Laís Jaqueline de Souza RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO BOSQUE E ZOOLÓGICO MUNICIPAL DR. FÁBIO DE SÁ BARRETO EM RIBEIRÃO PRETO/SP E AO ZOOLÓGICO MUNICIPAL DE GUARULHOS/SP Caso de interesse: Choque elétrico em bugio-preto (Alouatta caraya) UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CÂMPUS DE JABOTICABAL JABOTICABAL – SP 1º SEMESTRE DE 2021 RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO BOSQUE E ZOOLÓGICO MUNICIPAL DR. FÁBIO DE SÁ BARRETO EM RIBEIRÃO PRETO/SP E AO ZOOLÓGICO MUNICIPAL DE GUARULHOS/SP Caso de interesse: Choque elétrico em bugio-preto (Alouatta caraya) RELATÓRIO FINAL DO ESTÁGIO CURRICULAR EM PRÁTICA VETERINÁRIA, REALIZADO JUNTO AO BOSQUE E ZOOLÓGICO MUNICIPAL DR. FÁBIO DE SÁ BARRETO EM RIBEIRÃO PRETO/SP E AO ZOOLÓGICO MUNICIPAL DE GUARULHOS/SP Assunto de interesse: Choque elétrico em bugio-preto (Alouatta caraya) Laís Jaqueline de Souza Laís Jaqueline de Souza Supervisores: Médico Veterinário César Henrique Branco Médica Veterinária Hilari Wanderley Hidasi Orientador: Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte Orientador: Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, aos meus pais, Célia e Jair, que sempre me incentivaram a seguir meus sonhos, não medindo esforços para me proporcionar uma educação de qualidade. Sem vocês, eu não teria chegado até aqui. Obrigada por serem presentes, pela paciência, dedicação e por todo apoio. Amo vocês e espero sempre honrá-los. À minha irmã, Daniele, que me inspira todos os dias a ser uma mulher forte e independente. Obrigada por nunca duvidar da minha capacidade, pelos “puxões de orelha” e incentivos. Seu companheirismo é essencial em minha vida e te admiro mais que tudo no mundo. Ao Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte, que me apresentou a conservação animal na disciplina Manejo de Animais Selvagens, em 2017. A partir disso, soube exatamente o que faria meus olhos brilharem na medicina veterinária. Agradeço imensamente pela orientação, por acreditar em meu potencial, pela oportunidade de fazer parte do Nupecce e por todos os conhecimentos compartilhados. A cada colega que a faculdade colocou em minha trajetória e que contribuiu de alguma forma para meu crescimento, especialmente à turma Vet 16 e ao meu trio preferido, Júlia, Giovanna e Guilherme. Vocês sempre estarão em meu coração e podem contar comigo para o que for preciso, não importa onde estejamos. Obrigada por terem tornado essa caminhada mais leve e divertida. Ao Marcel, por ter dividido inúmeros momentos e sentimentos durante essa fase. Pelas risadas e lágrimas, pelos almoços no RU, cafés da manhã e da tarde. Obrigada por me apoiar. Ao Lucas, pela amizade e companheirismo, que se mostraram de diferentes formas, inclusive a distância. Sou grata por ter me acompanhado nas aventuras em Ibitipoca e pelos vários conselhos que tanto precisei, principalmente durante minha iniciação científica. Agradeço imensamente ao GEAS Jaboticabal, não apenas pelos conhecimentos, mas também por cada amizade que o grupo me proporcionou. A todos do Nupecce, que me receberam de braços abertos e sempre foram muito solícitos, em especial à minha coorientadora e amiga Yuki, uma das cientistas que mais me inspiram, que não mediu esforços para me auxiliar do início ao fim do projeto, além das reflexões de vida que me fizeram crescer como pessoa. Muito obrigada. À toda a equipe do Zoológico de Ribeirão Preto e do Zoológico de Guarulhos, não cabe em mim o tamanho da minha gratidão pela receptividade, pelos ensinamentos e vivências práticas que pudemos compartilhar, foi uma experiência essencial para minha formação profissional e pessoal. Agradeço também às estagiárias que dividiram esses momentos comigo, levo cada uma em meu coração. Ao Prof. Dr. Estevam G. Lux Hoppe e à Profa. Dra. Karin Werther, pela contribuição com críticas e sugestões a esse trabalho. Por fim, serei eternamente grata a todos os funcionários que constituem a FCAV/Unesp. Agradeço, em especial, cada profissional que contribuiu para minha formação, sinto um orgulho imenso de ter sido aluna dessa instituição excepcional. VII ÍNDICE LISTA DE FIGURAS ......................................................................................... IX LISTA DE TABELAS ...................................................................................... XIII I. Relatório de estágio ............................................................................. 14 1. Introdução ............................................................................................. 14 2. Descrição dos locais de estágio ......................................................... 15 2.1. Bosque e Zoológico Municipal Dr. Fábio de Sá Barreto ............ 15 2.2. Zoológico Municipal de Guarulhos .............................................. 23 3. Descrição das atividades do estágio .................................................. 26 3.1. Bosque e Zoológico Municipal Dr. Fábio de Sá Barreto ............ 26 3.1.1. Bem-estar animal ................................................................. 27 3.1.2. Terrário .................................................................................. 30 3.1.3. Biotério .................................................................................. 33 3.1.4. Aquário .................................................................................. 34 3.1.5. Intensivismo e internação ................................................... 37 3.2. Zoológico Municipal de Guarulhos ............................................. 42 3.2.1. Enriquecimentos ambientais ............................................... 45 3.2.2. Clínica veterinária ................................................................ 50 3.2.3. Condicionamento em Anodorhynchus hyacinthinus ....... 54 4. Discussão das atividades desenvolvidas .......................................... 57 5. Conclusões ........................................................................................... 60 II. Caso de interesse ................................................................................. 62 1. Introdução ............................................................................................. 62 2. Revisão de literatura............................................................................. 64 3. Relato de caso ...................................................................................... 72 4. Discussão .............................................................................................. 79 5. Conclusões ........................................................................................... 84 VIII 6. Referências ........................................................................................... 85 IX LISTA DE FIGURAS Figura 1. Entrada do Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. Fonte: Jornal Tribuna Ribeirão Preto.......................................................................................15 Figura 2. Aquário do Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. A. Área interna do setor. B. Recinto expositivo que abriga biguás (Phalacrocorax brasilianus), marreca-pé-vermelho (Amazonetta brasiliensis) e marreca-cabocla (Dendrocygna autumnalis). Fonte: Arquivo pessoal...........................................18 Figura 3. Área interna do terrário pertencente ao Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. Fonte: Arquivo pessoal............................................................................20 Figura 4. Sala do biotério que abriga camundongos (Mus musculus) e ratazanas twisters (Rattus norvegicus), do Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. Fonte: Arquivo pessoal..................................................................................................21 Figura 5. Ambulatório e hospital veterinário do Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. A. Animais internados no ambulatório, alojados em gaiolas. B. Ambulatório veterinário. C. Centro cirúrgico. D. Sala para radiografias. Fonte: Arquivo pessoal..................................................................................................22 Figura 6. Entrada do Zoológico Municipal de Guarulhos. Fonte: Prefeitura de Guarulhos..........................................................................................................23 Figura 7. Instalações da clínica veterinária do Zoológico Municipal de Guarulhos. A. Sala de atendimentos. B. Centro cirúrgico. C. Laboratório de patologia clínica. D. Sala de necropsias. Fonte: Arquivo pessoal...................................................26 Figura 8. A. Sorvete oferecido aos grandes psitacídeos do Zoológico de Ribeirão Preto, como forma de enriquecimento alimentar. B. Sorvete pendurado dentro do recinto de araras-canindé (Ara ararauna). Fonte: ACidade ON.....................28 X Figura 9. A. Enriquecimento ambiental alimentar fornecido aos queixadas (Tayassu pecari) do Zoológico de Ribeirão Preto. Fonte: Arquivo pessoal. B. Enriquecimento ambiental cognitivo, elaborado para os quatis (Nasua nasua) do Zoológico de Ribeirão Preto. Fonte: Pedro Angeloti...........................................29 Figura 10. A. Enriquecimento ambiental cognitivo promovido para os micos-de- cheiro (Saimiri boliviensis) do Zoológico de Ribeirão Preto. B. Enriquecimento pendurado no recinto através de uma corda de sisal. Fonte: Pedro Angeloti......30 Figura 11. Representação gráfica das porcentagens de espécies atendidas no Zoológico de Ribeirão Preto, de acordo com a Classe, no período de 01/10 a 30/11/2020.........................................................................................................41 Figura 12. Ficha alimentar dos queixadas (Tayassu pecari) presentes no Zoológico de Guarulhos, apresentando todos os componentes da dieta e suas respectivas quantidades. Fonte: Zoológico Municipal de Guarulhos..................44 Figura 13. Condicionamento operante em lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) no Zoológico de Guarulhos. A. Comando “deita”. B. Reforço positivo após executar o comando. Fonte: Leticia Akemi.........................................................45 Figura 14. Representação gráfica da porcentagem dos tipos de enriquecimentos ambientais executados no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021.........................................................................................................47 Figura 15. Representação gráfica das porcentagens das Classes animais que receberam algum tipo de enriquecimento ambiental no período de 01/03 a 30/04/2021, no Zoológico de Guarulhos.............................................................47 XI Figura 16. Tubo com avelãs, enriquecimento ambiental cognitivo realizado para serelepe (Sciurus ingrami) no Zoológico de Guarulhos. B. Animal acessando a avelã após removê-la do tubo. Fonte: Leticia Akemi...........................................48 Figura 17. A. Enriquecimento físico para serpentes do Zoológico de Guarulhos, feito com caixas de ovos e tubos de madeira. B. Jiboia-amazônica (Boa constrictor). Fonte: Leticia Akemi.......................................................................48 Figura 18. Enriquecimento ambiental efetuado para os leões (Panthera leo) no Zoológico de Guarulhos. A. Caixa de papelão, enriquecimento do tipo físico. B. Enriquecimento alimentar, utilizando um pedaço de carne colocado em cima da árvore. Fonte: Leticia Akemi...............................................................................49 Figura 19. Sorvete de melancia oferecido como enriquecimento alimentar no Zoológico de Guarulhos. A. Quati (Nasua nasua). B. Queixada (Tayassu pecari). Fonte: Leticia Akemi...........................................................................................49 Figura 20. A. Bolinhas de plástico como enriquecimento físico para furões (Galictis cuja) do Zoológico de Guarulhos. B. Animal acessando o enriquecimento na água. Fonte: Leticia