessoa do singular no desenvolvimento da escrita científica… A mim, soa egocentrismo e linguagem imprópria para um texto de pesquisa. Até porque o conhecimento é uma construção coletiva. E fora que quando tenho um texto muito ensimesmado posso fugir às evidências da ciência e me entregar unicamente à opinião própria. Contudo, permito-me a “licença poética” de conjugar os verbos ao pronome pessoal do caso reto “eu” para este prólogo, pois, além de se tratar de uma parte não obrigatória da tese, mostra-se uma construção textual adequada, de modo a contextualizar como o presente trabalho foi gestado. Em um passado não tão distante, no ano de 2017, quando ingressei como acadêmico do mestrado profissional em Mídia e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), em Bauru/SP, tive a oportunidade de ser voluntário como diretor de comunicação da startup Impulse Company (do querido amigo Vitor Araujo Pompei de Oliveira), que de agosto a dezembro daquele ano participou, na capital paulista, e finalizou na 1ª colocação, da 6ª edição do programa de pré-aceleração intensivo do Samsung Ocean, uma parceria da Samsung Electronics com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) – a capacitação focou em ideias inovadoras para a realidade virtual, uma tecnologia que à época eu conhecia somente pelo nome. Ainda como colaborador da Impulse, contribuí na organização das duas primeiras edições do Startup Weekend em Presidente Prudente/SP – em abril de 2017 (1ª edição) e em outubro de 2017 (2ª edição). O evento é promovido internacionalmente pela Techstars em parceria com o Google for Entrepreneurs, e localmente foi realizado pela Fundação de Educação, Pesquisa e Inovação de Presidente Prudente “Vicente Furlanetto” (Fundepi ou Fundação Inova Prudente) e por parceiros. Com uma omnicâmera à mão, ajudei a cobrir as edições em uma 23 visão de 360°. Definitivamente, em 2017 descobri as narrativas audiovisuais imersivas e me encantei por este universo de possibilidades! No ano seguinte (2018), dei continuidade ao mestrado e em 27 de outubro participei do Hyper Festival Brazil (Cf. Figura 1), em São Paulo/SP, um evento fantástico sobre produção e mercado de realidade digital/estendida. Fiz contatos, testei experiências imersivas e percebi que não estava só nesta aventura! Figura 1 – Em 2018, no Hyper Festival Brazil, em um dos meus primeiros contatos práticos com as narrativas imersivas Fonte: Dolci (2018) De lá para cá, concluí o mestrado (em 8 de março de 2019, data em que meus pais fizeram 39 anos de casados!), persisti em meus estudos sobre narrativas audiovisuais imersivas e cheguei ao doutorado (iniciado em 2021, no ápice da pandemia, uma “loucura!”) aprofundando minhas leituras e pesquisas sobre jornalismo imersivo. Afinal, precisava compartilhar o que eu ia desvendando… Claro que minhas motivações para pesquisar sobre o jornalismo imersivo (e especificamente sobre o jornalismo imersivo profundo) não são meramente pessoais, tanto que apresento várias justificativas no capítulo que vem na sequência (1 – Introdução). Nestes oito anos de contato com as tecnologias imersivas aplicadas às produções jornalísticas, ainda me deparo com pessoas que têm muitas dúvidas, desconhecimento, curiosidade e questionamentos sobre o jornalismo imersivo – em 24 qualquer ambiente, inclusive no acadêmico (com colegas pesquisadores, até mesmo diante de professores doutores). Dois sentimentos antagônicos imediatamente brotam em mim: tristeza, por perceber o quão “desconhecido” este campo é; e alegria, por constatar que meu objeto de pesquisa merece ser desbravado e disseminado. E, afinal, o que é o jornalismo imersivo? Vamos (re)descobri-lo juntos!? —————————————————————————— 25 1 INTRODUÇÃO —————————————————————————— “O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas”. (Claude Lévi-Strauss) A presente tese de doutorado constata, conforme demonstram seus dois últimos capítulos (5 – Possibilidades e Desafios ao JIP no Brasil; e 6 – Considerações Finais), que em 2024 o jornalismo imersivo profundo (JIP) estava adormecido no Brasil e sem perspectivas de despertar tão cedo. Para paulatinamente chegar a essa e a outras considerações, é preciso navegar por todos os capítulos deste estudo, começando por este, que delineia o projeto de pesquisa. Para começar, o jornalismo é reconhecido por publicamente informar com qualidade (Bucci, 2004), contar, repercutir, contextualizar e analisar histórias reais de interesse público, de qualquer assunto, com ou sem emissão de opinião. Kovach e Rosenstiel (2014) resumem-no como a disponibilização de informações relevantes e envolventes por meio da contação de histórias, algo útil aos cidadãos que pretendem melhor compreender o mundo. Independentemente de qual for a prática de jornalismo, essas características não mudam! Atualmente, em plena Era do Conhecimento 1 , o jornalismo tem sido descredibilizado por parte da sociedade e bastante incômodo a quem deturpa o conceito de democracia (Wu, 2024; Rothberg; Ferracioli; Oliveira, 2023; Bellini; Santos, 2020; Gallup, 2018). E mesmo que haja profusão de negacionismo e desinformações pelo mundo, e violações da liberdade de imprensa2, essa profissão torna-se cada vez mais necessária, haja vista que os jornalistas que vivem em 1“Era do conhecimento - Essa etapa corresponde ao início dos anos 90, surgindo nesse período o termo TIC, em substituição ao termo Informática. Nessa fase, a informação passa a ser encarada como um ativo das organizações, e a sua disseminação e disponibilização tornam-se um diferencial fundamental nos mercados competitivos” (Oliveira, 2003, p. 113). TIC é a sigla de Tecnologia da Informação e Comunicação. 2As violações da liberdade de imprensa se manifestam por meio de diversas violências, como ataques, ameaças, censuras, intimidações, agressões, ofensas, vandalismos, importunações sexuais e assassinatos de jornalistas e de demais profissionais de comunicação (Imprensa Brasileira, 2024). 26 regimes democráticos, mais do que estruturarem narrativas não ficcionais, fiscalizam os poderes constituídos (Bucci, 2004), combatem notícias falsas e ajudam a “organizar” o dia a dia, porque são participantes ativos nas construções da agenda pública (McCombs; Shaw, 1972) e da realidade (Traquina, 2005). Uma possibilidade de tentar reconquistar esse público desgarrado do jornalismo é por meio do JIP, que será conceituado mais adiante. Porém, essa recuperação não é para causar um deslumbramento com a imersão sistêmica, senão para despertar emoções viscerais (De la Peña et al., 2010) nos experienciadores (Zagalo, 2007), motivá-los a ter empatia (Aitamurto, 2023; Ottesen apud Laws; Utne, 2019; Domínguez-Martín, 2017; 2013) e pretender aumentar o engajamento deles e das instituições com diversas situações, principalmente de injustiças, catástrofes e violações de direitos humanos (De Gracia; Herrera-Damas; Baía Reis, 2023), com vista a mobilizar mudanças. No contexto do JIP, historicamente há entraves em todo o mundo, como a carência de mão de obra qualificada para executá-lo e os altos investimentos financeiros para a implementação, a produção, a circulação e o seu consumo (Hardee; McMahan, 2017; Marconi; Nakagawa, 2017). Apesar das dificuldades, ao aplicá-lo não devem ser abandonados os princípios jornalísticos, como atendimento ao interesse público, busca da objetividade, imparcialidade, independência editorial e ética. Inclusive, repensar nesta última, sob o prisma deontológico, é inerente à evolução jornalística (Chesler; Poulson, 2020). Em decorrência da importância desse tema, o objeto de estudo desta pesquisa é o JIP – jornalismo com elevado nível de imersão sistêmica, como: em realidade virtual (RV) imersiva; em realidade mixada, misturada ou mista (RM); ou vídeo em 360° consumido imersivamente com uso de óculos de vídeos estereoscópicos (em inglês: head-mounted display/HMD, helmet-mounted display/HMD, x-reality3 headset ou head-worn display). Portanto, o JIP é diferente do jornalismo com baixo nível de imersão sistêmica (De la Peña et al., 2010), encontrado, a título de exemplo, nas produções em realidade aumentada (RA). 