PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS MICROBIOLOGIA APLICADA FUNGOS DE SOLOS DE RECUO DE GELEIRAS ANTÁRTICAS: AVALIAÇÃO DA DIVERSIDADE E ECOLOGIA JULIANA APARECIDA DOS SANTOS UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS Rio Claro - SP 2020 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS MICROBIOLOGIA APLICADA FUNGOS DE SOLOS DE RECUO DE GELEIRAS ANTÁRTICAS: AVALIAÇÃO DA DIVERSIDADE E ECOLOGIA JULIANA APARECIDA DOS SANTOS Orientadora: Profa. Dra. Lara Durães Sette Co-orientador: Prof. Dr. Rubens Tadeu Delgado Duarte Rio Claro - SP 2020 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Ciências Biológicas(Microbiologia Aplicada). S237f Santos, Juliana Aparecida dos Fungos de solos de recuo de geleiras antárticas: avaliação da diversidade e ecologia / Juliana Aparecida dos Santos. -- Rio Claro, 2020 185 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Biociências, Rio Claro Orientadora: Lara Durães Sette Coorientadora: Rubens Tadeu Delgado Duarte 1. Fungos Antárticos. 2. Recuo de Geleiras. 3. Metabarcoding. 4. Diversidade Fúngica. 5. Ecologia Microbiana. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Biociências, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Câmpus de Rio Claro CERTIFICADO DE APROVAÇÃO TÍTULO DA TESE: FUNGOS DE SOLOS DE RECUO DE GELEIRAS ANTÁRTICAS: AVALIAÇÃO DA DIVERSIDADE E ECOLOGIA AUTORA: JULIANA APARECIDA DOS SANTOS ORIENTADORA: LARA DURÃES SETTE COORIENTADOR: RUBENS TADEU DELGADO DUARTE Aprovada como parte das exigências para obtenção do Título de Doutora em CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (MICROBIOLOGIA APLICADA), área: Microbiologia Aplicada pela Comissão Examinadora: Profa. Dra. LARA DURÃES SETTE Departamento de Biologia Geral e Aplicada / IB Rio Claro Prof. Dr. ANDRÉ RODRIGUES Departamento de Biologia Geral e Aplicada / IB Rio Claro Profa. Dra. MILENE FERRO Pós-Doutoranda do Centro de Estudos de Insetos Sociais / IB Rio claro Profa. Dra. AMANDA GONÇALVES BENDIA Pós-Doutoranda do Departamento de Oceanografia Biológica / Universidade de São Paulo Prof. Dr. FERNANDO DINI ANDREOTE Departamento de Ciência do Solo / Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) Rio Claro, 16 de setembro de 2020 Instituto de Biociências - Câmpus de Rio Claro - Av. 24-A no. 1515, 13506900 CNPJ: 48.031.918/0018-72. Dedico a minha filha Clara AGRADECIMENTOS Sou muito grata pela oportunidade de ter ingressado na Pós Graduação. Foi uma jornada com muitas transformações ao longo da caminhada. Houve momentos de extrema paixão e desilusão pela ciência, cada um com sua importância. Explorei e mergulhei em diversos contextos, conteúdos e áreas. Aos poucos compreendi minha maneira de ver e fazer ciência. Todo esse processo só foi possível graças a minha orientadora prof. Lara D. Sette. Agradeço imensamente pela oportunidade de fazer parte do seu grupo de pesquisa. Sou grata por cada palavra, apoio, ajuda, amizade, orientação e compreensão. Agradeço por toda confiança e liberdade, com certeza isso foi fundamental durante minha caminhada. Ao co-orientador desse trabalho, prof. Rubens Duarte por todas as experiências proporcionadas, ensinamentos, conversas e incentivo. Agradeço imensamente por ter me recebido em seu grupo de pesquisa e ter apresentando a Bioinformática. Ao prof. André por todos ensinamentos, ajuda e diversas conversas que foram muito produtivas durante todo esse tempo. Ao Programa Antártico Brasileiro, por viabilizar o presente projeto, oferecendo toda a logística, através da Aeronáutica e Marinha brasileira, para o acesso à Antártica. E ao grupo Endurance, que nos auxiliaram em todos os momentos antárticos. Aos integrantes antigos e atuais do LAMAI. Tive a oportunidade de ver esse laboratório nascer e acompanhar todo processo. São tantas pessoas especiais que somaram na minha vida nesse longo período que prefiro não citar o nome para não correr o risco de esquecer de alguém. Agradeço por tornarem a rotina laboratorial mais leve e divertida. A todos do laboratório LESF, por todo companheirismo, conversas e ajudas. Agradeço ao todos do laboratório de Microbiologia do solo (UFSC) pela acolhida, chimarrão, cafés e amizades. Agradeço em especial ao lab. LEMEx, a esse grupo de pessoas tão motivadas a fazer e divulgar ciência. Ao Davi, Gabizinha e Priscila aprendi muito sendo co-orientadora de seus projetos, foi uma lição valiosa. Agradeço minha grande amiga Lia, como ouvi certa vez, amizades antárticas são para sempre. É difícil expressar toda minha gratidão, foram muitas aventuras (com emoções), cafezinhos, conversas, ajudas e momentos especiais. E ao seu noivo Marcos, que tornou um grande amigo. Aos meus amigos Maria e Quimi, sou muito grata por ter vocês na minha vida. Agradeço em especial ao Quimi por todos os ensinamentos, ajudas e conversas que contribuíram tanto para meu trabalho quanto para minha vida. Vocês moram no meu coração. Às minhas amigas Fabi e Thais agradeço por todos os momentos, jantarzinhos, cafés, barzinhos e tantas coisas boas vividas juntas que deixaram a vida mais leve e especial. À minha eterna amiga Gabi, o tempo passa, a distância aumenta e a gente continua sempre com assuntos para longas e boas conversas. Agradeço muito por toda ajuda, apoio, incentivo e por fazer parte da minha vida. À minha amiga Lisa, admiro tanto essa mulher forte e guerreira. Um exemplo de mãe e doutoranda. Gratidão por tudo, em especial por me ajudar na introdução ao mundo da “maternidade”. Às minhas maninhas Loris e Brenda, gratidão por todas as risadas, momentos lindos e por compartilharem comigo a busca do caminho do autoconhecimento. À minha amiga Aline, por todas nossas conversas, pela amizade, abraços apertados e o yoga que deixaram os dias mais leves. À amiga Irina, essa Cubana tão especial que alegrou minha vida e me fez ver o mundo de outra forma. Agradeço por mesmo longe fazer parte dos meus dias. À Raiane, nossa amizade vem desde a graduação, juntas desbravamos o TCC. Obrigada por continuar na minha vida, por todo incentivo e palavras bonitas. Às “Xeramelas”, Alice, Bruna, Lila e Amanda. Gratidão pela oportunidade de ter vivido com vocês, mesmo que por um tempo curto. Aprendi a ver a vida de uma forma mais leve. Agradeço a República Ninho pela acolhida em Florianópolis. Conheci tantas pessoas especiais, foram tantos momentos bons que ficaram guardados para sempre. Á minha amiga Mariana, agradeço pela amizade, pelo incentivo para começar a correr, por todos nossos ‘rolezinhos’ gastronômicos pela ilha e por todas aventuras. Á Dani por toda amizade, conversas, praias, desabafos e tantos momentos bons. Ao Edenilson, agradeço a amizade, incansáveis trocas de informações, colaboração, ensinamentos e por toda ajuda. Agradeço imensamente aos meus pais, Silvana e João. Gratidão por todo apoio, por serem meu porto seguro e meu exemplo de vida. Á minha irmã Dani por ser essa mulher corajosa que sempre vai à luta dos seus sonhos, agradeço por sempre poder contar com você. Ao meu maninho Ryan, sou muito grata por ter você na minha vida, sua bondade e jeito tranquilo me traz inspiração. Ao meu companheiro Maicos. Agradeço por todo apoio, incentivo e por caminhar ao meu lado. Gratidão por me entender tão bem e apoiar até minhas ideias malucas. Fico feliz em iniciar uma nova jornada ao seu lado, agora pais da Clara. Á minha filha Clara, muito em breve vamos conhecê-la. Mesmo ainda habitando meu útero, já transformou amorosamente tudo por aqui. Gratidão pela oportunidade de ser sua mãe, vamos viver uma bela aventura juntas. Agradeço a todas as mulheres que ocuparam seus devidos lugares na Ciência, a todas que lutam para ter voz ativa, e em especial a todas mães cientistas. A educação é nossa maior ferramenta. Agradeço a todos pesquisadores que fazem Ciência no Brasil, por resistirem a tempos tão sombrios. Agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo número 2015/25170-1, pela bolsa de Doutorado concedida e pelo auxílio financeiro para a realização desta pesquisa. "O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001" A todos que direta ou indiretamente contribuíram para este trabalho, meus sinceros agradecimentos. In an honest search for knowledge you quite often have to abide by ignorance for an indefinite period… The steadfastness in standing up to [this requirement], nay in appreciating it as a stimulus and a signpost to further quest, is a natural and indispensable disposition in the mind of a scientist. Erwin Schrodinger RESUMO A retração frontal de geleiras é frequentemente considerada como um sinal evidente de aquecimento global. Os solos de geleiras abrigam uma comunidade microbiana ativa de decompositores e frente à retração contínua do gelo, o solo passa a representar um gradiente de fatores físicos, químicos e biológicos que refletem as mudanças regionais ao longo do tempo. A micologia antártica é uma ciência relativamente recente e pouco se conhece sobre a natureza biológica desse grupo de micro-organismos. O presente trabalho é parte dos projetos FAPESP 2016/07957-7, PROANTAR/CNPq MICROSFERA e CNPq Universal (407986/2018-9) e teve como objetivo principal conhecer a diversidade de fungos (utilizando métodos dependentes e independentes de cultivo) de amostras de solo de recuo de duas geleiras situadas na Península Fildes (Ilha Rei George), bem como avaliar a estrutura da comunidade de fungos e correlacioná-la à composição dos solos amostrados. Os resultados obtidos no método dependente de cultivo revelaram a diferença na composição das comunidades fúngicas ao longo do recuo da geleira Collins e a presença de isolados ainda não reportados no ambiente Antártico. Foi isolado um total de 309 fungos distribuídos em 19 gêneros. Os representantes dos gêneros Pseudogymnoascus e Mortierella apresentaram alta prevalência e dominância em todas as amostras. Os dados revelaram a presença de fungos filamentosos pertencentes ao Filo Basidiomycota, raramente isolados na Antártica. As variações ambientais demonstraram ter influenciado os gêneros Pseudogymnoascus e Pseudeutorium. A abordagem independente de cultivo (metabarcoding de DNA ITS1) das amostras do transecto das geleiras Collins e Baranowski, forneceu informações sobre a diversidade e composição das comunidades fúngicas desses ecossistemas. As geleiras Baranowski e Collins apresentaram diferenças na composição das comunidades fúngicas, com predominância de fungos pertencentes aos Filos Ascomycota e Basidiomycota. A composição da comunidade foi espacialmente auto-correlacionada e os resultados indicam uma certa relação com diferentes fatores ambientais, tais como, Argila, Ca e Mn. Os dados obtidos pelo método independente de cultivo possibilitaram acessar uma maior diversidade de fungos quando comparado com o método baseado em cultivo utilizado para avaliar as amostras de solos da geleira Collins. Contudo, os dois métodos revelaram a predominância do Filo Ascomycota no ambiente. No método dependente de cultivo o gênero Pseudogymnoascus foi o mais abundante, corroborando os resultados de outros estudos onde este gênero se apresenta como predominante em amostras marinhas e terrestres da Antártica. Porém, no método independente de cultivo representantes do gênero Pseudogymnoascus não foram os prevalentes nas amostras de solo estudadas. Esta abordagem revelou um total de 190 gêneros nas amostras de solos do recuo da geleira Collins e Baranowski. Os gêneros Verrucaria, Mortierella e Peniophora apresentaram alta abundância e prevalência em todas as amostras. Os resultados gerados nesse trabalho contribuem para a elucidação de lacunas no meio científico, trazendo inovação, conhecimento e dados que podem ser futuramente explorados em âmbito ecológico biotecnológico. Palavras-chave: Fungos Antártico; Recuo de geleira; Ecologia Microbiana; Diversidade Fúngica ABSTRACT Glacial retreat is often considered a clear sign of global warming. Glacier soils