Akemi...................................................50 Figura 21. Representação gráfica das porcentagens de espécies atendidas no Zoológico de Guarulhos, de acordo com a Classe animal, no período de 01/03 a 30/04/2021.........................................................................................................54 Figura 22. Demonstração de alguns comandos realizados ao longo do condicionamento operante com arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) no Zoológico de Guarulhos, no período de 07/04 a 30/04/2021. A. Comando “vem”, apontando para um ponto da grade com a mão. B. Comando “vem”, utilizando um target para apontar um local da grade. C. Comando “asa”, executado dentro do recinto com a finalidade de tocar e abrir as asas para XII inspecioná-las. D. Comando “barriga”, o qual tocava-se toda a região peitoral da ave para simular um exame físico. Fonte: Arquivo pessoal................................57 Figura 23. Exame clínico e realização de curativos em bugio-preto (Alouatta caraya), no terceiro dia de internação. A. Lesão de pele causada por queimadura na mão esquerda do animal, com presença de edema e atrofia de alguns dedos. B. Pé esquerdo apresentando edema e processo de necrose. C. Membro pélvico direito com lesões de queimadura. D. Curativos em membros esquerdos. Fonte: Jaqueline Sartori................................................................................................73 Figura 24. A. Aplicação de medicação e procedimento de laserterapia efetuado nas lesões de pele e musculatura em bugio-preto (Alouatta caraya). B. Mão esquerda apresentando extensa perda de pele. C. Pé esquerdo em processo de necrose. Fonte: Jaqueline Sartori.......................................................................75 Figura 25. A. Desarticulação rádio-cárpica da mão esquerda em bugio-preto (Alouatta caraya). B. Desprendimento da epiderme dorsal da mão esquerda do animal. Fonte: Jaqueline Sartori.........................................................................76 Figura 26. Bugio-preto (Alouatta caraya) do presente relato de caso, sete meses após amputação de membro torácico na articulação rádio-cárpica e de membro pélvico na articulação femorotibial, ambos da lateral esquerda do corpo. Ao fundo, uma fêmea da mesma espécie. Fonte: Jéssica Dias...............................79 XIII LISTA DE TABELAS Tabela 1. Diagnósticos e suspeitas clínicas dos animais silvestres atendidos no Zoológico de Ribeirão Preto no período de 01/10 a 30/11/2020.........................38 Tabela 2. Lista das espécies de aves atendidas no Zoológico de Ribeirão Preto no período de 01/10 a 30/11/2020......................................................................39 Tabela 3. Lista das espécies de mamíferos atendidos no Zoológico de Ribeirão Preto no período de 01/10 a 30/11/2020.............................................................40 Tabela 4. Lista das espécies de répteis atendidos no Zoológico de Ribeirão Preto no período de 01/10 a 30/11/2020......................................................................41 Tabela 5. Lista dos tipos e da quantidade de enriquecimentos ambientais realizados no Zoológico de Guarulhos, nas respectivas espécies animais, no período de 01/03 a 30/04/2021...........................................................................46 Tabela 6. Diagnósticos e suspeitas clínicas dos animais silvestres atendidos no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021................................52 Tabela 7. Lista das espécies de aves atendidas no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021...........................................................................52 Tabela 8. Lista das espécies de mamíferos atendidos no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021......................................................................53 Tabela 9. Lista das espécies de répteis atendidos no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021...........................................................................53 14 I. Relatório de estágio 1. Introdução O estágio curricular do curso de Medicina Veterinária é uma etapa fundamental para o aprimoramento dos conhecimentos teóricos e práticos adquiridos ao longo da graduação. Por meio desse processo, é possível vivenciar a rotina das áreas de maior interesse, manter um contato direto com profissionais experientes e, assim, desenvolver uma melhor capacitação para atuar no mercado de trabalho. O presente relatório descreve as atividades desenvolvidas pela acadêmica Laís Jaqueline de Souza, graduanda do décimo período do curso de Medicina Veterinária pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, FCAV/Unesp, Campus de Jaboticabal, São Paulo, durante o Estágio Curricular em Prática Veterinária. O mesmo foi realizado sob orientação do Prof. Dr. José Maurício Barbanti Duarte, docente do Departamento de Zootecnia da FCAV/Unesp. O objetivo do estágio foi aprimorar os aprendizados teóricos e a aptidão prática nas áreas de medicina, manejo e conservação de animais selvagens, sendo que sua realização ocorreu em duas etapas e totalizou 704 horas. A primeira foi desenvolvida no Bosque e Zoológico Municipal Dr. Fábio de Sá Barreto, situado na cidade de Ribeirão Preto/SP, sob supervisão do Médico Veterinário César Henrique Branco, ao longo de 01 de outubro de 2020 a 30 de novembro de 2020, perfazendo 344 horas. Já a conclusão do estágio foi executada no Zoológico Municipal de Guarulhos, entre 01 de março de 2021 e 30 de abril de 2021, supervisionado pela Médica Veterinária Hilari Wanderley 15 Hidasi, perfazendo 360 horas. No geral, as atividades envolveram manejo, nutrição, clínica, cirurgia, anestesia e bem-estar de animais selvagens. Dessa forma, através do acompanhamento da rotina diária de dois zoológicos, o estágio proporcionou a sedimentação e complementação da base curricular teórica e prática relacionada à medicina e conservação de animais selvagens, contribuindo grandemente para a formação no âmbito pessoal e profissional. 2. Descrição dos locais de estágio 2.1. Bosque e Zoológico Municipal Dr. Fábio de Sá Barreto Inaugurado em 1942, o Bosque e Zoológico Municipal Dr. Fábio de Sá Barreto (Figura 1) localiza-se na Rua Capitão Salomão, número 1814, bairro Campos Elíseos, na cidade de Ribeirão Preto/SP. Atualmente, apresenta um plantel com cerca de 700 animais, abrigando espécies nativas e exóticas. Figura 1. Entrada do Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. Fonte: Jornal Tribuna Ribeirão Preto. 16 Em 2016, a partir da instauração de um hospital veterinário no zoológico, foi criado o programa “Uma Nova Chance”, pelo qual é feito o resgate, a reabilitação e soltura de aproximadamente 1000 animais silvestres ao ano. O local recebe espécies feridas e/ou resgatadas pelo IBAMA, Corpo de Bombeiros, Polícia Ambiental e por munícipes, que são identificadas e passam pelo atendimento veterinário. Com isso, é realizada a adequada reabilitação e posterior soltura, quando possível, sendo que o trabalho de soltura é feito através de parcerias com outras instituições. Nos casos em que os animais apresentam limitações que os impedem de ser reintegrados ao hábitat, estes permanecem no zoológico ou são encaminhados às instituições parceiras. Além dos recintos designados à visitação do público, o zoológico conta com diversos setores que compõem sua estrutura de serviço, cuja responsabilidade é dividida entre a Biologia, Medicina Veterinária e Zootecnia. No berçário, são abrigados todos os animais filhotes encaminhados e que, apesar de não precisarem de nenhum tratamento veterinário, necessitam de cuidados diários relacionados ao estágio de vida em que se encontram. No mesmo setor, são guardadas as ferramentas da equipe do bem-estar animal, encarregada de realizar pelo menos um tipo de enriquecimento ambiental diariamente e, quando necessário, a manutenção dos recintos. Além disso, há um setor próprio para o planejamento e realização das atividades de educação ambiental, sob responsabilidade da Biologia. A estrutura conta também com uma cozinha para o preparo da alimentação de todo o plantel, refeitórios, banheiros e vestiários destinados aos funcionários, bem como há um setor extra para abrigar os animais saudáveis 17 que serão encaminhados à outras instituições, sendo que, atualmente, dois recintos estão ocupados com 20 indivíduos jovens e adultos de jabuti-piranga (Chelonoidis carbonaria) e jabuti-tinga (Chelonoidis denticulata) em cada um. Em relação ao setor do aquário (Figura 2), sua área interna é constituída de um tanque destinado ao abrigo de bagres (Ameiurus melas) e traíras (Hoplias malabaricus), um tanque com dourados (Salminus brasiliensis), outro com cascudos (Hypostomus affinis), um aquário de lambaris (Astyanax spp.) utilizados para a alimentação, além de um tanque com curimba (Prochilodus lineatus) e piau-três-pintas (Leporinus reinhardti). Nesse local também há balcões, armários, diferentes tipos de puçás, uma geladeira e uma pia para o preparo da alimentação dos animais. Já na área da visitação, há 3 tanques com diversos indivíduos e espécies de peixes: a “Bacia do Paraná” contém pacu- manchado (Metynnis maculatus), mandi-amarelo (Pimelodus maculatus), cascudo (Megalancistrus parananus), pacu (Piaractus mesopotamicus), piau- três-pintas (Leporinus reinhardti) e jurupensém (Sorubim lima); já a “Bacia do Prata” abriga piranha-amarela (Pygocentrus piraya), matrinxã (Brycon cephalus) e tambaqui (Colossoma macropomum); por fim, o tanque da “Bacia Amazônica” apresenta aruanã (Osteoglossum bicirrhosum), pacu (Piaractus mesopotamicus), tambacu (Piaractus mesopotamicus x Colossoma macropomum), pirarucu (Arapaima gigas) e pirarara (Phractocephalus hemioliopterus). Além disso, na exposição também há um recinto que abriga biguás (Phalacrocorax brasilianus), marreca-pé-vermelho (Amazonetta brasiliensis) e marreca-cabocla (Dendrocygna autumnalis), um recinto com um ratão-do-banhado (Myocastor coypus) e três aquaterrários, ocupados por um 18 sapo-cururu (Rhinella icterica), alguns caranguejos e dois filhotes de jacarés-do- pantanal (Caiman yacare). O setor conta com equipamentos próprios para realizar o controle de oxigênio, dióxido de carbono, cloro, pH e temperatura da água, bem como possui instalado um gerador elétrico e um sistema de filtragem física, biológica e química, capaz de remover da água nitrito, nitrato, amônia, detritos e matéria orgânica. Figura 2. Aquário do Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. A. Área interna do setor. B. Recinto expositivo que abriga biguás (Phalacrocorax brasilianus), marreca-pé-vermelho (Amazonetta brasiliensis) e marreca-cabocla (Dendrocygna autumnalis). Fonte: Arquivo pessoal. No que concerne ao terrário (Figura 3), também há uma divisão entre a área da visitação e a área interna, responsável por abrigar diferentes espécies de répteis e, mais recentemente, algumas aves. Referente aos animais em exposição, cada espécie encontra-se alojada em um recinto devidamente ambientado para promover sua sanidade e bem-estar. Entre elas, encontram-se: 19 sucuri (Eunectes murinus), cascavel (Crotalus durissus), caiçaca (Bothrops moojeni), urutu (Bothrops alternatus), jararaca (Bothrops jararaca), salamanta- amazônica (Epicrates cenchria), salamanta-do-nordeste (Epicrates assisi), salamanta-do-sudeste (Epicrates crassus), suaçuboia (Corallus hortulanus), jiboia-amazônica (Boa constrictor constrictor), jiboia-cinzenta (Boa constrictor amarali), jacaré-coroa (Paleosuchus trigonatus) e jacaré-tinga (Caiman crocodilus). Para as aves, o setor conta com dois recintos expositivos, sendo um de passeriformes e outro de psitacídeos de pequeno porte. Já na área interna, as serpentes encontram-se acondicionadas em caixas plásticas ou de madeira que ficam dispostas na bancada, havendo espécies de píton (Python reticulatus), cobra-do-milho (Pantherophis guttatus), king nigritus (Lampropeltis getula nigrita) e king desert (Lampropeltis getula splendida). Ainda, há um teiú-argentino (Tupinambis rufescens), um filhote de jacaré-tinga (Caiman crocodilus), um de jacaré-de-papo-amarelo (Caiman latirostris) e 10 filhotes de tartaruga-mordedora (Chelydra serpentina). O local possui um tanque para a higienização dos utensílios e, em uma segunda sala, são armazenadas as rações, sementes, caixas, enriquecimentos ambientais e diversos equipamentos essenciais para o manejo adequado das espécies, como ganchos, puçás, luvas de vaqueta e de raspa. 