UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA ‘JÚLIO DE MESQUITA FILHO’ FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS DIEGO SENTANIN LINO DOS SANTOS ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA PANDEMIA DE COVID-19: REVISÃO E EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALIMENTARES FRANCA 2024 DIEGO SENTANIN LINO DOS SANTOS ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA PANDEMIA DE COVID-19: REVISÃO E EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALIMENTARES Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para obtenção de grau de bacharel em Direito. Orientadora: Profa. Dra. Thais Amoroso Paschoal FRANCA 2024 S 237a Santos, Diego Sentanin Lino dos Atuação do judiciário na pandemia de covid-19: revisão e execução das obrigações alimentares / Diego Sentanin Lino dos Santos. -- Franca, 2024 80 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Direito) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca Orientadora: Thais Amoroso Paschoal 1. Prisão por dívida. 2. Penhora (Direito). 3. Pandemia de COVID-19, 2020-. 4. Alimentos (Direito de família). I. Título. T ítulo. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Dados fornecidos pelo autor(a). DIEGO SENTANIN LINO DOS SANTOS ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO NA PANDEMIA DE COVID-19: REVISÃO E EXECUÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALIMENTARES Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para obtenção de grau de bacharel em Direito. BANCA EXAMINADORA Presidente:_________________________________________________________________ Prof. Dra. Thais Amoroso Paschoal Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, campus de Franca, SP 1ª Examinadora:___________________________________________________________ Profa. Ms. Tainá Fagundes Lente UNESP 2ª Examinadora:___________________________________________________________ Profa. Ms. Karina Magatão PUC-PR Franca, 25 de novembro de 2024. Dedico esse trabalho aos meus pais, Eliane Sentanin Lino dos Santos e Antônio Marcos Lino dos Santos, que sempre expressaram seu amor das mais diferentes maneiras possíveis. AGRADECIMENTOS Defronte à página em branco, me sinto paralisado, tendo em vista que, inevitavelmente, seria impossível listar todas as pessoas as quais eu gostaria de agradecer. Portanto, de rigor demonstrar primeiramente minha gratidão à todas as pessoas não citadas que deixaram sua contribuição no meu ser. Agradeço a meus pais, Eliane e Marcos, por sempre me mostrarem que a educação é o único caminho para a grandeza de espírito e por todo o sacrifício feito para que eu pudesse trilhar esse caminho. À minha tia Mara, por ter cedido o computador para eu estudar história antiga, enquanto eu fingia que jogava Age of Empires. Aos meus avós e tias, por todo o incentivo e o orgulho que tiveram de mim, mesmo quando não havia nenhuma conquista para se orgulhar. À Aline por me mostrar que ainda existe amor em SP e tolerar as minhas (não tão poucas) angústias com o fim da graduação. Gostaria de agradecer também os meus amigos Gabriel, Alisson, Leandro, Mateus, Vitor, Pedro e Vinícius, pelo riso nas horas boas, pelo choro nas horas ruins, pelos cafés de madrugada e pelos almoços no R.U. Ao dividirem comigo os anos de graduação, dividiram o fardo a ser carregado. Em especial agradeço ao meu irmão de consideração, Joelson Vitor Ramos Santos, por dividir comigo a experiência universitária praticamente vinte e quatro horas por dia, já que, mesmo quando não estávamos juntos, uma parede de distância não era tão distante assim. Se éramos uns e somos outros agora, tenho certeza de que carrego em mim muito de ti e sou eternamente grato por cada momento, nesses cinco anos que se passaram num instante. Gostaria de agradecer à minha psicóloga Daiana Gagliardi, por ter salvado minha vida quando eu mesmo achei que não podia. Nesse sentido, também agradeço a todo o gabinete da 4ª Vara de Família e Sucessões do Foro Nossa Senhora do Ó. Camila, Cláudia, Adriana, Carol e Renato, não apenas pelos extensos aprendizados jurídicos e profissionais, mas por abrirem um horizonte de possibilidades para mim, quando achei que não havia mais nenhuma. Por fim, gostaria de agradecer à Professora Thaís Amoroso Paschoal por toda a compreensão e orientação durante os passos difíceis dessa jornada. Estendo meus agradecimentos a todo corpo docente, servidores e trabalhadores da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca por fornecerem tudo que foi necessário para minha formação como, além de operador do Direito, jurista. Prometo defender para sempre o ensino público de qualidade, não por obrigação ou mera complacência, mas porque todos merecem o privilégio de se educar em um ambiente com tantas mentes brilhantes. A todos, minha eterna gratidão. SANTOS, Diego Sentanin Lino dos. Atuação do judiciário na pandemia de covid-19: revisão e execução das obrigações alimentares. 2024. 80 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Direito) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Franca RESUMO A presente monografia visa a análise da atuação do judiciário no tocante à revisão e execução das obrigações de prestar alimentos durante o período de pandemia de COVID-19, buscando averiguar quais as soluções encontradas pela justiça para contornar o período de emergência sanitária e econômica com o menor dano possível aos sujeitos da obrigação alimentar. Para tanto, a monografia utilizará o método dedutivo, partindo das premissas generalistas dos conceitos de alimentos, ritos de execução e revisão para conclusões específicas da aplicabilidade desses conceitos na materialidade da pandemia, e se valerá de revisão bibliográfica, legal e jurisprudencial. Por fim, conclui-se que a utilização do, assim chamado pelo TJDF, sistema híbrido de cumprimento de sentença de alimentos é a alternativa que melhor protege a subsistência do alimentado enquanto preserva a saúde do alimentante. Palavras-chave: Prisão por dívida; Penhora (Direito); Pandemia de COVID-19, 2020-.; Alimentos (Direito de família). LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Quantidade de casos novos por assunto em 2019....................................................60 Figura 2 – Gráficos de quantidade de casos novos pré-2019....................................................60 Figura 3 – Quantidade de casos novos por assunto em 2020....................................................61 Figura 4 – Quantidade de casos novos por assunto em 2021....................................................62 Figura 5 – Quantidade de casos novos por assunto em 2022....................................................62 Figura 6 – Quantidade de casos novos por assunto em 2023....................................................63 Figura 7 – Quantidade de casos novos por assunto em 2024....................................................63 Figura 8 – Quantidade de casos novos de cumprimento de sentença em 2018-2019 ...............64 Figura 9 – Quantidade de casos novos de cumprimento de sentença em 2020-2024 ...............65 Quadro 1 – Ajuizamento de novas ações. ................................................................................65 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 7 2 DIREITO AOS ALIMENTOS ................................................................................. 10 2.1 Conceito, histórico e pressupostos ...................................................................... 10 2.2 Características ..................................................................................................... 12 2.3 Classificação ....................................................................................................... 16 3 DOS CUMPRIMENTOS DE SENTENÇA E EXECUÇÃO DE ALIMENTOS ..... 21 3.1 Da prisão civil ..................................................................................................... 22 3.2 Da expropriação de bens ..................................................................................... 27 3.3 Conversão de ritos .............................................................................................. 29 4 PROFILAXIAS E TRATAMENTOS PROCESSUAIS FRENTE À CHEGADA DO SARS-COV2 NO BRASIL ..................................................................................................... 34 4.1 HC 568.021/CE e HC 574.495/SP ...................................................................... 35 4.2 Recomendação nº 62 ........................................................................................... 39 4.3 Lei nº 14.010/20 .................................................................................................. 42 4.4 Sistema híbrido de cumprimento de sentença de alimentos ............................... 46 5 DA REVISÃO DE ALIMENTOS ............................................................................ 53 6 EVOLUÇÃO TEMPORAL DAS AÇÕES DE NATUREZA ALIMENTAR ......... 60 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 71 7 1 INTRODUÇÃO Esta monografia pretende examinar as soluções processuais encontradas pelos tribunais, juízes, legisladores, doutrinadores e operadores do direito no geral para resolução das lides a respeito de execução ou revisão de obrigações alimentares que ocorreram no Brasil, no contexto da pandemia de Covid-19, mais especificamente desenvolver análise jurisprudencial das decisões judiciais em primeira instância ou de tribunais em processos executórios ou revisionais. Busca-se averiguar soluções no tocante à impossibilidade parcial ou absoluta de se efetuar o pagamento e os critérios utilizados para revisar os alimentos anteriormente fixados, averiguando a existência ou propositura de soluções legislativas ou administrativas que versem sobre a processualística civil no âmbito do Direito das Famílias, considerando situações de pandemia ou crises generalizadas no geral, buscando levantar entendimentos uniformizados ou majoritários a fim de proporcionar segurança jurídica em eventuais situações de descontrole sanitário que possam acontecer futuramente — eis que vivemos em um mundo globalizado, com alto risco de disseminação de patógenos com muita velocidade — e apontar eventuais diferenças de tratamento em determinados casos específicos, se houver, e os critérios utilizados para tanto. Portanto, essa pesquisa se faz relevante no sentido de que é necessário analisar as medidas tomadas sobre um tema tão urgente e sensível em uma situação calamitosa, visto que nada indica que esta pandemia será um caso isolado neste século, havendo a possibilidade de o tema voltar a ser suscitado futuramente, em novos surtos de variantes de Covid-19, outras doenças relacionadas a vírus Sars-CoV ou outras moléstias suscetíveis a se disseminarem nesse novo mundo extremamente conectado. O Direito precisa gerar e retificar novos conhecimentos para que se normatize dispositivos que ajudarão na resolução de futuras lides da forma mais célere e previsível, seja pela revisão do valor ou a execução de patrimônio, com o menor prejuízo possível às partes, muitas vezes imersas sobremaneira em cotidianos incertos nos quais convivem com o fantasma da insegurança alimentar. Nesse sentido, a monografia será dividida em cinco partes. Na primeira, contextualizar- se-á o direito aos alimentos, que é base das pretensões que são objeto da pesquisa, definindo conceito, características e classificação. 