3Tanto o termo x-reality quanto a sigla XR (ambos em inglês) são sinônimos de realidade digital (Cook, 2017) ou realidade estendida (Educause, 2018). A realidade digital/estendida está inserida no contexto da cultura da virtualidade real, uma definição de Castells (2005) para a soma, e não partição, do real e do virtual. 27 • Problema, tese e hipóteses Em 1º lugar neste estudo, vem a pergunta-problema norteadora da tese: Quais são os cuidados éticos e estéticos que os jornalistas brasileiros devem tomar no exercício do JIP? Técnica e ética funcionam em conjunto no jornalismo (Christofoletti, 2008) e, como se vê em outras práticas, as condutas dos jornalistas repercutem na produção de sentidos e na experiência ética e estética. Portanto, propõe-se a tese de que a equipe jornalística deve pensar para além da ambiência tecnológica e refletir criticamente sobre como a narrativa imersiva poderá ser construída para ser coesa, coerente, ética e estética. Desta maneira, os profissionais tenderão a lançar mão do JIP para servir aos propósitos jornalísticos, com respeito a seus princípios deontológicos, e não ao entretenimento, nem à ficção, tampouco ao sensacionalismo. Assim, as hipóteses trazidas para discutir e responder o questionamento epistemológico exposto acima são: a) O JIP exercido com seriedade no país, enquanto instrumento de transformação social, deve seguir o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (Fenaj, 2007) e o Código de Ética da Radiodifusão Brasileira (Abert, 1993). E, a fim de justificar sua aplicação em complemento e/ou em detrimento do telejornalismo, também precisa tomar cuidados éticos eventualmente ainda não contemplados por esses documentos, mas que atendam às especificidades do contexto de imersão sistêmica do experienciador; b) A estruturação da linguagem imersiva, em todo o mundo (logo, incluindo o Brasil), encontra-se em processo de amadurecimento (Santos, 2023), fruto de diversas experimentações, tanto individuais quanto coletivas (assim como estiveram o cinema e a televisão em suas primeiras décadas). Portanto, entende-se que é natural, por enquanto, haver incertezas sobre como e quais conteúdos jornalísticos produzir de modo imersivo profundo. Consequentemente, delimitar cuidados éticos e estéticos a serem tomados pelos jornalistas é tão somente pavimentar o caminho, não o concluir, haja vista que caberão ajustes com o decorrer do tempo. 28 • Objetivos O objetivo geral desta tese de doutorado é problematizar quais são, no Brasil, as possibilidades e os desafios estéticos e os limites éticos para o JIP. E os objetivos específicos são: a) Explicar quais são as características que permitem o consumo de produções de JIP; b) Verificar se dilemas éticos do JIP podem ser contemplados pelos textos atuais do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (Fenaj, 2007) e do Código de Ética da Radiodifusão Brasileira (Abert, 1993); c) Identificar quais são as produções de JIP realizadas no Brasil nos últimos cinco anos e analisá-las sob os aspectos narrativos, das tecnologias empregadas, das interações e das experiências éticas e estéticas; d) Avaliar quais são, no presente, as oportunidades estéticas e os desafios éticos para os jornalistas brasileiros produzirem conteúdos com uso de tecnologias digitais de imersão sistêmica profunda. • Justificativas O mercado mundial de RV é projetado para alcançar US$ 52 bilhões em 2028 (Zion Market Research, 2023), enquanto que em 1993 era avaliado em US$ 110 milhões (Latta apud Biocca; Levy, 1995). Neste cenário favorável ao jornalismo imersivo, – alguns autores preferem chamá-lo de jornalismo experiencial (Blair, 2014; Longhi; Caetano, 2019) ou de exploração (Rocha, 2020; Rocha; Pase, 2024) – precisa-se ir além dessa dimensão tecno-mercadológica e pensar nas transformações tecnológicas e sociais e nos efeitos de longa duração entre as pessoas, a comunicação midiática e a cultura (Hjarvard, 2014). Focar a tese nas questões éticas e estéticas do JIP no Brasil é importante, porque as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Jornalismo, Bacharelado (Brasil, 2013), preconizam que esta relação conste nos projetos pedagógicos das instituições de ensino superior. Ou seja, a profissão requer formação ética e estética, e um estudo pertinente à Linha de Pesquisa 2 – Produção de Sentido na Comunicação Midiática do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da Unesp, cuja área de concentração é a Comunicação Midiática, permite que se pense e produza crítica e reflexivamente sobre isso. 29 Ademais, em face do cenário das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs), o tema mostra-se atual, relevante e inovador ao desenvolvimento de uma pesquisa em nível stricto sensu. Calcula-se, deste modo, que, por meio de seu potencial heurístico, poderá incentivar pesquisas e contribuir para que jornalistas, docentes e discentes ingressem e/ou ganhem aperfeiçoamento na área imersiva. Com esse embasamento, um desafio a ser conquistado em longo prazo, os profissionais conseguirão produzir conteúdos de JIP ética e esteticamente mais substanciais para os públicos, algo que poderá ser capaz de gerar mais discussões sociais acerca de vários assuntos. E se o terreno do jornalismo imersivo é fértil para a pesquisa científica, ainda é reduzido o número de pesquisadores brasileiros que se empenham em averiguá-lo. Ao buscar-se, em 2 de junho de 2024, o assunto “jornalismo” no campo “assunto” da base “doutores” de nacionalidade brasileira na base de dados do Currículo Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), observa-se que aparecem 10.594 ocorrências (Cf. Figura 2); quando se muda a palavra-chave para “jornalismo imersivo”, os resultados caem para 66 (Cf. Figura 3), o que representa apenas 0,6% do total (Brasil, 2024a). Figura 2 – São 10.594 doutores brasileiros com vínculo ao jornalismo localizados no Currículo Lattes Fonte: Brasil (2024a) 30 Figura 3 – Apenas 0,6% dos doutores com vínculo ao jornalismo também apresentam ocorrências de jornalismo imersivo Fonte: Brasil (2024a) Além do mais, quando a expressão “jornalismo imersivo” é buscada no sistema do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP) do CNPq e são verificados quais dos grupos localizados têm teses publicadas na temática nos cinco anos que antecederam o exame de qualificação deste doutorando (ocorrido em 14 de setembro de 2023), ou seja, entre 2018 e 2022, registram-se três, sendo dois no Nordeste e um no Sul (Brasil, 2024b)4: a) Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Mobilidade (MOBJOR)5, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). É o mais recente dos três, criado em 2014, liderado pelo professor doutor Fernando Firmino da Silva; b) Hipermídia e Linguagem6 (Nephi-Jor), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Criado em 2007, tem liderança das professoras doutoras Raquel Ritter Longhi e Kérley Winques; c) Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-Line7 (GJOL), da Universidade Federal da Bahia (UFBA). É o mais longevo dos três, criado em 1995, liderado pelas professoras doutoras Suzana Oliveira Barbosa e Lívia de Souza Vieira. Um 4º grupo certificado pelo CNPq, sem teses publicadas sobre jornalismo imersivo no período analisado, merece destaque. É o Tecnologia e Narrativas Digitais8 (TECND), criado em 2015. Da Universidade Federal do 4À parte à produção de teses de doutorado, um levantamento de Rodrigues, Silva e Cunha (2022, p. 253) encontrou “[…] 21 iniciativas de investigação, que incluem laboratórios, grupos de estudo e de pesquisa no Brasil que têm ações sistemáticas e constantes” sobre jornalismo imersivo. Cf. https://docs.google.com/spreadsheets/d/1OxpZy7I_9b3chNWTippjcBnC4GuUEiUA/edit?gid=4575463 27#gid=457546327. 