20 Figura 3. Área interna do terrário pertencente ao Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. Fonte: Arquivo pessoal. O biotério (Figura 4) localiza-se ao lado do terrário e, por isso, ambos compartilham o tanque e a bancada para realizar suas respectivas atividades. Nesse setor, constituído de duas salas, são criados tenébrios, baratas, camundongos (Mus musculus) e ratazanas twisters (Rattus norvegicus). Em duas estantes, encontram-se dispostas 19 caixas-gaiolas para abrigar os twisters e 12 para os camundongos, havendo tanto filhotes, quanto indivíduos jovens e adultos. Na mesma sala, um tambor plástico armazena a ração utilizada para alimentar esses animais. Já na dependência ao lado, os pintainhos recebidos e recém-abatidos são conservados em um freezer vertical, onde também há um armário para o estoque de serragem e uma caixa plástica grande que acondiciona 5 twisters machos, isolados das fêmeas com filhotes para evitar a ocorrência de canibalismo. 21 Figura 4. Sala do biotério que abriga camundongos (Mus musculus) e ratazanas twisters (Rattus norvegicus), do Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. Fonte: Arquivo pessoal. A respeito da área designada para o tratamento e reabilitação dos animais silvestres, a mesma conta com um hospital veterinário e um ambulatório (Figura 5). No último, encontram-se caixas e gaiolas adaptáveis para o acondicionamento dos animais oriundos de apreensão, resgate, entrega voluntária ou do próprio zoológico, uma mesa para os atendimentos, uma bancada para o preparo das dietas, duas pias e diversos utensílios para a higienização dos comedouros e bebedouros. Abaixo dessa bancada, são armazenados jornais, cobertores e potes extras para os animais. Por fim, há um armário de medicações e demais itens utilizados nos atendimentos clínicos, além dos equipamentos essenciais de proteção e adequada contenção das espécies, como luvas de vaqueta, de raspa e puçás. 22 Ao lado, localiza-se o hospital veterinário, que possui um hall de entrada com caixas e gaiolas destinadas ao alojamento de alguns animais, aquecedor para os casos de hipotermia e recuperação pós-cirúrgica, uma sala de paramentação e um centro cirúrgico completo. Também é constituído de uma sala para exames de imagem, onde há um aparelho radiográfico, e um almoxarifado dos insumos hospitalares. Figura 5. Ambulatório e hospital veterinário do Zoológico Municipal de Ribeirão Preto. A. Animais internados no ambulatório, alojados em gaiolas. B. Ambulatório veterinário. C. Centro cirúrgico. D. Sala para radiografias. Fonte: Arquivo pessoal. Por fim, na mesma área há uma sala própria para a realização de necropsias, contendo freezer, balcões, armários, mesa, pia e todos os equipamentos necessários para tal, além do setor da quarentena, composto de 23 diversos recintos destinados aos animais do zoológico que apresentam afecções, bem como aos indivíduos que recebem alta dos tratamentos e ficam em observação, a fim de avaliar se serão encaminhados para o programa de reabilitação e soltura ou se permanecerão em cativeiro. 2.2. Zoológico Municipal de Guarulhos Inaugurado em 1981, o Zoológico Municipal de Guarulhos/SP (Figura 6) situa-se na Rua Dona Glória Pagnoncelli, número 344, no bairro Jardim Rosa de França. A instituição prioriza o abrigo da fauna nacional e mantém em torno de 100 diferentes espécies, sendo cerca de 97% nativas. Com aproximadamente 500 animais, o local conta com uma equipe de veterinários, biólogos e tratadores para garantir a saúde e bem-estar de cada indivíduo, fornecendo cuidados curativos e preventivos diariamente. O zoológico também recebe animais de vida livre resgatados pelas autoridades competentes ou por munícipes, promovendo o tratamento, a reabilitação e, sempre que possível, a soltura na natureza. Figura 6. Entrada do Zoológico Municipal de Guarulhos. Fonte: Prefeitura de Guarulhos. 24 Além disso, a instituição participa de programas de conservação de espécies ameaçadas, executa pesquisas científicas e promove atividades de educação ambiental para fins conservacionistas. Desde 2009, o Zoológico de Guarulhos integra o Grupo Multi-institucional para a Conservação do Sagui-da- serra-escuro (Callithrix aurita), um primata endêmico do Brasil e ameaçado de extinção. O local tornou-se pioneiro na reprodução em cativeiro destes animais, contribuindo para a formação de populações de segurança, e adquiriu o posto de coordenador do studbook da espécie. Ademais, em relação à flora, destaca- se a reconstituição da vegetação típica da Mata Atlântica na região e a presença de cinco lagos distribuídos em uma área total de 70 mil m², que atraem diversas aves de vida livre. O zoológico é constituído de uma área de exposição, designada à visitação do público e, paralelamente, possui uma estrutura de serviço dividida em setores. Alguns animais excedentes ou com destino futuro à outras instituições são abrigados no setor extra, composto de 28 recintos devidamente ambientados, enquanto as espécies recém-chegadas e aparentemente hígidas permanecem no quarentenário durante determinado período para serem submetidas a uma bateria de exames laboratoriais. O local também apresenta seis recintos próprios para a reabilitação de aves que necessitam realizar treinos de voo antes de serem destinadas à soltura ou à outras instituições, os quais passam constantemente por reambientações, a fim de adequá-los às espécies que os ocupam. Ainda, existem os setores administrativo e de manutenção, complementados de refeitórios, vestiários e banheiros próprios para os funcionários. 25 A alimentação de todo o plantel e dos indivíduos internados na clínica veterinária é preparada diariamente pelos funcionários da cozinha, a partir de fichas alimentares elaboradas de acordo com as exigências nutricionais de cada espécie. Também há um biotério incumbido da produção de baratas e tenébrios para o uso na dieta de animais insetívoros. Para algumas aves rapinantes e répteis, são adquiridos camundongos e ratos twisters provenientes de instituições parceiras. Ademais, o local possui um setor exclusivo para o desenvolvimento das atividades de educação ambiental, além do setor de bem- estar, que conta com uma sala constituída de prateleiras, balcões e armários para o armazenamento das ferramentas e equipamentos utilizados na execução diária de diversos tipos de enriquecimentos ambientais. O zoológico também apresenta uma clínica veterinária (Figura 7) para o tratamento de espécies residentes ou resgatadas de vida livre. Este setor contém uma sala de reuniões, copa, banheiros, biblioteca e uma sala da equipe técnica. Na dependência ao lado encontra-se a recepção da clínica, onde realiza-se o recebimento dos animais resgatados e preenchimento da ficha de entrada. Na internação, há uma mesa própria para os atendimentos, dois armários de medicações e outros itens hospitalares, e duas pias para a higienização de bebedouros e comedouros. Abaixo dessas, existem caixas contendo panos e tapetes, produtos de limpeza e um freezer para refrigerar alimentos e medicamentos que exigem tal condição de armazenamento. Além disso, a internação conta com caixas e gaiolas para o abrigo dos animais, puçás e luvas para o manejo dos mesmos, ar condicionado, aquecedores, uma unidade de tratamento de ar e um lactário adjacente. 26 Ainda, a clínica apresenta uma sala de paramentação, um centro cirúrgico completo e duas salas para lavagem e esterilização dos instrumentos cirúrgicos. Também há uma dependência para a realização de exames de imagem, com um aparelho de ultrassom e de radiografia, um laboratório de patologia clínica e um almoxarifado dos insumos hospitalares. Por fim, externamente, encontra-se a lavanderia e uma sala destinada à realização de necropsias, provida de pias, armários, freezer, mesa, geladeira e demais equipamentos necessários. Figura 7. Instalações da clínica veterinária do Zoológico Municipal de Guarulhos. A. Sala de atendimentos. B. Centro cirúrgico. C. Laboratório de patologia clínica. D. Sala de necropsias. Fonte: Arquivo pessoal. 3. Descrição das atividades do estágio 3.1. Bosque e Zoológico Municipal Dr. Fábio de Sá Barreto Com o objetivo de promover uma experiência ampla a respeito da rotina de funcionamento de um zoológico, o estágio foi constituído de atividades 27 realizadas semanalmente, durante o período da manhã, nos seguintes setores do local: aquário, bem-estar animal, biotério, terrário, intensivismo e internação. À tarde, era possível permanecer no respectivo setor, ou acompanhar as práticas clínicas e cirúrgicas. Além disso, aos finais de semana e feriados realizavam-se os plantões. 3.1.1. Bem-estar animal Ao longo da primeira semana do estágio, foram acompanhadas as atividades do setor de bem-estar. Em cada enriquecimento ambiental executado, realizava-se o registro e a avaliação dos comportamentos dos animais durante 20 minutos de observações, os quais eram anotados em uma ficha previamente identificada com o nome do enriquecimento, dos estagiários responsáveis, da espécie envolvida e a data de aplicação. Dessa maneira, garantia-se uma frequência adequada da prática de diferentes formas de enriquecimento a todos os animais do zoológico. Na primeira semana de outubro, foi registrada uma fortíssima onda de calor em Ribeirão Preto e, devido a isso, o setor realizou a produção de sorvetes para reduzir o desconforto de algumas espécies. Determinados alimentos eram batidos no liquidificador e congelados para a oferta no dia seguinte, sendo que a composição dos sorvetes correspondia à dieta natural dos animais, bem como o tamanho dos recipientes em que eram congelados levava em consideração suas particularidades. Como exemplo, é possível citar as araras do zoológico, que são grandes psitacídeos: beterrabas cozidas, melancias, mamões, bananas e cenouras foram liquidificados e distribuídos em garrafas pet de dois litros, 28 adicionando à mistura pedaços desses mesmos alimentos, sementes e milhos. Uma corda de sisal foi posta dentro de cada garrafa e no dia seguinte, estas puderam ser amarradas nos recintos dos animais, que demonstraram grande interesse (Figura 8). Figura 8. A. Sorvete oferecido aos grandes psitacídeos do Zoológico de Ribeirão Preto, como forma de enriquecimento alimentar. B. Sorvete pendurado dentro do recinto de araras-canindé (Ara ararauna). Fonte: ACidade ON. Para o grupo de quatro queixadas (Tayassu pecari), bananas, laranjas, cenouras e cascas de melancia picadas puderam ser presas em quatro cordas de sisal, a fim de pendurá-las próximas ao cambiamento (Figura 9A). Como esses mostraram-se amedrontados e permaneceram afastados, os alimentos foram presos diretamente nas grades, sendo possível notar que o grupo preferencialmente se alimentou das cenouras e cascas de melancia. Já para os quatis (Nasua nasua), elaborou-se um enriquecimento ambiental do tipo cognitivo, distribuindo diversos pedaços de banana, cenoura e beterraba em duas caixas plásticas vazadas. Visando dificultar o acesso aos alimentos e A B 29 promover uma situação desafiadora, telas de plástico foram amarradas na parte superior das caixas, junto de ramos de hibisco presos ao lado de fora (Figura 9B). Assim, todos os animais interagiram de maneira positiva com o enriquecimento, de acordo com sua finalidade. Figura 9. A. Enriquecimento ambiental alimentar fornecido aos queixadas (Tayassu pecari) do Zoológico de Ribeirão Preto. Fonte: Arquivo pessoal. B. Enriquecimento ambiental cognitivo, elaborado para os quatis (Nasua nasua) do Zoológico de Ribeirão Preto. Fonte: Pedro Angeloti. Também foi executado um enriquecimento do tipo cognitivo para os três micos-de-cheiro (Saimiri boliviensis) presentes na instituição, sendo que, em um gomo de bambu de grande porte e diâmetro, diversas pequenas aberturas foram feitas aleatoriamente com o auxílio de uma furadeira, visando atravessar em diferentes direções alguns espetos com pontas desgastadas. Posteriormente, depositou-se frutas picadas dentro da estrutura, a qual era aberta apenas na porção inferior, e a mesma pôde ser pendurada no recinto através de uma corda de sisal (Figura 10). O propósito da atividade era fazer com que os primatas removessem os espetos para que, somente dessa forma, conseguissem obter 30 os alimentos, que cairiam no chão. Todos os micos demonstraram curiosidade e interagiram com o objeto, no qual puderam se pendurar, retirar alguns espetos e, até mesmo, alcançar as frutas adentrando no bambu pela abertura inferior. Figura 10. A. Enriquecimento ambiental cognitivo promovido para os micos-de- cheiro (Saimiri boliviensis) do Zoológico de Ribeirão Preto. B. Enriquecimento pendurado no recinto através de uma corda de sisal. Fonte: Pedro Angeloti. Além disso, no Recanto das Aves, local de exposição de diversas espécies, foi realizada a reambientação e manutenção de todos os viveiros por meio da retirada, reposicionamento e/ou distribuição de novos poleiros, fechamento de pequenas aberturas nas grades e remoção de penas espalhadas pelos recintos. 