8 Na segunda seção, segue-se pela análise da dinâmica processual pela qual se possibilita exigir os alimentos, seja pela via do cumprimento de sentença ou pela da execução de alimentos, e conceituaremos o rito da coerção pessoal e o da constrição de bens, seus usos e diferenças. Na terceira, opor-se-ão esses institutos face à realidade da pandemia de COVID-19 no Brasil, com análise das normativas apresentadas no estado de emergência que se seguiu e os julgados relativos aos cumprimentos de sentença e execuções, em atenção especial ao rito da prisão. Na quarta, haverá breve análise das particularidades da revisão de alimentos, seguida de estudo dos julgados nos quais a questão foi apreciada, visando delinear os critérios e pormenores da situação emergencial da época. Por fim, propor-se-ia a análise dos números de casos propostos durante a pandemia, divulgados pelo CNJ, visando traçar aumento, ou não, da demanda do judiciário de lides envolvendo alimentos. Todavia, a análise restou prejudicada devido a inconsistências da plataforma. A presente pesquisa na área das ciências sociais aplicadas se utiliza do método bibliográfico dedutivo e é de natureza exploratória, visando levantar bibliografia especializada na matéria de Processo Civil, Alimentos, Execução de Alimentos e Revisão de Alimentos, além da busca por jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça de São Paulo, preferencialmente, que verse sobre ação de alimentos sob o contexto da pandemia de Covid-19 no território brasileiro. Para tanto, a coleta será realizada em diversas ferramentas de jurisprudência de tribunais de segunda instância, principalmente na do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, porém, não se limitando tão somente à esfera estadual de São Paulo, tendo em vista que a coleta de Tribunais de Justiça de outras unidades da federação pode trazer convergências e divergências no tratamento da questão, além de se obter entendimento unificado nacionalmente por meio de análise de decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Em toda coleta jurisprudencial serão utilizados o critério temporal de março de 2019 a dezembro de 2022 e partiremos das palavras-chave “cumprimento de sentença OU execução OU revisão de alimentos OU ação revisional OU alimentos E covid E pandemia”, alongando a pesquisa jurisprudencial também aos precedentes citados pelas referidas decisões encontradas. Como objetivo geral da pesquisa, pretende-se examinar e sistematizar as decisões dos tribunais para solucionar lides alimentícias nesse nicho específico e estabelecer uma conexão entre as decisões em seus respectivos contextos concretos, em conjunto com a bibliografia e legislação pré-estabelecida, no contexto geral da pandemia de Covid-19. 9 Especificamente, pretende-se sistematizar as decisões judiciais em primeira instância ou em tribunais em processos executórios ou revisionais; averiguar a existência ou propositura de legislação que versa sobre a execução ou revisão em obrigação de alimentos em situação de pandemia ou crises generalizadas no geral e levantamento dos entendimentos uniformizados pelo Superior Tribunal de Justiça a fim de proporcionar segurança jurídica e apontar diferenças de tratamento em determinados casos específicos. 10 2 DIREITO AOS ALIMENTOS 2.1 Conceito, histórico e pressupostos Primeiramente, a fim de propiciar melhor análise da revisão e execução das obrigações alimentares durante a pandemia de Covid-19, cumpre destacar o que se entende por alimentos, uma vez que este conceito enquanto pertencente à esfera jurídica supera o significado do termo coloquial, que costuma abarcar tão somente noções de subsistência enquanto nutrição, a construção histórica desta concepção e suas características e categorias na ordem jurídica vigente. Em uma análise da construção histórica do conceito, Silvio de Salvo Venosa (2024, p. 315) ressalta que não se encontra, no Direito Romano Clássico, instituto comparável à noção de prestação de alimentos, muito em função do arranjo da família na sociedade romana em torno da figura do pater familias, responsável direto pela condução da família em todos os seus aspectos, inclusive, por continência, nas questões relativas à subsistência dessa. O doutrinador elucida que a criação desse instituto não pode ser remontada à data específica, mas aponta que por volta do ano de 527, já havia previsão dessa obrigação entre ascendentes e descendentes em linha reta, noção que, por sua vez, seria aprofundada pelo Direito Canônico nos séculos de Idade Média que se prosseguiram. Por sua vez, na contemporaneidade, o termo alimentos é concebido no Direito para “além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos, assim, traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessidades e assegurar sua subsistência” (Venosa, 2024, p. 313). O autor prossegue, ressaltando que essa noção não é exclusiva do Direito pátrio, sendo encontrada nos ordenamentos jurídicos francês e português sob os verbos “alimentar, manter e educar” e “indispensável ao sustento, habitação e vestuário [... e] educação, no caso de este [o alimentado] ser menor”, respectivamente. O doutrinador Flávio Tartuce vai além, na esteira de sua interpretação da legislação privada pelo caminho metodológico do Direito Civil Constitucional, do qual é “adepto e entusiasta” (Tartuce, 2018, p. 57-58), se apropria do artigo 6º da Constituição Federal para a compreensão dos alimentos, in verbis: No plano conceitual e em sentido amplo, os alimentos devem compreender as necessidades vitais da pessoa, cujo objetivo é a manutenção da sua dignidade: a alimentação, a saúde, a moradia, o vestuário, o lazer, a educação, entre outros. Em breve síntese, os alimentos devem ser concebidos dentro da ideia 11 de patrimônio mínimo, de acordo com a festejada tese construída pelo professor e Ministro do STF Luiz Edson Fachin (Estatuto..., 2001). Diante dessa proteção máxima da pessoa humana, precursora da personalização do Direito Civil, e em uma perspectiva civil-constitucional, entendo que o art. 6.º da CF/1988 serve como uma luva para preencher o conceito atual dos alimentos. Esse dispositivo do Texto Maior traz como conteúdo os direitos sociais que devem ser oferecidos pelo Estado, a saber: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados (Tartuce, 2024, p. 532). Frise-se que, conforme supracitado, a própria alimentação é concebida como Direito Fundamental no rol do artigo 6º da Constituição Federal. Nesse sentido o doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira, (2024, p.277): O instituto jurídico dos alimentos decorre de valores humanitários e dos princípios da solidariedade e dignidade humana, e destina-se àqueles que não podem arcar com a própria subsistência. É a ordem jurídica com base em uma principiologia norteadora do Direito de Família que estabelece as regras de quem deve receber e de quem deve pagar. Seu conteúdo está diretamente atrelado à tutela da pessoa e à satisfação de suas necessidades fundamentais. A Emenda Constitucional n. 64, de 2010, alterou o artigo 6º da Constituição da República para introduzir a alimentação como um direito social, o que reforça a sua amplitude e importância como direito essencial e atributo da dignidade da pessoa humana. Repise-se que não há equívoco entre categorias, uma vez que a doutrina constitucionalista contemporânea elege os ditos Direitos Sociais como verdadeiros Direitos Fundamentais. No mesmo sentido Alexandre de Moraes (2024, p.241): “Direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito”. A partir disso, “tais direitos existem e devem ser respeitados nas relações privadas particulares, no sentido de que os alimentos estão muito mais fundamentados na solidariedade familiar do que na própria relação de parentesco, casamento ou união estável” (Tartuce, 2024, p. 532). Superada a breve conceituação e evolução histórica, de rigor apontar que a prestação de alimentos nas relações familiares está prevista no artigo 1.694 do Código Civil, in verbis: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação” (Brasil, 2002). Obviamente, a faculdade de exigir a prestação alimentícia tem limites bem definidos, de modo a evitar enriquecimento sem causa e abuso de direito. Se destaca o parágrafo primeiro do 12 artigo supramencionado ao impor que os alimentos “devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada” (Brasil, 2002). Esse comando inaugura a análise do outrora denominado binômio necessidade-possibilidade que hoje, porém, assume a forma de trinômio necessidade/possibilidade/razoabilidade ou proporcionalidade. O advento da razoabilidade ou possibilidade junto ao binômio induz que o contexto social de cada caso concreto, com todas suas subjetividades, deve ser considerado. Nesse sentido, Tartuce (2024, p. 537), realça que a evolução conceitual foi recepcionada pela jurisprudência, sendo determinante para a pacificação de que alimentos entre ex-cônjuges ou ex-companheiros são devidos apenas em caráter excepcional e que possam ser fixados alimentos diferentes para filhos que ocupam contextos econômicos diferentes, sem que isso ofenda os ideários de igualdade propostos constitucionalmente, evocando conceito de equidade. Quanto ao embate entre uso de um termo ou outro, o autor prossegue: De todo modo, acredito ser melhor falar em razoabilidade do que em proporcionalidade como componente da tríade alimentar. Isso porque a razoabilidade é mais guiada por elementos subjetivos; enquanto a proporcionalidade, por fatores objetivos. Em matéria alimentar, as questões pessoais são muito mais relevantes do que as pertinências objetivas. É o caso concreto que irá guiar não só a atribuição do dever de pagar os alimentos, como também o valor a ser pago, o quantum debeatur. De toda sorte, a utilização de uma ou outra expressão não parece trazer maiores prejuízos práticos (Tartuce, 2024, p. 538). Em que pese a falta de prejuízo prático, eis que tratadas no cotidiano jurídico praticamente sinônimos, parece sensata a posição do doutrinador em eleger a razoabilidade como guia mestra do trinômio alimentar, eis que os casos concretos exigem a adaptação da legislação ao contexto subjetivo das partes, e a práxis demonstra que não há como se falar em uma mesma proporção para contextos tão diferentes como encontramos em nosso país, profundamente marcado pela desigualdade socioeconômica. 2.2 Características Faz-se necessário rápido exame quanto às características do direito aos alimentos, eis que são permeados por diversas peculiaridades. As demais decorrem da primeira característica: seu caráter personalíssimo perante o credor, isto é, somente aquele cuja necessidade autoriza e funda a prestação de alimentos pode pleiteá-los, sendo um direito pessoal e intransferível. Ainda se adiciona que esse direito é intransmissível quando do ponto de vista do credor, pois, finda a vida, finda a necessidade (Tartuce, 2024, p. 541). 