5Cf. https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/47425. 6Cf. https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9116076487823664. 7Cf. https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/780588. 8Cf. https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/212682. https://docs.google.com/spreadsheets/d/1OxpZy7I_9b3chNWTippjcBnC4GuUEiUA/edit?gid=457546327#gid=457546327 https://docs.google.com/spreadsheets/d/1OxpZy7I_9b3chNWTippjcBnC4GuUEiUA/edit?gid=457546327#gid=457546327 https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/47425 https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9116076487823664 https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/780588 https://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/212682 31 Maranhão (UFMA), é liderado pelo professor doutor Marcio Carneiro dos Santos e já realizou o Projeto Jumper: […] uma iniciativa exploratória de cenários ainda pouco considerados pelo campo da Comunicação, incluindo o uso de novas formas narrativas e o próprio desenvolvimento de iniciativas de pesquisa aplicada baseadas em equipes multidisciplinares. A intenção é colaborar com o desenvolvimento de novos modelos de processo produtivo para o jornalismo, mais adequados às transformações tecnológicas, culturais e econômicas que temos vivenciado (Santos, 2016, p. 15). Por fim, há um 5º grupo de pesquisa certificado pelo CNPq, sem teses publicadas sobre jornalismo imersivo entre 2018 e 2022: é o Laboratório de Arte, Mídia e Tecnologias Digitais (LabArteMídia)9, da USP, criado em 2016, sob liderança dos professores doutores Almir Antonio Rosa (Almir Almas) e Luís Fernando Angerami Ramos. Cita-se o LabArteMídia como relevante, porque ele organiza o evento X-Reality USP para apresentar discussões atuais sobre realidade digital/estendida e fomentar o mercado e a pesquisa. Na edição de 2022, promoveu o painel VR10 no Jornalismo – Mais próximo do que imaginamos. A fim de dar continuidade ao mapeamento do estado da arte, na última semana de janeiro de 2023 o autor desta tese fez uma varredura por teses de doutorado brasileiras publicadas até aquela data, defendidas entre 2018 e 2022 por pesquisadores dos 57 programas de pós-graduação (Compós, 2023) associados à Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). Neste processo, adotou-se a observação de maneira direta, intensiva e sistemática (Marconi; Lakatos, 2022). A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações que utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar (ibidem, p. 221). Das instituições de ensino superior que à época abrigavam os programas associados à Compós (Compós, 2023), seis não participavam da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações: a Faculdade Cásper Líbero, a Universidade de Sorocaba, a Universidade 9Cf. https://sites.usp.br/labartemidia/. 10VR é a sigla de virtual reality (realidade virtual, em inglês). https://sites.usp.br/labartemidia/ 32 Federal do Piauí, a Universidade Feevale, a Universidade Municipal de São Caetano do Sul e a Universidade Paulista (Brasil, 2023a). Portanto, os repositórios dos 57 programas foram analisados11 por meio da BDTD (Cf. Figura 4) e dos sites das seis instituições citadas neste parágrafo, a fim de se verificar quais teses indexadas abordavam o jornalismo imersivo. Figura 4 – Ferramenta de busca avançada de dissertações e teses da BDTD Fonte: Brasil (2023a) 11Para a análise, 17 variáveis de palavras-chave foram buscadas: “imersão”; “imersivo”; “imersiva”; “jornalismo imersivo”; “jornalismo de imersão”; “narrativa imersiva”; “narrativas imersivas”; “narrativa de imersão”; “narrativas de imersão”; “narrativa imersiva não ficcional”; “narrativas imersivas não ficcionais”; “narrativa de imersão não ficcional”; “narrativas de imersão não ficcionais”; “narrativa não ficcional de imersão”; “narrativas não ficcionais de imersão”; “narrativa não ficcional imersiva”; e “narrativas não ficcionais imersivas”. 33 Nos 57 programas de pós-graduação associados à Compós, foram encontradas, nos cinco anos analisados (2018-2022), seis teses que tratam de jornalismo imersivo em seu sentido restrito, que é “[…] a produção de notícias de uma forma na qual as pessoas consigam obter experiências em primeira pessoa dos eventos ou situação descrita nas histórias noticiosas” (De la Peña12 et al., 2010, p. 291, tradução nossa13) desde que tenham suporte sistêmico. Cabe destacar que há mais teses que mencionam indiretamente o jornalismo imersivo, mas as seis que o colocam como foco são elencadas no Quadro 1: Quadro 1 – Teses brasileiras sobre jornalismo imersivo, de 2018 a 2022 (continua) Títulos das teses Autores Anos das defesas Programas associados à Compós Vínculo com grupos que pesquisam JIP? A experiência do usuário com conteúdos de jornalismo audiovisual em 360° e a centralidade da sensação de presença14. Luciellen Souza Lima. 2022. Comunicação e Cultura Contemporâneas, da UFBA. Sim: GJOL e MOBJOR. A imersão como categoria estruturante e indutora de inovações no jornalismo em redes digitais15. Adalton dos Anjos Fonseca. 2020. Comunicação e Cultura Contemporâneas, da UFBA. Sim: GJOL. Fonte: produzido pelo autor (2024) 12A jornalista norte-americana Nonny de la Peña, doutora em Artes Cinematográficas (De la Peña, 2019), é uma das criadoras do jornalismo imersivo (Cf. Subseção 3.3.1). 13Texto original: “[…] the production of news in a form in which people can gain first-person experiences of the events or situation described in news stories”. 14Tese premiada como a melhor no 18º Prêmio Adelmo Genro Filho de Pesquisa em Jornalismo, da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor), e como a 2ª melhor tese no 2º Prêmio Intercom de Comunicação, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação/Intercom (SBPJor divulga, 2023; Intercom divulga, 2023). No estudo, a autora verifica como os experienciadores percebem as fruições de vídeos a que tiveram acesso. 15Esta tese investiga produções, observando as estratégias de narrativa e atenção. 34 Quadro 1 – Teses brasileiras sobre jornalismo imersivo, de 2018 a 2022 (conclusão) Títulos das teses Autores Anos das defesas Programas associados à Compós Vínculo com grupos que pesquisam JIP? A imersão no Jornalismo digital: uma análise dos recursos discursivos e enunciativos presentes na reportagem The Displaced, disponibilizada no aplicativo NYT VR16. Fernanda Carraro Dal Vitt. 2018. Comunicação e Linguagens, da Universidade Tuiuti do Paraná. Não. Hiperinfografia: Uma proposta para o infográfico de quarta geração17. William Robson Cordeiro Silva. 