3.1.2. Terrário As atividades do Terrário puderam ser acompanhadas durante duas semanas, onde, diariamente, realizava-se a higienização e troca de água das A B 31 duas caixas com cinco tartarugas-mordedoras (Chelydra serpentina) filhotes cada e, logo após, por serem animais onívoros, as mesmas recebiam pedaços de carne, frutas, verduras, legumes e/ou baratas cinéreas vivas. Esse mesmo processo era executado todos os dias na caixa de um filhote de jacaré-de-papo- amarelo (Caiman latirostris) e, uma vez na semana, na caixa d’água de um jovem jacaré-tinga (Caiman crocodilus), sendo que a alimentação desses indivíduos ocorria dia sim, dia não, por meio da oferta de dois lambaris recém-abatidos a cada um. Já nos recintos expositivos de um Caiman crocodilus e de dois Paleosuchus trigonatus, que apresentavam um lago cada, a limpeza acontecia semanalmente, bem como fornecia-se suas dietas com pedaços de carne, pintainhos ou peixes recém-abatidos. Nos recintos dos passeriformes e pequenos psitacídeos, todos os poleiros e substratos sujos de excretas, o lago e os comedouros eram limpos três vezes na semana, e a dieta diária dos últimos consistia de duas bandejas com pedaços de frutas variadas, legumes, verduras, ovos cozidos e sementes, enquanto os passeriformes recebiam ração e frutas espalhadas pelos galhos, como forma de enriquecimento ambiental. Todos os dias executava-se a higienização da caixa do teiú-argentino (Tupinambis rufescens) e sua troca de água, sendo feita sua alimentação com pedaços de frutas, legumes e ovos cozidos em dias alternados. Também durante três vezes semanais, lavava-se dois recintos do setor extra ocupados por 20 indivíduos jovens e adultos de Chelonoidis carbonaria e Chelonoidis denticulata. Logo após, estes grupos recebiam suas dietas previamente preparadas pelo setor de nutrição do zoológico, consistindo de 32 pedaços de mamão, banana, maçã, laranja, beterraba, abóbora, batata-doce, verduras, entre outros, além de cascas de frutas e ração canina. Diariamente, verificava-se as caixas e terrários expositivos que abrigavam serpentes não-peçonhentas para, quando necessário, remover as excretas e a pele resultante de ecdise, trocar o jornal ou serragem, bem como os potes e bandejas de água. Todos os manejos de higienização e alimentação das serpentes peçonhentas eram autorizados apenas para o Médico Veterinário do zoológico, a fim de evitar a ocorrência de acidentes ofídicos. A oferta de alimento ocorria a cada 15 ou 30 dias, a depender da disponibilidade de presas do biotério, e devido a isso, no período de estágio, foi realizado o fornecimento de um camundongo abatido para três suaçuboias (Corallus hortulanus) e uma salamanta-amazônica (Epicrates cenchria), e um pintainho para cada uma das duas salamantas-do-sudeste (Epicrates crassus), salamantas-do-nordeste (Epicrates assisi), uma jiboia-cinzenta (Boa constrictor amarali) e três jiboias- amazônicas (Boa constrictor constrictor). Vale ressaltar o controle dietético diário feito com todos os indivíduos, excetuando-se os passeriformes e jabutis: em uma planilha, anotava-se o peso da dieta fornecida e de suas respectivas sobras, a frequência de alimentação, o tipo e a quantidade de presas ingeridas por cada serpente. Também é importante salientar a realização, ao final de todos os dias, de um protocolo que envolvia a contagem de cada indivíduo pertencente ao setor, garantindo, assim, a segurança das pessoas e dos animais do local. Ademais, ao menos três vezes por semana, executava-se um manejo com os répteis da área interna (exceto as serpentes), que consistia em expô-los à luz solar durante aproximadamente meia hora, através de intervalos de cinco 33 minutos de sombra a cada dez de sol. Durante o estágio, também foi efetuada a reambientação dos recintos das jiboias, por meio da distribuição de tocas feitas de cascas de árvore e pedaços de bambu, e do terrário de uma aranha- caranguejeira (Oligoxystre diamantinensis), através da colocação de troncos, cascas de árvores, folhas secas e do reparo das telas de segurança. Por fim, o setor era limpo e organizado semanalmente por meio da lavagem e higienização do chão, balcões, tanque e estantes. 3.1.3. Biotério Com uma rotina bem definida, visando garantir a qualidade das presas criadas, um baixo índice de transmissão de doenças e uma baixa mortalidade, as atividades do Biotério puderam ser acompanhadas ao longo de uma semana. Preferencialmente nas segundas-feiras, efetuava-se a limpeza de todas as caixas-gaiolas dos Mus musculus e Rattus norvegicus do setor, os quais eram abrigados temporariamente em outras caixas enquanto realizava-se a lavagem, secagem e troca de serragem. Em relação aos seus bebedouros (fechados, de plástico e com bico metálico), o processo de higienização ocorria em dias alternados, porém diariamente executava-se a conferência da disponibilidade de água e de ração destes animais, e a devida reposição sempre que necessário. Além disso, foi feita a troca de substrato dos tenébrios criados. A fim de promover a reprodução dos camundongos, realizou-se o manejo das ninhadas contendo indivíduos jovens que haviam atingido o período de desmame, sendo que estes foram separados dos respectivos pais e abrigados em outras caixas. Assim, os camundongos adultos também foram remanejados, 34 através da distribuição de duas fêmeas e um macho em cada caixa, para que pudessem reproduzir. Esse processo é efetuado igualmente com as ratazanas, mas não foi acompanhado no período de estágio, tendo em vista que as fêmeas já se encontravam com filhotes e separadas dos machos. Vale ressaltar que tal isolamento visa impedir o comportamento de canibalismo dos machos com os animais recém-nascidos e jovens, os quais são novamente colocados com as fêmeas apenas após o desmame e separação dos filhotes. Além disso, o Biotério também se encarregava do recebimento, abate em câmara de gás carbônico e controle da distribuição de 200 a 300 pintainhos por mês, procedimento que foi acompanhado duas vezes. Depois de abatidos, estes eram dispostos em sacos plásticos e congelados para o uso na alimentação dos animais pertencentes ao zoológico ou que se encontravam em tratamento no ambulatório. Ademais, da mesma forma que o Terrário, a limpeza do setor era executada semanalmente, higienizando-se o chão e todos os itens do local. 3.1.4. Aquário A rotina do Aquário pôde ser acompanhada ao longo de uma semana, sendo que todas as manhãs envolviam o preparo e fornecimento da alimentação dos animais da área interna (diversas espécies de peixes e cágados), do ratão- do-banhado (Myocastor coypus), dos biguás (Phalacrocorax brasilianus), das espécies de marrecas, cisnes-negros (Cygnus atratus) e da garça-branca- grande (Ardea alba). É importante ressaltar que a dieta de cada indivíduo era devidamente controlada através da pesagem dos alimentos oferecidos e suas respectivas sobras. Após o banho de sol e a troca de água do tanque dos 35 cágados, o qual não apresentava um sistema automático de filtragem, distribuía- se pequenos pedaços de lambaris, verduras e ração com 32% de proteína. Também era fornecido ração às diferentes espécies de peixes do local, levando em consideração suas particularidades, como no caso de um piau-três-pintas (Leporinus reinhardti) e um curimba (Prochilodus lineatus) alojados num mesmo tanque: por serem animais que buscam alimentos no fundo dos rios, colocava- se a ração em uma seringa e, após ser misturada com água, aplicava-se no fundo do tanque através da pressão exercida pelo êmbolo. A dieta de Myocastor coypus consistia de folhas de acelga, um lambari abatido e pedaços de abóbora, milho, batata-doce e diversas frutas, totalizando aproximadamente um quilo. Seu recinto era limpo diariamente com o auxílio de uma peneira, a fim de remover os restos de alimento e fezes. Além disso, cada um dos dois biguás (Phalacrocorax brasilianus) recebia, duas vezes ao dia, 150g de lambaris abatidos, lançados na água em diferentes locais para estimular o hábito de pesca desses animais. Já para a garça-branca-grande (Ardea alba), fornecia-se 300g de lambaris abatidos ou vivos, dependendo da disponibilidade, também em duas refeições. Por fim, em relação às marrecas-pé-vermelho (Amazonetta brasiliensis), marrecas-cabocla (Dendrocygna autumnalis) e aos cisnes-negros (Cygnus atratus), o setor de nutrição do zoológico preparava duas bandejas para cada recinto, que continham acelga picada, farelo de milho e pedaços de cenoura, banana e mamão. Às marrecas, disponibilizava-se uma bandeja de água ao lado do alimento, enquanto que, para os cisnes, as bandejas eram preenchidas totalmente de água, tendo em vista o hábito natural desses indivíduos molharem os alimentos para ingeri-los. 36 As espécies de jacarés recebiam suas alimentações nas segundas e quintas-feiras, sendo que, para os filhotes de Caiman yacare do aquaterrário, fornecia-se dois lambaris abatidos a cada, e os mesmos tomavam banhos de sol três vezes na semana. Quanto aos demais indivíduos adultos, a dieta correspondia a 10% do peso corporal, sendo essa quantidade dividida para as duas refeições semanais. Composta de coração bovino, pescoço de frango e peixes, seu fornecimento era feito com o auxílio de um longo bambu, visando manter uma distância segura. Ao chegar nos recintos, batia-se o bambu na água do lago a fim de realizar o condicionamento dos animais, promover sua aproximação e estimular os mesmos a saltar para alcançar as carnes. A alimentação dos peixes da exposição ocorria nas terças e sextas-feiras, sendo que, na “Bacia do Prata”, distribuía-se ração e aproximadamente um quilo de frutas picadas, pedaços de cenoura e batata-doce. A dieta no tanque amazônico consistia desses mesmos alimentos, além de pedaços de carne para as pirararas (Phractocephalus hemioliopterus) e peixes abatidos para o aruanã (Osteoglossum bicirrhosum) e pirarucu (Arapaima gigas), enquanto que, na “Bacia do Paraná”, alimentava-se os animais apenas com ração. Ademais, nos outros dois aquaterrários da visitação, os caranguejos recebiam ração granulada e algas, enquanto fornecia-se insetos (como besouros e baratas) ou neonatos vivos de camundongo ao sapo-cururu (Rhinella icterica), em dias alternados. O sistema de filtragem dos tanques constituía-se de diversas pilhas com cinco caixas plásticas em cada, sendo que todas apresentavam uma manta acrílica e, nas caixas do topo, um saco feito de rede de pesca, que atuava como uma primeira barreira. O processo de higienização das caixas, bem como a 37 lavagem e troca da manta acrílica, era executado quinzenalmente e, assim, pôde ser desempenhado uma vez durante o estágio. Por fim, foram efetuados outros serviços de manutenção e limpeza de alguns recintos expositivos, como no ratão-do-banhado (Myocastor coypus), nos biguás (Phalacrocorax brasilianus) e espécies de marrecas, no jacaré-coroa (Paleosuchus trigonatus) e no abrigo dos cisnes-negros (Cygnus atratus) juntos da garça-branca-grande (Ardea alba). De forma geral, os procedimentos envolviam a higienização de troncos e vidros e o esvaziamento parcial dos lagos para a remoção de folhas, lama e lodo, tanto do fundo quanto das pedras ao redor, realizando-se o processo de enchimento do mesmo após o término da limpeza. 