harbor an active microbial community of decomposers, and under the continuous retraction of glaciers, the soil starts to represent a gradient of physical, chemical, and biological factors that reflect local changes over time. Antarctic mycology is a relatively recent science and little is known about the biological nature of fungi in this environment. The present work is part of three projects (FAPESP 2016/07957-7, PROANTAR/CNPq MICROSFERA and CNPq Universal (407986/2018-9)) and it aimed at assessing the diversity of fungi (by the use of culture-dependent and -independent methods) from samples of glacier soil collected after glacial retreat of Collins and Baranowski glaciers (Fildes Peninsula, King George Island). Moreover, it also aimed at evaluating the structure of the fungal community and correlating it to the composition of the sampled soils.The results obtained using the culture-dependent approach revealed a difference in the composition of fungal communities along the retreat of Collins glacier. They also showed the presence of isolates that have not been reported in Antarctica yet. A total of 309 fungi distributed in 19 genera were obtained. Representatives of the genera Pseudogymnoascus and Mortierella were the most abundant in all samples. The data revealed the presence of filamentous fungi belonging to the phylum Basidiomycota, rarely found in Antarctica. Environmental variations proved to have influenced the genera Pseudogymnoascus and Pseudeutorium. The culture-independent approach (ITS1 DNA metabarcoding) of the samples from the transect of Collins and Baranowski glaciers provided information on the diversity and composition of fungal communities in those ecosystems. Collins and Baranowski glaciers showed differences in the composition of their fungal communities, with the predominance of fungi belonging to the phyla Ascomycota and Basidiomycota. The composition of the community was spatially auto-correlated and the results indicate a certain relation with different environmental factors, such as, clay, Ca and Mn. The data obtained by the culture- independent approach revealed a higher diversity of fungi in the samples form Collins glacier when compared to the culture-dependent one. Nevertheless, both approaches revealed a predominance of the phylum Ascomycota in the environment. The genus Pseudogymnoascus was the most abundant genus retrieved by the culture-dependent method, which confirms the results of other studies in which Pseudogymnoascus isolates were found to be predominant in terrestrial and marine Antarctic samples. Nonetheless, representatives of that genus were not found to be prevalent in the soil samples when the culture-independent method was applied. This approach revealed a total of 190 fungi genera from all soil samples from Collins and Baranowski glaciers. The genera Verrucaria, Mortierella and Peniophora were highly abundant and prevalent in all samples. The results obtained in this work contribute to the elucidation of gaps in the scientific knowledge and bring innovation and data that can be explored in the future in the ecological and biotechnological areas. Key words: Antarctic fungi; Glacier retreat; Microbial Ecology; Fungal Diversity SUMÁRIO 1.INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 20 2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................ 23 2.1. Antártica ....................................................................................................................... 23 2.2. Aquecimento global e a retração de geleiras na Península Antártica ............................ 25 2.3. Geleira Collins .............................................................................................................. 26 2.4. Geleira Baranowski ..................................................................................................... 29 2.5. Antártica como habitat microbiano ................................................................................ 31 2.6. Diversidade de fungos de ambientes antárticos ........................................................... 34 2.7. Ecologia microbiana de recuo de geleiras ..................................................................... 36 2.8. Sequenciamento de alto rendimento aplicado à identificação de fungos ....................... 39 2.9. Metabarcoding empregados no estudo das comunidades microbianas em ambientes frios ............................................................................................................................................ 40 3. OBJETIVOS .................................................................................................................... 42 3.1. Objetivo geral ................................................................................................................ 42 3.2. Objetivo específico ....................................................................................................... 42 CAPÍTULO 1 ....................................................................................................................... 43 Abstract ............................................................................................................................... 44 1. INTRODUCTION ............................................................................................................ 45 2. METHODS ....................................................................................................................... 46 2.1. Sampling Site ................................................................................................................ 46 2.2. Physicochemical Analysis ............................................................................................. 47 2.3. Fungal Isolation ............................................................................................................ 47 2.4. Fungal Identification ..................................................................................................... 48 2.5. Accession Numbers ..................................................................................................... 49 2.6. Structure and Composition of Fungal Communities ...................................................... 49 3. RESULTS ....................................................................................................................... 49 3.1. Fungi from Collins Glacier Soil Samples ...................................................................... 49 3.2. Structure and Composition of the Fungal Communities ................................................ 52 4. DISCUSSION ................................................................................................................. 56 Author Contributions ............................................................................................................ 60 Funding................................................................................................................................ 60 Acknowledgments ................................................................................................................ 60 References .......................................................................................................................... 61 Supplementary material ....................................................................................................... 66 CAPÍTULO 2 ....................................................................................................................... 86 RESUMO ............................................................................................................................ 87 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 88 2. MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 90 2.1. Amostras ...................................................................................................................... 90 2.2. Análises físico-químicas do solo .................................................................................. 91 2.3. Extração de DNA ......................................................................................................... 91 2.4. Amplificação do DNA genômico extraídos das amostras de solo de recuo da geleira Collins e Baranowski ........................................................................................................... 92 2.5. Análises de bioinformática ........................................................................................... 92 2.5.1. Pré-processamento .................................................................................................... 92 2.5.1.1. Análises das Sequências Obtidas pela Plataforma Miseq Illumina .......................... 92 2.5.1.2. Extração da região ITS ........................................................................................... 93 2.5.1.3. Filtragem das sequências ITS ................................................................................. 93 2.6. Métodos estatísticos ..................................................................................................... 94 3. RESULTADOS ................................................................................................................ 97 3.1. Análise dos parâmetros físico-químicos dos solos ....................................................... 97 3.2. Análise de diversidade e estrutura da comunidade fúngica das geleiras Baranowski e Collins ................................................................................................................................. 99 3.3. Estrutura da comunidade fúngica da cronossequência das geleiras Baranowski e Collins .......................................................................................................................................... 104 3.4. A estrutura do micobioma do recuo das geleiras Collins e Baranowski ...................... 107 3.4.1. O core do micobioma .............................................................................................. 107 3.4.2. Espécies indicadoras .............................................................................................. 114 3.5. Diferenças na estrutura da comunidade fúngica entre as amostras do recuo das geleiras Baranowski e Collins ......................................................................................................... 115 3.5.1. Agrupamento Hierárquico ....................................................................................... 115 3.5.2. Modelo Dirichlet-multinomial ................................................................................... 116 3.5.3. Abundância diferencial ............................................................................................ 116 3.6. Diversidade e riqueza fúngica dos solos de recuo de geleira ..................................... 118 3.7. Variação na composição de espécies entre as amostras das geleiras Baranowski e Collins .......................................................................................................................................... 121 3.8. Correlações da estrutura das comunidades fúngicas com fatores ambientais ............ 123 4. Discussão .................................................................................................................... 136 4.1. Análise dos parâmetros físico-químicos do solo.......................................................... 136 4.2. Diversidade e estrutura da comunidade fúngica ......................................................... 137 4.3. A estrutura do micobioma dos solos de recuo das geleiras Collins e Baranowski ...... 140 4.4. Diferenças na estrutura da comunidade fúngica das amostras de solo das geleiras Collins e Baranowski .................................................................................................................... 