UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro JOSÉ AUGUSTO PROENÇA MAIA DEVIENNE MÉTODO DA ELETRORRESISTIVIDADE APLICADO AO ESTUDO DE CONTAMINAÇÃO DE SOLO NO CEMITÉRIO MUNICIPAL DE RIO CLARO, SP Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Física. Rio Claro, SP 2017 JOSÉ AUGUSTO PROENÇA MAIA DEVIENNE MÉTODO DA ELETRORRESISTIVIDADE APLICADO AO ESTUDO DE CONTAMINAÇÃO DE SOLO NO CEMITÉRIO MUNICIPAL DE RIO CLARO, SP Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Bacharel em Física. Comissão Examinadora Prof. Dr. César Augusto Moreira (orientador) Prof. Dr. Makoto Yoshida Ms. Lívia Portes Innocenti Helene Rio Claro 14 de novembro de 2017. ____________________________________ ____________________________________ Assinatura do aluno Assinatura do orientador Nunca ore suplicando cargas mais leves, mas sim ombros mais fortes. Philips Book. Agradecimentos Agradeço a Deus, causa maior de toda a Existência. Ante Tu, somos igualmente sábios, igualmente tolos. Obrigado por conceder-me a luz da consciência e, a cada aprendizado, permitir-me vislumbrar mais de tua grandiosidade e perfeição. Agradeço aos meus pais, Magna e Carlos, pela dádiva da vida. Muito obrigado pelos anos de dedicação, amor, paciência e companheirismo, e por estarem presentes em todos os momentos, bons e ruins, da minha breve jornada de vinte e poucos anos. Vocês foram (e são) a minha maior motivação durante esses anos de luta, alimentando-me de esperança quando, por ventura, o cansaço ou e desânimo me atingira. A vocês, meu mais sublime amor. Agradeço ao meu amado irmão, João Vitor, pela amizade, companheirismo e cumplicidade. As dificuldades nos tornaram mais unidos e apenas ressaltaram a força da nossa união. Obrigado pela paciência para com esse irmão chato. Que Deus guie seus passos e ilumine seus atos. Agradeço aos meus padrinhos, Jacqueline e Osvaldo (Tio Ney), por terem me proporcionado o mais valioso presente: boa educação. À minha amiga, companheira e sempre carinhosa Tia Monica, por todo o suporte e amor despendidos nesses anos de dedicação para com esse filho-por-tabela. Ao meu querido Tio Cláudio, pela ajuda amizade e carinho de sempre, e pela grande ajuda durante os anos iniciais de graduação. Agradeço ao Evandro, o Pery, por ter sido um divisor de águas na minha vida. Meu guia e meu tutor, seus aprendizados mudaram a minha vida. Sua importância é tão grande que até hoje não encontrei palavras que descrevam. Serei eternamente grato por tudo que fez por mim. Agradeço ao meu orientador, Prof. Dr. César Augusto Moreira, por me introduzir à bela ciência que é a Geofísica. Agradeço os ensinamentos (acadêmicos e de vida) e a paciência com que sempre me recebeu e ajudou. Agradeço ao Prof. Dr. Edson Denis Leonel por todas as sugestões e contribuições feitas ao trabalho durante a disciplina de TCC. Igualmente agradeço ao Prof. Dr. Makoto Yoshida por fazer as perguntas mais capciosas (e, consequentemente, mais edificantes) durantes minhas apresentações. Agradeço aos meus amigos de República Quintal: Eric (Foot), Gabriel (Bi), João (Soldado), Gustavo (Toca) e Lucky por compartilharem comigo tantos momentos importantes. Ao meu grande amigo Lucas (Hernandesx) por ser meu guru, teacher e, em alguns (vários) momentos, caixa eletrônico. À Anna, amiga querida, por toda a ajuda e cumplicidade nesses anos de convivência; serei sempre grato a você por tudo que fez por mim e torço imensamente para o seu sucesso. Ao Rodrigo (Treme) pela amizade forjada no ferro e fogo da Física Matemática, pela paciência com meus esquecimentos e por continuar a me acompanhar em tantas empreitadas. Agradeço ao Alan (Engenheiro) pela longa parceria e amizade. Amigos da vida e de farda, sabemos que “a fraterna convivência nos ensina o valor de uma sã camaradagem”. Ao Renan (Lesmão), pelo carinho e paciência de sempre; amigo querido e com coração maior do mundo, sempre disposto a acolher e ouvir. Ao meu grande amigo Zé Luiz, fiel parceiro de inúmeros trabalhos aos finais de semana. Te conhecer foi um feliz acaso que permitiu o surgimento de uma amizade verdadeira, livre de interesses. Sua ajuda foi essencial durante meus anos de graduação, sem ela teria sido muito mais difícil. A todos da Padaria Modelo, em especial à Patrícia Souza, pela amizade construída nesses quase três anos trabalho de convivência. Obrigado pelas risadas, danças e, principalmente, pelas trocas de aprendizado. Agradeço a Maíra, surpresa mais que boa que a vida me deu de presente, cruzando nossos caminhos por acaso. Obrigado pelo carinho, conversas, conselhos e revisões de texto. De um jeito quase despretensioso, sua importância foi tomando forma em minha vida, querida doutoranda. Por fim, me vejo como grande felizardo por ter tantas pessoas a agradecer. Possivelmente a memória falha em lembrar de tanta gente importante; mas deixo esse humilde agradecimento a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para esse trabalho. Resumo Necrochorume é um fluido gerado pelo processo de decomposição de corpos em cemitérios. Este efluente líquido, rico em elementos inorgânicos e patogênicos, é a principal causa de poluição relacionada à presença de cemitérios em regiões urbanas, com impactos significativos na qualidade dos solos e águas subterrâneas. No Brasil, os cemitérios, em sua grande maioria, estão inseridos na malha urbana, fato esse decorrente da histórica falta de planejamento de uso e ocupação do espaço. Desde 2003, o CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente, exige a obrigatoriedade do licenciamento ambiental de cemitérios de acordo com a Resolução no 335 de 3 de abril de 2003. O necrochorume contém compostos nitrogenados, metais pesados, além de colônias de vírus e bactérias em sua composição; sua alta concentração de sais minerais dissolvidos, quando em contato com o meio geológico, alteram significativamente algumas de suas propriedades físicas, como é o caso da resistividade. Neste contexto, a geofísica representa um importante meio de investigação, em especial o método da eletrorresistividade, pois permite extrair informações sobre o meio subsuperficial e comportamento do poluente de maneira indireta e não invasiva. No presente estudo, esse método foi utilizado para avaliar e detectar plumas de contaminação no cemitério municipal de Rio Claro, SP, onde os valores de resistividade anômala foram associados à presença do contaminanete, o necrochorume. Os objetivos são: avaliar e discutir os dados de contaminação de solo adquiridos pelo método da eletrorresistividade, buscando compreender os fenômenos físicos inerentes à metodologia, as formas de aquisição, representação e interpretação dos dados geofísicos. Palavras-chave: geofísica, contaminação de solo, eletrorresistividade, cemitério, nerochorume. Abstract Leachate is an effluent generated by the process of decomposing bodies in cemeteries. This liquid effluent - rich in inorganic and pathogenic elements - is the main cause of pollution, with significant impacts on the soils and groundwater quality. In Brazil, the vast majority of cemeteries are located inside the urban perimeter, due to the historical lack of planning on land use and occupation. Since 2003, CONAMA - National Environment Council requires a compulsory environmental licensing for cemeteries, in accordance with the Resolution no 335 April 3, 2003. The necrochorume contains nitrogenous compounds, heavy metals and colonies of viruses and bacteria in it’s composition. Its high concentration of dissolved mineral salts, in contact with the geological environment, significantly alter its physical properties. In this context, geophysics represents an important mean of investigation, especially the electrioresistivity methods, that allows extracting information on the subsurface environment and the pollutant’s behavior in an indirect and noninvasive way. In this study, this method was used to detect contamination plumes in Rio Claro cemetery, where anomalous values of resistivity were associated with the presence of contamination – leachate. The present proposition aims to perform an investigation on soil contamination by using the electroresistivity method, in order to understand the physical phenomena inherent to the metodology, aquisition and interpretation of the geophysical data. Key-words: geophysics, soil contamination, electrorresistivity, cemetery, leachate. Sumário 1 INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------------1 1.1 Objetivos.........................................................................................................................2 2 ÁREA DE