2019. Jornalismo, da UFSC. Sim: Nephi- Jor. Olhar ao redor: pedagogia dos vídeos esféricos para o telejornalismo18. Ligia Coeli Silva Rodrigues. 2021. Comunicação, da Universidade Federal de Pernambuco. Sim: MOBJOR. Representação Virtual Jornalística: Proposta de matriz para análise de conteúdos jornalísticos em Realidade Virtual19. Giovanni Guizzo da Rocha. 2020. Comunicação Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Não. Fonte: produzido pelo autor (2024) Os dados anteriormente expostos demonstram que o jornalismo imersivo é um assunto ainda pouquíssimo explorado por pesquisadores brasileiros. Acredita- se, consequentemente, que é oportuno e imprescindível haver majoração de teses de doutorado que abarquem essa natureza e, assim, incentivem docentes e discentes das graduações e das pós-graduações do Brasil a adentrarem técnica e 16Esta tese analisa o The Displaced (Deslocados, em tradução livre), o 1º documentário imersivo da The New York Times Magazine, em parceria com a Vrse.works, lançado em 2015 nos Estados Unidos da América (EUA) – trata da crise mundial de refugiados (Cf. Subseção 3.4 e Figura 41). 17Esta tese traz como recorte os infográficos imersivos. 18Esta tese explora a necessidade de que o experienciador saiba como usufruir melhor do jornalismo imersivo a partir da sua capacidade de olhar para os diversos pontos da videoesfera. 19Esta tese defende a qualificação e os conhecimentos interdisciplinares como fundamentais à construção de uma produção imersiva. 35 cientificamente nessa seara. Em suma, a tese tem como base, portanto, contribuir com conhecimentos ao Jornalismo. • Desenho metodológico Esta pesquisa é de natureza qualitativa, na qual “[…] os dados não são apenas colhidos, mas também resultado de interpretação e reconstrução pelo pesquisador, em diálogo inteligente e crítico com a realidade” (Demo apud Duarte, 2011, p. 62-63). Logo, para progredir na investigação, coube ao autor concentrar-se na compreensão e na interpretação dos dados que ia obtendo. Ao desenvolvimento do corte teórico, houve obrigatoriedade de ser aplicada, como técnica de pesquisa, a documentação indireta por meio de pesquisa bibliográfica, que consiste: […] desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, onde é apresentada toda a literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento dos autores, acrescido de suas próprias idéias e opiniões (Stumpf, 2011, p. 51). Foi providenciada (Fase 1 – Dimensão: Embasamento teórico), portanto, uma robusta pesquisa bibliográfica ou de fontes secundárias (Marconi; Lakatos, 2022) em livros, periódicos, conteúdos midiáticos e bases de dados como BDTD, Biblioteca Virtual da Pearson Higher Education, Google Acadêmico, Minha Biblioteca, Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ResearchGate. Selecionadas as obras pertinentes, o autor fez as leituras exploratória ou preliminar, seletiva, analítica e interpretativa (Gil, 2022) para que toda a base teórica da presente tese pudesse ser constituída. E para avançar no atendimento aos objetivos da pesquisa, por meio de mapeamento exploratório (Fase 2 – Dimensão: Narrativas imersivas profundas) foram identificadas 22 produções de JIP realizadas no Brasil nos últimos cinco anos, cujo levantamento é apresentado no Capítulo 5 (Possibilidades e Desafios ao JIP no Brasil). Outrossim, foram procuradas (Cf. Apêndice A), em junho de 2024, por contatos telefônicos e mensagens de e-mail, as 12 emissoras de TV aberta (gratuita) 36 de abrangência nacional (Grupo 1) 20 para que preenchessem um questionário on- line com perguntas abertas e fechadas que visava identificar outras possíveis produções e saber sobre seus planejamentos de jornalismo imersivo. Em seguida, com o propósito de aferir se as narrativas foram criadas eticamente e se conseguem dar condições ao receptor de valorizar, no ato da fruição, sua cognição, seus sentimentos, suas percepções e sua compreensão, quatro produções jornalísticas imersivas profundas foram analisadas pelo pesquisador (Fase 3 – Dimensão: Experiências éticas e estéticas) com o uso de um HMD autônomo. As análises estão disponíveis no Capítulo 5 (Possibilidades e Desafios ao JIP no Brasil). E na última etapa (Fase 4 – Dimensão: Possibilidades e desafios), consolidada em discussões no Capítulo 5 (Possibilidades e Desafios ao JIP no Brasil), o autor fez intervenções com três grupos para chegar a inferências acerca de oportunidades e desafios atuais ao JIP no Brasil: a) Grupo 2 – Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Foi aplicado um questionário on-line (Cf. Apêndice B) com perguntas abertas e fechadas de modo que o pesquisador coletasse informações sobre o objeto de pesquisa. Critério de inclusão: quem fosse representante da Comissão Nacional de Ética da Fenaj; b) Grupo 3 – jornalistas envolvidos em produções identificadas na Fase 2. Foram enviados questionários on-line (Cf. Apêndice C) com perguntas abertas e fechadas para que o pesquisador compreendesse como os trabalhos foram realizados. Critério de inclusão: profissionais que lideraram as produções. Os questionários foram enviados em junho de 2024 e os profissionais foram previamente avisados por contatos telefônicos e mensagens de e-mail; c) Grupo 4 – jornalistas com repertórios relevantes sobre jornalismo imersivo, a partir de amostra por conveniência. Em junho de 2024, foram realizadas entrevistas em profundidade (Cf. Apêndices D, E e F), on-line, com o propósito de que o autor destrinchasse o objeto de pesquisa. Critério de inclusão: brasileiros, ao mesmo tempo graduados em Jornalismo e pesquisadores, que tivessem experiências em jornalismo imersivo. 20As 12 emissoras de TV que transmitem seus sinais de maneira aberta (gratuita) e com abrangência nacional são (Ancine, 2015, p. 35; DTV, 2024): Band, Central Nacional de Televisão (Rede CNT), Cultura, Gazeta, Globo, Record, Record News, RedeTV!, Redevida, Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), TV Aparecida e TV Brasil. 37 O Grupo 4 passou por entrevistas semiabertas (Duarte, 2011), modalidade na qual, a partir de um roteiro flexível, foi possível formular questões com vistas a responder o problema epistemológico não só com objetividade, mas também subjetivamente, algo importante para a Comunicação Social. A entrevista em profundidade é uma técnica dinâmica e flexível, útil para apreensão de uma realidade tanto para tratar de questões relacionadas ao íntimo do entrevistado, como para descrição de processos complexos nos quais está ou esteve envolvido. É uma pseudoconversa realizada a partir de um quadro conceitual previamente caracterizado, que guarda similaridade, mas também diferenças, com a entrevista jornalística (ibidem, p. 64). Duarte (2011) recomenda que o número de entrevistados em profundidade seja reduzido, com depoimentos consistentes. Então, foram entrevistados três jornalistas pesquisadores brasileiros: Eduardo Ericsson Acquarone, Fábio Ozorio Giacomelli e Luciellen Souza Lima. Acquarone é professor visitante no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e doutorando em Mídias Digitais no programa associado entre as universidades portuguesas do Porto, Nova de Lisboa e de Lisboa, com tese sobre a evolução das narrativas imersivas dentro do jornalismo. Foi editor executivo de projetos especiais na TV Globo, onde realizou trabalhos de jornalismo imersivo (Cf. perfil completo deste jornalista no Apêndice D). Giacomelli é doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior (UBI), de Portugal, com tese sobre jornalismo imersivo, e gerente de Planejamento e Administração de Marketing na Empresa Brasil de Comunicação/EBC (Cf. perfil completo deste jornalista no Apêndice E). Lima, por sua vez, é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, cuja tese sobre jornalismo imersivo foi premiada como a melhor tese no 18º Prêmio Adelmo Genro Filho de Pesquisa em Jornalismo, da SBPJor. Ela também trabalha na Coordenadoria de Comunicação da UEPB (Cf. perfil completo desta jornalista no Apêndice F). 