142 4.5. Diversidade e riqueza fúngica dos solos de recuo das geleiras Collins e Baranowski 143 4.6. Variação na composição de espécies entre as amostras das geleiras Baranowski e Collins .......................................................................................................................................... 144 Conclusão ......................................................................................................................... 147 Referência ........................................................................................................................ 148 Anexo ............................................................................................................................... 155 DISCUSSÃO INTEGRADA ............................................................................................... 165 CONCLUSÃO E PERPECTIVAS ...................................................................................... 170 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 172 LISTA DE FIGURAS Figura 1. (A) Continente antártico com a Península Antártica mostrada em círculo; (B) Península Antártica e Arquipélago de Shetlands do Sul, com a Ilha King George mostrada no círculo; (C) A Baía do Almirantado na Ilha King George é destacada com um asterisco (Fonte: Souza et al., 2020). .............................................................................................................. 24 Figura 2. (A) Localização da Antártica com polígono vermelho destacando a Ilha Rei George; (B) Ilha Rei George com uma linha em vermelho em destaque para a península Fildes; (C) Península Fildes e geleira Collins (Fonte: PETSCH, 2018). ................................................. 27 Figura 3. Recuo da geleira Collins representado por uma linha de neve nos anos 1989, 2000 e 2006 (com base na imagem do satélite QuickBird obtido em 2006) (Fonte: SIMÕES et al., 2015). .................................................................................................................................. 28 Figura 4. (A) Antártica; (B) Ilha Rei George (KGI); (C) Área ASPA 128; (D) Costa ocidental da Baía do Almirantado (Fonte: Sziło et al., 2018). ................................................................... 29 Figura 5. Geleira Baranowski. A comparação da imagem de satélite Planet Scope (2018) com BAS (1956), fotos aéreas Polonesa (1979) e Geo-Eye1 (2011) (Fonte: PUDEŁKO et al., 2018). ............................................................................................................................................ 31 CAPITULO 1 Figure 1. Collins Glacier (Fildes Peninsula, South Shetlands Archipelago, King George Island, Maritime Antarctica). (A, B) Map of the sampling region; (C) sampling. ............................... 47 Figure 2. Proportions of filamentous fungal isolates (taxa) in the Collins Glacier retreated soil samples. .............................................................................................................................. 50 Figure 3. Dendrogram of the Bray–Curtis similarity measures for the filamentous fungi recovered from the Collins Glacier retreat-exposed soil samples. ........................................ 53 Figure 4. Distance-based redundancy analysis (dbRDA) ordination based on the weighted Sorensen distance with plotting of the environmental parameters and the fungal community at each collection point. ........................................................................................................... 55 Figure 5. Pearson correlation between the diversity indices and environmental data. .......... 56 CAPÍTULO 2 Figura 1. Ilha Rei George, Península Fildes (A); Recuo da geleira Collins (B); Recuo da geleira Baranowski (C). ................................................................................................................... 91 Figura 2. O diagrama de Venn demostrando a distribuição das ASVs fúngicas nas amostras de solos da geleira Baranowski e Collins. São indicadas as porcentagens de ASVs compartilhadas e encontradas exclusivamente em cada geleira. ....................................... 101 Figura 3. Abundância relativa dos grupos taxonômicos em âmbito de Filo para as geleiras Baranowski e Collins. ......................................................................................................... 102 Figura 4. Mapa de calor demonstrando a abundância relativa de cada classe em cada amostra de solo (expressa em metros) das geleiras Collins e Baranowski. .................................... 103 Figura 5. Gráfico de prevalência (prevalência de taxa versus contagem total) representando a diversidade de filo entre as amostras. Cada ponto corresponde a um táxon diferente ou único. O eixo y representa a fração das amostras que esses táxons estão presentes. .............. 104 Figura 6. Abundância das sequências classificadas ao nível de Filo das amostras das geleiras Collins e Baranowski.......................................................................................................... 105 Figura 7. Abundância relativa em âmbito de Filo do Core Micobioma das geleiras Baranowski e Collins ............................................................................................................................ 108 Figura 8. Análise baseada na prevalência (50%) e abundância (1%) das ASVs presentes no total de amostras da geleira Baranowski e Collins. Na figura estão demostradas as 50 ASVs com maior prevalência. ...................................................................................................... 109 Figura 9. Mapa de calor do total de ASVs com prevalência de 50% e abundância de 1% no conjunto de dados das geleiras Baranowski e Collins ....................................................... 110 Figura 10. Filos presentes no Core do Micobioma das amostras de solos da geleira Baranowski ...................................................................................................................... 111 Figura 11. Core do Micobioma presente nas amostras de solo da geleira Baranowski. .... 112 Figura 12. Filos presentes no Core do Micobioma das amostras de solos da geleira Collins. .......................................................................................................................................... 113 Figura 13. Core do Micobioma associado as amostras de solo da geleira Collins ............. 113 Figura 14. Core do micobioma as amostras das geleiras Baranowski e Collins e número de ASVs compartilhado ......................................................................................................... 114 Figura 15. Agrupamento hierárquico das amostras do transecto das geleiras Baranowski (vermelho) e Collins (azul) realizado por meio da ferramenta Deseq2 e matriz de distância Euclidiana. ........................................................................................................................ 115 Figura 16. Abundância diferencial das amostras derivadas do transecto das geleiras Baranowski e Collins ......................................................................................................... 117 Figura 17. Análise de abundância diferencial entre as amostras das duas geleiras pelo método Deseq. As principais ASVs diferentemente abundantes no recuo da geleira Collins versus geleira Baranowski. Alterações no log2 razão de expressão foram mostradas para ASVs com um valor p corrigido por BH-FDR <0,1 (13 táxons em âmbito de gênero). Cada ponto reflete um ASV distinto. Os ASVs são apresentados pelos gêneros fúngicos no eixo x e colorido pelo filo. .................................................................................................................................... 118 Figura 18. Índices de diversidade e riqueza. As amostras de cada recuo de geleira foram agrupadas para a construção dos boxplots. ..................................................................... 120 Figura 19. Análise de componentes principais (PCA) com a transformação CLR correlacionando a comunidade fúngica com as amostras do recuo da geleira Baranowski e Collins. Os números em metros terminados em “C” correspondem às amostras da geleira Collins e “B” da Baranowski .............................................................................................. 122 Figura 20. Análise de coordenadas principais utilizando a distância Hellinger correlacionando a comunidade Fúngica com as amostras do recuo da geleira Baranowski e Collins. ........ 122 Figura 21. Gráfico de análise de redundância (RDA) utilizando a matriz de distância Hellinger, para visualizar os resultados do micobioma no espaço bidimensional para variáveis ambientais individuais nos dois locais, Collins (triângulo)e a Baranowski(círculo). Os símbolos coloridos representam os pontos amostrados em metros. ............................................... 123 Figura 22. Resultados obtidos na análise de Mantel com a matriz de distância Hellinger e correlação de Person para os parâmetros de dissimilaridade ambiental, composição fúngica e distância geográfica para amostras do solo das geleiras Baranowski e Collins. ............ 124 Figura 23. Resultados obtidos na análise de Mantel com a matriz de distância Hellinger e correlação de Pearson para os parâmetros de dissimilaridade de composição fúngica e parâmetros ambientais para amostras do solo das geleiras Baranowski e Collins ............ 128 Figura 24. Correlação de Pearson entre a composição da comunidade fúngica e dados ambientais das amostras do transecto da geleira Baranowski. ........................................ 131 Figura 25. Correlação de Pearson entre a composição da comunidade fúngica e dados ambientais das amostras do transecto da geleira Collins .................................................. 132 Figura 26. Correlação de Pearson entre a composição das espécies indicadoras e dados ambientais das amostras do transecto da geleira Collins. ................................................. 133 Figura 27. Correlação de Pearson entre a composição das espécies indicadoras e dados ambientais das amostras do transecto da geleira Baranowski. ......................................... 135 LISTA DE TABELAS CAPÍTULO 1 Table 1. Indices and richness estimator (α-diversity) for the correlated sampled points in meters from the retreating Collins Glacier. ........................................................................... 52 Table 2. Analysis of generalized linear models (GLM) between the cultivable fungus community and the environmental variables of the Collins Glacier (Fildes Peninsula, South Shetlands Archipelago, King George Island, Maritime Antarctica). ....................................... 54 CAPÍTULO 2 Tabela 1. Pontos de coleta das amostras em metros e coordenadas geográficas dos solos associados à cronossequência do recuo das geleiras Baranowski e Collins. ....................... 90 Tabela 2. Dados de pH e composição granulométrica das amostras de solo do recuo da geleira Baranowski e Collins. ............................................................................................... 97 Tabela 3. Composição físico-química das amostras de solo das geleiras Baranowski e Collins. ............................................................................................................................................ 98 Tabela 4. Correlação de Spearman entre os parâmetros ambientais e os pontos de coletas (metros) das geleiras Baranowski e Collins. ........................................................................ 98 Tabela 5. Quantificação do produto de PCR das amostras do recuo da geleira Collins e Baranowski .......................................................................................................................... 