ESTUDO----------------------------------------------------------------------------------3 2.1 Análise histórica............................................................................................................3 2.2 Contexto geológico e pedológico...................................................................................4 2.3 Contexto hidrogeológico...............................................................................................4 3 REVISÃO TEÓRICA--------------------------------------------------------------------------------6 3.1 Conceitos de hidrogeologia e aquíferos.......................................................................6 3.1.1 Condutividade hidráulica, porosidade e a lei de Darcy.....................................7 3.1.2 Movimento de águas subterrâneas.......................................................................8 3.2 Contaminação por necrochorume...............................................................................9 3.3 Métodos geofísicos.......................................................................................................13 3.3.1 Breve revisão de eletrodinâmica clássica...........................................................13 3.3.2 Ensaios geofísicos.................................................................................................16 3.3.3 Técnica de plotagem dos dados..........................................................................20 3.3.4 Profundidade de investigação.............................................................................20 3.3.5 Inversão geofísica.................................................................................................22 3.3.6 Métodos de inversão e tratamento estatístico...................................................23 4 AQUISIÇÃO DE DADOS-------------------------------------------------------------------------26 4.1 Imageamento elétrico..................................................................................................26 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES----------------------------------------------------------------28 5.1 Mapa potenciométrico................................................................................................28 5.2 Dados de Inversão Geofísica.......................................................................................29 6 CONCLUSÕES--------------------------------------------------------------------------------------37 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS----------------------------------------------------------39 1 INTRODUÇÃO A localização de cemitérios ocorre em grande parte, no Brasil, próximos a áreas urbanas. Com o crescimento acelerado das cidades é comum encontrar cemitérios totalmente integrados à malha urbana, até mesmo em suas áreas mais centrais, o que representa um potencial risco ambiental e de saúde pública devido à posição contaminação de solo e água subterrânea [1]. Casos de febre tifoide em Berlim, no século XIX, e em Paris, em 1970, são exemplos históricos de epidemias geradas em decorrência da proximidade entre cemitérios e centros urbanos [2]. A preservação desses locais geralmente é deficitária e a ocupação do seu entorno, não planejada, pode gerar ocupações irregulares de famílias de baixa renda, que acabam por vezes utilizando a água local. Diante dessa problemática socioambiental, a World Health Organization (WHO), em 1998, demonstrou preocupação com os impactos que os cemitérios podem causar ao meio ambiente, ressaltando que fatores hidrogeológicos foram historicamente desconsiderados em sua localização, enfatizando a necessidade de mais pesquisas a respeito do assunto [1]. A principal causa de contaminação devido a cemitério é a geração e percolação de necrochorume para o solo e água subterrânea. A ausência de políticas ambientais e cuidados sanitários na gerência e instalação dos cemitérios aumenta o risco de impacto [3]; no Brasil, as instalações são, em grande parte, irregulares do ponto de vista geológico, com a maioria dos casos de contaminação nos cemitérios municipais [4]. No município de São Paulo existem 16 cemitérios particulares e 23 públicos. Destes, 75% apresentam algum tipo de problema ambiental ou sanitário [3,4]. Métodos geoelétricos são utilizados para identificação de plumas de contaminação no Brasil e no mundo. Muitos trabalhos concluíram que alguns poluentes são identificáveis por meio do método supracitado devido ao contraste condutivo criado quando em meio geológico, consequência da alta concentração de sólidos totais dissolvidos (STD) presentes em sua composição química. A aplicação desses métodos em estudos dessa natureza apresenta diversas vantagens, principalmente pela característica investigativa indireta e não invasiva, e constitui uma boa ferramenta para utilização em cemitérios, sem riscos para construções presentes como jazigos, lápides, mausoléus, dentre outros. 1.1 Objetivos A presente proposta tem por objetivo realizar um estudo sobre contaminação de solo a partir de do uso do método da eletrorresistividade, buscando compreender os fenômenos físicos inerentes à metodologia, as formas aquisição, representação e interpretação dos dados geofísicos. 2 ÁREA DE ESTUDO 2.1 Análise histórica A área de estudos está localizada no município de Rio Claro, situado na porção centro- leste do estado de São Paulo, distante cerca de 170 km da cidade de São Paulo. As principais rodovias que dão acesso à área são a rodovia Washington Luiz e o sistema Anhanguera -Bandeirantes. No último censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010, o município de Rio Claro possuía 186.253 habitantes (com estimativa de 201.473 para o ano de 2016) e área territorial de 498.422 km2, resultando em uma densidade demográfica de 373,69 hab/ km². Dos três cemitérios da cidade, o São João Batista (Figura 1), localizado na avenida da Saudade, bairro Consolação, é o mais antigo. Datando de 142 anos sua fundação, abrange uma área total de 80.000 m² e, embora sua capacidade esteja esgotada, o cemitério ainda recebe sepultamentos em jazigos familiares [1]. Por volta de 1850, a vila de Rio Claro passava por grande desenvolvimento, sobretudo no setor agrícola. Em 30 de abril de 1857 foi decretada a lei que promovia à cidade a Vila de Rio Claro. O crescimento foi naturalmente acompanhado pelo aumento da população; o cemitério local, primeiramente instalado na região central do município, já não mais comportava a demanda de sepultamentos que surge como consequência do aumento populacional. A necessidade de mudança do cemitério levou, em 1873, a câmara dos vereadores a votar a favor da contração de um empréstimo para promover a realocação para o atual endereço. Figura 1: Entrada principal do cemitério São João Batista. Fonte: Acervo pessoal. No final do século XIX, anterior a mudança do cemitério, Rio Claro foi atingida por uma grande epidemia de varíola e hanseníase, o que acarretou em número bastante elevado de mortos. Aos que morriam dessas doenças ou de qualquer outro infortúnio, o destino de sepultamento era o mesmo. Após a mudança do cemitério para o local atual, a área onde estava instalado foi destinada a criação de um grupo escolar onde hoje se encontra a escola Cel. Joaquim Salles. Concomitante a fundação do novo colégio, vários novos casos de varíola surgiram na cidade, fato que causou a apreensão na população, que os atribuiu à contaminação das terras onde haviam sido sepultados os variólicos há mais de 25 anos. Dessa forma, surgiram suspeitas no município de que cadáveres podem se tornar agentes contaminadores quando se trata de sua deposição em regiões inseridas em meio urbano [1]. 2.2 Contexto geológico e pedológico O município de Rio Claro está localizado, em termos geológicos, na porção nordeste da bacia sedimentar do Paraná, representada por rochas sedimentares e vulcânicas das eras Paleozóica, Mesozóica e Cenozóica. Em termos regionais, Rio Claro está situado sobre Formação Rio Claro, constituída predominantemente por sitílitos intercalados com camadas de arenitos finos e leitos de calcário [5]. São características importantes da Formação: fraca litificação (i.e., os sedimentos que formam o solo são pouco compactados), o que induz a formação de um espesso solo arenoso; domínio de litotipos arenosos, esbranquiçados, amarelados e avermelhados, variando de areia fina a grossa, com intercalação de camadas de conglomerados e de sedimentos argilosos. No contexto regional, há predominância de solo arenoso, bem drenados, com lixiviação (processo físico de intemperismo que causa acidez nos solos) e infiltração grandes, pobres em matéria orgânica e pouco adequados para a agricultura [6]. 