38 Quadro 2 – Fases metodológicas desta pesquisa de doutorado Fases Fase 1: é destinada à dimensão do embasamento teórico. Instrumentos: pesquisa bibliográfica (Marconi; Lakatos, 2022); leituras exploratória, seletiva, analítica e interpretativa (Gil, 2022). Fase 2: é destinada à dimensão das narrativas imersivas profundas. Instrumentos: mapeamento exploratório de produções jornalísticas imersivas profundas realizadas no Brasil de janeiro de 2020 a maio de 2024; intervenção com o Grupo 1 (Cf. Quadro 3). Fase 3: é destinada à dimensão das experiências éticas e estéticas. Instrumento: análise, com uso de um HMD, de quatro produções jornalísticas imersivas profundas. Fase 4: é destinada à dimensão de possibilidades e desafios ao JIP no Brasil. Instrumentos: intervenções com os Grupos 2, 3 e 4 (Cf. Quadro 3). Fonte: produzido pelo autor (2024) Quadro 3 – Grupos que passaram por intervenções metodológicas Grupos Intervenções realizadas com as pessoas pertencentes aos respectivos grupos Grupo 1: departamentos de jornalismo das 12 emissoras de TV aberta (gratuita) de abrangência nacional (Cf. Nota de Rodapé 20). Questionários on-line com perguntas abertas e fechadas. Grupo 2: Comissão Nacional de Ética da Fenaj. Grupo 3: jornalistas envolvidos em produções identificadas na Fase 2 (Cf. Quadro 2). Grupo 4: três jornalistas brasileiros pesquisadores de jornalismo imersivo. Entrevistas em profundidade, on- line, semiabertas (Duarte, 2011). Fonte: produzido pelo autor (2024) Os dados coletados foram analisados qualitativamente (Gil, 2024) e apresentados em texto escrito e com outros recursos visuais, de modo a facilitar a compreensão das informações. Todas as etapas de coleta e análise de dados foram realizadas com auxílio de um notebook da marca Sony Vaio de modelo FE15 VJFE53F11X-B1411H, com conexão em banda larga à internet, de propriedade do 39 pesquisador. As entrevistas foram transcritas mediante a inteligência artificial (IA) MAIA 21 , software da empresa 9V, com supervisão e checagem, de segundo a segundo de cada áudio, por parte do doutorando. • Aspectos éticos da pesquisa Por ter etapas com participação de seres humanos, o presente estudo teve protocolo submetido em 15 de abril de 2024 (Cf. Anexo A) ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (Faac) da Unesp. Somente após o recebimento do parecer consubstanciado de aprovação pelo órgão (Cf. Anexo B), ocorrido em 6 de junho de 2024, é que o pesquisador começou a coletar os dados que envolvessem pessoas. O autor respeitou, em todo o desenvolvimento da tese, os direitos dos participantes, seguindo a beneficência, a não maleficência e atendendo aos padrões profissionais e aos princípios éticos da legislação brasileira, especialmente: as Resoluções 510/16 22 e 466/12 23 e a Norma Operacional 1/13 24 do Conselho Nacional de Saúde (CNS); as Cartas Circulares 1/2125, 110/1726, 51/1727 e 17/1728 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), da Secretaria-Executiva do CNS (SECNS) e do Ministério da Saúde; e a Lei Federal 13.709/1829, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Para a coleta de dados, seguiu-se o protocolo abaixo: a) As pessoas as quais se pretendia incluir como voluntárias da pesquisa foram convidadas individualmente por contatos telefônicos e mensagens de e-mail, nas quais o pesquisador apresentou a si e a pesquisa, explicou sobre a importância das participações, prestou todas as informações do estudo que precisassem e 21Cf. https://www.9-v.ai/. 22Cf. https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf. 23Cf. https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf. 24Cf. https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/NORMAS- RESOLUCOES/Norma_Operacional_n_001-2013_Procedimento_Submisso_de_Projeto.pdf. 25Cf. https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/Carta_Circular_01.202 1.pdf. 26Cf. https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/CartaCircular110.pdf. 27Cf. https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/CartaCircular51.pdf. 28Cf. https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/CartaCircular17.pdf. 29Cf. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. https://www.9-v.ai/ https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/NORMAS-RESOLUCOES/Norma_Operacional_n_001-2013_Procedimento_Submisso_de_Projeto.pdf https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/NORMAS-RESOLUCOES/Norma_Operacional_n_001-2013_Procedimento_Submisso_de_Projeto.pdf https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/Carta_Circular_01.2021.pdf https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/Carta_Circular_01.2021.pdf https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/CartaCircular110.pdf https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/CartaCircular51.pdf https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/documentos/CARTAS/CartaCircular17.pdf https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm 40 disponibilizou acesso à Cartilha do Participante em Pesquisa e à Cartilha dos Direitos dos Participantes de Pesquisa, ambas elaboradas pela Conep; b) Os participantes que aceitaram participar assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLEs) / Anuência de Dados, e Termos de Autorização de Uso de Imagem (Cf. Apêndice G). E receberam instruções, como: dias, horários e links das salas de entrevistas; links de acesso aos questionários, tempos estimados de resposta e prazos desejáveis de devolução ao pesquisador; c) Foi pedido aos membros dos grupos 1, 2 e 3 (Cf. Quadro 3) escreverem e assinarem Cartas de Anuência Institucional (Cf. Anexo C), a fim de manifestarem que os gestores das organizações às quais estavam vinculados concordavam com a realização da pesquisa de doutorado em âmbito institucional e que autorizavam a aplicação de questionários on-line, bem como a citação, nesta tese, dos nomes das respectivas instituições. • Síntese dos capítulos Para melhor organização do conteúdo, o presente trabalho é composto por seis capítulos, respectivamente: • 1) Esta Introdução, com o projeto de pesquisa gerador da tese; • 2) Nasce um Experienciador, com caráter teórico-epistemológico a respeito da experiência estética, no âmbito do arcabouço teórico da Estética da Comunicação, da midiatização e das mediações; • 3) Estéticas do Jornalismo Imersivo, que apresenta as possibilidades de interações, os conceitos de imersão e presença, bem como um traçado histórico- conceitual do jornalismo imersivo e dos meios digitais e imersivos empregados nele; • 4) A Ética Jornalística, sobre a importância da deontologia como um insumo indissociável ao jornalismo e sobre os principais dilemas éticos que o JIP enfrenta; • 5) Possibilidades e Desafios ao JIP no Brasil, com apresentação e discussão dos resultados da pesquisa; 41 • 6) E as Considerações Finais, parte da tese que amarra todo o trabalho e verifica se o que foi planejado nesta Introdução pôde ser atingido. —————————————————————————— 42 2 NASCE UM EXPERIENCIADOR —————————————————————————— “A este será mostrado, portanto, um espetáculo estranho, inabitual, um enigma cujo sentido ele precise buscar”. (Jacques Rancière) Antes de se mergulhar profundamente no jornalismo imersivo, tem-se o presente texto, com caráter teórico-epistemológico a respeito da experiência estética, no arcabouço da Estética da Comunicação, que: […] pensa a comunicação do indivíduo em suas relações com o “mundo da vida”, com o Outro, seja outra pessoa ou a mídia […] – e, dessa maneira, todo ato humano se converte em uma performance de signos a serem compreendidos pelo outro sujeito […] (Martino, 2007, p. 17, grifo próprio). Discute-se, neste capítulo, o contexto da comunicação midiática na atual 3ª década do século XXI – em um cenário de convergência30 entre tecnologias da informação e meios de comunicação, e trocas imediatas de informações e conhecimentos em todo o planeta. Nesta sociedade em midiatização, tanto as práticas de jornalismo acompanham as mudanças de comportamento e de consumo das pessoas quanto estas moldam-se a novas distribuições dos conteúdos. Também se explica, nesta seção, por que o receptor passa a ser visto não mais como mero “usuário”, mas como experienciador ou vivenciador – um partícipe da comunicação, sujeito ativo e interpretador na experiência estética, arraigada no domínio semântico-pragmático da produção de sentidos. 30“Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam” (Jenkins, 2009, p. 30). 43 2.1 A sociedade em midiatização A midiatização, diferentemente do que seu nome possa levar a imaginar, não é resultado das tecnologias digitais nem das sociedades interconectadas em redes. É a inter-relação complexa que ocorre entre pessoas, grupos sociais e os meios de comunicação, algo que existe há séculos. A midiatização desenha a vida e os valores humanos em vários aspectos, principalmente socioeconômicos, políticos, científicos e culturais. Fenômenos midiáticos são, de fato, uma característica universal de todas as sociedades humanas […] Os fenômenos midiáticos são uma precondição dos sistemas sociais complexos? A resposta é sim. Os fenômenos midiáticos, e, portanto, a midiatização, são tão importantes quanto estes (Verón, 2014, p. 14-18, grifo próprio). Nos tempos atuais, a midiatização está potencializada: vive-se com e em telas digitais. Famílias, amigos e até desconhecidos conversam por meio de smartphones; estudantes e professores incorporam tecnologias midiáticas; praticantes de exercícios físicos organizam seus treinos e monitoram sinais vitais em relógios inteligentes colocados nos pulsos; a telemedicina avança; compras são feitas no comércio eletrônico e, quando na loja física, pagas mediante cartões com comunicação por campo de proximidade (NFC, em inglês); recém-nascidos são expostos ao mundo pelas redes sociais virtuais; clientes de restaurantes escaneiam códigos de resposta rápida (QR Codes, em inglês) para ver cardápios… Pelos exemplos acima, de campos não jornalísticos, nota-se que de fato a humanidade vem atravessando um período generalizado de virtualização 31 nos campos comunicacionais e socioculturais; logo, uma virtualização do existir, com rompimento de muitas barreiras geográficas que antes eram mais difíceis de serem transpostas, ou levava-se mais tempo para isso. Por isso, há mais de 20 anos Sodré (2002, p. 233) formulou que há uma “[…] relação socialmente gerida pelos dispositivos midiáticos e, portanto, do mercado”. Ser participante da midiatização é, indissociavelmente, entregar-se à lógica capitalista, em menor ou maior grau. 31“[…] é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal. […] o virtual não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes (Lévy, 1996, p. 15). O virtual que é tratado aqui, um “local” sem espaço-tempo (Chauí, 2011), é fundamental para o JIP se estabelecer, como fica mais claro no próximo capítulo (Cf. Capítulo 3). 44 No jornalismo também há midiatização… Os jornalistas que carregam apenas blocos de papel para anotações são praticamente espécimes em extinção; muitos repórteres de televisão, por exemplo, substituem-nos pelos smartphones até quando estão em transmissões ao vivo. E os consumidores de notícias, de modo geral, estão mais clicando e deslizando seus indicadores por telas do que lendo jornais impressos com a frequência que liam (Lucena, 2023). Afinal, os produtos jornalísticos – que continuam sendo encontrados nos meios de comunicação tradicionais, claro – estão presentes também em meios emergentes e em diferentes formatos, como em podcasts, videocasts, infográficos e mapas digitais, conteúdos multi, cross e transmidiáticos, mídias sociais e no jornalismo imersivo. Inovar no jornalismo, entretanto, significa bem mais do que usufruir das ferramentas tecnológicas mais recentes e seguir tendências que atravessam a produção, a circulação e o consumo. Portanto, para que a roda do jornalismo de inovação (Posetti, 2018) gire de maneira ideal, sem passar por solavancos, requer- se um afinado planejamento estratégico, que tem a tecnologia como apenas um de seus diversos pontos de atenção, conforme é possível observar na figura a seguir: Figura 5 – Roda do jornalismo de inovação Fonte: adaptada de Posetti (2018) Respeitados os elementos constituintes da roda do jornalismo de inovação, é possível que seja mantida as sustentabilidades dos veículos. E, principalmente, que seja resguardado o caráter social da atividade jornalística 45 (Salaverría; Sádaba, 2023), porque disseminar informações por um mundo interconectado permite o exercício de um jornalismo de resistência, ou seja, vai além de querer caçar cliques, viralizar e monetizar a todo custo. Ou seja, resistir à concepção mercadológica de jornalismo. Nada a ver com a pretensão de transformar a sociedade pela via revolucionária, o que produziria distorções e recairia numa concepção teórica instrumentalista. Muito menos com a interpretação messiânica de alçar o jornalista à categoria de salvador da pátria. […] Mas também não me contento com a classificação da notícia como simples mercadoria ou com as limitações das rotinas produtivas. Acredito nas possibilidades de construção social da realidade através do jornalismo e ainda vejo no profissional da imprensa um papel importante nessa dinâmica (Pena, 2021, p. 67). Ao trazer o objeto da tese para mais perto dessa discussão, o que é o jornalismo imersivo senão a virtualização máxima do consumo de notícias? “[…] surge uma verdadeira forma de vida – o bios virtual, uma espécie de comunidade afetiva de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se convertem em prática social” (Sodré, 2006, p. 99, grifo próprio). O bíos virtual, midiático ou 4º bíos é uma revisita de Sodré (2002; 2006; 2015) à filosofia aristotélica32 para descrever que “[…] tomamos a mídia como elemento estruturante da sociedade” (Barros, 2019, p. 40). O bios midiático como uma nova orientação existencial, uma nova forma de vida que conjuga tecnologia e mercado. Esse bios midiático, essa nova qualificação histórica da existência, é basicamente a cidadania consumidora, cidadania definida a partir do consumo. Então o social passa a ser qualificado pela capacidade de consumo, e é isso o que passa a definir a agenda pública. Sociabilizar-se é consumir (Sodré, 2015, p. 136). No jornalismo imersivo, consumir é mais do que consumir notícias, é investir dinheiro, haja vista que reportagens imersivas requerem dos experienciadores, no mínimo, o uso de óculos estereoscópicos para que as vivências sejam mais profícuas. Voltando-se ao 4º bíos, do qual o jornalismo imersivo é reflexo, compreende-se que ele é o fenômeno da midiatização (ou mediatização), uma sociabilidade tecnológica (Sodré, 2002). Mattos e Villaça (2012, p. 213) enxergam-na como “[…] nova forma de sociabilidade e de interação entre os 32De acordo com Aristóteles (2017), o ser humano é permeado por três modos principais de viver, ou seja, por três bioi: a política (chamada de bíos politikós), a contemplação (ou bíos theoretikós) e o prazer (ou bíos apolaustikós). Bioi é o plural da palavra grega bíos, escrita originalmente como βίος, que significa vida (Bio, 2010). 