3.1.5. Intensivismo e internação As atividades de intensivismo e internação envolveram três semanas do estágio. Diariamente, no início das manhãs, a rotina consistia na higienização de todas as gaiolas e caixas que abrigavam animais, bem como substituíam-se os poleiros e/ou panos presentes, quando necessário. Após a limpeza das bandejas do fundo de cada gaiola, havia a colocação de novos jornais para forrá-las. Todos os recipientes eram recolhidos e devidamente lavados, havendo a redistribuição dos potes de água e organização dos demais na bancada, para o posterior preparo da dieta de cada animal. A partir disso, buscava-se frutas, verduras, legumes, carnes e ovos no setor de nutrição e, nos casos em que era necessário oferecer presas vivas ou abatidas, como pintainhos e camundongos, estes eram encaminhados do biotério. Assim, realizava-se a pesagem de cada pote e o registro em uma planilha digital, na qual também havia o peso das 38 sobras alimentares, visando controlar o consumo dietético diário dos indivíduos. Por fim, no final das manhãs, também ocorria a higienização do chão, pias, bancada e demais itens pertencentes ao setor. Além das medicações e cuidados intensivos diários, efetuados de acordo com as necessidades específicas dos pacientes, também eram executadas cirurgias de urgência, emergência e eletivas. No caso das eletivas, o Médico Veterinário optava por realiza-las no início do período da tarde, a fim de manter o animal em observação no restante do dia, durante sua recuperação. A Tabela 1 descreve os diagnósticos e suspeitas clínicas dos casos acompanhados. Tabela 1. Diagnósticos e suspeitas clínicas dos animais silvestres atendidos no Zoológico de Ribeirão Preto no período de 01/10 a 30/11/2020. Diagnóstico ou suspeita clínica Número de casos Afecção ocular 5 Atrofia e paresia em membro pélvico (MP) 1 Choque devido à politraumatismo 2 Claudicação 1 Traumas por colisão 2 Deformação nas patas 2 Dificuldade de voar 4 Dificuldade locomotora neurológica 1 Disecdise 1 Dispneia e desidratação 2 Estomatite 1 Evisceração abdominal 1 Fratura de rinoteca 2 Fratura em asa 19 Fratura em asa com ruptura do patágio 1 Fratura em mandíbula 3 Fratura em MP 7 Fratura em MP e asa 1 Fratura em MP e ruptura de sacos aéreos 1 Higidez 31 Lesão de pele e musculatura 10 Lesão e edema em asas 6 39 Lesão e edema em MP 7 Luxações 8 Neoplasias 2 Paresia em MP e lesão de coluna 13 Prolapso de cloaca ou pênis 2 Ruptura de saco aéreo e alteração respiratória 3 Traumatismo cranioencefálico e sinais neurológicos 4 Tríade neonatal 8 Tricomoníase 2 Total 153 Já em relação às novas consultas, assim que um paciente chegava ao zoológico, prontamente ocorria seu atendimento médico veterinário, enquanto o responsável pelo seu encaminhamento efetuava um registro no escritório do berçário. A partir disso, uma ficha clínica era preenchida no computador do ambulatório com todos os dados coletados, desde o histórico até as medicações e cuidados específicos que seriam aplicados. As Tabelas de 2 a 4 indicam a quantidade de espécies atendidas ao longo do estágio, de acordo com a Classe animal. Tabela 2. Lista das espécies de aves atendidas no Zoológico de Ribeirão Preto no período de 01/10 a 30/11/2020. Nome popular Nome científico Quantidade de animais Andorinha-pequena-de-casa Pygochelidon cyanoleuca 4 Anu-preto Crotophaga ani 1 Beija-flor-de-garganta-verde Amazilia fimbriata 1 Beija-flor-de-peito-azul Amazilia lactea 1 Bem-te-vi Pitangus sulphuratus 5 Calopsita Nymphicus hollandicus 1 Carcará Caracara plancus 3 Cisne-negro Cygnus atratus 1 Coleiro-baiano Sporophila nigricollis 3 Coruja-buraqueira Athene cunicularia 2 40 Coruja-orelhuda Asio clamator 3 Corujinha-do-mato Megascops choliba 3 Curiango-comum Nyctidromus albicollis 1 Curicaca Theristicus caudatus 2 Falcão-de-coleira Falco femoralis 1 Frango-d'água-azul Porphyrio martinicus 2 Garça-branca-pequena Egretta thula 1 Gavião-carijó Rupornis magnirostris 3 Gavião-carrapateiro Milvago chimachima 1 Jandaia-maracanã Psittacara leucophthalmus 9 Jandaia-mineira Aratinga auricapillus 1 João-de-barro Furnarius rufus 1 Nei-nei Megarynchus pitangua 1 Papagaio-verdadeiro Amazona aestiva 2 Pardal Passer domesticus 2 Periquito-de-encontro-amarelo Brotogeris chiriri 19 Periquito-rei Eupsittula aurea 4 Pica-pau-de-topete-vermelho Campephilus melanoleucos 2 Pomba-asa-branca Patagioenas picazuro 2 Pomba-de-bando Zenaida auriculata 4 Quero-quero Vanellus chilensis 1 Quiriquiri Falco sparverius 3 Rolinha-roxa Columbina talpacoti 4 Sabiá-laranjeira Turdus rufiventris 2 Saracura-três-potes Aramides cajaneus 3 Suiriri Tyrannus melancholicus 1 Trinca-ferro-verdadeiro Saltator similis 1 Tucano-toco Ramphastos toco 8 Urubu-de-cabeça-preta Coragyps atratus 4 Urutau-comum Nyctibius griseus 1 Total 114 Tabela 3. Lista das espécies de mamíferos atendidos no Zoológico de Ribeirão Preto no período de 01/10 a 30/11/2020. Nome popular Nome científico Quantidade de animais Bugio-preto Alouatta caraya 1 Gambá-de-orelha-branca Didelphis albiventris 18 Lobo-guará Chrysocyon brachyurus 1 Ouriço-cacheiro Coendou prehensilis 1 41 Sagui-de-tufo-preto Callithrix penicillata 6 Tamanduá-mirim Tamandua tetradactyla 1 Tatu-galinha Dasypus novemcinctus 1 Veado-catingueiro Mazama gouazoubira 1 Total 30 Tabela 4. Lista das espécies de répteis atendidos no Zoológico de Ribeirão Preto no período de 01/10 a 30/11/2020. Nome popular Nome científico Quantidade de animais Jabuti-piranga Chelonoidis carbonaria 3 Jiboia-amazônica Boa constrictor 1 Teiú-comum Salvator merianae 4 Tigre-d'água-de-orelha-vermelha Trachemys scripta 1 Total 9 A porcentagem de animais atendidos durante o período de estágio, conforme a Classe, encontra-se expressa na Figura 11. Figura 11. Representação gráfica das porcentagens de espécies atendidas no Zoológico de Ribeirão Preto, de acordo com a Classe, no período de 01/10 a 30/11/2020. 42 3.2. Zoológico Municipal de Guarulhos Inicialmente, a partir de uma escala elaborada pela Médica Veterinária supervisora, o estágio seria constituído do acompanhamento, em dias alternados, das atividades realizadas em cinco setores: clínica veterinária, enriquecimentos ambientais, grandes felinos, aves/antas e cozinha. Contudo, após poucas semanas, devido ao aumento do número de pessoas infectadas pelo coronavírus SARS-CoV-2 em Guarulhos, apenas os setores da clínica veterinária e dos enriquecimentos foram mantidos, visando intensificar a prevenção à doença. Além disso, aos sábados, domingos e feriados haviam os plantões e, durante o último mês, foi possível desenvolver um trabalho de conclusão de estágio, com o tema “Condicionamento operante em arara-azul- grande (Anodorhynchus hyacinthinus)”. Apesar de denominado como “grandes felinos”, devido às atividades relacionadas aos leões (Panthera leo), onças-pardas (Puma concolor) e onça- pintada (Panthera onca), este setor também envolvia os quatis (Nasua nasua), tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), queixadas (Tayassu pecari) e lobos-guará (Chrysocyon brachyurus). Todos os dias, durante o período da manhã, realizava-se a higienização dos recintos e cambiamentos por meio da remoção de restos de alimentos e fezes, seguido da lavagem dos locais. Na sequência, eram distribuídas as dietas das espécies Nasua nasua, Chrysocyon brachyurus e Tayassu pecari, preparadas previamente pelos funcionários da cozinha. Já durante à tarde, fornecia-se a alimentação dos grandes felinos, do Myrmecophaga tridactyla e, novamente, Chrysocyon brachyurus e Tayassu pecari. 43 Em relação ao setor das aves/antas, ao longo das manhãs, a rotina envolvia a limpeza dos recintos dos grandes psitacídeos e demais aves, seguido da distribuição da dieta própria de cada espécie. Em dias alternados, os bebedouros eram higienizados por meio da aplicação de água sanitária e lavagem dos mesmos. Ainda, as antas (Tapirus terrestris) recebiam duas refeições diárias e, como havia um indivíduo adulto junto de um filhote, cuja adaptação ao leite líquido não foi bem sucedida, acrescentava-se leite em pó em sua dieta. Durante o período de acompanhamento das atividades da cozinha, realizadas de manhã, foi possível preparar a alimentação de diversos animais do plantel do zoológico, bem como dos indivíduos internados na clínica veterinária, sendo que cada espécie apresentava suas próprias fichas com os tipos de alimentos e as quantidades que deveriam ser adicionadas para satisfazer suas exigências nutricionais. Assim, as dietas que puderam ser preparadas envolveram as seguintes espécies: antas (Tapirus terrestris), queixadas (Tayassu pecari) (Figura 12), tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), araras-azuis (Anodorhynchus hyacinthinus), araras-canindé (Ara ararauna), araras-vermelhas (Ara chloropterus), sagui-de-tufo-branco (Callithrix jacchus), gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris), periquitão-maracanã (Psittacara leucophthalmus), periquito-rico (Brotogeris tirica), pato doméstico (Cairina moschata domesticus), coruja-orelhuda (Pseudoscops clamator) e coruja- buraqueira (Athene cunicularia). 44 Figura 12. Ficha alimentar dos queixadas (Tayassu pecari) presentes no Zoológico de Guarulhos, apresentando todos os componentes da dieta e suas respectivas quantidades. Fonte: Zoológico Municipal de Guarulhos. Após o término das responsabilidades diárias dos setores mencionados, era possível acompanhar os procedimentos da clínica e cirurgia, desenvolver enriquecimentos ambientais e/ou participar das práticas de condicionamento operante, as quais eram executadas uma vez ao dia, normalmente com o auxílio de um “target”, e envolviam os grandes felinos, lobos-guará (Chrysocyon brachyurus) (Figura 13), gato-mourisco (Puma yagouaroundi) e tucano-de-bico- verde (Ramphastos dicolorus). Ademais, a cada 20 dias, aproximadamente, realizava-se o recebimento e abate de camundongos e ratos twisters em câmara de gás carbônico, utilizados para a alimentação de alguns répteis e aves rapinantes. Ao longo do estágio, diversos processos de soltura de animais tratados e recuperados puderam ser concretizados, bem como foi possível assessorar alguns procedimentos de necropsias. 45 Figura 13. Condicionamento operante em lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) no Zoológico de Guarulhos. A. Comando “deita”. B. Reforço positivo após executar o comando. Fonte: Leticia Akemi. 