2.3 Contexto hidrogeológico O município de Rio Claro está localizado no domínio hidrogeológico das bacias sedimentares - subdomínio bacia do Paraná [5,7]. A bacia do Paraná está situada na porção meridional do território brasileiro, com área de aproximadamente 1.1 milhão de m², e compreende alguns aquíferos de grande importância econômica como, por exemplo, os aquíferos Guarani, Bauru, Itararé e Serra Geral. O contexto hidrológico do Município de Rio Claro é representado por dois sistemas principais de águas subterrâneas. O primeiro consiste em um aquífero livre, constituído pelos materiais pouco consolidados da Formação Rio Claro. O segundo sistema é composto por sedimentos do grupo Tubarão, mais especificamente da Formação Tatuí e do grupo Itararé. Os sedimentos do grupo Itararé constituem um aquífero confinado, com profundidades que variam em torno de 200 m. Os arenitos da Formação Rio Claro, intercalados com finas camadas argilosas, constituem um aquífero raso pouco espesso (aproximadamente 30 m), com suas características hidráulicas diretamente subordinadas às condições pluviométricas na zona de recarga [5]. O Aquífero Rio Claro atende de maneira satisfatória à demanda atual, mas um incremento muito elevado na exploração deste, no entanto, pode gerar problemas no suprimento de água. Por este motivo, faz-se necessária a realização de estudos mais detalhados do aquífero visando a gestão mais consciente desse recurso [5]. 3 REVISÃO TEÓRICA 3.1 Conceitos de hidrogeologia e aquíferos A hidrogeologia estuda a ocorrência, distribuição e movimento das águas na crosta da Terra, bem como suas interações com a geologia local. De forma abrangente, é a ciência que compreende o estudo dos fenômenos dinâmicos e de transporte, bem como a forma como o meio geológico influi e é influenciado pelos cursos d'água. As características encontradas nas águas variam de acordo com a litologia local, que interfere efetivamente na maneira de exploração e consumo esse recurso [8,9]. Por definição, aquíferos consistem em uma porção de rocha ou material geológico, confinado entre camadas de rochas impermeáveis ou livre, cuja permeabilidade local é tal que permite o acúmulo de água; geralmente são exploráveis do ponto de vista econômico, onde a extração pode ser feita com a instalação de poços. Os aquíferos livres, como a própria definição sugere, são aqueles cujo limite superior é a superfície de saturação ou freático na qual todos os pontos se encontram à pressão atmosférica. Já os aquíferos confinados, que são encontrados nas camadas subsuperficiais, estão sob ação de uma sobrecarga de pressão devido às rochas confinantes, resultando em uma pressão total exercida que excede a pressão atmosférica e permite a extração de água, por poços, devido ao gradiente hidrodinâmico estabelecido - Figura (2) [8]. O movimento das águas subterrâneas pode ocorrer por entre os poros primários, característicos do cenário geológico local, ou nas fissuras e cavidades de dissolução, desenvolvidas após a gênese da rocha, considerados poros secundários [10]. Figura 2: Aquíferos livres e confinados [8]. A nível microscópico, o movimento dos fluidos nos meios porosos pode ser muito complexo devido às irregularidades dos poros e canalitos pelos quais ocorre o escoamento. Henry Darcy, no século XIX, constatou a relação entre o fluxo de água que atravessa uma camada de areia e o gradiente hidrodinâmico, dando origem ao conceito de condutividade hidráulica como sendo uma característica macroscópica do meio. Dessa forma, Darcy sistematizou o estudo da dinâmica de fluidos em camadas porosas, o que permitiu aplicar conceitos de hidrodinâmica nesse novo ramo de investigação, estabelecendo leis de caráter macroscópico que tratam o meio como um contínuo dotado de propriedades médias bem definidas (Figura 3). Essencialmente, dois parâmetros desempenham fundamental papel no estudo de águas subterrâneas: condutividade hidráulica e porosidade [9, 10]. 3.1.1 Condutividade hidráulica, porosidade e a lei de Darcy As propriedades hidráulicas de rochas e solos está diretamente relacionada com a forma como fluidos percolam por meio de espaços intergranulares e fissuras [9]. Por meio de um estudo empírico, Henry Darcy, em 1856, desenvolveu um aparato experimental para estudar o movimento de fluidos em camadas homogêneas de materiais porosos. Darcy constatou que a vazão de escoamento, Q, é diretamente proporcional a área de seção reta A de material por onde o fluido escoa, a diferença de carga hidráulica (ou diferença de níveis de água), Δh; e inversamente proporcional ao comprimento L da coluna de material. Combinando essas observações, a proporcionalidade é corrigida por meio da constante K conhecida como condutividade hidráulica – equação (1). Q=K A (h1−h2) L =K A Δh L (1) Figura 3: Visão macroscópica (Darciana) do escoamento de fluido em camadas porosas em contrate com o comportamento (real) microscópico de condução. Fonte: Adaptado de Fetter (2001). A equação (1) é a representação matemática da lei de Darcy, Em termos gerais, essa lei pode ser reescrita como indicado na equação (2), Q=−K A dh dl (2) com o sinal negativo ressaltando o fato de que a velocidade das partículas tem sentido contrário ao gradiente de hidráulico dh/dl. A condutividade hidráulica ou coeficiente de permeabilidade, K, consiste em uma grandeza escalar que compreende características do meio tal como porosidade, tamanho, forma e distribuição das partículas, como também do fluido escoante, como viscosidade e densidade [10]. 3.1.2 Movimento de águas subterrâneas A movimentação de águas subterrâneas é, em termos físicos, consequência de um gradiente de energia estabelecido. A energia mecânica total de um líquido em movimento apresenta três parcelas: a energia cinética, associado ao estado de movimento do fluido, a energia potencial, associada ao estado configuracional do sistema, e a energia de pressão, definida pela pressão exercida por unidade de volume do fluido. Matematicamente é dada pela equação (3). Em= 1 2 m v ²+m g z+P V (3) Normalmente a grandeza envolvida nesses estudos é energia por unidade de massa. Dividindo ambos os lados da equação (3) pela massa do fluido, é obtida a equação (4), Em m = 1 2 v ²+g z+ P ρ (4) onde ρ representa a massa específica do fluido, em kg/m³ no SI. Em se tratando de escoamentos laminares, as velocidades são da ordem de centímetros por dia, o que torna o termo relacionado a energia cinética desprezível na expressão acima. Levando esse fato em consideração e adotando Em/m como sendo um potencial hidráulico, é obtida a equação (5). ϕ=gz+ P ρ (5) O potencial hidráulico pode ser definido como sendo uma quantidade física, capaz de ser medida em cada ponto do escoamento, cujas propriedades são tais que o escoamento sempre ocorre dos pontos de maior potencial para os pontos com menos potencial, independente da direção do fluxo [11]. Em termos da carga hidráulica h - equação (6), definida como a soma da carga de elevação do nível superficial z e da carga de pressão P/ρg, h=z+ P ρg (6) o potencial hidráulico pode ser reescrito como indicado na equação (7). ϕ=g h (7) Como g é razoavelmente constante na superfície terrestre, Φ e h são correlacionáveis e a carga hidráulica pode ser considerada um potencial do ponto de vista físico. Medidas de carga hidráulica, geralmente feitas a partir de piezômetros, permitem a determinação das direções de fluxo de água subterrânea. A partir da coleta dos níveis observados em cada piezômetro, é possível confeccionar um mapa potenciométrico com curvas de níveis que estabelecem os pontos de mesma carga hidráulica, perpendiculares às linhas de fluxo. Outra maneira de obter um mapa potenciométrico das águas subsuperficiais é por meio da utilização de métodos geofísicos, em especial o da eletrorresistividade. Esse artifício permite inferir de modo indireto o comportamento e valores altimétricos dos volumes de águas subterrâneas. Neste trabalho, a análise do mapa potenciométrico e dos níveis altimétricos da área de estudo, aliados ao levantamento de dados de tomografia elétrica, permitirá avaliar se há percolação de necrochorume em direção ao nível d’água subterrânea e eventual contaminação do mesmo. 