46 campos”, e Fausto Neto (2008, p. 90) argumenta que a vida é mediada “[…] pela tarefa organizadora tecno-simbólica de novas interações realizadas pelo campo das mídias”, quer dizer, pelos meios de comunicação. Ao que indicam os estudos de Martino (2015), mediatização foi um conceito usado pela 1ª vez pelos filósofos Jean Baudrillard, em 1976, e Jürgen Habermas, quatro anos depois; e em 1990, pelo sociólogo John B. Thompson, com uma variação da palavra: medialização. “Um uso mais próximo da concepção moderna é feito por G. Mazzoleni e Winfried Schutz em um artigo de 1999 […] no qual discutem como alguns aspectos da política mudam por conta de seu vínculo com os meios de comunicação […]” (ibidem, p. 236). Foi no século XX que a midiatização começou a ser discutida justamente porque nesta época a presença tecnológica ficou tão forte em países mais desenvolvidos industrial e economicamente a ponto de se tornar um “processo interacional de referência” (Braga, 2006b, p. 13), à frente da escrita. Um primeiro passo do desenvolvimento da mediatização é a criação de tecnologias para atingir objetivos sociais e interacionais do mundo da escrita e da instauração burguesa “inicial”. […] Nesse primeiro momento, podemos observar objetivos como: maior abrangência de envolvimento, geográfica e populacional; maior rapidez nas comunicações; maior permanência das mensagens (registro); maior diversidade de captura, objetivação, transformação, transmissão e circulação de tipos de informações e comportamentos […] busca de adesão mais direta e mais rápida a proposições dominantes (hegemonia); ampliação de consumo; maior agilidade e rapidez na captação de informações e de comportamentos sociais (Braga, 2006b, p. 14-15). Para Hjarvard (2004; 2012), a midiatização pode ser desmembrada em duas, que podem andar juntas: a) Midiatização direta ou forte – práticas que eram essencialmente não mediadas agora podem interagir com um meio (exemplo: pode-se “ir ao banco” apenas baixando um aplicativo e tocando na tela do smartphone); b) Midiatização indireta ou fraca – atividades recebem influências da cultura midiática (exemplo: um restaurante de fast food oferece brindes de personagens midiáticos, tais como de super-heróis criados pelas empresas DC Comics e Marvel Entertainment). A sociedade “midiatizada” diz respeito àquela com “[…] tendência à ‘virtualização’ ou telerrealização das relações humanas, presente na articulação do 47 múltiplo funcionamento institucional e de determinadas pautas individuais de conduta com as tecnologias da comunicação” (Sodré, 2002, p. 21). Por isso, em muitos momentos os equipamentos tecnológicos e as relações interpessoais ficam em uma intersecção entre o analógico e o digital. Alguns estudiosos, como o autor da presente tese, preferem analisar que a sociedade não é “midiatizada”, mas está em midiatização, por ser um processo ainda inacabado – é corrente, dinâmico e complexo. E como apregoa Martino (2015), mídia e sociedade são indissociáveis uma da outra. Desta maneira, respira- se uma cultura em midiatização e sobrevive-se com auxílio de informações que nos rodeiam em diversos meios e veículos de comunicação, tudo ao mesmo tempo, o tempo todo. Assim não fosse, o mundo pandêmico da Covid-1933, por exemplo, teria sido de pessoas com menos poder informacional e, consequentemente, com risco ainda maior às suas existências. Mesmo aos povos mais fragilizados e em vulnerabilidade socioeconômica, é provável que em algum momento tenham contato com pelo menos uma das TDICs, tais como celular, televisão digital conectada e um local público para acesso à internet. É verdade que ainda não há um par de óculos de RV em cada lar brasileiro, mas: 160 milhões deles – igual a 86,2% dos maiores de 10 anos de idade – têm celulares (Belandi, 2023); em 72,5 milhões de domicílios – o que equivale a 92,5% do total – há acesso à internet; e em 73,9 milhões de domicílios – correspondente a 94,3% do total – há televisores (Nery, 2024). Admite-se que, com o tecnocapitalismo (Nayar, 2010), as desigualdades sociais e a exclusão digital permanecem (Pinochet, 2014), como o fato de 27 milhões de brasileiros nunca terem sequer acessado a internet (CGI, 2023; Cf. Figura 6). Elas não devem ser omitidas e a aplicação de iniciativas robustas de Tecnologias de Informação e Comunicação para o Desenvolvimento (ICT4D, em inglês) parece ser um caminho viável para que os acessos à internet e às tecnologias aumentem, e consequentemente o jornalismo consiga alcançar mais gente e públicos diversos. 33Um estrangeirismo original do inglês, Covid-19 é a sigla para a doença causada por coronavírus, descoberta em 2019. Neste caso, o coronavírus é o SARS-CoV-2 (um estrangeirismo original do inglês, SARS-CoV-2 é a sigla para o coronavírus de tipo 2 da síndrome respiratória aguda grave). 48 Figura 6 – Domicílios brasileiros com acesso à internet, de 2015 a 2022 Fonte: CGI (2023, p. 61) A mídia como um todo, não só a internet, apresenta-se com hegemonia e tem um “[…] lugar central nas experiências cotidianas” (Martino, 2015, p. 235), basta observar os assuntos discutidos – algo há décadas tratado pela Teoria do Agendamento (McCombs; Shaw, 1972) –, desde as amenidades até as conversas mais profundas e geradoras de consensos e dissensos (Rancière, 2014). Essa dependência tecnológica se manifestou duramente em 19 de julho de 2024, quando houve um apagão cibernético mundial. Uma falha de atualização no Falcon, software de segurança da informação da CrowdStrike, uma empresa dos EUA, prejudicou 8,5 milhões de máquinas que utilizam o sistema operacional Windows. Com isso, computadores ficaram off-line em vários países, o que trouxe danos socioeconômicos por causa de atrasos em voos e interrupção de serviços bancários, hospitalares e de comunicação (Nakamura, 2024). Não é exagero dizer que grande parte do que chamamos de realidade nos chega pelos meios de comunicação. […] a mídia ocupa lugar central na vida de todos. Ajuda a moldar nosso imaginário, estabelecer prioridades, decidir e descartar opções. Essa onipresença não comporta apenas um poder avassalador de formação de opiniões, de registro da história recente ou de definição de relevâncias sociais (Christofoletti, 2008, p. 10). A midiatização está intimamente entrelaçada à cibercultura – ou às ciberculturas (Nayar, 2010) –, que são as produções humanas que ocorrem em fluxo 49 contínuo no ciberespaço (Martino, 2015). “Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (Lévy, 1999, p. 17). Os elementos principais da(s) cibercultura(s) são (Jenkins, 2009; Lévy, 