13 Contudo, houve inovação em 2002 que teria fornecido aos alimentos a caraterística de transmissibilidade, por meio do artigo 1.700 do Código Civil, in verbis: “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694.” (Brasil, 2002). Explica Flávio Tartuce (2024, p. 561) que antes do advento do novo diploma legal, a transmissibilidade dos alimentos por parentesco era vedada via artigo 402 da codificação de 1916, sendo, porém, admitida entre ex-cônjuges por meio do artigo 23 da Lei do Divórcio. Apesar das intenções de encerrar polêmicas, estas perduraram. Maria Helena Diniz defende (2024, p. 683-688), por sua vez, a transmissão da obrigação aos herdeiros até os limites da herança, não como substituição do polo passivo da obrigação, mas sim como dívida do espólio ao qual se pretende a partilha. A autora resume, por fim, que a manutenção da condição de necessidade do alimentado enseja nova ação de alimentos e não a mera substituição do de cujus por seus herdeiros: Se falecer o beneficiado, extingue-se a obrigação, e se, porventura, seus herdeiros forem carentes de recursos materiais, terão de requerer alimentos de quem seja obrigado, legalmente, a prestá-los, fazendo-o por direito próprio e não como sucessores do falecido (Diniz, 2024, p.688). Por fim, fixou-se entendimento jurisprudencial nesse sentido, por meio da premissa 7 do informativo Jurisprudência em Teses, do Superior Tribunal de Justiça: A obrigação de prestar alimentos é personalíssima, intransmissível e extingue- se com o óbito do alimentante, cabendo ao espólio saldar, tão somente, os débitos alimentares preestabelecidos mediante acordo ou sentença não adimplidos pelo devedor em vida, ressalvados os casos em que o alimentado seja herdeiro, hipóteses nas quais a prestação perdurará ao longo do inventário (STJ, 2017, p. 3). São irrenunciáveis, por força do artigo 1.707 do Código Civil. Inclusive, o mesmo artigo define o direito aos alimentos como incessível, incompensável e impenhorável. Gonçalves ressalta, porém, que “o crédito constituído por pensões alimentares vencidas é considerado um crédito comum, já integrado ao patrimônio do alimentante, que logrou sobreviver mesmo sem tê-lo recebido. Pode, assim, ser cedido” (Gonçalves, 2024, p. 207). A incompensabilidade, por sua vez, foi novidade no advento do Código Civil de 2002. Nesse sentido: A atual codificação afasta a polêmica anterior a respeito da possibilidade de compensação de alimentos, principalmente nos casos de reciprocidade de 14 dívidas entre alimentante-devedor e alimentando-credor, não importando a sua natureza. Ora, não há dúvidas quanto a essa impossibilidade. Primeiro, pelo teor taxativo do atual texto legal, que visa a proteger o alimentando. Segundo, pelo comentado caráter personalíssimo da obrigação alimentar. Terceiro, porque a compensação acaba sendo, de forma indireta, uma forma de repetição da dívida de alimentos já paga (Tartuce, 2024, p. 516) Todavia, Gonçalves (2024, p. 208) adverte que essa característica vem sendo relativizada nos tribunais, já que há entendimentos que permitem considerar pagamentos realizados em quantia acima da devida em determinado mês como adiantamento de parcelas seguintes, concluindo que o caráter incompensável da obrigação alimentar deve ser sopesado, de modo a combater possível enriquecimento sem causa a partir de erro do alimentante. No mesmo sentido Silvio de Salvo Venosa (2024, p. 326). Discorda Maria Helena Diniz (2024, p. 691 e 715) e nesse mesmo sentido Tartuce (2024, p. 556), reconhecendo o movimento em prol dessa flexibilização, especialmente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, porém argumentando que: Não se filia a tal forma de julgar. Se os alimentos foram pagos a mais, não caberá a sua repetição. Não cabendo a repetição do indébito, por óbvio não cabe a sua compensação. Nota-se que a possibilidade de compensação, nos casos aqui citados, acaba sendo utilizada como forma de reaver o que foi pago, o que é vedado quando se trata de obrigação de alimentos. No que concerne ao afastamento do enriquecimento sem causa, este cede espaço para uma proteção maior do alimentando, com fundamento constitucional na dignidade humana (Tartuce, 2024, p. 557) Íntima ligação guarda essa característica com a da irrepetibilidade, uma vez que os alimentos são insuscetíveis de ação de repetição de indébito, já que, uma vez pagos, serão utilizados imediatamente para subsistência. Nesse sentido, Venosa: Não há direito à repetição dos alimentos pagos, tanto os provisionais como os definitivos. Desse modo, o pagamento dos alimentos é sempre bom e perfeito, ainda que recurso venha modificar decisão anterior, suprimindo-os ou reduzindo seu montante. No entanto, como sempre, toda afirmação peremptória em Direito é perigosa: nos casos patológicos, com pagamentos feitos com evidente erro quanto à pessoa, por exemplo, é evidente que o solvens terá direito à restituição (Venosa, 2024, p. 324). Na mesma linha, imperioso afirmar que também há exceção no caso de alimentos devidos entre ex-cônjuges ou ex-companheiros em que há ocultação de novo casamento pelo credor, de maneira dolosa, o que geraria a perda automática do direito, na linha do determinado pelo artigo 1.708 do Código Civil Brasileiro de 2002. Nessa linha Flávio Tartuce (2024, p. 560), 15 Maria Helena Diniz (2024, p. 691) e Carlos Roberto Gonçalves, que adiciona ainda o atraso na cessação de descontos em folha sem culpa do devedor aos casos de repetibilidade de obrigação alimentar: Por isso, tem-se deferido pedido de repetição, em caso de cessação automática da obrigação devido ao segundo casamento da credora, não tendo cessado o desconto em folha de pagamento por demora na comunicação ao empregador, sem culpa do devedor, bem como a compensação nas prestações vincendas, como já exposto, porque, em ambas as hipóteses, envolve um enriquecimento sem causa por parte do alimentado, que não se justifica (Gonçalves, 2024, p. 209). Por fim, conclui-se que, apesar das divergências doutrinárias que porventura possam conceder a possibilidade do abatimento de valores pagos em excesso em prestação alimentar nas prestações vincendas, é pacífico o entendimento jurisprudencial superior no sentido da impossibilidade, inclusive havendo fixação do entendimento no informativo Jurisprudência em Teses, do Superior Tribunal de Justiça, edição N.77, que, em sua premissa 1, cravou como absoluta “a irrepetibilidade dos valores adimplidos e a impossibilidade de compensação do excesso pago com prestações vincendas” (STJ, 2017, p.1), ao defender a retroatividade da revisão de alimentos. A impenhorabilidade, por sua vez, segue o raciocínio lógico do absurdo de penhorar quantia mínima destinada à sobrevivência do alimentado que, inclusive, dá origem a efeitos processuais nas apelações interpostas em face de sentenças que fixam obrigação de prestar alimentos: Inconcebível a penhora de um direito destinado à mantença de uma pessoa. Logo, por sua natureza, é impenhorável. Por essa mesma razão as apelações interpostas das sentenças que condenarem à prestação de alimentos são recebidas apenas no efeito devolutivo, e não no suspensivo (CPC/2015, art. 1.012, II), pois a suspensão do decisum poderia conduzir ao perecimento do alimentário. O Código de Processo Civil de 2015 prevê, no art. 833, IV, a impenhorabilidade das pensões destinadas ao sustento do devedor ou de sua família (Gonçalves, 2024, p. 207). Por fim, os alimentos também são atuais, isso é, sua fixação é exigível apenas no tempo presente. Por se tratar de meio de garantir subsistência, devem estar em sintonia com as necessidades atuais do alimentado, não sendo admitida fixação de alimentos com efeitos ex tunc. Do mesmo modo, são inadiáveis (Gonçalves, 2024, p. 208) e, portanto, devidos desde a citação, por força do artigo 13, § 2º da Lei 5.478/68. Em que pese o uso da locução “em qualquer 16 caso”, a interpretação de acordo com a atualidade dos alimentos e com o estudo da antecipação de tutela sugere a leitura de que os alimentos provisórios e provisionais são devidos desde a fixação. Nesse sentido, em artigo publicado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, Maria Berenice Dias: No entanto, vem-se cristalizando uma corrente jurisprudencial que pretende emprestar abrangência total ao § 2º do art. 13 da Lei nº 5.478/68, como se a determinação de retroatividade à data da citação dissesse respeito a qualquer encargo alimentar estabelecido em juízo, quer inicialmente, a título de antecipação de tutela, quer na sentença. Essa espécie de confusão não pode persistir, sob pena de gerar situações aflitivas a quem necessita de alimentos para viver. Incontrovertido que, nas ações cautelares e em sede de antecipação de tutela, a decisão liminar possui eficácia imediata, nada justificando que, em se tratando de alimentos, o efeito não seja também imediato. [...] O art. 4º da Lei nº 5.478/68 e o parágrafo único do art. 854 do CPC não são antagônicos ou contraditórios com o disposto no § 2º do art. 13 da Lei de Alimentos. Ao contrário, são harmônicos e se complementam. A tutela cautelar dispõe de eficácia imediata. Os alimentos provisórios e provisionais fixados initio litis são devidos desde a data da fixação, o que nada tem a ver com os alimentos quantificados na sentença, esses sim, devidos retroativamente a contar da citação (Dias, 2004, n.p.). Todavia, a questão continua controvertida, não havendo entendimento cristalizado a respeito. Superadas as características dos alimentos, passa-se ao breve estudo da classificação desses. 2.3 Classificação Podem ser classificados os alimentos, segundo Carlos Roberto Gonçalves (2024, p. 199- 202), quanto à causa jurídica; tempo; finalidade e natureza. Flávio Tartuce (2024, p. 564), por sua vez, adiciona às quatro anteriores a classificação quanto à forma de pagamento. Embora haja construção doutrinária acerca de classificação dos alimentos quanto ao tempo, a característica de atualidade dos alimentos, estudada no capítulo anterior, afasta os alimentos pretéritos e os futuros. Ora, os alimentos são sempre atuais, refletindo a necessidade- possibilidade do tempo presente. Maria Helena Diniz (2024, p. 699) ressalta que não se deve confundir os alimentos pretéritos com parcelas vencidas que, por sua vez, são exigíveis no prazo prescricional de dois anos, segundo a inteligência do artigo 206, § 2º do Código Civil. A categoria de alimentos futuros, nessa esteira, não parece adequada. Ademais, a qualquer momento poderá ser ajuizada ação revisional e, após a maioridade civil, ação de exoneração de alimentos, que pode ser improcedente, conforme entendimento jurisprudencial consolidado no sentindo da continuidade da obrigação de prestar alimentos enquanto o filho 17 continua matriculado em curso de ensino superior ou curso técnico, a fim de propiciar ao filho o cumprimento de suas necessidades educacionais, entendimento inclusive fixado na edição número 65 do Jurisprudência em Teses, do Superior Tribunal de Justiça, item 4 (Tartuce, 2024, p. 582), in verbis: “É devido alimentos ao filho maior quando comprovada a frequência em curso universitário ou técnico, por força da obrigação parental de promover adequada formação profissional” (STJ, 2016, p. 2). Portanto, diante da desnecessidade de uma classificação na qual há apenas uma categoria válida — nesse sentido Gonçalves (2024, p. 202) quando escreveu que “essa classificação não se amolda perfeitamente ao direito brasileiro” — convém relegar o tempo apenas à característica de atualidade dos alimentos. Quanto à finalidade, os alimentos podem ser provisórios, definitivos, provisionais ou transitórios. Os alimentos provisórios são aqueles determinados pelo juiz tão logo despachar o pedido, nos termos do artigo 4º da Lei nº 5.478/68 (Brasil, 1968, n.p.), antes mesmo da citação do devedor. Nessa esteira, não necessitam de dilação probatória, bastando tão somente prova documental de vínculo de parentesco ou dever familiar, tendo como finalidade “propiciar meios para que a ação seja proposta e prover a mantença do alimentando e seus dependentes durante o curso do processo” (Venosa, 2024, p.321). Necessita discernimento, uma vez que ausentes os meios de aferir as possibilidades do alimentante, devendo-se sopesar as necessidades do alimentando com extrema razoabilidade, sem excessos. Os definitivos, por sua vez, decorrem de sentença transitada em julgado ou acordo entre ex-cônjuges realizado por escritura pública, nos termos do artigo 733 do Código de Processo Civil (Brasil, 2015, n.p.). Flávio Tartuce (2024, p. 565) ressalta que definitivos não significam imutáveis, já que podem ser majorados, reduzidos ou exonerados, sob a inteligência do artigo 1.699 do Código Civil, que será tratado nesta monografia em capítulo próprio. Ora, são definitivos pois presume-se que foram elucidados os elementos do trinômio necessidade/possibilidade/razoabilidade, com respeito ao contraditório, salvo em caso de revelia do réu, na qual o juiz poderá recorrer às pesquisas patrimoniais e provas produzidas para elucidar tais questões, se for o caso. Vale ressaltar que são afastados os efeitos da