3.2.1. Enriquecimentos ambientais Mediante a realização de reuniões com a Médica Veterinária supervisora Hilari Hidasi e a Bióloga e tratadora Renata Lages, responsável pelos enriquecimentos ambientais, definia-se semanalmente o planejamento das atividades diárias que seriam aplicadas. Primeiro, era escolhida a espécie que receberia o enriquecimento ambiental no decorrer daquela semana, priorizando um revezamento entre todos os animais do zoológico, para que então fosse debatida a exequibilidade das ideias. Na Tabela 5 encontra-se a quantidade de espécies em que foram aplicadas as diferentes categorias de enriquecimentos ambientais ao longo do estágio. As Figuras 14 e 15 expressam, respectivamente, a porcentagem dos tipos de atividades e da quantidade de animais que as receberam, de acordo com a Classe. A B 46 Tabela 5. Lista dos tipos e da quantidade de enriquecimentos ambientais realizados no Zoológico de Guarulhos, nas respectivas espécies animais, no período de 01/03 a 30/04/2021. Espécie Tipo de enriquecimento Alimentar Físico Cognitivo Anta (Tapirus terrestris) 1 -- -- Anu-branco (Guira guira) -- -- 1 Arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) 1 -- -- Arara-canindé (Ara ararauna) 1 -- -- Ararajuba (Guaruba guarouba) -- 1 -- Arara-vermelha (Ara chloropterus) 1 -- -- Bugio-ruivo (Alouatta guariba) 3 -- -- Carcará (Caracara plancus) 1 -- -- Cobra-do-milho (Pantherophis guttatus) -- 1 -- Furão (Galictis cuja) 1 2 -- Gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris) -- 1 -- Gato-mourisco (Puma yagouaroundi) 1 -- -- Jandaia-maracanã (Psittacara leucophthalmus) -- 1 -- Jiboia-amazônica (Boa constrictor) -- 1 -- Jiboia-arco-íris (Epicrates cenchria) -- 1 -- Leão (Panthera leo) 2 2 -- Lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) 3 1 -- Macaco-prego (Sapajus nigritus) 3 -- -- Maitaca-de-cabeça-azul (Pionus menstruus) -- 2 -- Maitaca-verde (Pionus maximiliani) -- 2 -- Mico-leão-de-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas) 3 -- -- Mutum-de-penacho (Crax fasciolata) 1 -- -- Onça-parda (Puma concolor) -- 2 -- Onça-pintada (Panthera onca) 1 1 -- Pequenos psitacídeos 1 -- -- Pica-pau-branco (Melanerpes candidus) -- -- 1 Píton (Python reticulatus) -- 1 -- Quati (Nasua nasua) 3 1 -- Queixada (Tayassu pecari) 1 -- -- Sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita) 4 -- -- Sagui-de-tufo-branco (C. jacchus) 3 -- -- Sagui-de-tufo-preto (C. penicillata) 3 1 -- Sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) 3 -- -- Serelepe (Sciurus ingrami) 1 -- 1 Seriema (Cariama cristata) 1 -- 1 Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) 1 -- -- Tucano-bico-verde (Ramphastos dicolorus) 1 -- 1 47 Tucano-toco (Ramphastos toco) 1 -- -- Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus) 1 -- -- Total 47 21 5 Figura 14. Representação gráfica da porcentagem dos tipos de enriquecimentos ambientais executados no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021. Figura 15. Representação gráfica das porcentagens das Classes animais que receberam algum tipo de enriquecimento ambiental no período de 01/03 a 30/04/2021, no Zoológico de Guarulhos. 48 As Figuras de 16 a 20 demonstram alguns dos enriquecimentos efetuados ao longo do período de estágio. Figura 16. A. Tubo com avelãs, enriquecimento ambiental cognitivo realizado para serelepe (Sciurus ingrami) no Zoológico de Guarulhos. B. Animal acessando a avelã após removê-la do tubo. Fonte: Leticia Akemi. Figura 17. A. Enriquecimento físico para serpentes do Zoológico de Guarulhos, feito com caixas de ovos e tubos de madeira. B. Jiboia-amazônica (Boa constrictor). Fonte: Leticia Akemi. A B A B 49 Figura 18. Enriquecimento ambiental efetuado para os leões (Panthera leo) no Zoológico de Guarulhos. A. Caixa de papelão, enriquecimento do tipo físico. B. Enriquecimento alimentar, utilizando um pedaço de carne colocado em cima da árvore. Fonte: Leticia Akemi. Figura 19. Sorvete de melancia oferecido como enriquecimento alimentar no Zoológico de Guarulhos. A. Quati (Nasua nasua). B. Queixada (Tayassu pecari). Fonte: Leticia Akemi. A B A B 50 Figura 20. A. Bolinhas de plástico como enriquecimento físico para furões (Galictis cuja) do Zoológico de Guarulhos. B. Animal acessando o enriquecimento na água. Fonte: Leticia Akemi. 3.2.2. Clínica veterinária A rotina no setor da clínica veterinária envolvia, no início das manhãs, a higienização das gaiolas e caixas em que os animais internados estavam mantidos. Primeiro, retirava-se os recipientes de água e comida para serem lavados após alguns minutos em água sanitária, para que, então, fossem limpos os fundos de gaiolas e trocados os jornais que as forravam. Também se substituíam os poleiros e panos, quando necessário, seguido da redistribuição dos potes de água devidamente higienizados. Logo em seguida, os animais eram levados ao lado de fora da clínica para serem expostos à luz do sol no restante do dia. Posteriormente, assim que finalizado o preparo pelos funcionários do setor da cozinha, distribuía-se a alimentação diária de cada indivíduo internado, sempre respeitando os hábitos das espécies. No caso da presença de filhotes, produzia-se suas respectivas dietas separadamente, na sala do lactário. Em A B 51 relação aos animais insetívoros, tenébrios e baratas provinham do biotério, enquanto para os carnívoros que necessitavam de presas recém-abatidas, camundongos e ratos twisters eram adquiridos de instituições parceiras. Além disso, ao longo do dia, executava-se os cuidados intensivos diários de acordo com as exigências de cada paciente, que envolviam desde a aplicação de medicamentos e trocas de curativo até a efetuação de práticas de fisioterapia, por exemplo. Quinzenalmente, uma Médica Veterinária especialista em fisiatria e nutrologia realizava diversas terapias complementares associadas aos tratamentos convencionais, como acupuntura, moxabustão, magnetoterapia, laserterapia, entre outras. Ainda, no caso de novas consultas, assim que os pacientes chegavam ao zoológico, o responsável pelo encaminhamento preenchia uma ficha de entrada na recepção, enquanto este era prontamente atendido no ambulatório. Como medida preventiva, submetia-se todas as espécies à exames coproparasitológicos periódicos durante o tempo que permaneciam internadas, os quais eram executados no próprio laboratório de patologia clínica do setor. Em relação aos procedimentos médicos que exigiam algum tipo de anestesia, a equipe realizava o preparo prévio do centro cirúrgico para que a intervenção ocorresse no menor tempo possível. Diversos procedimentos cirúrgicos puderam ser acompanhados, bem como foi possível oferecer assistência em todas as etapas anestésicas e cuidados pós-operatórios. A Tabela 6 descreve os diagnósticos e suspeitas clínicas dos casos acompanhados. 52 Tabela 6. Diagnósticos e suspeitas clínicas dos animais silvestres atendidos no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021. Diagnóstico ou suspeita clínica Número de casos Adulto hígido 13 Afecção odontológica 2 Aspiração pulmonar 1 Caquexia 2 Cistite 1 Claudicação 1 Eletrocussão 1 Filhote hígido/cuidados neonatais 22 Fratura em asa 6 Fratura em membro pélvico (MP) 1 Lesão de pele e musculatura 13 Letargia e hipotermia 1 Luxação em asa 1 Osteodistrofia 1 Paresia em MP 2 Penas cortadas 3 Politraumatismo 1 Rinolitíase 1 Trauma ocular e hifema 1 Traumas 12 TCE e ruptura de sacos aéreos 1 TCE e sinais neurológicos 2 Total 89 As Tabelas de 7 a 9 indicam a quantidade de espécies atendidas ao longo do estágio, de acordo com a Classe animal. Tabela 7. Lista das espécies de aves atendidas no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021. Nome popular Nome científico Quantidade de animais Avoante Zenaida auriculata 3 Beija-flor-tesoura Eupetomena macroura 1 Bem-te-vi Pitangus sulphuratus 5 Bico-de-lacre Estrilda astrild 5 53 Carcará Caracara plancus 1 Coruja-buraqueira Athene cunicularia 2 Coruja-orelhuda Asio clamator 3 Faisão-comum Phasianus colchicus 1 Garça-branca-grande Ardea alba 2 Garça-vaqueira Bubulcus ibis 3 Irerê Dendrocygna viduata 6 Maracanã-pequena Diopsittaca nobilis 3 Papagaio-verdadeiro Amazona aestiva 1 Periquitão-maracanã Psittacara leucophthalmus 7 Periquito-rico Brotogeris tirica 4 Pica-pau-verde-barrado Colaptes melanochloros 1 Pomba-asa-branca Patagioenas picazuro 1 Pombo doméstico Columba livia 1 Rolinha-roxa Columbina talpacoti 8 Sabiá-laranjeira Turdus rufiventris 2 Saí-andorinha Tersina viridis 1 Sanhaço cinzento Thraupis sayaca 1 Sanhaço-do-coqueiro Thraupis palmarum 1 Tucano-de-bico-verde Ramphastos dicolorus 1 Total 64 Tabela 8. Lista das espécies de mamíferos atendidos no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021. Nome popular Nome científico Quantidade de animais Gambá-de-orelha-branca Didelphis albiventris 1 Gambá-de-orelha-preta Didelphis aurita 12 Gato-do-mato-pequeno Leopardus tigrinus 3 Leão Panthera leo 1 Onça-parda Puma concolor 1 Sagui-de-tufo-preto Callithrix penicillata 1 Tapiti Sylvilagus brasiliensis 1 Total 20 Tabela 9. Lista das espécies de répteis atendidos no Zoológico de Guarulhos no período de 01/03 a 30/04/2021. Nome popular Nome científico Quantidade de animais Cascavel Crotalus durissus 2 Falsa-coral Erythrolamprus aesculapii 3 Total 5 54 A porcentagem de animais atendidos durante o período de estágio encontra-se expressa na Figura 21, conforme a Classe animal. Figura 21. Representação gráfica das porcentagens de espécies atendidas no Zoológico de Guarulhos, de acordo com a Classe animal, no período de 01/03 a 30/04/2021. 3.2.3. Condicionamento em Anodorhynchus hyacinthinus Diariamente, parte da equipe do Zoológico de Guarulhos realizava trabalhos de condicionamento operante com diferentes espécies, sendo uma delas a arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus), treinada, até então, apenas por uma tratadora. Mesmo cumprindo os comandos diários, este animal apresentava um alto nível de curiosidade com a aproximação de novas pessoas e, dentro do recinto, exibia comportamentos muitas vezes perigosos, que dificultavam os manejos (como subir no ombro e bicar, por exemplo). Sabendo disso, entre os dias 07 e 30 de abril de 2021, foi executado um trabalho de condicionamento operante visando dessensibilizar a ave à presença de uma 55 nova pessoa e, posteriormente, efetuar os comandos dentro do recinto, de forma segura, para facilitar o manejo da mesma e o exercício dos serviços diários. O programa de treinamento consistia na realização de dois treinos por dia, com duração de 15 a 20 minutos cada, entre os horários das 11 às 12 horas e 13:30 às 15 horas. Antes de iniciar as sessões, todos os acessórios e objetos que poderiam gerar distração eram removidos, como brincos e relógio, com exceção da máscara. Na primeira etapa de dessensibilização, executou-se alguns comandos do lado de fora do recinto, com uma grade de segurança separando a treinadora do animal. Estes foram denominados como “vem”, em que se apontava para um ponto da grade, com a mão ou utilizando um target, e a ave deveria locomover-se até ele, e “barriga”, o qual tocava-se toda a região peitoral para simular um exame físico (Figura 22). A partir do dia 19 de abril de 2020, após 11 dias de pré-treinamento, o condicionamento passou a ser efetuado dentro do recinto no período da tarde, com a presença da tratadora para prevenir a ocorrência de acidentes. Os comandos, então, denominavam-se “vem” (apontando um local com a mão para promover a locomoção), “pé” (em que o animal levantava o membro posterior, permitindo o toque), “asa” (com a finalidade de tocar e abrir as asas para inspecioná-las) e, na última semana, incluiu-se “barriga”. Vale ressaltar que, destas quatro orientações, a tratadora já executava as três primeiras e poucos comandos novos foram apresentados, tendo em vista que o objetivo final do trabalho era apenas reduzir os comportamentos adversos da ave ao introduzir uma treinadora inusual. Ao cumprir a atividade solicitada, acionava-se um “clicker” seguido de uma recompensa alimentar (semente de girassol ou pedaço 56 de coco), enquanto que, nos casos em que o comando não era efetivado, a treinadora punia o animal ao virar de costas e permanecer sem interações por 15 a 20 segundos. No início, através da grade, foi possível notar uma inquietação durante o comando “barriga” e certa dificuldade no compreendimento do “vem”, porém a ave apreendeu de imediato a instrução com o target e, em poucos dias, executava todas as solicitações perfeitamente. Em 20 de abril, o treino dentro do recinto precisou ser realizado de manhã e, apesar do animal cumprir os comandos, observou-se rejeição à recompensa com leve agressividade. Como nesse mesmo dia a tratadora filmou a sessão com um celular, não se sabe especificamente quais fatores afetaram o comportamento da ave: o aparelho eletrônico, o horário ou outra interferência. Também se constatou que a frequência de realização do condicionamento foi mais significativa para o aprendizado do que a duração dos treinos, sendo que a arara apresentou uma ótima e rápida evolução ao longo do processo. 57 Figura 22. Demonstração de alguns comandos realizados ao longo do condicionamento operante com arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus) no Zoológico de Guarulhos, no período de 07/04 a 30/04/2021. A. Comando “vem”, apontando para um ponto da grade com a mão. B. Comando “vem”, utilizando um target para apontar um local da grade. C. Comando “asa”, executado dentro do recinto com a finalidade de tocar e abrir as asas para inspecioná-las. D. Comando “barriga”, o qual tocava-se toda a região peitoral da ave para simular um exame físico. Fonte: Arquivo pessoal. 4. Discussão das atividades desenvolvidas Entre os diferentes desafios deparados por profissionais atuantes em zoológicos, encontra-se a necessidade de uma equipe multidisciplinar para promover condições que atendam, diariamente, às necessidades biológicas das mais variadas espécies animais. Tanto durante o período de estágio no Bosque e Zoológico Municipal Dr. Fábio de Sá Barreto quanto no Zoológico de 58 Guarulhos, foram vivenciadas atividades que reforçam a importância da interdisciplinaridade na medicina veterinária, pois além das práticas ligadas diretamente ao tratamento de enfermidades e recuperação de animais silvestres, a rotina envolvia manutenções ambientais e dietéticas diárias, observações comportamentais e execução de diferentes medidas de bem-estar. Em ambas as instituições, havia uma comunicação frequente entre biólogos, veterinários, zootecnistas e tratadores responsáveis por cada setor, o que facilitava a tomada de providências para proporcionar as melhores condições à cada espécie. Durante o estágio no zoológico de Ribeirão Preto, 153 animais foram atendidos, sendo 74% aves, 20% mamíferos e 6% répteis. É possível constatar que 22% dos casos tratavam-se de indivíduos com algum tipo de fratura, enquanto aproximadamente 20% envolviam animais sem nenhuma afecção, entre adultos, jovens e filhotes. Diversos procedimentos cirúrgicos puderam ser acompanhados durante a rotina, porém poucos exames laboratoriais foram executados devido à ausência de uma estrutura própria na instituição e a consequente necessidade de solicitá-los à locais privados. Além disso, por meio de uma parceria com duas Médicas Veterinárias, duas vezes por semana foram auxiliados numerosos procedimentos de laserterapia com variadas espécies. Vale ressaltar que, apesar da presença de uma sala para a realização de necropsias, tal prática foi efetuada com uma baixa frequência, o que muitas vezes prejudicou o estabelecimento, a confirmação e/ou modificação de diagnósticos. Ainda, embora o zoológico contasse com uma sala para exames radiográficos, esta não era utilizada devido ao alto custo que cada radiografia representava. No que diz respeito ao bem-estar, somente alguns 59 enriquecimentos ambientais foram efetuados diretamente, porém o setor responsável os desenvolvia e executava todos os dias, fazendo o registro e análise dos comportamentos animais frente a cada tipo de atividade promovida. Já em relação ao zoológico de Guarulhos, 89 casos puderam ser acompanhados ao longo do estágio, sendo 72% aves, 22% mamíferos e 6% répteis. Destes, 39% eram indivíduos filhotes, jovens ou adultos hígidos e, em geral, as alterações mais frequentes envolveram lesões de pele e musculatura (15% dos casos). Nota-se que a ocorrência de atendimentos à animais saudáveis foi considerável, semelhante ao zoológico de Ribeirão Preto. Isso pode ser devido à ação de munícipes que, ao avistar um indivíduo jovem ou filhote que ainda se encontrava em adaptação ao meio, ou um adulto aparentemente debilitado, realizavam sua captura e entrega nessas instituições. No que concerne aos enriquecimentos ambientais, foi proporcionado o total de 73 atividades. Destas, 67% envolveram mamíferos, 27% aves e 6% répteis. Ainda, quanto às categorias de enriquecimentos, a maioria correspondeu ao tipo alimentar (64%), seguido do físico (29%) e cognitivo (7%), não havendo a efetuação dos tipos social e sensorial. A equipe responsável pelo bem-estar tinha como prioridade realizar um rodízio entre os animais, para garantir uma frequência adequada de diferentes formas de enriquecimento a todas as espécies. Ainda assim, nota-se que mais da metade das práticas abrangeram mamíferos e o tipo alimentar, sendo necessário um planejamento mais cuidadoso quanto à categoria das atividades, bem como uma atenção especial voltada às espécies menos atendidas. Ademais, como um dos focos do zoológico é a realização de condicionamentos operantes, que também 60 proporcionam bem-estar aos animais, muitos puderam ser acompanhados e, várias vezes, efetivados diretamente. Apesar da menor ocorrência de práticas cirúrgicas em Guarulhos, foi possível assessorar vários procedimentos anestésicos envolvendo diferentes espécies silvestres. Além disso, a execução de necropsias era mais rotineira e, como o local conta com um laboratório de patologia clínica próprio, todos os animais internados eram submetidos à distintas técnicas de exames coproparasitológicos preventivos, bem como executava-se outros tipos de análises laboratoriais sempre que necessário. Embora a sala de radiografias ainda não pudesse ser utilizada, o zoológico possuía parcerias com empresas privadas e profissionais autônomos para a realização de radiografias e exames ultrassonográficos. Ademais, quinzenalmente, foi possível colaborar em inúmeras técnicas de terapias complementares, como acupuntura, moxabustão, laserterapia e magnetoterapia, que abrangeram aves e mamíferos. 5. Conclusões O período de estágio curricular proporcionou um grande crescimento profissional e pessoal, revelando os desafios encontrados por médicos veterinários atuantes em zoológicos e a necessidade de sempre buscar novos conhecimentos e especializações. As atividades desenvolvidas no Bosque e Zoológico Municipal Dr. Fábio de Sá Barreto agregaram muitos conhecimentos e experiências práticas, tanto por meio do contato direto com diversas espécies silvestres, quanto devido à 61 rotina mais intensa de atendimentos, sendo possível vivenciar diferentes casos. O estágio no Zoológico de Guarulhos possibilitou o aprimoramento dos aprendizados teóricos e práticos nas mais variadas áreas, propiciando a saída da zona de conforto e um contato íntimo com múltiplas terapias complementares não convencionais, além de demonstrar a importância de um bom relacionamento interpessoal no trabalho. Ambos os locais contaram com excelentes profissionais, sempre disponíveis e solícitos, que evidenciaram a relevância da presença de uma equipe multidisciplinar. Assim, o estágio curricular foi uma experiência imensamente positiva e essencial para a capacitação da acadêmica na área da medicina e conservação de animais selvagens. 62 II. Caso de interesse “Choque elétrico em bugio-preto (Alouatta caraya)” 1. Introdução A ordem dos Primatas é constituída por um dos mais variados conjuntos de mamíferos, sendo comumente dividida entre animais do Velho Mundo (Ásia e África) e Novo Mundo (América). As espécies pertencentes ao primeiro grupo, como babuínos, chimpanzés e orangotangos, correspondem à Infraordem Catarrhini, e suas principais características envolvem um focinho longo com narinas voltadas para baixo, unhas achatadas e cauda não-preênsil, quando presente. Já os Platyrrhini, primatas do continente americano (bugios, muriquis, saguis, entre outros), distinguem-se principalmente por apresentarem um focinho mais curto, narinas voltadas para os lados e presença de cauda preênsil em algumas espécies (ANDRADE, 2002). Com uma extensa área de distribuição geográfica, os platirrinos podem ser encontrados em florestas tropicais das Américas Central e do Sul. De maneira geral, são animais de hábitos diurnos, de pequeno a médio porte, arborícolas e que predominantemente possuem locomoção quadrúpede, podendo também realizar braquiação e deslocamento bípede (BICCA-MARQUES; SILVA; GOMES, 2006). Segundo Verona & Pissinatti (2014), entre as famílias inclusas nessa Infraordem, a Atelidae compõe-se dos maiores primatas neotropicais, contendo cinco gêneros de espécies nativas do continente americano, cuja ocorrência abrange do México até a Argentina e o Estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. Na natureza, a dieta desses animais é muito diversificada e pode apresentar 63 variações sazonais, como no caso do gênero Alouatta, que embora seja considerado folívoro, em certos períodos do ano é basicamente frugívoro. Das espécies pertencentes a esse gênero e que ocorrem em território brasileiro, é possível citar o bugio-preto (A. caraya), que tem sofrido grande pressão antrópica ao longo dos anos (VERONA & PISSINATTI, 2014). De acordo com a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da International Union for Conservation of Nature (IUCN, 2020), a população de A. caraya está em declínio e é classificada como “quase ameaçada”. Entretanto, a espécie encontra-se em perigo de extinção no Estado de São Paulo, segundo o Decreto nº 63.853, de 27 de novembro de 2018, sendo que as populações remanescentes estão restritas a fragmentos degradados de Cerrado, que vêm sofrendo intensa redução desde o final do século XIX, restando, no Estado, apenas 1% da cobertura vegetal natural desse bioma (BRESSAN; KIERULFF; SUGIEDA, 2009). Assim, atualmente, a principal ameaça à espécie é a destruição e fragmentação de seu habitat, porém vale ressaltar outras atividades antrópicas que também causam impactos negativos relevantes na sobrevivência dos bugios, como a predação por carnívoros domésticos, caça, tráfico, atropelamentos e acidentes envolvendo eletrocussão (PETRUCCI et al., 2009). Visto que primatas facilmente alcançam a rede elétrica, principalmente em áreas relacionadas às bordas de matas e regiões antropizadas, devido ao maior contato da vegetação com as fiações (MONTICELLI & MORAIS, 2015), este é um dos grupos de animais de vida livre mais propensos a serem vítimas de choques elétricos, muitas vezes fatais (PEREIRA, 2011). 64 Nesse tipo de acidente, diversos fatores podem influenciar na gravidade das lesões e no risco de mortalidade do paciente, como o tipo de corrente, sua intensidade, a resistência dos tecidos do organismo, o trajeto percorrido no corpo do indivíduo e a duração de aplicação da descarga elétrica (PEREIRA, 2011; RABELO, 2012). As situações que oferecem risco imediato devem ser priorizadas no tratamento inicial, mas sabendo que correntes elétricas são capazes de desencadear inúmeros desequilíbrios orgânicos e lesões teciduais, podendo afetar múltiplos sistemas simultaneamente e em diferentes níveis de gravidade, é necessário que cada caso seja avaliado em particular para estabelecer a terapia mais eficaz na recuperação do animal (PEREIRA, 2011). Dessa forma, o presente trabalho visou relatar o caso clínico de um jovem bugio-preto (Alouatta caraya), macho e de vida livre, vítima de choque elétrico. 