99 Tabela 6. Resultados obtidos após a análise dos dados de sequenciamento quanto ao número de reads totais, número de reads após o filtro de qualidade e número de ASVs, em cada amostra analisada. ............................................................................................................ 100 Tabela 7. Core Micobioma das amostras das geleiras Baranowski e Collins em âmbito de Filo. .......................................................................................................................................... 108 Tabela 8. Índices de riqueza e diversidade para comunidade fúngica das amostras de solo do recuo da geleira Baranowski e Collins. ............................................................................. 120 Tabela 9. Proporção de variação na composição da comunidade fúngica presente nas amostras do solo da geleira Collins,no nível da comunidade total (todos os fungos), e dos quatro principais filos, explicados pelos parâmetros ambientais, com análise multivariada permutacional de variância, com base na matriz da comunidade de fungos transformada por Hellinger. Variáveis significativas (em negrito). .................................................................. 129 Tabela 10. Proporção de variação na composição da comunidade fúngica presente nas amostras do solo da geleira Baranowski, no nível da comunidade total (todos os fungos), e dos quatro principais filos, explicados pelos parâmetros ambientais, com análise multivariada permutacional de variância, com base na matriz da comunidade de fungos transformada por Hellinger. Variáveis significativas (em negrito). ................................................................. 130 LISTA DE ABREVIATURAS % - por cento °C - graus Celsius ALDEx2 - Análise da abundância diferencial, levando em consideração a variação da amostra. ASPA - Área Especialmente Protegida na Antártica ASV - Amplicon Sequence Variant BDA - Ágar Dextrose Batata BLAST- Basic Local Alignment Search Tool (Ferramenta de busca de alinhamento local básica) Ca - Cálcio Cu - Cobre clr - razão de log centralizada CoDA - Compositional Data Analysis (Análises de dados composicionais) DESeq - Análise de expressão diferencial baseada na distribuição Binomial Negativa DNA - Ácido desoxirribonucléico EDTA - ácido etilenodiamino tetra-acético Fe - Ferro g.L -1 - gramas por litro GenBank - Genetic Sequence Database IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas ITS - Internal Transcribed Spacer (Espaçador Transcrito Interno) K - Potássio KGI - Ilha Rei George L- Litros M - Molar m – Metros MA2% - Malte 2% Ágar MCMC - Monte Carlo da cadeia de Markov Mg - Magnésio min - minutos mL – mililitro Mn – Manganês NCBI - National Center for Biotechnology Information (Centro Nacional de Informação Biotecnológica) ng - nanogramas NGS - Next Generation Sequencing (Sequenciamento de nova geração) OTU - Operational Taxonomic Unit (Unidade taxonômica operacional) P - Fóforo pb - Pares de bases PCA - Análise do componente principal; PCoA - Análise de coordenadas principais PCR - Polimerase Chain Reaction (Reação da Polimerase em Cadeia) PDA – Potato Dextrose Agar (Agar Batata Dextrose) PDA10X - Potato Dextrose Agar (Agar Batata Dextrose) – diluído 10 vezes PERMANOVA - Análise multivariada permutacional de variância pH - concentração hidrogênica sp - Espécie QIIME - Quantitative Insights Into Microbial Ecology UNITE - User-friendly Nordic ITS Ectomycorrhiza Database (Banco de dados de sequências da região ITS Zn – Zinco 20 1. INTRODUÇÃO A Antártica é um dos ambientes terrestres fisicamente e quimicamente mais extremos. O continente Antártico e as ilhas subantárticas são consideradas as últimas áreas selvagens remanescentes do planeta. Essas áreas remotas permanecem, em grande parte, livres de impactos antropogênicos diretos, como superpopulação e superexploração de ecossistemas nativos (MITTERMEIER et al., 2003), embora não sejam imunes a processos antropogênicos globais mais amplos, como mudanças climáticas e poluição de longo alcance (BARGAGLI, 2006; TURNER et al., 2009). Atualmente, a Antártica permanece coberta por mantas de gelo continentais, apresentando cerca de 0,2% de sua área total livre de gelo (BURTON-JOHNSON et al., 2016), essa proporção é um pouco maior na região da Península Antártica (~ 3%) (LEE et al., 2017). A Península Antártica representa uma massa de gelo pequena e está localizada próxima do ponto de fusão sob pressão, respondendo rapidamente às mudanças climáticas. É considerada umas das áreas de aquecimento mais rápido do planeta e sofre os maiores impactos com as mudanças climáticas globais (TURNER et al., 2009; DE MENEZES et al., 2020). Nas últimas décadas, o recuo das geleiras nas regiões da Península Antártica e sub-Antártica tem apresentado uma crescente aceleração devido às mudanças climáticas (COOK, 2005; GORDON et al., 2008; KONRAD et al., 2018). O recuo de geleiras mesmo possuindo idade diferente, pode apresentar uma história biótica e abiótica semelhante, fornecendo um sistema experimental ideal para estudar mecanismos de processos de estabelecimento de comunidades através do tempo e do espaço (BROWN; JUMPPONEN, 2014; DINI-ANDREOTE et al., 2015; FREEDMAN; ZAK, 2015). À medida que as geleiras recuam, o solo recém exposto pelo descongelamento é afetado por uma sequência de processos que levam à sua formação, que é influenciada principalmente por plantas pioneiras, micro-organismos e animais marinhos (JENNY, 1946; SIMAS et al., 2008; THOMAZINI et al., 2015). Os micro- organismos possuem um papel crucial no desenvolvimento do solo, na ciclagem biogeoquímica e facilitam a colonização por plantas durante a sucessão primária (FIERER et al., 2010 ). Apesar de sua importância, a dinâmica primária de sucessão das comunidades microbianas e seus processos de colonização permanecem pouco compreendidos (BRADLEY et al., 2014; BROWN; JUMPPONEN, 2014). Como a colonização por plantas é muito mais lenta do que a por micro-organismos ao longo https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719352477#b0060 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719352477#b0080 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719352477#b0105 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B8 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B21 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B26 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719352477#b0100 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719352477#b0165 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969719352477#b0200 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B25 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B5 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B8 21 do recuo de uma geleira (SCHMIDT et al., 2014), o entendimento dos fundamentos da dinâmica sucessional microbiana está se tornando cada vez mais importante. O desenvolvimento do solo ao longo de cronosequências glaciais tem sido correlacionado com a sucessão primária de micro-organismos do solo (SIGLER et al., 2002). Os fungos são considerados um dos primeiros colonizadores do solo e possuem papel crucial na formação de solo fértil que sustentará o crescimento e o desenvolvimento de uma comunidade vegetal (FIERER et al., 2010; BRADLEY et al., 2014 ). Dada a taxa sem precedentes do aumento dos recuos de geleiras induzidas por mudança climáticas (STOCKER et al., 2013) é necessário entender como a composição da comunidade fúngica responde a esses ambientes. Visto que possivelmente muitas espécies poderão ser extintas antes de serem descobertas, a coleta de espécimes e o compartilhamento aberto desses recursos são necessários (COSTELLO et al., 2013; MONASTERSKY, 2014). O estudo da biodiversidade do solo de recuo de geleira se mostra importante para que as futuras alterações decorrentes do descongelamento possam ser monitoradas (WALTER et al., 2006). No entanto, se tratando de estudos de ecologia microbiana, um dos pontos limitantes da microbiologia clássica é o isolamento dos micro-organismos, uma vez que não se conhece um meio de cultura universal contendo todos os fatores requeridos pela maioria dos micro-organismos existentes no ambiente (HANDELSMAN, 2004). Com isso, o conhecimento sobre a diversidade de micro- organismos, principalmente de ambientes extremos, torna-se limitado. Entretanto, com o avanço da microbiologia, genética e biologia molecular, sugiram novas técnicas capazes de acessar a diversidade e estudar a ecologia microbiana. O sequenciamento de alto rendimento (HTS), particularmente o metabarcoding ambiental, vem fornecendo novas oportunidades para analisar grandes números de amostras com baixo custo (CAPORASO et al. 2012), possibilitando a exploração mais precisa da biodiversidade e da composição da comunidade microbiana (BUÉE et al., 2009; JUMPPONEN; JONES, 2009; BLAALID et al., 2012). Contudo, mesmo diante dos avanços moleculares, a identificação de fungos por métodos tradicionais é de fundamental importância para alimentar os bancos de dados. Espécimes cultiváveis e bem documentados são essenciais para reconstruir filogenias robustas (PEAY, 2014). O presente trabalho é parte dos projetos FAPESP 2016/07957-7, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B54 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B25 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B5 https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5465267/#B58 https://nph.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/nph.14509#nph14509-bib-0010 https://nph.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/nph.14509#nph14509-bib-0032 https://nph.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/nph.14509#nph14509-bib-0041 22 PROANTAR/CNPq MICROSFERA (A Vida Microbiana na Criosfera Antártica: Mudanças Climáticas e Bioprospecção) e CNPq Universal (407986/2018-9) e teve como foco caracterizar a comunidade de fungos de solo de recuo de geleiras Antárticas utilizando abordagem dependente e independente de cultivo (metabarcoding). Para tanto, a diversidade taxonômica foi avaliada por meio da composição da diversidade alfa e beta das comunidades de fungos de amostras do recuo das geleiras Collins e Baranowski. Também foram avaliados os parâmetros ambientais que possivelmente influenciaram a composição e diversidade das comunidades fúngicas (e.g. como pH, micronutrientes). Os resultados obtidos nesse estudo fornecem informações inéditas sobre a diversidade e o potencial adaptativo de comunidades fúngicas em recuo de geleiras, bem como sobre os processos ambientais e ecológicos que os moldam. Além de ter colaborado para uma maior compreensão sobre o potencial de adaptação de fungos em dois recuos de geleiras com idades e condições distintas. A presente tese está estruturada em quatro partes: • Parte introdutória escrita em língua portuguesa composta por resumo, palavras- chave, introdução, revisão da literatura e objetivos. • Capítulo 1. Consiste em um artigo (publicado) oriundo da tese, escrito em língua inglesa intitulado: “Fungal community in Antarctic soil along the retreating Collins Glacier (Fildes Peninsula, King George Island)”. • Capítulo 2. Escrito em língua portuguesa, intitulado: “Diversidade e Sucessão Ecológica de Fungos Antárticos de Solo do Recuo da Geleira Collins e Baranowski”. • Parte final escrita em língua portuguesa, síntese das discussões e conclusões. 23 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1. Antártica A Antártica é um continente remoto cujas características predominantes incluem temperaturas extremamente baixas no inverno (entre -20,0 e -50,0°C nos Vales Secos McMurdo) e temperaturas médias abaixo de 0,0°C, ciclos de congelamento e descongelamento, ventos fortes, alta sublimação e evaporação, altas taxas de incidência de radiação e longos períodos de escuridão que limitam o desenvolvimento da vida (ONOFRI et al., 2007). O Continente Antártico é subdividido em zonas latitudinais, classificados em zona sub-antártica, zona Antártica marítima e zona continental, que correspondem a regiões com climas distintos. A Antártica continental apresenta uma camada de gelo de até 4000 m de espessura, representando 70% da água doce do planeta (TURNER; MARSHALL, 2011). Apenas 0,35% do continente, ou 45.000 km², são áreas livres de gelo (BOCKHEIM, 2015a), restringindo o desenvolvimento de espécies vegetais, pequenos invertebrados e micro-organismos às áreas costeiras, afloramentos rochosos e ao longo da costa da Antártica marítima (PUTZKE; PEREIRA, 2001; ZHU et al., 2014). A Antártica marítima, zona que abrange a Península Antártica e ilhas vizinhas (South Orkney, South Shetlands e ilha South Sandwich), apresenta clima mais ameno, maior precipitação, e verões mais longos e mais quentes do que a Antártica continental. A Península Antártica é a única parte do continente que se estende de maneira significativa para o norte até a latitude 63°S. Compreende uma região montanhosa e estreita com uma largura média de 70 km e uma altura média de 1.500 m (TURNER et al., 2009). Entre os arquipélagos que compõem a Antártica marítima, presente na Península Antártica, as ilhas Shetlands do Sul representam um grupo de mais de 20 ilhas, localizadas entre 60 e 150 milhas ao norte e nordeste da Península Antártica. Caracterizadas por possuir em clima oceânico frio, com amplitude térmica anual, variando entre 8°C e 10°C. A temperatura média anual é de aproximadamente -3°C. As áreas livres de gelo estão localizadas onde as temperaturas médias anuais excedem -2°C (SERRANO; ELOPEZ-MARTINEZ, 2000). Nas ilhas Shetlands do Sul encontra-se a Ilha Rei George, a maior do Arquipélago. A Ilha Rei George, possui área de 1.250 km², o maior eixo com 80 km de comprimento está orientado no sentido 24 sudeste-nordeste e o menor, com 15 km de largura - no sentido oposto, as áreas livres de gelo na ilha correspondem a menos de 10% (BREMER, 1998). A Península Fildes (Figura 1C), localizada na parte sul da Ilha Rei George, é limitada a nordeste por um pequeno domo de gelo, a geleira Collins com uma área de 15 km² e elevação máxima de 270 m (SIMÕES et al. 2015). Esta região representa uma das maiores áreas sem gelo da Antártica marítima (BRAUN et al., 2012). A Baía do Almirantado (região onde está localizada a geleira Baranowski), está localizada na parte central da Ilha Rei George, a cerca de 125 km da ponta norte da Península Antártica (Figura 1C). Esta é a região melhor documentada historicamente com relação aos dados meteorológicos coletados na Península Antártica, considerada uma das áreas mais sensíveis às mudanças climáticas do planeta (ATCM XXXVII, 2014). A Baía do Almirantado configura uma “Área Antártica Especialmente Gerenciada” (ASPA). A ASPA, define-se como qualquer área, incluindo área marítima, delimitada para proteger os aspectos ambientais, científicos, históricos, estéticos ou selvagens, ou então qualquer combinação desses valores, ou ainda área de interesse para estudos científicos e pesquisa (ATS, 2000a). Figura 1. (A) Continente antártico com a Península Antártica mostrada em círculo; (B) Península Antártica e Arquipélago de Shetlands do Sul, com a Ilha Rei George mostrada no círculo; (C) A Baía do Almirantado na Ilha Rei George é destacada com um asterisco e Península Fildes mostrada em círculo (Fonte: Souza et al., 2020). 25 2.2. Aquecimento global e a retração de geleiras na Península Antártica O aquecimento global tornou-se uma ameaça para a nossa sociedade nas últimas décadas. A Península Antártica é considerada uma das áreas com maior aquecimento da temperatura superficial do ar na Terra, com uma tendência de aquecimento ao longo do século XX (JONES 1990; JONES et al., 1993; BARRAND et al., 2013; TURNER et al., 2014; WOUTERS et al., 2015). Turner et al. (2009) e o IPCC (2013) apontaram um aquecimento regional (3 °C) na Península Antártica nas últimas décadas, sendo a Ilha Rei George umas das regiões mais sensíveis às variações climáticas. Sendo considerada uma região de mudanças drásticas nos sistemas climáticos e glaciais (BRAUN; HOCK, 2004). Projeções de modelos climáticos sugerem que as temperaturas da Península aumentarão mais do que a média global (HOEGH-GULDBERG et al., 2018). A região da Antártica Marítima tem sofrido alterações em seu ecossistema terrestre em função das recentes mudanças climáticas (BRAUN; GOSSMANN, 2002). Vários estudos evidenciam a retração de geleiras, especificamente na Ilha Rei George, relacionada ao aumento da temperatura do ar na região da Península entre 1948 e a primeira década do século XXI (SIMÕES; BREMER, 1995; BREMER, 1998; PARK et al., 1998; SIMÕES et al., 1999; BRAUN; GOSSMANN, 2002; ROSA et al., 2009; RÜCKAMP et al., 2011). As geleiras representam um dos indicadores mais sensíveis às mudanças climáticas, respondendo às alterações de temperatura, precipitação, entre outros fatores (BURLANDO et al., 2002; BENN; EVANS, 2010). No entanto, estudos evidenciam que as geleiras respondem de maneiras diferentes às mudanças ambientais (CUFFEY; PATERSON, 2014). As geleiras da Península Antártica mostraram rápida resposta dinâmica a mudanças ambientais (PAUL et al., 2004; BOLCH; KAMP, 2006), para o período 1970- 2000. Cerca de 87% das geleiras marinhas da Península Antártica e ilhas associadas recuaram nos últimos 50 anos, e a taxa de recuo aumentou desde o início do século XXI (COOK et al., 2005). A retração das geleiras geram impactos ambientais, dentre eles estão o aumento do nível global do mar (PACHAURI et al., 2014), o desequilíbrio causado pelo aumento de água doce nos oceanos, desenvolvimento de áreas livres de gelo, modificações nas zonas de represamento da água provinda do descongelamento, e mudanças na configuração do relevo (DYURGEROV; MEIER, 2005). https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924796318302458#bb0105 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924796318302458#bb0110 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924796318302458#bb0040 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924796318302458#bb0040 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924796318302458#bb0205 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924796318302458#bb0215 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924796318302458#bb0075 26 O recuo de geleiras e a perda de cobertura de neve resultam em áreas livres de gelo com rochas e permafrost recém expostos, criando novos habitats para a colonização e fornecendo condições para expansão da flora e a fauna (ROSA et al., 2016). O termo “áreas livres de gelo” refere-se aos locais disponíveis para colonização e sucessão biológica, devido ao recuo das geleiras (RÜCKAMP et al., 2011). Esses ecossistemas terrestres que estavam anteriormente cobertos pelo gelo há milhares de anos, fornecendo ambientes únicos para estudar a colonização primária pela simples vida celular (BRADLEY et al., 2014) . Estudos de colonização de plantas são bem estabelecidos em recuo de geleiras (FASTIE, 1995; FRENOT et al., 1998; HODKINSON et al., 2003; MOREAU et al., 2008; STRAUSS et al., 2009) No entanto, estudos sobre microbiota, sendo considerados os colonizadores iniciais, permanecem em estágios relativamente iniciais. 2.3. Geleira Collins A geleira Collins ou Bellingshausen Dome é uma pequena cúpula de gelo centrado localizada na Península Fildes na Ilha Rei George (latitude 61°54’ – 62°16’ S e longitude 57°35’ - 59°02’ W) (Figura 2), com uma área de 15 km² e elevação máxima de 270 m (SIMÕES et al., 2015). O clima da Península Fildes é considerado marítimo sub-antártico, com ventos fortes, frequentes variações meteorológicas e temperaturas mais amenas, com a temperatura do ar média anual de -2 °C e temperatura do ar média durante o verão acima de 0 °C (JIAHONG et al., 1994). A velocidade de deslocamento do gelo na geleira Collins é baixa, sendo estimada entre 0,15 e 3,72 m a-1, enquanto no domo de gelo principal da Ilha Rei George o valor máximo alcança 112,1 m a-1 (RÜCKAMP et al., 2011). A geleira está localizada na Área Especialmente Protegida n.º 125 da Antártica (ASPA 125). No entanto, na parte norte, em frente à geleira Collins, existem caminhos de circulação (não presentes no plano da ASPA) (PETSCH, 2018). De acordo com Simões et al. (2015) o processo de retração da geleira tem como consequência a formação de diferentes ambientes na parte norte da Península Fildes, originando lagos e zonas alagadas. https://royalsocietypublishing.org/doi/full/10.1098/rspb.2014.0882 27 Figura 2. (A) Localização da Antártica com polígono vermelho destacando a Ilha Rei George; (B) Ilha Rei George com uma linha em vermelho em destaque para a península Fildes; (C) Península Fildes e geleira Collins (Fonte: PETSCH, 2018). Os estudos temporais já realizados nas geleiras, incluindo a geleira Collins, evidenciam um elevado processo de retração das mesmas. De 1983 a 1989, a geleira Collins perdeu 0,078 km² de sua frente de gelo (1,01% do total de 7,66 km² de área de superfície); de 1989 a 2000, perdeu mais 0,28 km² de sua frente de gelo (3,67% do 7,58 km² de superfície total); de 2000 a 2003, a frente de gelo da geleira avançou 0,15 km² (2,01% dos 7,30 km² da superfície total); e de 2003 a 2006, perdeu mais 0,43 km² de suas frentes de gelo (5,75% dos 7,02 km² de área de superfície total) (SIMÕES et al., 2015) (Figura 3). Segundo Simões et al. (2015), as variações de áreas da geleira Collins podem ser explicadas por uma combinação de dois fatores: baixa espessura de gelo e 28 exposição a uma maior radiação solar (face a oeste). Rückamp et al. (2011), usando dados de balanço de massa, indicam o quase total desaparecimento da geleira Collins em 200 anos. Estima-se que a geleira perderá 5% de sua área total até 2030 (0,90 km²), 21% de sua área (3,60 km²) até o ano de 2050, e 35% (5,90 km²) até 2070 (PETSCH, 2018). Ainda, de acordo com Petsch (2018), a continuidade da retração da geleira, provavelmente apresentará uma paisagem recentemente livre de gelo que será submetida a rápidas mudanças geomorfológicas com atuação de processos sedimentológicos, hidrológicos e eólicos se alternando no ambiente. Considerando a retração da geleira Collins, haverá uma gradual sucessão de comunidades de plantas com interações biológicas/ecológicas (MILNER et al., 2007; MARSTON, 2010). Pretsch (2018) apontou que provavelmente dentro de 5 a 15 anos, começarão os primeiros sinais de colonização vegetal na área, principalmente fixados aos sedimentos terrestres de textura mais fina. Figura 3. Recuo da geleira Collins representado por uma linha de neve nos anos 1989, 2000 e 2006 (com base na imagem do satélite QuickBird obtido em 2006) (Fonte: SIMÕES et al., 2015). https://lume.ufrgs.br/discover?filtertype=author&filter_relational_operator=equals&filter=Petsch,%20Carina 29 2.4. Geleira Baranowski A geleira Baranowski está localizada na costa ocidental da Baía do Almirantado na Ilha Rei George (Figura 4), na Área Especialmente Protegida n.