revelia em ação de alimentos via artigo 345, II, do Código de Processo Civil, pois eles são indisponíveis. Os provisionais diferenciam-se dos provisórios, por sua vez, por estarem alheios à Lei nº 5.478/68 e, por conseguinte, dispensar os requisitos básicos de admissão da ação de alimentos, seja prova de filiação ou dever de sustento, estando sujeitos apenas aos requisitos da tutela de urgência: fumus boni juris e periculum in mora (Gonçalves, 2024, p. 201). Todavia, o 18 instituto é polêmico, com Maria Helena Diniz (2024, p. 697) defendendo que o instituto não foi recepcionado no Código de Processo Civil, muito embora elenque situações nas quais caberia sua concessão. Parece sensato concluir que cabem alimentos provisionais sob pretexto de tutela de urgência nas ações cujo rito seja incompatível com o trazido pela Lei nº 5.478/68, como o reconhecimento e dissolução de união estável e investigação de paternidade, muito embora Flávio Tartuce(2024, p. 565) alerte que “a expressão ‘alimentos provisionais’, na prática, é empregada, entretanto, indistintamente, para indicar também os fixados liminarmente na ação de alimentos de rito especial”. Por fim, o autor (Tartuce, 2024, p.566) ainda define os alimentos transitórios como sendo aqueles concedidos ab initio já com data determinada para cessar, pressupondo que o interregno é o necessário para recolocação do credor no mercado de trabalho, porém, pontuando que: Em 2016, a premissa passou a compor a Edição n. 65 da ferramenta Jurisprudência em Teses do Tribunal da Cidadania, com uma ressalva importante. Nos termos da afirmação número 14, “os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter caráter excepcional, transitório e devem ser fixados por prazo determinado, exceto quando um dos cônjuges não possua mais condições de reinserção no mercado do trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira (Tartuce, 2024, p. 566). A classificação quanto à natureza deriva do artigo 1.964 do Código Civil, segundo o qual os alimentos podem ser civis ou naturais (Brasil, 2015, n.p.). Em regra, eles serão civis, conforme descrito pelo caput, fine, do referido artigo, isto é, “visam à manutenção do status quo antes, ou seja, a condição anterior da pessoa” (Tartuce, 2024, p. 564), enquanto os naturais serão apenas os infimamente necessários à sobrevivência digna do alimentado, conforme se depreende do §2º do artigo supracitado, e são devidos apenas nos casos em que há premissa de culpa do alimentado. Flávio Tartuce (2024, p. 564), porém, alega que tal dispositivo é polêmico, tendo em vista que há interpretações doutrinárias de que tal dispositivo haveria sido revogado tacitamente com o fim da discussão de culpa trazida à tona pela Emenda Constitucional do Divórcio. Segue o entendimento Carlos Gonçalves (2024, p. 200), que ainda adiciona a categoria de alimentos compensatórios, instituto importado do Direito Comparado, que busca o equilíbrio econômico entre cônjuges com grande desequilíbrio patrimonial após a separação, que, geralmente, não importa em meação em bens ou, ainda, busca salvaguardar esse equilíbrio no 19 interregno entre a separação de fato e a partilha. O doutrinador, por fim, defende a limitação do tempo de prestação desses alimentos: De cunho mais indenizatório do que alimentar, pois não se restringem em cobrir apenas a dependência alimentar, mas também o desequilíbrio econômico e financeiro oriundo da ruptura do liame conjugal, não devem os alimentos compensatórios ter duração ilimitada no tempo. Uma vez desfeitas as desvantagens sociais e reparado o desequilíbrio financeiro provocado pela ruptura da união conjugal, devem cessar (Gonçalves, 2024, p. 200) Repise-se que, apesar da interpretação de que tal instituto apresenta caráter indenizatório seja possível, não se confundem os alimentos de natureza compensatória com os alimentos de causa jurídica indenizatória, afinal, não há de se falar em ato ilícito. Quanto à forma de pagamento (Tartuce, 2024, p. 564), decorrem do artigo 1.701, do Código Civil, são tanto próprios, na forma do caput, in fine, como impróprios, na forma do início do caput. Tem-se como alimentos próprios aqueles prestados mediante fornecimento de hospedagem e sustento e os impróprios aqueles na forma de pensão. Ademais, o valor deve ser atualizado com o decurso do tempo, conforme comando do artigo 1.710, do Código Civil (Brasil, 2015, n.p.), que deixa lacuna a respeito do índice a ser utilizado para a correção do quantum. Essa lacuna viria a ser preenchida, em parte, pelo artigo 533, § 4º, do Código de Processo Civil, que autoriza a indexação pelo salário-mínimo nacional, todavia, sem determinar esse método. Em prol de finalizar o estudo das classificações dos alimentos, a mais importante é aquela cujo critério se encontra na causa jurídica que autoriza sua prestação. Nesse sentido, os alimentos podem ser legais, convencionais ou indenizatórios. O estudo dessas categorias se faz necessário na presente monografia e sua importância enquanto conceito se dá pois apenas os casos contidos na primeira categoria ensejam a prisão civil em caso de inadimplência (Venosa, 2024, p. 321). Flávio Tartuce (2024, p. 564) explica que os alimentos convencionais e indenizatórios decorrem da autonomia da vontade do instituidor (via contrato ou testamento) e da condenação por ato ilícito, respectivamente. Os alimentos legais, por sua vez, são aqueles determinados por lei e decorrem de relações de direito de família, seja por meio do dever de sustento ensejado pelo poder familiar (artigo 22, caput, da Lei 8069/90) ou pelo parentesco, casamento ou companheirismo (artigo 1.694 do Código Civil). 20 Humberto Theodoro Jr. (2023, p. 159), para além das categorias já citadas anteriormente, acrescenta os alimentos remuneratórios, que se originam de rendimentos oriundos do labor, não possuindo natureza cível mas sim de Direito do Trabalho Finalizado o breve estudo de direito material acerca do instituto dos alimentos, passa- se, portanto, ao estudo das regras de direito processual relativas aos cumprimentos de sentença e às execuções por inadimplemento dos alimentos legais e seus ritos. 21 3 DOS CUMPRIMENTOS DE SENTENÇA E EXECUÇÃO DE ALIMENTOS Primeiramente, cumpre destacar que, conforme supracitado, existem várias causas jurídicas que engendram o dever de prestar alimentos e Humberto Theodoro Júnior elenca os procedimentos correspondentes a cada uma delas: O procedimento especial de cumprimento de sentença regulado pelos arts. 528 a 532 correspondem apenas aos alimentos legítimos. Os remuneratórios executam-se pelas vias comuns de cumprimento de obrigação por quantia certa [e,] para a execução de pensionamento ordenado em sentença de reparação do ato ilícito, são traçadas regras especiais (art. 533) (Theodoro Júnior., 2023, p.159). Em que pese a existência de um procedimento especial para as ações pertinentes aos alimentos legais, também denominados legítimos, ainda há especial predileção à resolução consensual dos litígios pela via da mediação e da conciliação, relegando à decisão do juiz os casos mais beligerantes, nos quais o esforço pela autocomposição não é suficiente para sanar as controvérsias (Theodoro Júnior, 2024, p. 320). O afinco do código pela resolução consensual de conflitos é louvável ao se considerar a mudança de paradigmas geradas pela situação de pandemia, conforme explicita Thiago Salatino Zanardo: É certo que o cenário pandêmico redescobriu um leque de opções para a aproximação de pessoas. As ferramentas já estavam à disposição, mas foram essenciais na redução de distâncias em épocas de confinamento. Através delas, tornou-se possível a autocomposição online, uma das poucas saídas para os advogados e advogadas em tempos de crise, decorrente da suspensão do curso dos prazos processuais e a mínima atividade jurisdicional. [...] Através da conciliação, mediação ou negociação, abate-se a carga emocional das partes trazida pelo litígio, resolvendo-o de forma rápida e com a menor onerosidade possível. Especialmente em tempos de pandemia, a autocomposição online constitui forma essencial, numa mudança ainda que momentânea de paradigma: da heterocomposição (jurisdição) para a autocomposição. [...] Em sua essencialidade, a internet contribui para o desenvolvimento dessas relações e ressignifica o princípio da duração razoável do processo, ponderando-se princípios e materializando a segurança jurídica. São inúmeros os meios redescobertos através da pandemia e à disposição da parte para iniciativa da autocomposição. Em tempos de crise, a melhor solução é dialogar (Zanardo, 2022, n.p.). Todavia, é inegável que, apesar da boa vontade do autor em elencar a autocomposição como a solução processualística brasileira em tempos de pandemia, se faz necessário ressaltar que tanto as ações revisionais de alimentos como as execuções de alimentos partem do 22 pressuposto de que não há interesse do autor ou do executado em contribuir economicamente para sanar as necessidades do alimentado, ao menos nos moldes fixados pelo juiz sob o sopesamento do trinômio necessidade/possibilidade/razoabilidade. Superadas as possibilidades de autocomposição e as hipóteses de exigibilidade de alimentos que não admitem a prisão civil, considerando que as vicissitudes do Processo Civil pátrio no período pandêmico se concentraram justamente nesse instituto, passa-se à análise do rito disposto nos artigos 528 a 532 do Código de Processo Civil Brasileiro. 3.1 Da prisão civil A única hipótese permitida de prisão devido à inadimplemento de obrigação no ordenamento jurídico brasileiro é a do alimentante que não cumpre com o dever de sustento do alimentado, sendo a hipótese devidamente consolidada e restringida pela Constituição Federal, em seu artigo 5º inciso LXVII, a saber: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (Brasil, 1988, n.p.) Vale ressaltar que a hipótese da prisão civil do depositário infiel não é mais recepcionada pelo ordenamento jurídico nacional, como ressalta Alexandre de Moraes (2024, p. 160-161) ao salientar que, sendo afastada em decorrência da aplicação do Pacto de São José da Costa Rica, à luz da Emenda Constitucional 45 de 2004, o Supremo Tribunal Federal passou a considerar essa hipótese inconstitucional, independentemente da modalidade, tendo em vista que o referido tratado internacional de Direitos Humanos limita as hipóteses de prisão civil àquelas que estritamente versem sobre inadimplemento injustificado de obrigação alimentar, derrogando-se automaticamente todas as outras. Esse posicionamento iniciou suas aparições no STF por meio do Recurso Extraordinário nº 349.073/RS e foi consolidado pela Súmula Vinculante nº 25, in verbis: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito” (STF, 2009, n.p.). Marques e Silva, por sua vez, (2021, n.p.) dispõem que “a prisão civil do depositário infiel [foi declarada] como inconvencional”. 23 Tem-se como inconvencionais normas que não são compatíveis com as convenções internacionais ratificadas pelo Congresso Nacional sob o rito do artigo 5º, LXXVIII, § 3º, da Constituição Federal ou aprovadas pelo Congresso Nacional e posteriormente promulgadas pelo Presidente (Moraes, 2024, p.759). Sobre a prisão civil por inadimplemento inescusável de obrigação de prestar alimentos, segundo Gonçalves (2022, p. 736), ela se diferencia das prisões mais comuns, da seara penal, por ser de caráter coercitivo e não punitivo, isto é, não se constitui como punição ao alimentante inadimplente, mas como um meio de coação com a finalidade de que, com a ameaça iminente da prisão, ou durante essa, a obrigação alimentar seja integralmente satisfeita. O doutrinador ainda retoma o comando constitucional supracitado para explicar que dele se pode extrair certos requisitos para que seja devidamente justificada medida tão extrema quanto a restrição de liberdade do alimentante, sendo eles a solvência do devedor; a ausência de impossibilidade fática da realização do pagamento; uma ação positiva do alimentante visando a frustração da prestação; a indispensabilidade da medida para ver a obrigação satisfeita, sendo, portanto, concomitantemente a medida de maior efetividade e menor restrição de direitos ao momento, isto é, quando for a ultima ratio, conceito geralmente aplicado na introdução ao estudo do Direito Penal e possível de ser utilizado na seara civil: ora, se tal conceito é aplicado no Direito Penal por esse orbitar a privação da liberdade, se torna mister a aplicação civilista da ultima ratio quando há de se falar em prisão civil. Outrossim, há de se falar que da eleição da natureza coercitiva em detrimento da punitiva resulta que cumprir o tempo máximo da pena de prisão civil não desobriga o executado a pagar pelo débito cujo inadimplemento autorizou seu encarceramento, isto é, persistem as parcelas vencidas e não pagas no quantum debeatur. Isso porque, frise-se, a decretação da prisão civil constitui tão somente meio de obrigar o devedor solvente a resolver a obrigação, o que difere da lógica penal, na qual a prisão é um fim. Em outras palavras, a finalidade dessa prestação jurisdicional é garantir a subsistência da criança, sendo a prisão o método para transpor essa finalidade na materialidade. Sylvio Motta (2021, p. 328), por sua vez, elenca apenas dois requisitos para a prisão civil: a voluntariedade do inadimplemento e o critério temporal de noventa dias (em que pese a redação mais recomendada seja a que considera as últimas três prestações vencidas e não pagas), conforme o já antigo posicionamento do STJ, consolidado na Súmula n. 309, de que não é cabível a cobrança de prestações alimentícias vencidas após decorrido esse prazo de tempo, considerando que a inércia do alimentado ou de seu representante altera a natureza da 24 obrigação, ou seja, não se tratando mais de caráter alimentício mas sim como mera dívida civil. Carlos Roberto Gonçalves (2022, p. 736) prossegue: Segundo a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o fato de estar preso não isenta o alimentante de seu dever para com o alimentado, pois existe a possibilidade de exercer atividade remunerada no cárcere. Segundo o Ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso: “Não se pode afastar o direito fundamental do menor à percepção dos alimentos ao argumento de que o alimentante não teria condições de arcar com a dívida, sendo ônus exclusivo do devedor comprovar a insuficiência de recursos financeiros. Ademais, ainda que de forma mais restrita, o fato de o alimentante estar preso não impede que ele exerça atividade remunerada. A fim de se compreender a importância da prisão civil para os processos executórios envolvendo obrigações alimentares, ainda mais considerando o cenário de pandemia supracitado, que ensejou a interrupção da viabilidade desse meio de coação, necessário o exame das demais alternativas disponibilizadas pela legislação pátria para a satisfação do débito e a análise do prejuízo para o alimentado em geral, tendo em vista a brecha aberta para possíveis abusos advindos da proibição. Maria Berenice Dias (apud. Pereira, 2022, p. 357) relembra que a execução mediante coação pessoal, isto é, sob pena de prisão, é a única hipótese que resta de pé e amparada pela Constituição Federal nas esferas cíveis, na forma e sob a égide dos artigos 911 e 528 do Código de Processo Civil, mediante cobrança de título executivo extrajudicial ou cumprimento de sentença ou decisão interlocutória, respectivamente. Além destas, também são previstos outros dois procedimentos, sendo eles a cobrança de título executivo extrajudicial ou cumprimento de sentença de decisão interlocutória pelo rito da expropriação, constando dos artigos 913 e 530 do Código de Processo Civil, respectivamente. Embora possa se dizer que há dissonâncias acerca do cabimento de uma prisão por dívida no ordenamento jurídico brasileiro, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, princípio amplamente utilizado para embasar teses contrárias à prisão civil como meio coercitivo ao adimplemento da obrigação alimentar. Marcos José Pinto (2019, p.89-91), por exemplo, argumenta que a norma constitucional que autoriza a prisão civil é inconstitucional: pois: Ela vai de encontro a preceitos fundamentais (materialmente constitucionais), como o princípio da liberdade, os fundamentos da dignidade da pessoa humana e da cidadania [...] contraria e ofende os direitos e garantias do cidadão. Entende-se que resta clara a contradição entre o princípio da solidariedade (no caso, obrigação de alimentar) e os demais princípios citados 25 [...] a prisão civil do devedor de pensão alimentícia viola postulados constitucionais, tais como os fundamentos da dignidade da pessoa humana e da cidadania. No mesmo sentido, Waldyr Grisard Filho (apud. Felizola; Alencar, 2021, n.p.): “o devedor pode cumprir a pena e continuar inadimplente, [... e a prisão civil por dívida de alimentos...] atenta contra a dignidade da pessoa humana e só aumenta o abismo moral e afetivo nas relações familiares rompidas”. Já as teses favoráveis, por sua vez, argumentam justamente que é a dignidade da pessoa humana, na figura do alimentado, que se busca resguardar, o que parece ser mais sensato, tendo em vista que se pressupõe a priori abismo moral e afetivo entre alimentado e alimentante que, apesar do primeiro ter sua necessidade provada em juízo e do segundo ser incapaz de provar em processo de conhecimento sujeito ao contraditório que não possui a possibilidade de provê-la, continua em débito do dever de sustento da prole que trouxe ao mundo ou da pessoa a qual se uniu civilmente com completa autonomia da vontade e afeto, já não mais presente. Ora, quando tratamos de normas constitucionais que assumem a forma de princípios, de rigor dizer que estes se irradiam para as demais regras, fornecendo a elas sentido e direções interpretativas, construindo acepções para conceitos abertos e constituindo a hermenêutica jurídica do ordenamento. Seguindo essa lógica, Rodrigo Padilha (2020, p.103) acrescenta que, além dessa interação para com as regras já existentes, há certa natureza normogenética nos princípios, já que além de guiá-las, são a razão fundante dessas. Por desempenharem também esse direcionamento, o doutrinador considera os princípios como mandados de otimização. Por conseguinte, as regras se aplicam em processo de subsunção, com eventuais antinomias sendo resolvidas por critérios objetivos de hierarquia, cronologia e especialidade, enquanto os princípios devem ser sopesados, isto é, deve-se ponderar a valoração de cada princípio em colisão. Parece sensato concluir, portanto, que ao analisar a situação de alimentante e alimentado, deve-se sopesar que a dignidade do segundo merece atenção especial do ordenamento, por se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade em face ao primeiro, que normalmente dispõe de condições de garantir o próprio sustento e o da prole, da qual é responsável por força do artigo 229 da Constituição Federal: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (Brasil, 1988, n.p.). Portanto, afirmar que a medida da prisão civil do devedor de alimentos é uma ofensa ao princípio da dignidade humana é ofender a 26 dignidade humana do alimentado em prol dos alimentantes irresponsáveis que buscam violar o dever de sustento de sua prole ou protelá-lo sem justificativa cabível. No mesmo sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho (2021, p. 251) afirmam que a prisão civil é de “grande utilidade prática e social” e “medida das mais salutares, pois a experiência nos mostra que boa parte dos réus só cumpre a sua obrigação quando ameaçada pela ordem de prisão”. Daniel Roberto Hertel (apud. Felizola; Alencar, 2021, n.p.) segue na mesma linha: “a prisão do devedor de alimentos não ofende a dignidade da pessoa humana: ao contrário, ela preserva a vida e a dignidade do credor dos alimentos”. Portanto, qual a diferença prática entre os ritos da prisão e da expropriação que enseja tanto desejo pela primeira opção? Certamente uma das mais bem quistas é a celeridade, uma vez que o prazo para pagamento nesse rito é três vezes menor do que pela via da penhora. Ter os alimentos em até três dias ao invés de quinze é muito mais atrativo, principalmente ao considerar o viés de garantir a subsistência da criança sob o qual tal execução se sustenta enquanto instituto jurídico, conforme brilhantemente explana Rolf Madaleno (apud. Pereira, 2021, p.358, grifo nosso) acerca da gravidade no atraso da adequada prestação jurisdicional nessa seara: Processos lentos e insolúveis têm desacreditado leis e desmentido advogados, juízes e promotores, pois a estes que operam o Direito, tem sido delegado o inglorioso esforço de buscar amenizar as angústias e de aparar os deletérios efeitos psicológicos causados sobre o credor de alimentos sempre quando constata e assimila que a realidade das demandas de execução alimentícia, no atual estágio processual em que se apresentam, mais tem servido ao renitente devedor do que ao desesperado credor. Meios executivos estéreis têm levado credores ao calvário, ao inenarrável sentimento de impotência que amargam ao constatar que a sua digna existência já não encontra caminho eficaz na busca executiva de seus alimentos. Enfrentam o martírio que tem sido encontrar fórmulas processuais capazes de aproximar, no tempo certo, prestação jurisdicional efetiva, em execução célere e eficaz, pronta e pontual e, consequentemente, permitir suprir a fome sem mais sequelas de um tormentoso e angustiante processo judicial. Vale ressaltar, por fim, nos casos nos quais a ação cabível não é o cumprimento de sentença e sim a execução de alimentos, os dispositivos que a disciplinarão são os artigos 911 a 913 do Código de Processo Civil, que possuem regramento idêntico ao artigo 528 e seguintes, do mesmo código, quanto à prisão civil. Portanto, passa-se à análise do rito da expropriação de bens, também conhecida como rito da penhora. 