3.2 Contaminação por necrochorume O termo necrochorume é em um neologismo criado pela união do prefixo necro, associado a origem do poluente que são os corpos sepultados, e chorume, denominação dada ao resíduo líquido de decomposição de matéria orgânica, geralmente encontrada em lixos domésticos dispostos em aterros sanitários [12]. Quando em estado de putrefação, que é a destruição dos tecidos do corpo por ação das bactérias e enzimas, o resultado é a dissolução gradual dos tecidos em gases, líquidos e sais. Os gases produzidos são H2S (sulfeto de hidrogênio ou ácido sulfídrico quando dissolvido em água), CH4 (gás metano), NH3 (amônia), CO2 (gás carbônico) e H2 (gás hidrogênio) [13], e o forte odor é causado por alguns destes gases e por pequena quantidade de mercaptana, substância que contém sulfeto de hidrogênio ligado a carbono saturado [14]. A taxa de produção de necrochorume por peso é de 0,6 l/kg [15]. Esse líquido viscoso, de densidade média em torno de 1.23 g/cm³, é rico em sais minerais e substâncias orgânicas degradáveis, de coloração castanho-acinzentada, polimerizável, de cheiro acre forte e com grau variado de patogenicidade [15,4]. O necrochorume apresenta toxidade elevada em decorrência da possível presença de agentes patogênicos, vírus e bactérias em sua composição. Entretanto, a influência desse fluido sobre as águas subterrâneas depende especialmente se os tipos de solo e de terreno permitem o seu acúmulo [16]. Os patógenos, em sua grande maioria, são seres anaeróbicos, que desempenham suas atividades vitais na ausência de oxigênio. Essa aversão natural ao oxigênio, bastante presente na zona insaturada do solo (Figura 4), atua como fator atenuante de proliferação dos patógenos. Porém, a água subterrânea presente na zona saturada é pobre em oxigênio dissolvido, o que favorece a sobrevivência dos mesmos. Portanto, os microorganismos provenientes da decomposição podem, consequentemente, contaminar o lençol freático e mesmo aquíferos confinados caso haja percolação do poluente para os níveis mais profundos do subsolo. Além da alta aeração, a baixa alcalinidade, alta porosidade e grande quantidade de grãos na zona não-saturada criam condições para interceptação, adsorção e eliminação dos agentes patogênicos [12]. Porém, quando essas condições não são favoráveis, há uma diminuição da eficiência biodegradante contra os vírus e bactérias presentes no contaminante [17]. Figura 4: Representação das zonas saturada e insaturada do meio geológico. Fonte: Adaptado de [11]. Na Figura 5 pode ser visto um foco de extravasamento de necrochorume no cemitério municipal de Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da cidade de São Paulo [15]. Isso ocorre em decorrência da elevação do nível do lençol freático em períodos de chuvas intensas, submergindo assim as sepulturas com o contaminante. Nos períodos de alta pluviosidade, o escoamento das chuvas pode inundar os túmulos mais vulneráveis e, após a lavagem da área do cemitério, estas águas são lançadas na rede pluvial urbana e canalizadas para os corpos de água existentes na região, contaminando-os com produtos oriundos do interior de cemitérios. As Figuras 8 e 9 mostram focos de extravasamento de necrochorume dos túmulos no cemitério São João Batista, em Rio Claro. Figura 5: Extravasamento de necrochorume no cemitério Vila Nova Cachoeirinha, São Paulo [13]. Os processos de contaminação do subsolo somente se instalam num dado local se houver condições de vulnerabilidade no meio físico. Essa fragilidade é consequência de fatores como características geológicas e hidrogeológicas do meio local. Portanto, a implantação de cemitérios em lugares inapropriados pode levar a uma alteração nas Figura 7: Extravasamento de necrochorume no cemitério municipal de Rio Claro, registado em 2016. Os sepultamentos contínuos no cemitério atuam como fontes recorrentes de contaminação. Acervo pessoal. Figura 6: Extravasamento de necrochorume no cemitério municipal de Rio Claro, registrado em 2014. [1]. características fisicoquímicas e bacteriológica das águas, possivelmente acarretando em problemas ambientais e de saúde pública [15]. 3.3 Métodos geofísicos A geofísica é definida como a ciência que estuda estruturas localizadas no interior da Terra, que representam corpos delimitados pelos contrastes de algumas de suas propriedades físicas com as do meio circundante, e que, para tanto, utiliza-se de medidas tomadas na sua superfície, interior de sondagens, e levantamentos aéreos [19]. Os métodos geofísicos elétricos são baseados no uso de uma fonte artificial, que é responsável por injetar corrente no solo por meio de eletrodos metálicos ou longas linhas de contato, sendo essa última raramente utilizada nos dias atuais. A diferença de potencial estabelecida em resposta a essa injeção pode ser medida por outros dois eletrodos acoplados a um voltímetro [20]. Pelas leis que regem a eletrodinâmica clássica, esse conjunto permite extrair informações como resistividade efetiva ou aparente do meio subsuperficial local [21]. 3.3.1 Breve revisão de eletrodinâmica clássica A configuração de cargas num material apresenta a tendência natural a manter estabilidade eletrostática. Esse equilíbrio só é interrompido na presença que um agente externo, responsável por exercer algum tipo de influência no material. Os aparelhos que são capazes de realizar esse tipo de trabalho são conhecidos como fontes de força eletromotriz (fem) [22]. Por definição, o trabalho elétrico W efetuado no deslocamento de cargas é realizado às custas de uma variação contrária de energia potencial interna – ΔU, equação (8). W=−ΔU (8) Como consequência do caráter conservativo da força elétrica, o trabalho realizado pela mesma independe da trajetória. Esse resultado é consequência da integração direta da equação (8), considerando a energia associada às cargas Q e q, em ri e rf, respectivamente. Incluindo o infinito como sendo o ponto em que o potencial se anula, i.e., ri→ ∞, a expressão para a energia associada a um sistema de duas cargas pontuais separa por uma distância r pode ser expressa por. U= Qq 4 πε0 1 r (9) Para o caso generalizado em que há uma distribuição de cargas, a expressão da energia é reescrita como mostra a equação (10), considerando a contribuição de cada incremento de carga da distribuição atuando sobre q, U= q 4 πε0 ∫ V ρ(r ') |r−r'| dV (10) e aplicando a seguinte identidade vetorial – equação (11), ∇[ 1 |r−r '|]=− (r−r ') |r−r '|3 (11) é possível obter uma expressão para o gradiente da energia potencial associado à força F – equação (12). F=−∇ U (12) De posso de conceito de energia potencial elétrica, é possível definir o potencial elétrico como sendo a grandeza dada pela razão da energia potencial Ui de um sistema de cargas Qi, e a carga de prova q – equação (13). V=lim q→ 0 U q (13) De modo geral, a energia e o potencial elétrico podem ser relacionados como mostra a equação (14). U=q V (14) Uma importante consequência da equação (14) é obtida quando ambos os lados são divididos pela carga de prova q (no limite em que q→0), obtendo uma relação direta do campo E com o potencial V – equação (15). E=−∇ V (15) Retomando a discussão inicial sobre fontes de fem, é possível agora definir esses equipamentos como sendo os agentes que realizam trabalho sobre as cargas de um material, de modo a aumentar a energia potencial elétrica das mesmas. Força eletromotriz tem a mesma unidade de potencial elétrico, o volt, e, em uma fonte ideal, seu valor é numericamente igual à diferença de potencial [22]. Quando fios são conectados nas fontes de fem, é estabelecido um campo elétrico no material com mesma direção do campo no interior da fonte (do ânodo para o cátodo). Esse campo produzirá uma força elétrica que atuará sobre as cargas do meio, movimentando-as. Esse fluxo ordenado de cargas é chamado de corrente elétrica. Por definição, corrente é dada pela razão entre o número de cargas por unidade de tempo, que na forma diferencial é escrita como indicado na equação (16). i= dq dt (16) A aplicação de uma diferença de potencial, portanto, induz o surgimento de corrente elétrica. A forma como a corrente flui por entre os materiais varia de acordo com as características físicas do meio. De maneira geral, a corrente induzida é proporcional a tensão aplicada. A constante de proporcionalidade Ψ é chamada de condutância, e denota a facilidade de um material em permitir o fluxo de corrente (i.e., quanto maior a condutância, maior a corrente que circula) – equação (17). i=Ψ V (17) A unidade de condutância é o siemens (A/V). Já sua recíproca, a resistência R, remete a dificuldade dos materiais em permite a condução elétrica e tem por unidade o ohm (Ω). Em termos de R, a equação (17) é reescrita como mostra a equação (18). V=R i (18) A condutância e resistência são propriedades macroscópicas que têm dependência da geometria do objeto condutor. De forma geral, a condutância cresce proporcionalmente a área de seção reta do