2. Revisão de literatura Entre os primatas neotropicais, o gênero Alouatta, pertencente à família Atelidae, é o que apresenta a maior distribuição geográfica, sendo encontrado do México à Argentina, do oeste do Equador ao leste do Estado da Paraíba, no Brasil, e em diversos outros Estados brasileiros até o Rio Grande do Sul (BICCA- MARQUES; SILVA; GOMES, 2006). Popularmente, são conhecidos como bugios, guaribas ou barbados, a depender da região em que habitam. Uma das características marcantes desse grupo envolve a presença de um osso hioide muito desenvolvido na laringe, mais proeminente nos machos do que nas fêmeas e responsável pela vocalização característica de longo alcance (SILVA, 2015). O comprimento da extremidade superior dos ossos parietais, no crânio, até a 65 base da cauda é de 374 a 690 mm, sendo que esta é preênsil, bastante longa (510 a 790 mm) e de grande importância para a locomoção e alimentação (VERONA & PISSINATTI, 2014). Das espécies que ocorrem no Brasil, o bugio-preto (Alouatta caraya) pode ser encontrado em diferentes biomas como Cerrado, Caatinga, Pantanal, Pampa, Mata Atlântica e partes da Amazônia, habitando florestas primárias, secundárias ou ecossistemas antropogênicos degradados (BICCA-MARQUES; SILVA; GOMES, 2006). Sua área de ocorrência brasileira envolve os Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Bahia, São Paulo, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Brasília, Maranhão, Pará, Piauí e Rondônia (IUCN, 2020). São animais com uma longevidade de 15 a 20 anos e que apresentam dimorfismo sexual relacionado ao peso e à coloração da pelagem: normalmente, os machos adultos são pretos e mais pesados (5,3 a 9,6 kg) do que as fêmeas (3,6 a 6,5 kg), cuja pelagem varia de bege-acinzentada, amarelada ou marrom clara, sendo que todos os filhotes têm pelos amarelados até atingirem a maturidade sexual (BICCA-MARQUES; SILVA; GOMES, 2006; VERONA & PISSINATTI, 2014). Os bugios-pretos são indivíduos de hábitos diurnos, arborícolas e que, em geral, vivem em grupos sociais com um número de fêmeas maior do que de machos (BICCA-MARQUES; SILVA; GOMES, 2006). Sua dieta é composta principalmente por folhas e frutos em diferentes status de maturação, mas também por sementes, flores, caules, cascas e líquens, sendo esta flexibilidade alimentar um dos fatores que contribuem para a tolerância ecológica da espécie e sua sobrevivência em fragmentos florestais, muitas vezes, de poucos hectares (PRATES, 2007). Apesar dessa adaptabilidade aos recursos disponíveis, a 66 urbanização acelerada exerce grande impacto nas populações silvestres. Além da fragmentação do hábitat natural, outras condições de origem antrópica que os ameaçam são as atividades de caça, o tráfico de filhotes, a predação por carnívoros domésticos e acidentes envolvendo atropelamento e eletrocussão (PETRUCCI et al., 2009). Também vale ressaltar que muitas das mortes dos bugios são provocadas por pessoas que temem a transmissão da febre amarela por esses animais, porém, assim como outros primatas, a espécie não é transmissora do patógeno. Ainda, por ser muito sensível ao vírus e apresentar uma elevada taxa de mortalidade, a espécie atua como sentinela do agente no ambiente, apresentando um importante papel na vigilância epidemiológica dessa enfermidade (BICCA-MARQUES & DE FREITAS, 2010). Entre os animais de vida livre mais propensos a serem vítimas de eletrocussão, destacam-se os primatas, tendo em vista a facilidade que apresentam para alcançar a rede elétrica ao se locomoverem ou na tentativa de descanso (PEREIRA, 2011). Comumente, esse tipo de acidente ocorre em áreas relacionadas às bordas de matas e regiões antropizadas, devido à maior proximidade da vegetação com as fiações (MONTICELLI & MORAIS, 2015). O choque elétrico pode ser definido como o efeito da passagem de uma corrente elétrica pelo corpo de um indivíduo, sendo denominado fulguração quando proveniente de uma fonte natural, ou eletrocussão quando leva à óbito e tem origem artificial, como fios de energia (PEREIRA, 2011; RABELO, 2012). Em geral, nas áreas urbanas, a transmissão e distribuição da eletricidade é realizada através de linhas aéreas, constituídas por estruturas de suporte, condutores neutros, condutores separados por dielétrico (isolante) e para-raios 67 (LEÃO, 2009). Assim, quando se perde o isolante devido a interposição de um corpo de menor resistência entre os condutores, havendo diferenças de potencial entre o ponto de entrada e saída do choque, ocorre a passagem da corrente elétrica pelo organismo (REDINZ, 1998). Diante disso, as eletrocussões podem ser causadas tanto por corrente contínua como alternada, sendo que a última é o tipo fornecido pelas indústrias e usado nas residências, caracterizado por variações de sentido e intensidade, com sua frequência medida em Hertz, ou seja, ciclos por segundo (MARKUS, 2004; PEREIRA, 2011). Enquanto um choque provocado por corrente contínua, normalmente, causa contrações musculares e afastamento da fonte elétrica, a corrente alternada é mais perigosa, pois pode ocasionar tetania muscular e, assim, manter o animal em contato com a fonte (RABELO, 2012). Além do tipo de corrente, outros fatores que influenciam nos efeitos deletérios provocados pelo choque são sua intensidade, a resistência dos tecidos do organismo, o trajeto percorrido no corpo e a duração de aplicação da descarga elétrica. Na ocorrência de acidentes envolvendo correntes de elevada intensidade, observa-se contrações musculares involuntárias de maior gravidade, bem como há um aumento do risco de acometimento dos centros cardiorrespiratórios e das chances de mortalidade (PEREIRA, 2011; RABELO, 2012). Ainda, é possível que esse efeito seja limitado ou acentuado dependendo do nível de resistência elétrica do corpo, localizado principalmente na pele íntegra e seca (JÚNIOR & SILVA, 2004). Sabendo que a epiderme é constituída de células epiteliais justapostas e queratina, além de ser recoberta por pelos, a mesma apresenta uma má condução de eletricidade, ao contrário da derme, uma 68 boa condutora devido a sua composição por tecido conjuntivo, vasos sanguíneos, fluidos e terminações nervosas. Ademais, ossos, tendões e gordura possuem alta resistência, tendendo a aquecer e alterar sua conformação ao invés de transmitirem a corrente (COOPER, 1995). Assim, regiões úmidas ou com solução de continuidade da pele apresentam condutividade elétrica elevada, enquanto locais em que esta é mais espessa e queratinizada demonstram ser mais resistentes (JÚNIOR & SILVA, 2004). Ainda, outro aspecto de grande importância quanto ao risco de mortalidade nesse tipo de acidente, refere-se ao trajeto do choque no corpo do animal. Nos casos em que a corrente atravessa da cabeça aos pés, ou de um membro torácico ao pélvico contralateral, ou se envolve ambos os membros torácicos, há maior chance de óbito resultante de descarga elétrica direta ao coração, enquanto que os riscos reduzem se o trajeto da corrente vai de um membro inferior ao solo, ou se percorre os dois membros de uma mesma lateral (JÚNIOR & SILVA, 2004). Por fim, observa-se que, em geral, quanto maior o tempo de duração da aplicação do choque elétrico no corpo de um indivíduo, maior a quantidade de tecidos lesionados e mais graves são os ferimentos resultantes (COOPER, 1995). As lesões observadas nesse tipo de acidente são produzidas através da passagem da energia elétrica pelo organismo e da conversão de parte da mesma em energia térmica, sendo este fenômeno chamado de “Efeito Joule” (OLIVEIRA et al., 2013). Segundo Rabelo (2012), podem ser observadas consequências imediatas, como parada cardiorrespiratória, distúrbios motores e sensoriais, inconsciência, amnésia e confusão mental, ou tardias, classificadas como focais 69 (hemiplegia, mielite, atrofia muscular progressiva e neuropatias) e não-focais (cefaleia, amnésia, confusão mental e comportamentos alterados). Comumente, são observadas lesões de queimadura, em que as menores e mais profundas costumam apresentar maior gravidade (RABELO, 2012). Na área do choque, a epiderme pode sofrer carbonização e apresentar um aspecto amarronzado e friável, enquanto na derme ocorre gelatinização e destruição de vasos e terminações nervosas, decorrente do extenso processo de lise celular (PEREIRA, 2011). Músculos, tendões, cartilagens, ossos e nervos também estão susceptíveis às queimaduras, podendo acarretar em atrofia muscular, perda de sensibilidade e de coordenação motora, alterações mentais e comportamentais (COOPER, 1995). É comum haver lesões de natureza crônica, em que há o aparecimento de ferimentos graves de tecidos moles e necrose de extremidades apenas dias após o acidente (JOPPERT, 2014), sendo também possível ocorrer um comprometimento da regulação da temperatura corporal e uma grande perda de fluidos pela passagem de plasma intravascular para o espaço intersticial (MENEGHETTI et al., 2005). Em relação às lesões internas, o choque pode afetar os nervos responsáveis pelos movimentos do diafragma e da musculatura intercostal ou, ainda, provocar um processo de tetanização da musculatura diafragmática, resultando em parada respiratória (JÚNIOR & SILVA, 2004). Também é possível haver danos circulatórios quando a corrente elétrica atinge o coração e ocasiona arritmias graves, que podem promover fibrilação ventricular e, assim, impedir o bombeamento do sangue aos tecidos (COOPER, 1995; JÚNIOR & SILVA, 2004). Nesse processo, o aquecimento do sangue pode causar efeitos térmicos 70 diretos às células, como desnaturação de proteínas plasmáticas, perda de estabilidade de membranas e destruição de células sanguíneas, além de provocar dilatação vascular e favorecer o estabelecimento de edemas e a formação de coágulos, que predispõem a ocorrência de trombose imediata ou tardia (COOPER, 1995; PEREIRA, 2011). Ainda, podem haver queimaduras em órgãos internos e processos de rabdomiólise em tecidos musculares, responsáveis por facilitar infecções e liberar diversas substâncias potencialmente tóxicas para os rins, como a mioglobina, acarretando, possivelmente, no desenvolvimento de um quadro de insuficiência renal aguda (PEREIRA, 2011; RABELO, 2012). Por fim, sabe-se que o choque, quando intenso ou de maior duração, pode provocar contrações musculares involuntárias e desordenadas, capazes de levar à tetania muscular e agravar o quadro ao manter o animal em contato com a fonte elétrica. Por outro lado, também é possível que tais contrações causem o lançamento do indivíduo para longe da fonte de energia, podendo resultar em fraturas, contusões e hemorragias decorrentes da queda ou colisão com alguma superfície (COOPER, 1995; JOPPERT, 2014). As situações que oferecem risco imediato ao paciente vítima de choque elétrico devem ser priorizadas no tratamento inicial (PEREIRA, 2011), sendo que, nos casos de parada cardiorrespiratória, deve-se executar as manobras e procedimentos de reanimação cardiopulmonar (RABELO, 2012). Vale ressaltar que a realização de exames complementares, como radiografias, eletrocardiograma, avaliação neurológica, hematológica, bioquímica e urinálise, 71 auxiliam na escolha da terapia mais adequada e na monitorização do paciente ao longo do período de internação (RABELO, 2012). Em relação às queimaduras, segundo Joppert (2014), é recomendado realizar a lavagem e o debridamento das lesões, aplicar terapia de suporte (analgesia e fluidoterapia), tratamento tópico e prevenir infecções secundárias. Para evitar a ocorrência de sepse, podem ser empregados antibióticos bactericidas parenterais e curativos com cremes antibacterianos, cujo período de troca dependerá do produto de escolha (JOPPERT, 2014). A analgesia é passível de ser promovida através de opioides, agonistas alfa-2 adrenérgicos, anestésicos locais e anti-inflamatórios não esteroides, os quais minimizam a inflamação tecidual e suprimem a transmissão do estímulo (WHITESIDE, 2014). A aplicação de fluidoterapia auxilia tanto na reposição hídrica quanto na correção de distúrbios eletrolíticos, bem como previne o desenvolvimento de insuficiência renal aguda (MENEGHETTI et al., 2005; PEREIRA, 2011). Por fim, glicocorticoides reduzem a inflamação e o risco de isquemia no sistema nervoso após o trauma, além de melhorarem o fluxo sanguíneo e protegerem o tecido neural da ação citotóxica de radicais livres, quando utilizados em dosagens elevadas (ARIAS; SEVERO; TUDURY, 2007). Ademais, tendo em vista que o prognóstico varia conforme a extensão e gravidade das lesões, e levando em conta os inúmeros desequilíbrios orgânicos e danos teciduais provocados em acidentes que envolvem choques elétricos, deve-se considerar a realização de eutanásia quando as lesões apresentam gravidade elevada, improvável reversão e são incompatíveis com a manutenção da qualidade de vida e bem-estar do animal (JOPPERT, 2014; PEREIRA, 2011). 72 3. Relato de caso No dia 19 de