27 3.2 Da expropriação de bens Nos casos em que se pretende o cumprimento da sentença que fixou obrigação de pagar alimentos em relação aos débitos os quais já persistem há quatro meses ou mais, o alimentado deve, obrigatoriamente, observar o regramento do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa, disposto no artigo 523 e seguintes, do Código de Processo Civil. Vale ressaltar que nada obsta ao exequente que opte pela eleição do rito da expropriação de bens mesmo nos casos em que o débito exequendo abarca apenas as últimas três parcelas – ou menos – vencidas e não pagas, sem prejuízo de que as próximas parcelas inadimplidas possam ser executadas sob a égide do rito coercitivo, observadas as cautelas de praxe, supracitadas. Vale ressaltar que não pertence apenas ao rito prisional a possibilidade de cobrar as parcelas que se vencerem no curso do processo, sendo essa possibilidade estendida ao rito da penhora, por analogia, conforme decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, sob o pretexto de se evitar o ajuizamento de múltiplas ações com base no mesmo título executivo, aplicando por analogia a sistemática originalmente prevista para o rito prisional (STJ, 2023, n.p.). Humberto Theodoro Júnior (2023, p.155) acrescenta que, em ambos os ritos, a execução poderá ser proposta no juízo do domicílio do exequente, de acordo com o disposto no artigo 528, §9º, do CPC, e a peculiaridade procedimental que difere os cumprimentos de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa lato sensu e os cumprimentos de sentença no qual a quantia certa é a título de alimentos é que, nesse último caso, quando recair “a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação” (Brasil, 2015, n.p.), nos exatos termos do artigo 528, §8º, do CPC. A priori, parece uma questão simples, considerando que na opção pelo rito da prisão, o alimentante deverá, no curto prazo de três dias realizar o adimplemento da obrigação e provar que o fez ou a absoluta incapacidade de fazê-lo, conforme a inteligência do artigo 528 do Código de Processo Civil. A opção do rito da penhora, por sua vez, presume menor celeridade caso infrutíferas as diligências via sistema SisbaJud, acrônimo para Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário, que em 8 de setembro de 2020 substituiu o BacenJud, em operação desde 2005, prometendo maior celeridade que o antecessor e diversas automações, além de operar 28 completamente de forma digital (Britto, 2020, n.p.). Nesse sentido, João Pedro de Souza Mello, (2020, n.p.): Se a penhora online de ativos financeiros tem potencial de solucionar a execução com mais velocidade que a ameaça de prisão, isso deixa de ser verdade quando se começa a percorrer a ordem decrescente de liquidez do artigo 835 do CPC. Ainda que o caso seja de iliquidez e não de ocultação, a liquidação de bens por alienação privada, às pressas, pelo próprio devedor será infinitamente mais veloz do que os trâmites regulares do processo expropriatório. Mello (2020, n.p.) prossegue diferenciando o caso do devedor chamado renitente, que deixa de realizar o adimplemento da prestação alimentar e não se sente coagido a fazê-lo pela iminência da prisão civil, mas que possui crédito bancário. A penhora nesse caso seria muito mais eficiente e célere para a devida prestação jurisdicional, considerando os percalços que podem ocorrer no feito até a decretação da prisão civil, principalmente quanto às manifestações ora exigidas pelos magistrados acerca da justificativa apresentada pelo alimentante em atraso. Sobre o tema, Rodrigo da Cunha Pereira (2022, p. 358-359) ressalta que, apesar das boas intenções das alterações advindas ao Código de Processo Civil de 1973 e do próprio diploma processualista de 2015, a lentidão subsiste às tentativas de trazer celeridade aos feitos executórios de uma obrigação tão importante quanto a alimentar, muito por culpa dos profissionais do Direito, tendo em vista que a clareza das leis no comando da celeridade é corrompida pelas invenções procedimentais que se constituem não apenas de feitio mas de caráter meramente protelatório. O doutrinador prossegue (Pereira, 2022, p. 358-359), afirmando que a justificativa da impossibilidade do pagamento deve ser objetiva. Ora, se a absoluta impossibilidade não pôde ser cabalmente demonstrada perante o juízo, por qual motivo se deveria designar perícias, oitivas de testemunhas e audiências? Tais atitudes constituem descumprimento do procedimento, transformando a mera justificativa em ampla discussão de mérito e acabam por alargar a duração da execução e resultam, por fim, em uma prestação jurisdicional de menor qualidade, sob a escusa do amplo direito de defesa. Mello (2020, n.p.) afirma que, quando infrutífera a penhora online, poderia se pensar em eventual impossibilidade absoluta de cumprimento da obrigação alimentar, exceto por conta de duas situações: a ocultação do patrimônio do executado ou sua iliquidez. Em ambos os casos, prega que a coação realizada pela prisão civil poderia ser suficiente para que o devedor enfim, 29 pagasse o que devia, de maneira mais célere do que seria normalmente, sob a luz do artigo 835 do Código de Processo Civil. 3.3 Conversão de ritos A conversão de ritos, apesar de não ser legalmente prevista, tem seu lugar na jurisprudência devido ao entendimento de que a extinção do processo em um rito prisional a fim de que se ajuizasse o mesmo processo – com identidade de partes e objeto, procedendo-se novamente à intimação e todos os atos processuais subsequentes em repetição – seria mero pleonasmo desnecessário e atentatório contra os princípios de celeridade e cooperação entre as partes e o juízo a fim de alcançar o resultado útil, justo e efetivo. Vale ressaltar que a liberdade de escolha é sempre do credor, vedada a conversão de ritos imposta de ofício pelo juiz. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - RITO DE PRISÃO - CONVERSÃO PARA O RITO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA DE OFÍCIO - NÃO CABIMENTO - RECURSO PROVIDO. 1. O novo Código de Processo Civil encampou de forma expressa o entendimento já consagrado na Súmula 309 do c. STJ e Súmula 59 do Grupo de Câmaras Criminais do eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de que o débito alimentar que autoriza a decretação desta espécie de sanção limita-se àquele de natureza atual, ou seja, a prisão civil só se justifica com relação as três últimas prestações do débito alimentar e as que se vencerem no curso da execução. 2. Feita a escolha pelo rito que admite a prisão do devedor e desde que preenchidos os requisitos legais, não se mostra possível que o juiz, de ofício, converta o rito para o de execução por quantia certa, sob o fundamento de decurso do tempo, conforme, inclusive, entendimento firmado pelo c. STJ. 3. Recurso ao qual se dá provimento. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.22.158631-6/002, Relator(a): Des.(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto , 8ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 01/02/2024, publicação da súmula em 02/02/2024). Essa ponderação é importante. Durante a pandemia, muitos julgadores, mesmo com as mais nobres intenções, promoveram a conversão de rito após considerarem a prisão domiciliar meio ineficaz para o cumprimento da obrigação durante período de lockdowns, nos quais, via de regra, todas as pessoas estavam confinadas ao espaço residencial. Não desassiste razão aos magistrados quanto aos fins, porém os meios exigem melhor elaboração, visando não prejudicar o alimentado. Ora, considerando que a escolha é sempre do credor, é muito bem-vinda a sugestão do magistrado nesse sentido, inclusive, apresentando meios subsidiários para o prosseguimento do 30 feito, geralmente a decretação de prisão domiciliar ou a suspensão do processo, mas nunca a determinação de ofício da conversão de rito. Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DÉBITO ALIMENTAR REFERENTE ÀS TRÊS PRESTAÇÕES ANTERIORES AO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO, ALÉM DAS PARCELAS VINCENDAS. SÚMULA 309/STJ. CONVERSÃO PELO JUIZ, DE OFÍCIO, DO PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS COM BASE NO ART. 528, § 3º, DO CPC/2015, QUE PERMITE A DECRETAÇÃO DE PRISÃO CIVIL DO EXECUTADO, PARA O RITO DO § 8º DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL, EM QUE SE OBSERVARÁ A EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA, SEM POSSIBILIDADE DE PRISÃO. IMPOSSIBILIDADE. PAGAMENTO PARCIAL DO DÉBITO QUE NÃO AFASTA A POSSIBILIDADE DE PRISÃO. SALVO EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, O TRANSCURO DE TEMPO RAZOÁVEL DESDE O AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO NÃO AFASTA O CARÁTER DE URGÊNCIA DOS ALIMENTOS. RECURSO PROVIDO. 1. A questão controvertida consiste em saber se o Juízo de primeiro grau poderia ter convertido, de ofício, o procedimento de execução de alimentos com base no art. 528, § 3º, do CPC/2015, que permite a decretação de prisão civil do executado, para o rito previsto no § 8º do mesmo dispositivo legal, em que se observará a execução por quantia certa, sem possibilidade de prisão. 2. Da leitura do art. 528, §§ 1º a 9º, do Código de Processo Civil de 2015, extrai-se que o credor possui duas formas de efetivar o cumprimento de sentença que fixa alimentos. A primeira, prevista no parágrafo 3º da norma legal em comento, dispõe que, caso o executado não pague ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. Já a segunda, por sua vez, seguirá o rito processual do cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa (CPC/2015, arts. 523 a 527), hipótese em que será vedada a prisão civil do devedor, conforme estabelece o § 8º. 3. Feita a escolha do procedimento que permite a prisão civil do executado, desde que observado o disposto na Súmula 309/STJ, como na espécie, não se mostra possível a sua conversão, de ofício, para o rito correspondente à execução por quantia certa, cuja prisão é vedada, sob o fundamento de que o débito foi adimplido parcialmente, além do transcurso de tempo razoável desde o ajuizamento da ação, o que afastaria o caráter emergencial dos alimentos. 4. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte Superior, o pagamento parcial do débito alimentar não impede a prisão civil do executado. Além disso, o tempo transcorrido desde o ajuizamento da ação de execução, salvo em situações excepcionais, não tem o condão de afastar o caráter de urgência dos alimentos, sobretudo no presente caso, em que a demora na solução do litígio foi causada pelo próprio devedor, sem contar que os alimentandos possuem, hoje, 10 (dez) e 15 (quinze) anos de idade, o que revela a premente necessidade no cumprimento da obrigação alimentar. 5. Recurso especial provido. 31 (STJ, REsp 1773359/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 16/08/2019, grifo nosso). O julgado é útil para a análise de outro tema recorrente na conversão de ritos, no qual uma das motivações argumentadas é o tempo transcorrido durante a execução, que muitas vezes afastaria o caráter de urgência dos alimentos, foi utilizada no caso concreto: As instâncias ordinárias entenderam que, diante do pagamento parcial do débito pelo executado, além do tempo transcorrido desde o ajuizamento da execução de alimentos, não seria razoável a decretação da prisão civil do alimentante, devendo, por essas razões, o rito processual seguir a sistemática da execução por quantia certa, determinando-se a penhora de bens do executado, ressalvando que, "quanto ao débito das 3 (três) últimas prestações alimentícias, compete à parte autora promover nova execução com base no rito da prisão civil" (e-STJ, fl. 109). O caso, entretanto, comporta solução distinta. (STJ, REsp 1773359/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 16/08/2019, p. 4). Ora, a punição do credor por obstáculo causado pelo devedor não deve ser premiada. Nesse sentido, muito acertou o Superior Tribunal de Justiça: Além disso, ao contrário do que entenderam as instâncias ordinárias, o tempo transcorrido desde o ajuizamento da ação de execução, salvo em situações excepcionais, não tem o condão de, por si só, afastar o caráter de urgência do débito alimentar. [...] Com efeito, não se revela razoável que o devedor possa ser beneficiado por sua própria torpeza, permitindo o afastamento da prisão civil em virtude da demora no pagamento do débito alimentar provocada por ele mesmo (STJ, REsp 1773359/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 16/08/2019, p. 7-8). Dessa feita, convém ressaltar a inviabilidade da conversão de ofício da maneira contrária, isto é, o magistrado determinar que seja adotado o rito prisional: HABEAS CORPUS - AÇÃO DE EXECUÇÃO DE PRESTAÇÕES ALIMENTARES - INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE PRISÃO CIVIL DO EXECUTADO E EXECUÇÃO DE VERBAS ALIMENTARES, INCLUSIVE, PRETÉRITAS - OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 732, CPC - NECESSIDADE - CONVERSÃO PARA O RITO PREVISTO NO ARTIGO 733, DE OFÍCIO - IMPOSSIBILIDADE - IMINÊNCIA DA EXPEDIÇÃO DE DECRETO PRISIONAL - VERIFICAÇÃO - ORDEM CONCEDIDA. I - A execução de sentença condenatória de prestação alimentícia, em princípio, rege-se pelo procedimento da execução por quantia certa, ressaltando-se, contudo, que, a considerar o relevo das prestações de natureza alimentar, que possuem nobres e urgentes desideratos, a lei adjetiva civil 32 confere ao exequente a possibilidade de requerer a adoção de mecanismos que propiciam a célere satisfação do débito alimentar, seja pelo meio coercitivo da prisão civil do devedor, seja pelo desconto em folha de pagamento da importância devida; II - Não se concebe, contudo, que a exequente da verba alimentar, maior interessada na satisfação de seu crédito e que detém efetivamente legitimidade para propor os meios executivos que entenda conveniente, seja compelida a adotar procedimento mais gravoso para com o executado, do qual não se utilizou voluntariamente, muitas vezes para não arrefecer ainda mais os laços de afetividade, já comprometidos com a necessária intervenção do Poder Judiciário, ou por qualquer outra razão que assim repute relevante. III - Ordem concedida. (STJ, HC 128.229/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 06.05.2009, grifo nosso). Havendo o interesse expresso na conversão de rito da coerção pessoal para o da constrição de bens, este deve ser deferido, eis que direito potestativo do credor a escolha do rito e atentatório contra o princípio da celeridade a obrigatoriedade de extinção do feito e ajuizamento de novo cumprimento de sentença. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. CONVERSÃO DO RITO DE PRISÃO EM PENHORA A PEDIDO DO CREDOR. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. De acordo com o que prevê os artigos 911 e 913 do Código de Processo Civil, cabe ao alimentando escolher livremente, seja pela expropriação de bens, seja por meio de intimidação e prisão do devedor, qual rito constitui a melhor opção para efetivar o recebimento de prestação alimentícia. 2. Não cabe ao juízo dispor acerca do procedimento a ser seguido para satisfação dos alimentos quando ao credor é disponibilizada a faculdade de escolha. 3. Assim, considerando que o próprio credor dos alimentos fez a opção da conversão da execução em penhora, não se vislumbra razões para modificar os fundamentos que levaram à modificação da decisão agravada, bem como ao deferimento do pedido liminar os quais merecem ser reiterados. 4. Recurso conhecido e provido. (TJ-DF - Acórdão 1269321, 0707027-26.2020.8.07.0000, Relator(a): CARLOS RODRIGUES, 1ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 29/07/2020, publicado no DJe: 27/08/2020.). Todavia, o caminho contrário não é permitido. Primeiro, pois mais gravoso ao executado, perturbando a já polêmica relação entre a livre escolha de ritos pelo credor e o artigo 805 do Código de Processo Civil, que determina a adoção do meio executivo menos gravoso para o executado. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior: 33 O que permite o art. 805 é a escolha de meios executivos mais favoráveis ao devedor, quando por mais de uma forma se pode chegar à satisfação do direito do exequente. Não se inclui, porém, a alteração substancial da própria pretensão do credor. Exemplos mais comuns de aplicação do art. 805 encontram-se na escolha do bem a penhorar para a instrução da execução por quantia certa, assim como na concorrência desnecessária de várias execuções em torno de uma única dívida. O CPC/2015 inovou ao determinar, no parágrafo único do art. 805, incumbir ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa, indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos. Se não o fizer, serão mantidos os atos executivos já determinados. Ou seja, se é certo que a execução deve ser efetivada do modo menos gravoso ao executado, não se pode olvidar que sua finalidade é a satisfação integral do credor que, de modo algum, pode ficar prejudicado. Dessa sorte, se o executado não lograr indicar outro meio igualmente eficaz para adimplir sua obrigação, não se aplicará o princípio da menor onerosidade (Theodoro Júnior, 2024, p. 954). Porém, imperioso afirmar que essa regra geral sucumbe diante do tratamento específico que o Código de Processo Civil dá aos alimentos, ao permitir que o credor opte por qualquer uma das alternativas de execução. Nesse sentido, não havendo previsão expressa da conversão de ritos, essa possibilidade passa a ser vedada. Segundo, e principalmente, porque o artigo 528 do referido códice determina que apenas pode ser objeto de cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos as últimas três parcelas vencidas e não pagas, entendimento que transcende o tempo do Código de Processo Civil, sendo pacífico esse entendimento desde antes de 2015, por meio da súmula 309 do STJ, in verbis: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo” (STJ, 2006, p. 3). 34 4 PROFILAXIAS E TRATAMENTOS PROCESSUAIS FRENTE À CHEGADA DO SARS-COV2 NO BRASIL Ao passo em que o Brasil registrava seus primeiros casos confirmados de pessoas infectadas pelo SARS-Cov2, o Conselho Nacional de Justiça publicou, 20 dias após a confirmação do primeiro diagnóstico (ASCOM-SE/UNASUS, 2020, n.p.), a Recomendação nº 62, de 17 de março de 2020, na qual dispôs várias medidas recomendadas aos tribunais e magistrados no âmbito da prevenção da infecção de Covid-19, na qual foi observado o risco de contágio no cárcere, como veremos no capítulo 4.2. Preliminarmente, digno de nota que houve movimento para a adoção do rito comum nas ações de fixação de alimentos em razão da pandemia, considerando os magistrados arriscada a adoção do rito específico por razões de saúde. Nesse sentido o TJSP e o TJES: Trata-se de AÇÃO DE ALIMENTOS ajuizada por ..... representado por sua genitora Srª .... em face de .... todos qualificados na exordial. [...] Em razão do momento atual de pandemia, foi determinada a conversão do rito especial para o rito comum, ficando aberto o prazo de resposta do réu. Contestação às fls. 68/74. (TJES, 0024566-06.2019.8.08.0048, Juíza Maria Ignez de Andrade Bermudes, 11.03.2021). Apelação Cível. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS. Sentença que fixou alimentos devidos aos dois filhos do Requerido, em 30% (trinta por cento) dos rendimentos líquidos para a hipótese de vínculo formal, e 40% (quarenta por cento) do salário mínimo nacional na inexistência de vínculo empregatício. Insurgência do Requerido. Pleito para redução dos alimentos para o patamar de 15% (quinze por cento) dos rendimentos líquidos para a hipótese de vínculo formal, e 30% (trinta por cento) do salário mínimo nacional. Desacolhimento das razões recursais. Provas nos autos que demonstraram a fixação em patamar razoável. Carência de recursos não comprovada. Honorários advocatícios. Manutenção. Conformidade com o art. 85, § 8º do Código de Processo Civil, observada a suspensão de sua cobrança, nos termos do art. 98, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil. RECURSO NÃO PROVIDO. [...] A petição inicial advinda de termo de ajuizamento de expediente pré- processual via CEJUSC foi convertida ao rito comum pela decisão de pág. 12 com a fixação de alimentos provisórios em 30% dos ganhos líquidos ou 50% do salário mínimo nacional vigente, em caso de inexistência de vínculo empregatício (TJSP; Apelação Cível 0011150-74.2020.8.26.0002; Relator (a): Fatima Cristina Ruppert Mazzo; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 2ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 03/10/2024; Data de Registro: 03/10/2024). 35 Finda a breve observação, compete assinalar que o Superior Tribunal de Justiça decidiu liminarmente que todas as pessoas sob prisão civil após inadimplemento inescusável da obrigação alimentar deveriam cumprir sua pena em regime domiciliar, mas não pacificando a questão, tendo em vista o entrevero de um debate no qual a suspensão da execução tomou lugar de destaque como alternativa viável ao enclausuramento em domicílio do devedor de alimentos, como será abordado no capítulo a seguir. 4.1 HC 568.021/CE e HC 574.495/SP Na segunda feira, 23 de março de 2020, O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino apreciou liminarmente o Habeas Corpus Coletivo nº 568.021/CE enquanto grande parte dos funcionários públicos paulistas do governo do Estado (São Paulo, 2020), do TJSP (Conselho Superior da Magistratura, 2020) e do Ministério Público do Estado de São Paulo (Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica, 2020) adentravam na segunda semana de trabalho remoto. A movimentação nos bastidores não era à toa: aquele vírus havia enfim chegado ao Brasil, sem antes demonstrar seu rastro de morte nos países onde primeiro aterrissou junto aos voos comerciais, encurtadores de distância outrora celebrados como agentes da globalização, que agora agilizariam a diáspora do agente infeccioso. O cuidado e, por que não, o medo do contágio e da mortalidade estava escancarado nos considerandos do Provimento CSM nº 2545/2020 e nos da Resolução nº 1.197/2020-PGJ. Foram destacados pelo Conselho Superior da Magistratura o risco simultâneo de toda a população – até então, situação inédita, que ensejou o descarte da compreensão de focos epidêmicos, muito internalizados pelos brasileiros por conta das estratégias de combate à dengue, amplamente divulgadas –, a alta mortalidade entre idosos e aqueles que viriam a ser denominados como grupo de risco, o risco de disseminação em locais de acesso público nos prédios do Poder Judiciário, insuficiência das medidas de higiene – contrariando o que outrora fora muito efetivo, como o uso de álcool em gel contra o vírus H1N1, a higienização das mãos e o uso de máscaras, embora relativamente eficazes, não faziam frente à alta taxa de contágio – , a inevitável aglomeração nos estabelecimentos penitenciários, sopesando eventual morosidade na justiça paulista com a situação iminentemente crítica da saúde pública tanto coletivamente quanto individualmente consideradas, porém ponderando que a diminuição do contingente necessariamente prejudica o período de funcionamento das unidades, dentre outros (Conselho Superior da Magistratura, 2020). Na mesma esteira a Subprocuradoria-geral de Justiça Jurídica, que ressaltou o caráter global da emergência de saúde desde 11 de março de 2020 e a urgência na tomada de medidas 36 de prevenção. Diferencia-se dos motivos apresentados pelo Conselho Superior da Magistratura na medida em que depositava, desde já, confiança nos “recursos de tecnologia da informação e a possibilidade de realização de serviço mediante teletrabalho” (Subprocuradoria Geral de Justiça Jurídica, 2020). Foi nesse contexto que o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino deferiu monocraticamente a liminar no Habeas Corpus Coletivo nº 568.021/CE, impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Ceará em face do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará em favor de todos as pessoas do referido Estado que se encontrem em prisão civil. Mais tarde, quando do julgamento do HC pela segunda seção, recordaria o ministro: Relembro que medida liminar deferida neste habeas corpus coletivo foi concedida no mês de março de 2020, período em que a pandemia ainda estava em seu estágio inicial no Brasil, bem como as sessões de julgamento desta Corte estavam suspensas. Naquela oportunidade, diante da urgência da situação, optei por deferir parcialmente a ordem [...]. Passados três meses, o temor inicial concretizou-se infelizmente como uma dura realidade, observando-se um crescimento exponencial da Covid-19 em todo o país, com o significativo aumento diário do número de pessoas contaminadas e, principalmente, de óbitos em dimensão jamais vista na História do Brasil para uma pandemia. (STJ - HC: 568021 CE 2020/0072810-3, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 24/06/2020, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 31/08/2020). A liminar foi parcialmente deferida, inclusive afastando a súmula nº 691 do STF motivado pela urgência da situação, muito com base na Recomendação nº 62, do CNJ, conforme verifica-se da ementa: HABEAS CORPUS COLETIVO. WRIT INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE ORIGEM. SUPERAÇÃO DO ÓBICE PREVISTO NO ENUNCIADO N.º 691/STF. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR DÍVIDAS ALIMENTARES POR PRISÃO DOMICILIAR. RECOMENDAÇÃO 62/2020 DO CNJ. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AUTORIZA A CONCESSÃO DA LIMINAR. 1. Possibilidade de superação do óbice previsto no Enunciado n.º 691 do STF, em casos de flagrante ilegalidade ou quando indispensável para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, o que não ocorre na hipótese dos autos. 2. Considerando a gravidade da atual situação de pandemia pelo coronavírus - Covid-19 -, a exigir medidas para contenção do contágio e em atenção à Recomendação CNJ nº 62/2020, deve ser assegurados aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar. 37 3. LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA (STJ - HC: 568.021 CE 2020/0072810-3, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 23/03/2020, Data de Publicação: DJ 25/03/2020, grifo nosso). Chama a atenção, entretanto, suposta contradição no item 1 da ementa, frise-se, não ocorrência das duas possibilidades, já que o Ministro, ao decidir, afirma a necessidade da medida em prol da efetividade da prestação jurisdicional diante do cenário no qual os sujeitos do processo estavam inseridos, portanto, ocorrendo a segunda possibilidade de superação da súmula 691 do STF: Na hipótese dos autos, diante das circunstâncias excepcionais enfrentadas pelo país em decorrência da pandemia de coronavírus produzida pelo Covid-19, verifica-se a necessidade de se preservar a efetividade da prestação jurisprudencial, de modo a determinar a superação do óbice previsto no enunciado n.º 691/STF, autorizando a concessão de ofício da ordem. (STJ - HC: 568.021 CE 2020/0072810-3, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 23/03/2020, Data de Publicação: DJ 25/03/2020, grifo nosso). Por fim, em razão da perda superveniente do objeto do habeas corpus, uma vez que o tribunal a quo julgou, de forma superveniente, o mérito do HC, foi prejudicado o pedido de extensão dos efeitos para todo o território nacional. Todavia, o posicionamento pela prisão civil domiciliar seguiu forte. Conforme o decurso do tempo, diversas discussões se seguiriam acerca da medida mais adequada a se tomar naquele momento, todavia, apesar das divergências travadas, restou pacífico a concordância pela impossibilidade da prisão civil naquele momento. O entendimento da prisão domiciliar como medida de rigor para contornar o encarceramento seguiria até 26 de maio de 2020, quando foi alterado pelo julgamento do HC 574.495/SP, no qual se preferiu o diferimento da execução pelo rito prisional enquanto a situação de pandemia perdurasse, o que, praticamente, esvaziou a proposta da prisão civil como meio coercitivo para pagamento de alimentos. Para tanto, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, justificou que: Todavia, ao aprofundar a reflexão quanto ao tema, percebe-se que assegurar aos presos por dívidas alimentares o direito à prisão domiciliar é medida que não cumpre o mandamento legal e que fere, por vias transversas, a própria dignidade do alimentando. [...] 38 Por esse motivo não é plausível substituir o encarceramento pelo confinamento social, o que, aliás, já é a realidade da maioria da população, isolada no momento em prol do bem-estar de toda a coletividade. Nesse sentido, diferentemente do que assentado em recentes precedentes desta Corte (HC nº 566.897/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19/3/2020, e HC nº 568.021/CE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 25/03/2020), que aplicaram a Recomendação nº 62 do CNJ, afasta-se a possibilidade de prisão domiciliar dos devedores de dívidas alimentares para apenas suspender a execução da medida enquanto pendente o contexto pandêmico mundial. (STJ – HC 574.495/SP 2020/0090455-1, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento: 26/05/2020, Data de Publicação: DJe 01/06/2020, p. 6, grifo do autor). Embora razoável a justificativa, a alternativa proposta não é suficiente para garantir a dignidade do alimentado, tampouco sendo mais razoável que a prisão domiciliar. Ora, a ratio decidendi da recomendação supramencionada, que será analisada com mais detalhes a seguir, visa justamente garantir a saúde do alimentante frente ao risco elevado de contágio pelo SARS- COV 2. Nesse sentido, a decretação da prisão civil na modalidade domiciliar constituiria segundo óbice à livre circulação em conjunto com a determinação dos lockdowns, os quais a experiência prática demonstrou não serem capazes, por si só, de manter o máximo de pessoas possível a salvo de potenciais situações de contágio. Não há de se falar em incentivo à quebra da quarentena baseado em suposto prêmio por se manter em dia com as obrigações alimentares, tampouco não é absurdo dizer que as pessoas que assim agissem, fariam igualmente caso a obrigação fosse suspensa. No fim das contas, nesses casos, ainda haveria o aspecto positivo de garantir a subsistência de sua prole, parte hipossuficiente da obrigação que, frise-se, sequer pediu para nascer, em face do aspecto negativo de risco de contaminação do alimentante que, por livre e espontânea vontade, apesar das políticas públicas em prol do isolamento, circulou em ambientes com risco infeccioso. É claro, não é um debate simples e essa conclusão retira da equação pessoas que podem ser infectadas a partir do adoecimento irresponsável desse alimentante, porém, ressalta-se que a solução de diferimento da obrigação alimentar para após o término da pandemia nada faz nesse sentido e além, resulta em prejuízo ao menor. O ministro conclui: Portanto, a excepcionalidade da situação emergencial de saúde pública permite o diferimento provisório da execução da obrigação cível enquanto pendente a pandemia. A prisão civil suspensa terá seu cumprimento no momento processual oportuno, já que a dívida alimentar remanesce íntegra, 39 pois não se olvida que, afinal, também está em jogo a dignidade do alimentando, em regra, vulnerável. Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus apenas para suspender a execução da ordem de prisão civil do paciente durante o período da pandemia da Covid-19. (STJ – HC 574.495/SP 2020/0090455-1, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento: 26/05/2020, Data de Publicação: DJe 01/06/2020, p. 6-7) Para melhor análise do contexto normativo que ensejou os dois habeas corpus paradigmáticos, retornaremos alguns meses na linha do tempo para ponderar, primeiramente, acerca da Recomendação nº 62. 4.2 Recomendação nº 62 De todos os 16 artigos dispostos nas catorze páginas da Recomendação, é mais caro ao Direito das Famílias o seu artigo 6º, in verbis: “Recomendar aos magistrados com competência cível que considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus” (CNJ, 2020). A Recomendação, apesar do seu evidente caráter sanitário em relação à população carcerária, que é, de fato, importante, inibiu sobremaneira a coerção aos alimentantes para que provessem o sustento que lhes é devido aos alimentados sob sua responsabilidade. Exemplos da supressão do efeito coercitivo da pena de prisão civil não faltam na jurisprudência, como, por exemplo, o Agravo de Instrumento nº 2049271-75.2022.8.26.0000, no qual o alimentante se beneficiou da situação por um ano inteiro sem que cumprisse com a obrigação alimentar em um mês sequer: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DÍVIDA DE ALIMENTOS. PRISÃO CIVIL. Decisão que determinou a expedição de mandado de prisão em desfavor do alimentante. Pleito de reforma. Impossibilidade. Alimentante que já se beneficiou com a suspensão do decreto prisional por um ano, sem, contudo, satisfazer a execução. (TJSP; Agravo de Instrumento 2049271-75.2022.8.26.0000; Relator (a): Schmitt Corrêa; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 3ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 06/07/2022; Data de Registro: 06/07/2022. Grifo nosso.). Os primeiros julgados que chegaram ao TJSP após o dia 17 de março, no qual a Recomendação nº 62 foi publicada, já seguiram esse posicionamento trazido pelo Conselho Nacional de Justiça, como podemos averiguar: 40 AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. I. Preliminar. Vício de representação. Questão não caracterizada, diante da juntada de procuração pela exequente maior, com firma própria, quando já exercida per se os atos da vida civil, ainda que assistida. Preliminar rejeitada. II. Decreto de prisão civil em desfavor do executado. Irresignação. Manutenção. Execução de alimentos aforada com respeito aos limites dispostos na Súmula 309 do C. Superior Tribunal de Justiça, ora positivados no artigo 528, § 7º, do Código de Processo Civil. III. Incontroverso inadimplemento parcial e relevante das verbas executadas. Prevalência da escolha do credor sobre o rito especial, que admite coerção pessoal do devedor. Precedentes deste E. Tribunal. IV. Débito alimentar que não perde sua atualidade por ter sido objeto de avença em sede de execução, posteriormente descumprida. Compreensão contrária que redundaria em premiar o executado por seu comportamento contrário à lei. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça e desta Corte. V. Excesso de execução. Contrariedade do devedor que veio desacompanhada do demonstrativo discriminado e atualizado do cálculo. Providência exigida pelo artigo 525, § 4º, do Código de Processo Civil. Magistério doutrinário. Precedentes deste E. Tribunal. VI. Relativização das necessidades das exequentes. Matéria levantada que se revela incabível para apreciação em sede de execução de alimentos. Entendimento desta Câmara. Licitude do decreto de custódia. VII. Prisão, nos termos do artigo 6º, Recomendação 62/20, CNJ, que deverá ser na modalidade domiciliar, enquanto perdurar a pandemia de Covid- 19 DECISÃO PRESERVADA. AGRAVO DESPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 2002554-73.2020.8.26.0000; Relator (a): Donegá Morandini; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 5ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 31/03/2020; Data de Registro: 31/03/2020, grifo nosso.). Frise-se que, no caso em análise, houve prática de questionamento das necessidades da alimentada, que já era maior e capaz. Como veremos no capítulo a seguir, tal discussão é relevante, pois de rigor a análise das possibilidades do alimentante em consonância com as necessidades da alimentada, sob o crivo da razoabilidade, porém, reservada à ação de revisão de alimentos. Por fim, obedeceu o tribunal paulista à recomendação de prisão na modalidade domiciliar. Na mesma esteira o HC nº 2026981-37.2020.8.26.0000: HABEAS CORPUS. SITUAÇÃO EMERGENCIAL DE CRISE SANITÁRIA. Execução de alimentos que tramita pelo rito do art. 528 do CPC/15. Cobrança em consonância com a Súmula 309 do STJ e com a legislação processual em vigor. Via estreita do writ que não serve para profundidade do mérito. REGIME ABERTO. Não cabimento. SUSPENSÃO DA ORDEM DE PRISÃO. Cabimento. Em regime de exceção é possível a concessão, de ofício, da ordem, apenas para evitar a propagação do COVID-19. Prisão suspensa até que se declare o fim da crise sanitária. ORDEM CONCEDIDA, com observação. 41 (TJSP; Habeas Corpus Cível 2026981-37.2020.8.26.0000; Relator (a): Rosangela Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 2ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 30/03/2020; Data de Registro: 30/03/2020, grifo nosso). O Habeas Corpus supracitado, impetrado contra decisão que determinou a prisão civil do paciente, sustentado pela tese de que o acordo celebrado com os alimentados não foi cumprido devido à alteração de fortuna, o que já foi prontamente rebatido pela relatora, que evoca o não cabimento dessa discussão em sede de execução de alimentos, sendo, portanto, objeto de ação própria. Ao concluir, a desembargadora Rosangela Telles argumenta pela suspensão da ordem de prisão a