material e decresce com o aumento do comprimento; a constante de correção é a condutividade elétrica, s, uma propriedade intrínseca ao meio – equação (19). Ψ=s A L (19) Por definição, a resistência, recíproca da condutância é dada como mostra a equação (20), R= 1 s l A =ρ l A (20) com ρ representando a resistividade, também característica de cada material. Outro conceito importante é o de densidade de corrente J. Por definição – equação (21), J representa a razão de corrente transmitida por unidade de área. J= i A (21) A densidade de corrente está relacionada com o campo elétrico E pela lei de Ohm – equação (22), J=s E (22) escrita na forma vetorial por tratar o campo elétrico como vetorial, o que impõe a J o mesmo caráter. Essa grandeza ainda pode ser representada de outra forma – equação (23), quando considerado um incremento de corrente di que atravessa a seção de área A, com n sendo o versor normal à superfície. di=J .n dA . (23) A corrente total que atravessa a área será dada pela integral dos incrementos de corrente – equação (24). i=∫ A di=∫ A J .n dA (24) Se A for uma superfície fechada que delimita um determinado volume V, a integração é reescrita como indicado na equação (25). i=∮ J .n dA (25) Do teorema do divergente – equação (26) i=∮ A J .n dA=∫ V ∇ .J dV (26) Retomando a definição diferencial de corrente – equação (19) e relacionando com a equação (29), é obtida a equação da continuidade – equação (27). dρ dt +∇ . J=0 (27) Essa equação traz uma forte implicação física: dado um volume V, delimitado por uma superfície A, quando cargas saírem de dentro do volume, ∂ρ/∂t < 0. Essa densidade de corrente escoante forma um fluxo positivo através da superfície A, implicando que ∇. J > 0. A soma desses dois fatores deve sempre se anular, de modo que seja respeitado o princípio de conservação de cargas [22]. Além da equação da continuidade, os campos e correntes estacionários devem respeitar à condições de contorno na interface entre dois condutores distintos, dadas pelas equações (28) e (29). J1 .n2=J2.n2 (28) Et 1=E t2 (29) 3.3.2 Ensaios geofísicos Devido a não homogeneidade da geologia terrestre, o valor da resistividade elétrica medida em cada ponto do solo pode variar, tanto lateralmente quanto em profundidade. Adicionalmente, os valores de resistividade obtidos em superfície dependem também do arranjo geofísico utilizado. A resistividade aparente não configura uma propriedade física do meio, mas sim o efeito integrado do semi-espaço sobre o qual a medida é feita, não podendo ser considerada como a média das resistividades real da subsuperfície [20]. Porém, esse conceito de resistividade aparente é muito útil em aplicações práticas do método, pois é um parâmetro que pode apresentar variações ao longo de uma seção, servindo de diagnóstico da presença de heterogeneidades elétricas resistivas ou condutivas [23]. Partindo dessas premissas, o método da eletrorresistividade busca estabelecer contrastes de resistividade aparente no subsolo a partir de indução de correntes e posteriores leituras de diferenças de potencial. Na Figura 8 está ilustrado um eletrodo pontual isolado. Essa simplificação é importante pois, a partir da generalização da solução desse caso, é possível estabelecer equações gerais para o método geofísico real, que é um caso generalizado para quatro eletrodos, dois responsáveis pela indução de corrente (AB) e dois para medidas de potencial em superfície (MN), simétricos a um ponto central O - Figura 9. Figura 8: Um eletrodo pontual gerador de potencial no subsolo. Fonte: Telford (1999) Figura 9: Arranjo típico utilizado em um ensaio geofísico. Nesse caso é considerado um meio homogêneo, de modo que não há distorções das linhas de corrente (em vermelho) e potenciais (azuis). Fonte: adaptado de Figuerola (1973). Em ambas as imagens, são considerados dois meios: o subsuperficial, como sendo homogêneo, e o acima da superfície, de condutividade nula. O campo elétrico induzido pela presença do eletrodo se relaciona com a densidade de corrente a partir da lei de Ohm – equação (22). Esse campo também está associado ao gradiente de um potencial V – equação (15). Em se tratando de um sistema de corrente contínua, o regime é dito estacionário, de modo que a densidade espacial de carga seja nula, o que implica que a equação (27) seja reescrita como ∇ .J=0 (30) De posse dos resultados estabelecidos pelas equações (15), (22) e (30), o potencial gerado pela presença do eletrodo pontual pode ser descrito como indicado na equação (31), ∇ .J=∇ .(sE)=−∇ .(s ∇ V)=0 ∇ 2 V=0 (31) que é a equação de Laplace. Em coordenadas esféricas, o problema apresenta dependência apenas na componente radial, de modo que a solução é dada pela equação (32). V=−α r +β (32) Uma condição de contorno imposta ao problema é que o potencial elétrico deva se anular no infinito, i.e., quando r→∞, V→ 0. Isso implica que β = 0. A corrente induzida I pelo eletrodo, como indicado na equação (24), pode ser obtida por meio de uma integração, o que leva ao resultado mostrado na equação (33). I=∫ C J . n̂ dA=−∫ C s dV dr dA=−2 π sα (33) Com isso, o potencial de um eletrodo pontual fica expresso como mostra a equação (34). V1= Iρ 2π 1 r1 (34) De modo geral, os ensaios geofísicos empregam dois eletrodos responsáveis por induzirem o surgimento de linhas de campo no subsolo, e dois responsáveis pelas leituras de potencial. Portando, o raciocínio discutido acima pode ser generalizado para o caso real, em que são utilizados dois pares eletrodos, indicado pela equação (35). Δ V= Iρ 2 π [( 1 r 1 − 1 r2)−( 1 r3 − 1 r 4)] (35) Por fim, é possível obter uma expressão para a resistividade aparente do meio como mostrado na equação (36). ρa=k ΔV I . (36) No arranjo Schlumberger, utilizado no presente estudo, os eletrodos AB e MN são dispostos simetricamente com relação a um ponto central O (Figura 9). Os eletrodos AB são afastados gradualmente, de modo a satisfazer a relação MN ≤ AB/5. Considerando as distâncias l = OM = ON e L = OA = OB, o fator geométrico k é dado pela equação (37). k=2π[( 1 L−l − 1 L+l )−( 1 L+l − 1 L−l )] −1 =π 2 [ L2 −l 2 l ] . (37) A abertura progressiva dos eletrodos permite investigações em maiores profundidade, enquanto o translado do conjunto, geralmente sobre uma mesma linha, permite avaliar variações laterais de resistividade. A combinação de técnicas laterais e verticais de investigação, geralmente chamado de caminhamento elétrico, é em essência o que se realiza em uma aquisição de dados eletrorresistivos. 3.3.3 Técnica de plotagem dos dados Uma forma de representar os dados obtidos em campo é por meio das pseudo-seções de resistividade aparente. A pseudo-seção representa um modo eficiente de visualização dos dados, possibilitando, em boa parte das vezes, interpretações qualitativas que podem ser de grande utilidade [20]. O termo pseudo faz alusão ao fato de essa forma de representação de dados não deve ser considerada como uma correspondência fidedigna do cenário subsuperficial, mas sim úteis em detecções de anomalias condutivas [20, 21]. Os valores de resistividade aparente medidos em campo, quando expostos sob a forma de pseudo-seções, são associados a uma suposta profundidade teórica de investigação, indicada pelo parâmetro n. Esse parâmetro é definido como sendo o ponto no subsolo cuja profundidade é igual à metade do valor de abertura dos eletrodos de corrente (i.e., z = AM/ 2). - Figura 10. Portanto, n não apresenta correspondência direta com uma profundidade efetiva de investigação, mas sim uma representação qualitativa das variações verticais de resistividade [24]. 3.3.4 Profundidade de investigação O conceito de profundidade de investigação é de grande importância no uso de métodos geofísicos em geral. No âmbito do método da eletrorresistividade, esforços são empregados para estabelecer relações que, de fato, correspondam a uma realidade física, entre o espaçamento dos eletrodos na superfície e determinada profundidade efetiva de investigação [20, 23]. Profundidade de investigação foi inicialmente interpretada como sendo a profundidade na qual uma fina camada horizontal de terreno contribui com o máximo para a totalidade do sinal medido em superfície [25]. Calculando em laboratório a contribuição de uma fina camada plano-horizontal para o sinal total e plotando os valores obtidos em função das correspondentes profundidades de cada uma das camadas, variando a abertura dos eletrodos de injeção de corrente, os resultados foram denominados de curvas de profundidade característica de investigação (depth of investigation characteristic curve, DIC). Normalizando, obtém-se as curvas de investigação característica normalizadas (nomalized depth of investigation characteristic curve, NDIC). As curvas iniciam com valor zero na superfície, atingem um máximo e depois novamente tendem a zero para grandes profundidades. Esse comportamento permite a definição da profundidade de investigação para um determinado arranjo, sendo aquela onde a curva NDIC apresenta um máximo [25]. A Figura 11 ilustra as NDIC propostas pelos autores Figura 10: Pseudo-seção de resistividade aparente. O eixo vertical indica a profundidade teórica de investigação, relacionada com a abertura dos eletrodos de corrente. Fonte: Gandolfo (2007). para os arranjos Wenner, Schlumberger e Dipolo-Dipolo, com o eixo vertical representando a abertura L dos eletrodos de corrente e o eixo horizontal, a profundidade investigação [26]. Outra maneira estabelecer profundidades de investigação é por meio da equação (38), empírica, cuja solução permite inferir uma profundidade efetiva ze, com valores concordantes com os apresentados nas NDIC [27]. n (n+1)(n+2) .