º 128 da Antártica (ASPA 128). Possuí clima marítimo polar (KNAP et al., 1996) com participação do ar continental do Sul, resultando em condições climáticas altamente dinâmicas (DĄBSKI et al., 2020). A ASPA 128 está localizada nas proximidades da Estação Antártica Polonesa Henryk Arctowski (Arctowski), região recebeu extensas pesquisas geomorfológicas nos anos 1990-1992 durante as expedições polonesa à ilha Rei George (KOSTRZEWSKI et al., 1998; 2002; RACHLEWICZ et al.,1999). Desde então, as geleiras sofreram recessão significativa (PUDEŁKO et al., 2018). Figura 4. (A) Antártica; (B) Ilha Rei George (KGI); (C) Área ASPA 128; (D) Costa ocidental da Baía do Almirantado (Fonte: SZIŁO et al., 2018) 30 A Baranowski apresentou acelerada retração na década de 1990, de acordo com Birkenmajer (2002) e Perondi (2018). Como resultado desta retração, evidencia- se um amplo ambiente proglacial, com cerca de 1000 m de extensão, e com a presença de feições morâinicas em sua área marginal ao gelo e água oriunda de fusão glacial (RACHLEWICZ, 1999), constituindo um local favorável para grandes colônias de reprodução de aves marinhas e pinípedes (SIERAKOWSKI, et al., 2017). A frente da geleira mudou consideravelmente nos últimos 60 anos (Figura 5) (SZIŁO et al., 2018). A partir de 2016 algumas das seções frontais da língua sul da Baranowski recuaram 50 m adicionais, devido a um verão quase tão quente quanto o verão de 1995 a 2000 e a um inverno muito quente também (SZIŁO et al., 2018). Os primeiros registros cartográficos disponíveis para a geleira foram fotos aéreas registradas em 1956, onde toda a área de frente da geleira estava coberta por neve (SZIŁO et al., 2018). Durante os períodos de 1956 a 1979 e 2012 a 2016, a posição frontal da geleira Baranowski permaneceu relativamente estável (PUDEŁKO et al., 2018) (Figura 5). No entanto, a geleira Baranowski é a geleira terrestre da Baía do Almirantado com recuo mais rápido. Sua área específica de deglaciação entre 1979 e 2015 é de 0,73 km², calculada com base nas imagens da foto aérea tirada em 1979 e nas imagens do satélite Landsat de 2015 (SZIŁO; BIALIK, 2017). Comparativamente à geleira Collins a geleira Baranowski apresentou maiores taxas de retração para o período analisado (1956 até 2017), com 0,3 km²/ano, assim como maiores perdas percentuais de suas áreas desde 1956. (PERONDI, 2018) https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0025326X20300060#bbb0310 31 Figura 5. Geleira Baranowski. A comparação da imagem de satélite PlanetScope (2018) com BAS (1956), fotos aéreas Polonesa (1979) e Geo-Eye1 (2011) (Fonte:PUDEŁKO et al., 2018). 2.5. Antártica como habitat microbiano Entre os grupos microbianos encontrados em amostras de gelo glacial estão algas verdes, cianobactérias, actinobactérias, fungos filamentosos e leveduras, com predominância de micro-organismos esporulados em testemunhos de gelo mais antigos (COWAN; TOW, 2004). A descoberta de micro-organismos tolerantes ao frio em ambientes com baixas temperaturas ampliou a faixa conhecida de condições ambientais que sustentam a vida microbiana. Estes micro-organismos possuem papel fundamental no transporte de energia e matéria orgânica, e muitas vezes constituem https://sciprofiles.com/profile/161036 32 a base do funcionamento dos ecossistemas terrestres e aquáticos na Antártica (CLARKE, 2003). Diversos estudos têm demonstrado que o ambiente antártico abriga uma diversidade de micro-organismos (DUARTE et al., 2013; DUARTE et al., 2016, DUARTE et al., 2018a, GODINHO et al., 2015; GONÇALVES et al., 2012; TEIXEIRA et al., 2010, WENTZEL et al., 2019). A microbiota presente no gelo glacial é composta essencialmente por depósitos de micro-organismos precipitados pela neve ou transportados pelo vento (MARSHALL, 1996), correntes oceânicas (MURRAY et al., 1999) e animais (SCHLICTING et al., 1978). Diferentes estudos indicam que a topografia, posição geográfica, sazonalidade, condições climáticas globais, e a proximidade com outros ecossistemas influenciam na concentração e diversidade de micro-organismos trazidos pelo ar (LIGHTHART; SHAFFER, 1995; MARSHALL; CHALMERS, 1997). Apesar dos micro-organismos serem facilmente dispersos pelo ar, a sua sobrevivência ao longo prazo na atmosfera requer adaptações distintas, incluindo a resistência à radiação UV elevada, ao frio extremo e à dessecação (PEARCE et al., 2009). A dispersão dos micro-organismos é um fator crítico, porém pouco compreendido, subjacente aos padrões macroecológicos nas comunidades microbianas (HANSON et al., 2012). Alguns estudos propõem que a dispersão pelo ar não é responsável pelos padrões de comunidades microbianas no ambiente antártico (CHOWN et al., 2015). De acordo com os autores supracitados os ciclos glaciais têm impulsionado a biodiversidade, visto que algumas espécies podem sobreviver confinadas no ambiente antártico durante esses ciclos, por exemplo, em solos, refúgios como as áreas geotérmicas, ou no oceano em plataformas marinha, passando por especiação geográfica. Além disso, os fungos liquenizados apresentam padrões de diversidade que sugerem que os mesmos são derivados de refúgios locais, em vez de fontes exógenas (FRASER et al., 2014). Um modelo teórico global para aerossóis atmosféricos estimou que a taxa de trocas microbianas no ar para a Antártica pode ser extremamente baixa, com 90% dos aerossóis de origem local (BURROWS et al., 2009; FRASER et al., 2014). Em contraste, estudos empíricos descrevem que a corrente circumpolar influência na dispersão de algumas cianobactérias do solo, algas e fungos (KLEINTEICH et al., 2017; COX et al., 2016). No entanto, outros estudos demonstraram a alta incidência de espécies cosmopolitas no ambiente antártico. Cox et al. (2016) encontraram uma https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fevo.2017.00137/full#B22 33 porcentagem de ~35-60% de OTUs (unidade taxonômica operacional) de fungos antárticos cosmopolitas. Os autores relataram que a Antártica compartilha significativamente mais fungos com o Ártico, em contraste com as regiões temperadas e tropicais, havendo relativamente pouco endemismo. E ainda sugeriram que micro- organismos com capacidades de dispersão bem desenvolvidas podem habitar pólos opostos da Terra e dominar ambientes extremos. Estudos anteriores também evidenciam essa similaridade entre a micobiota dos polos, os autores observaram semelhanças entre os fungos isolados dos solos da Antártica com os do Ártico (PEGLER et al., 1980; BRIDGE; NEWSHAM, 2009; TIMLING et al., 2014), sugerindo que alguns taxa de fungos podem exibir distribuições bipolares. Os micro-organismos que habitam os ambientes antárticos sofrem fortes influências da oscilação de temperatura. Eles são classificados como psicrófilos, psicotolerantes e mesofílicos-psicrotolerantes. Os micro-organismos psicrofílicos crescem a temperaturas máximas abaixo de 20,0 °C, com temperaturas ótimas de crescimento menores ou iguais a 15,0 °C. Os psicotolerantes têm a capacidade de crescer a baixas temperaturas, com temperaturas ótimas variando entre >15,0 e ≤25,0 ° C, enquanto os micro-organismos mesofílicos e psicrotolerantes têm a capacidade de crescer a baixas temperaturas, com temperaturas ótimas de crescimento >25,0 e ≤40,0 ° C (PESCIAROLI et al., 2012). Quando comparados a outros micro-organismos conhecidos, os psicrófilos possuem diversos mecanismos moleculares únicos que permitem sua adaptação a ambientes frios (ALCAZAR et al., 2010). Para manter a atividade no inverno, os micro- organismos adotam uma ou mais de uma variedade de estratégias que lhes permitem entrar no verão com populações em crescimento ativo. A maioria dos micro- organismos recuperados de amostras da região da Península Antártica são psicrotolerantes (RUISI et al., 2007) e essa predominância pode ser explicada pelo fato de que em alguns períodos do ano a temperatura do solo pode chegar a 15°C (MÖLLER; DREYFUSS, 1996). Os micro-organismos adaptados ao frio são capazes de desenvolver processos metabólicos para lidar com os efeitos adversos gerados pelas temperaturas baixas. Temperaturas abaixo de zero provocam a formação de gelo que pode levar a lesões criogênicas, estresse osmótico, desidratação e até ruptura e morte celular (COLLINS; MARGESIN, 2019). Os micro-organismos adaptados à condições frias desenvolveram estratégias 34 em níveis bioquímicos e moleculares para resistir às temperaturas extremamente baixas (COLLINS; MARGESIN, 2019), incluindo: i) alteração na composição lipídica da membrana celular (aumento do nível de ácidos graxos insaturados) para manter a sua integridade em ambientes de baixa temperatura (DHAKAR; PANDEY, 2020); ii) alternância entre diferentes vias metabólicas em resposta à baixa temperatura para obter energia (BORE et al., 2019); iii) acúmulo de crioprotetores como trealose, glicerol, manitol, etc. são responsáveis por manter a homeostase na célula (ROBINSON et al., 2001); iv) enzimas ativas a frio, as quais possuem flexibilidade conformacional para equilibrar a baixa energia cinética com alta eficiência catalítica e aumento do número de rotatividade em ambientes de baixa temperatura (CAVICCHIOLI et al., 2002); v) presença de pigmentos que é reconhecida como uma importante adaptação contra radiação nociva nesses ambientes (MARIZCURRENA et al., 2019); vi) proteínas anticongelantes que facilitam o crescimento microbiano, inibindo a formação de cristais de gelo sob temperaturas extremamente baixas (DHAKAR; PANDEY, 2020; SINGH et al., 2011; MARCO et al., 2019). Genes que expressam proteínas anticongelantes foram encontrados no genoma do fungo psicofílico Antarctomyces pellizariae, isolado de neve antártica, sendo um dos únicos ascomicetos com capacidade confirmada de produzir proteína anticongelante (BATISTA et al., 2020). Algumas espécies de fungos apresentam estratégias morfo-fisiológicas e bioquímicas para se adaptar e sobreviver em ambientes com temperaturas extremas, baixa disponibilidade de nutrientes, dessecação prolongada e irradiação solar (DUARTE et al., 2018b). A adaptação muitas vezes ocorre mediante a produção de enzimas, melanina e micosporinas (GOSTINCAR et al., 2012). 2.6 Diversidade de fungos de ambientes antárticos A biodiversidade em habitats remotos antárticos é mais extensa, ecologicamente diversa e biogeograficamente estruturada do que se pensava anteriormente (CHOWN et al., 2015). Tornando-se uma questão fundamental para a compreensão da história do continente, os efeitos biológicos das mudanças climáticas e os esforços de conservação (KENNICUTT et al., 2015; MCGEOCH et al., 2015). Os fungos são considerados organismos eucarióticos hiper-diversos com ocorrência em quase todas as regiões do planeta, sendo um grupo altamente diversificado em diferentes ecossistemas, representando um elemento importante https://link.springer.com/article/10.1007/s00792-017-0947-x#ref-CR22 https://www.sciencedirect.com/topics/earth-and-planetary-sciences/climate-change-impact https://www.sciencedirect.com/topics/earth-and-planetary-sciences/climate-change-impact https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0038071715004459#bib40 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0038071715004459#bib40 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0038071715004459#bib53 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0038071715004459#bib53 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0038071715004459#bib40 https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0038071715004459#bib53 35 dentro da comunidade microbiana antártica. Estudos sobre fungos no ambiente antártico têm aumentado nos últimos anos, centrados na taxonomia, diversidade, ecologia e biotecnologia desses micro-organismos presentes em solos, rochas, águas, sedimentos, invertebrados marinhos, gelo, neve, animais e plantas (RUISI et al., 2007, ROSA et al. 2019) sendo reconhecidos por desempenhar diversos papéis ecológicos como simbiontes, mutualistas, saprotróficos e potencialmente patógenos (DE SOUSA et al., 2017) revelando espécies de fungos cosmopolitas e endêmicas presentes nesse habitats (MENEZES et al., 2019). A micobiota da Antártica tem sido representada por leveduras e fungos filamentosos pertencentes as espécies dos filos Chytridiomycota, Mucoromycota, Mortierellomycota, Glomeromycota, Ascomycota e Basidiomycota (RUISI et al., 2007; ROSA et al., 2019). Em estudos prévios realizados pelo nosso grupo de pesquisa, fungos filamentosos representantes dos gêneros Geomyces, Passalora, Penicillium, Pseudogymnoascus, Pseudeutorium, Gibellulopsis, Schizophyllum, Pholiota, Xylaria, Acremonium, Cosmospora, Thelebolus, Chaetomium, Hypocrea, Antarctomyces, Mortierella, Mucor-like e Cadophora (DUARTE et al., 2018a, WENTZEL et al., 2019, SANTOS et al., 2020) e leveduras dos gêneros Bullera, Candida, Cryptococcus, Debaryomyces, Cystofilobasidium, Glaciozyma, Guehomyces,Holtermanniella, Leucosporidium, Leucosporidiella, Pseudozyma, Mrakia, Metschnikowia, Meyerozyma, Rhodotorula, Tremella, Trichosporon e Wickerhamomyces (DUARTE et al., 2013, DUATE et al., 2016, WENTZEL et al., 2019) foram isolados a partir de amostras marinhas e terrestres da Antártica. Canini et al., (2020) ao estudar a comunidade de fungos presente em solos antárticos, empregando a metodologia de metabarcoding relatou uma riqueza de fungos de 59 ± 27 OTUs por amostra, incluindo espécies de fungos previamente desconhecidas representando grande parte das comunidades amostradas. No estudo de Marshall (1996, 1997) foram isolados esporos do fungo Cladosporium na Península Antártica (Ilha Signy) em épocas que coincidiam com a ocorrência da chegada de massas de ar da América do Sul. A maioria dos fungos antárticos conhecidos são espécies tolerantes ao frio, cosmopolitas e adaptadas às baixas temperaturas que prevalecem neste ambiente (MÖLLER; DREYFUSS, 1996). Os fungos não endêmicos da Antártica incluem uma alta proporção das Classes Leotiomycetes e Dothideomycetes (COX et al., 2016). Alguns membros dessas classes de fungos se dispersam até a Antártica por meio de aves como skuas, que 36 podem atuar como vetores para o transporte de fungos como os pertencentes às espécies de Pseudogymnoascus (MARSHALL, 1998). A diversidade de fungos pode variar em todo o gradiente latitudinal nas ilhas sub-antárticas, Península Antártica e nos ecossistemas antárticos continentais (Figura 1). No entanto, com as mudanças climáticas, espera-se que a biodiversidade antártica seja alterada. Especialmente nas regiões polares, o aumento da temperatura e os padrões de precipitação alterados devem induzir a uma invasão de espécies exógenas (CHOWN, 2012; LEE et al., 2017). Newsham et al. (2016) demonstraram que a temperatura do ar da superfície é um fator significativo capaz de moldar a diversidade e a composição das comunidades fúngicas do solo. Com base nessas observações, os autores preveem que o aquecimento futuro na região Antártica levará a aumentos de 20 a 27% no número de espécies de fungos presentes nos solos até o final do século. Assim, destacamos a importância do estudo da biodiversidade, estabilidade e função dos diferentes grupos microbianos nos ambientes antárticos, visando compreender os efeitos das alterações climáticas sobre os micro-organismos. 2.7. Ecologia microbiana de recuo de geleiras As geleiras e manto de gelo foram reconhecidos como um dos biomas da Terra (ANESIO; LAYBOURN-PARR, 2012) e correspondem a aproximadamente 11% da superfície do planeta (MARGESIN et al., 2011). Embora as geleiras tenham sido consideradas como um ambiente inabitável, ficou provado que elas são quase que exclusivamente habitadas por micro- organismos, incluindo bactérias, arqueias e eucariontes, sendo está uma das características peculiares em comparação com outros biomas terrestres (ANESIO et al., 2017; HOTALING et al., 2017). Os micro-organismos que habitam as geleiras da Antártica ainda são em grande parte desconhecidos quando comparados a outros ambientes congelados (GARCIA-LOPEZ et al., 2016). Vários fatores como radiação solar, disponibilidade de nutrientes e conteúdo de água determinam a diversidade e abundância dessas populações microbianas, bem como o tipo de metabolismo e os ciclos biogeoquímicos desenvolvidos. Alguns micro-organismos depositados na superfície glacial viajam gradualmente para camadas mais profundas de gelo (PERINI et al., 2019), podendo sobreviver no gelo como “fósseis vivos” viáveis e congelados (MA et al., 2000; VISHNIAC et al., 1996), enquanto outros permanecem metabolicamente ativos e https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/ele.12587#ele12587-bib-0026 37 possivelmente se multiplicam nas veias entre os cristais de gelo (PRICE, 2009). As comunidades microbianas também são capazes de se desenvolver em gelo profundo ou gelo subglacial na base das geleiras, onde o derretimento ocorre devido à pressão gravitacional, resultando em camadas finas de água líquida, geralmente com altas concentrações de sais e enriquecidas com o material inorgânico do leito da geleira (PERINI et al., 2019). Durante o inverno os solos de geleiras mesmo congelados abrigam uma comunidade microbiana ativa de decompositores que continuam a utilizar CO2 (ZINGER et al., 2009; BOKHORST et al., 2013; MERBOLD et al., 2012). A atividade contínua é alimentada pela decomposição fúngica e bacteriana de polímeros orgânicos e compostos fenólicos (SCHADT et al., 2003, LIPSON 2004). A temperatura é um provável controlador dos processos microbianos e do desenvolvimento das comunidades de micro-organismos (BRADLEY et al., 2014). A reativação das comunidades microbianas do solo presas abaixo do gelo por centenas ou milhares de anos pode levar a um aumento na concentração de carbono atmosférico e assim causar um processo de “efeito estufa local”, acelerando ainda mais o processo de recuo das geleiras (BIASI et al., 2005). As geleiras são consideradas um experimento natural para avaliar a resposta ecológica, evolutiva e avaliar o estabelecimento de comunidades microbianas frente às mudanças ambientais (EDWARDS et al., 2014). Contudo, as mudanças climáticas podem desencadear mudanças na estrutura da comunidade, representando uma ameaça severa para as comunidades microbianas do solo desses habitats (BOETIUS et al., 2015). Com a contínua retração da frente das geleiras resultante das mudanças climáticas, o solo exposto passa a representar um gradiente de fatores físicos, químicos e biológicos que refletem as mudanças regionais ao longo do tempo. Com o derretimento do gelo, rochas aprisionadas, sedimentos e detritos finos são liberados e os micro-organismos pioneiros presentes nesses detritos iniciam a formação do solo por intemperismo em minerais rochosos e incorporam matéria orgânica (FREY et al., 2010; SMITTENBERG et al., 2012). As comunidades microbianas que colonizam o solo recém-exposto estimulam o desenvolvimento físico e biológico do solo através do desgaste biológico do leito rochoso e do acúmulo de C e nutrientes, fornecendo assim uma base para uma sucessão adicional do ecossistema (KAŠTOVSKÁ et al., 2007). O desenvolvimento do solo ao longo de cronosequências glaciais tem sido 38 correlacionado com a sucessão primária de micro-organismos do solo (SIGLER et al., 2002). A sucessão primária é uma importante fase ecológica que se refere a um processo de estabelecimento de atividade biológica em uma área (FIERER et al., 2010). O estudo de ecossistemas de solo em sucessão primária é crucial, pois fornece informações com relação às condições que provavelmente ocorrerão em novos habitats semelhantes ou durante a reabilitação de habitats (DEONALLI et al., 2017). O conhecimento sobre a dispersão de micro-organismos e como eles colonizam esses ambientes recém-expostos é essencial para a compreensão dos padrões biogeográficos da diversidade microbiana (MARTINY et al., 2006; TEDERSOO et al., 2012). Estudos relacionados com a sucessão primaria de micro-organismos do solo após a retirada das geleiras é o foco de atenção de muitos especialistas. Estudos realizados por Niederberger et al. (2019) demonstraram que as comunidades microbianas em solos de geleiras antárticas são altamente sensíveis à mudança na disponibilidade de água. Dresch e colaboradores (2019) descreveram uma alta diversidade de fungos em solos próximos à geleira e essas comunidades estão sujeitas à rotatividade de espécies sazonais distintas. As mudanças ambientais ocasionadas pela retração da geleira podem exercer pressões seletivas nos micro-organismos, alterando as suas funções em processos chave, como nos ciclos biogeoquímicos. Desta forma, o estudo da diversidade dos grupos microbianos nestes ambientes, visando compreender os efeitos das alterações climáticas e adaptações sofridas por estes micro-organismos se faz necessário. Apesar da importância desses micro-organismos pioneiros no desencadeamento da formação do solo, sua origem e identidade são amplamente desconhecidas (BRADLEY et al., 2014). Várias técnicas têm sido utilizadas com o objetivo de identificar micro- organismos que habitam as geleiras. Tradicionalmente são utilizadas técnicas de microscopia (DEMING, 2012), isolamento e cultivo (CHRISTNER et al., 2003) e, mais recentemente as técnicas de sequenciamento de rRNA 16S e 18S (GARCIA- DESCALZO et al., 2013). https://www.nature.com/articles/ismej2015238#ref-CR60 https://www.nature.com/articles/ismej2015238#ref-CR88 https://www.nature.com/articles/ismej2015238#ref-CR88 39 2.8. Sequenciamento de alto rendimento aplicado à identificação de fungos O reino Fungi é estimado em cerca de 3,8 milhões de espécies e apresenta formas e estratégias nutricionais diversificadas, além de associações com outros organismos (HAWKSWORTH et al., 2017). Os primeiros estudos de identificação molecular revelaram uma variedade de espécies de fungos, muitos não cultiváveis, com o corpo de frutificação e outras estruturas desconhecidas, cujos modos nutricionais e associações ecológicas desafiavam a sua caracterização (TEDERSOO et al., 2016). No entanto, a revolução genômica mudou fundamentalmente a maneira como pesquisamos a biodiversidade na Terra. As plataformas de sequenciamento de alto rendimento (“HTS”) agora permitem o sequenciamento rápido de DNA de diversos tipos de amostras ambientais (denominadas "DNA ambiental" ou "eDNA"). À medida que as tecnologias de sequenciamento de DNA progrediram do sequenciamento de amostras únicas para o sequenciamento paralelo de Sanger no início dos anos 2000, ficou claro que a micobiota “invisível” supera a diversidade observável (O’BRIEN et al., 2005). Mais de 1.000.000 de sequências de ITS fúngicas derivadas de Sanger estão disponíveis para referência no banco de dados “International Nucleotide Sequence Databases Collaboration” (INSDC) (KARSCH- MIZRACHI et al., 2018). Os métodos de sequenciamento de nova geração (ou segunda geração) (NGS) foram desenvolvidos na segunda metade da década de 2000, marcando o início das análises de sequenciamento de alto rendimento (HTS) de comunidades fúngicas. A taxonomia e a ecologia dos fungos foram revolucionadas pela aplicação de métodos moleculares (HIBBETT et al., 2009; 2016). Estudos de sequenciamento de alto rendimento (HTS) de comunidades de fungos estão redesenhando o mapa do reino Fungi sugerindo sua enorme e amplamente desconhecida diversidade taxonômica e funcional (NILSSON et al., 2019). De acordo com Lindahl et al. (2013) o delineamento experimental é uma etapa fundamental que determina o poder explicativo analítico e a representatividade dos estudos relacionados ao HTS. Os processos de extração de DNA, escolha de marcadores genéticos, e condições de amplificações devem ser adequados para fungos (NILSSON et al., 2019. O sequenciamento da região ITS (Internal Transcribed Space) do operon ribossomal (rRNA), reconhecida como o código de barras do DNA fúngico (barcode) (SCHOCH et al., 2012), é um dos pilares na identificação de 40 espécies com base em sequenciamento de Sanger e no metabarcoding baseado em HTS (BEGEROW et al., 2010). O termo metabarcoding foi introduzido por Taberlet et al. (2012) e definido como “identificação automatizada de várias espécies a partir de uma única amostra global contendo organismos inteiros ou de uma única amostra ambiental contendo DNA degradado”. 2.9. Metabarcoding empregados no estudo das comunidades microbianas em ambientes frios A técnica de metabarcoding ou também conhecida como metataxonomia combina os princípios do código de barras do DNA (barcoding) com a tecnologia de sequenciamento de nova geração, gerando grandes quantidades de dados sobre a biodiversidade. Sendo considerada uma técnica extremamente útil para quantificar a abundância relativa de espécies. Os avanços recentes na coleta e análise de DNA ambiental (eDNA), contribuíram para uma nova abordagem complementar que pode ajudar a preencher lacunas nos dados de distribuição de espécies deixados por métodos tradicionais em habitats logisticamente difíceis (DEINER et al., 2017), particularmente em locais remotos e desafiadores como os ambientes extremos. O metabarcoding de eDNA pode permitir a identificação de milhões de fragmentos/amostra de DNA, fornecendo uma abordagem poderosa para pesquisar a biodiversidade. Com o progresso das tecnologias de sequenciamento de nova geração, análises de metagenoma e metabarcoding em estudos com amostras de sedimentos glaciais (WRIGHT et al., 2013) e solos antárticos (PEARCE et al., 2012; DRESCH et al., 2019; PESSI et al., 2019) revelaram que a diversidade taxonômica e funcional é muito maior do que se pensava anteriormente. Estudos utilizando essas abordagens representam uma oportunidade para ampliar o conhecimento da biodiversidade de ambientes remotos da Antártica (CHOWN et al., 2015b) e vêm sendo aplicados para monitorar espécies invasoras, pesquisar a biodiversidade em grandes escalas espaciais e para fornecer subsídios para futuros esforços de conservação (CHOWN et al., 2015b). Em adição, a técnica de metabarcoding aplicada a amostras da Antártica tem sido útil no estudo dos vírus (LÓPEZ-BUENO et al., 2009), bactérias em comunidades hipolíticas (MAKHALANYANE et al., 2013), solo (TEIXEIRA et al., 2010 ), ar (BOTTOS et al., 2014), bem como de fungos e outros eucariotos (POINTING et al., 2009; DREESENS et al., 2014; NIEDERBERGER et al., 2015). 41 No entanto, o uso da tecnologia metagenômica e metabarcoding em ambientes polares ainda é desafiador devido às concentrações relativamente baixas de biomassa microbiana, resultando em baixas recuperações do DNA genômico de qualidade, principalmente em solos jovens (BRADLEY et al., 2014). Outra limitação da técnica é a não distinção de organismos ativos de DNA inativos preservados no ambiente, o que pode representar uma proporção maior do DNA total em solos com baixa biomassa (CARINI et al., 2017). Em adição, apesar de gerar milhões de leituras de sequência de DNA em inúmeras amostras, não é possível a distinção entre fontes mortas, inativas ou ativas do modelo de DNA, que combinadas com a natureza baseada em PCR dessas técnicas, podem levar a resultados falhos e tendenciosos (LINDAHL et al., 2013; NGUYEN et al., 2015; HAWKSWORTH; LÜCKING, 2017; WUTKOWSKA et al., 2019). Considerando o fato de que o DNA extracelular pode persistir em ambientes escuros/frios por longos períodos, que vai de meses a anos, (CORINALDESI et al., 2008; DELL’ANNO et al, 2005) muitos dos organismos detectados pelo metabarcoding de eDNA podem não estar viáveis na amostra estudada (local de coleta). Esse efeito pode ser exacerbado pela preservação de DNA antigo em solos frios da Antártica (WILLERSLEV et al., 2004). Um estudo recente sobre solos marítimos da Antártica reportou que pesquisas baseadas em DNA podem favorecer a observação de fungos cosmopolitas devido a uma maior proporção de DNA inativos pertencentes a esses fungos, conservados no ambiente (COX et al., 2019). Contudo, a análise de metabarcoding de DNA ambiental é uma opção valiosa para descrever a composição e distribuição da microbiota encontrada em ambientes extremos como a Antártica (CZECHOWSKI et al., 2017). Essa abordagem é capaz de produzir grandes quantidades de dados em detalhes, com fluxos de trabalho de laboratório relativamente simples e com eficiência de tempo. https://royalsocietypublishing.org/doi/full/10.1098/rspb.2014.0882 42 3. OBJETIVOS 3.1. Objetivo geral O presente projeto tem como objetivo estudar a biodiversidade filogenética de fungos filamentosos através do emprego de métodos moleculares dependentes e independentes de cultivo (Metabarcoding), bem como avaliar os efeitos dos parâmetros ambientais nas comunidades fúngicas. 3.2. Objetivos específicos: • Isolar e identificar por métodos moleculares fungos filamentosos a partir de amostras de solo de recuo da geleira Collins e estabelecer correlações com parâmetros ambientais. • Analisar a diversidade e composição da comunidade fúngica em amostras de solo das geleiras Collins e Baranowski por meio de abordagem Metabarcoding, correlacionar a composição taxonômica entre os ambientes e buscar compreender os fatores ambientais que moldam os taxa microbianos nas amostras de solo do recuo das geleiras. 43 CAPÍTULO 1 Fungal Community in Antarctic Soil Along the Retreating Collins Glacier (Fildes Peninsula, King George Island) Status: Published – MDPI Special Issue "Microbes in the Cryosphere" Citation: Santos, J.A.; Meyer, E.; Sette, L.D. Fungal Community in Antarctic Soil Along the Retreating Collins Glacier (Fildes Peninsula, King George Island). Microorganisms 2020, 8, 1145. 44 Fungal Community in Antarctic Soil along the Retreating Collins Glacier (Fildes Peninsula, King George Island) Juliana Aparecida dos Santos 1, Edenilson Meyer 2 and Lara Durães Sette 1, * 1 Department of General and Applied Biology, Biosciences Institute, São Paulo State University (UNESP), 24A, 1515, Rio Claro 13506-900, SP, Brazil; julibio7@hotmail.com 2 Department of Microbiology, Immunology and Parasitology, Biological Sciences Center, Federal University of Santa Catarina, Florianopolis 88040-900, SC, Brazil; meyer@ufsc.br * Correspondence: lara.sette@unesp.br; Tel.: +55-19-3526-4171; Fax: +55-19-35340009 Received: 2 July 2020; Accepted: 28 July 2020; Published: date Abstract: Glacial retreat is one of the most conspicuous signs of warming in Antarctic regions. Glacier soils harbor an active microbial community of decomposers, and under the continuous retraction of glaciers, the soil starts to present a gradient of physical, chemical, and biological factors reflecting regional changes over time. Little is known about the biological nature of fungi in Antarctic glacier soils. In this sense, this work aimed at studying the behavior of fungal community structure from samples of glacier soil collected after glacial retreat (Collins Glacier). A total of 309 fungi distributed in 19 genera were obtained from eleven soil samples. Representatives of the genera Pseudogymnoascus (Ascomycota) and Mortierella (Mortierellomycota) were the most abundant isolates in all samples. The data revealed the presence of filamentous fungi belonging to the phylum Basidiomycota, rarely found in Antarctica. Analysis of the generalized linear models revealed that the distance from the glacier as well as phosphorus and clay were able to modify the distribution of fungal species. Environmental variations proved to have influenced the genera Pseudogymnoascus and Pseudeutorium. Keywords: extremophiles; fungal diversity; glacial soil; Antarctic microbiology; glacier retraction mailto:lara.sette@unesp.br 45 1. Introduction Microbial diversity of the terrestrial Antarctic environment exists mainly in ice- free areas, which have been altered by climate change, representing less than 1% of the continent. The Antarctic Peninsula is the most affected region, where the warming rate is twice the rate of other Antarctic regions [1–4]. Considering its rate of glacier retreat, Collins Glacier is predicted to disappear in 285 years [5–7]. Collins Glacier, commonly referred to as the Bellinghausen Dome, is a small ice dome centered approximately at 62°12′S latitude, 58°57′W longitude (area of 15 square km and a maximum altitude of 270 m). Additionally, studies carried out in 2007 involving the radiocarbon dating of moss adjacent to the glacier indicated that the ice cap has been located at or behind its position for much of the last 3500 years [8]. Although the recent literature provides information related to the slow response of the Collins Glacier to climate change, data collected by Simões et al. [7] indicated that the retreat is a consequence of regional warming. Increase in ice-free area drastically modifies biodiversity due to changes in the environment and the sharing of species with other areas [9–11]. Microorganisms are transported by terrestrial dust and in precipitation become embedded in the ice formed from falling snow, which can be considered as an excellent matrix for the long-term preservation of these groups of organisms, allowing for the study of both present and ancient microbial diversity [12]. The ice matrix may contain spores and mycelial fragments of fungi, present in the air from thousands of years ago [12,13]. Terrestrial ecosystems covered with ice are being exposed with the retreating of glaciers, which allows a new environment for microorganisms to establish, and provides a great habitat to study the succession of microbial community and its associations with soil nutrients exposed over the years [14–16]. Time since deglaciation affects the fungal community composition. Considering the disturbance caused by climate change, species interactions are impaired and force species adaptations, migration, and extinction [14,17–20], indicating that air temperature in Antarctica is a significant factor for microbial community composition. According to Newsham et al. [20], global warming can lead to about a 20–27% increase in fungal species richness in the southernmost soils by 2100. This change in the composition of fungus community can trigger substantial changes in nutrient cycling and productivity of Antarctic soils. Considering the premise that global warming is 46 directly related to glacial retreat, studies of microbial succession have become relevant. Rapid environmental warming is a threat to the integrity of ice-influenced ecosystems, where microorganisms are the dominant form of life [21]. Despite the importance of microorganisms in Antarctic soils and the fast warming of the Antarctic Peninsula, little is known about how these microbial communities respond to environmental changes generated by the global warming process [22]. In this context, this study is based on the following objectives: (i) to isolate and identify filamentous fungi from soil samples of glacier retreat (Collins Glacier, Fildes Peninsula, King George Island); (ii) determine whether fungal succession occurs in soils and describe diversity distribution, and (iii) determine whether the composition of the fungal community is associated with the composition of the soil. 2. Methods 2.1. Sampling Site Soil samples were collected during the XXXIII Brazilian Antarctic Expedition (February 2015) at different points in the foreland of the retreating Collins Glacier (62°10′S, 58°55′W), located in the Fildes Peninsula, King George Island, Maritime Antarctica (Figure 1). A total of eleven samples were collected in the transects at points 0, 3, 50, 100, 150, 200, 250, 300, 350, 400, and 800 m from the glacier front (Table S1). The samples were stored in sterile plastic bags and maintained under refrigeration. For each sampling site, three subsamples were collected and pooled together to produce composite samples, yielding the final samples listed in Table S1. 47 Figure 1. Collins Glacier (Fildes Peninsula, South Shetlands Archipelago, King George Island, Maritime Antarctica). (A,B) Map of the sampling region; (C) sampling. 2.2. Physicochemical Analysis The following physicochemical parameters of the soils were assessed: micronutrient (Cu, Fe, Mn, and Zn), organic matter, P, K, Ca, and Mg concentrations, and pH. The evaluation of clay and silt was carried out by granulometric analysis using the densimeter method (or Buyoucos) based on the sedimentation of the particles that make up the soil [23]. These analyses were carried out at the “Luiz de Queiroz” College of Agriculture (Department of Soil Sciences, University of São Paulo, Brazil), according to the methodology described in Van Raij et al. [24]. Physicochemical parameters of the eleven soil samples are shown in Table S2.