1996; 1998; 1999; Martino, 2015): a) Inteligência coletiva – são as competências, as ideias e os conhecimentos de qualidade produzidos pelas pessoas e que estão em constante expansão; Dessa maneira, sem perder a inteligência individual, todas as pessoas podem, potencialmente, contribuir com algum elemento para a constituição de um conjunto de saberes que, sem pertencerem especificamente a ninguém, estão à disposição de todos para serem usados e transformados (Martino, 2015, p. 31). b) Ambiente virtual, que é potencialmente ilimitado – não se trata de um espaço físico, no entanto ele é uma parte do real, porque os dados que nele trafegam são visíveis quando acessados; c) Ciberespaço – é a interconexão digital e mundial entre computadores em rede (apesar de não ser o hardware em si), que tem a capacidade de crescer “infinitamente” e tem conexões (des)feitas a todo instante; Ciberespaço: palavra de origem americana, empregada pela primeira vez pelo autor de ficção científica William Gibson, em 1984, no romance Neuromancien. […] O ciberespaço designa menos os novos suportes de informação do que os modos originais de criação, de navegação no conhecimento e de relação social por eles propiciados. Citaremos de memória, na desordem de uma lista heteróclita e não-exaustiva: o hipertexto 34 , a multimídia interativa, os videogames, a simulação, a realidade virtual, a telepresença, a realidade aumentada […] (Lévy, 1998, p. 104, grifo do autor). 34O termo hipertexto foi empregado primeiramente por Theodor Holm Nelson, na década de 1960, e três décadas mais tarde foi mais amplamente conceituado por George P. Landow (Landow, 1994). “Hipertexto é um conjunto de documentos de qualquer tipo (imagens, textos, gráficos, tabelas, videoclipes) conectados uns aos outros por links […] A existência do hipertexto proporcionou aos escritores a oportunidade de experimentar outras formas de segmentação, justaposição e encadeamento lógico. Histórias escritas em hipertexto geralmente têm mais de um ponto de entrada, muitas ramificações internas e nenhum final bem definido […] Embora o hipertexto não seja novo como formato para reflexão e organização de experiências, foi somente com o desenvolvimento dos computadores que a escrita hipertextual foi produzida em larga escala” (Murray, 2003, p. 64-65). 50 d) Comunidades virtuais (nelas há uma cultura participativa35) – baseiam- se em ética e respeito, têm regras próprias e são colaborativas. As tecnologias em si não definem quais ações humanas serão tomadas nessas comunidades. Quando as pessoas interagem entre si, em várias plataformas, e acrescentam contribuições culturais diversas, estabelece-se a cultura da convergência, que não é sinônimo das comunidades virtuais. Por esta cultura da convergência, entende-se “[…] onde as velhas e as novas mídias colidem, onde mídia corporativa e mídia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mídia e o poder do consumidor interagem de maneiras imprevisíveis” (Jenkins, 2009, p. 27). 2.2 Pessoas, grupos sociais e mediações Falar de sociedade em midiatização é inevitavelmente falar de mediações (Cf. Fluxograma 1). Afinal, um sujeito e outro se comunicam ativamente por meio de mediações, como a linguagem e as leis, e frequentemente a partir de instituições mediadoras, como a família e a escola (Sodré, 2002). Fluxograma 1 – A relação entre midiatização e mediações Fontes: produzido pelo autor (2024); adaptado de Hjarvard (2023, p. 6) 35“A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo” (Jenkins, 2009, p. 30, grifo do autor). 51 Quando uma mediação é especificamente midiática significa que há envolvimento da estruturação da percepção e da cognição (Sodré, 2002). Mediações, então, referem-se mais ao traçado que conecta em rede os pontos e linhas dispersos, diferentes e distantes que tecem um mapa para uma realidade que é verificada ou para um conceito que é mantido e gerenciado. Daí minha tenaz resistência em definir mediações, e minha aposta para ir desdobrando-as e delimitando-as à medida que os processos de comunicação, as práticas culturais e os movimentos sociais estavam se tornando próximos, impondo uma relação densa entre o mundo da produção de mídia nas indústrias culturais e os mundos do consumo, massivo, mas diferenciado, ativo e cidadão (Martín-Barbero, 2018, p. 22, grifo próprio). Entende-se que as cinco mediações envoltas no consumo televisivo também permeiam a fruição do JIP. São elas (Orozco Gómez, 2005): a) Mediação cognitiva – toda a bagagem cultural e a história de vida do indivíduo em questão entram em jogo; b) Mediação de referência – são as ligações entre o contexto de vida e as identidades da pessoa (conceito que será explicado um pouco mais adiante nesta subseção), tais como idade, classe social, gênero e etnia; c) Mediação institucional – são as grandes instituições da sociedade, como a família, a igreja e a escola; d) Mediação situacional – onde a pessoa assiste à televisão, com quem a assiste ou se está sozinho, se faz outras tarefas ao mesmo tempo; e) Mediação videotecnológica – a TV, por ser um meio audiovisual, é mais fiel à representação da realidade ao público do que outros meios. As mediações “não existiam” para a Teoria da Agulha Hipodérmica (ou da Bala Mágica), que desconsiderava aspectos políticos, culturais, psicológicos, comunitários e socioeconômicos dos receptores, e via-os como passivos e altamente manipuláveis. Estabelecida no behaviorismo e formulada no início do século XX, entre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais, preconizava que a massa seria “[…] constituída por um agregado homogêneo de indivíduos […] iguais, não distinguíveis, mesmo se provêm de ambientes diversos […]” (Wolf, 2008, p. 7). À época, os meios de comunicação levavam produções à maior quantidade de pessoas possível e pretendiam, com uma suposta onipotência, gerar opiniões imediatas e semelhantes (Straubhaar; LaRose, 2004; DeFleur; Ball-Rokeach, 1993). 52 Jesús Martín-Barbero, espanhol radicado na Colômbia e falecido em 2021, crítico da abordagem feita até então a respeito da(s) sociedade(s) de massa(s), excluiu a passividade do receptor e propôs um olhar centrado nas mediações. Introduziu a Teoria das Mediações – em 1987, no clássico livro De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura y hegemonia36. Para ele, o “[…] processo de comunicação e do meio não está nas mensagens, mas nos modos de interação que o próprio meio […] transmite ao receptor” (Martín-Barbero, 1995, p. 57). Ressignificou, inclusive, o conceito de massa, percebendo-a como um importante agregado social (Lakatos; Marconi, 2022). Desse modo massa deve deixar de significar adiante anonimato, passividade e conformismo. A cultura de massa é a primeira a possibilitar a comunicação entre os diferentes estratos da sociedade. E dado que é impossível uma sociedade que chegue a uma completa unidade cultural, então o importante é que haja circulação. E quando existiu maior circulação cultural que na sociedade de massa? Enquanto o livro manteve e até reforçou durante muito tempo a segregação cultural entre as classes, foi o jornal que começou a possibilitar o fluxo, e o cinema e o rádio que intensificaram o encontro (Martín-Barbero, 1997, p. 58-59, grifo próprio). Adentrar o JIP é seguir esse novo olhar, assim como já o fez o hiperteatro, que “[…] quer transformar a representação em presença e a passividade em atividade […]” (Rancière, 2014, p. 25). Inclusive, a RV, te