[(n2+u)−1 /2−2 [(n+1)2+u ]−1/2+[(n+2)2+u]−1/2]=1 , (38) u=4.(Ze a ) . (39) O termo a está relacionado com a abertura dos eletrodos de potencial e n a um nível de investigação (ou seja, a uma certa abertura dos eletrodos de corrente). Para um dado nível n, a solução da equação (38) fornece um valor para u. Esse valor, quando inserido na equação (39), permite inferir sobre uma profundidade efetiva ze. 3.3.5 Inversão geofísica A inversão geofísica pode ser definida como sendo o processo matemático que determina um modelo idealizado da subsuperfície com base no conjunto finito de dados coletados, cuja resposta esteja em concordância com os valores medidos. Para isso, a inversão Figura 11: Curvas NDIC para os arranjos Wenner, Schlumberger e Dipolo-Dipolo. Fonte: Silva (2014). admite três conceitos fundamentais: modelo, parâmetros do modelo e resposta associada ao modelo [24]. O modelo é essencialmente uma abstração matemática para o contexto subsuperficial que decorre dos processos físicos envolvidos. Expressa distribuições de propriedades físicas do meio e visa, dentro do possível, concordar com os dados observados. As equações, por sua vez, são funções dos parâmetros do modelo, os quais se deseja determinar a partir dos dados coletados. As respostas do modelo representam os dados teóricos gerados a partir dos parâmetros do modelo. Os dados de campo e a resposta teórica do modelo são comparados quando inseridos algoritmos de otimização, que buscam suavizar as diferenças entre os valores medido e calculado. Em muitos algoritmos é necessária a inserção prévia de um modelo de parâmetros, a partir da qual é estabelecida a resposta. No passo seguinte, o algoritmo produzirá uma resposta ao modelo estabelecido, buscando a cada iteração melhor ajustar o conjunto de dados medidos – Figura 12. Portanto, é possível definir o objetivo da inversão geofísica como sendo a determinação dos parâmetros do modelo a partir de uma tentativa de ajustes da resposta do modelo aos dados observados, dentro de um limite pré-estabelecido [20]. Figura 12: Pseudo-seção (acima), modelo inicial (centro) e modelo final (abaixo) de um conjunto de dados com pequena variação de resistividade aparente. Fonte: Gandolfo, 2007. 3.3.6 Métodos de inversão e tratamento estatístico O RES2DINV adota o método de inversão por mínimos quadrados com vínculo de suavidade (smoothness constrained least-square method), cuja estratégia consiste em minimizar a soma dos erros quadráticos entre a resposta do modelo e os dados medidos [20]. Considera-se n dados observados (por exemplo, resistividade aparente) sendo dados pelo vetor d – equação (40). d=(d1,d2,... ,dn) (40) E as respostas do modelo pelo vetor y – equação (41). y=(y1,y2, ... , yn) (41) Seja p o vetor que contem os m parâmetros do modelo – equação (42). p=(p1,p2, ... ,pm) (42) Seja po j uma estimativa inicial do parâmetro pj, e y0 a resposta do modelo inicial. Se a resposta, y, é uma função linear dos parâmetros, uma pertubação da resposta do modelo em torno de p0 pode ser expandido em série de Taylor, como mostra a equação (43) y=y0+∑ j=1 m ( ∂y ∂p j)p=pj (p j−p j 0 ) (43) Em notação matricial pode ser reescrita como mostra a equação (44), y=y0+Jδ (44) onde J é a matriz (nxm) Jacobiana das derivadas parciais e o vetor δ é a diferença dos parâmetros, representando a perturbação ou alteração do parâmetro. A escolha de p é feita de tal forma a minimizar a soma dos quadrados dos erros entre a resposta do modelo (y) e o dado medido (d) – equação (45), sempre associado a erros inerentes ao método experimental. Portanto, a relação entre essas grandezas deve levar em consideração este erro, representado pelo vetor e, expressando a resposta entre o valor medido e o esperado. d−y=e (45) Combinando as equações (44) e (45), o resultado é dado pela equação (46). d−y0=Jδ+e (46) O vetor d-y0, que contém as diferenças entre a reposta do modelo inicial e o dado observado, é chamado de vetor discrepância (g). Portanto, a equação (46) pode ser reescrita como mostra a equação (47). e=g−Jδ (47) O objetivo do método é minimizar o erro quadrático cumulativo S = eTe com relação ao vetor δ – equação (48). S=eTe=(g−Jδ)T (g−J δ) (48) A minimização do erro S em relação à δ implica que ∂S/∂δ=0. Essa condição faz com que a equação (50) seja reescrita como indicado na equação (49), JT Jδ=JT g (49) cuja solução para o vetor perturbação é dada pela equação (50), δ=(JT J)−1 JT g (50) também conhecida como solução de Gauss-Newton ou solução por mínimos quadrados sem vínculo. Essa solução, porém, apresenta limitações quanto à estabilidade e convergência [20]. A solução dos mínimos quadrados com vínculo de suavidade é obtida pela restrição do parâmetro δ – equação (51), δTδ=δ0 2 . (51) i.e., a soma dos quadrados dos elementos do vetor atualização dos parâmetros, δ, está limitada a um valor constante (δ0 2). Dessa forma, estima-se que δ minimize a função S (δ,μ) – equação (52), onde μ é um multiplicador de Lagrange. S(δ ,μ)=eTe+μ(δ T δ−δ0 2 ) . (52) Diferenciando a equação (52) em relação a δ, a solução é dada pela equação (53). δ=(JT J+μ I)−1 JTg , (53) As mudanças dos parâmetros, i.e. o vetor δ, a partir da resposta do modelo inicial, são determinadas pela equação (53). Assim, são obtidas atualizações dos parâmetros que são utilizadas para estimar uma nova resposta do modelo. Em cada etapa, a soma dos quadrados do erro entre a resposta do modelo e as medidas é monitorada. A busca iterativa de estimar os parâmetros termina quando o erro quadrático torna-se menor do que o erro previamente estabelecido. O erro dos ajustes de dados é calculado pela diferença entre os valores das resistividades aparente medida (ρa_obs) e calculada (ρa_calc), sendo dado pela equação (54). D=[ (ρa−obs−ρa− calc) ρa−obs ]. 100% . (54) Para uma pseudo-seção constituída por N dados, o erro RMS total é dado pela equação (55). DRMS=( 1N∑D2) 1/2 . (55) O erro RMS diminui a cada iteração durante o processo de inversão geofísica. Porém, baixos valores de erro não necessariamente correspondem a um modelo geológico factível, podendo apenas apresentar variações irreais das resistividades, incompatíveis com a realidade. 4 AQUISIÇÃO DE DADOS 4.1 Imageamento elétrico As coletas de dados geofísicos em campo foram feitas com o uso do resistivímetro Terrameter LS da ABEM (Figuras 13 e 14). Esse equipamento, quando ligado a uma bateria, é responsável por injetar a corrente elétrica no solo e posterior leitura dos potenciais, obtendo os valores de resistividade aparente. A corrente é induzida no solo por meio dos eletrodos metálicos. A comunicação entre a central (resistivímetro e bateria) e os eletrodos é feita por meio de fios metálicos. Uma garra, também metálica, é responsável por fazer o contato entre o fio e os eletrodos, permitindo que o fluxo de corrente infiltre para o subsolo (Figura 15). Figura 13: À esquerda, Resistivímetro utilizado para levantamentos geofísicos. Fonte: Acervo pessoal. Figura 14 À direita, Resistivímetro ligado a bateria e aos fios, pronto para aquisição dos dados geofísicos. Fonte: Acervo pessoal. Figura 15: Inserção dos eletrodos metálicos no solo. Fonte: Acervo pessoal. O resistivímetro é responsável por realizar todas as medidas em campo. De modo automatizado, o aparelho seleciona apenas os quatro eletrodos a serem utilizados em uma determinada medida, ignorando todos os outros. Para medições laterais, o equipamento realiza a medida com quatro eletrodos e, para a medida subsequente, utiliza outros dois pares de eletrodos vizinhos, de modo que esse processo se encerra quando toda a linha de eletrodos é varrida. Para medições em profundidade, o equipamento seleciona eletrodos mais espaçados entre si, respeitando a geometria do arranjo selecionado. O cemitério São João Batista é subdividido em quadras. A avenida central que liga os dois extremos do cemitério e as avenidas secundárias, paralelas à central, são cortadas perpendicularmente por ruas, o que leva a formação das quadras. Para os ensaios geofísicos, as linhas de cabeamento elétrico foram dispostas ao longo das ruas do cemitério (aproximadamente 200 m de extenção), espaçados de 5 m em 5 m, por toda a extensão do local - Figura 16. No total foram realizadas dezoito linhas de imageamento elétrico, sendo uma obtida na parte externa ao cemitério, servindo como background de comparação com os resultados da região interna. Figura 16: Linhas de cabeamento elétrico realizadas no cemitério municipal de Rio Claro, SP. Fonte: Acervo próprio. 