Alfa, São Paulo 30/31:55-63, 1986/1987. ASPECTOS DA COMPOSIÇÃO NOMINAL NO PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO Ieda Maria ALVES * RESUMO: Com base em um corpus de vocabulário político constituído pelos jornais Folha de S. Pau lo e O Es tado de S. Pau lo , analisados durante o ano de 1986 (amostragem sistemática de 30%), estudamos os neologismos formados por composição substantiva. Alguns substantivos, com função determinante, ocupam tão freqüentemente a segunda posi­ ção na composição por justaposição, que tendem a perder parte de seu significado e a adquirir um valor sufixai. UNITERMOS: Vocabulário político; composição; derivação sufixai. I. Dentre os processos utilizados pelo português para a ampliação de seu léxico, a composição e a derivação são sempre citadas pelos gramáticos como mecanismos intrínsecos, isto é, constituem recursos provenientes da própria língua para a expansão lexical (cf. 12, p . 183; 4, p. 80; 11, p. 213; 9, p . 9 5 . . . ) . Além desses processos, a língua portuguesa emprega também outros recursos, ainda que esporadicamente: formações onomatopaicas e acronímicas, amálgamas e cria­ ções ex-nihilo. Analisando o noticiário político nacional e internacional dos jornais Folha de S. Paulo (F) e O Estado de S. Paulo (E) durante o ano de 1986 (amostragem sistemática de 3 0 % ) , defrontamo-nos com vários elementos neológicos formados pelo processo da composição.** Nem todas as unidades léxicas recenseadas per­ tencem exclusivamente à terminologia política: o discurso político, veiculado pela imprensa escrita e oral, faz com que termos políticos passem à língua geral * D e p a r t a m e n t o de Lingüística — Inst i tu to de Let ras , História e Psicologia — U N E S P — 19800 — Assis — SP. ** Cons ideramos neológicas as unidades lexicais n ã o regis t radas pelo Novo dicionário da língua portuguesa, de A. B. de Hol landa Fer re i ra (7). 56 ou sejam influenciados por ela; recebe, também, muitos elementos de outros do­ mínios técnicos e científicos (cf. 2, p . 906-7 e 3, p . 38-9). Inventariamos criações neológicas compostas pela justaposição de substantivo mais substantivo (deputado-cantor), substantivo mais adjetivo (populismo-sindi- calista), adjetivo mais adjetivo (esquerdo-estatizante), substantivo mais advérbio (diretas-já), preposição mais substantivo (sem-terra), verbo mais substantivo (que- bra-partidos), substantivo mais preposição mais substantivo (boca-de-urna), e pela aglutinação de dois substantivos (brasiguaio). Dentre os neologismos formados pela justaposição de dois substantivos, na qual o primeiro elemento exerce a função de determinado, algumas criações léxicas chamaram nossa atenção: alguns substantivos são tão freqüentemente utilizados na segunda posição, como deter­ minantes, que tendem a perder uma parte de sua significação e a adquirir um valor sufixai. Na verdade, a divisão em formação de palavras por composição e por deri­ vação não é unanimemente estabelecida por estudiosos das línguas. Meyer-Lübke, F. Brunot, A. Dauzat, Nyrop, Said Ali, A. Nascentes, Rocha Lima, C. Cunha, L. S i n t r a . . . consideram a formação prefixai um tipo de derivação. Outros auto­ res, como Bourciez, Garcia de Diego, J. J. Nunes, Ribeiro de Vasconcelos, Mat- toso Câmara Jr. . . . preferem classificar os prefixos como constitutivos da com­ posição. Sobre essa polêmica, comenta Said Ali: "Estoutra doutrina, plausível à primeira vista, em se tratando de partículas usadas como vocábulos independen­ tes, tropeça contudo ao chegar o momento de analisar elementos formativos do tipo dis-,re-,in- negativo e aqueles que, como pre-,ob-, já não usamos como pala­ vras isoladas. É fácil afirmar que não são ou foram preposições ou advérbios. Equivale este argumento a uma petição de princípio. Nada se sabe da existência de tais vocábulos independentes nem em latim nem em outra língua indo-euro- péia. Por toda a parte ocorrem estes elementos funcionando sempre como pre­ fixos" (13, p . 229-30). Mesmo na derivação sufixai, continua Said Ali (13, p . 230), nem sempre é fácil separar a composição da derivação. Em latim, a par­ tícula mente, substantivo, fazia parte de formações compostas: bona mente, fera mente. A partir do momento em que passou a juntar-se a adjetivos, como em rapidamente, recentemente, perdeu a significação e o valor de substantivo e, de termo componente, passou a funcionar como sufixo criador de advérbios. A respeito da relação existente entre composição e derivação, diz-nos A. Martinet (10, p . 134) que o que há de comum entre compostos e derivados é a unidade semântica do conjunto, a qual é marcada pelo fato de cada um deles corresponder normalmente a uma só escolha. Além disso, os monemas unidos pela composição e pela derivação são formalmente indissociáveis. Martinet distingue o sintagma propriamente dito do sintema, ou seja, o conjunto formado pelos mo­ nemas constitutivos da composição e da derivação. A tais monemas dá o nome de ligados. Alfa, São Paulo, 30/31:55-63. 1986/1987. 57 A diferença entre composição e derivação reside, ainda, segundo Martinet (10, p . 136-7), no fato de que os monemas que formam um composto funcionam independentemente dos compostos, o que não ocorre com os monemas chamados afixos, que se juntam a um radical para formar um derivado. A passagem de um elemento composto para elemento afixai existe quando um monema passa a ser empregado apenas na composição: é o que ocorreu com o elemento -hood, do inglês boyhood, e com o monema -heit, do alemão Freiheit. No caso dos com­ postos eruditos, cujas partes não funcionam isoladamente, houve, originalmente, empréstimo de seus elementos a uma língua clássica. II. No corpus que estudamos, os substantivos que exercem função determi­ nante e ocupam a segunda posição na composição por justaposição são 13: base, candidato, chave, chefe, comício, compromisso, empresário, fantasma, limite, monstro, presidente, suicida, tanque. A produtividade desses elementos é bastante variada. Chave, que atua como determinante em vinte e duas criações neológicas, constitui o substantivo mais produtivo. Fantasma e chefe são também freqüentes. Os demais substantivos funcionam num pequeno número de formações. O elemento chave apresenta-se em campos semânticos bastante variados. Pode indicar a interrogação: "Segundo o jornal La Stampa, de Turim, a interro- gação-chave, hoje, é a seguinte: [ . . . ] " (E, 25-02, p. 9, c. 4); "De qualquer forma, não temos respostas para a pergunta-chave: quem ordenou ou aprovou o desvio de dinheiro aos 'contras' [ . . . ] " (F, 11-12, p. 7, c. 3); " [ . . . ] Shultz está procurando evitar é a paralisação da política externa norte-americana, par­ ticularmente em questões-chave como as negociações de desarmamento [ . . . ] " (E, 11-12, p. 4, c. 2); um personagem: "Segundo a NBC, a figura-chave na transfe­ rência dos fundos conseguidos com as vendas foi um general reformado da Força Aérea norte-americana, [ . . . ] " (E, 29-11, p. 5, c. 1); " [ . . . ] através da eleição de alguns governadores-chaves, nos principais Estados?" (E, 06-06, p. 3, c. 4); " [ . . . ] e dizendo que ele garante 'direito de sigilo' aos que prestam depoimento e não ouve pessoas-chaves para elucidar o caso" (E, 20-09, p . 8, c. 5); uma situação geográfica: "Numericamente, como se está verificando, em todos os Es- tados-chaves o PMDB está a ponto de colher vitórias" (F, 23-09, p . 2, c. 3); "Além de ser ponto-chave frente ao campo de Ain Al-Hilweh [ . . . ] " (F, 25-11, p. 9, c. 1); "É o próprio futuro do império norte-americano que está em jogo numa re- gião-chave, o Pacífico" (F, 25-02, p. 19, c. 4); " [ . . . ] tendo em vista sua con­ dição /Alemanha Ocidental/ de território-chave no sistema de defesa da Nato" (E, 16-09, p . 8, c. 1); "Externamente, ela não tem em vista tanto renunciar à política do poder quanto reorientar este poder para zonas-chaves, [ . . . ] " (F, 21-12, p. 18, c. 1); uma função: " [ . . . ] a possibilidade de que candidaturas fran­ camente minoritárias conquistem cargos-chaves na administração" (E, 19-07, p. 2, c. 2); "A revista também diz que a Agência Central de Inteligência — CIA — desempenhou papel-chave na tarefa [ . . . ] " (E, 25-11, p. 7, c. 2); "E os respon- Alfa, São Paulo, 30/31:55-63, 1986/1987. 58 sáveis, [. . . ] começam agora a ocupar posições-chave no aparelho [ . . . ] " (F, 21-12, p. 19, c. 2). Aparece também justaposto a elemento, fator, idéia, órgão, peça, slogan e aos sintagmas peça pública e posição estratégica: " O elemento- chave, nesse jogo potencialmente mortal, é a guerra entre o Irã e o Iraque, que se aproxima do seu primeiro aniversário" (E, 04-05, p. 9, c. 2); "A segurança foi o fator-chave para a escolha do local" (E, 19-07, p. 6, c. 6); " [ . . . ] leva para o Congresso Constituinte uma idéia-chave tão fácil [ . . . ] " (E, 15-11, p. 22, c. 3); "Desta forma, seria mais fácil conhecer os processos, o andamento das contas através de dois órgãos-chave [ . . . ] " (F, 30-03, p. 6, c. 5); " O professor habilitado é a peça-chave para a solução dos problemas do ensino" (F, 26-07, p . 2, c. 5); "Mas, na última linha, tropeça num slogan-chave do postulante a uma vaga de constituinte" (F, 04-11, p . 4, c. 2); " [ . . . ] a admitirem, sem pro­ blemas, não só que Perón voltasse do exílio, mas que fosse a peça pública-chave da sucessão presidencial nas eleições de 1973" (F, 07-09, p . 12, c. 2); " [ . . . ] realçando, ao mesmo tempo, a posição estratégica-chave que este arquipélago de 7 mil milhas / Filipinas / ocupa no panorama internacional, [ . . . ] " (E, 25-02, p. 3, c. 3). Nesses compostos, chave marca claramente a qualidade e a superio­ ridade e perdeu bastante de seu significado primitivo. * O substantivo base, que aparece no corpus com apenas quatro exemplos, exerce a função de sinônimo de chave: trata-se de um elemento que imprime caráter superior ao substantivo determinado a que se une: " [ . . - ] o Brasil vive um período de transição que traz esperança para um futuro melhor, segundo o documento-base do CNL [ . . . ] " (E, 31-08, p . 9, c. 3); " O grande esforço dos dirigentes do PMDB será costurar uma unidade prévia em torno de determi­ nados pontos-base da nova Constituição" (E, 13-11, p. 13, c. 3); "Se se cuidasse de torná-la, agora, como texto-base para a redação da / Constituição / de 1987, o País só teria a ganhar" (E, 13-11, p . 13, c. 5); "A família é a unidade-base da sociedade, [ . . . ] " (F, 09-11, p. 16, c. 5). Chefe e presidente integram unidades lexicais pertencentes a vários campos semânticos e indicam sempre aquele que exerce uma função de mando, de chefia: " O candidato-chefe dos racistas, Le Pen, entrega os candidatos da direita [ . . . ] " (F, 18-02, p. 3, c. 4); " O governo peemedebista do Paraná mandou recado ontem aos editores-chefes dos mais importantes jornais do Estado, [ . . . ] " (F, 25-07, p. 4, c. 2); "Um autêntico staglunch, onde as mulheres presentes, além da dona da casa, dona Emília, eram apenas Belisa Ribeiro (jornalista-chefe da campanha) [ . . . ] " (E, 18-12, p. 2, c. 5); " [ - . . ] o próprio médico-chefe da equipe que atendeu, [ . . . ] " (E, 16-07, p. 5, c. 3); "Da outra vez, o general Ivan (de Souza Mendes, ministro-chefe do SNI), estando comigo, [ . . . ] " (F, 16-10, p . 8, c. 6); "Na mesma portaria, Castro foi exonerado do cargo de procurador-chefe da * O Novo dicionário da língua portuguesa, de A. B. de H. Fer re i ra (7), registra homem-chave e posto-chave. Alfa, São Paulo, 30/31:55-63, 1986/1987. 59 Procuradoria da República do Rio" (F, 16-10, p . 6, c. 1); "Hoje é diretor-presi- dente do Grupo Sharp, [ . . . ] " (E, 15-10, p . 16, c. 6). Uma formação com presidente — general-presidente — deve-se ao fato de o Brasil ter tido presidentes que eram generais: "Creio que, em tese, o mandato de quatro anos é curto e o de seis anos longo demais (Como se viu no período dos generais-presidentes)" (F, 16-10, p. 2, c. 5). O presidente da República J. Sarney, que além de presidente é poeta, faz com que sejamos governados por um poeta-presidente: "Alfonsin, em vez de um simples brinde de resposta, como seria de praxe, prefere um discurso mais longo, no qual fala do 'poeta-presidente', que é Sarney, [ . . . ] " (F, 29-07, p . 6, c. 3). Os neologismos constituídos com o substantivo limite marcam o fim de uma possibilidade. Indicam uma fronteira, além da qual a continuidade é impossível: " O general Juan Ponce Emile, ministro da Defesa, que propõe uma 'política de linha dura' para os rebeldes, sugeriu que seja imposto à guerrilha a fixação de uma data-limite para o início das negociações [ . . . ] " (E, 24-09, p . 9, c. 3); " [ . . . ] em substituição ao almirante José M. do Amaral, aposentado por ter •atingido a idade-limite na carreira" (E, 16-09, p . 6, c. 1); "Além disso, pelo menos para S. Paulo, o prazo-limite de 30 de maio não será prorrogado" (E, 22-05, p . 2, c. 3). Os acontecimentos que fazem a história política nacional e internacional contribuem com criações lexicais algumas vezes interessantes. Assim, a corrupção que atinge vários setores governamentais brasileiros e o descrédito de grande parte da população em relação aos governantes tornam possível o emprego de unidades léxicas com o elemento fantasma, que atribui o significado de inexis­ tência ao substantivo determinado: " [ . . . ] a denúncia de A. Ermírio, do PTB, de que malufistas estão organizando diretorios-'fantasmas' no Interior, [ . . . ] " (E, 14-06, p . 4, c. 4); "Com o acréscimo de 'discursos-fantasmas', foi a dezoito o número de oradores numa sessão em que nem vinte deputados passaram pelo plenário; [ . . . ] " (E, 29-04, p. 2, c. 3); " [ . . . ] não significará tarefa impossível dar a todo eleitor uma novo título e, com isso, extirpar o eleitorado-fantasma, [ . . . ] " (E, 18-02, p . 3, c. 3); " [ . . . ] sem que fosse definida a responsabilidade pelo fato; aquisição de alimentos de firma-fantasma, entre outras" (E, 18-02, p. 4, c. 1); " [ . . . ] pretende demitir todos os 'funcionários-fantasmas' da Prefeitura, informou ontem sua assessoria" (F, 03-01, p. 20, c. 2); "Assembléia vai ouvir o 'servidor-fantasma' " (manchete) (E, 12-02, p. 4, c. 4-5). O substantivo monstro perde o significado de ser informe, que causa medo, e passa a significar, em discurso-monstro, manifestação-monstro e operação-mons- tro um longo discurso, uma grande manifestação e uma complexa operação: "E , num discurso-monstro, em frente ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, lança a última dose de veneno: [ . . . ] " (F, 15-11, p. 4, c. 2); " [ . . . ] culminando com a manifestação-monstro de anteontem, reprimida com violência pela polícia" (E, Alfa, São Paulo, 30/31:55-63, 1986/1987. 60 06-12, p. 7, c. 5); "A polícia italiana montou uma operação-monstro de caça a dois presos que fugiram do cárcere de Rebibbia, [ . . . ] " (F, 25-11, p. 8, c. 5). As eleições de 15 de novembro de 1986, em que houve inúmeras candidaturas aos cargos de deputado, governador e senador, permitiu a criação de unidades lexi­ cais como conselheiro-candidato, ministro-candidato, parlamentar-candidato, presi- dente-candidato: "Na manhã de ontem, os conselheiros-candidatos [. . . ] distribuí­ ram seus panfletos aos colegas, [ . . . ] " (F, 09-07, p. 7, c. 3); " O altivo ministro Carlos Sant'Anna revelou, há dias, seu pressentimento: só sairiam os ministros- candidatos" (E, 15-01, p. 3, c. 5); " O parlamentar-candidato parte para a campa­ nha com vantagem sobre os outros candidatos, [ . . . ] " (F, 24-06, p. 8, c. 2); " [ . . . ] enquanto nesta última [sigla PL] o presidente-candidato se refere ao candidato a governador que seu partido apoia somente num pequeno quadro inserido em sua fala" (E, 21-10, p. 3, c. 2). Essas eleições, assim como as reali­ zadas em 15 de novembro de 1982, foram marcadas por comícios festivos, em que políticos e artistas alternavam-se nos palanques. Tivemos, assim, a festa-co- mício e o show-comício: "Quércia fez essas afirmações após discursar na festa- comício pela passagem do 'Dia da Criança' promovida pelo PMDB [ . . . ] " (F, 13-10, p. 5, c. 5); "Amanhã de manhã, participará, com mais vinte artistas, de um show-comício na praia de Boa Viagem, com a presença de Arraes" (E, 25-10, p. 7, c. 4). A onda de atentados terroristas, muito freqüente na década de 80, propicia a criação de termos com o elemento suicida: " [ . . . ] que convidou os jovens do mundo inteiro, árabe ou não, a integrar-se em seus esquadrões-suicidas [ . . . ] " (E, 12-04, p. 3, c. 2); " [ . . . ] diante dos escombros do que foi a Embaixada dos Estados Unidos em Beirute, destruída por um carro-bomba (com um moto- rista-suicida) [ . . . ] " (E, 17-04, p. 11, c. 1); "Outro dirigente do 'Partido de Deus', xeque Ibrahim Amin, elogiou o terrorista-suicida que atacou a embaixada norte-americana, [ . . . ] " (E, 17-04, p. 11, c. 2). O corpus político estudado registra também formações neológicas com os substantivos compromisso, empresário e tanque, que tiveram, cada um, apenas duas ocorrências: "Já o ministro da Administração, Aluizio Alves, 64, defendeu ontem a revisão da carta-compromisso da Aliança Democrática [ . . . ] " (E, 25-02, p. 5, c. 6); " [ . . . ] concluirão e encaminharão ao presidente Sarney o documen- to-compromisso do PMDB, [ . . . ] " (E, 25-02, p. 4, c. 1); "Portanto, no caso, ninguém pode considerar-se privilegiado pelo erro do candidato-empresário [ . . . ] " (E, 06-06, p. 2, c. 4); " O grande responsável pela inflação brasileira, [. . . ] é o próprio Estado, principalmente o Estado-empresário" (F, 27-12, p . 2, c. 5); "É usada para treinamento de pilotos norte-americanos estacionados na América Central e base de aviões-tanques" (F, 21-12, p. 20, c. 6); " O material bélico de fabricação brasileira fabricado no Irã — carros-tanques e granadas de mão — [. . . ] " (E, 29-11, p. 2, c. 1). Alfa, São Paulo. 30/31:55-63. 1986/1987. 61 111. A análise dos substantivos compostos por justaposição revela-nos que alguns substantivos, que assumem a segunda posição da justaposição, como deter­ minantes, são bastante produtivos e manifestam a tendência de se expandirem na língua portuguesa. Tal é o caso de chave, sobretudo, e também de base, chefe e limite. Outros estudos realizados sobre o vocabulário jornalístico apresentam o mes­ mo tipo de composição. Num estudo que realizamos sobre as eleições de 15 de novembro de 1982, já aparecia o emprego de festa-comício, show-comício e Esta- do-chave, atestados no corpus que estudamos (1 , p . 42). Num trabalho sobre a linguagem de periódicos pernambucanos, N. Carvalho recenseou Estado-empre- sário e ministro-chefe, também registrados em nosso corpus (5, p . 103-4). A A. recolheu outros compostos com elementos substantivos que apresentam produtivi­ dade nos jornais que analisamos, como base e monstro: preço-base, salário-base e pai-monstro (5, p . 105). O Novo dicionário da língua portuguesa, de A. B. de H. Ferreira, registra compostos como homem-chave, posto-chave, carro-chefe, pa- pamóvel, carro-bomba e carta-bomba. Substantivos compostos com os elementos chave e chefe estão presentes no nosso corpus (v. I I) . A série com o elemento móvel aparece em compostos como Montoro-móvel, Tancredo-móvel (1 , p . 40) e petemóvel, empregado no vocabulário político que analisamos: " [ . . . ] os duzen­ tos carros de A. Ermírio, fotografados pela Folha há algumas semanas, já são quatrocentos, contra o petemóvel, filho único na frota do P T " (F, 26-09, p . 5, c. 1). Com bomba, temos o composto sugestão-bomba, também empregado no corpus estudado: " [ . . . ] que na próxima semana iria a Brasília levando uma 'sugestão-bomba' do prefeito Jânio Quadros para a reforma da Carta [ . . . ] " (E, 14-06, p. 2, c. 2). Esses fatos nos mostram que a série paradigmática está presente na formação de compostos substantivos justapostos. O mesmo fenômeno ocorre em francês contemporâneo e já foi descrito por vários lingüistas. Numa análise efetuada por L.-Majumdar (8, p. 63-83) com neologismos compostos inventariados no jornal Le Monde durante o ano de 1955, a A. encontrou dezesseis substantivos com o mesmo comportamento que os ele­ mentos citados em nosso estudo. Tal como em português, é a unidade lexical clé (correspondente ao português chave) que se revela a mais produtiva, com trinta e um compostos. Para J. Dubois (6, p . 178), o primeiro exemplo da série em clé é position-clé, originário do vocabulário bélico utilizado na Segunda Guerra Mundial e decalcado do inglês key position. A amostragem que estudamos reve­ la-nos o emprego de posição-chave, equivalente ao francês position-clé. Podemos ter recebido a série de formações com o substantivo chave diretamente do inglês key position ou por intermédio do francês position-clé. J. C. Boulanger (3, p . 68) considera que as unidades lexicais autônomas como -clé, -pilote, -cible, -témoin, . . . não mais funcionam como compostos e passam a exercer uma função sufixai. Esta é também a opinião expressa por Alfa, São Paulo, 30/31:55-63, 1986/1987. 62 Dubois (6, p . 178-9), que declara que o segundo elemento da composição de unidades lexicais como industrie-clé, mot-clé, position-clé . . . perdeu sua signifi­ cação primitiva e tornou-se até um novo signo. A diferença com a palavra com­ posta propriamente dita, continua a A., deve-se ao alargamento do campo asso­ ciativo e à perda progressiva do valor primitivo do segundo elemento de compo­ sição. Esse fenômeno ocorre freqüentemente nos vocabulários técnicos (cf., por ex., a série — réacteur em statoréacteur, carburéacteur, pulsoréacteur, quadriréac- teur...) e exerce um papel análogo ao dos elementos gregos (ex.: barisphère, bathysphère, ionosphère,. . . ) . Para J. Dubois, tais formações podem ser consi­ deradas como uma característica do movimento sufixai francês contemporâneo. Essa é também a opinião manifestada por L. Guilbert, na introdução ao Grand Larousse de la Langue Française (cit. por L.-Majumdar, 8, p . 65). Para Guil­ bert, o segundo elemento tende a ter valor sufixai e esse esquema representa o es­ boço da formação de novos sufixos. Já P. Gilbert (Dictionnaire des Mots Nou- veaux, 1971, cit. por Boulanger, 3, p. 68) considera tais elementos como o segundo membro da composição entre dois substantivos. No corpus que estudamos, algumas das criações terão certamente um caráter efêmero, como conselheiro-candidato, candidato-empresário. . . Mais importante, porém, que a integração, à língua portuguesa de todas as unidades léxicas arro­ ladas, parece-nos ser a constatação da disponibilidade do emprego desses ele­ mentos na composição justaposta. Os substantivos candidato, chefe, comício, compromisso, empresário, limite, presidente, suicida e tanque não perderam o significado original ao se tornarem compostos. Base, chave, fantasma e monstro perderam parte de seu valor primi­ tivo e adquiriram outro valor semântico: base e chave imprimem um caráter superior ao substantivo determinado; fantasma nega existência ao primeiro subs­ tantivo e monstro adquire o valor de algo muito grande sem ser disforme. Desses elementos, fantasma e monstro constituem formações provavelmente efêmeras. Acreditamos que base e chave são os que mais se aproximam da função sufixai, tanto pela perda de parte da significação, como também, no caso de chave, pelo número considerável de criações léxicas. A L V E S , I.M. — Aspects of the nomina l composi t ion in c o n t e m p o r a r y Por tuguese . Alfa, São Paulo , 30 /31 : 55 -63 , 1986 /1987 . ABSTRACT: Taking a corpus constituted by the political vocabulary of both newspapers the Fo lha de S. Pau lo and the Es tado de S. Pau lo (systematic sample of 30%), we studied neologisms formed by substantive composition. We noticed that some nouns, which play the role of determinant elements, occupy the second position in the composition by justa- position so frequently, that they tend to lose a part of their meaning and to acquire a suffixal value. KEY-WORDS: Political vocabulary; composition; suffixal derivation. Alfa, São Paulo, 30/31:55-63, 1986/1987. 63 R E F E R Ê N C I A S BIBLIOGRÁFICAS 1. A L V E S , L M . — A terminologia política n o período pré-eleitoral. Alfa, 27:39-46, 1981. 2. B L O C H W I T Z , W. — Le néologisme de sens dans le vocabula i re du français contem­ pora in . In: C O N G R E S S I N T E R N A T I O N A L D E LINGÜÍSTICA si F I L O L O G I E ROMÂNICA, 12, Bucarest i , 1970. Actele. p . 905-12. 3. B O U L A N G E R , J .C . — Néologie et terminologie . Néologie en Marche, Montréal, 4:5-128, 1979. 4. B U E N O , F . da Silveira — Gramática normativa da língua portuguesa. 6. ed. São Paulo , Saraiva, 1963. 5. C A R V A L H O , N . — Linguagem jornalística. Aspectos inovadores. Recife, Secretar ia da Educação , Associação de I m p r e n s a de P e r n a m b u c o , 1983. 6. D U B O I S , J. — M o u v e m e n t s observés dans les suffixations en français con tempora in . In: D U B O I S , J. & D U B O I S , C. — Introduction à la lexicographie: le dictionnaire. 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