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1 Mapa potenciométrico O mapa potenciométrico utilizado para o presente estudo é ilustrado na Figura 17 [1]. A Tabela 1 identifica as profundidades do nível d’água, a potenciometria do cemitério municipal de Rio Claro obtida pelas sondagens elétricas verticais, e as coordenadas obtidas pelo georreferenciamento levantado pelo DGPS [1]. Figura 17: Mapa potenciométrico da área de estudo [1]. Tabela 1: Identificação das cotas d'água e potenciometria do cemitério municipal de Rio Claro [1]. As superfícies isopotenciais foram determinadas com base na cota altimétrica do terreno de 603.8 m, dado fornecido pela CETESB [18], e nas profundidades de nível d’água medidos pelas SEVs realizadas pela autora. O município de Rio Claro e, consequentemente, a área do cemitério, estão localizados em uma área de pequeno planalto, com espessura considerável de solo oriundo da Formação Rio Claro. Os altos potenciométricos locais são alimentados pelos aquíferos suspensos, com o fluxo de água condicionado por sucessivas camadas de baixa permeabilidade [5]. Essas camadas, geralmente argilosas, confinam o fluxo de água subsuperficial na Formação, pois estão dispostas paralelamente [5]. 5.2 Dados de Inversão Geofísica Serão apresentados os perfis geoelétricos resultantes de inversão geofísica dos dados obtidos em campo. Estas representações bidimensionais podem explicitar anomalias condutivas indicativas da presença de necrochorume. Por anomalias serão consideradas as regiões cujos valores de resistividade sejam de duas a três vezes menores do que os de background [19]. As linhas foram dispostas como ilustrado na Figura 16, com a linha de referência na parte externa do cemitério, servindo como background de comparação. Para a interpretação das seções os valores de resistividade aparente considerados típicos da geologia da Formação Rio Claro são entre 588 e 3000 Ω.m, com base na linha de referência (LR). Os valores abaixo de 115 Ω.m são considerados indicativos da presença de necrochorume; os valores entre 115 a 588 Ω.m são interpretados como áreas possivelmente contaminadas pela percolação do necrochorume. Figura 18: Linha de imageamento elétrico realizada na parte externa ao cemitério, servindo como background de comparação e detecção de anomalias condutivas. Os valores abaixo de 120 Ω.m serão considerados como indicadores da presença do poluente. Figura 19: Seções geoelétricas L1 a L6. As regiões indicadas por setas representam zonas de alta condutividade, possivelmente associadas a presença de necrochorume. As áreas demarcadas, mas sem seta, indicam regiões potencialmente alteradas pela percolação do poluente. O traço azul demarca o início estimado do nível d’água do aquífero, com base nos dados geofísicos de resistividade e no mapa potenciométrico. A seção L1 (Figura 19), próxima à entrada do cemitério, apresenta valores de resistividades condizentes com os esperados para a Formação Rio Claro, tal como encontrado na seção L3 (Figura 19), com valores entre 600 Ω.m a 1400 Ω.m aproximadamente, não apresentando indicativos de alteração do meio. As anomalias condutivas, entre 10 Ω.m e 150 Ω.m, são perceptíveis nas seções L2 e L4 (Figura 19), com valores de resistividade baixos próximos à superfície. As flechas vermelhas indicam as faixas de condução anômala, enquanto as linhas azuis indicam o início do nível d’água (NA). A partir do nível basal das covas (aproximadamente 2 metros) é que se tem início à eventual percolação do necrochorume. Esses valores coincidem com o início dos contrastes encontrados próximas à superfície nas L2 e L4, de valores abaixo dos 50 Ω.m. Na seção L6 (Figura 19) é encontrado resultado semelhante a L4, onde valores menores de resistividade criam uma ilha condutiva, abaixo dos 150 Ω.m, como pode ser observado no lado esquerdo da respectiva seção, próximo aos 40 m na extensão da linha. A medida em que o poluente passa a diluir-se continuamente em águas pluviais (ou de qualquer outra origem e que, por ventura, incida sobre a superfície do terreno e infiltre), o contraste de resistividade passa a diminuir. Isso se deve ao fato de que o necrochorume (rico em sais dissolvidos responsáveis por imprimir o caráter condutivo ao fluido), quando diluído, naturalmente tem sua concentração de sais diminuída. Embora ainda condutivo, o poluente diluído pode apresentar menores valores de resistividade quando comparado ao seu estado inicial. Isso justificaria a diminuição dos valores de resistividade encontrados à esquerda, entre 10 e 45 m, na L6 (entre 50 e 150 Ω.m, menores do que os valores encontrados próximo aos 80 m da extensão da linha, onde foram medidos valores inferiores 30 Ω.m, sendo então possíveis fontes de liberação do necrochorume), a uma profundidade de aproximadamente 10 m. Esse fato também pode explicar a presença de áreas potencialmente contaminadas nas linhas L5 (Fgura 19) e L7 (Figura 20), com valores de resistividade entre 300 Ω.m e 558 Ω.m, possivelmente influenciadas pela dispersão lateral do poluente. Figura 20: Seções geoelétricas L7 a L12. Novamente, as regiões indicadas por setas representam zonas de alta condutividade, possivelmente associadas à presença de necrochorume; já as áreas demarcadas, mas sem seta, indicam regiões potencialmente alteradas pela percolação do poluente. As linhas L3, L5 (Figura 19) e L7 (Figura 20) apresentam valores de resistividade próximos aos esperados para os litotipos da Formação Rio Claro, tendo como base a linha de referência. Os valores de resistividades menores do que os esperados para a geologia local podem estar relacionados com a migração do necrochorume, como discutido anteriormente. As seções L6 (Figura 19) e L8 (Figura 20) novamente evidenciam anomalias condutivas cujos perfis são semelhantes às zonas menos resistivas encontradas na L4, chegando a valores abaixo de 50 Ω.m. Tendo em vista a proximidade das linhas, é razoável inferir que a migração lateral do fluido gera os valores mais baixos encontrados nas linhas subjacentes. Na seção L8 também é possível notar uma ilha condutiva na região entre 120 m e 160 m na extensão da linha, a uma profundidade de aproximadamente 15 m. Esse padrão condutivo encontrado também nas demais seções, próximo a esse valor de profundidade, podem estar associado ao topo no nível d’água do aquífero local ou lamitos típicos da Formação Corumbataí. A linha L9 (Figura 20) novamente apresenta valores baixos de resistividade em torno dos 120 m, a uma profundidade de aproximadamente 7 m. Essa ilha condutiva pode estar associada à dispersão lateral do poluente. Por volta dos 70 m na extensão da L8, o alto teor condutivo detectado pode estar associado a uma fonte de liberação de necrochorume; uma migração do fluido na direção SO pode ser entendida tendo em vista a localização da ilha condutiva presente na L9. Uma possível explicação seria de que o fluido foi dispersado pelas águas pluviais e aprisionado sobre uma camada resistiva, provavelmente associada a litotipos da Formação Rio Claro com baixa permeabilidade. Essa explicação também justificaria o aumento dos valores de resistividade encontrados na região menos condutiva, entre 20 m e 50 m na extensão da L8, nos 40 m na extensão da linha, dada a diluição do poluente e consequente perda de contraste condutivo. A anomalia condutiva detectada na seção L10 é semelhante ao padrão encontrado nas seções L2, L4, L6 e L8. Novamente é possível inferir sobre a possível percolação do necrochorume para camadas mais profundas, entre 7 e 20 m. A seção L11 não apresenta indicativos concisos sobre a presença do contaminante, tal como evidenciado pela L10, mas também não reflete os valores esperados para a geologia local. Esse fato pode novamente ser um indicativo da propagação do poluente pelo solo. De modo análogo podem ser interpretadas a seção L12 (sem anomalias), L13 (região anômala em aproximadamente 80 m, a uma profundidade próxima ao nível basal dos túmulos, estendendo-se até 7 m) e L14 (sem anomalias) – Figura 21. Figura 21: Seções geoelétricas L13 a L17. As seções L15 e L16 novamente apresentam indicativo da presença do necrochorume na região próxima aos 80 m de extensão da linha, a profundidades de 2 a 15 m. Nessas seções (e também na L13) a pluma condutiva aparenta migrar para a direção SO próximo aos 2 m na extensão das linhas, criando um caminho condutivo que se encerra na extremidade no limite do cemitério. Esse caminho pode ser consequência do encontro de duas frentes de contaminante: uma centrada próxima aos 80 m na extensão da linha, e outra, próxima à parede do cemitério, nos primeiros metros da linha (0 ~ 40 m), local onde são feitos grande parte dos sepultamentos nos dias atuais. A região dos fundos do cemitério (L11 a L17) corresponde à área nova, construída após alcançado o esgotamento da área inicial. O alto valor RMS encontrado em algumas seções, em especial nas pares, pode estar associado a presença de fiações elétricas possivelmente atuantes durante os ensaios geofísicos. De posse das seções geoelétricas foi possível confeccionar um mapa de nível (Figura 21) que evidencia, em um plano paralelo à superfície do terreno, as anomalias condutivas possivelmente associadas à presença de necrochorume, a uma profundidade de 10 m. Esse nível foi escolhido de modo que não houvesse influência do nível d’água e, consequentemente, as quedas de valores de resistividade pudessem ser relacionados apenas à presença do necrochorume. Figura 22: Mapa de nível para profundidade de 10 m. No mapa, é visível uma faixa que se estende ao longo de toda a dimensão do cemitério, da entrada para os fundos (de L1 em direção a L17), com ilhas anômalas de condutividade. Outros pontos de baixos valores de resistividade ocorrem próximos às paredes do cemitério. Na parte anterior, esses valores podem estar relacionados aos sepultamentos recentes, mais propensos a atuar como fontes pontuais de contaminação. Uma faixa resistiva, de coloração avermelhada, se estende por todo o cemitério sobre a avenida principal. Essa faixa separa o cemitério em duas porções: à NO, diversas ilhas condutivas são representadas na cor azul, com valores abaixo dos 40 Ω.m; em contraste com a região a SE, onde são encontrados valores de resistividade entre 200 Ω.m e 1400 Ω.m, aproximadamente. Ao fundo do cemitério (L11 a L17) são encontrados valores mais altos de resistividade. Por ser uma região recentemente construída, as construções e jazigos possivelmente apresentam melhores condições, sem trincas ou rachaduras, o que pode atuar como inibidor da propagação do necrochorume solo a dentro. 6 CONCLUSÕES A presente proposta teve por objetivo realizar um estudo de contaminação de solo a partir de do uso do método da eletrorresistividade, buscando compreender os fenômenos físicos inerentes à metodologia, bem como as formas de aquisição, representação e interpretação dos dados geofísicos. A partir dos dados de tomografia elétrica obtidos em ensaios geofísicos, foi possível detectar anomalias condutivas espalhadas pela área do cemitério São João Batista, em Rio Claro, possivelmente associadas à contaminação do solo por necrochorume. Uma prévia introdução teórica sobre a área de estudo – enfocando sobre os aspectos geológicos e hidrogeológicos; do contaminante – buscado avaliar suas características e consequência da interação com o meio natural; e sobre a metologia utilizada para a investigação – bem como os princípios físicos envolvidos, permitiu compreender as vantagens da utilização do método da eletrorresistividade para estudos ambientais, mas também suas limitações teóricas. Embora não seja possível afirmar sobre a real contaminação do solo somente com base nos ensaios geofísicos, esse método constitui uma importante ferramenta de investigação, principalmente pelo caráter não-invasivo. As medidas de resistividade feitas em superfície permitiram mapear toda a área de estudo, de cerca de 80.000 m², em apenas três dias de coleta de dados. O veredito sobre a real contaminação do solo foi feito por meio análise química de amostras do solo do cemitério, obtidas por meio de sondagens mecânicas [1]. Nas amostras foram medidos concentrações de nitrogênio amoniacal e de bactérias heterotróficas, compostos liberados durante o processo de decomposição de corpos e também presentes no necrochorume. Em todos os poços instalados pela autora foram medidos valores acima dos permitidos pela CETESB. Ainda por meio da contagem de bactérias heterotróficas, também foram constatadas alterações nas amostras d’água subterrânea, e diminuição do pH ocasionada pela alta concentração de íons H+, tornando o meio ácido e, consequentemente, propenso para a proliferação das bactérias presentes nos metabólicos da decomposição. Essas regiões contaminadas coincidiram com áreas de condução anômala detectadas nas seções geoelétricas [1]. Do ponto de vista geológico, o cemitério São João Batista apresenta solo arenoso, característico da formação geológica local. Embora as regiões próximas à superfície sejam ricas em oxigênio (o que, em princípio, pode atuar como inibidor da proliferação das bactérias presentes no necrochorume), a fraca litificação do solo local permite que o fluido infiltre solo a dentro para regiões com menores concentrações de oxigênio e, consequentemente, melhores condições para sobrevivência das bactérias presentes no poluente. Do ponto de vista hidrogeológico, o cemitério apresenta vulnerabilidade tendo em vista a proximidade do nível basal dos sepulcros (fontes pontuais de liberação do contaminante) com os níveis d’água subterrânea, o que acarreta em contaminação das mesmas. Nas seções obtidas para este estudo é possível notar plumas associadas à presença de necrochorume em profundidades próximas ao topo do NA obtidos pela potenciometria. Portanto, essa proximidade pode acarretar em possíveis contaminação das águas. A presença de fiações subterrâneas de iluminação, possivelmente operantes durante os ensaios geofísicos, pode ter atribuído distorções nos perfis geoelétricos, principalmente nas seções pares. Essa perturbação gerou erros que comprometeram, em partes, a qualidades dos resultados. Contudo, ainda foi possível aferir sobre a presença do contaminante, oriundo dos jazigos, devido ao claro contraste estabelecido. Por fim, é possível afirmar que o método da eletrorresistividade permitiu obter bons dados acerca da resistividade aparente do subsolo da área de estudo, servindo de indicativo da presença do contaminante no solo. Os resultados obtidos pela pesquisa podem servir de ponto de partida para trabalhos futuros, que conduzam a uma melhor compreensão do comportamento do contaminante em subsuperfície e, possivelmente, na obtenção de relações geoestatísticas que correlacionem o tempo de sepultamento com os níveis de contaminação detectadas nos perfis geoelétricos. 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] XAVIER, F. V. Métodos geoelétricos aplicados ao diagnóstico ambiental subsuperficial do cemitério municipal de Rio Claro – SP. Rio Claro, 2015 – Tese (doutorado); [2] COSTA, W.D.; MENEGASSE, L.N.& FRANCO, R.D. Contaminação da água subterrânea relacionada com os cemitérios da paz e da saudade no município de Belo Horizonte, Minas Gerais. XII Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas. 14p. 2002; [3] FELICIONI, F. A; BORTOLOZZO, N. A Ameaça dos Mortos. 1ª ed. Editora Maxprint. Jundiaí, SP. 2007; [4] MATOS, B. A. 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JOSÉ AUGUSTO PROENÇA MAIA DEVIENNE Rio Claro, SP JOSÉ AUGUSTO PROENÇA MAIA DEVIENNE 1 INTRODUÇÃO 1.1 Objetivos 2 ÁREA DE ESTUDO 2.1 Análise histórica 2.2 Contexto geológico e pedológico 2.3 Contexto hidrogeológico 3 REVISÃO TEÓRICA 3.1 Conceitos de hidrogeologia e aquíferos 3.1.1 Condutividade hidráulica, porosidade e a lei de Darcy 3.1.2 Movimento de águas subterrâneas 3.2 Contaminação por necrochorume 3.3 Métodos geofísicos 3.3.1 Breve revisão de eletrodinâmica clássica 3.3.2 Ensaios geofísicos 3.3.3 Técnica de plotagem dos dados 3.3.4 Profundidade de investigação 3.3.5 Inversão geofísica 3.3.6 Métodos de inversão e tratamento estatístico 4 AQUISIÇÃO DE DADOS 4.1 Imageamento elétrico 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1 Mapa potenciométrico 5.2 Dados de Inversão Geofísica 6 CONCLUSÕES 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS